carolina alves neves correlação entre achados na tomografia

Transcrição

carolina alves neves correlação entre achados na tomografia
CAROLINA ALVES NEVES
CORRELAÇÃO ENTRE ACHADOS NA TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA DE TÓRAX E FUNÇÃO PULMONAR EM
PACIENTES COM FIBROSE CÍSTICA NO ESTADO DA BAHIA
Tese apresentada à Universidade Federal de São
Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção do
Título de Mestre em Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Sergio Ajzen
Co-orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos M. Lemos
SÃO PAULO
2007
Neves, Carolina Alves
Correlação entre achados na tomografia computadorizada de tórax e função
pulmonar em pacientes com fibrose cística no Estado da Bahia / Carolina Alves
Neves. -- São Paulo, 2007.
xiii, 57f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de
Medicina. Programa de Pós-graduação em Radiologia e Ciências Radiológicas.
Título em inglês: Correlation between chest computed tomography and pulmonary
function tests in patients with cystic fibrosis in Bahia.
1. Fibrose Cística. 2.Tomografia Computadorizada de Tórax. 3. Testes de Função
Pulmonar.
Copyright© 2007 by Carolina Alves Neves
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM
Chefe do Departamento:
Prof. Dr. Sergio Ajzen
Coordenador da Pós-graduação:
Prof. Dr. Giuseppe D’Ippolito
iii
A Antônio Raimundo e Beatriz.
iv
Agradecimento especial
A meu esposo Antonio Raimundo, pelo amor, compreensão, paciência, serenidade,
confiança e sabedoria. É um privilegio tê-lo ao meu lado!
v
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Sergio Ajzen, pelo acolhimento na UNIFESP, orientação,
generosidade e amizade.
Ao Prof. Dr. Nestor Schor, pelo apoio fundamental na decisão de investir nesta
caminhada.
Ao Prof. Dr. Antônio Carlos Moreira Lemos, pela sugestão do trabalho, pela
abertura dos caminhos e pelo apoio.
A Dra. Maria Angélica Santana, responsável pelo Centro de Fibrose Cística,
pela confiança e participação efetiva em todos os passos do meu trabalho.
A Dra. Ana Cláudia Carneiro Costa, pela colaboração no encaminhamento dos
seus pacientes.
Ao Dr. Maurício Cardeal, pela presteza da análise estatística, amizade, e
mensagens de otimismo.
À Sra. Marina André da Silva, pelo carinho, amizade e estímulo. Gostaria que
você estivesse presente neste momento.
À Andrea Puchnick Scaciota, pelo carinho, competência, e importante
colaboração na formatação final deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Jorge Pereira e Silva, um dos responsáveis pelo meu entusiasmo
pela radiologia torácica, exemplo de profissional, um verdadeiro mestre.
Ao Prof. Dr. César de Araújo Neto, expoente da radiologia torácica, que me
introduziu no mundo da tomografia computadorizada de alta resolução do tórax.
Aos meus queridos pais, pelo apoio, carinho e presença constante em minha
vida.
À Cristina e Patrícia, minhas irmãs, que sempre me incentivaram, mesmo à
distância.
À Dra. Mônica P. Oliveira, colega de trabalho e amiga, pela ajuda durante todo
este tempo.
Aos pós-graduandos, docentes, médicos e funcionários do Departamento de
Diagnóstico por Imagem da UNIFESP pela acolhida e solidariedade.
vi
Sumário
Dedicatória .....................................................................................................................................
iv
Agradecimentos ............................................................................................................................
v
Listas ...............................................................................................................................................
ix
Resumo .......................................................................................................................................... xii
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................
1
1.1 Objetivo....................................................................................................................................
4
2 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................................
5
2.1 Perspectivas históricas ........................................................................................................
5
2.2 Diagnóstico .............................................................................................................................
6
2.3 Mutações genéticas ..............................................................................................................
7
2.4 Síndromes clínicas ................................................................................................................
8
2.5 Doença pulmonar ..................................................................................................................
8
2.5.1 Função pulmonar ...............................................................................................................
9
2.5.2 Achados radiológicos ........................................................................................................ 11
2.5.3 Achados à tomografia computadorizada ...................................................................... 12
2.6 Tratamento .............................................................................................................................. 15
3 MÉTODOS ................................................................................................................................. 16
3.1 Casuística................................................................................................................................ 16
3.2 Testes de função pulmonar................................................................................................. 17
3.3 Técnicas de exame e interpreteção dos achados tomográficos ................................ 18
3.4 Avaliação estatística
22
4 RESULTADOS .......................................................................................................................... 22
4.1 Achados tomográficos .......................................................................................................... 22
4.2 Correlações dos testes de função pulmonar e da tomografia .................................... 25
5 DISCUSSÃO .............................................................................................................................. 36
5.1 Considerações finais ............................................................................................................ 44
vii
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 45
7 ANEXOS ..................................................................................................................................... 46
8 REFERÊNCIAS......................................................................................................................... 49
Abstract
Bibliografia consultada
viii
Lista de figuras
Figura 1
Prevalência dos achados à tomografia de alta resolução ............................. 22
Figura 2
Espessamento de parede brônquica .................................................................. 23
Figura 3
Impactações brônquicas ........................................................................................ 23
Figura 4
Bronquiectasias ....................................................................................................... 24
Figura 5
Perfusão em mosaico ............................................................................................. 25
Figura 6
Correlações entre o escore total de TCAR e o VEF1 ...................................... 26
Figura 7
Correlações entre o escore total de TCAR e o FEF25%-75% ........................... 26
Figura 8
Análise do VEF1 em níveis distintos de gravidade e extensão de
bronquiectasias observados à TCAR ................................................................. 28
Figura 9
Concordância intra-observadores com intervalo de 3 meses após a
primeira leitura ......................................................................................................... 35
ix
Lista de quadros e tabelas
Quadro 1
Sistema de escores para as tomografias ........................................................ 19
Tabela 1
Dados da função pulmonar nos pacientes estudados ................................. 26
Tabela 2
Correlação de achados específicos à TCAR com TFP................................ 27
Tabela 3
Prevalência dos achados à TCAR- REVISÃO DA LITERATURA........... 29
Tabela 4
Correlações entre TCAR e TFP............................................................... 30
Tabela 5
Correlação de achados específicos à TCAR com o VEF1 comparando
com dados da literatura..................................
Tabela 6
31
Correlação de achados específicos à TCAR com a CVF, comparando
com dados da literatura........................................................................... 32
Tabela 7
Correlação de achados específicos à TCAR com o FEF25-75%,
comparando com dados da literatura...................................................... 33
Tabela 8
Concordância inter-observadores ..................................................................... 34
x
Lista de abreviaturas e símbolos
%
Porcentagem
CFTR
Cystic fibrosis transmembrane regulator
CVF
Capacidade vital forçada
FC
Fibrose cística
FEF25%-75%
Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital
forçada
HEOM
Hospital Especializado Octávio Mangabeira
kV
Quilovolts
mA
Miliampere
mEq/L
Miliequivalente por litro
mm
Milímetro
Sesab
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia
TC
Tomografia computadorizada
TCAR
Tomografia computadorizada de alta resolução
TFP
Testes de função pulmonar
UH
Unidade Hounsfield
UNIFESP
Universidade Federal de São Paulo
VEF1
Volume expiratório forçado no primeiro segundo
xi
Resumo
Objetivo: Avaliar os achados torácicos da Fibrose Cística através da Tomografia
Computadorizada de Tórax de Alta Resolução(TCAR) , dispondo-os na forma de
escores, e correlaciona-los com dados de função pulmonar, em pacientes do Centro de
referência em Fibrose Cística no Estado da Bahia. Por ser a Bahia um estado
altamente miscigenado, é relevante tentar determinar aspectos peculiares da doença
nesta população.
Métodos: Estudo transversal onde foram avaliados 35 pacientes no período de junho
de 2004 a março de 2006, em fase de estabilidade clínica, com idade variando entre 6
e 25 anos, que realizaram Testes de função pulmonar (TFP) e TCAR. A média de idade
dos pacientes foi de 11,3 anos. Os não-brancos representaram 77% desta amostra. Os
exames de tomografia foram analisados por dois radiologistas, de forma independente,
tendo como base sistema de escore que avaliava a presença, extensão e gravidade
das alterações.
Os escores de tomografia foram correlacionados com o volume
expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), capacidade vital forçada (CVF) e fluxo
expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada ((FEF25%-75%) . Após
intervalo de três meses, os radiologistas fizeram nova leitura para definição do nível de
concordância intra-observadores.
Resultados: Espessamento de parede brônquica (57.14%), bronquiectasias (54.28%)
e padrão de perfusão em mosaico (51.43%) foram os achados tomográficos mais
freqüentes nesta população. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais
de TCAR com o VEF1 (r=0.7808, p<0.0001).
O FEF25%-75% apresentou uma boa
correlação com os escores de TCAR (r=0.6981, p<0.00001), o mesmo não se
observando com a CVF (r=0,511, p<0,001). Quando avaliados de forma isolada,
alterações estruturais descritas à TCAR, também apresentam boas correlações com o
VEF1 e com o FEF25%-75% . Observou-se, também, um excelente nível de concordância
inter e intra-observadores.
Conclusões: As alterações tomográficas mais prevalentes nesta população foram o
espessamento de paredes brônquicas, as bronquiectasias e o padrão de perfusão em
mosaico. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais de TCAR com o
VEF1; o FEF25%-75% apresentou uma boa correlação com os escores de TCAR, o mesmo
xii
não se observando com a CVF. Aspectos avaliados de forma isolada à TCAR também
apresentaram boas correlações com o VEF1 e com o FEF25%-75% . Os resultados deste
trabalho sugerem que tanto a tomografia quanto a função pulmonar podem ser
utilizadas como marcadores para o acompanhamento de pacientes com FC, no nosso
meio.
xiii
1 INTRODUÇÃO
Fibrose cística (FC) é uma complexa doença de caráter genético, que envolve
os distintos órgãos dos sistemas que expressam uma glicoproteína do tipo canal
iônico, que em decorrência da mutação gênica, não permite a passagem de cloro pela
membrana das células epiteliais
(1)
. Como conseqüência, os pacientes com FC
apresentam muco desidratado e com alta viscosidade e redução da atividade
mucociliar
(2)
. A FC ocorre em todas as raças, mas é mais comum nos caucasianos,
particularmente nos seus descendentes do norte da Europa (3).
De todos os órgãos e sistemas envolvidos, o pulmão é o que apresenta
expressão fenotípica mais variada, sendo a doença pulmonar progressiva a principal
causa de morte nos pacientes com FC
(4,5)
. O período que antecede o início das
alterações pulmonares constitui um intervalo de tempo oportuno para se intervir e
prevenir a progressão do dano estrutural do pulmão
(1)
.
Farrel et al conseguiram
evidenciar que os benefícios obtidos com a triagem neonatal na FC não estavam
relacionados apenas com o aspecto nutricional, como também na possibilidade de
erradicação da P. aeuroginosa, que está associada ao declínio brusco da função
pulmonar nos pacientes com infecção crônica por este patógeno (6).
Contudo, é extremamente difícil definir o momento exato do início do ciclo da
doença pulmonar. Dados da Cystic Fibrosis Foundation mostraram que o volume
expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) quando medido em crianças por volta
dos 6 anos de idade é geralmente normal, ou um pouco inferior a 100% do previsto (3).
