PASTAGENS NO ECOSSISTEMA DE CLIMA SUBTROPICAL Carlos
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PASTAGENS NO ECOSSISTEMA DE CLIMA SUBTROPICAL Carlos
PASTAGENS NO ECOSSISTEMA DE CLIMA SUBTROPICAL 1 Carlos Nabinger Paulo César de Faccio Carvalho2 3 Miguel Dall’Agnol 1. Introdução. A região subtropical brasileira está limitada ao norte pelo trópico de 0 capricórnio (24 S), que cruza o norte do Paraná e o Sul de São Paulo e ao sul pelo extremo sul do Rio Grande do Sul, na divisa com o Uruguai. Compreende, portanto, principalmente os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A tradição pecuarista no sul do Brasil teve início com a colonização daquela região, onde os campos naturais ofereciam o adequado suporte para o desenvolvimento desta atividade, em especial no RS, e que aos poucos foi se alastrando para a região dos campos limpos de SC e PR. No RS e PR, as pastagens naturais ainda representam a base da exploração pecuária. E assim deverá continuar, ao menos no que diz respeito ao rebanho bovino e ovino de corte de cria, não só por razões econômicas, mas também ambientais. Em que pese o avanço da pesquisa relativa à utilização deste recurso natural, que tem demonstrado um potencial produtivo não imaginado no passado recente, muito ainda necessita ser feito para o melhor entendimento de suas respostas às alterações nos fatores de produção. Além do mais, este recurso representa uma fonte de germoplasma forrageiro sem par em todo o mundo e que é ainda muito pouco estudado quanto a suas diferentes aptidões para formar pastagens cultivadas ou mesmo para outros usos (paisagismo, lazer, recreação, etc...). Por outro lado, nas últimas décadas, a produção de grãos passou a assumir papel de destaque na economia da região, notadamente no Paraná e Rio Grande do Sul. A intensificação da lavoura de soja no RS a partir dos anos 70 e, sobretudo do binômio trigo-soja, inicialmente baseada no preparo convencional do solo, propiciou o início de grandes processos erosivos, com depauperação dos solos e assoreamento dos mananciais hídricos. Este quadro passou a ser parcialmente revertido com a melhor sistematização da sucessão trigosoja, que determinou, além do melhor uso de práticas conservacionistas, a utilização de apenas um terço da área com trigo. O restante passou então a ser ocupado, idealmente, com culturas de cobertura, basicamente aveia. Posteriormente, com o advento da semeadura direta, esta prática revelou-se ainda mais eficiente e ensejou,a reintrodução da pecuária durante o inverno para aproveitamento das áreas cobertas com culturas de proteção como aveia, agora também consorciada com azevém. Embora ainda encontrando resistência por parte de muitos produtores, a prática da integração com pecuária, tem ganhado espaço, sobretudo no Paraná, revelando mais uma alternativa de uso de pastagens, com benefícios mútuos para a lavoura e a pecuária. Desta forma, a produção pecuária (bovinos e bubalinos de corte e leite, ovinos e eqüinos) na região não é mais baseada quase que exclusivamente no recurso pastagem natural, mas também envolve sistemas mais 1 Eng. Agr., Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS. E-mail: [email protected] 2 Zoot., Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrom eteorologia da UFRGS 3 Eng. Agr., PhD, Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS complexos, sobretudo para a recria e a terminação. A integração lavoura-pecuária, que antes somente era praticada de forma pouco intensiva nas áreas de produção de arroz irrigado no Rio Grande do Sul, também passa a ser uma alternativa importante em todos os estados do sul. Soma-se a isso, também outros sistemas como é o caso dos sistemas silvipastorís. Disto decorrem demandas diferenciadas para a pesquisa, que necessitou adotar uma visão mais holística dos diferentes sistemas pastoris, mas sem perder a capacidade analítica e explicativa dos fenômenos que conduzem à produção de pasto, sua utilização pelos animais e o efeito destes sobre o solo e sobre o rendimento subseqüente da pastagem e das culturas de grãos, quando é o caso. Disto decorre demandas diferenciadas para a pesquisa, que necessitou adotar uma visão mais holística dos diferentes sistemas pastoris, mas sem perder a capacidade analítica e explicativa dos fenômenos que conduzem à produção de pasto, sua utilização pelos animais e o efeito destes sobre o solo e sobre o rendimento subseqüente da pastagem e das culturas de grãos, quando é o caso. Após consolidar uma fase de enfoque mais produtivista num passado recente, houve avanços dentro de um novo prisma mais analítico-explicativo, no qual não se pretende simplesmente quantificar o potencial do pasto, mas explicar e entender o funcionamento dos fenômenos que determinam a realização ou não daquele potencial. Isto decorreu fundamentalmente de dois processos: i) da necessidade de robustez do conhecimento gerado, não somente com aplicação na região ou condições específicas e, portanto, limitado, mas inserido em leis maiores de funcionamento do Ecossistema. A maturidade científica adquirida indicou a necessidade de avanço no conhecimento da origem dos processos; ii) de novas demandas da sociedade. Segurança alimentar é uma exigência atual de sociedades de países desenvolvidos e já se encontram vários nichos aparecendo no mercado. O recurso pastagem é um substrato incomparável para agregação de valor a produtos oriundos dos ruminantes domésticos e outros. Portanto, não basta mais produzir a qualquer preço, mas há que se produzir em um ambiente ecologicamente aceitável e com reflexos sócio-econômicos mensuráveis. E a pesquisa terá de definir estes limites. Esta forma de abordagem do problema forrageiro passou necessariamente pela melhor conceitualização e entendimento da interação solo-clima-planta-animal, conforme já propunham Moraes et al. (1995). Na presente abordagem, enfocaremos os aspectos conceituais envolvidos nestas relações, aplicando-os, posteriormente, às principais linhas de pesquisa que, em nosso entender, deveriam nortear as ações de pesquisa na região, isto é, focando nos grandes recursos atualmente disponíveis: a pastagem natural, os sistemas integrados com a lavoura ou mesmo a integração silvo-pastoril, finalizando com aspectos ligados aos processos de identificação e obtenção de germoplasma superior e à produção de sementes. 