The Husband Project
Transcrição
The Husband Project
Para qualquer lugar que ela olhasse, parecia haver bebês, e Alison desejava ter o seu. Porém, não estava procurando um casamento, já que era uma solteira muito feliz. Queria apenas ser mãe. Foi então que surgiu o dr. Logan Kavanaugh. Ele sabia tudo sobre bebês, mas precisava de uma esposa. Se Alison concordasse em se casar com ele, poderia ter o filho que tanto queria. Mas o que ela não sabia é que ganharia também algo que nunca imaginara ter em sua vida: um marido irresistível! Digitalização e revisão: Eudna Publicado originalmente em 1998 Pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V. Título original: The husband project Tradução: Alberto Cabral Fusaro Copyright para a língua portuguesa: 1998 Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo. CAPITULO I Para onde quer que Alison Novak olhasse, tinha a impressão de ver apenas bebés. No supermercado, eles soltavam seus gritinhos e risadinhas, agarrados a pacotes coloridos. No parque pelo qual passava todos os dias, a caminho do trabalho, via-os engatinhando pela grama fofa ou se esbaldando no tanque de areia. No escritório de um de seus clientes, dois gêmeos dormiam com ar angelical sobre um aconchegante cobertor, atrás de uma enorme mesa de cerejeira. Apesar do que estava vendo, Alison sabia que Chicago não estava prestes a sofrer uma súbita explosão populacional. Sempre tivera a noção de que a natureza humana levava as pessoas a verem aquilo que estavam procurando ou querendo, e não se considerava uma exceção, Assim que alguém tomava conhecimento de uma palavra nova, tornava-se apta a encontrá-la em todos os lugares, desde painéis gigantescos até minúsculos rodapés de livros. Da mesma forma, assim que uma mulher descobria desejar desesperadamente ter um filho... Era a primeira vez que Alison admitia que aquela necessidade urgente de ter seu próprio bebê passara do limite do mero querer, atingindo uma proporção quase de desespero. Tal descoberta a fizera sentir um aperto no peito. Como que reagindo em resposta, a dor que vinha sentindo ao longo das últimas semanas voltou a se pronunciar de forma pungente em seu abdome. De fato, aquela pontada foi mais forte do que as anteriores. O sintoma lancinante se refletiu de imediato em todo o organismo, fazendo-a cambalear e começar a suar frio. No mesmo instante, mudou de ideia a respeito de voltar ao escritório e entrou no restaurante Flanagan, que se encontrava muito mais perto. O local ainda deveria estar tranquilo, então poderia ficar ali por alguns minutos até que a dor passasse, como a experiência lhe mostrara que aconteceria. Afinal, ainda faltava mais de meia hora para que suas parceiras fossem até ali para encontrá-la. As três sócias da Tríade Publicidade e Relações Públicas Ltda. se encontravam naquele lugar todas as sextas-feiras à noite, para fazer um balanço geral do andamento da semana. Com um pouco de sorte, quando Kate e Susannah chegassem, aquele mal-estar já teria passado e não haveria mais sinais de que ela passara mal. Sentando-se em uma das mesas da frente, não muito longe da porta, pediu que a garçonete lhe trouxesse água gaseificada, com uma fatia de limão. Enquanto esperava que seu pedido fosse atendido, repousou a cabeça no encosto alto da cadeira e fechou os olhos, focalizando a atenção dentro de si mesma. Embora a crise estivesse mais intensa, apresentava o mesmo padrão das vezes anteriores. Começava como uma pontada lancinante e aguda na lateral direita do abdome e se refletia até as costas. Depois a dor começava a diminuir com lentidão, assim que ela deixava o corpo relaxado e imóvel. Estava tão concentrada em analisar o próprio desconforto que nem mesmo notou que a garçonete atendera seu pedido, nem percebeu que suas sócias haviam chegado, até que ouviu a voz de Susannah. — Foi absolutamente horrível, isso sim... Oh, está cochilando, Alison? Ao abrir os olhos e se endireitar na cadeira com um movimento brusco, ela sentiu uma forte tontura. Todo o restaurante, assim como o rosto de Susannah, que trazia uma expressão preocupada, pareceram girar diante de seus olhos. — Estou bem. O que é tão horrível, Susannah? Sentando-se ao lado de Alison, a única loira da sociedade começou a responder à pergunta, enquanto Kate se acomodava do lado oposto da mesa. — A peça mais valiosa do museu Dearborn foi vítima de vandalismo, essa tarde. — A pintura de Evans Jackson? — indagou Alison, com ar surpreso. — Como alguém conseguiu imaginar uma forma de fazer isso? Em frente a elas, Kate começou a rir antes de falar: — Sua reação foi quase a mesma que a minha. Deve ter sido difícil perceber que a obra foi adulterada. Afinal, não passava de um borrão de tinta vermelha sobre uma tela branca. — Não foi isso que ela perguntou — interrompeu Susannah, com firmeza, voltandose então para Alison. — Alguém conseguiu entrar no museu com uma lata de tinta aerossol e adicionou alguns detalhes à peça. — Talvez o fato tenha até aumentado o valor da obra — murmurou Kate. — É lamentável que não saiba apreciar arte moderna — protestou Susannah, indignada. — Neste caso, nem você sabe. Então, não seja hipócrita — respondeu Kate. A loira do trio só conseguiu se manter séria por dois segundos, pois logo começou a rir, admitindo sua culpa. — Bem, isso é verdade. Cá entre nós, também achei que a peça ficou melhor agora. Contudo, quando um bem assegurado em meio milhão de dólares é danificado, é... Ei, por que não estamos em nossa mesa habitual? — Por causa do clima — respondeu Alison, lançando um olhar na direção da porta da entrada, que estava aberta. — O outono está chegando depressa, e é melhor aproveitarmos o pouco de primavera que ainda nos resta. "Nada mal para um improviso", pensou. Não