BURKE, P. “A história dos acontecimentos e o renascimento da
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BURKE, P. “A história dos acontecimentos e o renascimento da
A ESCRITA J)A HISTÓRIA N O V A S P E R S P E C T IV A S FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP Presidente do C onselho C u ra d o r Jo s é C a r lo s S o u z a T r in d a d e Diretor-Presiden Ce Jo s é C a stilh o M arq u es N e to E ditor Executivo Jézio H e rn a n i B o m fim G u tie rre C onselho E d ito rial A cadêm ico A lb e r to Ik ed a A n to n io C a rlo s C a rre ra de So u z a A n to n io d e P ád u a P ith o n C y rin o B e n e d ito A n tu n e s Isab e l M aria F. R . L ou reiro L íg ia M . V e tto r a to T r e v isa n L o u rd es A . M . d o s S a n to s P in to R a u l B o rg e s G u im a rã e s R u b e n A ld r o v a n d i T a n ir. R e g in a d e L u ca PETER BURKE (O rg.) A ESCRITA DA HISTÓRIA NOVAS PERSPECTIVAS T rad u ção de M agda Lopes 7a R eim p ressão ' ) í rr Class Cutter Tombo Dat a O d i+ o v r r / / C o p y rig h t © 1991 by B asil B lack w ell L im ited , E n g lan d T ítu lo o rig in al e m in glês: N e w P ersp ectiv es o n H isto ric a l W ritin g C o p y rig h t © 1992 d a trad u ç ão brasileira: E d ito ra U n e sp , d a F u n d ação p ara o D e se n v o lv im e n to d a U n iv e rsid a d e E stad u al P au lista (F U N D U N E SP ) P raça d a S é , 108 0 1 0 0 1 -9 0 0 - S ã o P au lo - S P T e L : (0 1 1 )3 2 4 2 -7 1 7 1 F a x :( 0 1 1 ) 3 2 4 2 - 7 1 7 2 H o m e page: w w w .ed itora.u n esp.b r E -m ail: feu @ ed itora.u n esp .b r D a d o s In te rn a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o (C IP ) (C â m a r a B rasileira d o L ivro, SP, B rasil) A Escrita a história: novas perspectivas / Peter Burke (org.); tradução de M agda Lopes. - São Paulo: Editora da U niversidade Estadual Paulista, 1992. - (Biblioteca básica) dISBN: 85-7139-027-4 1. Historiografia 1. Burke, Peter. II. Série. CDD-907.2 92-1978 ín d ic e s p ara c a tá lo g o sistem ático : o 1. Escola dos Annales: Historiografia 907.2 2. Historiografia 907.2 3. N ova história: Historiografia 907.2 E d ito ra afiliad a: ^AMOCWV B D R ÇXOflB«a«JW onciiot «cmocnuieot m Asociaclón de Edltoriales Unlversltarlas de América Latina y el Caribe Associação Brasileira de Editoras Universitárias A HISTÓRIA DOS ACONTECIMENTOS E O RENASCIMENTO DA NARRATIVA Peter Burke* Narrativa versus estrutura A historiografia, com o a história, parece se repetir - com variações.1 M uito antes do n o sso tem po, na época do Ilum inism o, já se atacava a hipótese de que a história escrita deveria ser um a narrativa d o s acontecim entos. O s críticos incluíam V oltaire e o teórico social escocês Jo h n M illar, que escreveu sobre a “superfície do s acontecim entos que prende a atenção do historiador com u m ” . D esse pon to de vista, a cham ada “ Revolução C op érn ica” liderada na historiografia por Leopold von Ranke n o início d o século dezenove, parece m uito m ais um a contra-revolução, n o sentido de que trouxe os acontecim entos de volta ao centro do palco.2 * Docente de H istória C ultural d a U niversidade de C am bridge e m em bro d o E m m anuel College. 1. E ste artigo originou-se de u m a conferência e a presente versão deve m uito aos co m entários de vários ouvintes, de C am b rid g e a C a m p in a s, de T el Ayiv a T ó q u io . M eu s agradecim entos pessoais a C ario G inzburg, M ichael H olly, Ian Kershaw , D o m in ick L a C a p ra e M ark Phillips. 2. T e n to apoiar este argum ento em “ R an ke T h e Reactionary” , Syracuse Scholar, 9, p. 25-30, 1 988. PETER BURKE 328 U m segundo ataque à história dos acontecim entos ocorreu no início do século vinte. N a G rã-Bretanha, Lewis N am ier e R.H . Tawney, que concordavam em algo m ais, sugeriram quase ao m esm o tem po que o historiador, em vez de narrar os acontecim en tos, deveria analisar as estruturas. N a França, a rejeição do que era pejorativam ente cham ado de “história dos acontecim entos” (histoire événementielle), em prol da história das estruturas, era um a prancha im portante n a plataform a da cham ada “ escola dos Armales” , de Lucien Febvre a Fernand Braudel, que, da m esm a form a que M illar, encaravam os acontecim entos com o a superfície do oceano da história, significativos apenas por aquilo que podiam revelar das correntes m ais profu ndas.3 Se a história popular perm anecesse fiel à tradição da narrativa, a história acadêm ica tornar-se-ia cada vez m ais preocupada com os problem as e com as estruturas. O filósofo francês Paul Ricoeur certamente tem razão, q u an d o fala do “ eclipse” d a narrativa histórica em n o sso tem po.4 Ricoeur prossegue declarando que toda a história escrita, incluindo a cham ada história “ estrutural” associada a Braudel, necessariam ente assum e algum tipo de form a narrativa. D e um m od o sim ilar, Jean-François Lyotard descreveu algum as interpreta ções da história, especialm ente aquela dos m arxistas, com o “ gran des narrativas” .5 O problem a de tais caracterizações, pelo m enos para m im , é que elas diluem o conceito da narrativa, até que ela corra o risco de se tornar indistinguível da descrição e d a análise. Entretando, não vou tratar desse assunto aqui, preferindo concentrar-me n a questão m ais concreta das diferenças, n o que poderia ser cham ado de o grau de narrativa, entre algum as obras contem porâneas de história e outras. D e alguns an os para cá tem havido sinais de que a narrativa histórica, em um sentido bem 3. F . B rau del, The Mediterranean, 2 ed. rev., trad. S . R eynolds, Lon dres, 1972-3, prefácio. 4 . P. R icoeur, Time and Narrative, trad. de K . M cLau ghlin e D . D ellauer, 3 v., C h icago, 1984-8, l . p . 138f. 5. J.