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O PROBLEMA DO NEXO DE CAUSALIDADE NA
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO ADQUIRENTE DE
IMÓVEL RURAL DEGRADADO
Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha1
1. INTRODUÇÃO – INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO CIVIL E O DIREITO
AMBIENTAL NO ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
Corroborando o apontado esmaecimento da divisão ferrenha entre direito público e
direito privado e a necessária intercomunicação entre os diversos ramos do direito, é possível
afirmar que a chamada responsabilidade civil ambiental é tema que se situa num zona
fronteiriça entre a teoria geral da responsabilidade civil, própria do direito civil, e as
especificidades individuais do direito ambiental.
Com efeito, se, de um lado, o direito ambiental se socorre de diversas categorias
próprias da estrutura tradicional da responsabilidade civil geral, tais como o seu princípio
fundamental, que evidentemente é o risco e não a culpa, e os seus elementos basilares,
conduta, dano e nexo de causalidade, por outro lado nem sempre a transposição irrestrita de
categorias se mostrará possível, sob pena da irresponsabilização. Tal ocorre, é facilmente
perceptível, não só em face da natureza cambiante do âmbito de estudo e preocupação do
direito ambiental, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado 2, como, especialmente,
pelo caráter absolutamente complexo do dano ambiental, resultante de atividade poluente ou
impactante ao meio ambiente3.
1
O autor é Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP, com estágio doutoral realizado
perante a University of California, U.C. Berkeley. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor
Assistente do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal da Paraíba. Juiz de Direito do Estado da Paraíba.
2
Para além da CF/1988, a elevação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental das
presentes e futuras gerações já fora realizada pela Declaração de Estocolmo/1972: “Princípio 1: O homem tem um direito
fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver
com dignidade e bem-estar. Ele tem o dever solene de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e
futuras”.
3
Os conceitos legislativos de degradação e poluição do meio ambiente bem como de poluidor encontram-se, como
sabido, no microssistema legislativo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3º. Numa noção já clássica
no direito ambiental brasileiro, que com aqueles se coaduna, José Afonso da Silva estipula o meio ambiente como sendo ‘‘a
interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas” (In: SILVA, José Afonso de. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 20).
De igual modo, o impacto ambiental, tido como qualquer alteração do meio ambiente, resultante de ações antrópicas ou
naturais, que afetem tanto a natureza quanto o meio ambiente social e seus processos relacionais, encontra-se amplamente
previsto no art. 1º da Resolução CONAMA nº. 001/1986 (Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto
ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma
de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o
bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio
ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais). Se, para Álvaro Luiz Valery Mirra, “nos termos da Constituição Federal,
Assim é que então, dentro da responsabilidade civil ambiental, temas complexos,
cujo olhar tão-somente sob a lente do direito civil poderia resultar em visões míopes, têm sido
tratados, dentre eles: o intricado problema do nexo de causalidade entre a conduta do agente e
o dano ambiental causado, em que se chega a trabalhar mesmo com presunção de causalidade;
a necessidade de identificação da participação efetiva de cada um poluidores numa mesma
situação de poluição, ou a solidariedade irrestrita entre eles; a possibilidade de inversão do
ônus da prova em desfavor do agente supostamente poluidor; a quantificação do dano
ambiental etc.
Por outro lado, o que os doutrinadores do direito ambiental têm chamado de
responsabilidade civil ambiental pela aquisição de passivo ambiental, tema também
amplamente explorado no âmbito dos tribunais, também integra a responsabilidade civil
ambiental: trata-se da aquisição de propriedade rural já ecologicamente degradada pelo(s)
proprietário(s) anterior(es) e a responsabilidade civil ambiental pela recuperação ou reposição
daí advinda imputada ao adquirente e não aquele.
Ora, é evidente que todas essas temáticas, mas especialmente essa última, avultam de
importância não só ante o sempre freqüente conflito entre princípios e direitos fundamentais
“impacto ambiental” não é qualquer alteração do meio ambiente, mas uma degradação significativa do ambiente” (In:
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental. Aspectos da legislação brasileira. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2006, p. 27), numa visão mais biótica, Helmut Troppmair relaciona tais alterações drásticas com a ocorrência em curtos
espaços de tempo, propondo que aquele ocorrerá “quando as estruturas e os fluxos do sistema ecológico, social ou
econômico são alterados profundamente no decorrer de um espaço de tempo muito reduzido” (In TROPPMAIR, Helmut.
Metodologias simples para pesquisar o meio ambiente. Rio Claro, 1988, pp. 188 e 189, apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery.
Impacto... Op. Cit., p. 32-33).
Percebe-se assim que, nem toda intervenção humana no meio ambiente de que resulte degradação ambiental implicará em
poluição e produzirá impacto ambiental, mas apenas aquelas nocivas ao ambiente externo natural. De toda sorte, nota-se que
os conceitos legislativos presentes na lei ambiental corporificam todos eles cláusulas gerais carregadas de conceitos jurídicos
indeterminados. Ora, se de um lado essa intransponível indeterminabilidade de conceitos traz o grande problema de definir
concretamente o que seja essa degradação significativa do meio ambiente, por outro lado pode acabar por maximizar a
proteção ambiental, por facilitar apanhar todos os poluidores responsáveis pela degradação.
De igual modo, as especificidades próprias dos processos ecológicos, até hoje não desvendados completamente pelo homem,
e de suas categorias naturais de alteração, acabam por refletir na categoria jurídica do dano ambiental, tido por Luís Paulo
Sirvinskas como “toda agressão contra o meio ambiente causada por atividade econômica potencialmente poluidora ou por
ato comissivo ou omissivo praticado por qualquer pessoa” (In: SIRVINSKAS, Luís Paulo. Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n. 9.638, de 31 de agosto de 1981). In: As leis federais mais importantes de proteção ao meio ambiente
comentadas. Coords.: MORAES, Rodrigo Jorge e outros. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 129), o que contribui
negativamente para o delineamento de seus contornos e limites dentro do caso concreto bem como, em consequência, a sua
própria reparabilidade.
Veja-se ainda que o dano ambiental é, acima de tudo, supra-individual, ainda que possa ocorrer dano de repercussão
individualizável. Nesse sentido, diz a professora da USP Patrícia Faga Iglecias Lemos então que o dano ambiental atingirá a
esfera humana individual apenas reflexamente ou por ricochete: “se considerarmos o meio ambiente como pertencente à
sociedade como um todo, o dano causado será coletivo e difuso, o que o impede de ser simplesmente um dano pessoal. Por
isso, o dano que atinge um indivíduo é chamado dano reflexo ou por ricochete”. (In: LEMOS, Patrícia Faga Iglecias.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário. Análise do nexo causal. São Paulo:
RT, 2008, p. 104.)
A propósito, Andreas Krell, professor das pós-graduações da UFPE e UFAL, aponta que o dano ambiental tem como
características essenciais, para além da periodicidade, a anormalidade, “que existe onde houver modificação das
propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua
propriedade ao uso”, e a gravidade, “devendo ocorrer transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que
possuem os seres humanos e os elementos naturais” (In: KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental.
Objeções à teoria do "risco integral". Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 15/06/2010).
constitucionalmente postos (princípios do desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade
versus princípios da propriedade e da livre iniciativa), como também à vista da recente
chegada de um novo Código Florestal brasileiro (Lei n. 12.651/2012, com as importantes
inclusões feitas pelas Medida Provisõria n. 571/2012), e do amplo debate nacional que lhe
precedeu4.
Feitas essas considerações, pode-se delinear um plano de trabalho para o presente
artigo monográfico. Assim é que, num capítulo primeiro, trabalhar-se-á com os princípios do
direito ambiental que influenciam a responsabilidade civil ambiental, em especial os
princípios da prevenção e precaução, do poluidor-pagador e do desenvolvimento sustentável.