Na FC é essencial monitorizar o status pulmonar dos pacientes, principalmente
aqueles que vêm sendo tratados
(7)
. Dentre os exames de imagem, a radiografia
convencional do tórax é um método amplamente utilizado, de baixo custo, que vem
sendo utilizado por clínicos, no segmento desses pacientes; entretanto, devido às
desvantagens inerentes ao método, como por exemplo, a baixa sensibilidade para
detectar lesões iniciais, a tomografia computadorizada (TC), em particular a de alta
resolução (TCAR), passou a ser uma melhor opção para o acompanhamento dos
pacientes com FC (8).
Em 1986, Jacobsen et al, comparando os achados à TC do tórax com os de
raios-X em uma amostra de 12 pacientes observou que o percentual de
2
bronquiectasias detectadas aumentava de 50% para 90% quando a avaliação
tomográfica era adicionada ao estudo radiológico
(9)
. A partir deste estudo, vários
autores passaram a avaliar a eficácia do uso da TCAR, na análise do
comprometimento pulmonar na FC (10-16).
A despeito da grande sensibilidade da TCAR em detectar alterações
estruturais pulmonares, os de testes de função ainda hoje são considerados o padrão
ouro para avaliar a doença pulmonar (17).
A evidência espirométrica mais precoce de doença obstrutiva na FC seria a
redução do fluxo expiratório entre 25% e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%).
Alterações no VEF1 começam a aparecer quando o indivíduo já apresenta doença
obstrutiva estabelecida. O VEF1 é amplamente utilizado como parâmetro para avaliar o
“status” do pulmão dos pacientes com FC, devido a sua acessibilidade universal nos
equipamentos de espirometria, pela padronização dos critérios para sua obtenção, e
pela reprodutibilidade dos seus resultados (17).
Muitos autores propuseram sistemas de escores para tomografia no intuito de
graduar o nível de comprometimento pulmonar, e em alguns trabalhos foram realizadas
correlações das alterações tomográficas com medidas da função pulmonar e/ ou com
aspectos clínicos
(10,15,18-21)
. Algumas séries demonstraram que mesmo em indivíduos
com função pulmonar comprometida, a possibilidade de correlacionarem achados à
TCAR com testes de função pulmonar era limitada
(20)
. E mais ainda, num estudo onde
foram estudadas crianças com função pulmonar normal (VEF1, FEF25-75% e CVF), em
30% dos exames já eram observados bronquiectasias (21).
É importante destacar que a maioria dos estudos citados reflete populações
geneticamente distintas, onde há predomínio de caucasianos. Este perfil genético em
muito difere daquele observado no nordeste do Brasil. Dessa maneira, o tratamento e
as medidas de saúde pública oferecidas são baseados em dados internacionais, sem
se levar em conta às peculiaridades da nossa população, desconsiderando-se,
portanto, problemas relacionados com a organização do sistema de saúde e as
condições sócioeconômicas.
O desenvolvimento de novas terapêuticas de custo elevado, como o
transplante de pulmão e a terapia gênica, levanta discussões que necessitam ser
3
subsidiadas com informações sobre as características da doença na população que
receberá as intervenções.
Devido ao alto grau de miscigenação da população do Estado da Bahia, onde
há um predomínio de não-brancos, sua constituição genética tem características
diferentes daquelas de outros Estados e países, de onde deriva a literatura sobre esse
assunto. Desta forma, o estudo da FC na população baiana poderá revelar aspectos
peculiares da doença relacionadas com as alterações estruturais e da função
pulmonar.
4
1.1 Objetivo
Avaliar os achados pulmonares da fibrose cística através da tomografia
computadorizada de tórax de alta resolução, dispondo-os na forma de escores, e
correlacioná-los com dados de função pulmonar, em pacientes do centro de
referência em fibrose cística no Estado da Bahia.
5
2 REVISÃO DA LITERATURA
Fibrose Cística é uma Doença genética autossômica recessiva, causada pela
mutação do gene 230Kb localizado no braço longo do cromossomo 7, responsável pela
codificação da proteína “cystic fibrosis transmembrane regulator” (CFTR)
(22-25)
. Esta
proteína é também chamada de canal de cloro, e é essencial para o transporte de íons
através das membranas epiteliais; está também envolvida na regulação do fluxo de
cloro, sódio e água
(26)
. Mais de 1.000 mutações já foram descritas em todo mundo,
porém a mais frequente delas ocorre por uma deleção de três pares de bases,
acarretando a perda de um aminoácido (fenilalanina) na posição 508 (∆F508) da
proteína CFTR, o que impede seu funcionamento adequado
(26)
. Aproximadamente
70% dos cromossomos dos pacientes com FC no norte europeu apresentam a
mutação ∆F508, cuja incidência diminui para o centro e sul da Europa
(27)
. No Brasil,
Okay et al encontraram esta mutação em 44,45% dos pacientes com FC em São Paulo
(28)
, e Raskin et al encontram em 49% no Rio Grande do Sul, 27% em Santa Catarina e
52% em São Paulo
(29)
. Classicamente esta doença se caracteriza por uma tríade de
insuficiência pancreática, doença pulmonar supurativa crônica e perda de sal no suor
(30)
.
De acordo com estimativas da Cystic Fibrosis Foundation, cerca de 30.000
crianças e adultos nos Estados Unidos da América têm FC. A prevalência de FC em
caucasianos é de 94,7%, enquanto em hispânicos (brancos e negros) e afroamericanos é de 6,9% e 4,0%, respectivamente (3).
2.1 Perspectivas históricas
Os primeiros relatos sobre FC aparecem no folclore medieval (séculos XVIII e
XIX), onde crianças com suor salgado morriam precocemente e eram consideradas
como “almadiçoadas” (31).
As características clínicas, anatomopatológicas e epidemiológicas da FC foram
primeiramente descritas em 1938 por Dorothy Andersen. Em 1945 Farber introduziu o
termo Mucoviscidose para melhor caracterização da doença, e em 1946 Andersen e
Hodges demonstraram que a FC era conseqüência de herança autossômica recessiva
6
(32)
. Di Sant’Agnese et al em 1953 observaram concentrações de sódio e cloro
elevadas no suor de crianças com FC durante forte onda de calor em Nova York
(33)
.A
padronização do teste do suor para o diagnóstico desta doença, estimulado pela
iontoforese por pilocarpina foi feita em 1958 por Gibson e Cooke
(34)
. O gene da fibrose
cística foi finalmente localizado no cromossomo 7 em 1985. Em 1989, cientistas de
Toronto e Michigan descreveram seu isolamento, seqüência e mutações mais comuns
no locus denominado FC
(47)
. Tais relatos representaram o ápice de vários anos de
trabalho de muitos pesquisadores que iniciaram nova era de esforço multidisciplinar
visando ao tratamento ideal dessa doença limitadora de vida. Trata-se de uma doença
irreversível, cuja evolução não permitia, até alguns anos, a sobrevida dos pacientes até
a adolescência. Nas últimas décadas, o grande avanço nas pesquisas da FC e a
instituição de novas terapêuticas, permitiram o aumento da sobrevida média destes
pacientes, que hoje é maior que 34 anos (35).
2.2 Diagnóstico
Nos países desenvolvidos, o diagnóstico da fibrose cística é feito em 70% dos
casos no primeiro ano de vida. Em 8% dos pacientes, todavia, este só é estabelecido
depois do primeiro ano ou até após os 10 anos de idade (35). No Brasil, 40 a 50% dos
casos são diagnosticados após os três anos de idade (36).
Apesar das bases genéticas da doença estarem bem estabelecidas, o
diagnóstico é ainda baseado nos achados clínicos (fenótipo), associados à
demonstração de concentrações elevadas do íon cloro no suor (> 60 mEq/L)
(37)
.
Alguns dados sugerem que em crianças menores que 3 anos uma concentração do íon
cloro suor maior que 40 mEq/L é altamente sugestiva para o diagnóstico de FC (38).
A análise genética através da identificação das mutações pode, em algumas
circunstâncias, substituir o teste do suor no diagnóstico da FC. Contudo, é importante
avaliar as características fenotípicas do indivíduo, pois apenas se somadas à
identificação de pelo menos duas mutações gênicas conhecidas, confirmam o
diagnóstico de FC (35).
Anormalidades no transporte de íons no epitélio respiratório dos pacientes com
FC justificam o uso da diferença de potencial nasal como um adjunto do diagnóstico
7
desta doença. Contudo, é necessário um grande entendimento das características do
transporte de íons no epitélio nasal para que aumente a sensibilidade do método.
Processos inflamatórios envolvendo o epitélio nasal podem levar a resultados falsonegativos (35).
A dosagem do tripsinogênio no sangue é um marcador indireto da função
pancreática exócrina. Existem poucos trabalhos na literatura que asseguram a
efetividade e eficácia da triagem neonatal na FC. Apesar das controvérsias, este teste
está sendo implantado no Brasil como “teste do pezinho ampliado”. Quando positivo, é
recomendado que seja repetido num intervalo de 15-30 dias, e caso persista positivo,
realizar o teste do suor para confirmar o diagnóstico de FC (36,39).
A caracterização da microbiologia da flora respiratória pode ser útil na
avaliação de pacientes com achados atípicos para FC. A presença de Pseudomonas
aeuroginosa com o fenótipo mucóide, principalmente se persistente, é altamente
sugestiva de FC. Outros patógenos como o Staphylococcus areus, Haemophilus
influenzae e Burkbolderia ceppacia também sugerem o diagnóstico (17,40).
Um dos aspectos fenotípicos mais comumente observados em homens após a
puberdade é a azoospermia. Ela é descrita em até 98 a 99% dos indivíduos com FC.
Na maioria dos casos ela resulta numa ausência ou num rudimentar vaso deferente.
Nos indivíduos que apresentam azoospermia como primeira manifestação da doença,
o diagnóstico de FC deve ser confirmado com o teste do suor. Em geral, estes
pacientes têm um bom prognóstico (35).
2.3 Mutações genéticas
As mutações genéticas descritas na FC são responsáveis pela grande
variabilidade de apresentações
clínicas desta doença.
Existem 6
principais
mecanismos moleculares de disfunção da proteína CFTR (ou 6 classes de mutações).
As mutações de classe I levam à ausência da síntese da CFTR. As de classe II, que
correspondem à mutação ∆F508, bloqueiam o transporte da proteína até a membrana
plasmática das células epiteliais; as de classe III interferem na regulação do canal
clorídrico. As mutações de classe IV determinam alteração na condução do íon cloro;
8
as da classe V reduzem a síntese da CFTR, e as de classe VI promovem regulação
defeituosa de outros canais iônicos (17,26).
2.4 Síndromes clínicas
A FC determina alterações em órgãos que expressam a proteína CFTR,
incluindo as células secretórias, pulmões, pâncreas, fígado, vias biliares, seios
paranasais e trato reprodutivo. A insuficiência pancreática exócrina está presente em
cerca de 90% dos pacientes. As pro-enzimas retidas nos ductos pancreáticos são
prematuramente ativadas determinando a destruição e fibrose do pâncreas. Observase ainda o comprometimento da absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), e
qualquer deficiência sintomática destas vitaminas pode ocorrer. As células de
Langerhans são inicialmente poupadas, sendo a diabetes mellitus rara na primeira
década de vida dos pacientes com FC, contudo se observa o aumento da prevalência
da mesma com o aumento da idade
(26,30)
. O íleo meconial acomete 10 a 20% dos
pacientes com FC, e reflete o comprometimento da função pancreática intra-útero
(41)
.