-F. Lyotard, L a condition post moderne, Paris, 1 979; The Post-Modern Condition, trad. de C . B en n in gton e B. M acru m i, M anchester, 1984. A ESCRITA DA HISTÓRIA 329 estrito, está realizando outro retom o. M esm o alguns historiadores associados aos A nnales estão se m ovim entando n essa direção G eorges Duby, por exem plo, que publicou um estudo da batalha de Bouvines, e Em m anuel Le Roy Ladurie, cujo Carnival trata dos acontecim entos que ocorrem n a pequena cidade de R om ans durante 1579 e 1 5 8 0 .6 A atitude explícita desses dois historiadores não está m uito distante daquela de Braudel. D uby e Le Roy Ladurie não focalizam os acontecim entos particulares por si sós, m as pelo que revelam sobre a cultura em que ocorreram . D o m esm o m odo, o fato de dedicarem livros inteiros a acontecim entos particulares sugere u m a certa distância da posição de Braudel, e seja com o for, Le Roy Ladurie já discutiu alhures a im portância do que ele cham a de “ acontecim ento criador” (événement matrice), que destrói as estruturas tradicionais e as substitui por n ovas.7 A nova tendência, que com eçou a afetar outras disciplinas, especialm ente a antropologia social, foi discutida pelo historiador britânico Lawrence Stone em um artigo sobre ‘ The Revival of Narrative’ , que atraiu m uita atenção.8 Stone dizia não estar fazendo m ais do que “ tentar m apear as m udanças observadas de m aneira histórica” , em vez de realizar julgam entos de valor. A esse respeito, algum as obras históricas m ais conhecidas, que surgiram nos anos 80, confirm aram suas observações. Citizens de Sim on Scham a, por exem plo, é u m estudo da Revolução Francesa, publicado em 1989 que descreve a si m esm o com o um retorno “ à form a das crônicas do século dezenove” .9 6. G . D uby, The Legend of Bouvines, trad. de C . Tihanyi, C am b ridge, 1990; E. Le Roy Ladurie, C arnival, trad. de M . Fenney, Lon dres, 1980. 7. E. Le Roy Ladurie, “ Event and Long-Term in Social H istory” , trad. de B . e S . Reynolds em seu Terricory ofthe Historian, H assocks, 1979, p. 111-32. 8. L. Ston e, “T h e Revival o f N arrative” , Pasc and Present, 85, p. 3-24, 1979; cf. E.]. H o b sb aw m , “ S o m e C o m m e n ts", Past and Present, 8 5 , p. 3 -8 ,1 9 8 0 . C f. ]. B o o n , The Anthropological Romance of Bali, C am b rid ge, 1977 e E .M . B runer, ‘“Ethnography as N arrative” em The Anthropology o f Experience, ed. V . T u rn er e E. B runer, U rb a n a e C h icago , 1 9 8 6 , capitulo 6. 9. S. Sch am a, Citizens, N o v a Y ork, 1 989, p. xv. PETER BURKE 330 D o m esrtio m odo, é difícil não perceber a tristeza de Stone diante d o que ele cham a de “a m udan ça ... do m odo analítico para o descritivo” d a escrita d a história. O título de seu artigo, assim com o seus argum entos, têm sido influentes. Ele tem contribuído para transform ar a narrativa histórica em u m tema de debate.10 M ais exatam ente, a narrativa histórica tornou-se o tem a de pelo m en os dois debates, que têm ocorrido independentem ente, apesar da relevância de um para o outro. V in cular os dois é o objetivo principal deste capítulo.11 Em prim eiro lugar, há a conhecida e longa cam pan ha de oposição àqueles que afirm am , com o Braudel, que os historiadores deveriam considerar as estruturas m ais seria m ente que os acontecim entos, e aqueles que continuam a acreditar que a função d o historiador é contar u m a história. N esta cam pa nha, am bos os lados estão agora entrincheirados em suas posições, m as cada um deles tem feito algum as observações im portantes à custa do ou tro.12 D e um lado, os historiadores estruturais m ostraram que a narrativa tradicional passa por cim a de aspectos im portantes do passado, que ela sim plesm ente é incapaz de conciliar, .desde a estrutura econôm ica e social até à experiência e os m od os de pen sar das p essoas c o m u n s.13 Em outras palavras, a narrativa não é m ais inocente na historiografia d o que o é n a ficção. N o caso de um a narrativa de acontecim entos políticos, é difícil evitar enfatizar os atos e as decisões dos líderes, que proporcion am um a linha clara à história, à custa dos fatores que escaparam ao seu controle. N o caso das entidades coletivas - a A lem anh a, a Igreja, o Partido C on servador, o Povo etc. - o historiador narrativo é forçado a 10. C f. B. Bailyn, “T h e C hallen ge o f M o d e m H istoriography” , American Historical Revieiv, 8 7 , p. 1-24, 1982. 11. C f. Ricoeur; M . Phillips, “ O n H istoriography and N arrative” , University of Toronto Quarterly, 5 3 , p. 14 9 -6 5,1983-4; e H . Kellner, Language and Historical Representation, M ad iso n , 1 9 8 9 , esp. capítulo 12. 12. Para u m a d iscu ssão de pon tos de vista diferentes, ver Theorie uncl Erzühlung in der Geschicfite, ed. J. K ocka e T . N ipperdey, M u n iqu e, 1979. 13. A últim a qu estão está bem observada em E. A uerbach , Mimesis, trad. W .R . T rask, Princeton, 1 9 5 3 , capítulos 2 e 3 (discutindo T acitu s e A m m ian u s M arcellinus). A ESCRITA DA H ISTÓRIA 331 escolher entre omiti-los com pletam ente ou personificá-los, e eu concordaria com H uizinga em que a personificação é um a figura de retórica que os historiadores deveriam tentar evitar.14 Ela obscurece as distinções entre os líderes e os seguidores, além de encorajar os leitores sem grande im aginação a suporem o con sen so de grupos que estavam freqüentem ente em conflito. N o caso da história m ilitar em particular, Jo h n Keegan obser vou que a narrativa tradicional da batalha está levando a conclusões erradas, com seu “ alto foco sobre a liderança” e sua “ redução dos soldad os a peões” , e necessita ser ab an d on ad a.15 A dificuldade de se fazer isso pode ser ilustrada pelo caso do conhecido estudo de C orn eliu s Ryan sobre o D ia-D .16 Ryan pôs-se a escrever sobre a guerra d o soldado, em vez daquela do general. Su a história é um a extensão de seu trabalho com o correspondente de guerra: suas fontes são sobretudo orais. Seu livro transm ite m uito bem o “ sentim ento” da batalha de am bos os lados. E vivo e dram ático na verdade, com o um dram a clássico, é organizado em torno de três “ u n id ades” : de lugar (a N orm andia), de tem po (6 de ju n h o de 1944) e de ação. Por outro lado, o livro é fragm entado em discretos episódios. A s experiências dos diferentes participantes não têm coerência. A única m aneira de torná-las coerentes parece ser im por um esq u em a provindo de “ cim a” e assim retom ar à guerra dos generais de que o autor estava tentando escapar. O livro de Ryan ilustra o problem a m ais claram ente que a m aioria, m as o problem a n ão é apenas dele. Esse tipo de tendência pode ser inerente à organização da narrativa. Por outro lado, os defensores da narrativa observaram que a análise d as estruturas é estática e, assim , em certo sentido, não-histórica. A o se tom ar o m ais fam oso exem plo de história estrutural de n o sso tem po, em bora o Mediterranean (1949) de Braudel 14. J. H uizinga, “Tw o W restlers with the A n gel” em seu Men and Idfias, trad. de J.S . H olm es e H . van M arle, Lon dres, 1 9 60. C o n trastar a defesa d a personificação em K ellner (esp. capítulo 5 sob re Michelet). 