2. O produto animal visto como resultado da relação solo-clima-planta-animal O modelo conceitual desta forma de abordagem da pesquisa com pastagens toma como base o modelo proposto por Lemaire e Chapmam (1996), modificado por Cruz e Boval (2000) e adaptado por Freitas (2003). Este modelo, representado na Figura 1, baseia-se na hipótese de que os recursos tróficos disponibilizados pela natureza (CO2, N, água, radiação solar e temperatura) ou pela ação de manejo (adubação, irrigação) alterem as características morfogênicas do pasto, que por sua vez alteram as características estruturais do mesmo, condicionando a carga animal e o comportamento ingestivo dos animais em pastejo. Não obstante, deve-se considerar que tais alterações se dão de forma complexa e dinâmica, influenciadas, também, por outros fatores, como o manejo da desfolha, que se constitui no fenômeno principal de conexão entre o pasto e o animal. As variáveis do comportamento ingestivo são dependentes das características estruturais e influenciam o desempenho individual dos animais em pastejo. As características morfogênicas, por sua vez, determinam a capacidade de suporte da pastagem. Quanto maiores forem as taxas de elongação e surgimento de folhas e o tempo de duração da vida da folha, mais animais poderão ser colocados na pastagem na oferta de forragem ótima, ou seja, maior será a capacidade de suporte da mesma. PRODUÇÃO ANIMAL POR ÁEREA VARIÁVEIS AMBIENTAIS Temperatura, N, água, etc.. Animais por área Elongação da folha Tamanho da folha Elongação do colmo/estolão Aparecimento de folhas Densidade de colmos/estolões Duração da folha Folhas vivas/haste CARACT. Carga animal MORFOGÊNICAS (capac. Suporte) Produção por animal Desempenho individual Profundidade do bocado CARACT. ESTRUTURAIS Taxa de bocado Comportam. ingestivo Busca e apreensão Qualidade da luz IAF Freqüência e intensidade da desfolha Tempo de pastejo Figura 4. Modelo conceitual das relações planta-animal (adaptado a partir de Lemaire e Chapmann, 1996, Cruz e Boval, 2000 e Freitas, 2003). Portanto, o conhecimento analítico do processo de construção da produção do pasto (Nabinger, 1997; Nabinger e Pontes, 2001) e o processo de colheita da forragem em pastejo (Carvalho et al., 1999; Carvalho et al., 2001) são fundamentais para se avançar no entendimento das relações causa-efeito entre plantas e animais. A conexão longínqua entre a produção do pasto e a produção animal é suficiente apenas para se definir patamares de potencial de produção secundária, mas pouca agrega para o conhecimento dos processos e fenômenos envolvidos. Somente com esses últimos é possível avançar cientificamente e propor bases de manejo efetivamente sólidas. O conhecimento das respostas das diferentes forrageiras às variáveis ambientais não controladas é o primeiro passo para o entendimento do seu potencial. Pressupõe uma primeira fase em que os fatores controláveis (água e nutrientes) são disponibilizados em níveis ótimos. É desta forma que se pode modelar as respostas de diferentes genótipos forrageiros às variações nas condições de temperatura, radiação solar e fotoperíodo, quanto às suas variáveis morfogênicas (taxa de elongação de folha e de estolões, taxa de surgimento de folhas e duração de vida da folha), e assim explicar as variações no ritmo de acúmulo de forragem, o qual deve ditar o ritmo de utilização pelos animais. Estas variáveis também são explicativas da formação do IAF, através das variáveis estruturais (número de folhas vivas por haste, densidade de colmos ou estolões e tamanho final da folha), e por esta razão, responsáveis pela interceptação da luz, fonte primária de energia para o crescimento da planta. Muitos trabalhos tem sido recentemente conduzidos nesta ótica (Cruz, 1998; Scheffer-Basso et al, 1999a; Scheffer-Basso et al, 1999b; Silva et al., 2001; Nabinger et al, 2001; Pontes et al, 2003; Eggers et al., 2004; para citar alguns), revelando novas bases para a compreensão do processo de acúmulo de biomassa e das relações de competição de diferentes genótipos quando em misturas simples (consorciações) ou mesmo fazendo parte de sistemas mais complexos como a pastagem natural e os sistemas silvopastorís. Além do mais é fundamental para embasar as decisões sobre freqüência e intensidade da desfolha A partir do conhecimento das características estruturais, da pastagem tornase possível avançar na elaboração de modelos de resposta aos fatores do meio, como é o caso do IAF. O determinismo da taxa de emissão de folhas, do seu tamanho, da duração de vida das mesmas e da taxa de perfilhamento é a base conceitual dos modelos de evolução do IAF. Esta evolução pode então ser modelada, assim como a eficiência com que a radiação incidente é utilizada (eficiência de interceptação e eficiência de utilização), desde que se determinem alguns parâmetros de modelos consagrados tal que o coeficiente de extinção da luz (k), o que pode ser facilmente obtido através do balanço da radiação (Nabinger, 1997, Nabinger,1988). Obtêm-se, assim, modelos potenciais de acúmulo de biomassa aérea, que se de pouca importância prática para os sistemas produtivos que geralmente trabalham em níveis limitantes de água e nutrientes, são fundamentais para nortear e balizar a pesquisa que, a partir daí, deverá incluir como fonte de variação a variabilidade dos fatores controláveis, água, nutrientes e a desfolha. Foi desta forma que foram desenvolvidos modelos de acúmulo potencial de forragem para azevém (Lolium multiflorum) (Viegas 1998; Viegas et al, 1999), Paspalum notatum (Costa et al, 1997a; Costa et al 1997b), Desmodium incanum (Spannemberg et al., 1997a; Spannemberg et al., 1997b) e aveia (Alves, 2001), por exemplo. Além de estabelecer os limites superiores de produção, esta abordagem tem permitido eliminar certos paradigmas produtivos que, por exemplo, “condicionavam” a produtividade do azevém em cerca de 6 t MS/ha, ou de que espécies nativas não respondem à adubação. Estes modelos demonstraram, que azevém pode produzir mais de 12 t MS/ha na sua estação de crescimento e que P. notatum, tem potencial para produzir mais de 14 t MS/ha ao longo do ano. O passo seguinte (ou mesmo concomitante) é a verificação do efeito da desfolha, e os conseqüentes efeitos sobre a produção animal. Boggiano et al. (2001) Freitas (2003) e Pontes et al. (2003 e 2004) demonstram bem a aplicação desta filosofia de pesquisa. Igualmente importante é o conhecimento das características morfogênicas de certas espécies em comunidades complexas como é o caso das pastagens naturais, para entender o processo de dinâmica da sucessão vegetal em resposta a fatores do meio e à pressão de pastejo (Eggers, 1999; Eggers et al, 2004, Cruz, 2001) ou outros fatores bióticos como o fogo (Trindade et al., 1999a e Trindade et al., 1999b) Dentre os avanços e consolidações do conhecimento nesta linha de pesquisa destacam-se: 1) A intensidade de pastejo é o principal determinante das características morfogênicas que caracterizam o tamanho da folha e, conseqüentemente, o IAF médio do dossel. 2) Quanto maior a intensidade de pastejo, a estrutura do pasto se mostra mais limitante ao processo de colheita de forragem pelo animal. 3) As características morfogênicas e estruturais do pasto são altamente dependentes da disponibilidade de nitrogênio. 4) O comportamento ingestivo dos animais indica o status nutricional dos mesmos Quando a intensidade de pastejo é alta e a estrutura do pasto é baixa, os animais pastejam em um ritmo maior, por mais tempo, se deslocam mais e de forma mais rápida, além de apresentarem um número de refeições menor, mas de maior duração.. 5) Ofertas de forragem muito elevadas também podem restringir a ingestão por um efeito estrutural do pasto. O intervalo de tempo entre dois bocados sucessivos aumenta consideravelmente quando a estrutura do pasto apresenta-se excessivamente alta, e com elevada dispersão de folhas na camada superior do pasto. Conseqüentemente, a velocidade de ingestão é penalizada pelo aumento de movimentos mandibulares de manipulação da forragem ingerida. 