Num segundo capítulo, tratar-se-á do talvez mais intricado problema da responsabilidade
ambiental, qual seja a identificação do nexo de causalidade entre a conduta do agente poluidor
ou dos agentes poluidores múltiplos e o dano ambiental ocasionado. Aqui analisar-se-ão as
teorias do nexo de causalidade tradicionais e ver-se-á se elas são suficientes ou não à
responsabilização civil ambiental, sendo então necessário ou não teorias mais alargadas do
nexo de causalidade, como a teoria do escopo da norma jurídica ou a própria presunção de
causalidade. Por fim, num capítulo último, ver-se-á os influxos doutrinários e
jurisprudenciais, em especial no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
acerca da responsabilidade civil por aquisição de passivo ambiental.
2. A INFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS AMBIENTAIS NA RESPONSABILIDADE
CIVIL AMBIENTAL
2.1. Os princípios ambientais e a responsabilidade civil ambiental
Diante da responsabilidade civil objetiva independentemente de culpa (§ 1º do art. 14
da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), os doutrinadores brasileiros debatem quais
das teorias objetivas de responsabilidade civil teria sido adotada pelo ordenamento jurídico.
Se a grande parte pende pela teoria do risco integral, a qual, na sua essência, inadmite a
existência de causas excludentes de responsabilidade civil, isto é, o poluidor haveria de
responder pelo dano ambiental causado mesmo na hipótese de caso fortuito ou força maior ou
mesmo fato exclusivo de terceiro, alguns defendem a teoria do risco-proveito, que admite as
4
O presente trabalho se preocupará tão somente com o texto legal aprovado pela Presidente Dilma Rousseff,
obviamente já com as inclusões realizadas pela Medida Provisória. Assim, transbordará de seus limites a análise tópica do
projeto de lei na forma aprovada no Senado Federal e posteriormente modificada na Câmara dos Deputados, as acusações da
influência e atuação de uma bancada ruralista nessa última Casa Legislativa, o movimento ambiental-social “Veta Dilma”
que precedeu ao período de sanção ou veto ao projeto, dentre outros pontos.
causas excludentes de responsabilidade5.
De uma forma ou de outra, a responsabilidade civil ambiental possui condicionantes
próprias, a serem vistas nos capítulos posteriores, como, por exemplo, a presunção de
causalidade, a solidariedade em hipótese de múltiplos poluidores, a inversão do ônus da
prova, que, por conduzirem a um patamar de máxima responsabilização do causador do dano
ambiental, acaba por minimizar a discussão doutrinária de qual teoria objetiva foi adotada
pelo direito ambiental brasileiro, se a teoria do risco integral ou a teoria do risco-proveito.
Por fim, talvez mais importante seja vislumbrar, por fim, que a responsabilidade civil
ambiental possui, para além de um mero caráter reparatório do dano ambiental, um fortíssimo
caráter preventivo, que, não tolerando riscos ambientais, sejam conhecidos cientificamente,
sejam apenas suspeitados pela ciência, faz de tudo para evitar que eles se transformem em
perigos ou mesmo danos concretos.
Nesse passo, mostra-se imprescindível a importância da principiologia ambiental,
assentada no direito internacional público, por terem os princípios ambientais origem quase
sempre em tratados e convenções internacionais. Implícita ou explicitamente albergados na
Constituição brasileira de 1988, alguns deles tocam mais de perto ao tema ora abordado no
presente estudo, quais sejam: a) Princípios da prevenção e precaução; b) Princípio do
poluidor-pagador; c) Princípio do desenvolvimento sustentável.
2.1.1. Os princípios da prevenção e da precaução e a possibilidade de
responsabilidade sem dano
Certamente, a sociedade atual é marcada por perigos e riscos em escala numa antes
experimentada pela humanidade, especialmente em virtude do progresso científico e
tecnologia avançadas hoje existentes. Está-se a viver em meio à denominada “sociedade de
riscos”, assim nominada pelo sociólogo alemão Ulrick Beck, dentro de uma identificada
segunda modernidade pós-revolução industrial.
Ora, dois princípios foram construídos pela doutrina internacional como relativos à
questão da antecipação e gerenciamento de riscos dentro de uma sociedade marcada por estes,
quais sejam os princípios da prevenção e precaução, ambos ligados às idéias éticas de
5
Veja-se, a propósito, Andreas Krell, o qual afirma que uma conseqüência importante da adoção da teoria do riscoproveito “é a possibilidade de admitir fatores capazes de excluir ou diminuir a responsabilidade como: o caso fortuito e a
força maior, o fato criado pela própria vítima (exclusivo ou concorrente), a intervenção de terceiros e, em determinadas
hipóteses, a licitude da atividade poluidora. Não são poucos os autores que, em primeiro momento, se declaram adeptos da
teoria do risco integral, que não permite excludentes à responsabilidade, e depois, para fundamentar a sua posição, passam
a recorrer a argumentos muito mais ligados à teoria do risco-proveito”. In: KRELL, Andreas Joachim. Concretização do
dano ambiental. Objeções à teoria do "risco integral". Idem, idibwm.
prudência e segurança. Com efeito, em sua tese de titularidade perante o Departamento de
Direito Civil da USP, a profa. Titular Teresa Ancona Lopez anota que, diante dos rotineiros
acontecimentos globais com o meio ambiente e a saúde – a profa. relembra os episódios da
“epidemia da AIDS, o caso da “vaca louca”, as transfusões de sangue contaminado, o dano
nuclear provocado por Chernobyl, a tragédia química das Usinas Carbide na Índia em
Bhopa, Seveso, a gripe aviária, a febre amarela, a cólera no Peru”, dentre outros –, “a
comunidade jurídica internacional criou o princípio da precaução e também mostrou que as
atitudes de prevenção, quando os perigos são conhecidos, devem ser tomadas”.6
A distinção entre os dois princípios baseia-se na espécie de riscos, perigos e danos a
serem antecipados e prevenidos: enquanto o princípio da precaução liga-se à existência de um
risco hipotético ou potencial da ocorrência de um dano ambiental, o princípio da prevenção
relaciona-se com o risco comprovado ou perigo concreto de tal ocorrência. Nesse sentido,
Teresa Ancona Lopez bem precisa a distinção:
Como bem explicam Philippe Kourilsky e Geneviève Viney, no Relatório ao
Primeiro Ministro Francês Lionel Jospin, sobre o princípio da precaução, o
risco pode ser em primeiro lugar potencial (hipotético) ou comprovado. (…)
A noção de risco potencial é de manejamento delicado, é o “risco do risco”.
Certamente, muitos riscos comprovados começaram por serem potenciais,
mas numerosos riscos potenciais jamais foram comprovados.7
(…) É justamente a diferença entre o risco comprovado, que tem no seu
conteúdo a ameaça de perigo, e o risco hipotético ou potencial, que vai
fundamentar as diferenças entre prevenção e precaução. 8
(…) A diferença entre elas vem da diferença entre risco potencial e risco
provado. A precaução diz respeito aos riscos-potenciais, como, por exemplo,
riscos à saúde com o consumo de alimentos geneticamente modificados; a
prevenção a riscos constatados, como aqueles que vêm das instalações
nucleares. Esses últimos são conhecidos e provados. 9
Pode-se assim afirmar, de maneira bastante simples, que o princípio da precaução
deseja evitar o risco, ainda hipotético, enquanto o da prevenção pretende evitar o perigo, já
concreto. Na precaução, tem-se a probabilidade que a hipótese esteja certa, ao passo que, na
prevenção, tem-se a probabilidade que o perigo se concretize.
O princípio da precaução visa, dessa forma, à adoção de medidas antecipatórias e
preventivas contra riscos potenciais ou hipotéticos da sociedade de riscos contemporânea, já
que, como anota Ancona Lopez, “os riscos potenciais, a despeito do seu caráter hipotético,
6
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.
86-87.
7
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 25.
8
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 26.
9
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 101.
podem ter uma probabilidade de realização elevada. Na prática, a precaução pode estar
compreendida como prolongamento dos métodos de prevenção aplicados aos riscos
incertos”10.