O comprometimento hepático/biliar segue o mesmo padrão das anormalidades
pancreáticas. A esteatose hepática é descrita em 30% dos pacientes com FC, e a
cirrose biliar em mais de 40%
(42)
. Muitos pacientes com FC têm sintomas de sinusite
crônica, que podem exacerbar infecções respiratórias baixas, além de causar
deformidades nasais externas, anosmia e cefaléia
ser vista em até 25% dos pacientes
(44)
(43)
. A polipose naso-sinusal pode
. Cerca de 98% dos homens com FC são
inférteis, com aspermia secundária a vasa deferente atrésica ou ausente e vesículas
seminais ausentes ou dilatadas (45).
2.5 Doença pulmonar
Os pulmões de crianças com fibrose cística são histologicamente normais ao
nascer, mas, com poucas semanas de vida, já podem ser observadas obstruções
iniciais de vias aéreas periféricas. Estas pequenas obstruções se dão pela retenção de
secreções, e resultam na hiperplasia e hipertrofia das glândulas submucosas, que são
as principais origens de secreções mucosas nos brônquios e pulmões
(46,47)
. Long et al
9
observando as alterações nas vias aéreas de crianças pequenas com FC,
demonstraram que o diâmetro transverso e a espessura da parede são maiores e
tendem a crescer com tempo de forma mais intensa comparada ao restante da
população
(48)
. Associado a estes achados, a constatação de alterações inflamatórias
nas vias aéreas de crianças pequenas, fortemente sugere dano estrutural nos
primeiros meses de vida
(49)
. O acúmulo de secreção espessa aumenta a
susceptibilidade a infecções respiratórias recorrentes, e o processo infeccioso, aliado à
resposta inflamatória, leva à progressiva deterioração da arquitetura e da função
pulmonar. O resultado desse círculo vicioso de inflamação — infecção é responsável
pelo progressivo dano estrutural nos pulmões. As alterações estruturais nas vias
aéreas
as tornam mais
predispostas à
infecção, levando
à formação
de
bronquiectasias, impactações mucóides, e destruição pulmonar, que culmina com
pulmão em fase-final, falência respiratória progressiva e morte (2).
2.5.1 Função pulmonar
Neonatos com fibrose cística têm função pulmonar normal, porém, dentro de
semanas ou meses, desenvolvem lesões obstrutivas nas pequenas vias aéreas, as
quais levam ao aumento da resistência ao fluxo aéreo, hiperinsuflação pulmonar e
alçaponamento de ar. Como conseqüência destas alterações há uma inadequada
relação ventilação — perfusão. Nesse estágio, as alterações da função pulmonar são
dependentes do acometimento das vias aéreas periféricas e evidenciadas por uma
diminuição dos fluxos expiratórios terminais e pelo aprisionamento de ar. Sendo a
obstrução ao fluxo aéreo, o alçaponamento de ar e a ventilação inadequada as
alterações funcionais mais importantes em pacientes com fibrose cística, o padrão
evolutivo dessas alterações caracteriza-se por predomínio de distúrbio ventilatório
obstrutivo, com redução precoce dos fluxos correspondentes às pequenas vias aéreas
e acometimento tardio da capacidade vital forçada (CVF) (50).
Os testes de função pulmonar (TFP) têm uma boa correlação com o estado
clínico e a progressão da enfermidade. Os TFP seqüenciais são usados como rotina no
acompanhamento do paciente para determinar a progressão da doença, os episódios
de exacerbação, e a resposta terapêutica. Os valores comumente estudados são a
10
CVF, o VEF1 e o fluxo médio expiratório forçado entre 25% a 75% da curva da CVF
(FEF25%-75%) (50).
Num estudo longitudinal da função pulmonar em pacientes com fibrose cística,
confirmou-se que os valores espirométricos, em geral, demonstram uma progressiva
deterioração apesar de a taxa do declínio variar marcadamente entre os indivíduos (51).
Redução de fluxos expiratórios, como o FEF25%-75%, refletem a evidência
espirométrica mais precoce de doença obstrutiva na FC, provavelmente devido às
impactações brônquicas, edema das vias aéreas, inflamação e aumento de volume das
secreções. Contudo, devido à variabilidade das medidas do FEF25%-75%ele não tem sido
utilizado no monitoramento desta doença (52,53).
As alterações no VEF1 são observadas naqueles indivíduos que já começaram
a desenvolver doença obstrutiva e, portanto é o parâmetro de função pulmonar que
melhor reflete progressão da doença pulmonar na FC, inclusive para avaliar a eficácia
de novas modalidades terapêuticas (54-56).
A redução da CVF durante as exacerbações pode ocorrer em conseqüência do
alçaponamento de ar. Porém, as alterações da CVF refletem o dano estrutural do
pulmão num estágio mais avançado da doença (2,50).
Num estudo epidemiológico de caráter multicêntrico, longitudinal, realizado no
Canadá e nos Estados Unidos, incluindo 18.411 pacientes com fibrose cística, dados
de função pulmonar, entre outros, foram coletados no período de dois anos. Neste
grupo de pacientes, a CVF média entre 6 e 12 anos foi acima de 90% do previsto;
entre 13 e 17 anos manteve-se em 90%, mas no grupo de 18 a 24 anos caiu para 80%,
e atingiu 70% na faixa etária de 25 a 35 anos. A média do VEF1 inicial na faixa de 6 a
12 anos ficou entre 85% e 90%; com declínio um pouco mais acentuado, chegando a
valores médios entre 75% e 80% na faixa de 13 a 17 anos, 69% na de 18 a 24 anos,
50% na de 25 a 35 anos, atingindo valor próximo a 50% no gênero masculino e perto
de 40% no gênero feminino na faixa de 36 anos ou mais. Já a média do FEF25%-75%
mostrou-se próxima de 70% na faixa de 6 a 12 anos; com declínio mais rápido e
precoce, atingindo valor médio de 50% na faixa de 13 a 17 anos, 30% na de 18 a 24
anos, 20% naquela entre 25 e 35 anos e abaixo de 20% na faixa de 36 anos ou mais.
Como era esperado, o FEF25%-75% mostrou as reduções mais precoces, provavelmente
refletindo o início da obstrução nas vias aéreas menores, e as crianças do sexo
11
feminino apresentaram redução um tanto mais acentuada na função pulmonar
precocemente, relação que se igualou na idade adulta, possivelmente pelo efeito da
sobrevida (57).
2.5.2 Achados radiológicos
A hiperinsuflação pulmonar é a manifestação radiográfica mais precoce na FC
(58)
. Em lactentes, ela pode ser focal ou generalizada, acompanhada de atelectasias
(59)
. Os processos infecciosos costumam apresentar distribuição peribrônquica, o que é
traduzido, radiologicamente, por irregularidade da trama nesta topografia, irradiando-se
a partir dos hilos pulmonares
(60)
. As impactações brônquicas, manifestam-se à
radiografia como opacidades arredondadas ou digitiformes na topografia dos
brônquios(59).
As
infecções pulmonares de
repetição determinam quantidade
considerável de fibrose e de bronquiectasias. Radiologicamente, as áreas de fibrose
caracterizam-se por infiltrados lineares e salteados
(60)
. As bronquiectasias, por sua
vez, caracterizam-se por linhas paralelas, que representam paredes brônquicas vistas
em perfil, ou por círculos espessos, quando as paredes são vistas em corte
transversal, localizadas, notadamente, na porção central e superior dos pulmões
(60)
.
Proeminência das regiões hilares é um achado comum em pacientes com FC,
correspondendo, na grande maioria das vezes, à linfonodomegalia ou, mais raramente,
a grandes artérias pulmonares, nos casos de hipertensão da artéria pulmonar
(59)
.
Friedman et al mostraram que opacidades nodulares periféricas e opacidades lineares,
não vasculares, correspondem aos achados radiográficos mais precoces em pacientes
com FC e com mais de 17 anos, seguidos das bronquiectasias, e da hiperinsuflação
pulmonar (61).
Diversos sistemas de escores radiográficos foram desenvolvidos para FC, com
intuito de quantificar a severidade da doença
(62-64)
. O sistema proposto por
Schwachman e Kulczycki (1958), incorpora parâmetros clínicos e radiográficos
(65)
.
Este sistema de avaliação clínica foi um marco no histórico científico da FC e até os
dias atuais é respeitado e amplamente utilizado como instrumento clássico de
avaliação da gravidade da doença. Em 1974 foi criado primeiro sistema de escore
radiológico para avaliar a gravidade da FC, considerando que alterações no exame
12
radiológico retratam a progressão da doença pulmonar e podem ser correlacionados
com a condição clínica do paciente
(62)
. Em 1979 foi proposto um novo sistema de
escore radiológico, que assim como o anterior, tinha como foco a avaliação quantitativa
da radiografia do tórax, mas que ainda hoje é o mais comumente usado e conhecido
(63)
.
2.5.3 Achados à tomografia computadorizada
No início dos anos 90, foi reconhecido que a tomografia do tórax era mais
sensível que a radiografia para detectar alterações estruturais no parênquima pulmonar
em pacientes com FC. Desde então, as mais relevantes mudanças estruturais do
pulmão dos pacientes com esta doença foram exaustivamente descritas.
O aprisionamento aéreo é descrito como conseqüência de enfermidade que
acomete as vias aéreas periféricas na FC. Contudo, as dimensões destas vias são
muito pequenas para serem avaliadas através da TCAR, impedindo o estudo direto das
mesmas. Para avaliação indireta, pede-se ao paciente para realizar manobras de
expiração forçada, o que facilita o diagnóstico. Áreas hipodensas, bem demarcadas no
parênquima pulmonar, resultam numa combinação de aprisionamento de ar que não
consegue ser exalado, e hipoperfusão. Essas áreas hipodensas quando observadas
nas aquisições em inspiração são descritas como padrão de perfusão em mosaico (66).
Em pacientes com faixa etária de 0 a 5 anos, este foi o achado mais
freqüentemente observado
(13)
, e é considerado um dos mais precoces sinais de
doença de pequenas vias aéreas, relacionado à “bronquiolite exsudativa” representado
pelas opacidades centrolobulares com padrão de árvore em brotamento, que nada
mais são que bronquíolos preenchidos por muco, ou por material patológico
(14,67-70)
.A
detecção precoce deste achado pela TCAR, sinaliza para tratamento em fases iniciais
da doença, o que pode reduzir a gravidade do curso da mesma
(11,14,68-70)
.
Espessamento de paredes brônquicas ou espessamento do interstício peribrônquico, é
comumente visto nos pacientes com FC
(71)
já em fases iniciais da doença
(2,72-74)
. O
espessamento de paredes do brônquio do lobo superior direito foi descrito como o
achado mais precoce nos pacientes com FC (74). Porém, é importante pontuar que ele é
geralmente mais significativo nas vias aéreas periféricas. A avaliação histológica dos
13
pulmões de pacientes com FC que foram transplantados evidenciou um grau de
espessamento de paredes brônquicas em vias aéreas periféricas que excedia em três
vezes o espessamento observado em pulmões de fumantes, também encaminhados
ao transplante. Porém, vale salientar que o espessamento de paredes brônquicas
observado em crianças pequenas é notadamente nas vias aéreas centrais (48,49).
Stiglbauer et al, em 1991, concluíram que as bronquiectasias e o
espessamento peribrônquico seriam achados irreversíveis nos pacientes com FC.