15. J. K eegan, The Face of Battle, 1 9 7 6 : H arm on dsw orth, 1 9 7 8 ed. p. 61f. 1 6. C . Ryan, The Longest Day, Lon dres, 1959. 332 PETER BURKE encontre espaço, tanto para os acontecim entos quanto para as estruturas, freqüentem ente tem sido observado que o autor pouco faz para sugerir que aquilo que une poderia estar entre as três escalas de tem po que ele utiliza: o longo, o m édio e o curto prazo. Seja com o for, o M editerranean de Braudel não é um exem plo extrem o de história estrutural.17 A pesar de suas observações n o prefácio sobre a superficialidade dos acontecim entos, ele prosse guiu dedicando-lhes várias centenas de páginas n a terceira parte de seu estudo. O s seguidores de Braudel, entretanto, têm-se inclinado a reduzir seu projeto (e não apenas n o sentido geográfico) enquanto o im itam . O atual form ato clássico de um estudo regional à m aneira do s Annales inclui um a divisão em duas partes, estrutura e conjun tura (em outras palavras, tendências gerais), com pouco espaço para os acontecim entos no estrito senso. O s historiadores desses dois cam pos: estrutural e narrativo, diferem, não apenas na escolha d o que consideram significativo n o p assado , m as tam bém em seus m odos preferidos de explicação histórica. O s historiadores da narrativa tradicional tendem - e isto não é exatam ente contingente - a exprim ir suas explicações em term os de caráter e intenção individuais; explicações do tipo “ as ordens chegaram tarde de M adri, porque Felipe II n ão conseguia decidir o que fazer” , em outras palavras, com o diriam os filósofos: “ a jan ela quebrou porque Brow n atirou nela um a pedra” . O s historiadores estruturais, p o r outro lado, preferem explicações que tom am a form a: “ a janela quebrou porque o vidro era frágil” ou (citando o fam oso exem plo de Braudel) “ as ordens chegaram tarde de M adri porque os navios do século dezesseis dem oravam várias sem an as para cruzar o M editerrâneo” . C o m o observa Stone, o cham ado renascim ento d a narrativa tem m uito a ver com um a crescente desconfiança do segundo m od o de explicação histórica, freqüentem ente criticado com o reducionista e determ inista. M ais um a vez, o recente livro de Sch am a oferece um bom exem plo da 17. R icoeur (1 9 8 3 ) vai adiante para afirm ar qu e é um a narrativa histórica com u m “ q u ase en red o ” , p. 2 9 8 ff. A ESCRITA DA HISTÓRIA 333 tendência. O autor explica que “ escolheu para apresentar estes argum entos na form a de u m a narrativa” , tendo em vista que a Revolução Francesa foi “ m uito m ais o produto da atuação h um an a do que de condicionam ento estrutural” .18 Esta prolongada guetra de trincheiras entre os historiadores narrativos e os estruturais foi longe dem ais. A lgum a idéia do preço do conflito, a perda d o entendim ento histórico potencial qu e ele envolve, pode ser sentida ao se com pararem dois estudos da ín d ia do século dezenove, que foram publicados em 1978 e focalizam o que se costum ava cham ar de Motim Indiano de 1857, agora conhecido com o a Grande Rebelião.19 C hristopher H ibbert produ ziu um a narrativa tradicional, um a história dividida em partes em grande estilo, com capítulos intitulados “ M otim em M eerut” , “ O M otim se E spalh a” , “O C erco de Lucknow” , “ O A taque” , e assim p o r diante. Seu livro é colorido, n a verdade prende a atenção, m as é tam bém superficial, n o sentido de não dar ao leitor m uita idéia do porquê os acontecim entos ocorreram (talvez por ser escrito do ponto de vista dos britânicos, que foram tom ados de surpresa). Por outro lado, Eric Stokes apresenta um a cuidadosa análise d a geogra fia e d a sociologia da revolta, suas variações regionais e seus contextos locais, m as .se exim e de um a síntese final. Len do os dois livros, um im ediatam ente após o outro, pode-se ficar assom brado, com o eu fiquei, pelo fantasm a de um potencial terceiro livro, que pudesse integrar a narrativa e a análise e relacionar m ais intim a m ente os acontecim entos locais às m udanças estruturais na socie dade. C h ego u o m om en to de se investigar a possibilidade de encon trar u m m od o d e escapar a este confronto entre narradores e analistas. U m b o m com eço poderia ser criticar am bos os lados, por um a su p o sição falsa do que eles têm em com um , a suposição de qu e distinguir o s acontecim entos das estruturas seja um a questão fácil. T en d em o s a utilizar o term o “ acontecim ento” de um a 18. Sch am a, 1 989, p. xv. 19. C . H ibbert, The G reat Mutiny, Londres, 1 978; E. Stokes, The Peasant and the Raj, C am b rid g e, 1978. 334 PETER BURKE m aneira m uito vaga, referindo-nos, não somente a eventos que duraram poucas horas, com o a batalha de W aterloo, m as também a ocorrências com o a Revolução Francesa, um processo desenrolado durante vários anos. Pode ser útil empregar os termos “ acontecimen to” e “ estrutura” para se referir aos dois extremos de todo um espectro de possibilidades, m as não deveríamos esquecer a existência do centro do espectro. A s razões para a chegada tardia das ordens de M adri não necessitam estar limitadas à estrutura das comunicações n o Mediterrâneo, ou ao fato de Felipe II não conseguir se decidir em um a determ inada ocasião. O rei pode ter sido cronicamente indeciso, e a estrutura do governo, por conselho, poderia ter retardado m ais ainda o processo de tom ada de decisão. D evido a essa im precisão de definição, deveríam os fazer o que M ark Phillips sugeriu e “ pen sar nas variedades de m od os de narrativa e de não-narrativa, existentes ao longo de um a série contínua” .20 T am bém não deveríam os n os esquecer de questionar a relação entre acontecim entos e estruturas. T rab alh an do nesta área central, pode ser possível ir além das duas posições opostas para alcançar u m a síntese. Narrativa tradicional versus narrativa moderna V isan d o a esta síntese, as opiniões expressas no segundo debate podem proporcionar u m a contribuição útil. Este segundo debate teve início n os Estados U n id o s n os an os 60, e ain da n ão foi levado tão a sério qu an to merece pelos historiadores de outras partes d o m undo, talvez por parecer “ m eram ente” literário. N ão está preocupado com a questão de escrever ou n ão escrever a narrativa, m as com o problem a d o tipo de narrativa a ser escrita. O historiador de cinem a Siegfried K racauer parece ter sido o prim eiro a sugerir que a ficção m oderna, m ais especialm ente a “ decom posição da continuidade tem poral” em Joyce, Proust e 20. P hillips, “ O n H istoriograph y” , 1983-4, p. 157. 