Por serem riscos ainda em aberto, tem-se então que um dos aspectos fundamentais do
princípio da precaução, ou mesmo o seu conteúdo específico, é a incerteza científica11 quanto
à exata mensuração do risco e da probabilidade de sua ocorrência, isto é, se ele efetivamente
irá se transformar num perigo concreto, o que dirá então em um dano ambiental ocorrente, o
que gera então a impossibilidade, ao menos no estágio inicial, de comprovação do nexo de
causalidade.
O conteúdo específico do princípio da prevenção, por sua vez, é a certeza científica
do dano, concreto e mensurável e, portanto, passível de ocorrência, ao qual se visa a sua
mitigação.
Acabam ambos os princípios, em especial o princípio da precaução, sendo contrários
à responsabilidade clássica reparatória, pois antecipam-se à causação do dano, a fim de evitálo, trabalhando em fase em que existe apenas risco e, muitas vezes, apenas risco hipotético.
Para Patrícia Iglecias então, ambos os princípios “levantam a bandeira da máxima popular de
que “é melhor prevenir do que remediar”, e então “são responsáveis por uma das
modificações que a responsabilidade civil clássica passou para se adaptar ao direito
ambiental, não englobando somente o dever de indenizar, mas também o objetivo de
preservar o equilíbrio”.12
Diante do caráter amplamente preventivo da responsabilidade que prega ambos os
princípios, diversos juristas do direito ambiental chegam mesmo a admitir a paradoxal
responsabilidade sem dano, ou seja, a responsabilidade civil ambiental apenas fundamentada
na antecipação e gerenciamento de riscos, sem que danos ainda tenham ocorrido, muitas vezes
sem sequer tenha-se certeza científica de sua futura ocorrência. Anotando que a sociedade
contemporânea enfrenta, por vezes, riscos inaceitáveis que podem ensejar danos graves,
irreversíveis ou, por vezes, irreparáveis, não sendo producente correr o risco de sua
realização, a Profa. Teresa propõe que, para equacionar a aparente contradição, é preciso
separar os conceitos de responsabilidade e indenização e de responsabilidade civil reparatória
10
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 102.
Nesse sentido, são as palavras de Guilherme Purvin: “O princípio da precaução é aplicável nas hipóteses de
incerteza científica acerca dos riscos ambientais concretos advindos da adoção de determinada tecnologia ou da introdução
de determinado produto no mercado”. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Curso de Direito Ambiental. 3. ed.
Curitiba: Letra da lei, 2009, p. 48. Ao contrário da crítica de alguns de que ele engessaria o progresso científico, entende-se
que, na verdade, o princípio da precaução impulsiona a pesquisa científica, a fim de que sejam superadas as dúvidas a
respeito do eventual risco ambiental da atividade ou produto específicos.
12
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 71.
11
e responsabilidade civil preventiva. São suas palavras derradeiras a respeito do tema:
(...) responsabilidade civil não se resume ao ressarcimento de danos (apesar
de ainda ser sua principal função); é também prevenção e precaução de
eventos danosos. Hoje podemos afirmar que temos a responsabilidade civil
reparatória e a responsabilidade civil preventiva.13
(…) Os princípios da prevenção e da precaução fazem parte da
“responsabilidade civil preventiva”, que emerge da sociedade de risco e que
não se choca com o tema da responsabilidade civil, porquanto tem o mesmo
fundamento da responsabilidade civil ressarcitória, qual seja, o alterum non
laedere.14
Pode-se afirmar, por fim, que ambos os princípios da prevenção, e mesmo o da
precaução, encontram-se implicitamente previstos na Constituição Federal de 1988, no art.
225, § 1o, incisos IV e V, quando menciona o dever de preservação que toca à coletividade e
ao Poder Público.
2.1.2. O princípio do poluidor-pagador e a assunção dos custos econômicos pelo
empreendedor
A unânime doutrina jurídica ambiental combate veementemente uma idéia literal que
poderia advir da nomenclatura do princípio do poluidor-pagador, isto é, a de que ele
representaria uma fórmula “poluiu-pagou” ou, pior ainda, “pague e tenha o direito a poluir”.
Na realidade, o princípio do poluidor-pagador, muito mais do que a mera reparação dos danos
ambientais, relaciona-se ao direcionamento ou à imputação dos custos econômicos e sociais
da atividade impactante e poluente ao meio ambiente aquele que a produziu e a quem
aproveita, quer se tratem de custos de prevenção, quer se tratem de custos de reparação, como
bem coloca o Professor da Unisinos-RS e Doutor pela USP Marcos Jorge Catalan15.
Em semelhante sentido, o professor da Universidade Federal da Paraíba Talden
Farias chama a atenção de que o real objetivo do princípio “não é recuperar um bem lesado,
nem criminalizar uma conduta lesiva ao meio ambiente”, mas “sim afastar o ônus econômico
da coletividade e voltá-lo para a atividade econômica utilizadora de recursos ambientais”.16
Assim, a professora da USP Patrícia Iglecias alude que as “implicações práticas do princípio
do poluidor-pagador estão em alocar as obrigações econômicas em relação a atividades
causadoras de danos, particularmente em relação à responsabilidade, o uso dos instrumentos
13
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 138.
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio... Op. Cit., p. 141.
15
CATALAN, Marcos Jorge. Proteção constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela. São Paulo:
Método, 2008, p. 81.
16
FARIAS, Talden. Introdução ao direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 51.
14
econômicos e a aplicação de regras relativas à concorrência e subsídios”.17
Portanto, o princípio do poluidor-pagador relaciona-se com a responsabilidade civil
ambiental, tanto num sentido mais preventivo da ocorrência de danos, como de reparabilidade
propriamente caso já tenham aqueles tido ocorrência.
2.1.3. O princípio do desenvolvimento sustentável
O princípio do desenvolvimento sustentável teve certamente seu nascedouro no
debate das nações no âmbito do Direito Internacional Público. Assim, se o princípio 13 da
Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano18 foi um das primeiras normas
internacionais a encampar o princípio, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio – 1992) erigiu-se em verdadeira carta do desenvolvimento sustentável,
sendo certo que quase todos os seus princípios fizerem referência ao princípio, com especial
destaque para os princípios 3 e 4.
Do teor das declarações internacionais, bem se percebe que o princípio do
desenvolvimento sustentável ou da sustentabilidade prega uma coordenação ou conciliação
entre os princípios a priori antagônicos do desenvolvimento econômico e da proteção ao meio
ambiente, atendendo às necessidades tanto das presentes gerações quanto das futuras.
Deve-se optar assim, como bem propõe Luiz Regis Prado, por um “desenvolvimento
econômico qualitativo”, por um “desenvolvimento racional do ponto de vista ecológico
(utilização racional e equilibrada dos recursos naturais), acompanhado de uma gestão
judiciosa do meio”19. Por outro lado, a Profa. Patrícia Iglecias resume, com percuciência, que
o princípio deve importar deve ser num “conjunto de instrumentos preventivos que possam
afetar as práticas econômicas, científicas, educacionais, conservacionistas, buscando a
realização do bem-estar da sociedade”. 20
Por essas palavras, pode-se afirmar que o princípio do desenvolvimento sustentável
foi expressamente introjetado no recentíssimo novo Código Florestal Brasileiro (Lei n.
12.651, de 25 de maio de 2012), já que, para além das disposições correntes ao longo do
texto, em seu artigo 1-A (já incluído pela Medida Provisória n. 571/2012) propôs-se a
estabelecer “normas gerais com o fundamento central da proteção e uso sustentável das
17
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 62.
Princípio 13: “A fim de obter uma mais racional ordenação dos recursos e melhorar e melhorar as condições
ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planificação de planificação de seu
desenvolvimento, de modo que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento com a necessidade de proteger e
melhorar o meio humano em benefício de sua população”.
19
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: RT, 2005, p. 65.
20
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 60.