Neste trabalho tais parâmetros seriam fundamentais para o acompanhamento destes
pacientes, para avaliar a estabilidade ou progressão da doença (73).
Impactações brônquicas comumente ocorre nos brônquios e bronquíolos
dilatados;
manifesta-se,
radiologicamente,
digitiformes, de distribuição brônquica
população pediátrica
(13)
(59)
como
opacidades
arredondas
ou
. A prevalência deste achado é menor na
, onde as opacidades centrolobulares (nodulares ou com
padrão de árvore em brotamento) refletem o comprometimento, podendo corresponder
a manifestações iniciais da FC
(75)
. As Bronquiectasias correspondem à dilatação
brônquica irreversível, localizada ou difusa, podendo ser classificadas em três tipos, a
depender do padrão de dilatação brônquica. Podem ser cilíndricas, varicosas ou
císticas
(74)
mais raras
, sendo as cilíndricas as mais comumente observadas e, as varicosas, as
(66)
. Na FC, as bronquiectasias exibem distribuição proximal ou peri-hilar.
Nas fases inicias, o comprometimento é mais acentuado em lobos superiores, tendo
sido notado um predomínio em lobo superior do pulmão direito
ser vistas em pacientes de qualquer faixa etária
(46)
de 100% nos pacientes com mais de 17 anos
(13)
(10,66,74,75)
. Elas podem
, tendo sido observada prevalência
. Outros achados assinalados pela
TCAR na FC, menos prevalentes, são colapso/consolidação, saculações, bolhas,
consolidação e espessamento de septos interlobulares (8).
A possibilidade de avaliar o pulmão em cortes axiais, o que reduz,
significativamente, a superposição das estruturas, faz com que a TC, especialmente a
TCAR, seja um bom método na elucidação de patologia pulmonar; com a técnica de
alta resolução, é possível obter uma imagem do pulmão com excelente resolução
espacial, podendo-se demonstrar, com detalhes, o interstício, bem como as
características morfológicas do parênquima pulmonar (76,77).
Os escores de tomografia propostos ao longo dos anos, para avaliação de
pacientes com FC trouxeram novas perspectivas do ponto de monitorização da
14
doença, resposta terapêutica, e seleção de pacientes para transplante
(78)
. A partir da
quantificação da gravidade e extensão do comprometimento pulmonar foi possível
correlacionar aspectos estruturais com marcadores da função pulmonar destes
pacientes, no intuito de verificar uma possível superioridade da TCAR como método de
escolha para acompanhamento da doença pulmonar.
O primeiro sistema de escores para tomografia, a despeito da inovação
metodológica, não conseguiu demonstrar boas correlações de escores de tomografia
com testes de função pulmonar (10).
Em 1996, Logan et al, num estudo prospectivo, estudaram 30 pacientes com
FC, com intervalo de 30 meses, demonstrando uma forte correlação entre os achados
de TCAR e progressão de doença, avaliados por aspectos clínicos e testes de função
pulmonar
(79)
. Eles fizeram uma modificação no sistema de escores propostos por
Bhalla et al, onde o comprometimento dos lobos pulmonares, e não dos segmentos,
eram avaliados. No mesmo ano, um trabalho demonstrou correlações significativas
entre escores de TCAR e função pulmonar, avaliada através do VEF1, CVF e pela
relação VEF1/CVF, notadamente como VEF1 (11).
Em algumas séries, a despeito de serem observadas correlações significativas
dos escores totais de tomografia com aspectos da função pulmonar, não foi possível
observar resultados semelhantes quando se tentava correlacionar achados específicos
de tomografia com TFP (20).
Em 2002, Oikonomou et al demonstraram que as alterações pulmonares que
melhor se correlacionam com o VEF1 são as atelectasias/consolidações assim como o
espessamento de paredes brônquicas
(80)
. Já em 2004, Brody et al observaram que os
TFP melhor se correlacionam com o achado de alçaponamento de ar (21).
Brody et al em 2005 sugeriram um sistema de escores para avaliar a
progressão da doença pulmonar
(81)
, que foi validado posteriormente
(82)
. Brody
conseguiu demonstrar o papel da tomografia como um verdadeiro marcador da
evolução da FC (81).
15
2.6 Tratamento
Apesar de inquestionáveis avanços no conhecimento da doença com a
descoberta do gene, seu produto e função, muitas questões permanecem sem
respostas e o tratamento específico ainda é perspectiva futura. Atualmente existem
evidências de que a maior sobrevida dos afetados por FC ocorre com os pacientes
tratados em centros onde há atuação de equipe multiprofissional. Os pilares do
tratamento dos pacientes com FC incluem o suporte nutricional, melhora da obstrução
das vias aéreas, e o tratamento das infecções. Alguns trabalhos sugeriram, entretanto,
que a inflamação precede a infecção nas vias aéreas, e um quarto pilar foi proposto
para estes pacientes. Contudo, a supressão farmacológica da inflamação está
associada a efeitos colaterais o que sinaliza a necessidade de alternativas aos
tratamentos utilizados até então (83).
O transplante de pulmão constitui uma alternativa nos indivíduos com doença
pulmonar avançada. O primeiro transplante ocorreu em 2003, e desde em então, mais
de 100 pacientes com FC são transplantados em cada ano. A taxa de sobrevida é de
80% no primeiro ano, e de 50% pelo quarto ano após o transplante. Esses dados
sugerem que não se trata de uma terapia perfeita, e que a inalação de ciclosporina
poderá melhorar estas estatísticas (83).
16
3 MÉTODOS
3.1 Casuística
Foram inclusos neste estudo 35 pacientes, com diagnóstico de FC,
acompanhados no Centro de Referência para Fibrose Cística do Hospital
Especializado Octávio Mangabeira (HEOM), pertencente à rede hospitalar da
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Este hospital está localizado na
Cidade do Salvador, é referência em doenças pulmonares no Estado da Bahia. O
International Directory Cystic Fibrosis reconheceu o serviço como referência
internacional e este passou a constar da edição anual desse órgão a partir de 1993, e
em 1998, a Sesab denominou-o Centro de Fibrose Cística do Estado, sendo
cadastrado no programa de medicação de alto custo.
Os pacientes foram prospectivamente incluídos no estudo no período de junho
de 2004 a março de 2006 e os critérios de inclusão estabelecidos estão em seguida
enumerados: 1) pacientes com idade superior a 6 anos, independentemente de cor e
sexo, com teste do suor positivo, em fase de estabilidade clínica ou seja, sem
evidência de infecção aguda, baseada em dados clínico e/ou laboratoriais; 2)
domiciliado no Estado da Bahia; 3) capazes de realizar teste de função pulmonar
(espirometria); 4) ter concordado em participar do estudo e assinar (o paciente ou o
responsável pelo menor de 18 anos) o termo de consentimento informado.
Todos eles foram submetidos a exames de TCAR e TFP. O intervalo de tempo
para realização dos exames de cada paciente não excedeu 7 (sete) dias.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade
Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (Anexo 1), sob o protocolo
0120/04. O Projeto também foi autorizado pela Diretoria do Hospital Octávio
Mangabeira, ofício 936/03 (Anexo 2).
O diagnóstico de fibrose cística foi confirmado através de dois testes do suor,
com níveis de cloro acima de 60 mEq/L, realizados pelo método da iontoforese por
pilorcapina, padronizado por Gibson e Cooke.
17
3.2 Testes de função pulmonar
Os testes de função pulmonar foram realizados no ambulatório de fibrose
cística do HEOM. Os dados antropométricos (estatura e peso) foram obtidos utilizando
o mesmo aparelho (antropômetro e balança), e sempre por uma mesma avaliadora,
segundo os critérios de reprodutibilidade (84).
Todos os testes foram realizados no turno da manhã, por uma mesma
examinadora. Durante os exames, os pacientes permaneceram sentados, mantendo o
tórax ereto, com a cabeça em posição neutra, utilizando uma pinça nasal, em uma sala
com temperatura mantida em torno de 22º(85).
As curvas de expiração forçada foram realizadas em espirômetro Microlab
3.500, que permite o registro simultâneo das variáveis fluxo expiratório x volume
pulmonar (curva fluxo-volume) e volume pulmonar tempo. Após alguns ciclos de
respiração tranqüila, era solicitada uma inspiração máxima, seguida de breve apnéia.
Ao comando do examinador, iniciava-se a manobra de expiração forçada, sendo esta
prolongada até ocorrer estabilização do traçado espirográfico. Esta manobra era
sucedida de uma inspiração máxima até o nível da capacidade pulmonar
(86,87)
. Foram
obtidas pelo menos três medidas tecnicamente corretas. Para o cálculo foi utilizado o
melhor desempenho em relação à capacidade vital forçada e ao volume expiratório
forçado no primeiro segundo, critérios de reprodutibilidade e aceitabilidade da
American Toracic Society (ATS)(88). As variáveis analisadas neste estudo foram a
capacidade
vital
forçada
(CVF),
o
volume
expiratório
forçado
no
primeiro
segundo(VEF1) e o fluxo expiratório forçado entre 25-75% (FEF25-75% ) da CVF (89,90).
As tabelas utilizadas de valores preditos para idade, altura e sexo foram a de
Knudson
(90)
, para crianças, e do Brazilian Pneumobil
(91)
, para adultos. Os fluxos
aéreos foram analisados de acordo com os critérios das Diretrizes para Testes de
Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (85).
A CVF é o volume de ar eliminado o mais rapidamente possível durante a
expiração forçada, partindo-se de uma inspiração máxima. Considerou-se o valor de
normalidade aquele maior ou igual a 80% do valor predito.
18
O VEF1 é o volume de ar expirado no primeiro segundo durante a manobra de
avaliação da CVF. O VEF1 varia na dependência da CVF e da resistência das vias
aéreas e estas se encontram aumentadas nos processos obstrutivos. Pela simplicidade
de sua obtenção, pela sua reprodutibilidade e pelas suas características, o VEF1 é um
dos parâmetros mais usados para a avaliação dos fluxos das vias aéreas,
especialmente as de grande e médio calibre. Normalmente, isso é feito registrando-se
a CVF num gráfico de papel a uma velocidade fixa. Gradua-se a gravidade da
obstrução brônquica em: leve, quando o VEF1 se encontra entre 60% e o limite de
normalidade do percentual do valor predito; moderada, quando está entre 40% e 59%
do valor predito; e grave, quando menor do que 40% do predito.
O FEF25%-75% é a medida do fluxo expiratório no volume situado entre 25% e
75% da CVF. Obtém-se o FEF25%-75%, dividindo-se a curva de volume sobre tempo da
CVF em quatro partes iguais, desprezando-se a primeira e a última parte. A análise é
feita na parte intermediária da curva, ou seja, desprezam-se os primeiros 25% e os
últimos 25% da curva de CVF e quantifica-se, em unidade de volume/tempo, a porção
da curva de CVF compreendida entre 25% e 75%. A obstrução das vias aéreas
periféricas pode inicialmente manifestar-se pela redução dessa variável, a qual se
constitui num dos dados espirométricos que mais precocemente se alteram em fases
iniciais das doenças pulmonares obstrutivas, sendo o valor de normalidade aquele
maior ou igual a 60% do predito.
3.3 Técnicas de exame e interpreteção dos achados tomográficos
Os exames de TCAR foram realizados em equipamentos helicoidais
convencionais da marca Toshiba, modelo Asteion (Toshiba, Tokio, Japan), e da marca
Siemens, modelo Somaton AR (Siemens, Erlanger, Germany).