335 A ESCRITA DA HISTÓRIA V irgínia W oolf, oferece um desafio e u m a oportunidade aos narradores históricos.21 U m exem plo ain da m ais nítido dessa decom posição, incidentalm ente, é Eyeless in G aza (1936), de A ld ou s Huxley, novela com posta de curtos verbetes datados para o período de 1902-34, .em um a ordem que, em bora lógica, é determ inadam ente não-cronológica. H ayden W hite atraiu, m ais atenção que Kracauer, q u an d o acusou a profissão histórica de negligenciar as reflexões literárias de su a própria época (incluindo um sentido de descontinuidade entre os acontecim entos n o m undo exterior e sua representação sob a form a narrativa) e de continuar a viver n o século dezenove, a época áurea do “ realism o” literário.22 Em um a tônica sim ilar, Lionel G o ssm an queixou-se de que “ não é fácil, para n ós hoje em dia, perceber quem é, com o escritor, o Joyce ou o Kafka da historiografia m oderna” .23 Talvez. M esm o assim , o historiador G o lo M an n parece ter apren dido algo d a prática narrativa de seu pai novelista. N ão é inteiram ente fantasioso com parar-se a inter pretação de G o lo M an n dos pen sam en tos do idoso W allenstein com o célebre capítulo de Lotte in Weimar que evoca o fluxo de consciência de G oethe, aparentem ente u m a tentativa de superar Joyce. E m seu estudo, que ele cham a de “u m a novela excessiva m ente verdadeira” , G o lo M an n segue as regras da evidência histórica e deixa claro que está apresentando um a reconstrução hipotética. A o contrário d a m aioria dos rom ancistas, ele não pretende ler a m ente de seu herói, apenas su as cartas.24 21. S . K racauer, H istory: the Last Tfiings be/ore the Last, N o v a Y ork, 1 9 69, p. 178f. 2 2 . H .V . W h ite, “T h e B u rden o f H istory” , History and Theory, 5, 1 966, republicado em seu Tropics of Discourse, Baltim ore, 1 983, p. 27-50. Para u m a defesa filosófica da co n tin u id ad e entre as narrativas e o s acontecim entos qu e eles relatam , ver D . C arr, “ N arrative an d the R eal W orld : an A rgum ent for C ontinu ity” , History and Theory, 2 5 , p. 1 1 7 -3 1 ,1 9 8 6 . 2 3 . L. G o ssm a n , “ H istory an d Literature” em The Writing of History, ed. R .H . C an ary e H . Kozicki, M ad iso n , 1 978, p. 3-39. , 2 4 . G . M a n n , Wallenstein, Frankfurt, 1 971, p. 984f.: 993ff.; T . M an n , Lotte in Weimar, 1 939, capítulo 7. C f. G . M an n , “Pládoyer fü r d ie h istorische E rzàhlung” em Kocka e N ipperdey, 1 9 7 9 , p. 40-56, especialm ente su a declaração de qu e a narrativa histórica n ão exclui o conhecim ento d a teoria. PETER BURKE 336 Em contra'ste com W hite e G o ssm an , n ão estou afirm ando que os historiadores sejam obrigados a se engajar em experiências literárias, sim plesm ente por viverem n o século vinte, ou a imitar determ inados escritores, devido suas técnicas serem revolucioná rias. O objetivo de buscarm os um a nova form a literária é certamen te a consciência de que as velhas form as são inadequadas aos n o sso s propósitos. A lgum as inovações são provavelmente m ais bem evitadas pelos historiadores. N este grupo eu incluiria a invenção do fluxo de consciência, por m ais útil que pudesse ser, pelas m esm as razões que levaram os historiadores a rejeitarem o fam oso expediente clássico do discurso inventado. O utras experiências, n o entanto, in spiradas por um a variedade bem m aior de escritores m odernos do que já tem sido m encionado, podem apresentar soluções para problem as com que os historiadores há m uito vêm lutando, três problem as em particular. Em prim eiro lugar, poderia ser possível to m ar as guerras civis e outros conflitos m ais inteligíveis, seguindo-se o m odelo dos rom ancistas que contam suas histórias, partindo de m ais- de um ponto de vista. E estranho que esse expediente, tão eficaz nas m ãos de Huxley, W illiam Faulkner em The Sound and the Fury (1931), e Lawrence D urrel em The Alexandria Quartet (1957-60) - sem m encionar as novelas epistolares d o século dezoito - não tenha sid o levado m uito a sério pelos historiadores, em bora pudesse ser útil modificá-lo, para lidar com pontos de vista coletivos e tam bém individuais. T al expediente perm itiria um a interpretação d o con flito em term os de um conflito de interpretações. Para perm itir que as “vozes variadas e o p o stas” da m orte sejam novam ente ouvidas, o historiador necessita, com o o rom ancista, praticar a heteroglossia (ver anteriorm ente, p. 15).25 25. C f. G . W ilso n , “ Plots an d M otives in ]a p a n ’s M iji Restoration” , Comparatiue Studies in Society and History, 2 5, p. 407-27, 1983, qu e faz u so d a term inologia de H ayden W hite, m as está essencialm ente vinculada à m ultiplicidade d o s p on tos de vista d o s atores. N . H am p so n , The Life and Opinions ofM axim ilian Robespiene, Lon dres, 1976, apresen ta um diálogo entre diversas interpretações m od ern as d a R evolução Francesa. A ESCRITA DA HISTÓRIA 337 Bastante curiosam ente, q u an d o este en saio estava prestes a ir para o prelo, foi publicado um trabalho histórico desse tipo. Richard Price apresenta seu estudo do Surinam e do séculodezoito, n a form a de u m a narrativa com quatro “vozes” (sim bolizadas por quatro padrões tipográficos); aquela dos escravos negros (transm i tida por seus descendentes, os Saram akas); a dos adm inistradores holan deses; a dos m ission ários m oravianos; e, finalmente, aquela do próprio historiador.26 O objetivo do exercício é precisam ente m ostrar, e tam bém estabelecer, as diferenças de pontos de vista entre o p assad o e o