6) Estruturas de pasto que potencializam a produção primária e/ou secundária podem ser ilustradas por alturas de manejo do pasto tais como: azevém para ovinos (± 15 cm), azevém+aveia para bovinos (± 25 cm), milheto para ovinos (± 30 cm), tanzânia para ovinos (± 40 cm), mombaça para bovinos (± 90 cm). 2. O bioma Campos Sulinos: principal recurso forrageiro no extremo sul Mesmo que reconheçamos que o atual bioma Campos é produto de cerca de quatro séculos de intervenção crescente do homem, ainda assim, a forma como ele se apresenta e sua capacidade de resiliência, tornam indispensável sua 4 5 manutenção, como forma de preservação do ambiente e da paisagem . Em termos de diversidade florística, nunca é demais lembrar que este bioma contém cerca de 400 espécies de gramíneas forrageiras e mais de 150 espécies de leguminosas, sem contar as compostas e outras famílias (Boldrini, 1997). Isto é um patrimônio genético fantástico e raramente encontrado em outros biomas pastoris do planeta. Além disso, ainda guarda uma fauna extraordinária, na qual incluem-se inclusive abelhas melíferas nativas, um sem número de pássaros, 4 Conservação da água (nascent es), do solo (fertilidade, erosão e assoreamento de mananciais), da flora tanto forrageira com outras espécies importantes associadas ao campo, da fauna (incluindo micro e mesofauna). 5 Em muitas regiões a fisionomia de campo caract eriza paisagens de alto potenci al turístico, como, por exemplo, os Campos de Lages, em SC e os Campos de Cima da Serra, Serra do Sudeste e parte da Campanha no RS. mamíferos, etc... Acrescente-se a isto o fato de muitos rios importantes da região terem sua origem nas condições de campo. São poucas regiões no mundo que apresentam uma diversidade de espécies campestres como as encontradas no subtrópico brasileiro. Se, além das gramíneas, associarmos a estas outras famílias com exemplares campestres também numerosos como as compostas, ciperáceas e outras, teremos um número, em termos de biodiversidade, que ultrapassa o total de espécies vegetais encontradas nas florestas tropicais úmidas (Duncan e Jarman, 1993). De acordo com Boldrini (2002) existem, neste bioma, cerca de 3000 espermatófitas campestres. Esta riqueza florística traz um fato pouco comum ao registrado no restante do mundo que é a associação de espécies C4, de crescimento estival, com espécies C3, de crescimento hibernal. A presença das espécies de inverno e a freqüência com que estas ocorrem está associada às condições de latitude, altitude, fertilidade do solo e, sobretudo ao manejo do pastoreio. Sem entrar no detalhamento das diferenças que as condições de clima e solo determinam no potencial da pastagem natural de diferentes sub-regiões do sul do país, a pesquisa local tem demonstrado que existem possibilidades de intensificação da exploração deste recurso, capazes de assegurar níveis de renda na pecuária de corte que justificam, no mínimo uma maior reflexão antes de qualquer decisão concernente à sua substituição. A Figura 2 nos dá uma idéia aproximada do que seriam as principais formações campestres do Sul do Brasil pelo menos até meados do século passado. C. GROSSOS CAMPOS DE ALTITUDE C. MISTOS SAVAN AS D A SERRA DO SUDESTE C. FINOS Figura 2. Representação simplificada das principais formações campestres do sul do Brasil. Globalmente, as pastagens naturais desta região apresentam uma grande diversidade estrutural, com predominância de gramíneas e relativamente baixa participação de leguminosas. Do ponto de vista funcional, se observa uma grande variabilidade do nível de produtividade, tanto no tempo como no espaço. No tempo as variações de produtividade são determinadas pela variação estacional do clima. Entretanto, a resposta de uma comunidade vegetal é determinada, essencialmente, pela coexistência de dois grupos de espécies adaptadas aos climas subtropicais (espécies com metabolismo C 3 e C4). A dominância relativa destas espécies, numa dada comunidade vegetal, é que determina a sua capacidade de crescimento, ao longo das diferentes estações do ano, definindo o equilíbrio da produção anual de forragem. No espaço a produtividade forrageira destas comunidades vegetais, está extremamente relacionada às características físicas e químicas dos solos, associados, por sua vez, aos grandes grupos de solos, como também ao relevo e à continentalidade. Estes fatores edafo-climáticos determinam grandes variações na composição botânica e substanciais diferenças de produtividade em função da dominância de certas espécies, embora o manejo do pastoreio (carga animal, diferimento, limpeza), assim como dos outros fatores bióticos (adubação, sobressemeadura de espécies), sejam também um grande condicionante da composição florística que a pastagem pode apresentar. As pastagens naturais ainda representam a base da exploração pecuária no subtrópico brasileiro. Esta participação é mais importante no RS, cuja superfície de solo originalmente detinha 60% em cobertura de pastagens naturais e que reduziu esta participação para cerca de 10,5 milhões de hectares até 1995. Esta redução começa a tornar-se preocupante, pois se considerarmos os 26 anos decorridos entre os censos de 1970 e 1996, a redução média foi de cerca de 134.000 ha por ano (Figura 3). 16000 AREA (1000 ha) 14000 12000 10000 8000 RS SC PR 6000 4000 2000 0 1970 1975 1980 1985 1996 ANO Figura 3. Evolução da área de campo nativo no estados do sul do Brasil, entre 1970 e 1996. (adaptado de IBGE, 1998). A linha sólida representa a regressão linear entre a área de campo nativo no RS e os anos, representando um decréscimo de 134.000 ha por ano. . A redução observada desde então é muito mais acentuada, tendo em vista a pressão exercida pelos altos preços da soja até recentemente, a qual tem avançado sobre as áreas de campo, independentemente das condições edafoclimáticas. Tais condições não recomendam o seu uso na maioria das atuais áreas de campo, cuja maior parte encontra-se em solos de classes de uso 4 e 5 (impróprias para cultivo anual). Soma-se a isto os recentes incentivos ao florestamento sobre as áreas de campo, inicialmente restrito aos Campos de Cima da Serra e Planalto Catarinense, mas hoje se deslocando para a região da Serra do Sudeste e da Campanha do RS. Coloca-se então a questão: tratando-se de um ecossistema tão importante como a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica, porque esta destruição/transformação não preocupa técnicos, governantes e a sociedade em geral? Porquê só recentemente (final de 2004) foi considerado oficialmente como um bioma (Bioma Campos Sulinos)? Além do mais, evidencia-se mais uma vez a incongruência de certas atitudes nacionais que, como no caso presente, desmata a Amazônia para formar pastagens e destrói as pastagens naturais do Sul do Brasil para formar florestas. O papel que este bioma representa para o equilíbrio ambiental da região é inquestionável, mas, por outro lado, é evidente que nenhum produtor pode pensar em ser o guardião do ambiente e da paisagem, sem