carolina alves neves correlação entre achados na tomografia
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carolina alves neves correlação entre achados na tomografia
CAROLINA ALVES NEVES CORRELAÇÃO ENTRE ACHADOS NA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX E FUNÇÃO PULMONAR EM PACIENTES COM FIBROSE CÍSTICA NO ESTADO DA BAHIA Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção do Título de Mestre em Ciências. Orientador: Prof. Dr. Sergio Ajzen Co-orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos M. Lemos SÃO PAULO 2007 Neves, Carolina Alves Correlação entre achados na tomografia computadorizada de tórax e função pulmonar em pacientes com fibrose cística no Estado da Bahia / Carolina Alves Neves. -- São Paulo, 2007. xiii, 57f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Radiologia e Ciências Radiológicas. Título em inglês: Correlation between chest computed tomography and pulmonary function tests in patients with cystic fibrosis in Bahia. 1. Fibrose Cística. 2.Tomografia Computadorizada de Tórax. 3. Testes de Função Pulmonar. Copyright© 2007 by Carolina Alves Neves UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Chefe do Departamento: Prof. Dr. Sergio Ajzen Coordenador da Pós-graduação: Prof. Dr. Giuseppe D’Ippolito iii A Antônio Raimundo e Beatriz. iv Agradecimento especial A meu esposo Antonio Raimundo, pelo amor, compreensão, paciência, serenidade, confiança e sabedoria. É um privilegio tê-lo ao meu lado! v Agradecimentos Ao Prof. Dr. Sergio Ajzen, pelo acolhimento na UNIFESP, orientação, generosidade e amizade. Ao Prof. Dr. Nestor Schor, pelo apoio fundamental na decisão de investir nesta caminhada. Ao Prof. Dr. Antônio Carlos Moreira Lemos, pela sugestão do trabalho, pela abertura dos caminhos e pelo apoio. A Dra. Maria Angélica Santana, responsável pelo Centro de Fibrose Cística, pela confiança e participação efetiva em todos os passos do meu trabalho. A Dra. Ana Cláudia Carneiro Costa, pela colaboração no encaminhamento dos seus pacientes. Ao Dr. Maurício Cardeal, pela presteza da análise estatística, amizade, e mensagens de otimismo. À Sra. Marina André da Silva, pelo carinho, amizade e estímulo. Gostaria que você estivesse presente neste momento. À Andrea Puchnick Scaciota, pelo carinho, competência, e importante colaboração na formatação final deste trabalho. Ao Prof. Dr. Jorge Pereira e Silva, um dos responsáveis pelo meu entusiasmo pela radiologia torácica, exemplo de profissional, um verdadeiro mestre. Ao Prof. Dr. César de Araújo Neto, expoente da radiologia torácica, que me introduziu no mundo da tomografia computadorizada de alta resolução do tórax. Aos meus queridos pais, pelo apoio, carinho e presença constante em minha vida. À Cristina e Patrícia, minhas irmãs, que sempre me incentivaram, mesmo à distância. À Dra. Mônica P. Oliveira, colega de trabalho e amiga, pela ajuda durante todo este tempo. Aos pós-graduandos, docentes, médicos e funcionários do Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP pela acolhida e solidariedade. vi Sumário Dedicatória ..................................................................................................................................... iv Agradecimentos ............................................................................................................................ v Listas ............................................................................................................................................... ix Resumo .......................................................................................................................................... xii 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1 1.1 Objetivo.................................................................................................................................... 4 2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................. 5 2.1 Perspectivas históricas ........................................................................................................ 5 2.2 Diagnóstico ............................................................................................................................. 6 2.3 Mutações genéticas .............................................................................................................. 7 2.4 Síndromes clínicas ................................................................................................................ 8 2.5 Doença pulmonar .................................................................................................................. 8 2.5.1 Função pulmonar ............................................................................................................... 9 2.5.2 Achados radiológicos ........................................................................................................ 11 2.5.3 Achados à tomografia computadorizada ...................................................................... 12 2.6 Tratamento .............................................................................................................................. 15 3 MÉTODOS ................................................................................................................................. 16 3.1 Casuística................................................................................................................................ 16 3.2 Testes de função pulmonar................................................................................................. 17 3.3 Técnicas de exame e interpreteção dos achados tomográficos ................................ 18 3.4 Avaliação estatística 22 4 RESULTADOS .......................................................................................................................... 22 4.1 Achados tomográficos .......................................................................................................... 22 4.2 Correlações dos testes de função pulmonar e da tomografia .................................... 25 5 DISCUSSÃO .............................................................................................................................. 36 5.1 Considerações finais ............................................................................................................ 44 vii 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 45 7 ANEXOS ..................................................................................................................................... 46 8 REFERÊNCIAS......................................................................................................................... 49 Abstract Bibliografia consultada viii Lista de figuras Figura 1 Prevalência dos achados à tomografia de alta resolução ............................. 22 Figura 2 Espessamento de parede brônquica .................................................................. 23 Figura 3 Impactações brônquicas ........................................................................................ 23 Figura 4 Bronquiectasias ....................................................................................................... 24 Figura 5 Perfusão em mosaico ............................................................................................. 25 Figura 6 Correlações entre o escore total de TCAR e o VEF1 ...................................... 26 Figura 7 Correlações entre o escore total de TCAR e o FEF25%-75% ........................... 26 Figura 8 Análise do VEF1 em níveis distintos de gravidade e extensão de bronquiectasias observados à TCAR ................................................................. 28 Figura 9 Concordância intra-observadores com intervalo de 3 meses após a primeira leitura ......................................................................................................... 35 ix Lista de quadros e tabelas Quadro 1 Sistema de escores para as tomografias ........................................................ 19 Tabela 1 Dados da função pulmonar nos pacientes estudados ................................. 26 Tabela 2 Correlação de achados específicos à TCAR com TFP................................ 27 Tabela 3 Prevalência dos achados à TCAR- REVISÃO DA LITERATURA........... 29 Tabela 4 Correlações entre TCAR e TFP............................................................... 30 Tabela 5 Correlação de achados específicos à TCAR com o VEF1 comparando com dados da literatura.................................. Tabela 6 31 Correlação de achados específicos à TCAR com a CVF, comparando com dados da literatura........................................................................... 32 Tabela 7 Correlação de achados específicos à TCAR com o FEF25-75%, comparando com dados da literatura...................................................... 33 Tabela 8 Concordância inter-observadores ..................................................................... 34 x Lista de abreviaturas e símbolos % Porcentagem CFTR Cystic fibrosis transmembrane regulator CVF Capacidade vital forçada FC Fibrose cística FEF25%-75% Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada HEOM Hospital Especializado Octávio Mangabeira kV Quilovolts mA Miliampere mEq/L Miliequivalente por litro mm Milímetro Sesab Secretaria de Saúde do Estado da Bahia TC Tomografia computadorizada TCAR Tomografia computadorizada de alta resolução TFP Testes de função pulmonar UH Unidade Hounsfield UNIFESP Universidade Federal de São Paulo VEF1 Volume expiratório forçado no primeiro segundo xi Resumo Objetivo: Avaliar os achados torácicos da Fibrose Cística através da Tomografia Computadorizada de Tórax de Alta Resolução(TCAR) , dispondo-os na forma de escores, e correlaciona-los com dados de função pulmonar, em pacientes do Centro de referência em Fibrose Cística no Estado da Bahia. Por ser a Bahia um estado altamente miscigenado, é relevante tentar determinar aspectos peculiares da doença nesta população. Métodos: Estudo transversal onde foram avaliados 35 pacientes no período de junho de 2004 a março de 2006, em fase de estabilidade clínica, com idade variando entre 6 e 25 anos, que realizaram Testes de função pulmonar (TFP) e TCAR. A média de idade dos pacientes foi de 11,3 anos. Os não-brancos representaram 77% desta amostra. Os exames de tomografia foram analisados por dois radiologistas, de forma independente, tendo como base sistema de escore que avaliava a presença, extensão e gravidade das alterações. Os escores de tomografia foram correlacionados com o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), capacidade vital forçada (CVF) e fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada ((FEF25%-75%) . Após intervalo de três meses, os radiologistas fizeram nova leitura para definição do nível de concordância intra-observadores. Resultados: Espessamento de parede brônquica (57.14%), bronquiectasias (54.28%) e padrão de perfusão em mosaico (51.43%) foram os achados tomográficos mais freqüentes nesta população. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais de TCAR com o VEF1 (r=0.7808, p<0.0001). O FEF25%-75% apresentou uma boa correlação com os escores de TCAR (r=0.6981, p<0.00001), o mesmo não se observando com a CVF (r=0,511, p<0,001). Quando avaliados de forma isolada, alterações estruturais descritas à TCAR, também apresentam boas correlações com o VEF1 e com o FEF25%-75% . Observou-se, também, um excelente nível de concordância inter e intra-observadores. Conclusões: As alterações tomográficas mais prevalentes nesta população foram o espessamento de paredes brônquicas, as bronquiectasias e o padrão de perfusão em mosaico. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais de TCAR com o VEF1; o FEF25%-75% apresentou uma boa correlação com os escores de TCAR, o mesmo xii não se observando com a CVF. Aspectos avaliados de forma isolada à TCAR também apresentaram boas correlações com o VEF1 e com o FEF25%-75% . Os resultados deste trabalho sugerem que tanto a tomografia quanto a função pulmonar podem ser utilizadas como marcadores para o acompanhamento de pacientes com FC, no nosso meio. xiii 1 INTRODUÇÃO Fibrose cística (FC) é uma complexa doença de caráter genético, que envolve os distintos órgãos dos sistemas que expressam uma glicoproteína do tipo canal iônico, que em decorrência da mutação gênica, não permite a passagem de cloro pela membrana das células epiteliais (1) . Como conseqüência, os pacientes com FC apresentam muco desidratado e com alta viscosidade e redução da atividade mucociliar (2) . A FC ocorre em todas as raças, mas é mais comum nos caucasianos, particularmente nos seus descendentes do norte da Europa (3). De todos os órgãos e sistemas envolvidos, o pulmão é o que apresenta expressão fenotípica mais variada, sendo a doença pulmonar progressiva a principal causa de morte nos pacientes com FC (4,5) . O período que antecede o início das alterações pulmonares constitui um intervalo de tempo oportuno para se intervir e prevenir a progressão do dano estrutural do pulmão (1) . Farrel et al conseguiram evidenciar que os benefícios obtidos com a triagem neonatal na FC não estavam relacionados apenas com o aspecto nutricional, como também na possibilidade de erradicação da P. aeuroginosa, que está associada ao declínio brusco da função pulmonar nos pacientes com infecção crônica por este patógeno (6). Contudo, é extremamente difícil definir o momento exato do início do ciclo da doença pulmonar. Dados da Cystic Fibrosis Foundation mostraram que o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) quando medido em crianças por volta dos 6 anos de idade é geralmente normal, ou um pouco inferior a 100% do previsto (3). Na FC é essencial monitorizar o status pulmonar dos pacientes, principalmente aqueles que vêm sendo tratados (7) . Dentre os exames de imagem, a radiografia convencional do tórax é um método amplamente utilizado, de baixo custo, que vem sendo utilizado por clínicos, no segmento desses pacientes; entretanto, devido às desvantagens inerentes ao método, como por exemplo, a baixa sensibilidade para detectar lesões iniciais, a tomografia computadorizada (TC), em particular a de alta resolução (TCAR), passou a ser uma melhor opção para o acompanhamento dos pacientes com FC (8). Em 1986, Jacobsen et al, comparando os achados à TC do tórax com os de raios-X em uma amostra de 12 pacientes observou que o percentual de 2 bronquiectasias detectadas aumentava de 50% para 90% quando a avaliação tomográfica era adicionada ao estudo radiológico (9) . A partir deste estudo, vários autores passaram a avaliar a eficácia do uso da TCAR, na análise do comprometimento pulmonar na FC (10-16). A despeito da grande sensibilidade da TCAR em detectar alterações estruturais pulmonares, os de testes de função ainda hoje são considerados o padrão ouro para avaliar a doença pulmonar (17). A evidência espirométrica mais precoce de doença obstrutiva na FC seria a redução do fluxo expiratório entre 25% e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%). Alterações no VEF1 começam a aparecer quando o indivíduo já apresenta doença obstrutiva estabelecida. O VEF1 é amplamente utilizado como parâmetro para avaliar o “status” do pulmão dos pacientes com FC, devido a sua acessibilidade universal nos equipamentos de espirometria, pela padronização dos critérios para sua obtenção, e pela reprodutibilidade dos seus resultados (17). Muitos autores propuseram sistemas de escores para tomografia no intuito de graduar o nível de comprometimento pulmonar, e em alguns trabalhos foram realizadas correlações das alterações tomográficas com medidas da função pulmonar e/ ou com aspectos clínicos (10,15,18-21) . Algumas séries demonstraram que mesmo em indivíduos com função pulmonar comprometida, a possibilidade de correlacionarem achados à TCAR com testes de função pulmonar era limitada (20) . E mais ainda, num estudo onde foram estudadas crianças com função pulmonar normal (VEF1, FEF25-75% e CVF), em 30% dos exames já eram observados bronquiectasias (21). É importante destacar que a maioria dos estudos citados reflete populações geneticamente distintas, onde há predomínio de caucasianos. Este perfil genético em muito difere daquele observado no nordeste do Brasil. Dessa maneira, o tratamento e as medidas de saúde pública oferecidas são baseados em dados internacionais, sem se levar em conta às peculiaridades da nossa população, desconsiderando-se, portanto, problemas relacionados com a organização do sistema de saúde e as condições sócioeconômicas. O desenvolvimento de novas terapêuticas de custo elevado, como o transplante de pulmão e a terapia gênica, levanta discussões que necessitam ser 3 subsidiadas com informações sobre as características da doença na população que receberá as intervenções. Devido ao alto grau de miscigenação da população do Estado da Bahia, onde há um predomínio de não-brancos, sua constituição genética tem características diferentes daquelas de outros Estados e países, de onde deriva a literatura sobre esse assunto. Desta forma, o estudo da FC na população baiana poderá revelar aspectos peculiares da doença relacionadas com as alterações estruturais e da função pulmonar. 4 1.1 Objetivo Avaliar os achados pulmonares da fibrose cística através da tomografia computadorizada de tórax de alta resolução, dispondo-os na forma de escores, e correlacioná-los com dados de função pulmonar, em pacientes do centro de referência em fibrose cística no Estado da Bahia. 5 2 REVISÃO DA LITERATURA Fibrose Cística é uma Doença genética autossômica recessiva, causada pela mutação do gene 230Kb localizado no braço longo do cromossomo 7, responsável pela codificação da proteína “cystic fibrosis transmembrane regulator” (CFTR) (22-25) . Esta proteína é também chamada de canal de cloro, e é essencial para o transporte de íons através das membranas epiteliais; está também envolvida na regulação do fluxo de cloro, sódio e água (26) . Mais de 1.000 mutações já foram descritas em todo mundo, porém a mais frequente delas ocorre por uma deleção de três pares de bases, acarretando a perda de um aminoácido (fenilalanina) na posição 508 (∆F508) da proteína CFTR, o que impede seu funcionamento adequado (26) . Aproximadamente 70% dos cromossomos dos pacientes com FC no norte europeu apresentam a mutação ∆F508, cuja incidência diminui para o centro e sul da Europa (27) . No Brasil, Okay et al encontraram esta mutação em 44,45% dos pacientes com FC em São Paulo (28) , e Raskin et al encontram em 49% no Rio Grande do Sul, 27% em Santa Catarina e 52% em São Paulo (29) . Classicamente esta doença se caracteriza por uma tríade de insuficiência pancreática, doença pulmonar supurativa crônica e perda de sal no suor (30) . De acordo com estimativas da Cystic Fibrosis Foundation, cerca de 30.000 crianças e adultos nos Estados Unidos da América têm FC. A prevalência de FC em caucasianos é de 94,7%, enquanto em hispânicos (brancos e negros) e afroamericanos é de 6,9% e 4,0%, respectivamente (3). 2.1 Perspectivas históricas Os primeiros relatos sobre FC aparecem no folclore medieval (séculos XVIII e XIX), onde crianças com suor salgado morriam precocemente e eram consideradas como “almadiçoadas” (31). As características clínicas, anatomopatológicas e epidemiológicas da FC foram primeiramente descritas em 1938 por Dorothy Andersen. Em 1945 Farber introduziu o termo Mucoviscidose para melhor caracterização da doença, e em 1946 Andersen e Hodges demonstraram que a FC era conseqüência de herança autossômica recessiva 6 (32) . Di Sant’Agnese et al em 1953 observaram concentrações de sódio e cloro elevadas no suor de crianças com FC durante forte onda de calor em Nova York (33) .A padronização do teste do suor para o diagnóstico desta doença, estimulado pela iontoforese por pilocarpina foi feita em 1958 por Gibson e Cooke (34) . O gene da fibrose cística foi finalmente localizado no cromossomo 7 em 1985. Em 1989, cientistas de Toronto e Michigan descreveram seu isolamento, seqüência e mutações mais comuns no locus denominado FC (47) . Tais relatos representaram o ápice de vários anos de trabalho de muitos pesquisadores que iniciaram nova era de esforço multidisciplinar visando ao tratamento ideal dessa doença limitadora de vida. Trata-se de uma doença irreversível, cuja evolução não permitia, até alguns anos, a sobrevida dos pacientes até a adolescência. Nas últimas décadas, o grande avanço nas pesquisas da FC e a instituição de novas terapêuticas, permitiram o aumento da sobrevida média destes pacientes, que hoje é maior que 34 anos (35). 