presente, a Igreja e o Estado, o negro e o branco, os desentendim entos e a luta para im por definições particulares da situaçãq. Será difícil imitar este towr de force de reconstrução histórica, m as Price merece inspirar toda um a estante de estudos. Em segundo lugar, cada vez m ais historiadores estão com eçan do a perceber que seu trabalho não reproduz “ o que realmente aconteceu” , tanto quanto o representa de u m ponto de vista particular. Para com unicar essa consciência aos leitores de história, as form as tradicionais de narrativa são inadequadas. O s narradores históricos necessitam encontrar um m od o de se tornarem visíveis em sua narrativa, não de auto-indulgência, m as advertindo o leitor de que eles não são oniscientes ou im parciais e que outras interpretações, além das suas, são possíveis.27 Em um a peça notável de autocrítica, G o lo M an n declarou que um historiador necessita “ tentar fazer duas coisas sim ultaneam ente, nadar com a corrente dos acontecim entos” e “ analisar esses acontecim entos da posição de um observador posterior, m ais bem in form ado” , com bin an do os dois m étodos “ para produzir um a aparência de hom ogeneidade, sem qu e a narrativa fique de lado” .28 26. R. Price, A lab i’s World, Baltim ore, 1990. 27. O problem a já foi d iscu tido p o r Thierry e M ichelet. V er G . Pom ata, “O vert and C ov ert N arrators in N ineteenth-Century H istoriograph y” , History Workshop, 27, p . 1 -1 7 ,1 9 8 9 . 2 8 . Prefácio p ara a tradução inglesa de seu Wallenstein, de autoria de C . K essler, Lon dres, 1 9 7 6 . M an n co n fessa qu e “a prim eira abordagem prevalece” em seu próprio livro. O u tro b o m exem plo d o q u e M an n defencle pod e ser encontrado em T .H . Breen, Imagining the Past: E ast Hampton Histories, R eadin g, M ass., 1989. PETER BURKE 338 A q u i m ais um a vez o novo livro de Price apresenta um a possível solução para o problem a, rotulando su a própria contribuição com o u m a “voz” entre outras. Soluções alternativas tam bém são dignas de consideração. O s teóricos literários têm, ultimamente, discutido o expediente ficcional do “ narrador nada confiável de prim eira p esso a” .29 T al expediente pode ser de algum u so tam bém para os historiadores, contanto que a não-confiabilidade seja explicitada. M ais um a vez, H ayden W hite sugeriu que as narrativas históricas sigam quatro planos básicos: com édia, tragédia, sátira e rom ance. Ranke, por exem plo, escolheu (consciente ou inconscientem ente) escrever história “com enredos de com édia” , em outras palavras, seguindo um “m ovim ento ternário ... a partir de u m a condição de paz aparente, através da revelação do conflito, até a resolução do conflito n o estabelecim ento de um a ordem social genuinam ente pacífica” .30 Se o m od o com o a narrativa term ina ajuda a determ inar a interpretação do leitor, então pode ser valioso seguir o exem plo de alguns rom ancistas, com o Jo h n Fowles, e proporcionar finais alternativos. U m a história narrativa da Primeira G uerra M undial, por exem plo, vai n os dar u m a im pressão, se a narrativa term inar em V ersailles em 1919, outra, se a narrativa se estender até 1933 ou 19 3 9 . A ssim sendo, fechos alternativos tornam a obra m ais “ aberta” , n o sentido de encorajar os leitores a chegarem às suas próprias con clusões.31 E m terceiro lugar - e este é o tem a principal deste capítulo u m novo tipo de narrativa poderia, m elhor que as antigas, fazer frente às dem andas dos historiadores estruturais, ao m esm o tem po em que apresenta um sentido m elhor d o fluxo do tem po d o que em geral o fazem suas análises. 2 9 . W . R iggan, Pícaros, Madmen, N aifs and Clowns: the Unreliable Firts-Person Narrator, N o rm an , 1 981. 3 0 . H . W h ite, Metahistory, Baltim ore, 1973, p. 176f. 31. C f. M . T orgovnick, Closure in the Novel, Princeton, 1 9 8 1 , e U . Eco, “T h e Poetics o f the O p e n W o rk ” em seu The Role o f the Reader, L on dres, 1 981, capítulo 1. U m m ovim ento n a direção de u m a narrativa histórica m ais aberta é prevista p o r Phillips, “ O n H istoriograph y” , p. 153. A ESCRITA DA HISTÓRIA 339 Densificando a narrativa H á alguns an os atrás, o antropólogo C lifford Geertz inventou a expressão “ descrição d en sa” para um a técnica que interpreta um a cultura alienígena, através da descrição precisa e concreta de práticas ou acontecim entos particulares, em seu caso, a descrição das brigas de galo em B ali (cf. G iovanni Levi, p. 134).32 A ssim com o a descrição, a narrativa poderia ser caracterizada com o m ais ou m en os “ fluida” ou “ den sa” . N o final fluido do espectro, tem os a observação crua em um volum e dos anais com o a C rôn ica A nglo-Saxônica de que “ N este ano C eolw ulf foi destituído de seu rein ado” . N o outro extremo, encontram os narrativas (raríssim as até agora) que foram deliberadam ente construídas para suportar um volum e pesado de interpretações. O problem a que eu gostaria de discutir aqui é aquele de se fazer um a narrativa den sa o bastante, para lidar não apenas com a seqüência dos acontecim entos e das intenções conscientes do s atores nesses acontecim entos, m as tam bém com as estruturas - instituições, m od os de pen sar etc. - e se elas atuam com o um freio ou u m acelerador para os acontecim entos. C o m o seria um a narrativa desse tipo? Estas questões, em bora vinculadas à retórica, não são em si retóricas. É possível discuti-las tendo-se com o base textos e narra tivas produzidos por rom ancistas ou por historiadores. N ão é difícil encontrar rom ances históricos que abordem esses problem as. Poderíam os com eçar com W ar and Peace, pois pode-se dizer que T olsto i com partilhou a opin ião de Braudel sobre a futilidade dos acontecim entos, m as de fato m uitos rom ances fam osos estão vinculados a im portantes m udanças estruturais em u m a determ i n ada sociedade, encarando-as em term os d o seu im pacto nas vidas de alguns indivíduos. U m exem plo de destaque externo à cultura 3 2 . C . Geertz, “T h ick D escription: T o w ard s an Interpretative T h eory o f C u ltu re” , e “ D eep Play: N otes o n the B alinese C ockfight” em The Interpretation ofCultures, N ova Y ork, 1973. 