Os exames foram realizados de forma convencional, sem injeção endovenosa
do meio de contraste. Depois da obtenção do “scout”, foram realizados cortes axiais de
1,0 a 1,5 mm de espessura, com intervalos de 10 mm, desde os ápices até abaixo dos
ângulos costofrênicos. As imagens foram adquiridas com o paciente em decúbito
dorsal e em inspiração profunda, com um campo de visão de 350 mm e com matriz de
reconstrução de 512 x 512 mm, usando algoritimo de recontrução de alta resolução.
19
Outros parâmetros aplicados foram: kV(p) = 120; mA = 200; 1 segundo de tempo de
corte. Cortes adicionais com o paciente em expiração forçada foram obtidas para
confirmação de possíveis áreas de alçaponamento de ar. As imagens foram avaliadas
com janela de pulmão (nível -600 a -700 UH, abertura 1000 a 1500 UH). A análise das
imagens foi feita em filmes.
As tomografias foram avaliadas de forma independente por dois radiologistas
com pelo menos 05 anos de experiência em tomografia de tórax, que desconheciam os
dados clínicos dos pacientes, bem como os resultados dos TFP. Eles classificaram os
achados tomográficos segundo um sistema de escores para tomografia, baseado
numa modicação daquele proposto por Bhalla et al, onde além das bronquiectasias,
espessamento de parede brônquica, impactações brônquicas, saculações, bolhas,
enfisema, colapso/consolidação, foi acrescida a avaliação do padrão de perfusão em
mosaico
(13)
. O escore de tomografia de cada paciente foi calculado com base na
gravidade e/ou na extensão das alterações referidas anteriormente (Quadro 1).
Quadro 1 – Sistema de escores para as tomografias
Categoria
Escores
0
1
2
3
Leve
Moderada
(2 a 3 vezes)*
Acentuada
(> 3 vezes)*
Moderado
(1 e 2 vezes)*
Acentuado
(> 2 vezes)*
Gravidade das
bronquiectasias
ausente
Espessamento de
paredes brônquicas
ausente
Extensão das
bronquiectasias
ausente 1 a 5 segmentos 6 a 9 segmentos
> 9 segmentos
Extensão das
impactações
brônquicas
ausente 1 a 5 segmentos 6 a 9 segmentos
> 9 segmentos
Saculações
ausente
1a5 segmentos
6 a 9 segmentos
> 9 segmentos
Geração brônquica
ausente
>4ª geração
4ª e 5ª geração
> 5ª geração
Bolhas
ausente
Unilaterais
(ñ > 4)
Bilaterais
(3 ñ > 4)
>4
Enfisema
ausente 1 a 5 segmentos
> 5 segmentos
—
Perfusão em mosaico
ausente 1 a 5 segmentos
> 5 segmentos
—
Segmentar/ lobar
—
(<2 vezes)*
Leve (igual)*
Colapso/ consolidação ausente Subsegmentar
* Em relação ao diâmetro do vaso adjacente.
20
A gravidade das bronquiectasias e do espessamento peribrônquico foram
separadamente graduadas baseadas no diâmetro do lúmen e na espessura da parede
brônquica, respectivamente. A gravidade das bronquiectasias foi designada como leve
e escore 1, se o diâmetro luminal fosse maior, mas não excedesse em duas vezes o
diâmetro do vaso adjacente; como moderadas e escore 2, se o diâmetro luminal fosse
duas ou três vezes o diâmetro do vaso adjacente e como acentuada e escore 3, se o
diâmetro luminal excedesse em três vezes o diâmetro do vaso adjacente.
A gravidade do espessamento de paredes brônquicas foi designada como leve
e escore 1, se a espessura da parede do brônquio fosse igual ao diâmetro do vaso
adjacente; como moderada e escore 2, se a espessura da parede do brônquio
estivesse entre uma e duas vezes o diâmetro do vaso adjacente, e como acentuada e
escore 3, se a espessura da parede do brônquio fosse maior que duas vezes o
diâmetro do vaso adjacente.
A extensão anatômica das impactações brônquicas, bronquiectasias e
saculações, foram classificadas no escore baseada no número de segmentos
pulmonares envolvidos: 1, indicando envolvimento de 1 a 5 segmentos; 2, se entre 6 a
9 segmentos estivessem envolvidos e, 3, se mais de 9 segmentos estivessem
envolvidos.
A extensão da doença de via aérea foi avaliada pela geração da divisão
brônquica comprometida. Achados de bronquiectasia ou impactação brônquica acima
da quarta geração brônquica foram consideradas como 1 entre a quarta e a quinta
geração de brônquica como 2 e, acima da quinta geração brônquica como 3.
Doença bolhosa foi classificada de acordo com o número de bolhas vista nas
imagens de tomografia. Unilaterais, mas não excedendo em quatro, classificadas como
1; bilaterais, mas não excedendo em quatro, classificadas como 2; e mais de quatro
bolhas, classificadas como 3.
Enfisema, bem como as áreas com padrão de perfusão em mosaico, foram
classificados como 1, se apenas 1 a 5 segmentos pulmonares estivessem
comprometidos, e com 2, se mais de 5 segmentos estivessem comprometidos.
As tomografias também foram classificadas quanto à presença de colapso ou
consolidação. Tiveram escore 1, aquelas que apresentaram colapsos ou consolidações
21
subsegmentares, e 2, quando se tratavam de colapsos ou consolidações segmentares
ou lobares.
O escore total de tomografia foi determinado subtraindo-se de 27 a somatória
das alterações identificadas. Portanto, nas tomografias onde as alterações foram mais
significativas, os escores eram menores.
Após intervalo de 03 meses, os dois radiologistas, de forma independente,
fizeram nova leitura dos filmes, para que fosse medido o coeficiente de concordância
intra-observadores. Em seguida, de forma consensual, chegaram a um resultado final,
que foi utilizado para elaboração do trabalho.
3.4 Avaliação estatística
Primeiramente, através do teste de Kolmogorov-Smirnov verificou-se a
aderência à distribuição normal para as variáveis quantitativas do estudo. Em seguida,
a correlação não paramétrica de Spearman foi empregada para testar a associação
entre aquelas variáveis. O teste de Bartlett foi usado no intuito de se avaliar a
homogeneidade de variâncias das variáveis quantitativas nos níveis das variáveis
qualitativas do estudo. Análise de variância foi utilizada seguida do ajuste dos valores
de p para comparações múltiplas através do método de Bonferroni. O coeficiente de
concordância de Lin e o gráfico de Bland-Altman foram utilizados para se averiguar a
concordância intra e entre observadores para as variáveis quantitativas.
22
4 RESULTADOS
4.1 Achados tomográficos
Foram avaliados exames de tomografia e testes de função pulmonar dos 35
pacientes (25 do sexo masculino e 10 do sexo feminino) e idade entre 6 e 25 anos
(média de 11,34 anos). Observou-se um total de 8 pacientes brancos e 27 pacientes
não-brancos.
Dos 35 pacientes avaliados, 28 tinham alterações à TCAR (80%). As
anormalidades parenquimatosas incluíram espessamento de parede brônquica (n=20),
bronquiectasias (n=19), padrão de perfusão em mosaico (n=18), impactações
nrônquicas (n=13), colapso/consolidação (n=14), saculações e abscessos (n=8), e
bollhas (n=1). A Figura 1 ilustra a frequência dos achados encontrados nos pacientes
avaliados por meio de consenso entre os observadores.
2,86
Bolhas
22,86
Saculações
51,43
Perfusão em mosaico
40,00
Colapso/ consolidação
37,14
Impactações brônquicas
57,14
Espessamento parede brônquica
54,28
Bronquiectasias
0
15
30
45
60
75
Achados à TCAR (%)
Figura 1. Prevalência dos achados à tomografia de alta-resolução.
O espessamento de paredes brônquicas foi o achado mais freqüente nesta
amostra, sendo observado em 74,07% dos indivíduos que já apresentavam alguma
alteração à TCAR (Figura 2). Ela se mostrou de moderada a acentuada na maioria dos
23
pacientes.
Observou-se
concomitância
deste
achado
com
a
presença
de
bronquiectasias e de impactações brônquicas, vistos em 13 pacientes (Figura 3).
A
B
Figura 2. Espessamento de parede brônquica. (A) Exame de TCAR no nível da porção distal da traquéia
e (B) do lobo médio demonstra espessamento liso de paredes brônquicas (setas retas). Notam-se
também algumas áreas com padrão de perfusão em mosaico (seta curva) em pirâmide basal esquerda
(Caso 5).
Figura 3. Impactações brônquicas. TCAR revela presença de impactações brônquicas e bronquiectasias
(setas retas) no segmento superior dos lobos inferiores, onde coexiste espessamento de paredes
brônquicas (setas curvas), visto também no lobo médio e na língula. Áreas com padrão de perfusão em
mosaico (setas largas) foram observadas bilateralmente (Caso 3).
24
As bronquiectasias foram também bastante frequentes neste grupo de
pacientes, com predomínio do tipo cilíndrico, e com igual predomínio nas regiões
pulmonares (Figura 4). Na maioria dos pacientes ela se estendia no máximo em 4
segmentos pulmonares.
A
B
Figura 4. Bronquiectasias. (A) TCAR no nível do lobo médio e (B) das pirâmides basais demonstra
presença de bronquiectasias de grau moderado a acentuado (setas retas), além de espessamento de
paredes brônquicas (seta curva), mais evidente no lobo médio (A), e opacidades centrolobulares com
padrão de árvore em brotamento em pirâmides basais (setas largas). Na imagem B distingue-se, ainda,
redução difusa da atenuação com escassez de estruturas vasculares nas pirâmides basais (Casos 9 e
13).
O padrão de perfusão em mosaico foi o terceiro achado mais freqüente nesta
amostra, com comprometimento que se estendia além de 5 segmentos em 13 dos 18
pacientes que apresentavam esta alteração (Figura 5).
25
B
A
Figura 5. Perfusão em mosaico. (A) TCAR em inspiração demonstrou discreta área de redução da
atenuação do parênquima pulmonar em lobo médio (seta reta), sugerindo padrão de perfusão em
mosaico, confirmando o aprisionamento aéreo (seta reta) (B) com manobras de expiração forçada (Caso
16).
A extensão da doença na via aérea foi mais periférca, ou seja, além da quinta
geração brônquica e distal em 73,91% daqueles onde o comprometimento foi
identificado.
Colapso e consolidações apresentaram uma distribuição predominantemente
subsegmentar.
A presença de bolhas foi observada em apenas 1 paciente, e em nenhum
paciente foi observado presença de enfisema.
4.2 Correlações dos testes de função pulmonar e da tomografia
A media dos escores totais de TCAR foi 20, e eles variaram de 7 a 27.
As variações do VEF1, da CVF e do FEF25%-75% estão descritos na Tabela 1.
26
Tabela 1 – DADOS DA FUNÇÃO PULMONAR NOS PACIENTES ESTUDADOS
Função pulmonar
Média*
Desvio-padrão (variação)
VEF1
72,82
23,95 (27-115)
CVF
77,46
20,22 (24-112)
FEF25%-75%
57,97
30,54 (8-108)
*Resultados estão expressos pela média do percentual do previsto.
As correlações foram calculadas entre os TFP e escores totais de TCAR, e
entre os TFP e achados específicos à TCAR.