2.2 Diagnóstico Nos países desenvolvidos, o diagnóstico da fibrose cística é feito em 70% dos casos no primeiro ano de vida. Em 8% dos pacientes, todavia, este só é estabelecido depois do primeiro ano ou até após os 10 anos de idade (35). No Brasil, 40 a 50% dos casos são diagnosticados após os três anos de idade (36). Apesar das bases genéticas da doença estarem bem estabelecidas, o diagnóstico é ainda baseado nos achados clínicos (fenótipo), associados à demonstração de concentrações elevadas do íon cloro no suor (> 60 mEq/L) (37) . Alguns dados sugerem que em crianças menores que 3 anos uma concentração do íon cloro suor maior que 40 mEq/L é altamente sugestiva para o diagnóstico de FC (38). A análise genética através da identificação das mutações pode, em algumas circunstâncias, substituir o teste do suor no diagnóstico da FC. Contudo, é importante avaliar as características fenotípicas do indivíduo, pois apenas se somadas à identificação de pelo menos duas mutações gênicas conhecidas, confirmam o diagnóstico de FC (35). Anormalidades no transporte de íons no epitélio respiratório dos pacientes com FC justificam o uso da diferença de potencial nasal como um adjunto do diagnóstico 7 desta doença. Contudo, é necessário um grande entendimento das características do transporte de íons no epitélio nasal para que aumente a sensibilidade do método. Processos inflamatórios envolvendo o epitélio nasal podem levar a resultados falsonegativos (35). A dosagem do tripsinogênio no sangue é um marcador indireto da função pancreática exócrina. Existem poucos trabalhos na literatura que asseguram a efetividade e eficácia da triagem neonatal na FC. Apesar das controvérsias, este teste está sendo implantado no Brasil como “teste do pezinho ampliado”. Quando positivo, é recomendado que seja repetido num intervalo de 15-30 dias, e caso persista positivo, realizar o teste do suor para confirmar o diagnóstico de FC (36,39). A caracterização da microbiologia da flora respiratória pode ser útil na avaliação de pacientes com achados atípicos para FC. A presença de Pseudomonas aeuroginosa com o fenótipo mucóide, principalmente se persistente, é altamente sugestiva de FC. Outros patógenos como o Staphylococcus areus, Haemophilus influenzae e Burkbolderia ceppacia também sugerem o diagnóstico (17,40). Um dos aspectos fenotípicos mais comumente observados em homens após a puberdade é a azoospermia. Ela é descrita em até 98 a 99% dos indivíduos com FC. Na maioria dos casos ela resulta numa ausência ou num rudimentar vaso deferente. Nos indivíduos que apresentam azoospermia como primeira manifestação da doença, o diagnóstico de FC deve ser confirmado com o teste do suor. Em geral, estes pacientes têm um bom prognóstico (35). 2.3 Mutações genéticas As mutações genéticas descritas na FC são responsáveis pela grande variabilidade de apresentações clínicas desta doença. Existem 6 principais mecanismos moleculares de disfunção da proteína CFTR (ou 6 classes de mutações). As mutações de classe I levam à ausência da síntese da CFTR. As de classe II, que correspondem à mutação ∆F508, bloqueiam o transporte da proteína até a membrana plasmática das células epiteliais; as de classe III interferem na regulação do canal clorídrico. As mutações de classe IV determinam alteração na condução do íon cloro; 8 as da classe V reduzem a síntese da CFTR, e as de classe VI promovem regulação defeituosa de outros canais iônicos (17,26). 2.4 Síndromes clínicas A FC determina alterações em órgãos que expressam a proteína CFTR, incluindo as células secretórias, pulmões, pâncreas, fígado, vias biliares, seios paranasais e trato reprodutivo. A insuficiência pancreática exócrina está presente em cerca de 90% dos pacientes. As pro-enzimas retidas nos ductos pancreáticos são prematuramente ativadas determinando a destruição e fibrose do pâncreas. Observase ainda o comprometimento da absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), e qualquer deficiência sintomática destas vitaminas pode ocorrer. As células de Langerhans são inicialmente poupadas, sendo a diabetes mellitus rara na primeira década de vida dos pacientes com FC, contudo se observa o aumento da prevalência da mesma com o aumento da idade (26,30) . O íleo meconial acomete 10 a 20% dos pacientes com FC, e reflete o comprometimento da função pancreática intra-útero (41) . O comprometimento hepático/biliar segue o mesmo padrão das anormalidades pancreáticas. A esteatose hepática é descrita em 30% dos pacientes com FC, e a cirrose biliar em mais de 40% (42) . Muitos pacientes com FC têm sintomas de sinusite crônica, que podem exacerbar infecções respiratórias baixas, além de causar deformidades nasais externas, anosmia e cefaléia ser vista em até 25% dos pacientes (44) (43) . A polipose naso-sinusal pode . Cerca de 98% dos homens com FC são inférteis, com aspermia secundária a vasa deferente atrésica ou ausente e vesículas seminais ausentes ou dilatadas (45). 2.5 Doença pulmonar Os pulmões de crianças com fibrose cística são histologicamente normais ao nascer, mas, com poucas semanas de vida, já podem ser observadas obstruções iniciais de vias aéreas periféricas. Estas pequenas obstruções se dão pela retenção de secreções, e resultam na hiperplasia e hipertrofia das glândulas submucosas, que são as principais origens de secreções mucosas nos brônquios e pulmões (46,47) . Long et al 9 observando as alterações nas vias aéreas de crianças pequenas com FC, demonstraram que o diâmetro transverso e a espessura da parede são maiores e tendem a crescer com tempo de forma mais intensa comparada ao restante da população (48) . Associado a estes achados, a constatação de alterações inflamatórias nas vias aéreas de crianças pequenas, fortemente sugere dano estrutural nos primeiros meses de vida (49) . O acúmulo de secreção espessa aumenta a susceptibilidade a infecções respiratórias recorrentes, e o processo infeccioso, aliado à resposta inflamatória, leva à progressiva deterioração da arquitetura e da função pulmonar. O resultado desse círculo vicioso de inflamação — infecção é responsável pelo progressivo dano estrutural nos pulmões. As alterações estruturais nas vias aéreas as tornam mais predispostas à infecção, levando à formação de bronquiectasias, impactações mucóides, e destruição pulmonar, que culmina com pulmão em fase-final, falência respiratória progressiva e morte (2). 2.5.1 Função pulmonar Neonatos com fibrose cística têm função pulmonar normal, porém, dentro de semanas ou meses, desenvolvem lesões obstrutivas nas pequenas vias aéreas, as quais levam ao aumento da resistência ao fluxo aéreo, hiperinsuflação pulmonar e alçaponamento de ar. Como conseqüência destas alterações há uma inadequada relação ventilação — perfusão. Nesse estágio, as alterações da função pulmonar são dependentes do acometimento das vias aéreas periféricas e evidenciadas por uma diminuição dos fluxos expiratórios terminais e pelo aprisionamento de ar. Sendo a obstrução ao fluxo aéreo, o alçaponamento de ar e a ventilação inadequada as alterações funcionais mais importantes em pacientes com fibrose cística, o padrão evolutivo dessas alterações caracteriza-se por predomínio de distúrbio ventilatório obstrutivo, com redução precoce dos fluxos correspondentes às pequenas vias aéreas e acometimento tardio da capacidade vital forçada (CVF) (50). Os testes de função pulmonar (TFP) têm uma boa correlação com o estado clínico e a progressão da enfermidade. Os TFP seqüenciais são usados como rotina no acompanhamento do paciente para determinar a progressão da doença, os episódios de exacerbação, e a resposta terapêutica. Os valores comumente estudados são a 10 CVF, o VEF1 e o fluxo médio expiratório forçado entre 25% a 75% da curva da CVF (FEF25%-75%) (50). Num estudo longitudinal da função pulmonar em pacientes com fibrose cística, confirmou-se que os valores espirométricos, em geral, demonstram uma progressiva deterioração apesar de a taxa do declínio variar marcadamente entre os indivíduos (51). Redução de fluxos expiratórios, como o FEF25%-75%, refletem a evidência espirométrica mais precoce de doença obstrutiva na FC, provavelmente devido às impactações brônquicas, edema das vias aéreas, inflamação e aumento de volume das secreções. Contudo, devido à variabilidade das medidas do FEF25%-75%ele não tem sido utilizado no monitoramento desta doença (52,53). As alterações no VEF1 são observadas naqueles indivíduos que já começaram a desenvolver doença obstrutiva e, portanto é o parâmetro de função pulmonar que melhor reflete progressão da doença pulmonar na FC, inclusive para avaliar a eficácia de novas modalidades terapêuticas (54-56). A redução da CVF durante as exacerbações pode ocorrer em conseqüência do alçaponamento de ar. Porém, as alterações da CVF refletem o dano estrutural do pulmão num estágio mais avançado da doença (2,50). Num estudo epidemiológico de caráter multicêntrico, longitudinal, realizado no Canadá e nos Estados Unidos, incluindo 18.411 pacientes com fibrose cística, dados de função pulmonar, entre outros, foram coletados no período de dois anos. Neste grupo de pacientes, a CVF média entre 6 e 12 anos foi acima de 90% do previsto; entre 13 e 17 anos manteve-se em 90%, mas no grupo de 18 a 24 anos caiu para 80%, e atingiu 70% na faixa etária de 25 a 35 anos. A média do VEF1 inicial na faixa de 6 a 12 anos ficou entre 85% e 90%; com declínio um pouco mais acentuado, chegando a valores médios entre 75% e 80% na faixa de 13 a 17 anos, 69% na de 18 a 24 anos, 50% na de 25 a 35 anos, atingindo valor próximo a 50% no gênero masculino e perto de 40% no gênero feminino na faixa de 36 anos ou mais. Já a média do FEF25%-75% mostrou-se próxima de 70% na faixa de 6 a 12 anos; com declínio mais rápido e precoce, atingindo valor médio de 50% na faixa de 13 a 17 anos, 30% na de 18 a 24 anos, 20% naquela entre 25 e 35 anos e abaixo de 20% na faixa de 36 anos ou mais. Como era esperado, o FEF25%-75% mostrou as reduções mais precoces, provavelmente refletindo o início da obstrução nas vias aéreas menores, e as crianças do sexo 11 feminino apresentaram redução um tanto mais acentuada na função pulmonar precocemente, relação que se igualou na idade adulta, possivelmente pelo efeito da sobrevida (57). 2.5.2 Achados radiológicos A hiperinsuflação pulmonar é a manifestação radiográfica mais precoce na FC (58) . Em lactentes, ela pode ser focal ou generalizada, acompanhada de atelectasias (59) . Os processos infecciosos costumam apresentar distribuição peribrônquica, o que é traduzido, radiologicamente, por irregularidade da trama nesta topografia, irradiando-se a partir dos hilos pulmonares (60) . As impactações brônquicas, manifestam-se à radiografia como opacidades arredondadas ou digitiformes na topografia dos brônquios(59). As infecções pulmonares de repetição determinam quantidade considerável de fibrose e de bronquiectasias. Radiologicamente, as áreas de fibrose caracterizam-se por infiltrados lineares e salteados (60) . As bronquiectasias, por sua vez, caracterizam-se por linhas paralelas, que representam paredes brônquicas vistas em perfil, ou por círculos espessos, quando as paredes são vistas em corte transversal, localizadas, notadamente, na porção central e superior dos pulmões (60) . Proeminência das regiões hilares é um achado comum em pacientes com FC, correspondendo, na grande maioria das vezes, à linfonodomegalia ou, mais raramente, a grandes artérias pulmonares, nos casos de hipertensão da artéria pulmonar (59) . Friedman et al mostraram que opacidades nodulares periféricas e opacidades lineares, não vasculares, correspondem aos achados radiográficos mais precoces em pacientes com FC e com mais de 17 anos, seguidos das bronquiectasias, e da hiperinsuflação pulmonar (61). Diversos sistemas de escores radiográficos foram desenvolvidos para FC, com intuito de quantificar a severidade da doença (62-64) . O sistema proposto por Schwachman e Kulczycki (1958), incorpora parâmetros clínicos e radiográficos (65) . Este sistema de avaliação clínica foi um marco no histórico científico da FC e até os dias atuais é respeitado e amplamente utilizado como instrumento clássico de avaliação da gravidade da doença. Em 1974 foi criado primeiro sistema de escore radiológico para avaliar a gravidade da FC, considerando que alterações no exame 12 radiológico retratam a progressão da doença pulmonar e podem ser correlacionados com a condição clínica do paciente (62) . Em 1979 foi proposto um novo sistema de escore radiológico, que assim como o anterior, tinha como foco a avaliação quantitativa da radiografia do tórax, mas que ainda hoje é o mais comumente usado e conhecido (63) . 