18
florestas e demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do
desenvolvimento econômico”, e mediante o atendimento de uma série de princípios voltados à
conciliação entre desenvolvimento econômico e proteção e uso florestal sustentável das
florestas e demais formas de vegetação nativa21.
3. O NEXO DE CAUSALIDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
A responsabilidade civil ambiental, como dito ao longo do presente texto, possui
especificidades próprias que não permitem uma transposição pura e simples de inúmeros
aspectos da teoria da responsabilidade civil comum.
Isso é extremamente veraz no que respeita ao problema do estabelecimento do nexo
de causalidade entre a conduta do suposto agente poluidor e o dano supostamente resultante
dessa conduta, o que ocorre em face de características únicas do próprio dano ambiental.
Com efeito, existem uma série de fatores que influenciam na dificuldade de se
comprovar o nexo de causalidade entre conduta e dano ambiental, ou mesmo impossibilidade
dessa comprovação, tais como: a) a distância entre o local da conduta nociva e o local onde o
dano ambiental efetivamente teve lugar; b) o tempo que medeia entre a conduta e o
aparecimento do dano; c) a multiplicidade de agentes poluidores; d) a multiplicidade de
causas, já que o dano ambiental pode estar sendo ocasionado por diversas condutas que,
isoladamente, não seriam capazes de causar aquele dano, isto é, pode estar sendo ocasionado
por causas e concausas, sem que se possa muitas vezes afirmar qual a causa principal e quais
as causas secundárias; e) a dúvida científica acerca da possibilidade daquela conduta ter
causado aquele dano específico.
Tem-se, assim, que a dificuldade de delineamento do traçado do nexo causal entre
conduta e dano ao meio ambiente é sobrelevada pela complexidade própria dos processos
21
Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais com o fundamento central da proteção e uso sustentável das florestas e
demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico, atendidos os seguintes
princípios: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012). I - reconhecimento das florestas existentes no território
nacional e demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do País; II - afirmação do
compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, da
biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos, e com a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações
presentes e futuras; III - reconhecimento da função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas e
demais formas de vegetação nativa, e do papel destas na sustentabilidade da produção agropecuária; IV - consagração do
compromisso do País com o modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentável, que concilie o uso produtivo da terra e
a contribuição de serviços coletivos das florestas e demais formas de vegetação nativa privadas; (...)VI - responsabilidade
comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para
a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais; VII fomento à inovação para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa;
VIII - criação e mobilização de incentivos jurídicos e econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação
nativa, e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. (Incluído pela Medida Provisória nº
571, de 2012).
ecológicos. Nesse sentido é que o paraibano Ministro do STJ Antônio Herman Benjamim, um
dos grandes doutrinadores brasileiros do direito ambiental, chama o nexo de causalidade
ambiental do “calcanhar de aquiles” da responsabilidade civil ambiental, para quem:
As dificuldades aumentam ainda mais quando inexiste um acidente
delimitado, um evento repentino na origem do dano, manifestando-se este,
ao contrário, de forma lenta e progressiva, como uma doença. A degradação
usualmente é fruto de comportamentos cumulativos, que operam ao longo do
tempo. O nexo causal é ainda enfraquecido pela distância entre o fato
gerador e a manifestação do dano ambiental. 22
Em face dessas dificuldades, quase sempre a comprovação do nexo de causalidade
ambiental há de fugir das teorias clássicas civis acerca do tema em suas formatações
originárias, servindo-se ora de teorias ambientais próprias, ora teorias civis extremamente
adaptadas ao direito ambiental, tudo encaminhando-se para uma amenização do nexo de
causalidade entre conduta e dano ambiental. Ou ainda servindo-se a responsabilidade civil
ambiental de mecanismos facilitadores da responsabilização, tais como a solidariedade entre
os agentes, a inversão do ônus da prova, dentre outros.
3.1. Teorias civis do nexo de causalidade
Costumeiramente, as teorias do nexo de causalidade são divididas entre teoria
generalizadora e as teorias individualizadoras, indicando os ambientalistas ainda teorias
modernas que tocam mais de perto apenas ao direito ambiental.
A grande teoria generelizadora, proveniente das lições de direito penal do
magistrado da Suprema Corte Alemã Maximiliano Von Buri, é a teoria da equivalência dos
antecedentes causais, segundo qual todo e qualquer acontecimento anterior ao dano poderia
ser identificado como sendo a sua causa. Certamente essa teoria possui muito mais interesse
histórico, eis que é impossível a extensão tão demasiada do nexo de causalidade: tudo e todos
poderiam ser considerados como integrantes do nexo, como causas do dano provocado.
As teorias individualizadoras, por sua vez, foram muitas. Primeiramente, as teorias
mais antigas da causa próxima, da causa eficiente e da causa preponderante, essas duas
últimas de criação alemã. Num segundo momento, as teorias mais modernas da causalidade
adequada, teoria do nexo causal direto e imediato ou da interrupção do nexo causal e a
teoria do escopo da norma jurídica.
22
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito
brasileiro
e
as
lições
do
direito
comparado.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8632>. Acesso em: 15/05/2010.
Quanto à primeira teoria da causa próxima, essa se mostrou inservível à
responsabilidade civil ambiental e foi de logo abandonada pela doutrina, eis que nem sempre
é a última causa, ou aquela mais próxima, que causou o dano ambiental, ou a que ao menos
mais contribuiu para sua causação.
A teoria da causa eficiente, de origem alemã, a seu turno, pregava que a “causa deve
ser estabelecida de acordo com o seu grau de eficiência para causar o dano (causa eficiente),
opondo-se claramente ao princípio da equivalência das condições”23, não importando, assim,
a proximidade com o evento. Na teoria da causa preponderante, por sua vez, “a causa é a
condição que rompe o equilíbrio entre os fatores favoráveis e contrários à produção do dano,
ou seja, tem preponderância na causação do dano”24, o que já demonstra, segundo a
professora, a fragilidade da teoria, pois o nexo de causalidade ambiental não pode ser fixado
apenas com base nesse fator de atribuição.
Ademais, existe enorme dificuldades práticas em se detectar a denominada causa
eficiente ou causa preponderante. Mais importante em relação ao presente estudo, segundo a
professora da USP, “essas teorias não são adequadas para a responsabilidade ambiental,
pois, com a adoção da responsabilidade objetiva e da responsabilidade por causas e
concausas, não importa o grau de eficiência para haver responsabilidade”. É dizer, para ela,
“(…) no dano ambiental não se distinguem causas e concausas, além de aplicar-se a
solidariedade, nos termos do art. 942 do CC brasileiro”25.
3.2. Teoria da causalidade adequada
De criação do jurista alemão Ludwig von Bar e desenvolvida por seu conterrâneo
Johanes von Kries ao fim do século XIX, a teoria da causalidade adequada caracteriza-se
pela verificação, sob o ângulo da experiência comum e numa análise abstrata, mediante a
realização de um juízo de probabilidade chamado de prognose póstuma, se determinada causa
era, de per si, apta e adequada para a produção do dano.
Para os autores, a causa deveria ser verificada em abstrato como adequada e idônea,
o que, contudo, não ocorreria em face de circunstâncias especiais ocorrentes na cena causal,
como nos simplórios exemplos a seguir: a) Dou um pequeno empurrão numa pessoa, que
morre porque estava próxima de ter um AVC. Não é causa idônea e adequada. Porém, se eu
soubesse dessa situação, a causa será adequada; b) Lesiono uma pessoa que morre num
23
24
25
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 133.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 134.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 134.
incêndio no hospital. Não há causalidade adequada.
Resumindo a teoria, Patrícia Iglecias anota que ela “trabalha com a adequação da
causa em razão da possibilidade ou probabilidade de um resultado. Adequação no sentido de
adaptação, ou seja, o efeito deve ser apropriado à forma de agir do sujeito em função do dano
resultante, que era de esperar para aquelas condições”.