340 PETER BURKE ocidental é Be/ore the Dawn (1932-6), de Shim akazi T o so n .33 A palavra “ despertar” - n o título, “ dow n” - é a m odernização (industrialização, ocidentalização) do Japão, e o livro lida com os an os im ediatam ente anteriores e subseqüentes à restauração im pe rial de 1868, q u an d o não estava de m od o algum claro que cam inho o país iria seguir. O rom ance m ostra em brilhantes detalhes com o “ O s efeitos da abertura do Japão para o m u n d o estavam se fazendo sentir nas vidas de cada indivíduo” .34 Para fazer isso, o autor escolheu u m indivíduo, A oyam a Hanzo, que é o vigia de um posto dos correios em um a aldeia da principal rodovia entre Q uioto e T óqu io. Seu trabalho m antém H anzo em contato com os aconte cim entos, m as ele não se limita a observá-los. E m em bro do m ovim ento de Instrução N acional, em penhado em um a solução autenticam ente japon esa para os problem as do Japão. O enredo d o rom ance é em grande extensão narrativa do im pacto da m u dan ça social em um indivíduo e em sua família, ponto enfati zado pela interrupção de T o so n de sua narrativa, de tem pos em tem pos, para relatar os principais acontecim entos da história japo n esa de 1853 a 1886. E provável que os historiadores po ssam aprender algo, a partir das técnicas narrativas de rom ancistas com o T olstoi e Shim azaki T o so n , m as não o bastante para resolver todos os seus problem as literários. Pois os historiadores não são livres para inventar seus personagens, ou m esm o as palavras e os pensam entos de seus personagens, além de ser improvável que sejam capazes de con den sar os problem as de um a época n a narrativa sobre u m a família, com o freqüentem ente o fizeram os rom ancistas. Poder-se-ia esperar que o cham ado “ rom ance de não-ficção” pudesse ter tido algo a oferecer aos historiadores, desde In C old Blood (1965) de T ru m an C apote, até Schindler’s Ark (1982) de T h o m as Keneally, que declaram “ usar a textura e os expedientes de um rom ance para contar u m a história verdadeira” . Entretanto, esses autores não 33. Sh im azaki T o so n , Be/ore the Daw n, H on olu lu , 1987. 34. Ib id ., p. 62 1 . A ESCRITA DA HISTÓRIA 341 enfrentaram o problem a das estruturas. Parece que os historiadores teriam de desenvolver suas próprias “técnicas ficcionais” para suas “ obras factuais” .35 Felizm ente, os autores de algum as obras recentes de h istória tam bém têm refletido sobre problem as com o estes e seus estudos esb o çam u m a resposta, ou m ais exatam ente várias respostas, das q u ais pode ser útil destacarem -se quatro. U m d o s m odelos está bem a cam in h o de se tran sform ar em m oda, en quanto os outros três são representados por pouco m ais de um livro cada um . A prim eira resposta poderia ser descrita com o “micro-narrativa” (ao longo das linhas do novo termo “micro-história”). E a narração de um a história sobre as pessoas com uns no local em que estão instaladas. Em um certo sentido, essa técnica é lugar-comum entre os rom ancistas históricos, e isso desde o tem po de Scott e M anzoni, cujo Betrothed (1827) foi atacado n a época (da form a que a história vista de baixo e a micro-história foram atacadas m ais recentemente), por escolher com o seu tem a “ a crônica miserável de u m a aldeia obscura” .36 Foi apenas m uito recentemente, n o entanto, que os historia dores adotaram a m icronarrativa. Exem plos recentes bem-conhecidos incluem a narrativa de C ario C ip o lla sobre o im pacto da peste de 1 6 3 0 n a cidade de Prato, n a T oscan a, e a história de N atalie D avis de M artin Guerre, um filho pródigo do século dezesseis que retornou a su a casa, n o sul da França, para descob rir que seu lugar n a fazenda - e tam bém n a cam a de su a e sp o sa - havia sid o tom ad o por u m intruso que afirm ava ser o próp rio M artin .37 35. W .R . Sieben sch u h , Fictional Techniques and Factional Works, 1 9 83, discute com o isso foi feito no p assad o , com referência especial à vid a de Jo h n so n , de autoria de Bosw ell. C f. R .W . Rader, “ Literary Form in Factual N arrative: the Exam ple o f B osw ell’s Jo h n so n ” em E ssays in Eighteenth-Century Biography, eçl. P .B . D agh lian, Bloo m in gto n , 1 9 6 8 , p. 3-42. 36. C itad o em Letteratura Italiana, ed. A . A so r R osa, 5, T u rim , 1 986, p. 224. 3 7 . C . C ip o lla, Cristo/ano and the Plague, Lon dres, 1 973; N .Z. D avis, The Return of M artin Guerre, C am b ridge, M ass., 1973. PETER BURKE 342 A redução n a escala não densifica em si a narrativa. A questão é que os historiadores sociais voltaram-se para a narrativa, com o u m m eio de esclarecer as estruturas - as atitudes em relação à peste e às instituições para combatê-la, n o caso de C ario C ipolla, a estrutura da família cam pon esa do sul da França, n o caso de Natalie Davis, e assim por diante. M ais exatamente, o que N atalie D avis queria fazer era descrever, não tanto as próprias estruturas, m as “ as esperanças e os sentim entos dos cam poneses; os m od os com o sentiam a relação entre m arido e m ulher, pais e filhos; os m od os com o experim entavam as restrições e as possibilidades em suas v id as” .38 O livro pode ser lido sim plesm ente com o u m a boa história e um a evocação viva de alguns indivíduos do passado, m as a autora faz deliberadas e repetidas referências aos valores da sociedade. D iscutindo, por exem plo, porque a esp osa de M artin, Bertrande, reconheceu o intruso com o seu m arido, D avis com enta sobre a posição das m ulheres na sociedade rural francesa e sobre seu sen so de honra, reconstruindo as restrições no interior das quais elas m aquinavam . Por outro lado, os com entários são deliberadam ente discretos. C o m o explica a autora, “ Eu ... escolhi previam ente m eus argum en tos ... tanto pela ordenação da narrativa, escolha de detalhes, voz e m etáfora literária, quanto pela análise tem ática” . O objetivo era aquele de “ im plantar esta história nos valores e nos hábitos d a vida e das norm as de um a aldeia francesa n o século dezesseis, e utilizá-los para ajudar a com preender os elem entos centrais na h istória e usar a história para comentá-los de volta” .39 A história de M artin pode ser encarada com o u m “ dram a social” , no sentido em qu e os antropólogos utilizam o term o; u m acontecim ento que revela conflitos latentes e assim esclarece as estruturas sociais.40 A m icronarrativa parece ter vindo para ficar; cada vez m ais historiadores estão se voltando para essa form a. M esm o assim , 3 8 . D avis, M artin Guerre, p. 1. 