O VEF1 mostrou uma correlação forte e significativa com o escore total de
TCAR (r=0,7808; p<0,0001) (Figura 6), e o FEF25%-75% apresentou correlação boa e
significativa com o escore total de TCAR (r=0,6981; p<0,00001) (Figura 7). Uma
moderada correlação foi observada entre a CVF e escore total de TCAR (r=0,5112;
p<0,001).
Figura 6. Correlações entre o escore total de
Figura 7. Correlações entre o escore total de
TCAR e o VEF1 (porcetagem do predito)
TCAR e o FEF25%-75% (porcetagem do predito)
(r=0,7808;
(r=0,6981;
p<0,000003).
Legenda:
pvef1
=
p<0,00003).
Legenda:
pfef
=
percentual do previsto dp VEF1; escortc3 =
percentual do previsto do FEF25-75%; escortc3 =
variável que corresponde ao escore total de TC.
variável que corresponde ao escore total de TC.
27
Quando
os
aspectos
avaliados
à
TCAR
foram
de
forma
isolada,
correlacionados com TFP, observamos que o VEF1 apresentou correlações moderadas
e boas com quase todos os parâmetros avaliados (exceto com Bolhas e Enfisema).
Por outro lado, quando esta correlação é estabelecida com a CVF, observamos
que apenas o padrão de perfusão em mosaico se correlaciona de forma moderada
com a CVF (r = -0,5787; p < 0,0002).
O FEF25-75% apresentou correlações moderadas em pelo menos 06 dos
parâmetros avaliados à TCAR (Tabela 2).
Tabela 2 – CORRELAÇÃO DE ACHADOS ESPECÍFICOS À TCAR COM TFP
Achados à TCAR
VEF1
CVF
FEF25%-75%
Gravidade bronquiectasias
-0,6826(p<0,0001)
-0,4530(p=0,006)
-0,6220(p<0,0001)
Extensão bronquiectasias
-0,7055(p<0,0001)
-0,4734(p=0,004)
-0,6182(p<0,0001)
Impactações brônquicas
-0,7205(p<0,0001)
-0,4654(p=0,004)
-0,6188(p<0,0001)
Espessamento da parede
brônquica
-0,5957(p=0,0001)
-0,2956(p=0,08)
-0,5789(p=0,0002)
Perfusão em Mosaico
-0,7361(p<0,0001)
-0,5787(p=0,0002)
-0,5962(p=0,0001)
Colapso/consolidação
-0,6245(p<0,0001)
-0,4091(p=0,001)
-0,4721(p=0,004)
Saculações
-0,5860(p=0,0001)
-0,3896(p=0,02)
-0,4310(p=0,009)
Geração brônquica
-0,6927(p<0,0001)
-0,4182(p=0,01)
-0,6164(p<0,0001)
O
VEF1
foi
analizado
em
pacientes
com
condições
distintas
de
comprometimento pulmonar à TCAR (Figura 8); os resultados indicaram que nos
pacientes com maior grau de envolvimento pulmonar, os níveis de VEF1 são
proporcionalmente menores, sinalizando, desta maneira, que nesta população, os
escores de TCAR correlacionam-se bem com o VEF1.
28
A
B
Figura 8. Análise do FEV1 em níveis distintos de gravidade e extensão de bronquiectasias observados à
TCAR. De acordo com o diagrama de caixas observa-se que à medida que a gravidade (A) e a extensão
(B) das bronquiectasias aumentam, as distribuições dos valores do VEF1 diminuem expressivamente.
Legenda: pvef1 = percentual do previsto do VEF1; gravbro3 = variável que corresponde à gravidade das
bronquiectasias.
Para melhor compreensão dos resultados obtidos neste estudo, foram criadas
tabelas onde nossos números são comparados com aqueles descritos na literatura
(Tabelas 03, 04, 05 e 06).
29
TABELA 3 - Prevalência dos achados à TCAR - REVISÃO DA LITERATURA
Espessamento
Bronquiecta-
Perfusão
Colapso/
Impacta-
Sacula-
Peribrônquico
sias
Mosaico
Consoli-
ções
ções
Bolhas
dação
Bhalla (1991)
Maffessanti
(1996)
Santamaria
(1998)
Helbich (1999)
Demirkazik
(2001)
Oikonomou
(2002)
Brody (2004)
De Jong
(2004)
Neves (2007)
92,9%
78,6%
-
14,3%
35,7%
57,1%
50,0%
37,0%
89,0%
-
58,0%
36,0%
-
-
53,0%
90,0%
13,0%
23,0%
63,0%
-
7,0%
76,1%
80,3%
60,7%
29,1%
51,3%
19,7%
12,8%
97,5%
65,0%
100,0%
17,5%
30,0%
15,0%
0
77,0%
98,0%
47,0%
81,0%
72,0%
28,0%
13,0%
-
58,0%
63,0%
-
15,0%
-
-
85,0%
76,0%
12,0%
51,0%
79,0%
11,0%
8,0%
57,1%
54,3%
51,4%
40,0%
37,1%
22,8%
2,9%
30
TABELA 4 - Correlações entre TCAR e TFP
Escore TC/VEF1
Escore TC/CVF
Escore TC/FEF25-75%
Bhalla (1991)
0,42 (p=0,14)
0,48 (p=0,09)
-
Logan (1996)
0,64 (p<0,001)
0,63 (p<0,001)
-
Mafessanti (1996)
0,658 (p<0,0001)
0,592 (p=0,0002)
-
Santamaría (1998)
-0,5 (P,0,01)
-0,6 (P<0,01)
-
Helbich (1999)
-0,7 (p<0,001)
-0,62 (p<0,001)
-
Demirkazik (2001)
0,66 (p<0,01)
0,71 (p<0,004)
-
Dorlochter (2003)
-0,778 (p=0,001)
-
-
Brody (2004)
-0,46 (p=0,005)
-0,25 (p=0,609)
-0,36 (p=0,0076)
de Jong (2004)
-0,73 (p<0,001)
-0,58 (p<0,01)
-0,83 (p<0,01)
Neves (2007)
0,78 (p<0,0001)
0,511 (p<0,001)
0,698 (p<0000,1)
31
TABELA 5 - Correlação de achados específicos à TCAR com oVEF1, comparando
com dados da literatura
VEF1
Achados à TCAR
VEF1
VEF1
(Neves) (Helbich) (Oikonomou)
VEF1
(Brody)
Gravidade bronquiectasias
-0.6826
-0,60
-0.622
-0,37
Extensão bronquiectasias
-0.7055
-0.57
-0.6182
-
Impactações mucóides
-0.7205
-0,50
-0.6188
-
Espessamento de parede brônquica
-0.5957
-0.47
-0.5789
-
Perfusão em Mosaico
-0.7361
-0.45
-0.5962
-0,38
Colapso/consolidação
-0.6245
-0.39*
-0.4721*
-
Saculações
-0.586
-0.50
-0.431*
-
Geração brônquica
-0.6927
-0.60
-0.6164
-
* sem significância estatística
32
TABELA 6 - Correlação de achados específicos à TCAR com a CVF, comparando
com dados da literatura
CVF
CVF
CVF
(Neves)
(Helbich)
(Brody)
Gravidade bronquiectasias
-0.453*
-0,54
-0,24*
Extensão bronquiectasias
-0.4734*
-0.47
-
Impactações mucóides
-0.4654*
-0.46
-
Espessamento de parede brônquica
-0.2956*
-0.48
-
Perfusão em Mosaico
-0.5787
-0.40
-0,20*
Colapso/consolidação
-0.4091*
-0.39
-
Saculações
-0.3896*
-0.49
-
Geração brônquica
-0.4182*
-0.52
-
Achados à TCAR
* sem significância estatística
33
TABELA 7 - Correlação de achados específicos à TCAR com o FEF25-75%,
comparando com dados da literatura
FEF 25-75%
FEF 25-75%
(Neves)
(Brody)
Gravidade bronquiectasias
-0.622
-0,21*
Extensão bronquiectasias
-0.6182
-
Impactações brônquicas
-0.6188
-
Espessamento de parede brônquica
-0.5789
-
Perfusão em Mosaico
-0.5962
-0,35
Colapso/consolidação
-0.4721*
-
Saculações
-0.431*
-
Geração brônquica
-0.6164
-
Achados à TCAR
* sem significância estatística
Para medir a concordância das leituras dos exames de TCAR, foram
realizados testes estatísticos, sendo avaliado tanto o nível de variabilidade inter
(Tabela 8) e intra-observadores, este último realizado com intervalo de 3 meses após a
primeira observação (Figura 9).
34
A correlação inter-observadores para escores totais de tomografia corresponde
a r=0,947, p<0,0001. O coeficiente de concordância e a acurácia interobservadores
foram de 0,981 (IC 95%: 0,963-0,99) e de 0,9996.
A medida da variabilidade intra-observadores três meses depois da primeira
observação mostrou forte correlações para os dois observadores, sendo de r =0,994;
p<0,0001 para o observador 1 e de r=0,985; p<0,0001 para o observador 2. O
coeficiente de concordância e acurácia foram de 0,979 (IC 95%: 0,979-0,995) e de
0,9878 para o observador 1, e de 0,979 (IC 95%: 0,961-0,988) e de 0,9692 para o
observador 2.
Tabela 8 – CONCORDÂNCIA INTER-OBSERVADORES
Achados à TCAR
Concordância inter-observadores
Gravidade bronquiectasias
0,9471
Extensão bronquiectasias
0,9537
Impactações brônquicas
1
Espessamento da parede brônquica
0,9408
Perfusão em mosaico
0,913
Colapso/consolidação
0,9264
Saculações
Geração brônquica
1
0,8276
P
< 0,001
< 0,0001
< 0,0001
< 0,0001
< 0,0001
< 0,0001
< 0,0001
0,01
35
A
B
Figura 9. Concordância intra-observadores com intervalo de 3 meses após a primeira leitura, sendo (A)
Observador 1 e (B) Observador 2.
36
5 DISCUSSÃO
A FC é uma doença genética autossômica recessiva que acomete indivíduos
de todos os grupos raciais étnicos, porém acomete predominantemente indivíduos
brancos, caucasianos (1).
Estudos de genética em FC têm mostrado que há uma notável variação na
freqüência dos genes em diferentes grupos populacionais. A determinação da
freqüência das diversas mutações que ocorrem no gene da FC em determinados
grupos étnicos, é de extrema importância para caracterização da doença
(26)
. A
mutação ∆F508, que é a mais comum em países europeus e nos Estados Unidos da
América (cerca de 70%), é menos frequente no Brasil
(28)
. Uma possível explicação
para este fato seria a grande miscigenação racial aqui observada.
A heterogeneidade étnica observada na população brasileira é conseqüência
da variedade das correntes migratórias, cuja distribuição geográfica ocorreu de forma
irregular. Além do índio, o europeu e o negro africano contribuíram de maneira efetiva
na composição étnica do Brasil. Os portugueses foram os principais representantes
europeus, seguidos pelos italianos, espanhóis, alemães e japoneses (92). A contribuição
européia é de 90% na Região Sul e de cerca de 38% na Região Nordeste,
especificamente na Bahia. Já a contribuição dos africanos seria de 10% na Região Sul
e de 58% na Bahia
(93)
. Esses dados justificam um predomínio na nossa amostra de
indivíduos não-brancos.