tinha a menor intenção de admitir que não tivera forças para chegar até o fundo do salão, onde sempre jantavam. — Este lugar está mesmo agradável — concordou Kate. — Mas a estou achando um tanto pálida, Alison. Não me diga que andou todo o caminho desde o escritório de seu cliente, no centro, até aqui? — Já havia começado o movimento do horário de pico. Se ela houvesse tentado pegar um táxi, ainda estaria na rua — salientou Susannah, inclinando-se para a frente e observando a sócia com atenção. — Mas se fosse efeito da caminhada, ela estaria corada, e não pálida — acrescentou. — É mesmo — concordou Kate, arqueando as sobrancelhas. — Então, o que será? A loira pegou o copo e bebericou o vinho, antes de falar: — E não é só hoje. Alison tem estado muito pálida ao longo das duas últimas semanas. Sempre achei que a pele clara de nossa amiga fazia um contraste maravilhoso com seus cabelos negros e brilhantes, dando-lhe um aspecto de boneca de porcelana. Mas acho que há um limite para tudo. — E o limite da minha paciência é ultrapassado quando vocês duas começam a falar de mim como se eu não estivesse aqui! — ralhou Alison. — De qualquer maneira, estou ótima. Apenas um pouco cansada, devido à semana repleta de serviço. Ficou claro que a frase não fora nem um pouco convincente, pois Kate continuou com as sobrancelhas arqueadas, e Susannah manteve o ar desconfiado. Mas, para seu alívio, nenhuma das duas insistiu na questão. Mudando de assunto, Kate falou: — Susannah e eu tivemos algumas ideias excelentes sobre como fazer o projeto do Clube de Solitários dar certo. Alison suspirou e disse: — Sinto muito, mas, já sabem muito bem qual é minha opinião sobre essa ideia. E desde que Susannah a teve, há alguns meses. — Mas a sugestão para que eu procurasse o patrocínio de um restaurante veio de você! — protestou a loira. — E foi graças a isso que tudo começou a dar certo. — O que não me torna cúmplice desta ideia ridícula. Não posso tomar a frente de um projeto que considero infantil. — É mesmo? — questionou Kate. — Mas que tipo de publicitária e de relações públicas é você? Nós estamos sempre fazendo algo infantil! O que me diz daquela sua campanha para o parque aquático, quando criou um desenho animado com patinhos dançando? — Mas todas acreditávamos no projeto do parque aquático — lembrou Alison. — Sim, mas isso já não importa muito. Não pode querer que Susannah ou eu tomemos a frente do projeto. Só você está em condições de fazê-lo. — Porque apenas eu continuo solteira, não é? — Isso mesmo — confirmou Kate. — Você sabe que esse raciocínio é ilógico. É como dizer que não posso fazer um vídeo para dar boas-vindas aos recém-chegados a Chicago porque já moro aqui! Isso é simplesmente absur... Dessa vez não houve o menor aviso. A dor voltou a se pronunciar, com mais intensidade do que nunca. Alison se curvou, pressionando os braços contra o abdome. Sentia vontade de encolher as pernas, mas não havia espaço entre a mesa e seu corpo. O olhar de Susannah encontrou o de Kate. — Chamamos uma ambulância? — disseram, em coro. — Não! — Alison se esforçou para sentar direito. — Já vai passar. — Tem certeza? — indagou Kate, com ceticismo. — Sempre passou. — Oh, isto é um referencial excelente! Há quanto tempo tem estado assim, Alison? — Semanas — disse Susannah, com um ar preocupado. — Lembra-se, Kate? Bem na época em que você começou a ter enjoos matinais. Se não estivesse com tanta dor, Alison teria soltado uma gargalhada, diante do olhar suspeito de Susannah. — Não estou grávida. É apenas um tipo de cólica, ou algo assim. Está um pouco pior do que o normal, só isso. — Fico feliz em ouvir isso, querida — falou Kate, de forma direta. — E me desculpe pela indiscrição, mas, quando conseguiu seu diploma de médica? Vamos ver do que se trata agora mesmo. Se for buscar seu carro, Susannah, eu cuido dela por enquanto. A loira não se moveu, dizendo apenas: — Não acha melhor chamar uma ambulância? — Francamente, não sei. Mas mesmo que chamemos uma, não poderemos seguir com ela, no caso de mandarem uma daquelas unidades pequenas. Precisaremos de seu carro, de qualquer maneira. Enquanto falava, Kate pegou o celular. Susannah assentiu e seguiu em direção à porta. — Oh, Deus... — murmurou Alison, tomada por outra onda de dor, ainda mais lancinante que a anterior, levando-a a se curvar, quase caindo sobre a cadeira que estava a seu lado. Enquanto isso, Kate folheava sua agenda em um ritmo frenético. — Eu sabia que deveria ter colocado o número na discagem automática! — Não quero uma ambulância, Kate. — Estou ligando para um amigo. Surpresa, mas sem fôlego para dizer qualquer coisa, Alison conseguiu apenas virar o rosto na direção da amiga, expressando no olhar á confusão que sentia. — Um amigo médico — explicou Kate —, que por acaso é ginecologista e obstetra. — Não estou... — ...grávida, sei disso. Mas Logan é o único médico que conheço que ainda estaria no consultório depois das sete horas da noite, em uma sexta-feira. — Kate voltou a atenção para o telefone. — Alô? O Dr. Kavanaugh está? Entendo. Poderia chamá-lo pelo pager, e informá-lo para ligar para Kate Webster, por favor? É uma emergência. A pior parte da dor havia passado, e Alison conseguiu falar: — Estou com trabalho demais para que isso me atrapalhe agora. Tenho aquele vídeo para acabar e tudo mais. Mal reconhecendo o próprio tom de voz, percebeu que estava entrando em pânico. Kate havia desligado o telefone e guardado o aparelho na bolsa. — Isso mesmo. E se parar para pensar melhor, irá perceber que estou fazendo isto porque ficarei perdida se tiver de terminar seu trabalho. As palavras de Kate pareceram duras, mas seu sorriso foi terno e reconfortante. Sentindo o pânico ceder um pouco, Alison concordou. — Oh, está