3 9 . N .Z. D avis, “ O n the Lam e” , American Historical Revieiv, 93, p. 5 7 5 ,5 7 3 , 1988. 4 0 . S o b re este conceito, V . T u rn er, Dramas, Fields and Metaphors, Ithaca, 1 974, capí tulo 1. A ESCRITA DA HISTÓRIA 343 seria um erro encará-la com o um a panacéia. Ela não apresenta um a solução para todos os problem as delineados anteriorm ente e gera problem as próprios, especialm ente aquele de ligar a m icro-história à macro-história, os detalhes locais às tendências gerais. E por enfrentar diretam ente esse problem a im portante, que considero Gate of Heavenly Peace, de Spence, um livro exemplar. Jon ath an Spence é um historiador d a C h in a que há m uito tem po tem se interessado pelas experiências sob form a literária. U m de seus prim eiros livros foi um a biografia do im perador K ’ang-Hsi, ou antes um retrato do im perador - na verdade, um tipo de auto-retrato, um a tentativa de explorar a mente de K ’ angH si, fazendo um a espécie de m osaico ou m ontagem de suas observações pessoais, encontradas dispersas entre os docum entos oficiais, dispondo-as sob títulos com o “ filhos” , “governando” ou “ envelhecendo” . O efeito não é diferente de um as Memoirs of H adrian chinesas. E difícil pen sar em um estudo que m elhor m ereça a descrição de “história vista de cim a” do que o auto-retrato de um im perador, m as Spence seguiu-o com um ensaio comovente em história vista de baixo. The Death of Woman Wang é um a peça de m icro-história, ao estilo de C ipolla ou Davis, com quatro histórias contadas, ou im agens descritas, para revelar as condições n a província de Shantung, n os anos conturbados do final do século dezessete. M ais recentemente, em The Memory Palace of Matteo Ricci, Spence organizou seu relato do fam oso m ission ário jesuíta n a C h in a, em torno de várias im agens visuais, à custa de seqüência cronológica, produzindo um efeito rem iniscente do Eyeless in G aza de Huxley. The Gate of Heavenly Peace, po r outro lado, parece m ais um a peça de história convencional, um relato das origens e do desen volvim ento da Revolução C h in esa de 1895 a 19 80.41 M ais um a vez, contudo, se afirm a o interesse do autor pela biografia e pelos instantâneos históricos e seu livro é construído em torno de um 4 1 . J. Sp en ce, Emperor of C hina, Lon dres, 1 9 74: The Death of Woman Wang, Lon dres, 1 9 7 8 ; The Gate o f Heavenly Peace, Lon dres, 1 982; The Memory Palace of Matteo Ricci, Lon dres, 1985. 344 PETER BURKE pequen o ijúm ero de indivíduos, especialm ente o estudioso K ang Youwei, o soldado e acadêm ico Sh en C ongw en e os escritores Lu X u n e D in g Ling. Esses indivíduos não desem penham um papel im portante n os acontecim entos da revolução. D esse ponto de vista, podem ser com parados com o que o crítico húngaro G eorg Lukács cham ou de “herói m edíocre” nas novelas de Sir W alter Scott; um herói, cuja vulgaridade permite que o leitor enxergue m ais clara m ente a vida e os conflitos sociais da época.42 N o caso de Spence, os protagonistas foram selecionados porque, com o sugere o autor, eles “ descreveram suas esperanças e tristezas com particular sensi bilidade” e tam bém porque as experiências pessoais “ ajudam a definir a natureza dos tem pos, através dos quais eles viveram ” . São encarados m ais com o passivos que com o ativos. N a verdade, o autor fala das “ intrusões dos acontecim entos externos” sobre seus personagens.43 Su a preocupação com indivíduos diferentes im plica um interesse em pontos de vista m últiplos ou um a multivocalidade, m as - em contraste com o livro de Price, discutido anteriorm ente - esta m ultivocalidade perm anece abaixo da superfície da história. A presentar a história da C h in a dessa m aneira suscita proble m as. A passagem de um indivíduo para outro corre ò risco de confundir o leitor, assim com o tam bém as m udanças para trás e para diante, entre o que poderia ser cham ado de tem po “ público” , o tem po dos acontecim entos com o a G ran de M archa ou a Revo lução de 1949, e o tem po “ privado” dos principais personagens. Por outro lado, Spence com unica de u m m od o vivo e com ovente a experiência de vida (ou, n a verdade, de deixar de viver) durante esses an os turbulentos. Entre suas passagens m ais m em oráveis está seu relato da opinião de um a criança sobre a revolução de 1919, com o é lem brada por Sh en C ongw en; a reação de Lu X u n ao m assacre dos estudantes em um a passeata em Beijing em 1926; e os ataques oficiais sobre D ing Ling em 1957, em seguida à su pressão do M ovim ento das “ C em Flores” . 4 2 . G . Lukács, The Historical Novel, trad. de H . e S. M itchell, Lon dres, 1 962, p. 30f. 4 3 . Spen ce, 1 9 8 2 , p. xiii. A ESCRITA DA HISTÓRIA 345 Pode haver outras m aneiras de se relacionar m ais intim am ente a estrutura aos acontecim entos do que em geral fazem os historia dores. U m m étodo possível é escrever a história de frente para trás, com o fez B .H . Su m n er em su a Survey ofRussian History (organizada por tópicos) ou N orm anJD avies em sua história recente d a Polônia, Heart of Europe (1984), narrativa que focaliza o que o autor cham a de “ o p assad o na presente.Polônia” .44 C om eça com “ O Legado da H um ilhação: a Polônia a partir da Segunda G uerra M un dial” e move-se para trás através de “ O Legado da D errota” , “ O Legado do D esen canto” (1914-39), “ O Legado do D om ínio Espiritual” (1795-1918), e assim por diante. Em cada ocasião o autor sugere que é im possível com preender os acontecim entos narrados em um capítulo, sem conhecer o que o precedeu. Esta form a de organização tem suas dificuldades, m ais obvia m ente o problem a de que em bora os capítulos sejam dispostos em ordem inversa, cada capítulo tem de ser lido para diante. A grande vantagem da experiência, por outro lado, é permitir, ou m esm o forçar o leitor a sentir a pressão do p assado sobre os indivíduos e os grupos (a pressão das estruturas ou dos acontecim entos que congelaram ou, com o diria Ricoeur, se “ sedim entaram ” em estru turas). D avies n ão explora esta vantagem tanto quanto poderia. N ã o faz qualquer esforço sério para relacionar cada capítulo com aquele que vem “ dep ois” . E difícil im aginar su a abordagem de an dar para trás, tornando-se adaptável ao estilo da micro-história. M esm o assim , esta é um a form a de narrativa digna de ser seria m ente considerada. U m quarto tipo de análise da relação entre estruturas e acontecim entos pode ser encontrado n a obra de um antropólogo social am ericano, em bora ela vá com pletar o ciclo que nos trará de volta aos Annales. O antropólogo M arshall Sahlins, que trabalha n o H avaí e nas Ilhas Fuji, é extremam ente interessado no pen sa m ento m oderno francês (de Saussure a Braudel, de V ourdieu a Lévi-Strauss), m as considera m ais seriam ente os aco'ntecimentos 4 4 . N . D avies, Heart of Europe: a Short History of Poland, O xford , 1984. 