O defeito básico determinado por esta mutação genética, acomete células de
vários órgãos, e nem todos os indivíduos apresentam respostas clínicas semelhantes
(26)
. O acometimento do trato respiratório, notadamente dos pulmões associa-se com
maior morbidade, e é causa de morte em mais de 90% dos pacientes (17).
Como resultado da infecção e inflamação crônica das vias aéreas, identifica-se
uma grande quantidade de enzimas agressoras nas secreções dos pacientes com FC,
que levam a um dano progressivo nas paredes brônquicas e no parênquima pulmonar
(2)
. As mais importantes alterações estruturais observadas através da TCAR as
bronquiectasias, espessamento de paredes brônquicas, impactações brônquicas e
aprisionamento aéreo. Lesões menos freqüentes incluem atelectasias/consolidações,
37
saculações/abscessos, bolhas, enfisema, consolidação alveolar e espessamento de
septos interlobulares (8).
A identificação de bronquiectasias é de grande relevância na evolução da
doença pulmonar na FC, já que a sua presença implica na redução da qualidade de
vida dos pacientes. A TCAR é considerada o padrão ouro para o diagnóstico das
mesmas (8).
No estudo de Bhalla et al
(10)
, bronquiectasias foram observadas em todos os
segmentos do pulmão em 11 pacientes (78,6%). Hansell at al, estudando uma
população de indivíduos adultos, com média de idade de 29 anos, identificaram
bronquiectasias em 124 dos 126 lobos examinados
(66)
. Por outro, Lynch et al,
estudando 12 indivíduos com média de idade de 4 anos, observaram bronquiectasias
em apenas duas crianças (75).
de Jong et al, num recente estudo, detectaram bronquiectasias em 76% dos
indivíduos estudados, que tinham uma média de idade de 10,7 anos (18).
Os resultados do presente trabalho foram semelhantes aos de Brody et al que,
estudando 60 crianças entre 06 e 10 anos, identificaram bronquiectasias em 58% dos
pacientes examinados
(21)
. No nosso estudo, as bronquiectasias foram identificadas em
54,28% , também refletindo uma população jovem, com média de idade de 11,34 anos.
Alguns trabalhos na literatura descrevem que na FC um predomínio das
alterações brônquicas, notadamente das bronquiectasias, no lobo superior direito.
Teorias tentam explicar este fato do ponto de vista fisiológico
(47)
. Mas, na nossa
amostra, não foram observadas predomínio de bronquiectasias em nenhum lobo, e as
mesmas foram visibilizadas nos distintos segmentos pulmonares.
O espessamento de paredes brônquicas é um achado também muito freqüente
nos pacientes com FC e tem prevalência de até 85% em alguns estudos; é mais
marcante nas vias aéreas periféricas, porém, em crianças pequenas, é mais evidente
nas vias aéreas centrais (8).
Santis et al, numa população de indivíduos com média de idade de 28 anos,
demonstraram que o espessamento de paredes brônquicas se mostrou mais
acentuado que as bronquiectasias
(74)
. Taccone et al identificaram bronquiectasias em
87% dos indivíduos estudados e espessamento de paredes brônquicas em 100%,
numa amostra cuja média de idade era 19 anos
(72)
. Demirkazik et al estudando uma
38
população com média de 6 anos de idade, observaram espessamento de paredes
brônquicas em 97,5% dos pacientes (7).
Espessamento de paredes brônquicas foi o achado pulmonar mais freqüente
na nossa amostra, acometendo 20 dos 35 pacientes estudados (57,14%). A despeito
de ser o achado mais freqüente desta população, sua prevalência ainda é baixa
quando comparada com dados da literatura, aproximando-se apenas dos resultados
encontrados por Santamaria et al, que avaliaram pacientes entre 6,75 e 24 anos, com
média de idade de 13,88 anos (20).
Helbich et al em 1999 propuseram um sistema de escores para TCAR baseado
naquele proposto por Bhalla, onde foi acrescido o padrão de perfusão em mosaico,
avaliado quanto a freqüência de seu aparecimento nos diversos segmentos
pulmonares
(13)
. Neste estudo, este padrão foi observado em 64% dos pacientes; a
divisão dos pacientes em grupos de acordo com a faixa etária permitiu observar que a
maior freqüência deste achado se relaciona com o aumento da faixa etária. Brody et al
encontram uma prevalência de 63% numa amostra de 60 pacientes, sendo a alteração
pulmonar mais freqüente
(21)
. de Jong et al, entretanto, identificaram o padrão em
mosaico em apenas 12% dos 25 pacientes estudados (18).
A prevalência do padrão de perfusão mosaico no nosso estudo foi de 51,43%,
sendo a terceira alteração pulmonar mais comum nesta amostra. A sua prevalência se
aproxima aos valores encontrados por Oikonomou et al, que observaram este achado
em 47% dos seus pacientes, com faixa etária e média de idade bastante semelhante
aos do nosso estudo (80).
As impactações brônquicas são comumente descritas nos pacientes com FC,
sendo secundárias ao acúmulo de secreções espessas no interior das estruturas
brônquicas.
No estudo de Santamaria et al a prevalência de impactações brônquicas foi de
63%
(20)
Observou-se que nos trabalhos de de Jong
(18)
e Oikonomou
(80)
, a frequência
de impactações brônquicas foi de 79% e 72%, respectivamente. No nosso trabalho,
elas foram observadas apenas em 13 indivíduos dos 35 (37,14%), resultado que se
aproxima daquele descrito por Maffessanti et al., que demonstraram a prevalência de
impactações brônquicas de 36%, numa população bastante semelhante a do nosso
trabalho, com média de idade de 13 anos (11). Em 1999, Bhalla et al também demonstra
39
prevalência parecida, mas, no seu estudo, não fica determinada a faixa etária da
população avaliada (10).
Observa-se uma grande variabilidade na literatura quanto a prevalência de
colapso/consolidações, que na nossa amostra foi de 40%, ou seja, a quarta alteração
mais freqüente (Tabela 3).
Outras alterações observadas à TCAR no nosso estudo foram saculações
(22,86%), e bolhas (2,86%). Em algumas séries, a prevalência de saculações e
abscessos foram de 11%, e de bolhas de 8% (8).
Enfisema não foi observado em nenhum paciente da nossa amostra. Bhalla et
al detectou enfisema em apenas 1 paciente no seu estudo
(10)
.
Poucos trabalhos
iniciais na literatura descreveram o enfisema como achado à TCAR em pacientes com
FC. Provavelmente o que foi descrito como enfisema, correspondia a áreas com
padrão de perfusão em mosaico, que foram mais bem caracterizadas em estudos
subseqüentes (13).
Em geral, os resultados deste estudo no que se referem às alterações mais
prevalentes à TCAR, em muito se aproximam aos dados da literatura (Tabela 3).
Contudo, observa-se que mesmo as alterações mais prevalentes (Espessamento de
paredes brônquicas, Bronquiectasias), não apresentam frequência acima de 60% nesta
população.
A grande variabilidade clínica na FC motivou o desenvolvimento de escores de
avaliação de sua gravidade, os quais contribuem para caracterização e avaliação do
curso da doença, retrata seu histórico, além das peculiaridades fenotípicas das
diferentes populações. Os escores radiológicos e tomográficos são muito considerados
e amplamente aplicados nos grandes centros de atendimentos a pacientes com FC (78).
Em 1991, Bhalla et al propuseram um sistema semiquantitativo de escores
para tomografia de tórax de pacientes com diagnóstico de FC, onde bronquiectasias,
espessamento de paredes brônquicas e impactações mucóides eram avaliados quanto
a sua extensão e gravidade, observando-se também presença de enfisema, bollhas,
colapso/consolidação
(10)
. Através de um estudo retrospectivo, TCAR de 14 pacientes
com diagnóstico de FC foram classificadas segundo estes escores e comparadas com
parâmetros clínicos e testes de função pulmonar. A metodologia de observação das
tomografias sugerida por Bhalla et al é amplamente utilizada como base para
40
adaptação e criação de novos escores para tomografia. Contudo, no seu trabalho, não
foi possível determinar correlações dos aspectos avaliados à TCAR com TFP.
Maffessanti et al avaliando prospectivamente uma amostra de 36 indivíduos
com FC, média de idade de 13 anos, utilizou um sistema de escore, baseado na
proposta inicial de Bhalla, porém dividindo o pulmão em quatro regiões (superior e
inferior, direta e esquerda)
(11)
. Esse trabalho demonstrou correlações significativas
entre escores de TCAR e TFP, avaliados através do VEF1, CVF e pela relação
VEF1/CVF, sendo a melhor aquela relacionada com o VEF1 (r=0,658; p< 0,0001).
Nosso estudo conseguiu demonstrar excelentes correlações dos escores totais
de TCAR com o VEF1 (r = 0,7808; p<0,000003), que é considerado um importante
marcador de gravidade e progressão da doença, e o mais forte preditor clínico de
mortalidade na FC (80). Dorlochter et al, avaliando 17 pacientes com mediana de idade
de 12 anos, demonstraram nível de correlação bastante semelhante ao do nosso
estudo
(94)
. Em geral, na maioria dos trabalhos onde foi estabelecido este tipo de
correlação, foram encontrados resultados satisfatórios, com níveis de correlações
moderadas e boas (Tabela 4).
Uma correlação menos robusta foi determinada quando o escore de tomografia
foi correlacionado com a CVF (r=0,511; p<0,001). Na literatura existe uma tendência a
se observar níveis de correlação moderadas e boas quando estas variáveis são
relacionadas. Uma possível explicação para os nossos resultados é que este
parâmetro de função pulmonar denota um estágio mais avançado de doença, com
comprometimento estrutural pulmonar mais acentuado, o que não se abserva na nossa
amostra, onde 20% dos pacientes tinham TCAR nornal (escore = 27).
Poucos estudos na literatura correlacionaram escores de tomografia com o
FEF25-75% (Tabela 4), e em geral, os resultados são bastante divergentes. No nosso
trabalho, foi estabelecida uma boa correlação (r=0,6981; p<0,0001), refletindo uma
população jovem, com expressão inicial da doença pulmonar.
Em 1998, Santamaria et al num estudo prospectivo com 30 pacientes,
demonstraram moderadas correlações entre escores totais de TCAR e TFP em
pacientes com FC. Porém, não foi possível demonstrar boas correlações de aspectos
isolados observados à TCAR com os TFP (20). A capacidade de detectar alterações em
localizações lobares ou mesmo segmentares, e o fato dos TFP refletirem a função
41
global pulmonar, justificariam estes achados. Quando alterações descritas à TCAR
são, de forma isolada, correlacionadas com TFP, observamos que com o VEF1, foi
possível estabelecer correlações moderadas e boas com praticamente todos os
parâmetros avaliados, notadamente com o padrão de perfusão em mosaico (r=0,7361;
p<0,001), com as impactações brônquicas (r= -0,7205; p<0,001), e com a extensão das
bronquiectasias (r= -0,7055; p<0,001). Correlações semelhantes foram descritas em
pelo menos três outros trabalhos, observando-se, entretanto, que os nossos resultados
se aproximam daqueles publicados por Oikonomou et al
(80)
(Tabela 5).
Por outro lado, quando consideramos a CVF (Tabela 6), nota-se que apenas o
padrão de perfusão em mosaico correlacionou-se de forma moderada com a CVF (r= 0,5787; p<0,0002).
O FEF25-75% apresentou correlações moderadas com pelo menos seis das
alterações estruturais descritas à TCAR (Tabela 7).