bem! Kate, acho que não mereço ter você e Susannah como amigas. — Posso pedir esta declaração por escrito? — indagou a loira, que se aproximava depressa, com o fôlego alterado. — Kate, estacionei o carro em cima da calçada, em frente à entrada, então não podemos perder mais nenhum minuto. O telefone celular de Kate começou a tocar. — Posso andar até lá — disse Alison, tentando se levantar. Susannah a olhou com ar de dúvida, mas se aproximou depressa para apoiá-la. Avançaram devagar pelo corredor. Já estavam quase no carro quando Kate as alcançou, dizendo: — Estamos com sorte. Logan está em um hospital próximo daqui, e acabou de sair da sala de parto. Irá nos esperar na recepção do pronto-socorro. Alison se deitou no banco traseiro, tentando encontrar uma posição confortável para se acomodar. Encolhendo as pernas e as pressionando contra o corpo, ficou em silêncio até que chegaram ao destino, minutos depois. No pronto-socorro, Susannah foi cuidar dos papéis, enquanto Kate esperava do lado de fora da sala de emergência, onde duas enfermeiras preparavam Alison para os exames preliminares. Apenas quando foi deixada sozinha em uma maca, usando apenas um avental sobre o corpo, Alison percebeu o que estava prestes a acontecer. Chegara a hora de enfrentar a verdade. Sentiu-se tola por haver acreditado que, se ignorasse o problema, nada estaria errado. Não queria admitir que seus pesadelos estavam prestes a se confirmar na vida real. A cada batida do próprio coração, sentia-se mais tensa e ansiosa. A dor era tanta que, mesmo fechando os olhos com força, não pôde impedir que lágrimas lhe escorressem pelas laterais do rosto. Permitiram que Kate entrasse. Ela se aproximou depressa, tomando a mão de Alison na sua, tentando confortá-la. — Outra pontada? — indagou com gentileza. Alison balançou a cabeça negativamente. — Não é pela dor que lamento, mas pela minha tolice. Achei que se fingisse não estar sentindo nada, tudo voltaria ao normal. — E que se não fosse procurar um médico, não haveria nada de errado com você? Foi uma atitude infantil, minha amiga. — Kate se interrompeu, abrandando o tom de voz. — Mas agora não é o momento para lhe dar um sermão. Susannah havia aparecido à entrada da sala, e já estava se aproximando. — Por que não? Ao que me parece, ela bem que merece um — disse a loira, acariciando os cabelos negros da amiga e sorrindo com simpatia. — Tudo ficará bem agora, querida. "Mas nada mais será normal na minha vida", pensou Alison. O sorriso de Susannah se tornou malicioso, ao prosseguir: — Sabe por que tenho tanta certeza? É que acabei de conhecer o médico que a atenderá, e preciso dizer que a considero uma garota de sorte. Houve um ruído vindo da direção da porta, e as duas sócias de Alison se afastaram da mesa de exames, no instante em que ela virou o rosto para olhar quem era. Mesmo naquela posição incômoda, sob a luz intensa dos refletores, e suportando uma dor imensa, percebeu logo à primeira vista que seu novo médico era o homem mais bonito e charmoso que ela já vira. Era alto e tinha ombros largos. O avental verde-claro, que pareceria comum em qualquer pessoa, caía-lhe como um terno feito sob medida. Seus cabelos eram castanhos e tinham um aspecto rebelde, formando ondas que brilhavam sob a luz forte do ambiente. O rosto tinha linhas bem definidas e o queixo proeminente denotava força de caráter. O formato dos lábios firmes anunciavam uma clara tendência para sorrir com facilidade. Conforme Logan se aproximou, Alison pôde encará-lo e fitar-lhe os olhos, verdes como esmeraldas. Aquele tom escuro e profundo fazia com que os minúsculos pontos amarelados de suas íris parecessem dourados e brilhantes. Ele a observou com atenção e interesse, mas por motivos completamente diferentes. Era quase possível notar que sua mente trabalhava como um computador, analisando os sintomas que lhe haviam sido apresentados, mesmo antes de estender a mão forte e bronzeada para Alison. — Srta. Novak? Sou Logan Kavanaugh. Desde quando está sentindo esta dor? Ele a ouviu, inclinando a cabeça de vez em quando, ao fazer anotações na prancheta que trazia à mão. Os olhos verdes pareciam nunca se afastar do rosto dela, mesmo quando Kate interrompia a narrativa para acrescentar detalhes. Então, depois de considerar-se bem informado, Logan disse: — E a dor se concentra bem aqui, não é? Alison estava certa de que, sob circunstâncias normais, o toque dele não passaria de uma pressão firme sobre seu abdome. Mas naquele momento a dor foi tanta que a levou a tentar se encolher em posição fetal, como que dominada por um espasmo involuntário. Isso até não seria grave, se Logan não estivesse curvado sobre a maca naquele instante. O movimento brusco a fez bater a testa com força contra o queixo dele. Cambaleando, Logan deu um passo atrás, levando a mão aos lábios. — Vejo que encontrei o ponto certo — murmurou ele, afastando os dedos da boca e notando que estavam tingidos de sangue. — Dêem-me licença um minuto. Assim que o viu sair, Alison voltou a se deitar, conseguindo controlar a dor. Só então notou quanto sua cabeça ficara dolorida. — Isso é o que chamo de tratamento instantâneo! — exclamou Susannah, admirada. — Você é incrível, Alison. Nunca consegui imaginar uma forma tão eficiente e rápida de me livrar de um homem! Ao acabar de falar, a loira se aproximou e deu dois tapinhas na mão da amiga. Mesmo com toda a dor que sentia, Alison não conseguiu deixar de rir, embora o som tenha saído mais como um choro do que como um riso. Ao voltar, pouco depois, Logan segurava um cubo de gelo envolto em um pedaço de gaze, pressionando-o contra o lábio inferior. Parando à distância de um passo da mesa de exame, perguntou: — O que comeu hoje? Alison fechou os olhos. — Oh, um