346 \ 'J fl NQJ> / PETER BURKE do que qualquer um desses pen sadores.45 Em seus estudos dos encontros entre as culturas n o Pacífico, Sahlins faz duas observa ções diferentes, m as com plem entares. Em prim eiro lugar, sugere que os acontecim entos (especial m ente a chegada de C o o k n o Havaí em 1778) “ portam traços culturais distintos” , que são “ regulados pela cultura” , nò sentido de que os conceitos e as categorias de um a cultura particular determ inam os m odos pelos quais seus m em bros percebem e interpretam seja o que for que aconteça em sua época. O s havaia nos, por exem plo, perceberam o C apitão C o o k com o um a m an i festação de seu deus Lono, porque ele era obviam ente poderoso e porque chegou na época do ano associada aos aparecim entos do deus. O acontecim ento pode por isso ser estudado (com o sugeriu Braudel) com o u m a espécie de papel heliográfico que revela as estruturas da cultura. Entretanto, Sahlins tam bém declara (ao contrário de Braudel) que há um relacionam ento dialético entre os acontecim entos e as estruturas. A s categorias são postas em perigo cada vez que são utilizadas para interpretar o m u n d o em m utação. N o processo de incorporação d o s acontecim entos, “ a cultura é reordenada” . O fim do sistem a dos tabus, por exem plo, foi um a das conseqüências estruturais do contato com os britânicos. A ssim tam bém o aum en to do com ércio intercontinental. É verdade em m ais de um sentido que C o o k não deixou o Havaí com o o havia encontrado. Sahlins contou u m a história com um a m oral, ou talvez com duas m orais. A m oral para os “ estruturalistas” é aquela em que eles deveriam reconhecer o poder dos acontecim entos, seu lugar no processo da “estruturação” . O s defensores da narrativa, por outro lado, são en corajados a exam inar a relação entre os acontecim entos e a cultura em que eles ocorrem . Sahlins foi além da fam osa ju stapo sição dos acontecim entos e das estruturas de Braudel. N a verdade, 4 5 . M . Sah lin s, Historical Metaphors and Mythical Realities, A n n A rb o r, 1981 e lslands o f History, C h icago , 1 985. C f. P. Burke, “ Les iles anth ropologiqu es et le territoire de l’h istorien” , em Philosophie et histoire, ed. C . D escam p s, Paris, 1 987, p. 49-66. A ESCRITA DA HISTÓRIA 347 ele virtualm ente resolveu, ou dissolveu, a oposição binária entre essas duas categorias. R esu m in do , tenho tentado argum entar que historiadores com o Taw ney e N am ier, Febvre e Braudel, foram justificados em su a rebelião contra um a form a tradicional da narrativa histórica qu e era m al adaptada à história estrutural que eles consideravam im portante. A escrita da história foi im ensam ente enriquecida pela ex p an são de seu tem a, e tam bém pelo ideal da “ história total” . Entretanto, m uitos estu diosos atualm ente con sideram que a escrita da história tam bém tem sid o em pobrecida pelo ab an d o n o d a narrativa, estan do em andam ento u m a b u sca de novas form as de narrativa que serão adequadas às novas histórias, que os historiadores gostariam de contar. Estas novas form as incluem a m icronarrativa, a narrativa de frente para trás e as histórias que se m ovim en tam para frente e para trás, entre os m u n d os público e privado, ou apresentam os m esm os acontecim entos a partir de p o n tos de vista m últiplos. Se os historiadores estão procurando m odelos de narrativas que ju stapon h am as estruturas da vida com um pelos acontecim en tos extraordinários, e a visão de baixo pela visão de cima, podem m uito bem ser aconselhados a voltar à ficção do século vinte, incluindo o cinem a (os filmes de Kurosaw a, por exem plo, ou de Pontecorvo ou de Jancsó). Pode ser im portante que um a das discu ssões m ais interessantes da narrativa histórica seja a obra de um historiador do cinem a (a obra de Kracauer, já citada). O expediente de pontos de vista m últiplos é central ao Rashomon de K urosaw a.46 Está implícita em The Red and the White, de Jancsó, u m a narrativa da guerra civil ru ssa em que os dois lados se revezam para capturar a m esm a aldeia. Q u an to a Pontecorvo, poderia ser dito que ele transform ou o próprio processo histórico em si n o tem a de seus filmes, em vez de sim plesm ente contar um a história sobre indivíduos em trajes 4 6 . A h istória original d e Akutagaw a n ão adotava este expediente. 348 PETER BURKE históricos.47* É interessante observar que Jonatham Spence u sa a linguagem de “ m ontagem ” e que The Return of M artin Guerre apareceu m ais ou m en os na m esm a época, com o um a história e com o um filme, depois de Natalie D avis e D aniel V igne terem trabalhado juntos n o tem a.48 V isões retrospectivas, cortes e a alternância entre cena e história: essas são técnicas cinem áticas (ou na verdade literárias) que podem ser utilizadas de um a m aneira superficial, antes para ofuscar do que para ilum inar, m as podem tam bém ajudar os historiadores em sua difícil tarefa de revelar o relacionam ento entre os acontecim entos e as estruturas e apresen tar pontos de vista m últiplos. Desenvolvim entos desse tipo, se continuarem , podem reivindicar ser vistos, não apenas com o m ero “ renascim ento” da narrativa, com o denom inou Stone, m as com o u m a form a de regeneração. 4 7 . G . Pontecorvo, L a battaglia di Algeri, 1 966; Q ueim ada, 1969. 4 8 . N .Z. D avis, J.-C . C arrière, D . V igne, Le retour de M artin Guerre, Paris, 1982.