2.5.3 Achados à tomografia computadorizada No início dos anos 90, foi reconhecido que a tomografia do tórax era mais sensível que a radiografia para detectar alterações estruturais no parênquima pulmonar em pacientes com FC. Desde então, as mais relevantes mudanças estruturais do pulmão dos pacientes com esta doença foram exaustivamente descritas. O aprisionamento aéreo é descrito como conseqüência de enfermidade que acomete as vias aéreas periféricas na FC. Contudo, as dimensões destas vias são muito pequenas para serem avaliadas através da TCAR, impedindo o estudo direto das mesmas. Para avaliação indireta, pede-se ao paciente para realizar manobras de expiração forçada, o que facilita o diagnóstico. Áreas hipodensas, bem demarcadas no parênquima pulmonar, resultam numa combinação de aprisionamento de ar que não consegue ser exalado, e hipoperfusão. Essas áreas hipodensas quando observadas nas aquisições em inspiração são descritas como padrão de perfusão em mosaico (66). Em pacientes com faixa etária de 0 a 5 anos, este foi o achado mais freqüentemente observado (13) , e é considerado um dos mais precoces sinais de doença de pequenas vias aéreas, relacionado à “bronquiolite exsudativa” representado pelas opacidades centrolobulares com padrão de árvore em brotamento, que nada mais são que bronquíolos preenchidos por muco, ou por material patológico (14,67-70) .A detecção precoce deste achado pela TCAR, sinaliza para tratamento em fases iniciais da doença, o que pode reduzir a gravidade do curso da mesma (11,14,68-70) . Espessamento de paredes brônquicas ou espessamento do interstício peribrônquico, é comumente visto nos pacientes com FC (71) já em fases iniciais da doença (2,72-74) . O espessamento de paredes do brônquio do lobo superior direito foi descrito como o achado mais precoce nos pacientes com FC (74). Porém, é importante pontuar que ele é geralmente mais significativo nas vias aéreas periféricas. A avaliação histológica dos 13 pulmões de pacientes com FC que foram transplantados evidenciou um grau de espessamento de paredes brônquicas em vias aéreas periféricas que excedia em três vezes o espessamento observado em pulmões de fumantes, também encaminhados ao transplante. Porém, vale salientar que o espessamento de paredes brônquicas observado em crianças pequenas é notadamente nas vias aéreas centrais (48,49). Stiglbauer et al, em 1991, concluíram que as bronquiectasias e o espessamento peribrônquico seriam achados irreversíveis nos pacientes com FC. Neste trabalho tais parâmetros seriam fundamentais para o acompanhamento destes pacientes, para avaliar a estabilidade ou progressão da doença (73). Impactações brônquicas comumente ocorre nos brônquios e bronquíolos dilatados; manifesta-se, radiologicamente, digitiformes, de distribuição brônquica população pediátrica (13) (59) como opacidades arredondas ou . A prevalência deste achado é menor na , onde as opacidades centrolobulares (nodulares ou com padrão de árvore em brotamento) refletem o comprometimento, podendo corresponder a manifestações iniciais da FC (75) . As Bronquiectasias correspondem à dilatação brônquica irreversível, localizada ou difusa, podendo ser classificadas em três tipos, a depender do padrão de dilatação brônquica. Podem ser cilíndricas, varicosas ou císticas (74) mais raras , sendo as cilíndricas as mais comumente observadas e, as varicosas, as (66) . Na FC, as bronquiectasias exibem distribuição proximal ou peri-hilar. Nas fases inicias, o comprometimento é mais acentuado em lobos superiores, tendo sido notado um predomínio em lobo superior do pulmão direito ser vistas em pacientes de qualquer faixa etária (46) de 100% nos pacientes com mais de 17 anos (13) (10,66,74,75) . Elas podem , tendo sido observada prevalência . Outros achados assinalados pela TCAR na FC, menos prevalentes, são colapso/consolidação, saculações, bolhas, consolidação e espessamento de septos interlobulares (8). A possibilidade de avaliar o pulmão em cortes axiais, o que reduz, significativamente, a superposição das estruturas, faz com que a TC, especialmente a TCAR, seja um bom método na elucidação de patologia pulmonar; com a técnica de alta resolução, é possível obter uma imagem do pulmão com excelente resolução espacial, podendo-se demonstrar, com detalhes, o interstício, bem como as características morfológicas do parênquima pulmonar (76,77). Os escores de tomografia propostos ao longo dos anos, para avaliação de pacientes com FC trouxeram novas perspectivas do ponto de monitorização da 14 doença, resposta terapêutica, e seleção de pacientes para transplante (78) . A partir da quantificação da gravidade e extensão do comprometimento pulmonar foi possível correlacionar aspectos estruturais com marcadores da função pulmonar destes pacientes, no intuito de verificar uma possível superioridade da TCAR como método de escolha para acompanhamento da doença pulmonar. O primeiro sistema de escores para tomografia, a despeito da inovação metodológica, não conseguiu demonstrar boas correlações de escores de tomografia com testes de função pulmonar (10). Em 1996, Logan et al, num estudo prospectivo, estudaram 30 pacientes com FC, com intervalo de 30 meses, demonstrando uma forte correlação entre os achados de TCAR e progressão de doença, avaliados por aspectos clínicos e testes de função pulmonar (79) . Eles fizeram uma modificação no sistema de escores propostos por Bhalla et al, onde o comprometimento dos lobos pulmonares, e não dos segmentos, eram avaliados. No mesmo ano, um trabalho demonstrou correlações significativas entre escores de TCAR e função pulmonar, avaliada através do VEF1, CVF e pela relação VEF1/CVF, notadamente como VEF1 (11). Em algumas séries, a despeito de serem observadas correlações significativas dos escores totais de tomografia com aspectos da função pulmonar, não foi possível observar resultados semelhantes quando se tentava correlacionar achados específicos de tomografia com TFP (20). Em 2002, Oikonomou et al demonstraram que as alterações pulmonares que melhor se correlacionam com o VEF1 são as atelectasias/consolidações assim como o espessamento de paredes brônquicas (80) . Já em 2004, Brody et al observaram que os TFP melhor se correlacionam com o achado de alçaponamento de ar (21). Brody et al em 2005 sugeriram um sistema de escores para avaliar a progressão da doença pulmonar (81) , que foi validado posteriormente (82) . Brody conseguiu demonstrar o papel da tomografia como um verdadeiro marcador da evolução da FC (81). 15 2.6 Tratamento Apesar de inquestionáveis avanços no conhecimento da doença com a descoberta do gene, seu produto e função, muitas questões permanecem sem respostas e o tratamento específico ainda é perspectiva futura. Atualmente existem evidências de que a maior sobrevida dos afetados por FC ocorre com os pacientes tratados em centros onde há atuação de equipe multiprofissional. Os pilares do tratamento dos pacientes com FC incluem o suporte nutricional, melhora da obstrução das vias aéreas, e o tratamento das infecções. Alguns trabalhos sugeriram, entretanto, que a inflamação precede a infecção nas vias aéreas, e um quarto pilar foi proposto para estes pacientes. Contudo, a supressão farmacológica da inflamação está associada a efeitos colaterais o que sinaliza a necessidade de alternativas aos tratamentos utilizados até então (83). O transplante de pulmão constitui uma alternativa nos indivíduos com doença pulmonar avançada. O primeiro transplante ocorreu em 2003, e desde em então, mais de 100 pacientes com FC são transplantados em cada ano. A taxa de sobrevida é de 80% no primeiro ano, e de 50% pelo quarto ano após o transplante. Esses dados sugerem que não se trata de uma terapia perfeita, e que a inalação de ciclosporina poderá melhorar estas estatísticas (83). 16 3 MÉTODOS 3.1 Casuística Foram inclusos neste estudo 35 pacientes, com diagnóstico de FC, acompanhados no Centro de Referência para Fibrose Cística do Hospital Especializado Octávio Mangabeira (HEOM), pertencente à rede hospitalar da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Este hospital está localizado na Cidade do Salvador, é referência em doenças pulmonares no Estado da Bahia. O International Directory Cystic Fibrosis reconheceu o serviço como referência internacional e este passou a constar da edição anual desse órgão a partir de 1993, e em 1998, a Sesab denominou-o Centro de Fibrose Cística do Estado, sendo cadastrado no programa de medicação de alto custo. Os pacientes foram prospectivamente incluídos no estudo no período de junho de 2004 a março de 2006 e os critérios de inclusão estabelecidos estão em seguida enumerados: 1) pacientes com idade superior a 6 anos, independentemente de cor e sexo, com teste do suor positivo, em fase de estabilidade clínica ou seja, sem evidência de infecção aguda, baseada em dados clínico e/ou laboratoriais; 2) domiciliado no Estado da Bahia; 3) capazes de realizar teste de função pulmonar (espirometria); 4) ter concordado em participar do estudo e assinar (o paciente ou o responsável pelo menor de 18 anos) o termo de consentimento informado. Todos eles foram submetidos a exames de TCAR e TFP. O intervalo de tempo para realização dos exames de cada paciente não excedeu 7 (sete) dias. O projeto foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (Anexo 1), sob o protocolo 0120/04. O Projeto também foi autorizado pela Diretoria do Hospital Octávio Mangabeira, ofício 936/03 (Anexo 2). O diagnóstico de fibrose cística foi confirmado através de dois testes do suor, com níveis de cloro acima de 60 mEq/L, realizados pelo método da iontoforese por pilorcapina, padronizado por Gibson e Cooke. 