almoço leve, bem no meio da tarde. Se está achando que estou com indigestão... — Não. E também estou certo de que as dores não são por estar com fome. Creio que seja o caso mais grave de apendicite aguda que vejo em anos. Já chamei uma cirurgiã, mas podemos adiantar algumas questões básicas enquanto a esperamos. Você é alérgica a algum tipo de medicamento? Alison balançou a cabeça negativamente, com ar preocupado. No mesmo momento, Kate interveio: — Mas é seguro esperar, Logan? Você mesmo não poderia tratá-la? — O quê? Quer que eu me arrisque a passar uma hora na mesma sala que ela, cercado de bisturis? Sua amiga já é bastante perigosa tendo apenas a cabeça como arma — disse ele, em um tom bem-humorado, mas Alison fez uma careta mesmo assim. — E não demorará para que a cirurgiã chegue. Vou completar a ficha de diagnóstico nesse meio tempo. — Não é apendicite, doutor — teimou Alison, com ironia. Por um momento, houve um silêncio tão tenso no ambiente que pareceu difícil até mesmo respirar. Era como se todos estivessem contendo o fôlego, enquanto esperavam que alguém se pronunciasse. — Desculpe-me, doutora — disse Logan, usando o mesmo tom irónico que Alison usara pouco antes. — Então qual é o seu diagnóstico? Susannah deu um passo à frente e falou: — Ela não é médica, doutor. Acho que está apenas delirando por causa da dor. — Alison — falou Kate, como se estivesse exausta. — Diga-me que não esteve lendo livros de medicina, sim? — Mas que pedido mais tolo! — ralhou Susannah. — Estamos falando da "rainha das pesquisas da cidade de Chicago", lembra-se? Aposto que Alison tem uma enciclopédia médica sobre a mesinha-de-cabeceira, e já deve estar acabando de lê-la pela segunda vez. A porta se abriu e uma mulher ruiva, de cabelos curtos e avental branco, entrou andando depressa e pegou a prancheta da mão de Logan em um gesto automático. — Muito obrigada, Kavanaugh — disse a médica, olhando para os dados contidos na ficha. — Sabia que eu tinha um encontro esta noite, não é? Foi de propósito? Ele deu de ombros. — Bem, você não deveria mesmo estar saindo com um tipo como aquele, Sara. Ignorando-o, a ruiva olhou para Alison e sorriu. — Sou Sara Williams, cirurgiã-chefe do hospital. Se me permitir completar os exames... O gelo já havia derretido na mão de Logan, e a gaze já havia sido jogada fora, mas ele levou a mão ao lábio ferido e interrompeu a colega de trabalho, falando em um tom abafado. — Acho que deve ser bastante cuidadosa ao fazer esse teste. — Vá embora, Logan — disse a dra. Williams, com firmeza. Mas ele não o fez. Alison notou que, mesmo tendo caminhado até a porta, ele parou ao lado de Kate e começou a falar algo. Mas foi impossível ouvir sobre o que conversavam. No momento seguinte, duas enfermeiras entraram na sala e uma delas lhe aplicou uma injeção. Logo depois, ela sentiu sua consciência se esvaindo. Alison só se lembrava de alguns trechos desconexos do período que se seguira. A dor não havia desaparecido, mas estava diferente. Em vez de aguda e lancinante, parecia arder e queimar por dentro de seu abdome. Tentara se manter desperta, pois a sensação de dor lhe parecia mais preocupante do que o sono induzido pela anestesia. Mas voltara a mergulhar na escuridão da inconsciência diversas vezes, antes de conseguir permanecer acordada. Por fim, abriu os olhos e percebeu uma luz ténue no ambiente. A sua volta, identificou os equipamentos comuns de um quarto de hospital, e viu Susannah sentada a seu lado, sorrindo. — O que está fazendo aqui? — perguntou Alison. — Deve ser madrugada. — E é — respondeu a loira, animada. — Fiquei com o turno da noite, montando guarda. Alison voltou a fechar os olhos, mas não se deixou mergulhar na inconsciência. — Por quê? — Porque eu e Kate ficamos com medo de você tentar se cuidar sozinha. E se viesse a se revelar tão incompetente na função de enfermeira como se mostrou em emitir diagnósticos, poderia estar com uma gangrena pela manhã — exagerou Susannah. — Então — Alison engoliu em seco —, era mesmo apendicite? — Claro que sim. Por que estava tão certa de que não era? — A dor estava em um lugar diferente. E havia muitas outras razões. Desde o dia em que procurara os sintomas em seu manual médico, e que pensara ter identificado o problema, Alison não tivera mais um minuto de paz. Relaxando pela primeira vez em semanas, deixou que sua consciência se esvaísse de novo, sem se incomodar com a sensação. Dormiu, a tranquilidade no semblante e no espírito. Pela manhã, porém, pensou estar acordando de um pesadelo. A dor que sentiu ao tentar caminhar pelo quarto não a deixou se esquecer que o que acontecera fora real. No meio da tarde, apoiando-se no suporte que sustentava o soro, conseguiu andar devagar até a janela, onde havia uma cadeira colocada em posição estratégica, para que se pudesse ter uma bela vista da paisagem. Quando ouviu alguém bater à porta, nem se deu ao trabalho de se virar. Manteve-se observando os prédios de Chicago, absorta nas lembranças do que se passara com ela naquelas semanas, pensando nas consequências graves que poderiam haver ocorrido, devido à sua falta de maturidade. — Entre — murmurou ela, em um tom distante. No momento seguinte, Logan colocou uma cadeira ao lado da dela e se sentou. O avental verde cedera lugar à tradicional roupa branca dos médicos. — Passei apenas para ver como estava se sentindo. — Digamos que eu preferiria estar em casa, assistindo a um bom programa de televisão. Ele sorriu, e os pontos dourados que se misturavam entre o verde daqueles lindos olhos, pareceram resplandecer por um momento. — Não é o que todos prefeririam? Alison fitou-o com mais atenção. Por trás daquele sorriso bem-humorado, era possível identificar evidentes sinais de cansaço. Foi