Poucos trabalhos na literatura correlacionaram alterações tomográficas
isoladas com a CVF e o FEF25-75% em pacientes com FC. Nossos resultados se
aproximam dos resultados de Helbich et al
(13)
, quando a CVF é considerada, porém
trazem dados novos à literatura quando o FEF25-75% é analisado, já que praticamente
nenhum trabalho estabelece tais relações, e com os níveis de resultados alcançados.
Em 2004, de Jong et al, realizaram um estudo prospectivo na Holanda
(18)
, cujo
objetivo era comparar os sistemas de escores para TCAR em pacientes com FC,
dentre eles, o de Bhalla et al
(10)
, Helbich et al
sistemas de escores apresentam uma
(13)
. Este trabalho mostrou que esses
pequena variabilidade inter e intra-
observadores, indicando que são seguros e reprodutíveis. Em nosso estudo a
variabilidade inter-observadores, avaliada através coeficiente de correlação, mostrouse excelente num primeiro momento da observação. Após um intervalo de três meses,
a variabilidade intra-observador foi revisada, sendo possível demonstrar um alto
coeficiente de concordância.
Além disso, o estudo de Jong provou a existência de excelentes correlações
dos escores totais de TCAR com o FEF25%-75%, independente do sistema de escores
para tomografia aplicado. Definiu-se também que estes escores apresentam
correlações moderadas com o VEF1, CVF e com a relação FEV1/CVF. Os resultados
deste trabalho em muito se assemelham com os nossos dados, notadamente nas
42
relações dos escores de TCAR com os TFP. Contudo, nesse artigo, não foram
demonstradas as correlações de achados tomográficos específicos com TFP.
A função pulmonar tem sido tradicionalmente considerada como padrão ouro
para monitorar pacientes com FC. Contudo, ela representa uma avaliação indireta do
dano estrutural pulmonar, que pode, inclusive, nas fases iniciais, preceder alterações
nos TFP
(2,11,18,95,96)
. Alguns centros de FC têm associado à TCAR com TFP para
avalição periódica dos pacientes
(97)
. Brody et al, em 2005, sugeriram um sistema de
escores para avaliar a progressão da doença pulmonar em crianças após
exacerbações
(81)
. Nesse trabalho foi possível demonstrar que as alterações
observadas à tomografia, mensurados através de um sistema de escores, apresentam
boas correlações com o número de exacerbações do trato respiratório num intervalo de
2 anos. No entanto, não foi possível determinar boas correlações dos TFP com o
número de exacerbações no mesmo período. Foi o primeiro trabalho que conseguiu
demonstrar o valor da tomografia como um verdadeiro marcador da evolução da
doença. Em 2006 esse grupo conseguiu demonstrar a reprodutibilidade deste escore,
bem como sua sensibilidade para variabilidade da doença pulmonar (82).
Num recente trabalho, de Jong et al estudaram 48 crianças com FC na
Holanda através de TCAR e TFP, com objetivo de avaliar alterções da estrutura e
função pulmonar num espaço de tempo de dois anos
(95)
. O grau de evolução da
doença pulmonar observada à TCAR nestes dois anos não foi observada nos TFP; ou
seja, não houve uma piora progressiva nos TFP. Estes dados apontam para o
reconhecimento da TCAR como um método diagnóstico mais sensível para
acompanhamento de pacientes com FC, já que se trata de uma doença de curso
progressivo. de Jong et al demonstraram que, em crianças e adultos, as tomografias
realizadas de forma periódica para monitorização de pacientes com FC apresentaram
crescente piora, e que o mesmo não foi observado nos TFP, que se mantiveram
estáveis, ou apresentaram lento agravamento (98).
Alguns centros para acompanhamentos de pacientes com FC na Alemanha
e na Suíça
(98)
(8)
preconizam uma avaliação por TCAR a cada dois e três anos,
respectivamente. O racional desta iniciativa é detectar alterações iniciais, muitas vezes
não observadas através do VEF1, considerado como padrão ouro para o
monitoramento da evolução da doença pulmonar na FC
(8,98)
. Esta perspectiva sinaliza
para a utilização da TCAR como exame de rotina para acompanhamento destes
43
doentes. A possibilidade de instituir tratamento mais agressivo quando, precocemente
a doença é detectada, proporcionaria uma melhor sobrevida dos pacientes
(17,99)
.
Exames de TCAR com doses baixas de radiação poderiam representar uma forma
alternativa de se avaliar pacientes com maior segurança
(100,101)
. Brody et al, sugeriram
uma possível redução da dose de radiação de mais de 85% aumentando o intervalo
entre os cortes de 10 para 15 mm (102). Outro estudo com este objetivo realizou apenas
seis cortes em níveis pré-determinadas do pulmão; contudo, a grande variabilidade da
distribuição da doença pulmonar nos diferentes lobos faz com que esta técnica limite a
real avaliação da extensão do comprometimento pulmonar
(103)
. Contudo, tratando-se
de uma doença onde foram observados grandes avanços terapêuticos, o risco de
desenvolver câncer associado à radiação aumenta com a melhora da sobrevida, que
era de 1 ano em 1940 e de 35 em 2004
(79)
. Todos os esforços devem ser dirigidos no
sentido de reduzir a dose de radiação; de Jong et al em 2006 demonstrou que a
avaliação anual de pacientes com FC por tomografias com baixas doses de radiação
pode aumentar mortalidade relacionada à radiação de forma discreta
(99)
. Portanto,
outros trabalhos que demonstrem o impacto na redução da radiação trarão maiores
subsídios para que a TCAR seja cada vez mais utilizada no acompanhamento dos
pacientes.
44
5.1 Considerações finais
A possibilidade de avaliar a evolução da doença pulmonar nos pacientes com
FC, permitiu que novas intervenções terapêuticas fossem agregadas ao tratamento
desta doença, o que determinou uma melhora significativa da sobrevida nos últimos
vinte anos, mesmo no Brasil.
Ainda hoje o diagnóstico da FC sucinta muita dúvida, tendo em apreço a
grande variabilidade clínica de sua apresentação, justificada pelo grande número de
mutações identificadas no seu gene.
O estudo de uma população miscigenada agregou ao nosso trabalho uma
perspectiva de trazerem dados ainda não descritos na literatura da América Latina em
relação à FC.
As boas correlações encontradas entre escores de tomografia com testes de
função pulmonar, sugerem que, nesta população, a monitorização da progressão da
doença pulmonar poderia ser realizada por tomografia ou pela função pulmonar. A
reavaliação futura destes pacientes poderá trazer contribuições no sentido de validar
as observações derivadas do presente estudo.
45
6 CONCLUSÃO
As alterações tomográficas mais prevalentes nesta população foram o
espessamento de paredes brônquicas, as bronquiectasias e o padrão de perfusão em
mosaico. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais de TCAR com o
VEF1; o FEF25%-75% apresentou uma boa correlação com os escores de TCAR, o
mesmo não se observando com a CVF. Aspectos avaliados de forma isolada à TCAR
também apresentaram boas correlações com o VEF1 e com o FEF25%-75%
.
Os
resultados deste trabalho sugerem que tanto a tomografia quanto a função pulmonar
podem ser utilizadas como marcadores para o acompanhamento de pacientes com FC,
no nosso meio.
46
7 ANEXOS
Anexo 1 – Projeto de pesquisa, submetido à aprovação do Comitê de Ética Médica da UNIFESP
47
Anexo 2 – Carta de aprovação do Hospital Octávio Mangabeira
48
Anexo 3 – Informções gerais dos pacientes
Pacientes
Idade
Sexo
Cor
Escore TC
VEF1
CVF
FEF25%-75%
01
6
M
ñ-branco
26
88
85
73
02
7
M
ñ-branco
20
82
94
50
03
20
M
branco
8
38
42
18
04
15
M
ñ-branco
23
82
100
42
05
8
M
ñ-branco
23
82
78
80
06
9
F
ñ-branco
25
50
75
21
07
7
M
ñ-branco
23
92
82
108
08
10
F
ñ-branco
10
49
44
61
09
11
M
ñ-branco
13
45
66
19
10
10
M
ñ-branco
14
67
66
49
11
10
F
branco
8
45
94
37
12
24
M
branco
11
28
37
9
13
24
M
ñ-branco
11
41
59
49
14
6
M
ñ-branco
27
115
112
97
15
11
M
ñ-branco
12
27
24
22
16
10
M
ñ-branco
24
73
73
59
17
9
F
branco
24
88
86
68
18
6
M
ñ-branco
27
70
76
48
19
7
F
ñ-branco
24
86
83
67
20
11
M
branco
21
66
71
45
21
8
M
ñ-branco
27
102
99
81
22
6
F
branco
26
82
73
104
23
10
M
branco
27
101
94
91
24
9
M
ñ-branco
22
72
70
67
25
8
F
ñ-branco
27
86
78
96
26
9
M
ñ-branco
23
73
84
28
27
9
M
branco
16
57
101
8
28
13
F
ñ-branco
26
90
83
82
29
25
M
ñ-branco
13
71
88
29
30
13
F
ñ-branco
21
89
91
47
31
6
M
branco
27
91
82
105
32
11
M
ñ-branco
15
71
71
63
33
10
F
ñ-branco
22
106
97
95
34
14
M
ñ-branco
27
112
106
98
35
25
M
ñ-branco
7
31
47
13
M = masculino; F = feminino; ñ = não; TC = tomografia computadorizada; VEF1 = volume expiratório forçado no
primeiro segundo; CVF = capacidade vital forçada e FEF25%-75% = fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da
capacidade vital forçada.
49
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Abstract
Purpose: Evaluate pulmonary manifestations of Cystic Fibrosis (CF) on high resolution
computed tomography (HRCT), based on a system of scores, and correlate these
results with pulmonary function tests (PFT) in patients from a specialized center in CF in
Bahia, an area with a highly mixed population. Methods: A cross sectional survey from
June 2004 to March 2006, prospectively examined 35 consecutive patients with CF (10
female patients, 25 male patients; mean age, 11,3; age range, 6 to 25 years) with
pulmonary function tests (PFT) and HRCT. Any patient with clinical signs of an active
acute pulmonary process was excluded from the study. Non-whites accounted for 77%
of this serie. The computed tomography scans were analyzed by two independet
radiologists. The scores of tomography were correlated with the forced expiratory
volume in the first second (FEV1), forced vital capacity (FVC) and forced expiratory flow
between 25% and 75% of forced vital capacity (FEF25%-75%). After an interval of three
months, the radiologists made a second read for definition of intra-observer
concordance. Results: Peribronchial wall thickening (57.14%), bronchiectasis (54.28%)
and mosaic perfusion (51.43%) were the most frequently tomography finding in this
population. A strong correlation was established between total scores of HRCT and
FEV1 (r = 0.7808, p <0.0001). The FEF25% -75%had a good correlation with the scores
of HRCT (r = 0.6981, p <0.00001), but not with FCV (r = 0.511, p <0.001). When
evaluated separately, structural changes described by HRCT, also show good
correlation with the FEV1 and with FEF25%-75%. The inter and intra-observers
agreements were also excellent. Conclusions: The HRCT findings most common in
this population were peribronchial wall thickening, bronchiectasis, and mosaic perfusion.
A strong correlation was established between total scores of HRCT with FEV1 and
FEF25%-75%, but not with FCV. Structural changes described by HRCT, also show good
correlation with the FEV1 and FEF25%-75%. Our results suggest that either HRCT or
PFT can be used to follow CF patients in this population.
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