17 3.2 Testes de função pulmonar Os testes de função pulmonar foram realizados no ambulatório de fibrose cística do HEOM. Os dados antropométricos (estatura e peso) foram obtidos utilizando o mesmo aparelho (antropômetro e balança), e sempre por uma mesma avaliadora, segundo os critérios de reprodutibilidade (84). Todos os testes foram realizados no turno da manhã, por uma mesma examinadora. Durante os exames, os pacientes permaneceram sentados, mantendo o tórax ereto, com a cabeça em posição neutra, utilizando uma pinça nasal, em uma sala com temperatura mantida em torno de 22º(85). As curvas de expiração forçada foram realizadas em espirômetro Microlab 3.500, que permite o registro simultâneo das variáveis fluxo expiratório x volume pulmonar (curva fluxo-volume) e volume pulmonar tempo. Após alguns ciclos de respiração tranqüila, era solicitada uma inspiração máxima, seguida de breve apnéia. Ao comando do examinador, iniciava-se a manobra de expiração forçada, sendo esta prolongada até ocorrer estabilização do traçado espirográfico. Esta manobra era sucedida de uma inspiração máxima até o nível da capacidade pulmonar (86,87) . Foram obtidas pelo menos três medidas tecnicamente corretas. Para o cálculo foi utilizado o melhor desempenho em relação à capacidade vital forçada e ao volume expiratório forçado no primeiro segundo, critérios de reprodutibilidade e aceitabilidade da American Toracic Society (ATS)(88). As variáveis analisadas neste estudo foram a capacidade vital forçada (CVF), o volume expiratório forçado no primeiro segundo(VEF1) e o fluxo expiratório forçado entre 25-75% (FEF25-75% ) da CVF (89,90). As tabelas utilizadas de valores preditos para idade, altura e sexo foram a de Knudson (90) , para crianças, e do Brazilian Pneumobil (91) , para adultos. Os fluxos aéreos foram analisados de acordo com os critérios das Diretrizes para Testes de Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (85). A CVF é o volume de ar eliminado o mais rapidamente possível durante a expiração forçada, partindo-se de uma inspiração máxima. Considerou-se o valor de normalidade aquele maior ou igual a 80% do valor predito. 18 O VEF1 é o volume de ar expirado no primeiro segundo durante a manobra de avaliação da CVF. O VEF1 varia na dependência da CVF e da resistência das vias aéreas e estas se encontram aumentadas nos processos obstrutivos. Pela simplicidade de sua obtenção, pela sua reprodutibilidade e pelas suas características, o VEF1 é um dos parâmetros mais usados para a avaliação dos fluxos das vias aéreas, especialmente as de grande e médio calibre. Normalmente, isso é feito registrando-se a CVF num gráfico de papel a uma velocidade fixa. Gradua-se a gravidade da obstrução brônquica em: leve, quando o VEF1 se encontra entre 60% e o limite de normalidade do percentual do valor predito; moderada, quando está entre 40% e 59% do valor predito; e grave, quando menor do que 40% do predito. O FEF25%-75% é a medida do fluxo expiratório no volume situado entre 25% e 75% da CVF. Obtém-se o FEF25%-75%, dividindo-se a curva de volume sobre tempo da CVF em quatro partes iguais, desprezando-se a primeira e a última parte. A análise é feita na parte intermediária da curva, ou seja, desprezam-se os primeiros 25% e os últimos 25% da curva de CVF e quantifica-se, em unidade de volume/tempo, a porção da curva de CVF compreendida entre 25% e 75%. A obstrução das vias aéreas periféricas pode inicialmente manifestar-se pela redução dessa variável, a qual se constitui num dos dados espirométricos que mais precocemente se alteram em fases iniciais das doenças pulmonares obstrutivas, sendo o valor de normalidade aquele maior ou igual a 60% do predito. 3.3 Técnicas de exame e interpreteção dos achados tomográficos Os exames de TCAR foram realizados em equipamentos helicoidais convencionais da marca Toshiba, modelo Asteion (Toshiba, Tokio, Japan), e da marca Siemens, modelo Somaton AR (Siemens, Erlanger, Germany). Os exames foram realizados de forma convencional, sem injeção endovenosa do meio de contraste. Depois da obtenção do “scout”, foram realizados cortes axiais de 1,0 a 1,5 mm de espessura, com intervalos de 10 mm, desde os ápices até abaixo dos ângulos costofrênicos. As imagens foram adquiridas com o paciente em decúbito dorsal e em inspiração profunda, com um campo de visão de 350 mm e com matriz de reconstrução de 512 x 512 mm, usando algoritimo de recontrução de alta resolução. 19 Outros parâmetros aplicados foram: kV(p) = 120; mA = 200; 1 segundo de tempo de corte. Cortes adicionais com o paciente em expiração forçada foram obtidas para confirmação de possíveis áreas de alçaponamento de ar. As imagens foram avaliadas com janela de pulmão (nível -600 a -700 UH, abertura 1000 a 1500 UH). A análise das imagens foi feita em filmes. As tomografias foram avaliadas de forma independente por dois radiologistas com pelo menos 05 anos de experiência em tomografia de tórax, que desconheciam os dados clínicos dos pacientes, bem como os resultados dos TFP. Eles classificaram os achados tomográficos segundo um sistema de escores para tomografia, baseado numa modicação daquele proposto por Bhalla et al, onde além das bronquiectasias, espessamento de parede brônquica, impactações brônquicas, saculações, bolhas, enfisema, colapso/consolidação, foi acrescida a avaliação do padrão de perfusão em mosaico (13) . O escore de tomografia de cada paciente foi calculado com base na gravidade e/ou na extensão das alterações referidas anteriormente (Quadro 1). Quadro 1 – Sistema de escores para as tomografias Categoria Escores 0 1 2 3 Leve Moderada (2 a 3 vezes)* Acentuada (> 3 vezes)* Moderado (1 e 2 vezes)* Acentuado (> 2 vezes)* Gravidade das bronquiectasias ausente Espessamento de paredes brônquicas ausente Extensão das bronquiectasias ausente 1 a 5 segmentos 6 a 9 segmentos > 9 segmentos Extensão das impactações brônquicas ausente 1 a 5 segmentos 6 a 9 segmentos > 9 segmentos Saculações ausente 1a5 segmentos 6 a 9 segmentos > 9 segmentos Geração brônquica ausente >4ª geração 4ª e 5ª geração > 5ª geração Bolhas ausente Unilaterais (ñ > 4) Bilaterais (3 ñ > 4) >4 Enfisema ausente 1 a 5 segmentos > 5 segmentos — Perfusão em mosaico ausente 1 a 5 segmentos > 5 segmentos — Segmentar/ lobar — (<2 vezes)* Leve (igual)* Colapso/ consolidação ausente Subsegmentar * Em relação ao diâmetro do vaso adjacente. 20 A gravidade das bronquiectasias e do espessamento peribrônquico foram separadamente graduadas baseadas no diâmetro do lúmen e na espessura da parede brônquica, respectivamente. A gravidade das bronquiectasias foi designada como leve e escore 1, se o diâmetro luminal fosse maior, mas não excedesse em duas vezes o diâmetro do vaso adjacente; como moderadas e escore 2, se o diâmetro luminal fosse duas ou três vezes o diâmetro do vaso adjacente e como acentuada e escore 3, se o diâmetro luminal excedesse em três vezes o diâmetro do vaso adjacente. A gravidade do espessamento de paredes brônquicas foi designada como leve e escore 1, se a espessura da parede do brônquio fosse igual ao diâmetro do vaso adjacente; como moderada e escore 2, se a espessura da parede do brônquio estivesse entre uma e duas vezes o diâmetro do vaso adjacente, e como acentuada e escore 3, se a espessura da parede do brônquio fosse maior que duas vezes o diâmetro do vaso adjacente. A extensão anatômica das impactações brônquicas, bronquiectasias e saculações, foram classificadas no escore baseada no número de segmentos pulmonares envolvidos: 1, indicando envolvimento de 1 a 5 segmentos; 2, se entre 6 a 9 segmentos estivessem envolvidos e, 3, se mais de 9 segmentos estivessem envolvidos. A extensão da doença de via aérea foi avaliada pela geração da divisão brônquica comprometida. Achados de bronquiectasia ou impactação brônquica acima da quarta geração brônquica foram consideradas como 1 entre a quarta e a quinta geração de brônquica como 2 e, acima da quinta geração brônquica como 3. Doença bolhosa foi classificada de acordo com o número de bolhas vista nas imagens de tomografia. Unilaterais, mas não excedendo em quatro, classificadas como 1; bilaterais, mas não excedendo em quatro, classificadas como 2; e mais de quatro bolhas, classificadas como 3. Enfisema, bem como as áreas com padrão de perfusão em mosaico, foram classificados como 1, se apenas 1 a 5 segmentos pulmonares estivessem comprometidos, e com 2, se mais de 5 segmentos estivessem comprometidos. As tomografias também foram classificadas quanto à presença de colapso ou consolidação. Tiveram escore 1, aquelas que apresentaram colapsos ou consolidações 21 subsegmentares, e 2, quando se tratavam de colapsos ou consolidações segmentares ou lobares. O escore total de tomografia foi determinado subtraindo-se de 27 a somatória das alterações identificadas. Portanto, nas tomografias onde as alterações foram mais significativas, os escores eram menores. Após intervalo de 03 meses, os dois radiologistas, de forma independente, fizeram nova leitura dos filmes, para que fosse medido o coeficiente de concordância intra-observadores. Em seguida, de forma consensual, chegaram a um resultado final, que foi utilizado para elaboração do trabalho. 3.4 Avaliação estatística Primeiramente, através do teste de Kolmogorov-Smirnov verificou-se a aderência à distribuição normal para as variáveis quantitativas do estudo. Em seguida, a correlação não paramétrica de Spearman foi empregada para testar a associação entre aquelas variáveis. O teste de Bartlett foi usado no intuito de se avaliar a homogeneidade de variâncias das variáveis quantitativas nos níveis das variáveis qualitativas do estudo. Análise de variância foi utilizada seguida do ajuste dos valores de p para comparações múltiplas através do método de Bonferroni. O coeficiente de concordância de Lin e o gráfico de Bland-Altman foram utilizados para se averiguar a concordância intra e entre observadores para as variáveis quantitativas. 22 4 RESULTADOS 4.1 Achados tomográficos Foram avaliados exames de tomografia e testes de função pulmonar dos 35 pacientes (25 do sexo masculino e 10 do sexo feminino) e idade entre 6 e 25 anos (média de 11,34 anos). Observou-se um total de 8 pacientes brancos e 27 pacientes não-brancos. Dos 35 pacientes avaliados, 28 tinham alterações à TCAR (80%). As anormalidades parenquimatosas incluíram espessamento de parede brônquica (n=20), bronquiectasias (n=19), padrão de perfusão em mosaico (n=18), impactações nrônquicas (n=13), colapso/consolidação (n=14), saculações e abscessos (n=8), e bollhas (n=1). A Figura 1 ilustra a frequência dos achados encontrados nos pacientes avaliados por meio de consenso entre os observadores. 2,86 Bolhas 22,86 Saculações 51,43 Perfusão em mosaico 40,00 Colapso/ consolidação 37,14 Impactações brônquicas 57,14 Espessamento parede brônquica 54,28 Bronquiectasias 0 15 30 45 60 75 Achados à TCAR (%) Figura 1. Prevalência dos achados à tomografia de alta-resolução. O espessamento de paredes brônquicas foi o achado mais freqüente nesta amostra, sendo observado em 74,07% dos indivíduos que já apresentavam alguma alteração à TCAR (Figura 2). Ela se mostrou de moderada a acentuada na maioria dos 23 pacientes. Observou-se concomitância deste achado com a presença de bronquiectasias e de impactações brônquicas, vistos em 13 pacientes (Figura 3). A B Figura 2. Espessamento de parede brônquica. (A) Exame de TCAR no nível da porção distal da traquéia e (B) do lobo médio demonstra espessamento liso de paredes brônquicas (setas retas). Notam-se também algumas áreas com padrão de perfusão em mosaico (seta curva) em pirâmide basal esquerda (Caso 5). Figura 3. Impactações brônquicas. TCAR revela presença de impactações brônquicas e bronquiectasias (setas retas) no segmento superior dos lobos inferiores, onde coexiste espessamento de paredes brônquicas (setas curvas), visto também no lobo médio e na língula. Áreas com padrão de perfusão em mosaico (setas largas) foram observadas bilateralmente (Caso 3). 