ter o conhecimento da sua importância e uma mínima remuneração para tal. No entanto, a única remuneração que lhe é dada é pela venda do produto animal aí gerado. E, de um modo geral, esta remuneração é baixa e não contempla esta “guarda” do ambiente e da paisagem. Portanto, ainda que reconhecendo a importância do campo nativo na manutenção do equilíbrio ecológico em determinadas regiões do subtrópico brasileiro, é preciso admitir que a pressão econômica que se exerce em prol da eliminação/transformação deste bioma, só pode ser revertida se houver alternativas também econômicas que assegurem a permanência da atividade pecuária aí estabelecida. E isto sem levarmos em consideração os níveis de risco que as culturas de grãos trazem consigo quando esta produção se faz em regiões consideradas como marginais ou, no máximo toleradas, em função das condições climáticas em anos normais. Esta substituição das pastagens naturais tem assumido proporções gigantescas pelas razões seguintes: i) Baixa produtividade dos campos em função de sua má utilização em termos de carga animal (excesso ou deficiência), com decorrente baixo rendimento econômico; ii) Degradação dos campos, por excesso de carga animal ou uso do fogo; iii) Aumento das áreas de lavouras, especialmente de soja e de florestamento; iv) Aumento no plantio de pastagens cultivadas; v) Surgimento de técnicas de "melhoramento" do campo nativo mal concebidas e mal executadas, como por exemplo, a aplicação de herbicidas sem um conhecimento das realidades regionais. A eminência de desaparecimento de aproximadamente 49 espécies forrageiras nativas e o surgimento de "desertos" em alguns pontos do RS são exemplos claros de que a pastagem nativa é sensível a esta pressão atual. Esta sensibilidade está associada ao fato de que o impacto do pastejo em nosso bioma, sobre a biodiversidade, é muito maior que em outros biomas, como por exemplo, nos de clima árido e semi-árido. Esta assertiva está baseada no modelo de Milchunas et al. (1988) que apresenta a resposta de diferentes ecossistemas terrestres à ação do pastejo segundo duas dimensões: o histórico de co-evolução do ecossistema na presença de grandes herbívoros e o potencial do ecossistema em termos de produção primária (potencial de crescimento). Pequenas alterações na intensidade de pastejo nos ecossistema de clima sub-úmido e curta história de coevolução com a herbivoria, como é o caso do Bioma Campos Sulinos, implicam em fortes alterações em sua biodiversidade (Milchunas et al., 1988) e, conseqüentemente, em sua produção. De um modo geral, a biodiversidade aumenta em intensidades de pastejo moderadas e diminui em intensidades de pastejo muito altas ou muito baixas, sendo que a amplitude ótima para maior diversidade florística é bastante estreita. A desmedida utilização da pastagem, por meio de intensidades de pastejo excessivas, tem causado perda de cobertura vegetal, invasão de espécies indesejáveis, erosão do solo e impacto ambiental, o que coloca esta variável como sendo de impacto central no funcionamento do sistema. A b ase do modelo conceitual desta linha de pesquisa prevê que a intensidade de pastejo seja a variável chave no fluxo de nutrientes e na dinâmica da vegetação (vide fundamentação teórica a seguir). Nesta linha de pesquisa duas áreas temáticas se destacam: - dinâmica da vegetação (enfoque em resposta a distúrbio) Tendo o pastejo como principal distúrbio, esta linha procura identificar estratégias de plantas individuais e de grupos funcionais, principalmente em relação à ação do animal, procurando compreender os fenômenos de dinâmica vegetacional em pastagens de diferentes graus de heterogeneidade. O objetivo é o de estudar intensidades de pastejo adequadas e identificar características de plantas responsáveis à adaptação a diferentes ritmos de desfolha. Objetiva-se compreender de forma funcional os mecanismos que regem a dinâmica das espécies neste Ecossistema Pastoril. - processo de alimentação (enfoque em intensidade de uso) Sendo o animal em pastejo o agente central do Bioma Campos Sulinos, o processo pelo qual ele busca o alimento, o escolhe e usa os diferentes recursos disponíveis é fundamental na determinação do impacto que o mesmo tem sobre a sustentabilidade do sistema. A tentativa de compreensão do complexo processo de pastejo se dá frente a recursos de diferentes graus de heterogeneidade e intensidades de pastejo. O estudo dos processos de consumo e seleção de dietas é central para o entendimento dos processos que resultam nas respostas produtivas. Ainda, se considerarmos a importância que a ovinocultura teve em “moldar” a fisionomia da maioria das formações campestres do sul do país, o estudo de seus efeitos associados também necessita ser considerado neste tipo de estudo. - melhoramento do sistema pastoril (enfoque preservação e melhoramento) Características funcionais que venham a ser consideradas importantes devem definir grupos de plantas e estratégias potencialmente interessantes ao estudo e avaliação de interesse agronômico, e sendo objeto de trabalhos na área de melhoramento genético, com vistas à criação de novas cultivares, seleção de espécies nativas, ecótipos e biótipos. Fundamentação teórica Um modelo teórico das interações funcionais entre as planta e os herbívoros proposto por Duru e Hubert (2001) vem sendo testado em complemento ao modelo de Milchunas et al. (1988) e deve prover uma lista de espécies e características importantes para manejo e melhoramento do recurso forrageiro, conforme apresentado na Figura 4. Biodiversidade: Alta competição +/- - Limitede plasticidade pressão de pastejo Estratégias das espécies e características respectivas pressão de pastejo Estratégia para captura dos recursos Estratégia para pastejo tolerância ouescape + Invasoras Estratégia para conservação dos recursos + Estratégiapara acúmulo detecidos Baixa competição Status nutricional daforragem:crescimento Status nutricional daforragem:crescimento Figura 4. Modelo conceitual de resposta da vegetação a alterações na intensidade de pastejo e fertilidade (adaptado de Duru e Hubert, 2001). O modelo prevê que, em situações de baixa fertilidade e média intensidade de pastejo, várias espécies possam coexistir desde que sejam hábeis na conservação de recursos. Isto significa a possibilidade de coexistência de espécies de estruturas distintas, tais como, por exemplo, a grama forquilha (Paspalum notatum - acúmulo de reservas no rizoma) e a barba-de-bode (Aristida sp. - acúmulo de tecidos e nutrientes em torno da touceira). Em situações de baixa fertilidade e baixa intensidade de pastejo predominam espécies de baixo crescimento relativo, com típica estratégia de conservação de recursos, como a barba-de-bode e espécies do gênero Andropogon. Um elevado índice de duração de vida da folha também seria característica deste tipo de estratégia, como de fato foi reportado para Andropogon lateralis (Cruz, 1998). Já em situações de forte intensidade de pastejo, espécies com estratégias de escape ao pastejo predominam, como é o caso de gramíneas possuidoras de rizomas e ou estolões (e.g., Paspalum