então que percebeu a marca vermelha, com mais de dois centímetros de comprimento, em seu lábio inferior. Era o corte resultante da cabeçada que ela lhe dera. A visão do ferimento a fez sentir-se culpada. — Creio que esteve fazendo muitos partos, não? — Sim, quase o tempo todo. Acho que a contagem anda em torno de dezenove, desde meu último dia de folga. Mas posso ter esquecido uns dois ou três. A semana foi muito agitada. — Está de serviço o tempo todo? — Teoricamente, não. Mas imagine o que Kate sentiria, por exemplo, se daqui a alguns meses, ao entrar em trabalho de parto, ela me telefonasse com urgência e eu lhe dissesse algo como: "Boa sorte, Kate. Tenho certeza de que terá um lindo bebé. Passo por aí amanhã, para ver como andam as coisas, está bem?" — Entendi. Inclinando-se para a frente, Logan apoiou os cotovelos nos joelhos e uniu as mãos, entrelaçando os dedos. — Vim aqui por mais um motivo. Gostaria de me desculpar pelo comportamento pouco profissional que tive ontem. Alison franziu o cenho. — Como assim? — Primeiro, por dizer que não queria ficar sozinho com você em uma sala cheia de bisturis. Mesmo que eu tenha sido seu médico por apenas três minutos, antes de passá-la para Sara, não foi correto dizer aquilo. — Digamos que você teve um bom motivo para tanto. Sinto muito por haver ferido seu lábio. — Alison respirou profundamente. — Fico-lhe grata por haver me atendido ontem. Estou vendo que é um médico muito ocupado, e admito que não fui uma paciente muito cooperadora. — Está se referindo sobre discordar de meu diagnóstico? Esqueça. Mas, por mera curiosidade, pensou que estivesse com que problema? Ela desviou o olhar, voltando-se para a janela. — Eliminei todas as possibilidades quando analisei os sintomas, exceto prolapso ovariano, acompanhado de torção de trompa. — Oh, isso é interessante! Não é muito comum que um ovário se desprenda do lugar, sabe. E um prolapso acompanhado de torção é tão grave quanto apendicite aguda. Alison soltou um suspiro antes de responder. — Sim, eu sei. A voz dele foi tomada por um ar de riso. — Sua enciclopédia de medicina deve ser muito boa. Ou será que a imprensa transformou o prolapso ovariano na "doença da semana"? — Não sou hipocondríaca, dr. Kavanaugh. Não saio por aí pesquisando doenças exóticas. Simplesmente procurei o que se encaixava nos sintomas, e foi o que encontrei. Gosto de estar sempre, bem informada. — Bem, mesmo não sabendo diferenciar um apêndice de um ovário, considera-se uma especialista? — O que estava dizendo mesmo sobre postura pouco profissional? — ironizou ela. Logan pareceu ignorar o comentário, pois continuou fitando-a com a mesma seriedade. — Tem ideia de quão perto chegou de...? — ele se interrompeu e balançou a cabeça negativamente. — Esqueça. Vou deixar que Sara lhe dê o sermão sobre o risco que assumiu, não procurando ajuda médica até que fosse quase tarde demais. Ela está sendo paga para lhe dar uma lição de moral, não eu. Até mais. Alison se esqueceu da incisão, e tentou se levantar depressa, mas a dor a fez recostar-se na cadeira. No instante seguinte, Kate estava a seu lado. — Desculpe-me por não haver batido à porta, mas Logan estava de saída e a manteve aberta para mim. — Dando um abraço gentil na amiga, prosseguiu falando, enquanto colocava sobre a cama a mochila que trazia nas costas. — Agora sim, está voltando a recuperar a cor normal. Por acaso deu outra cabeçada em seu médico? Ele saiu daqui tão depressa que mal me cumprimentou. — O dr. Kavanaugh não é meu médico, e não o acertei de propósito ontem. Foi um acidente. Espere aí, essa é a minha mochila? — Oh, sua bolsa estava no carro de Susannah, então peguei suas chaves. Imaginei que os gatos precisavam de comida. — Não acredito que esqueci de meus gatos! — Calma. Não só os alimentei como também brinquei com eles. E é por isso que estou tão atrasada. Peguei algumas roupas de seu armário, para quando tiver alta e puder voltar para casa. Trouxe também sua enciclopédia de medicina. Achei que iria querer lê-la outra vez, depois dos novos eventos. Se quiser, posso pedir a Logan que lhe explique porque cometeu o erro de diagnóstico. — Não, obrigada — disse Alison, revirando os olhos. — Ele já é convencido demais sem nossa ajuda. — Ele é um homem excelente — interveio Sara Williams, entrando no quarto naquele instante. — Está se sentindo melhor? As enfermeiras me informaram de que está se saindo bem, por isso não há razão para que não vá para casa. Mas terá de seguir algumas restrições. A enfermeira encarregada lhe dará as instruções. Por acaso mora sozinha? Alison balançou a cabeça afirmativamente, mas Kate interveio. — Ela vai para minha casa por alguns dias. A médica concordou e se despediu. Assim que deixou as duas sozinhas, a sócia de Alison voltou a falar. — E eu que achava que Susannah era a "cabeça-de-vento" da Tríade. — Posso me cuidar sozinha, Kate. Não precisa me pajear. Parando o movimento que fazia como se houvesse sido congelada, Kate se virou e encarou a amiga, dizendo: — Sabe, às vezes tenho a impressão de que você não precisa de ninguém neste mundo. Ouvir aquilo fez com que lágrimas começassem a se acumular nos olhos de Alison, levando-a a lutar para contê-las. Não lhe agradava a ideia de se transformar em uma chorona. — Obrigada, Kate. Não quero ficar sozinha em casa — confessou ela. Enquanto seguiam em direção à residência dos Webster, no alto de uma elevação rochosa, junto ao lago Michigan, tudo o que lhe ocorria era a frase que ouvira da amiga. "Mas eu preciso de alguém", pensou, sem coragem de dizer o que se passava em sua mente. "Preciso de alguém para amar." Do quarto de hóspedes da mansão de Kate, Alison observava as leves ondas na superfície do lago. Estava sentada em uma cadeira na