24 As bronquiectasias foram também bastante frequentes neste grupo de pacientes, com predomínio do tipo cilíndrico, e com igual predomínio nas regiões pulmonares (Figura 4). Na maioria dos pacientes ela se estendia no máximo em 4 segmentos pulmonares. A B Figura 4. Bronquiectasias. (A) TCAR no nível do lobo médio e (B) das pirâmides basais demonstra presença de bronquiectasias de grau moderado a acentuado (setas retas), além de espessamento de paredes brônquicas (seta curva), mais evidente no lobo médio (A), e opacidades centrolobulares com padrão de árvore em brotamento em pirâmides basais (setas largas). Na imagem B distingue-se, ainda, redução difusa da atenuação com escassez de estruturas vasculares nas pirâmides basais (Casos 9 e 13). O padrão de perfusão em mosaico foi o terceiro achado mais freqüente nesta amostra, com comprometimento que se estendia além de 5 segmentos em 13 dos 18 pacientes que apresentavam esta alteração (Figura 5). 25 B A Figura 5. Perfusão em mosaico. (A) TCAR em inspiração demonstrou discreta área de redução da atenuação do parênquima pulmonar em lobo médio (seta reta), sugerindo padrão de perfusão em mosaico, confirmando o aprisionamento aéreo (seta reta) (B) com manobras de expiração forçada (Caso 16). A extensão da doença na via aérea foi mais periférca, ou seja, além da quinta geração brônquica e distal em 73,91% daqueles onde o comprometimento foi identificado. Colapso e consolidações apresentaram uma distribuição predominantemente subsegmentar. A presença de bolhas foi observada em apenas 1 paciente, e em nenhum paciente foi observado presença de enfisema. 4.2 Correlações dos testes de função pulmonar e da tomografia A media dos escores totais de TCAR foi 20, e eles variaram de 7 a 27. As variações do VEF1, da CVF e do FEF25%-75% estão descritos na Tabela 1. 26 Tabela 1 – DADOS DA FUNÇÃO PULMONAR NOS PACIENTES ESTUDADOS Função pulmonar Média* Desvio-padrão (variação) VEF1 72,82 23,95 (27-115) CVF 77,46 20,22 (24-112) FEF25%-75% 57,97 30,54 (8-108) *Resultados estão expressos pela média do percentual do previsto. As correlações foram calculadas entre os TFP e escores totais de TCAR, e entre os TFP e achados específicos à TCAR. O VEF1 mostrou uma correlação forte e significativa com o escore total de TCAR (r=0,7808; p<0,0001) (Figura 6), e o FEF25%-75% apresentou correlação boa e significativa com o escore total de TCAR (r=0,6981; p<0,00001) (Figura 7). Uma moderada correlação foi observada entre a CVF e escore total de TCAR (r=0,5112; p<0,001). Figura 6. Correlações entre o escore total de Figura 7. Correlações entre o escore total de TCAR e o VEF1 (porcetagem do predito) TCAR e o FEF25%-75% (porcetagem do predito) (r=0,7808; (r=0,6981; p<0,000003). Legenda: pvef1 = p<0,00003). Legenda: pfef = percentual do previsto dp VEF1; escortc3 = percentual do previsto do FEF25-75%; escortc3 = variável que corresponde ao escore total de TC. variável que corresponde ao escore total de TC. 27 Quando os aspectos avaliados à TCAR foram de forma isolada, correlacionados com TFP, observamos que o VEF1 apresentou correlações moderadas e boas com quase todos os parâmetros avaliados (exceto com Bolhas e Enfisema). Por outro lado, quando esta correlação é estabelecida com a CVF, observamos que apenas o padrão de perfusão em mosaico se correlaciona de forma moderada com a CVF (r = -0,5787; p < 0,0002). O FEF25-75% apresentou correlações moderadas em pelo menos 06 dos parâmetros avaliados à TCAR (Tabela 2). Tabela 2 – CORRELAÇÃO DE ACHADOS ESPECÍFICOS À TCAR COM TFP Achados à TCAR VEF1 CVF FEF25%-75% Gravidade bronquiectasias -0,6826(p<0,0001) -0,4530(p=0,006) -0,6220(p<0,0001) Extensão bronquiectasias -0,7055(p<0,0001) -0,4734(p=0,004) -0,6182(p<0,0001) Impactações brônquicas -0,7205(p<0,0001) -0,4654(p=0,004) -0,6188(p<0,0001) Espessamento da parede brônquica -0,5957(p=0,0001) -0,2956(p=0,08) -0,5789(p=0,0002) Perfusão em Mosaico -0,7361(p<0,0001) -0,5787(p=0,0002) -0,5962(p=0,0001) Colapso/consolidação -0,6245(p<0,0001) -0,4091(p=0,001) -0,4721(p=0,004) Saculações -0,5860(p=0,0001) -0,3896(p=0,02) -0,4310(p=0,009) Geração brônquica -0,6927(p<0,0001) -0,4182(p=0,01) -0,6164(p<0,0001) O VEF1 foi analizado em pacientes com condições distintas de comprometimento pulmonar à TCAR (Figura 8); os resultados indicaram que nos pacientes com maior grau de envolvimento pulmonar, os níveis de VEF1 são proporcionalmente menores, sinalizando, desta maneira, que nesta população, os escores de TCAR correlacionam-se bem com o VEF1. 28 A B Figura 8. Análise do FEV1 em níveis distintos de gravidade e extensão de bronquiectasias observados à TCAR. De acordo com o diagrama de caixas observa-se que à medida que a gravidade (A) e a extensão (B) das bronquiectasias aumentam, as distribuições dos valores do VEF1 diminuem expressivamente. Legenda: pvef1 = percentual do previsto do VEF1; gravbro3 = variável que corresponde à gravidade das bronquiectasias. Para melhor compreensão dos resultados obtidos neste estudo, foram criadas tabelas onde nossos números são comparados com aqueles descritos na literatura (Tabelas 03, 04, 05 e 06). 29 TABELA 3 - Prevalência dos achados à TCAR - REVISÃO DA LITERATURA Espessamento Bronquiecta- Perfusão Colapso/ Impacta- Sacula- Peribrônquico sias Mosaico Consoli- ções ções Bolhas dação Bhalla (1991) Maffessanti (1996) Santamaria (1998) Helbich (1999) Demirkazik (2001) Oikonomou (2002) Brody (2004) De Jong (2004) Neves (2007) 92,9% 78,6% - 14,3% 35,7% 57,1% 50,0% 37,0% 89,0% - 58,0% 36,0% - - 53,0% 90,0% 13,0% 23,0% 63,0% - 7,0% 76,1% 80,3% 60,7% 29,1% 51,3% 19,7% 12,8% 97,5% 65,0% 100,0% 17,5% 30,0% 15,0% 0 77,0% 98,0% 47,0% 81,0% 72,0% 28,0% 13,0% - 58,0% 63,0% - 15,0% - - 85,0% 76,0% 12,0% 51,0% 79,0% 11,0% 8,0% 57,1% 54,3% 51,4% 40,0% 37,1% 22,8% 2,9% 30 TABELA 4 - Correlações entre TCAR e TFP Escore TC/VEF1 Escore TC/CVF Escore TC/FEF25-75% Bhalla (1991) 0,42 (p=0,14) 0,48 (p=0,09) - Logan (1996) 0,64 (p<0,001) 0,63 (p<0,001) - Mafessanti (1996) 0,658 (p<0,0001) 0,592 (p=0,0002) - Santamaría (1998) -0,5 (P,0,01) -0,6 (P<0,01) - Helbich (1999) -0,7 (p<0,001) -0,62 (p<0,001) - Demirkazik (2001) 0,66 (p<0,01) 0,71 (p<0,004) - Dorlochter (2003) -0,778 (p=0,001) - - Brody (2004) -0,46 (p=0,005) -0,25 (p=0,609) -0,36 (p=0,0076) de Jong (2004) -0,73 (p<0,001) -0,58 (p<0,01) -0,83 (p<0,01) Neves (2007) 0,78 (p<0,0001) 0,511 (p<0,001) 0,698 (p<0000,1) 31 TABELA 5 - Correlação de achados específicos à TCAR com oVEF1, comparando com dados da literatura VEF1 Achados à TCAR VEF1 VEF1 (Neves) (Helbich) (Oikonomou) VEF1 (Brody) Gravidade bronquiectasias -0.6826 -0,60 -0.622 -0,37 Extensão bronquiectasias -0.7055 -0.57 -0.6182 - Impactações mucóides -0.7205 -0,50 -0.6188 - Espessamento de parede brônquica -0.5957 -0.47 -0.5789 - Perfusão em Mosaico -0.7361 -0.45 -0.5962 -0,38 Colapso/consolidação -0.6245 -0.39* -0.4721* - Saculações -0.586 -0.50 -0.431* - Geração brônquica -0.6927 -0.60 -0.6164 - * sem significância estatística 32 TABELA 6 - Correlação de achados específicos à TCAR com a CVF, comparando com dados da literatura CVF CVF CVF (Neves) (Helbich) (Brody) Gravidade bronquiectasias -0.453* -0,54 -0,24* Extensão bronquiectasias -0.4734* -0.47 - Impactações mucóides -0.4654* -0.46 - Espessamento de parede brônquica -0.2956* -0.48 - Perfusão em Mosaico -0.5787 -0.40 -0,20* Colapso/consolidação -0.4091* -0.39 - Saculações -0.3896* -0.49 - Geração brônquica -0.4182* -0.52 - Achados à TCAR * sem significância estatística 33 TABELA 7 - Correlação de achados específicos à TCAR com o FEF25-75%, comparando com dados da literatura FEF 25-75% FEF 25-75% (Neves) (Brody) Gravidade bronquiectasias -0.622 -0,21* Extensão bronquiectasias -0.6182 - Impactações brônquicas -0.6188 - Espessamento de parede brônquica -0.5789 - Perfusão em Mosaico -0.5962 -0,35 Colapso/consolidação -0.4721* - Saculações -0.431* - Geração brônquica -0.6164 - Achados à TCAR * sem significância estatística Para medir a concordância das leituras dos exames de TCAR, foram realizados testes estatísticos, sendo avaliado tanto o nível de variabilidade inter (Tabela 8) e intra-observadores, este último realizado com intervalo de 3 meses após a primeira observação (Figura 9). 34 A correlação inter-observadores para escores totais de tomografia corresponde a r=0,947, p<0,0001. O coeficiente de concordância e a acurácia interobservadores foram de 0,981 (IC 95%: 0,963-0,99) e de 0,9996. A medida da variabilidade intra-observadores três meses depois da primeira observação mostrou forte correlações para os dois observadores, sendo de r =0,994; p<0,0001 para o observador 1 e de r=0,985; p<0,0001 para o observador 2. O coeficiente de concordância e acurácia foram de 0,979 (IC 95%: 0,979-0,995) e de 0,9878 para o observador 1, e de 0,979 (IC 95%: 0,961-0,988) e de 0,9692 para o observador 2. Tabela 8 – CONCORDÂNCIA INTER-OBSERVADORES Achados à TCAR Concordância inter-observadores Gravidade bronquiectasias 0,9471 Extensão bronquiectasias 0,9537 Impactações brônquicas 1 Espessamento da parede brônquica 0,9408 Perfusão em mosaico 0,913 Colapso/consolidação 0,9264 Saculações Geração brônquica 1 0,8276 P < 0,001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 0,01 35 A B Figura 9. Concordância intra-observadores com intervalo de 3 meses após a primeira leitura, sendo (A) Observador 1 e (B) Observador 2. 