notatum, P. nicorae, P. lividum, P. pauciciliatum, Axonopus affinis, etc.). Nesta condição, a diversidade específica diminuiria, pois as espécies chegam ao limite de sua plasticidade. Um bom exemplo deste fenômeno é o capim-caninha (Andropogon lateralis). Em baixas intensidades de pastejo o capim-caninha chega a formar grandes touceiras e à medida que a intensidade de pastejo aumenta, as plantas começam a se apresentar com touceiras cada vez menores, observando-se mesmo plantas que assumem hábito prostrado. Em altas intensidades de pastejo esta espécie deixa de fazer parte do grupo das mais freqüentes e diminui fortemente sua participação porque não tem mais habilidade de alocar a sua zona de crescimento fora do alcance do animal. Portanto, a intensidade de pastejo e a fertilidade do habitat governam a resposta da vegetação, e a estrutura de uma pastagem é resultado de uma interação contínua entre a desfolha do animal e o crescimento da planta. Se a composição florística do campo se altera, assim como as características dos grupos funcionais presentes, isto significa que a presença de determinados grupos e respectivas características podem ser utilizadas como ferramentas de diagnóstico da resposta do meio a determinadas condições de manejo (Carvalho et al., 2000). Base teórica acumulada Uma sinopse do conhecimento científico acumulado até o momento pelos diferentes grupos de pesquisa demonstra que houve duas fases já fortemente consolidadas: i) Estudos básicos de caracterização botânica e citogenética ii) Definição do manejo e potencial produtivo de pastagens nativas. Dentre os avanços e consolidações de conhecimento em relação ao Bioma Campos destacam-se: 1) Trata-se de um meio que contém enorme diversidade florística: 600 espécies de Asteraceae, 400 de Poaceae, 150 de Fabaceae, totalizando cerca de 3000 espermatófitas campestres (Boldrini, 2002). 2) Gramíneas C4 predominam e são responsáveis pela forte variação estacional na produção e na qualidade da forragem (Boldrini, 1993, Nabinger et al., 2000). 3) Intensidades de pastejo moderadas (massas de forragem da ordem de 1400 kg MS/ha) potencializam a interceptação de radiação e a produção primária (Nabinger, 1998) 4) Intensidades de pastejo moderadas potencializam a produção secundária (ofertas de forragem de 12-13 kg de MS/100 kg PV/dia) (Maraschin et al., 1997; Maraschin, 2001), através da otimização do consumo (Pinto, 2003) 5) Quando comparado à produtividade média do campo nativo no RS, o uso de pressões de pastejo adequadas e diferenciadas conforme a estação do ano, permite triplicar a produção animal (Soares, 2002; Aguinaga, 2004). Quando se associa a isto uma fertilização adequada, a produtividade do campo nativo chega a 700 kg de PV/ha, considerando apenas o período de produção favorável (Gomes, 2000). 6) A diversidade de grupos funcionais é menor nos extremos de intensidade de pastejo, portanto intensidades moderadas promovem biodiversidade (GirardiDeiro e Gonçalves, 1987; Boldrini, 1993). 7) Altas intensidades de pastejo direcionam a vegetação para tipos prostrados, com predominância de mecanismos de escape ao pastejo. Em intensidades de pastejo moderadas observa-se a convivência de arbustos, gramíneas formadoras de touceira e espécies prostradas com diversidade de mecanismos de escape e de tolerância ao pastejo (Escosteguy, 1990, Boldrini, 1993). 8) Altas intensidades de pastejo diminuem a matéria orgânica, reduzem a taxa de infiltração de água, aumenta o solo descoberto e diminui a disponibilidade de nutrientes. (Bertol et al., 1998) 9) As pastagens nativas respondem positivamente à remoção de fatores limitantes, notadamente à fertilização (Barcellos et al., 1980; Gomes, 2000; Boggiano et al., 2001,). Além disso, nessas condições de solo corrigido, gramíneas e leguminosas C3 podem ser introduzidas por sobressemeadura ao campo natural preenchendo o vazio forrageiro de inverno, como tem sido demonstrado desde longa data (Scholl et al, 1976),. 10) Diferimento é necessário para um correto manejo (Nabinger, 1980; Nabinger, 2002) e pode representar uma excelente alternativa para acumular forragem para o período frio ou períodos de déficit pluviométrico (Moojen, 1991; Gomes, 2001; Guma et al., 2004), com resultados ainda mais positivos quando os animais são suplementados (Jacques e Nabinger, 2003). 11) O uso contínuo do fogo diminui a produtividade e a diversidade do sistema e compromete as condições físicas e químicas do solo. (Heringer e Jacques, 2002) 12) O método de pastejo tem pouco efeito na produção animal sendo a intensidade de pastejo a variável determinante. (Barcellos et al., 1988; Perin, 1990) 13) Várias são as espécies forrageiras com potencial para o melhoramento, em particular leguminosas nativas dos gêneros Desmodium, Adesmia, Trifolium, Stylosanthes, e gramíneas dos gêneros Paspalum, Bromus, Briza,e Stipa. 14) Ofertas de forragem variáveis ao longo do ano produzem mais do que ofertas de forragem fixas, uma vez que modificam a estrutura do pasto e a qualidade da oferta de forma positiva. (Soares, 2003; Aguinaga, 2004) 4. Sistemas integrados de produção animal e vegetal A integração da lavoura com a pecuária (ILP) como conceito tecnológico é tão antiga quanto a domesticação dos animais e das plantas. Vários países a utilizam, sendo que a combinação de atividades pode ser tão distinta quanto a diversidade dos sistemas de produção existentes. No Brasil, a ILP sempre foi bastante utilizada, em particular na abertura de fronteiras agrícolas. O sistema Barreirão é um exemplo disto. O que é novo, em termos de Brasil, é a aplicação desses conceitos de ILP em sistemas de plantio direto (SPD). Embora haja muitos paradigmas a respeito da entrada de animais em áreas de SPD (Moraes et al., 2002), observa-se forte crescimento na adoção da tecnologia de integração, particularmente no centro-sul do país, com particularidades distintas de cada região. No Cerrado o enfoque da integração está na rotação de culturas, recuperação dos solos e de pastagens degradadas. Já no sul do Brasil o enfoque tem sido também na rotação e diversificação, mas principalmente como alternativa de renda e utilização da terra nos períodos inter-lavouras de verão. Em que pese os diferentes enfoques, as benesses da ILP têm sido associadas invariavelmente à redução de custos, aumento da eficiência do uso da terra, melhoria dos atributos físicos e químicos do solo, redução de pragas e doenças, aumento de liquidez e de renda. O modelo conceitual proposto para esta linha de pesquisa apresenta a intensidade de pastejo, representada pelas alturas de manejo da pastagem, como uma variável fundamental e determinante da produtividade de um sistema de integração lavoura-pecuária (Figura 5). Figura 5. Modelo conceitual das relações solo-planta-animal num sistema de integração lavoura-pecuária em semeadura direta (Cassol, 2003). A meta de diferentes alturas é obtida através de ajustes na carga animal a que a pastagem é submetida. Isso é importante, porque diferentes alturas afetarão a massa de forragem ao longo do período de pastejo, através de modificações no índice de área foliar, ocasionadas pela maior ou menor capacidade