sacada, recuperando-se do cansaço que um simples banho lhe causara. Depois de algum tempo, vestiu um conjunto azul-claro de moletom e foi tomar o desjejum. Encontrou sua amiga e anfitriã entretida em preparar algumas iguarias na cozinha. — Bom dia, Alison. Quer uma omelete? — Não precisa me paparicar, Kate. Estou vendo que terá um bocado de trabalho preparando o almoço para seus convidados. — Tem certeza de que a reunião não a incomodará? Ainda posso telefonar e cancelar o evento. Nossos amigos compreenderão, sem o menor problema. — Não faça isso, por favor. Aí sim eu me sentiria um verdadeiro estorvo. — Eles não se incomodariam — insistiu Kate. — Mas eu, sim. Esse evento está planejado há semanas, e não quero que o cancele, está bem? — Se já está decidida, não há porque discutirmos. Devo colocar um lugar à mesa para você? Está com uma aparência muito melhor esta manhã. — E aumentar a quantidade de pessoas para lhe dar trabalho? Esqueça. Vou preparar um lanche leve, como indicou a enfermeira, e levá-lo para o terraço. Ficarei lá, admirando a vista e aproveitando esta mordomia toda por algumas horas. Cuide de sua festa, Kate. Ficar ausente não me incomodará em nada, e seus convidados nem mesmo saberão que estou aqui. Depois de beber um copo de suco e de comer apenas uma fruta, Alison preparou um sanduíche leve e o levou consigo para o quarto. De sua sacada, tinha acesso à parte traseira do terraço. Ficou sentada por mais de duas horas em uma das espreguiçadeiras, lendo um livro, até que se cansou de ficar parada. Após comer o lanche, foi até a borda da área cimentada e se encostou na tubulação cromada que cercava o local. Observando que estava a mais de trinta metros de altura, sobre o leito de rochas que margeava o lago, pensou no trabalho que Kate teria para tornar aquele local seguro para uma criança. Daria algumas sugestões a ela mais tarde. De súbito, distraiu-se com o pensamento de ter um bebe nos braços, e perguntou-se se estaria sob a influência de suas amigas. Kate estava grávida, e Susannah planejando engravidar. As duas haviam se casado em um período de menos de três meses. Parecia incrível que tantas mudanças houvessem ocorrido em suas vidas em tão pouco tempo. Mas sabia que o desejo de ter um filho não era mera indução. Sempre sonhara com isso, mas não via uma saída prática para satisfazer seu desejo. O problema era que estava com vinte e oito anos, e seria mais saudável ter logo o primeiro bebê. Sentia-se aliviada por haver descoberto que não tinha problema algum. Assim que se recuperasse da cirurgia, não haveria impedimento para que engravidasse. Exceto um. Era solteira e pretendia permanecer assim. Não que faltasse pretendentes em sua vida, mas não se interessava por eles a ponto de se casar. Absorta em seus próprios planos, não notou o ruído de passos se aproximando. — Não está pensando em pular daí, está? — perguntou uma voz grave e suave, fazendo-a perceber que já não estava mais sozinha. Virando-se depressa, Alison fez uma careta de dor. Logan a alcançou em uma fração de segundo, segurando-a com firmeza ao vê-la cambalear. — Pode me soltar. Não tenho tendências suicidas. — Isso é bom. Sara me disse que teve o cuidado de deixar uma cicatriz mínima em seu abdome, para que não ficasse envergonhada de usar biquini no próximo verão. Eu odiaria ver o trabalho dela desperdiçado. Alison revirou os olhos. — Aposto que sim. Logan não a soltou. O braço musculoso estava pousado por trás de seus ombros, segurando-a com firmeza, mas sem machucá-la. Podia sentir o calor daquele corpo másculo, mesmo através do tecido de sua roupa. Parecia estranho sentir-se tão à vontade sob o toque de Logan, mesmo que aquela proximidade fosse injustificável no momento. Pelo visto, ele esquecera que a estava abraçando. Mas tratava-se de um problema de fácil solução. Bastaria encará-lo com frieza e dizer algo sarcástico e desencorajador. Porém, ao encará-lo, logo percebeu que estava diante da solução para seu maior problema. — Dr. Kavanaugh, poderia me ajudar a ter um bebê? CAPÍTULO II Alison teve apenas uma certeza: nenhum comentário, por mais sarcástico que fosse, deixaria Logan tão atônito quanto aquela simples pergunta. De fato, ele se afastou dela como se houvesse levado um choque. Seu semblante parecia calmo, mas os brilhantes olhos verdes demonstraram incredulidade. — Ora, doutor. Como é um médico especializado em ginecologia, achei que soubesse de que forma... Só então ela percebeu o duplo sentido daquilo que dissera. Logan notou o embaraço de Alison, e assumiu uma expressão satírica. — Se está me perguntando se sei de onde vêm os bebês, digamos que estou bem familiarizado com o princípio. — Tenho certeza de que isso é reconfortante para suas pacientes — disse Alison, com frieza. — Mas acho que é melhor deixarmos tudo bem claro, logo a princípio. Não se sinta lisonjeado, pois não estou pensando em você como um pai em potencial. — Bem, isso é reconfortante para mim. Por acaso pretende se submeter a um procedimento artificial, dedicado a casais com problemas de fertilidade? — Sim, isso mesmo. — Bem, desculpe-me se a pergunta for tola, mas, por que não usa o método tradicional? — Não vejo por que lhe deveria tal explicação. Vai me ajudar ou não? — Sem ter a menor ideia do que se passa em sua mente? De modo algum! — E se eu me explicar? — Dependerá do que disser. Para ser sincero, devo avisar que há setenta por cento de chance de não me convencer, mas estou disposto a ouvi-la. Ele cruzou os braços e se encostou na tubulação da cerca, com uma expressão tranquila de quem poderia esperar ali o dia inteiro. Mordendo o lábio inferior, Alison tentou compreender por que não estava conseguindo dizer nada. As palavras lhe fugiram da mente. Então percebeu