36 5 DISCUSSÃO A FC é uma doença genética autossômica recessiva que acomete indivíduos de todos os grupos raciais étnicos, porém acomete predominantemente indivíduos brancos, caucasianos (1). Estudos de genética em FC têm mostrado que há uma notável variação na freqüência dos genes em diferentes grupos populacionais. A determinação da freqüência das diversas mutações que ocorrem no gene da FC em determinados grupos étnicos, é de extrema importância para caracterização da doença (26) . A mutação ∆F508, que é a mais comum em países europeus e nos Estados Unidos da América (cerca de 70%), é menos frequente no Brasil (28) . Uma possível explicação para este fato seria a grande miscigenação racial aqui observada. A heterogeneidade étnica observada na população brasileira é conseqüência da variedade das correntes migratórias, cuja distribuição geográfica ocorreu de forma irregular. Além do índio, o europeu e o negro africano contribuíram de maneira efetiva na composição étnica do Brasil. Os portugueses foram os principais representantes europeus, seguidos pelos italianos, espanhóis, alemães e japoneses (92). A contribuição européia é de 90% na Região Sul e de cerca de 38% na Região Nordeste, especificamente na Bahia. Já a contribuição dos africanos seria de 10% na Região Sul e de 58% na Bahia (93) . Esses dados justificam um predomínio na nossa amostra de indivíduos não-brancos. O defeito básico determinado por esta mutação genética, acomete células de vários órgãos, e nem todos os indivíduos apresentam respostas clínicas semelhantes (26) . O acometimento do trato respiratório, notadamente dos pulmões associa-se com maior morbidade, e é causa de morte em mais de 90% dos pacientes (17). Como resultado da infecção e inflamação crônica das vias aéreas, identifica-se uma grande quantidade de enzimas agressoras nas secreções dos pacientes com FC, que levam a um dano progressivo nas paredes brônquicas e no parênquima pulmonar (2) . As mais importantes alterações estruturais observadas através da TCAR as bronquiectasias, espessamento de paredes brônquicas, impactações brônquicas e aprisionamento aéreo. Lesões menos freqüentes incluem atelectasias/consolidações, 37 saculações/abscessos, bolhas, enfisema, consolidação alveolar e espessamento de septos interlobulares (8). A identificação de bronquiectasias é de grande relevância na evolução da doença pulmonar na FC, já que a sua presença implica na redução da qualidade de vida dos pacientes. A TCAR é considerada o padrão ouro para o diagnóstico das mesmas (8). No estudo de Bhalla et al (10) , bronquiectasias foram observadas em todos os segmentos do pulmão em 11 pacientes (78,6%). Hansell at al, estudando uma população de indivíduos adultos, com média de idade de 29 anos, identificaram bronquiectasias em 124 dos 126 lobos examinados (66) . Por outro, Lynch et al, estudando 12 indivíduos com média de idade de 4 anos, observaram bronquiectasias em apenas duas crianças (75). de Jong et al, num recente estudo, detectaram bronquiectasias em 76% dos indivíduos estudados, que tinham uma média de idade de 10,7 anos (18). Os resultados do presente trabalho foram semelhantes aos de Brody et al que, estudando 60 crianças entre 06 e 10 anos, identificaram bronquiectasias em 58% dos pacientes examinados (21) . No nosso estudo, as bronquiectasias foram identificadas em 54,28% , também refletindo uma população jovem, com média de idade de 11,34 anos. Alguns trabalhos na literatura descrevem que na FC um predomínio das alterações brônquicas, notadamente das bronquiectasias, no lobo superior direito. Teorias tentam explicar este fato do ponto de vista fisiológico (47) . Mas, na nossa amostra, não foram observadas predomínio de bronquiectasias em nenhum lobo, e as mesmas foram visibilizadas nos distintos segmentos pulmonares. O espessamento de paredes brônquicas é um achado também muito freqüente nos pacientes com FC e tem prevalência de até 85% em alguns estudos; é mais marcante nas vias aéreas periféricas, porém, em crianças pequenas, é mais evidente nas vias aéreas centrais (8). Santis et al, numa população de indivíduos com média de idade de 28 anos, demonstraram que o espessamento de paredes brônquicas se mostrou mais acentuado que as bronquiectasias (74) . Taccone et al identificaram bronquiectasias em 87% dos indivíduos estudados e espessamento de paredes brônquicas em 100%, numa amostra cuja média de idade era 19 anos (72) . Demirkazik et al estudando uma 38 população com média de 6 anos de idade, observaram espessamento de paredes brônquicas em 97,5% dos pacientes (7). Espessamento de paredes brônquicas foi o achado pulmonar mais freqüente na nossa amostra, acometendo 20 dos 35 pacientes estudados (57,14%). A despeito de ser o achado mais freqüente desta população, sua prevalência ainda é baixa quando comparada com dados da literatura, aproximando-se apenas dos resultados encontrados por Santamaria et al, que avaliaram pacientes entre 6,75 e 24 anos, com média de idade de 13,88 anos (20). Helbich et al em 1999 propuseram um sistema de escores para TCAR baseado naquele proposto por Bhalla, onde foi acrescido o padrão de perfusão em mosaico, avaliado quanto a freqüência de seu aparecimento nos diversos segmentos pulmonares (13) . Neste estudo, este padrão foi observado em 64% dos pacientes; a divisão dos pacientes em grupos de acordo com a faixa etária permitiu observar que a maior freqüência deste achado se relaciona com o aumento da faixa etária. Brody et al encontram uma prevalência de 63% numa amostra de 60 pacientes, sendo a alteração pulmonar mais freqüente (21) . de Jong et al, entretanto, identificaram o padrão em mosaico em apenas 12% dos 25 pacientes estudados (18). A prevalência do padrão de perfusão mosaico no nosso estudo foi de 51,43%, sendo a terceira alteração pulmonar mais comum nesta amostra. A sua prevalência se aproxima aos valores encontrados por Oikonomou et al, que observaram este achado em 47% dos seus pacientes, com faixa etária e média de idade bastante semelhante aos do nosso estudo (80). As impactações brônquicas são comumente descritas nos pacientes com FC, sendo secundárias ao acúmulo de secreções espessas no interior das estruturas brônquicas. No estudo de Santamaria et al a prevalência de impactações brônquicas foi de 63% (20) Observou-se que nos trabalhos de de Jong (18) e Oikonomou (80) , a frequência de impactações brônquicas foi de 79% e 72%, respectivamente. No nosso trabalho, elas foram observadas apenas em 13 indivíduos dos 35 (37,14%), resultado que se aproxima daquele descrito por Maffessanti et al., que demonstraram a prevalência de impactações brônquicas de 36%, numa população bastante semelhante a do nosso trabalho, com média de idade de 13 anos (11). Em 1999, Bhalla et al também demonstra 39 prevalência parecida, mas, no seu estudo, não fica determinada a faixa etária da população avaliada (10). Observa-se uma grande variabilidade na literatura quanto a prevalência de colapso/consolidações, que na nossa amostra foi de 40%, ou seja, a quarta alteração mais freqüente (Tabela 3). Outras alterações observadas à TCAR no nosso estudo foram saculações (22,86%), e bolhas (2,86%). Em algumas séries, a prevalência de saculações e abscessos foram de 11%, e de bolhas de 8% (8). Enfisema não foi observado em nenhum paciente da nossa amostra. Bhalla et al detectou enfisema em apenas 1 paciente no seu estudo (10) . Poucos trabalhos iniciais na literatura descreveram o enfisema como achado à TCAR em pacientes com FC. Provavelmente o que foi descrito como enfisema, correspondia a áreas com padrão de perfusão em mosaico, que foram mais bem caracterizadas em estudos subseqüentes (13). Em geral, os resultados deste estudo no que se referem às alterações mais prevalentes à TCAR, em muito se aproximam aos dados da literatura (Tabela 3). Contudo, observa-se que mesmo as alterações mais prevalentes (Espessamento de paredes brônquicas, Bronquiectasias), não apresentam frequência acima de 60% nesta população. A grande variabilidade clínica na FC motivou o desenvolvimento de escores de avaliação de sua gravidade, os quais contribuem para caracterização e avaliação do curso da doença, retrata seu histórico, além das peculiaridades fenotípicas das diferentes populações. Os escores radiológicos e tomográficos são muito considerados e amplamente aplicados nos grandes centros de atendimentos a pacientes com FC (78). Em 1991, Bhalla et al propuseram um sistema semiquantitativo de escores para tomografia de tórax de pacientes com diagnóstico de FC, onde bronquiectasias, espessamento de paredes brônquicas e impactações mucóides eram avaliados quanto a sua extensão e gravidade, observando-se também presença de enfisema, bollhas, colapso/consolidação (10) . Através de um estudo retrospectivo, TCAR de 14 pacientes com diagnóstico de FC foram classificadas segundo estes escores e comparadas com parâmetros clínicos e testes de função pulmonar. A metodologia de observação das tomografias sugerida por Bhalla et al é amplamente utilizada como base para 40 adaptação e criação de novos escores para tomografia. Contudo, no seu trabalho, não foi possível determinar correlações dos aspectos avaliados à TCAR com TFP. Maffessanti et al avaliando prospectivamente uma amostra de 36 indivíduos com FC, média de idade de 13 anos, utilizou um sistema de escore, baseado na proposta inicial de Bhalla, porém dividindo o pulmão em quatro regiões (superior e inferior, direta e esquerda) (11) . Esse trabalho demonstrou correlações significativas entre escores de TCAR e TFP, avaliados através do VEF1, CVF e pela relação VEF1/CVF, sendo a melhor aquela relacionada com o VEF1 (r=0,658; p< 0,0001). Nosso estudo conseguiu demonstrar excelentes correlações dos escores totais de TCAR com o VEF1 (r = 0,7808; p<0,000003), que é considerado um importante marcador de gravidade e progressão da doença, e o mais forte preditor clínico de mortalidade na FC (80). Dorlochter et al, avaliando 17 pacientes com mediana de idade de 12 anos, demonstraram nível de correlação bastante semelhante ao do nosso estudo (94) . Em geral, na maioria dos trabalhos onde foi estabelecido este tipo de correlação, foram encontrados resultados satisfatórios, com níveis de correlações moderadas e boas (Tabela 4). Uma correlação menos robusta foi determinada quando o escore de tomografia foi correlacionado com a CVF (r=0,511; p<0,001). Na literatura existe uma tendência a se observar níveis de correlação moderadas e boas quando estas variáveis são relacionadas. Uma possível explicação para os nossos resultados é que este parâmetro de função pulmonar denota um estágio mais avançado de doença, com comprometimento estrutural pulmonar mais acentuado, o que não se abserva na nossa amostra, onde 20% dos pacientes tinham TCAR nornal (escore = 27). Poucos estudos na literatura correlacionaram escores de tomografia com o FEF25-75% (Tabela 4), e em geral, os resultados são bastante divergentes. No nosso trabalho, foi estabelecida uma boa correlação (r=0,6981; p<0,0001), refletindo uma população jovem, com expressão inicial da doença pulmonar. Em 1998, Santamaria et al num estudo prospectivo com 30 pacientes, demonstraram moderadas correlações entre escores totais de TCAR e TFP em pacientes com FC. Porém, não foi possível demonstrar boas correlações de aspectos isolados observados à TCAR com os TFP (20). A capacidade de detectar alterações em localizações lobares ou mesmo segmentares, e o fato dos TFP refletirem a função 41 global pulmonar, justificariam estes achados. Quando alterações descritas à TCAR são, de forma isolada, correlacionadas com TFP, observamos que com o VEF1, foi possível estabelecer correlações moderadas e boas com praticamente todos os parâmetros avaliados, notadamente com o padrão de perfusão em mosaico (r=0,7361; p<0,001), com as impactações brônquicas (r= -0,7205; p<0,001), e com a extensão das bronquiectasias (r= -0,7055; p<0,001). Correlações semelhantes foram descritas em pelo menos três outros trabalhos, observando-se, entretanto, que os nossos resultados se aproximam