de interceptação de luz. Alterações no processo fotossintético (interceptação da radiação solar), determinadas por variações na altura de manejo da pastagem, devem afetar a taxa de acúmulo de matéria seca e a quantidade de forragem disponível. Por outro lado, planta e animal competem pelo mesmo recurso, ou seja, as folhas. Assim, para a planta, a folha é o principal responsável pela fotossíntese, ao passo que, para o animal, a folha também é o componente mais importante para uma dieta adequada. Equilibrar as exigências da planta com as exigências do animal em termos de produção de forragem é um dos desafios a ser perseguido. Umas das principais limitações a uma maior utilização da ILP tem sido a preocupação apresentada pelos produtores em relação a possibilidade de compactação do solo por parte dos animais. A utilização de diferentes alturas de manejo da pastagem (em função de diferentes cargas como já comentado), pode contribuir para o estabelecimento de diferentes graus de compactação do solo. A densidade do solo é alterada pela pressão exercida sobre o mesmo (Baver et al., 1972). Uma maior intensidade de pastejo determina uma menor altura da pastagem, refletindo-se em redução da cobertura vegetal, aumento do tempo de pastejo dos animais em decorrência da menor ingestão de forragem e aumento do deslocamento dos animais na busca pela forragem. Dessa forma, numa pastagem manejada a menores alturas, o pisoteio animal, através do número de cascos por unidade de área, aumenta e, por conseqüência, determina uma maior probabilidade de ocorrer pressão do casco numa mesma área repetidas vezes ao longo do período de utilização da pastagem. Quanto maior a pressão exercida sobre a superfície do solo, mais facilmente ele tende a se comprimir, aumentando sua densidade e reduzindo seu volume (Gupta e Allmaras, 1987). Ao final do pastejo, são criadas situações distintas em termos de biomassa residual (aérea e radicular) que permanecerá sobre o solo e que servirá como base para a implantação da cultura subseqüente sob o sistema de semeadura direta. Quando o calcário é aplicado na superfície do solo em área anteriormente submetida ao pastejo sob diferentes alturas de manejo da pastagem, encontrará diferenças na biomassa residual e na condição física do solo, as quais poderão determinar uma dinâmica diferenciada desse produto no solo, quando comparado a uma condição exclusiva de lavoura. O resultado disso é que se criam diferentes ambientes para a implantação da cultura de verão que poderão influenciar positiva ou negativamente o seu rendimento, em razão de alterações nos atributos físicos e químicos do solo (reciclagem de nutrientes) promovidos pelo pastejo anterior. O rendimento de grãos da cultura de verão, somado ao desempenho animal, que tende a ser diferenciado nas diferentes alturas, devido à mudanças na quantidade e na qualidade da forragem ingerida e, conseqüentemente, na oportunidade de seletividade da forragem oferecida ao animal, determinarão a produtividade do sistema como um todo. Exemplos? Em síntese, percebe-se que alterações na carga animal ou na altura de manejo da pastagem irão interferir na produção animal e na produção vegetal (forragem e grãos), devido a efeitos diferenciados sobre as características físicas e químicas do solo. Dentre os avanços e consolidações de conhecimento nesta linha de pesquisa destacam-se: 1) As áreas não pastejadas na rotação produzem o mesmo que áreas pastejadas (Lustosa, 1998; Cassol, 2003; Lunardi, 2005). 2) Há muito pouca relação entre a massa de forragem ao final do ciclo de pastejo e o rendimento das culturas (Cassol, 2003). 3) Os animais não compactam o solo, quando utilizados em carga adequada e com um sistema de pastoreio correto. O efeito dos animais nas propriedades 4) 5) 6) 7) físicas do solo é, na maioria das vezes, insignificante. O que pode compactar o solo e trazer conseqüências negativas ao crescimento das plantas é o uso de lotações muito elevadas (Lustosa, 1998, Lunardi, 2005). Áreas com a presença de pastejo modificam positivamente a dinâmica do calcário aplicado superficialmente a lanço, observando-se maior presença de 2+ Ca trocável, em áreas submetidas a pastejo, tanto nas camadas superficiais quanto nas camadas mais profundas (Cassol, 2003). O método de pastejo usado no ciclo da pastagem não influencia o rendimento das lavouras. A intensidade de pastejo é que se constitui na principal variável de manejo que tem conseqüências sobre a lavoura em sucessão (Lunardi et al., 2004; Lunardi, 2005). A maior margem bruta é obtida em sistemas que integram lavoura e pecuária com intensidades de pastejo moderadas (Cassol, 2003). A utilização de leguminosas forrageiras no sistema pode representar uma importante contribuição para a cultura subseqüente (Assmann, 2002) 5. Seleção e melhoramento de plantas forrageiras A seleção e o melhoramento de plantas forrageiras também necessitam ser direcionados na mesma ótica apresentada nos itens anteriores. Ou seja, devem-se buscar materiais para condições específicas de uso e capazes de persistirem nos ambientes para os quais foram demandadas, além de serem capazes de utilizar de forma eficiente os recursos do meio. Assim, esta área da pesquisa deve atender demandas tão específicas como obter plantas com capacidade de persistirem em condições de concorrência com a pastagem natural (introdução de espécies por sobressemeadura) e sob pastejo, ou plantas cujo ciclo e características produtivas e bromatológicas permita utilizá-las com eficiência nos períodos inter-cultivos das lavouras para grãos, por exemplo. Novamente, o modelo conceitual representado na Figura 4 deve nortear a seleção das plantas desejadas assim como os programas de melhoramento genético devem buscar aquelas características pré-selecionadas, que garantam a função desejada, no meio específico onde será utilizada. Naturalmente, outras características de ordem fisiológica como, por exemplo, a tolerância à seca ou ao frio, a resistência a moléstias, tolerância ao alumínio, à capacidade de concorrência por luz, etc., também devem direcionar esta busca e, quando possível serem associadas às características morfogênicas. Com relação ao melhoramento genético de plantas, a tendência geral atual é a integração das técnicas clássicas com aquelas mais modernas da biotecnologia, levando-se em consideração as vantagens e limitações de cada uma delas (Dall’Agnol et al, 2005). Neste contexto, a tecnologia de marcadores moleculares pode contribuir significativamente para o conhecimento básico da cultura e do caráter estudado, além da geração e desenvolvimento de produtos melhorados (Ferreira e Grattapaglia, 1998). Estudos recentes, envolvendo modernas técnicas de biologia molecular, têm sido relatados, apontando para um rápido avanço em algumas áreas básicas, como a genética, por exemplo (Daurelio et al., 2004; Martínez et al, 2003; Pupilli et al., 2004; Spillane et al., 2004; Stein et al., 2004). A utilização de modelos conceituais que indiquem o tipo de planta desejada para uma utilização específica num ambiente específico, associado às modernas tecnologias de melhoramento disponíveis