É dizer, dentro da teoria da causalidade adequada, “para que exista nexo de
causalidade, a ação deve ser idônea para produzir aquele resultado. A noção de causalidade
adequada supõe que na pluralidade de casos será causa aquilo que normalmente ocorre em
situações semelhantes”.26
Ainda que tenha representado um avanço perante as demais teorias e tenha sofrido
grande desenvolvimento no âmbito do direito português, e mesmo alguns apontem a sua
presença no direito brasileiro27, é fato que a teoria da causalidade adequada apresenta razoável
ponto fraco ao conferir grande arbítrio ao juiz para estabelecer, de forma abstrata e retroativa,
a causa adequada dentre muitas concausas.
Assim é que a autora citada, muito embora pondere que a teoria tenha o mérito de
trazer um critério mais objetivo para a responsabilização, “mesmo assim não se adapta
plenamente ao dano ambiental, pois para a causalidade adequada só será causa a atuação
idônea a produzir o resultado e, na análise da concausa, poderia haver quebra do nexo
causal, gerando uma distinção entre a responsabilidade do causador principal e daquele que
apenas contribuiu para o dano realizando a concausa”.28
3.3. Teoria do dano direto e imediato, ou teoria da necessariedade do dano, ou
da causalidade necessária, ou ainda teoria da interrupção do nexo causal
A teoria em tela distingue, dentro do conjunto de antecedentes causais, a causa das
condições, sendo, em princípio, apenas uma única a causa necessária do dano, não
necessariamente a mais próxima do dano. O dano indireto pode ser indenizado se for
conseqüência de um ato ilícito ou de um ato lícito objetivamente considerado. A propósito,
Patrícia Iglecias anota:
A doutrina da necessariedade da causa foi a que melhor explicou o
significado da expressão “direto e imediato” como “necessário”. Assim,
26
27
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 134-135.
Veja-se, a propósito, o Enunciado 47 da I Jornada de Direito Civil: Art. 945: o art. 945 do Código Civil, que não
encontra correspondente no Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada.
28
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 136.
mesmo que a inexecução resulte de dolo do devedor, ele só responde pelos
danos que são consequência necessário do inadimplemento. Ficam excluídos
os danos posteriores, advindos de novas causas, quando não são efeito direto
e imediato do inadimplemento. De fato, a teoria faz distinção entre causa e
as demais condições no conjunto de antecedentes causais, que não ensejarão
o dever de indenizar.29
Não é a distância do dano que vai interromper o nexo causal, mas sim o
aparecimento de uma outra causa ou série causal, seja quando o credor ou terceiro seja o autor
dessa outra causa direta e necessária, seja quando atribuível a um fato natural (por exemplo,
nas hipóteses de força maior), admitindo-se, portanto, causas excludentes da responsabilidade
civil. Essa interrupção do nexo causal, porém, obedece a limites: é preciso que a segunda série
causal seja completamente independente da primeira causa e que a sua eficácia causal sozinha
tenha produzido o dano.30
Ora, a presente teoria é, segundo Agostinho Alvim, coordenador inicial do Livro de
Direito das Obrigações do Código Civil de 2002 e diversos outros estudiosos brasileiros, a
teoria adotada pelo Código Civil em seu art. 403.
Por outro lado, a teoria do dano direto e imediato admite concausas: duas causas
necessárias num mesmo evento. As causas podem ser concorrentes (quando ambas eram aptas
para causar o dano) ou complementares.
O problema da teoria é que o estreitamento da causalidade necessária para a
produção do dano pode levar a situações de baixa indenizabilidade, não só no aspecto da
identificação dos causadores dos danos, como no próprio quantum indenizatório, o que se
mostra mais grave ainda na seara da responsabilidade ambiental. A propósito, Patrícia Iglecias
afirma que“(...) nos danos ao meio ambiente (…), não se permite a distinção entre causa
principal e causa acessória, primando-se pela mais ampla reparação dos danos causados.
Por isso, a responsabilização apenas daquele poluidor que praticou a causa idônea para
produzir o dano deve ser afastada. Todos os causadores do dano são responsáveis”.31
3.4. Teorias ambientais propriamente ditas
Duas teorias de explicitação do nexo de causalidade tiveram nascimento dentro do
Direito Ambiental, segundo indica a professora livre-docente da USP, uma de origem
holandesa, outra de origem norte-americana, as quais, no entanto, mesmo assim não resolvem
29
30
31
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 139.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 139.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 140.
por completo o problema do nexo de causalidade.
Segundo ela, na chamada teoria holandesa da causa alternativa ou disjuntiva
(industry wide or enterprise theory of liability):
(...) o demandante não precisa provar o nexo de causalidade quando, em
função do elevado número de possíveis sujeitos agentes, fica impossível que
a vítima prove materialmente quem é o causador do dano cuja reparação se
busca. Assim, deve haver solidariedade entre os possíveis sujeitos
intervenientes, com o que se reforça a proteção da vítima. O direito
brasileiro adota a regra de solidariedade entre os causadores do dano no art.
942 do CC, mas não exime que se prove quem é o causador do dano, bem
como o liame de causalidade.32
Por outro lado, a teoria americana de participação no mercado, ou market share:
(...) determina que o autor da ação não tem que provar o nexo causal se os
demandados são fabricantes de determinado produto que causou o dano. Se
o autor não pode identificar o produtor que efetivamente causou o dano,
todos os produtores que têm uma quota relevante do mercado poderiam ser
33
demandados.
3.5. Teoria do escopo da norma jurídica
A professora de Direito Ambiental da USP expressa, na obra em referência,
predileção pela denominada teoria do escopo da norma jurídica como adequada para o
problema do nexo de causalidade entre a conduta do poluidor e o dano ao meio ambiente
ocasionado.
De fato, segundo essa teoria, “(...) a distinção entre os danos indenizáveis e não
indenizáveis não deve tomar por base a causalidade adequada do fato, mas sim os reais
interesses tutelados pelo fim do contrato ou pelo fim da norma legal”. 34 Em outras palavras,
“a teoria tomar por base o fato de que não há um único critério válido para aferição do nexo
causal, o que exige que o julgador considere a função da norma violada, para verificar se o
evento danoso está sob sua proteção”. 35
Com apoio em Antunes Varela, afirma assim que “(...) a seleção dos danos
reparáveis não está na ideia fática de causalidade, mas no elemento positivo do fim da
proteção contratual ou legal”. 36
32
33
34
35
36
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 142.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 142-143.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 136.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 137.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 145-146.
E prossegue: “Considerando as dificuldades de um único critério para aferição do
nexo de causalidade em todos os casos de responsabilidade civil, a teoria determina que o
juiz deve voltar-se para a função da norma violada, aferindo se o evento danoso recai sob o
seu âmbito de proteção”. 37
Levando em conta que a questão do nexo de causalidade é muito mais jurídica, no
sentido de, muitas vezes ou quase sempre, existir uma norma de atribuição da
responsabilidade civil, do que propriamente fática, a professora Patrícia Iglecias arremata:
Na verdade, o reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado, ao qual corresponde um dever de preservação
para as presentes e futuras gerações, como um direito fundamental do
homem, decorrente do próprio direito à vida, justifica a adoção da teoria do
escopo da norma violada para análise da responsabilidade ambiental.38
(...)
Entendemos que a teoria da norma jurídica violada tem o mérito de afastarse da aproximação fática, buscando o nexo causal jurídico na norma violada,
o que nos parece significativamente melhor para a responsabilização por
danos ao meio ambiente. Temos que considerar as dificuldades típicas da
questão ambiental como a distância, a multiplicidade de fatores incidentes, o
problema do tempo para que se verifique a ocorrência do dano e até mesmo
a falta de certeza científica em diversas hipóteses.
Assim, a aplicação da teoria do escopo da norma violada aliada às
presunções de responsabilidade e a mais ampla inversão do ônus da prova
são primordiais para a realização do direito ao meio ambiente sadio e
39
ecologicamente previsto no art. 225, caput, da CF.