daqueles publicados por Oikonomou et al (80) (Tabela 5). Por outro lado, quando consideramos a CVF (Tabela 6), nota-se que apenas o padrão de perfusão em mosaico correlacionou-se de forma moderada com a CVF (r= 0,5787; p<0,0002). O FEF25-75% apresentou correlações moderadas com pelo menos seis das alterações estruturais descritas à TCAR (Tabela 7). Poucos trabalhos na literatura correlacionaram alterações tomográficas isoladas com a CVF e o FEF25-75% em pacientes com FC. Nossos resultados se aproximam dos resultados de Helbich et al (13) , quando a CVF é considerada, porém trazem dados novos à literatura quando o FEF25-75% é analisado, já que praticamente nenhum trabalho estabelece tais relações, e com os níveis de resultados alcançados. Em 2004, de Jong et al, realizaram um estudo prospectivo na Holanda (18) , cujo objetivo era comparar os sistemas de escores para TCAR em pacientes com FC, dentre eles, o de Bhalla et al (10) , Helbich et al sistemas de escores apresentam uma (13) . Este trabalho mostrou que esses pequena variabilidade inter e intra- observadores, indicando que são seguros e reprodutíveis. Em nosso estudo a variabilidade inter-observadores, avaliada através coeficiente de correlação, mostrouse excelente num primeiro momento da observação. Após um intervalo de três meses, a variabilidade intra-observador foi revisada, sendo possível demonstrar um alto coeficiente de concordância. Além disso, o estudo de Jong provou a existência de excelentes correlações dos escores totais de TCAR com o FEF25%-75%, independente do sistema de escores para tomografia aplicado. Definiu-se também que estes escores apresentam correlações moderadas com o VEF1, CVF e com a relação FEV1/CVF. Os resultados deste trabalho em muito se assemelham com os nossos dados, notadamente nas 42 relações dos escores de TCAR com os TFP. Contudo, nesse artigo, não foram demonstradas as correlações de achados tomográficos específicos com TFP. A função pulmonar tem sido tradicionalmente considerada como padrão ouro para monitorar pacientes com FC. Contudo, ela representa uma avaliação indireta do dano estrutural pulmonar, que pode, inclusive, nas fases iniciais, preceder alterações nos TFP (2,11,18,95,96) . Alguns centros de FC têm associado à TCAR com TFP para avalição periódica dos pacientes (97) . Brody et al, em 2005, sugeriram um sistema de escores para avaliar a progressão da doença pulmonar em crianças após exacerbações (81) . Nesse trabalho foi possível demonstrar que as alterações observadas à tomografia, mensurados através de um sistema de escores, apresentam boas correlações com o número de exacerbações do trato respiratório num intervalo de 2 anos. No entanto, não foi possível determinar boas correlações dos TFP com o número de exacerbações no mesmo período. Foi o primeiro trabalho que conseguiu demonstrar o valor da tomografia como um verdadeiro marcador da evolução da doença. Em 2006 esse grupo conseguiu demonstrar a reprodutibilidade deste escore, bem como sua sensibilidade para variabilidade da doença pulmonar (82). Num recente trabalho, de Jong et al estudaram 48 crianças com FC na Holanda através de TCAR e TFP, com objetivo de avaliar alterções da estrutura e função pulmonar num espaço de tempo de dois anos (95) . O grau de evolução da doença pulmonar observada à TCAR nestes dois anos não foi observada nos TFP; ou seja, não houve uma piora progressiva nos TFP. Estes dados apontam para o reconhecimento da TCAR como um método diagnóstico mais sensível para acompanhamento de pacientes com FC, já que se trata de uma doença de curso progressivo. de Jong et al demonstraram que, em crianças e adultos, as tomografias realizadas de forma periódica para monitorização de pacientes com FC apresentaram crescente piora, e que o mesmo não foi observado nos TFP, que se mantiveram estáveis, ou apresentaram lento agravamento (98). Alguns centros para acompanhamentos de pacientes com FC na Alemanha e na Suíça (98) (8) preconizam uma avaliação por TCAR a cada dois e três anos, respectivamente. O racional desta iniciativa é detectar alterações iniciais, muitas vezes não observadas através do VEF1, considerado como padrão ouro para o monitoramento da evolução da doença pulmonar na FC (8,98) . Esta perspectiva sinaliza para a utilização da TCAR como exame de rotina para acompanhamento destes 43 doentes. A possibilidade de instituir tratamento mais agressivo quando, precocemente a doença é detectada, proporcionaria uma melhor sobrevida dos pacientes (17,99) . Exames de TCAR com doses baixas de radiação poderiam representar uma forma alternativa de se avaliar pacientes com maior segurança (100,101) . Brody et al, sugeriram uma possível redução da dose de radiação de mais de 85% aumentando o intervalo entre os cortes de 10 para 15 mm (102). Outro estudo com este objetivo realizou apenas seis cortes em níveis pré-determinadas do pulmão; contudo, a grande variabilidade da distribuição da doença pulmonar nos diferentes lobos faz com que esta técnica limite a real avaliação da extensão do comprometimento pulmonar (103) . Contudo, tratando-se de uma doença onde foram observados grandes avanços terapêuticos, o risco de desenvolver câncer associado à radiação aumenta com a melhora da sobrevida, que era de 1 ano em 1940 e de 35 em 2004 (79) . Todos os esforços devem ser dirigidos no sentido de reduzir a dose de radiação; de Jong et al em 2006 demonstrou que a avaliação anual de pacientes com FC por tomografias com baixas doses de radiação pode aumentar mortalidade relacionada à radiação de forma discreta (99) . Portanto, outros trabalhos que demonstrem o impacto na redução da radiação trarão maiores subsídios para que a TCAR seja cada vez mais utilizada no acompanhamento dos pacientes. 44 5.1 Considerações finais A possibilidade de avaliar a evolução da doença pulmonar nos pacientes com FC, permitiu que novas intervenções terapêuticas fossem agregadas ao tratamento desta doença, o que determinou uma melhora significativa da sobrevida nos últimos vinte anos, mesmo no Brasil. Ainda hoje o diagnóstico da FC sucinta muita dúvida, tendo em apreço a grande variabilidade clínica de sua apresentação, justificada pelo grande número de mutações identificadas no seu gene. O estudo de uma população miscigenada agregou ao nosso trabalho uma perspectiva de trazerem dados ainda não descritos na literatura da América Latina em relação à FC. As boas correlações encontradas entre escores de tomografia com testes de função pulmonar, sugerem que, nesta população, a monitorização da progressão da doença pulmonar poderia ser realizada por tomografia ou pela função pulmonar. A reavaliação futura destes pacientes poderá trazer contribuições no sentido de validar as observações derivadas do presente estudo. 45 6 CONCLUSÃO As alterações tomográficas mais prevalentes nesta população foram o espessamento de paredes brônquicas, as bronquiectasias e o padrão de perfusão em mosaico. Uma forte correlação foi estabelecida entre escores totais de TCAR com o VEF1; o FEF25%-75% apresentou uma boa correlação com os escores de TCAR, o mesmo não se observando com a CVF. Aspectos avaliados de forma isolada à TCAR também apresentaram boas correlações com o VEF1 e com o FEF25%-75% . Os resultados deste trabalho sugerem que tanto a tomografia quanto a função pulmonar podem ser utilizadas como marcadores para o acompanhamento de pacientes com FC, no nosso meio. 46 7 ANEXOS Anexo 1 – Projeto de pesquisa, submetido à aprovação do Comitê de Ética Médica da UNIFESP 47 Anexo 2 – Carta de aprovação do Hospital Octávio Mangabeira 48 Anexo 3 – Informções gerais dos pacientes Pacientes Idade Sexo Cor Escore TC VEF1 CVF FEF25%-75% 01 6 M ñ-branco 26 88 85 73 02 7 M ñ-branco 20 82 94 50 03 20 M branco 8 38 42 18 04 15 M ñ-branco 23 82 100 42 05 8 M ñ-branco 23 82 78 80 06 9 F ñ-branco 25 50 75 21 07 7 M ñ-branco 23 92 82 108 08 10 F ñ-branco 10 49 44 61 09 11 M ñ-branco 13 45 66 19 10 10 M ñ-branco 14 67 66 49 11 10 F branco 8 45 94 37 12 24 M branco 11 28 37 9 13 24 M ñ-branco 11 41 59 49 14 6 M ñ-branco 27 115 112 97 15 11 M ñ-branco 12 27 24 22 16 10 M ñ-branco 24 73 73 59 17 9 F branco 24 88 86 68 18 6 M ñ-branco 27 70 76 48 19 7 F ñ-branco 24 86 83 67 20 11 M branco 21 66 71 45 21 8 M ñ-branco 27 102 99 81 22 6 F branco 26 82 73 104 23 10 M branco 27 101 94 91 24 9 M ñ-branco 22 72 70 67 25 8 F ñ-branco 27 86 78 96 26 9 M ñ-branco 23 73 84 28 27 9 M branco 16 57 101 8 28 13 F ñ-branco 26 90 83 82 29 25 M ñ-branco 13 71 88 29 30 13 F ñ-branco 21 89 91 47 31 6 M branco 27 91 82 105 32 11 M ñ-branco 15 71 71 63 33 10 F ñ-branco 22 106 97 95 34 14 M ñ-branco 27 112 106 98 35 25 M ñ-branco 7 31 47 13 M = masculino; F = feminino; ñ = não; TC = tomografia computadorizada; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF = capacidade vital forçada e FEF25%-75% = fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada. 49 8 REFERÊNCIAS 1. 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After an interval of three months, the radiologists made a second read for definition of intra-observer concordance. Results: Peribronchial wall thickening (57.14%), bronchiectasis (54.28%) and mosaic perfusion (51.43%) were the most frequently tomography finding in this population. A strong correlation was established between total scores of HRCT and FEV1 (r = 0.7808, p <0.0001). The FEF25% -75%had a good correlation with the scores of HRCT (r = 0.6981, p <0.00001), but not with FCV (r = 0.511, p <0.001). When evaluated separately, structural changes described by HRCT, also show good correlation with the FEV1 and with FEF25%-75%. The inter and intra-observers agreements were also excellent. Conclusions: The HRCT findings most common in this population were peribronchial wall thickening, bronchiectasis, and mosaic perfusion. A strong correlation was established between total scores of HRCT with FEV1 and FEF25%-75%, but not with FCV. Structural changes described by HRCT, also show good correlation with the FEV1 and FEF25%-75%. Our results suggest that either HRCT or PFT can be used to follow CF patients in this population. Bibliografia consultada Colton T. Statistics in Medicine. 1st ed. Boston: Little, Brown; 1974. Conselho Nacional de Estatística. Normas de apresentação tabular. Rev Bras Estat 1963; 24:42-8. Ferreira ABH. Novo Dicionário Aurélio Século XXI [online]. São Paulo: Lexicon Informática; 2007. Disponível em URL: http://www2.uol.com.br/aurelio/index/html Houaiss A, Villar MS, Franco, FMM. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva; 2001. International Commitee of Medical Journal Editors. Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journal. Ann Intern Med 1997; 126:36-47. Neter J, Wasserman W, Withmore GA. Applied statistics models. 4th ed. Irwin: Allyn & Bacon; 1996. 453p. Rother ET, Braga MER. Como elaborar sua tese: estrutura e referências. 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