deve constituir a base dos programas nesta linha de pesquisa na região sub-tropical do Brasil. Esta é uma abordagem recente e que tem se aplicado, sobretudo, às espécies cultivadas exóticas como, por exemplo, trevo branco (tolerância à seca para maior persistência), trevo vermelho (resistência a moléstias e tolerância à seca), cornichão (resistência ao pastejo e doenças), alfafa (tolerância ao pastejo), aveias (produtividade e tolerância a moléstias) e azevém (precocidade, ciclo mais longo e resistência à ferrugem). No entanto, este avanço não tem sido traduzido na maior utilização de espécies nativas da região nos programas de seleção e melhoramento, especialmente as gramíneas dos gêneros Paspalum e Bromus e as leguminosas dos gêneros Trifolium, Adesmia e Desmodium. Tais materiais apresentam adaptação às condições de ambiente logicamente indiscutível e podem apresentar potenciais de resposta à melhoria das condições de solo ainda pouco estudadas. Sua utilização pode estender-se desde a reintrodução em pastagens naturais degradadas até a utilização como pastagens cultivadas. As vantagens em termos de produção animal, da inclusão de leguminosas em pastagens têm sido descritas em inúmeros trabalhos e revisões (Blaser, 1982; Peritz et al., 1980) e incluem o aumento na produção animal, como resultado do incremento nos níveis protéicos, da digestibilidade e do consumo da forragem disponível; melhoria na distribuição da produção da pastagem ao longo do ano; maior concentração de minerais, especialmente de cálcio, e aumento na fertilidade do solo pela adição de nitrogênio (N) ao sistema-solo-planta-animal. Mais recentemente, trabalhos apresentados nas Reuniões Anuais da SBZ também abordaram a importância das leguminosas, especialmente as tropicais, e da sua utilização nas regiões quentes (Spain e Vilela, 1990; Barcellos e Vilela, 1994). Em relação às leguminosas temperadas, revisões recentes abordaram o estado atual do conhecimento de leguminosas nas zonas de campos do cone sul da América do Sul (Dall’Agnol et al., 2002). Dentre as leguminosas estivais, o gênero Desmodium apresenta relevância indiscutível no sul do Brasil, especialmente D. incanum, embora também sejam destaque para condições específicas D. adscendens (solos mais úmidos), D. barbatum (solos arenosos) e D. uncinatum (regiões mais frias). Quanto ao gênero Trifolium, cabe destacar T. riograndense e sua capacidade de tolerância aos solos ácidos e ao frio e T. polymorphum, por sua persistência em condições de seca. Para o gênero Adesmia, A. latifolia, A.bicolor, A. ciliata e A. punctata são espécies que podem apresentar potencial para as mais diversas condições, além de apresentarem uma excelente qualidade da forragem produzida. Dentre as áreas de estudo prioritárias para estas espécies, podemos citar: caracterização da variabilidade genética, estudo das exigências em fertilidade do solo, problemas de colheita/beneficiamento de sementes, isolamento e seleção de rizóbios, fixação de nitrogênio em gramíneas e técnicas de manejo para a sua manutenção em áreas de campo nativo. Com relação às gramíneas, o gênero Paspalum ocupa um lugar de destaque entre as nativas, pois engloba o maior número de espécies e também, o maior número de espécies com bom valor forrageiro (Valls, 1987). A importância das espécies do gênero Paspalum como pastagens cultivadas vêm sendo evidenciadas por vários pesquisadores, os quais, na sua maioria, referem-se à variabilidade, tanto intra como interespecíficas, sugerindo ser a América do Sul o centro de origem e a diversificação da grande maioria das espécies desse gênero (Batista e Godoy, 1999). A maioria das espécies deste gênero é apomítica poliplóide, principalmente tetraplóide. No entanto, a maior parte das espécies apomíticas tetraplóides tem em contrapartida co-específicos sexuais, diplóides e auto-incompatíveis (Quarin e Normann, 1990). O gênero apresenta um total de vinte grupos taxonômicos (Barreto, 1974), dos quais os grupos Dilatata, Plicatula e Notata, dentre outros, são de grande interesse para a área subtropical. Nesta região convivem biótipos sexuais e apomíticos pertencentes ao grupo Dilatata, de três espécies: P. dilatatum, P. urvillei e P. pauciciliatum (Valls e Pozzobon, 1987). Por outro lado, o grupo Notata compreende espécies diplóides, tetraplóides e hexaplóides, com ocorrência de apomixia e de sexualidade. Várias espécies apresentam mais de um nível de ploidia (Valls e Pozzobon, 1987). O P. notatum tetraplóide é uma das espécies mais importantes nas pastagens nativas do sul do Brasil, Uruguai, nordeste da Argentina e sul do Paraguai (Quarin et al. 1984). Finalmente, dentro do grupo Plicatula, destacam-se P. plicatulum, P. guenoarum, P. yaguaronense, P. compressifolium, e P. atratum, todas tetraplóides, com exceção de P. yaguaronense que é hexaplóide (Takayama et al., 1998). De todas estas espécies, a única espécie com uma cultivar comercial liberado no Brasil, a partir de germoplasma nativo, é P. atratum, com a cultivar Pojuca. Com a finalidade de exemplificar o potencial para melhoramento genético e lançamento de cultivares, apresentaremos algumas informações pertinentes a duas das espécies que talvez apresentem um maior potencial para serem utilizadas imediatamente como cultivares comerciais em diferentes regiões do Brasil, P.notatum e P. dilatatum. Conforme Valls (1987), graças ao bom valor forrageiro e à rapidez de estabelecimento de uma densa cobertura do solo, inúmeros acessos de P. notatum tem sido incorporados a experimentos de cunho agronômico, havendo cultivares comerciais da espécie, algumas das quais pertencem à variedade saurae, eventualmente separada como espécie distinta. Essa espécie possui na sua região de origem variedades e ecótipos que merecem ser estudados sob ponto de vista de produção quantitativa e qualitativa da forragem, com a finalidade de verificar a viabilidade de utilização de novas forrageiras capazes de solucionar problemas de nutrição animal em cada região (Soares, 1977). Dentro dessa espécie, o ecótipo André da Rocha (Paspalum notatum var. notatum) tem-se mostrado muito promissor, destacando-se pelo maior porte, alta produção de forragem, bom valor nutritivo e excelente produção de sementes. Produz 14,4 t/ha de massa seca de forragem quando não há limitação de água e nutrientes (Costa, 1997). Já o P. dilatatum, conhecido como capim melador, é uma espécie que suporta desfolhação intensa, em virtude de possuir caules rasteiros e subterrâneos, que são protegidos do pastejo intenso e do pisoteio dos animais (Bennett, 1976). Além disso, uma característica excepcional das espécies de Paspalum, especialmente de P. dilatatum, é a sua tolerância à geada (Dall’Agnol e Gomes, 1987). Recentemente, Baréa (2005) constatou elevada tolerância do biótipo Virasoso à desfolhações sistemáticas durante doze meses, com total sobrevivência das plantas submetidas a cortes baixos (10 cm). Porém, um dos principias problemas para sua expansão é a baixa porcentagem de sementes cheias, atribuídas principalmente a fatores ambientais durante o florescimento e a ocorrência de Claviceps paspali (Garcia, 1971). Carâmbula (s.d.) ainda relata como principais atributos do capim melador, a resistência à seca e a solos alagados em função do seu sistema radicular extenso e profundo. Ainda dentro deste grupo, uma espécie muito próxima do capim melador e que também merece destaque é P. pauciciliatum. Segundo Araújo (1971) é uma forrageira muito palatável, agressiva e de bom rendimento, sendo digna de “entrar imediatamente na utilização de pastagens cultivadas”. Outra espécie também próxima a P. dilatatum é o P urvillei, que também merece atenção para seu uso como pastagem cultivada, principalmente devido à enorme variabilidade encontrada, provavelmente decorrente de seus cruzamentos com P. dilatatum. O uso de leguminosas tem aumentado em praticamente todos os sistemas de alimentação, especialmente nas áreas temperadas. Embora seja comum a avaliação de sistemas de produção em termos de eficiência técnica e rentabilidade, agora devemos dar atenção ao impacto ambiental desses sistemas, onde altas doses de fertilizantes nitrogenados não são mais aceitáveis em termos ambientais (Frame et al., 1998). Uma maior utilização de leguminosas abrange uma maior colaboração entre diferentes instituições, incluindo as pertencentes ao mesmo país. Além disso, áreas básicas de pesquisa como rizobiologia e fitopatologia, essenciais para o desenvolvimento de novas cultivares, deveriam ser ativamente incentivadas a serem incorporadas aos programas de melhoramento genético existentes (Dall’Agonol et al., 2002). Finalmente, as barreiras atualmente vigentes para o livre intercâmbio de germoplasma, mesmo as existentes dentro do próprio país de origem, deveriam ser revistas e modificadas para que um recurso genético tão valioso e diverso pudesse ser melhor aproveitado. 6. Considerações finais e perspectivas futuras. Inserida dentro do contexto de segurança alimentar, cada vez mais a produção animal a pasto passa a ser uma exigência dos principais mercados compradores. Mas não basta satisfazer apenas este tipo de demanda. A preservação ambiental e os reflexos sociais deste segmento do setor primário também representam novas exigências das sociedades locais. E este tipo de exigência também é feita pelos consumidores de mercados longínquos, agora preocupados com a saúde do planeta. Exemplo disso é o programa Eurogap, que não é uma exigência dos governos europeus, mas sim dos próprios consumidores. E a traçabilidade de produtos alimentares está se tornando uma realidade para qual necessitamos estar preparados. Muito em breve não bastará mais assegurar a rastreabilidade, pois esta deverá ser confirmada pelas técnicas de traçabilidade. Mas, a par disso, o produtor também precisa ser remunerado adequadamente. E os preços de tais produtos, ao menos no mercado interno, tornam as margens de retorno dos investimentos cada vez mais estreitas. Portanto, torna-se mister que esta produção otimize o uso dos recursos financeiros e não dilapide os recursos naturais. Estabelecer os limites de utilização destes recursos (naturais e financeiros) sem descurar dos reflexos sociais é uma atribuição que a pesquisa deve assumir cada vez mais. Tudo isto coloca a pesquisa agronômica e zootécnica numa situação tal que aumenta a necessidade de estudos mais analíticos e explicativos dos processos envolvidos na produção do produto animal, mas sem perder de vista o caráter holístico dos sistemas de produção. Não há outra forma de realizar tal tarefa que não seja através de equipes multidisciplinares. Não só pela necessidade de otimizar os recursos humanos e materiais das instituições de pesquisa, extensão e desenvolvimento, mas porque não há outra forma de providenciar, ao mesmo tempo, a necessária visão holística e analítica. Esta multidisciplinaridade, aliás, também é fundamental para que os necessários processos de diagnóstico dos sistemas de produção sejam capazes de permitir a identificação, hierarquização e priorização dos temas a serem pesquisados, e de fornecer elementos para o estabelecimento de políticas para o setor. Portanto, não basta mais apenas quantificar processos e buscar a verticalização da produção. È necessário que se faça mais ciência. É necessário que se estabeleçam modelos conceituais, com base no conhecimento existente ou mesmo em hipóteses bem embasadas, que direcionem as atividades de pesquisa, e que permitam agregar conhecimento reprodutível, ou seja, modelos de funcionamento do sistema, numa base mais analítica e explicativa. Mais uma ve z a multidisciplinaridade torna-se fundamental e cada vez mais com as áreas básicas do conhecimento. A região subtropical do Brasil apresenta características particulares de clima e, até certo ponto, de solos, que a colocam em posição privilegiada em relação a outros ecossistemas naturais do país. Estes ecossistemas são importantes para a qualidade da atmosfera e da hidrosfera, assim como para a biodiversidade e porque compõe a maior parte da ecologia do território. Eles não podem mais ser considerados apenas como um meio para obter produtos animais a fim de atender às demandas alimentares da população humana. Ecossistemas pastoris devem ser manejados com múltiplos objetivos, correspondentes às diferentes funções que estes ecossistemas desempenham: ambiente, biodiversidade, ecologia do território e produção agrícola com benefícios sócioeconômicos. O conceito de multifuncionalidade determinou uma nova abordagem para todas as disciplinas envolvidas na pesquisa em pastagens. Objetivos científicos, métodos de investigação e modelos, necessitam ser reconsiderados para que se possa produzir uma visão integrada das diferentes escala (parcelas de campo, fazenda, paisagem, território, etc.) onde as diferentes funções necessitam ser avaliadas (Lemaire et al., 2005) No entanto, ainda estamos longe de um “modelo de pesquisa” que considere a preservação ambiental e os aspectos sócio-econômicos na origem dos programas de investigação. Mais grave ainda isto se torna quando os sistemas ou os métodos de julgamento de mérito e de avaliação dos resultados destes programas também não consideram estes parâmetros como fundamentais. Finalmente, cabe uma última reflexão, em nosso ver, aplicável a toda a ciência brasileira: qual a responsabilidade das sociedades que congregam os cientistas das diferentes áreas em tais processos (desde o estabelecimento de prioridades para a destinação de recursos até os critérios de avaliação)?; qual o papel que as diferentes instituições públicas têm representado, qual tem sido o seu comprometimento com a sociedade e finalmente, qual o retorno que dela tem recebido. 7. Bibliografia citada. AGUINAGA, J. A. Q. Variação estacional da oferta de forragem para otimizar a produção da pastagem e o rendimento animal em campo nativ o. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004. 58 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) – Programa de PósGraduação em Zootecnia, 2004. ALVES, S.J. 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Eng. Agr., Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS, Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]
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