3.6. Presunções de causalidade
A comprovação do nexo de causalidade entre conduta e dano ambiental é, por vezes,
tão intricada e, em algumas situações, até mesmo impossível, que surgiu na doutrina
ambientalista a teoria da presunção de causalidade, ou causalidade suposta ou pressuposta.
Com efeito, uma série de fatores influenciam na dificuldade de se comprovar o nexo
de causalidade entre conduta e dano ambiental, como a distância entre o local da atividade
poluente e o local da ocorrência do dano ambiental, o lapso temporal entre uma e outro, a
multiplicidade de causas ocasionadoras do dano, no que é chamado de causalidade complexa,
e, especial, a dúvida científica acerca da possibilidade daquela conduta ter causado aquele
dano específico.
Assim, para a teoria da presunção da causalidade, se não se tem certeza científica se
37
38
39
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 147.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 149.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 150.
determinada conduta provocou o dano, diante então de alguns indicativos encontrados
mediante início de prova robusta, quase sempre prova técnica, presume-se então que sim.
3.7. Inversão do ônus da prova em desfavor do poluidor
Outro mecanismo voltado a enfrentar às dificuldades do estabelecimento do nexo de
causalidade em matéria ambiental é a inversão do ônus da prova em desfavor do suposto
poluidor, o qual então terá que provar que não foi o responsável direto ou indireto por aquele
dano ambiental. Tal possibilidade processual mostra-se possível em face do que determina a
redação atual do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, a qual afirma que “aplicam-se à defesa
dos direitos e interesses difusos e coletivos o capítulo processual do CDC”.
Ora, tratando-se o direito básico do consumidor à inversão do ônus da prova (art. 6,
inciso VIII) de uma regra sobretudo de direito processual, clarividente está a justificativa legal
para a sua ocorrência nos processos em que se discutam a reparabilidade de danos ambientais.
Ademais, tratando-se a responsabilidade ambiental de responsabilidade objetiva, e
sendo certo que é a empresa que detém o manacial técnico adequado para demonstrar que não
poluiu, a lógica jurídica já determinaria a inversão do ônus da prova, paradigma já confirmado
pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito ambiental40.
3.8. Solidariedade entre poluidores
A solidariedade entre vários poluidores também é encampada pela doutrina e
jurisprudência ambiental como forma de amenizar as dificuldades por vezes encontrada de
estabelecimento adequado do nexo de causalidade entre a conduta de vários agentes e um
dano ambiental que se mostra único. Assim, é que, muito embora haja uma previsão apenas
implícita na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (inciso IV de seu art. 3º), a respeito
da solidariedade entre o responsável direto e indireto do dano, a doutrina e jurisprudência
construíram a tese da solidariedade a partir do arts. 1518 do CC 1916 e 942 do CC 2002.
Portanto, se três poluidores participem de um único dano ambiental, nas proporções
hipotéticas de 10, 30 e 60%, todos responderão solidariamente, isto é, aquele que participou
40
Veja-se o julgado paradigmático: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS. ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO.
DESCABIMENTO. PRECEDENTES. (…) II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de
reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva. III Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver
reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - artigo 6º, VIII, do CDC c/c o artigo 18, da lei nº
7.347/85. IV - Recurso improvido. (REsp 1049822/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, j.
23/04/2009, DJe 18/05/2009)
com a menor parcela poderá arcar com toda a recomposição e reparação. Logicamente que as
relações internas entre eles encontra-se mantida, de modo que se lhe fará possível a
proposição de demanda regressiva em face dos demais.
Registre-se que, mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade
de reconhecer esse mecanismo de facilitação dos danos, sendo ilustrativo, por exemplo, o
julgamento do REsp 880.160/RJ41.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR AQUISIÇÃO DE PASSIVO AMBIENTAL
Ainda sobre o tema do nexo de causalidade fático entre conduta e dano, chega-se
mesmo a defender a sua desnecessidade na seara da responsabilidade civil ambiental, como
no caso paradigmático da responsabilidade do adquirente de terra já desmatada ou danificada.
Essa questão, contudo, não é tão simples, envolvendo múltiplos aspectos, os quais se
iniciam pela própria função socioambiental da propriedade agrária, titularizada pelo
proprietário, o que, segundo Patrícia Iglecias, implica então que esse “fica obrigado não
somente a um comportamento negativo, mas também a um comportamento ativo, que envolve
defender, reparar e preservar o meio ambiente”.
Segundo ela, “há um direito à preservação do bem, que é superior ao direito
individual de propriedade. É o que chamamos de direito socioambiental de titularidade
difusa. A proteção volta-se ao bem, pouco importando a sua titularidade no caso concreto”. 42
Assim, se a função socioambiental assenta a responsabilidade do proprietário em si
de toda e qualquer propriedade agrária, encontra-se ao menos construído o fundamento éticojurídico para decisões que determinam ao adquirente de imóvel agrário já degradado a
obrigação de recompor tal dano ambiental.
Particularmente, talvez um dos principais pontos em que a responsabilidade do
adquirente de imóvel rural avulta de importância está na recomposição ou regeneração tanto
41
AMBIENTAL. DRENAGEM DE BREJO. DANO AO MEIO AMBIENTE. ATIVIDADE DEGRADANTE
INICIADA PELO PODER PÚBLICO E CONTINUADA PELA PARTE RECORRIDA. NULIDADE DA SENTENÇA.
PARTE DOS AGENTES POLUIDORES QUE NÃO PARTICIPARAM FEITO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SOLIDARIEDADE PELA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL.
IMPOSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES NO TEMPO PARA FINS DE
CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DO NICHO). ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE
"POLUIDOR" ADOTADO PELA LEI N. 6.938/81. DIVISÃO DOS CUSTOS ENTRE OS POLUIDORES QUE DEVE SER
APURADO EM OUTRA SEDE. (…) 3. Também é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela
impossibilidade de que qualquer dos envolvidos alegue, como forma de se isentar do dever de reparação, a não-contribuição
direta e própria para o dano ambiental, considerando justamente que a degradação ambiental impõe, entre aqueles que para
ela concorrem, a solidariedade da reparação integral do dano. (…) (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 27/05/2010)
42
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente... Op. Cit., p. 82.
da reserva legal florestal quanto de área de preservação permanente43 eventualmente existente
pelo adquirente de imóvel rural degradado, sendo esse certamente uma das principais
possibilidades de passivo ambiental.
No tocante a esse importantíssimo tema de responsabilidade civil ambiental mesmo
que o adquirente da propriedade não tenha provocado o dano ou degradação ambiental, há de
se observar que, nos últimos anos, observaram-se modificações legislativas variadas ao longo
das últimas duas décadas até o advento do novo Código Florestal brasileiro que acabaram por
imputar normativamente a responsabilidade. De igual modo, o tema foi enfrentado pela
jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, tendo sido observado reflexa
mudança de sua orientação.
Com efeito. Legislativamente, muito embora o antigo Código Florestal brasileiro
(Lei n. 4.771/1965), com a então redação dada pela Lei n. 7.803/1989, impusesse restrições
ao exercício de propriedade no tocante à exploração das florestas de domínio privado e/ou
demais formas de vegetação nativa, impondo limites mínimos de conservação a título de
reserva legal – o limite mínimo de 20% era recorrente na então redação legislativa –, a
verdade é que a obrigação de recomposição da reserva legal somente foi incorporada ao
ordenamento jurídico brasileiro com a Lei da Política Agrícola brasileira (Lei n. 8.171/1991),
que, em seu artigo 99, determinava a recomposição pelo proprietário rural da reserva,
“mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total para
complementar a referida Reserva”, sendo que o §2o do mesmo artigo determinava que o
reflorestamento seria “efetuado mediante normas que serão aprovadas pelo órgão gestor da
matéria”.