que não era o assunto em si que a estava abalando, mas a forma como ela estava sendo observada. Quando Logan a vira antes, na sala de exame do hospital, assumira uma postura profissional. No momento, porém, estava sendo perscrutada por um olhar bastante pessoal. Então se descobriu curiosa, querendo saber o que ele estaria achando da diferença de tê-la visto pálida, suando frio e se contorcendo de dor, em comparação ao que via naquele momento. — Se pretende me dizer que não há nenhum homem em sua vida, esqueça. Não conseguiria me convencer — falou Logan, depois de alguns minutos de silêncio. — Claro que há homens na minha vida. Na verdade, este é maior problema. Há homens demais. Logan arqueou as sobrancelhas. — Mas isso deveria ser bom — salientou ele. — Oh, acho que já entendi! Os rapazes ficariam magoados se descobrissem que você escolheu um deles em meio aos outros. Então, para manter o equilíbrio, está procurando por um doador anônimo. Sim, isso faz sentido. Alison o encarou com seriedade. — Tenho muitos amigos do sexo masculino. Mas o ponto-chave é que são amigos, e quero mantê-los nesta categoria. Mesmo que eu tivesse um breve caso com algum deles, toda a situação mudaria. — Bem, já que mencionou dessa forma... — Uma vez que um relacionamento se torna íntimo, é impossível voltar a ser apenas uma amizade normal e sincera. — E não há nenhum de seus amigos que valha a pena ser sacrificado pela causa? — Há ainda o problema de que o escolhido saberia ser o pai da criança, e isso criaria todo tipo de dificuldade. Logan estalou os dedos. — Já sei! Se tivesse um caso temporário com todos eles ao mesmo tempo, haveria uma espécie de "equilíbrio de incertezas", e ninguém teria certeza sobre a paternidade. — Dr. Kavanaugh! Esta sugestão está muito distante da postura profissional que eu esperava ter de sua parte! — Mas seria a solução perfeita. Nem mesmo você saberia sobre o pai. — Ele se interrompeu, de repente, assumindo um tom teatral de lamentação. — Se bem que eles poderiam se prontificar a fazer um exame de DNA. Você tem razão. Tentarei manter o foco da atenção no ponto principal. — O pai de uma criança tem certos direitos. — Isso sem falar das responsabilidades — lembrou Logan. — Essa parte não me preocupa. Financeiramente, posso criar um filho com facilidade. Poderia até mesmo levar o bebê comigo para o trabalho. Não duvido que seria uma ótima mãe. — Mas estaria sozinha. Já lhe ocorreu que a criança poderia sentir falta de ter um pai? — Todos não gostariam de ter um? Mas o fato é que muitas crianças acabam sofrendo durante a crise da separação do casal e nas brigas pela custódia, quando o relacionamento não dá certo. Logan não discordou, permanecendo em silêncio, enquanto Alison prosseguia: — E eu me sairia melhor no papel de mãe do que a maioria das pessoas que conheço. Se acha que não vou sair para jogar beisebol com meu filho, caso seja um garoto, pode ficar tranquilo, pois jogo muito bem. Poderei fazer tudo o que for necessário. Logan começou a aplaudir com ironia. — Bravo, bravo! — Quero apenas ter um bebê — insistiu Alison, obstinada. — Não desejo dar a nenhum homem o direito de interferir na minha vida, nem na do meu filho, pelos próximos anos. Não pretendo ter de me preocupar com a visita do próximo final de semana, nem em discutir sobre a criança precisar ou não cortar os cabelos. Isso é tão estranho assim? — Pretende me dizer por que não é estranho, acertei? — Eu concordaria de bom grado em nunca pedir ajuda financeira, em troca de que o pai não exigisse os direitos de paternidade. — Agora você está sendo razoável — falou Logan. — Muitos homens considerariam sua proposta até muito interessante. Afinal, está oferecendo a parte prazerosa, com total isenção de responsabilidade. — Mas este é o ponto principal. Sei que minha promessa será cumprida, mas como poderei ter certeza de que ele honrará o compromisso? Mesmo que pense assim no presente, o que garante que não mudará de ideia no futuro? — Obrigue-o a assinar algum tipo de contrato. — Acha mesmo que isso faria diferença? Se esse suposto pai reaparecesse dois ou três anos depois, o que o impediria de me processar? Basta ler os jornais para perceber que está cada vez mais difícil limitar os direitos do pai nas ações judiciais. — Alison, este argumento é bastante interessante, mas... Ela arqueou uma sobrancelha, com ar curioso, interrompendo-o. — Desculpe-me por dizer isso, mas não sugeri que me tratasse pelo primeiro nome. Por acaso suas pacientes o chamam de Logan? — A maioria sim. De qualquer forma, isso não vem ao caso. Você não é, nem será, minha paciente. — Então não vai me ajudar? — indagou Alison, desapontada. — Mesmo depois de ouvir seus tão aclamados argumentos, ainda não concordo que precise de uma intervenção médica para começar um processo que está entre os mais antigos e naturais do mundo. Além do mais, acabei de perceber que não gostaria de tê-la como paciente. Vou lhe dar meu cartão, para que possa falar com minha enfermeiraassistente. Ela poderá fornecer os nomes e os telefones de outros médicos, que talvez se mostrem mais inclinados a ajudá-la. — Oh! Logan tirou a carteira do bolso da calça e retirou um cartão de visitas. Mas não o entregou a ela. Para total surpresa de Alison, ele segurou à mão dela entre as dele, levando-a aos lábios. — Mesmo assim, agradeço por haver compartilhado essa confidência comigo. Foi... — ele vacilou, levando-a a pensar que diria a palavra "divertido", mas a surpreendeu ao completar — ...memorável. Colocando o cartão sobre a palma de sua mão, dobrou-lhe os dedos sobre o papel e, sorrindo com tranquilidade, afastou-se sem olhar para trás. A caminhada entre sua casa e a sede da Tríade demorou muito mais do que Alison imaginara. Estava