Quanto ao velho Código Florestal em si, foi somente a MP n. 2.166-67, de 24 de
agosto de 2001, que não só introduziu a proibição de supressão da reserva mínima legal (§ 2o
do art. 16) como também impôs a própria obrigação de sua recomposição pelo proprietário ou
possuidor de imóvel rural, recomposição da “área de floresta nativa, natural, primitiva ou
regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos
incisos I, II, III e IV do art. 16”, “mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da
43
Os conceitos legislativos de reserva legal e área de preservação permanente estavam presentes tanto no antigo
quanto no novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012). No novo Código, são os seguintes: “Art. 3o Para os efeitos desta
Lei, entende-se por: II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa,
com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o
fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; III - Reserva Legal: área
localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso
econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos
ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora
nativa;”
área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios
estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente” (art. 44).
Sob esses influxos, a orientação originária do STJ era no sentido de que o novo
proprietário seria parte ilegítima ad causam para responder pela recomposição arbórea ou
florestal, já que não havia dado causa ao dano de desmatamento44, isto é, por inexistência de
nexo de causalidade entre sua conduta e o dano ambiental provocado, não havendo obrigação
legal prevista no Código Florestal para tanto, sendo, por outro lado, inaplicável o art. 99 da
Lei de Política Agrícola 45.
Porém, a partir do ano de 2002, com apoio nas normas cogentes acima indicadas,
bem ainda no entendimento de que a obrigação de recomposição seria do tipo propter rem, o
Superior Tribunal de Justiça passou definitivamente a entender pela responsabilidade civil
ambiental do adquirente pela recomposição das florestas e/ou demais formas de vegetação
nativa46 47.
44
Para além do julgado precursor EDcl no REsp 156899/PR, da lavra do Ministro GARCIA VIEIRA, julgado em
15/06/1998, vejam-se os julgados paradigmas a seguir: a) DANO AO MEIO AMBIENTE - AQUISIÇÃO DE TERRA
DESMATADA - REFLORESTAMENTO - RESPONSABILIDADE - AUSÊNCIA - NEXO CAUSAL –
DEMONSTRAÇÃO. Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de restauração de cobertura arbórea,
a particular que adquiriu a terra já desmatada. O artigo 99 da Lei nº 8.171/91 é inaplicável, visto inexistir o órgão gestor a que
faz referência. O artigo 18 da Lei nº 4.771/65 não obriga o proprietário a florestar ou reflorestar suas terras sem prévia
delimitação da área pelo Poder Público.Embora independa de culpa, a responsabilidade do poluidor por danos ambientais
necessita da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. Recurso provido.(REsp 214.714/PR, Rel. Ministro
GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/1999, DJ 27/09/1999 p. 59); b) Ação Civil Pública. Dano ao
meio ambiente. Ilegitimidade do adquirente de propriedade já desmatada. Reflorestamento. Responsabilidade. Artigo 16, "a",
da Lei 4.771/65. 1. Não tem legitimidade para figurar no pólo de ação civil pública o proprietário de terras que já as adquiriu
desmatadas, pois a ele não se pode impor o ônus do reflorestamento, se não foi o agente do dano. 2. Precedentes da Primeira
Turma. 3. Recurso não provido. (REsp 218.781/PR, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 05/02/2002, DJ 24/06/2002, p. 191)
45
É bem verdade a existência do REsp 222.349/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 23/03/2000, DJ 02/05/2000, p. 105, em sentido contrário, porém veja-se que, em nenhum momento de seu inteiro teor, o
Ministro prolator situou a responsabilidade civil ambiental de recomposição à luz do art. 99 da Lei de Política Agrícola.
46
Os dois julgados precursores da nova ordem jurisprudencial foram os seguintes: a) ADMINISTRATIVO - DANO
AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAÇÃO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE. 1. A responsabilidade
pela preservação e recomposição do meio-ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do
proprietário e o dano causado (Lei 6.938/81). 2. Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo
proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que
não tenha contribuído para devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei. 4.
Recurso especial provido. (REsp 282.781/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
16/04/2002, DJ 27/05/2002 p. 153); b) RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO.
IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER
REM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. As
questões relativas à aplicação dos artigos 1º e 6º da LICC, e, bem assim, à possibilidade de aplicação da responsabilidade
objetiva em ação civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdão recorrido. Tanto a faixa ciliar
quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de
maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Não há
cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está,
ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente,
independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial não conhecido. (REsp
343741/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 07/10/2002, p. 225)
47
A propósito do caráter propter rem da obrigação, veja-se o belíssimo e recente acórdão da lavra do Min. Paraibano
Herman Benjamim: EREsp 218.781/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
09/12/2009, DJe 23/02/2012.
Ora, num primeiro momento, sob um ótica estritamente clássica da responsabilidade
civil, poder-se-ia entender que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça simplesmente
dispensou a existência do nexo de causalidade fático entre a conduta e o dano, pois esse
aparentemente seria inexistente no caso, já que o dano foi provocado pelo proprietário
anterior do imóvel agrário.
Na realidade, contudo, para além do argumento de que a obrigação de recomposição
ambiental adviria de seu caráter propter rem – de resto normativamente introduzida no novo
Código Florestal brasileiro, o que impende reconhecer é que o nexo de causalidade no âmbito
da responsabilidade civil ambiental, como dito, é um problema muito mais jurídico-normativo
do que propriamente fático.
Em outras palavras, na hipótese em referência de responsabilidade civil ambiental
por aquisição de passivo ambiental, o nexo de causalidade definitivamente não é fático, mas
sim normativo, já que sempre derivou de deveres legais de recomposição vegetal da reserva
legal mínima, previsto tanto no art. 99 da Lei da Politica Agrícola (Lei n. 8.171/1991) quanto
no art. 44 do antigo Código Florestal de 1965.
Indiscutivelmente, agora, tanto no que se refere às reservas legais quanto às próprias
áreas de preservação permanentes – APP, mesmo no que se refere ao novo conceito legislativo
da chamada área rural consolidada até 22 de julho de 200848, tal obrigação legal de
recomposição florestal ou das demais formas de vegetação nativa, por nexo normativo e não
fático, continuará a existir à luz do novo Código Florestal brasileiro (Lei n. 12.651/2012),
derivadando-se de diversos artigos seus, em especial 7o, 17, 61-A, 61-B e 6649.
48
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: IV - área rural consolidada: área de imóvel rural com
ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris,
admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio; XXIV - pousio: prática de interrupção de atividades ou usos
agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 (cinco) anos, em até 25% (vinte e cinco por cento) da área
produtiva da propriedade ou posse, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do
solo; (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
}49
Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da
área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
49
Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da
área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da
área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os
usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de
domínio ou posse do imóvel rural.
§ 3o No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a
concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1o.
Do Regime de Proteção da Reserva Legal
Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel
rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
(…)
§ 3o É obrigatória a suspensão imediata das atividades em Área de Reserva Legal desmatada irregularmente
após 22 de julho de 2008. (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
§ 4o Sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis, deverá ser iniciado o processo de
recomposição da Reserva Legal em até dois anos contados a partir da data da publicação desta Lei, devendo tal
processo ser concluído nos prazos estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental – PRA, de que trata o art.
59. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
Das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente
Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das
atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.
(Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
§ 1o Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas
de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas
marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água.
(Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
§ 2o Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que
possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a
recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independente
da largura do curso d´água. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
§ 3o Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais
que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a
recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular,
independentemente da largura do curso d’água. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
§ 4o Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em
Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas
marginais: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012). I - em 20 (vinte) metros, contados da borda da
calha do leito regular, para imóveis com área superior a4 (quatro) e de até 10 (dez) módulos fiscais, nos cursos d’agua com
até 10 (dez) metros de largura; e II - nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d’água,
observado o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular.
§ 5o Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e
olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo
obrigatória a recomposição do raio mínimo de: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012). I - 5
(cinco) metros, para imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal; II - 8 (oito) metros, para imóveis rurais com área
superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais; e III - 15 (quinze) metros, para imóveis rurais com área
superior a 2 (dois) módulos fiscais.
§ 6o Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no
entorno de lagos e lagoas naturais, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de
turismo rural, sendo obrigatória a recomposição de faixa marginal com largura mínima de: (Incluído pela Medida
Provisória nº 571, de 2012). I - 5 (cinco) metros, para imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal; II - 8
(oito) metros, para imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais; III - 15 (quinze)
metros, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais; e IV - 30 (trinta)
metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 7o Nos casos de áreas rurais consolidadas em veredas, será obrigatória a recomposição das faixas marginais,
em projeção horizontal, delimitadas a partir do espaço brejoso e encharcado, de largura mínima de: (Incluído pela
Medida Provisória nº 571, de 2012). I - 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos
fiscais; e II - 50 (cinquenta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 8o Será considerada, para os fins do disposto no caput e nos §§ 1o a 7o, a área detida pelo imóvel rural em
22 de julho de 2008. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
(...)
§ 13. A recomposição de que trata este artigo poderá ser feita, isolada ou conjuntamente, pelos seguintes
métodos: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012) I - condução de regeneração natural de
espécies nativas; II - plantio de espécies nativas; III - plantio de espécies nativas conjugado com a condução da
regeneração natural de espécies nativas; IV - plantio de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, sendo nativas e
exóticas.
(...)
§ 16. As Áreas de Preservação Permanente localizadas em imóveis inseridos nos limites de Unidades de
Conservação de Proteção Integral criadas por ato do Poder Público até a data de publicação desta Lei não são
passíveis de ter quaisquer atividades consideradas como consolidadas nos termos do caput e dos parágrafos anteriores,
ressalvado o que dispuser o Plano de Manejo elaborado e aprovado de acordo com as orientações emitidas pelo órgão
competente do SISNAMA, nos termos do que dispuser regulamento do Chefe do Poder Executivo, devendo o proprietário,
possuidor ou ocupante a qualquer título, adotar todas as medidas indicadas. (Incluído pela Medida Provisória nº
571, de 2012).
(...)
5. CONCLUSÃO
A responsabilidade civil ambiental certamente é dos temas mais palpitantes de todo o
direito ambiental, em face da multiplicidade de possibilidades advindas das particularidades
do próprio dano ambiental, muitas vezes impossível de ser identificado e atribuído a um único
poluidor específico, algumas vezes repartível entre vários, outras tantas dano anônimo.
Diversos temas da responsabilidade civil ambiental encontram-se ainda em aberto e
são alvo de amplas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, a exemplo da teoria objetiva
encampada no direito brasileiro, se a teoria do risco integral ou do risco-proveito, ou no que
respeita à teoria indicadora do nexo de causalidade fático entre a conduta do poluidor ou dos
poluidores e o dano ocasionado ao meio ambiente.
De igual modo, diante das dificuldades do estabelecimento desse nexo de
causalidade, diversos mecanismos visando à imputação vêm sendo utilizados pela doutrina e
jurisprudência, como, por exemplo, a inversão do ônus da prova, a presunção de causalidade,
a solidariedade entre múltiplos poluidores, dentre outros.
Na hipótese específica da responsabilidade do adquirente de propriedade agrária já
Art. 61-B. Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4
(quatro) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação
Permanente, é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de
Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
I - 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais; e II - 20% (vinte
por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais.
(...)
Seção III
Das Áreas Consolidadas em Áreas de Reserva Legal
Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva
Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão
ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: I - recompor a Reserva Legal; II - permitir a
regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; III - compensar a Reserva Legal.
§ 1o A obrigação prevista no caput tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de
domínio ou posse do imóvel rural.
§ 2o A recomposição de que trata o inciso I do caput deverá atender os critérios estipulados pelo órgão
competente do Sisnama e ser concluída em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 (dois) anos, no mínimo 1/10 (um
décimo) da área total necessária à sua complementação.
§ 3o A recomposição de que trata o inciso I do caput poderá ser realizada mediante o plantio intercalado de
espécies nativas e exóticas, em sistema agroflorestal, observados os seguintes parâmetros: I - o plantio de espécies
exóticas deverá ser combinado com as espécies nativas de ocorrência regional; II - a área recomposta com espécies
exóticas não poderá exceder a 50% (cinquenta por cento) da área total a ser recuperada.
§ 4o Os proprietários ou possuidores do imóvel que optarem por recompor a Reserva Legal na forma dos §§ 2o e
3o terão direito à sua exploração econômica, nos termos desta Lei.
(...)
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e
que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será
constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões
para uso alternativo do solo.
Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa
respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão
são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.
desmatada ou danificada em repor a cobertura vegetal, chega-se mesmo a abandonar o nexo
de causalidade fático entre conduta e dano ambiental, já que quem o causou não foi o
adquirente da área, mas sim o alienante, em prol de um nexo normativo de causalidade e de
imputação de obrigação legal, postos tanto no art. 99 da Lei da Politica Agrícola, no art. 44 do
antigo Código Florestal de 1965, quanto no novíssimo Código Florestal brasileiro de 2012
(Lei n. 12.651/2012), especialmente por seus artigos 7o, 17, 61-A, 61-B e 66.
Ao encampar em sólida linha jurisprudencial essa transmutação legislativa dos
últimos anos, o Superior Tribunal de Justiça bem como outros tribunais que a seguiram, como
o próprio TRF da 5a Região50, adotam inexoravelmente caminho voltado à máxima
reparabilidade dos danos ambientais.
6. REFERÊNCIAS
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brasileiro
e
as
lições
do
direito
comparado.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8632>. Acesso em 15 de maio de 2010.
BIANCA, C. MASSIMO. Diritto civile. La responsabilitá. Milano: Giuffrè, 1994.
CATALAN, Marcos Jorge. Proteção constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela.
Método: São Paulo, 2008.
CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Renovar: Rio de
Janeiro, 2005.
DIAS, JOSÉ DE AGUIAR. Da responsabilidade Civil. XI ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
DIEZ-PICAZO, Luis Maria. Derecho de daños. Madrid: Civitas, 2000.
FARIAS, TALDEN. Introdução ao direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Curso de Direito Ambiental. 3. ed. Curitiba: Letra da lei,
2009.
GOMES, Orlando. Transformações gerais do Direito das Obrigações. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980.
50
Vale observar o instigante acórdão do TRF – 5a região a seguir, relativamente a desmatamento e obrigação de
recomposição ocorrida nos limites da região metropolitana de João Pessoa/PB: CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL
E AMBIENTAL. DESMATAMENTO. ÁREA DE RESERVA LEGAL. DESNECESSÁRIA A VERIFICAÇÃO DA CULPA
OU NEXO CAUSAL. INCUMBE AO PROPRIETÁRIO/POSSUIDOR O DEVER DE RECUPERAR A FLORA NATIVA.1.
Sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando a Companhia Usina São João ao IBAMA, a quantia de R$
50.000,00 a título de indenização, bem como executar projeto de recomposição florestal, a ser apreciado pelo referido Ente
em 90 (noventa) dias, incluindo o isolamento da área em recuperação e o plantio de espécies da flora nativa para acelerar sua
regeneração. (…) 3. Nada obstante declare a Recorrente não ter havido comprovação do desmatamento, porque a área em
questão é destinada há muito tempo ao cultivo de cana-de-açúcar, a vistoria realizada pelos Agrônomos do IBAMA e o Laudo
Pericial atestam o corte da vegetação nativa. (...). 5. A responsabilidade pela recuperação da área de reserva legal emerge da
posse/propriedade, sendo descabida a verificação de culpa ou nexo causal. Precedentes STJ. Apelo improvido. (PROCESSO:
200682000048951, AC528815/PB, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Terceira Turma,
JULGAMENTO: 24/11/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 13/12/2011 - Página 25)
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário. Análise do
nexo causal. Rt: São Paulo, 2008.
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil.São Paulo:
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MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental. Aspectos da legislação brasileira. 3. ed. São Paulo:
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KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental. Objeções à teoria do "risco integral".
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PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: RT, 2005.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 9.638, de 31 de agosto de
1981). In: As leis federais mais importantes de proteção ao meio ambiente comentadas. Coords.:
MORAES, Rodrigo Jorge e outros. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.