mais atrasada do que nunca quando subiu os degraus da varanda, mas a mera visão do casarão a fez sentir-se melhor. Não confessaria para ninguém, mas admitiu para si mesma que estava mais trémula do que imaginou que ficaria. A recuperação da cirurgia não era tão rápida quanto imaginara. Notou um movimento na janela da casa geminada à empresa, e soube que a sra. Holcomb estava espiando pela janela. A velha senhora era uma reclusa, e desde que haviam montado a firma ali, três anos e meio antes, só a viram sair de casa uma única vez. Nos meses anteriores, ela chegara até a falar com Susannah e com Kate. O fato de a velha senhora parecer ter medo dela, deixou-a incomodada. — Sou tão gentil quanto minhas sócias, sra. Holcomb — falou baixinho. — Só preciso que me dê uma chance. Rindo da própria preocupação, abriu a porta da frente. Estranho, mas teve a impressão de que fazia um ano desde que estivera ali pela última vez, embora fizesse pouco mais de uma semana. Parando à entrada, respirou profundamente, dando-se conta de que aprendera a amar aquele lugar. A luz entrava pelo painel de vidro fume que havia sobre a porta da frente, espalhando uma luminosidade amarelada pelo assoalho de madeira encerada e pelo tapete da recepção. Ouviu a risada de Kate, vinda do escritório da frente, no andar de cima. O aroma de café se misturava ao cheiro das fotocópias, ainda quentes, recém-saídas da máquina que ficava ao lado da mesa da recepcionista. Conforme Alison se aproximou da recepção, a secretária se levantou com um sobressalto, quase derrubando um vaso de flores. — Você voltou! Ajeitando o vaso na posição original, Alison cheirou um botão de rosa semi-aberto. — São lindas, Rita. Espero que essas flores sejam apenas um galanteio romântico, pois se forem de alguém querendo agradá-la, para contratá-la e tirá-la de nós, terei de tomar uma atitude drástica. Rita ficou ligeiramente enrubescida, fazendo os cabelos grisalhos parecerem mais prateados do que de costume. — Meu filho as mandou, por causa de meu aniversário — explicou a secretária. — Pensei que fosse ficar afastada mais uma semana, Alison. — Estava cansada. Toda vez que tentava seguir as ordens do médico e repousar, algum dos gatos decidia subir no meu colo. Entre ficar sentada à minha mesa, e ter um gato persa dormindo sobre a incisão em meu abdome, optei por voltar ao trabalho. — Bem, pela aparência, você parece prestes a desmaiar — advertiu Rita. — Ficará mais tranquila se eu me sentar aqui para ler meus recados? — disse ela, olhando para a pequena pilha de papéis em sua bandeja de correspondência. — Isso é muito pouco para uma semana inteira. E eu que pensei ser indispensável para a empresa. — Estas são apenas as mensagens pessoais, de quem telefonou para sua casa e não a encontrou por lá. Mas Alison já não estava prestando, atenção, pois se concentrara nos recados. Começou a sorrir aó pensar nos amigos que cultivara com tanto cuidado ao longo dos anos. E Logan tivera a audácia de lhe perguntar se nenhum deles merecia ser sacrificado pela "causa". Mesmo que não soubesse que ele estava sendo sarcástico, jamais poderia aceitar a ideia de pôr em risco alguma de suas amizades. Havia poucos homens que conseguiam manter um relacionamento sadio e amigável com uma mulher, sem que isso viesse a envolver sexo. Não esperava que o dr. Kavanaugh compartilhasse de tal adjetivo, portanto nem deveria haver se ofendido com tal pergunta. Demorou um pouco até que percebesse que Rita estava falando com ela, em um tom suave e tranquilo: — Kate e Susannah se alternaram no atendimento das ligações de seus clientes. Além disso, Kate esteve cuidando do vídeo promocional, enquanto Susannah assumiu o Clube de Solitários. — Por acaso ouvi alguém mencionando meu nome? — disse Kate, aproximando-se e parando em frente à cadeira da amiga, com os braços cruzados, batendo o pé no assoalho, com indignação. — O que está fazendo aqui? Pelo que me consta, ainda não deveria estar dirigindo. — Quem disse que eu dirigi? — Oh, por favor, diga-me que pegou um táxi! Não venha me contar que caminhou de sua casa até aqui. — A dra. Williams mandou que eu fizesse exercícios leves. — Mas tenho certeza de que ela estava pensando em algo bem mais leve do que uma caminhada de um quilômetro. Por que não telefonou e pediu uma carona? — Porque você seria a primeira a me mandar ficar em casa — disse Alison, sorrindo ao ver o ar de admissão no rosto da amiga. — E já que estou aqui, não custa nada fazer um pouco do trabalho acumulado. Subindo a escada que levava a seu escritório, tomou cuidado duplicado para não tropeçar nem vacilar. Estava mais preocupada em não dar motivo para ouvir, algo como "eu bem que avisei", do que com sua integridade física, pois Kate a seguiu de perto, passo a passo, até a porta de sua sala. Jamais se arrependera de escolher aquele local. Enquanto suas sócias se acomodaram nas salas da frente, ela preferira ficar com a última, mais ao fundo do corredor, e a mais distante da escada que levava ao terceiro piso, onde ficava a sala de produção da empresa. Assim não era incomodada pela movimentação de suas amigas nem pelos ruídos que vinham dos equipamentos no andar de cima. Na verdade, a computador e as impressoras eram silenciosas, mas as usuárias geralmente, não. Pegou então as pastas dos principais projetos;em andamento. O vídeo promocional sobre a cidade de Chicago, feito com a intenção de atrair a atenção de grandes industriais, comerciantes e de possíveis turistas para a região, já estava em seu estágio final. O Clube de Solitários também acabara sob seus cuidados, e ela teria de fazer daquela ideia maluca um grande sucesso. Principalmente tendo um dos restaurantes mais refinados do país como patrocinador. Envolveu-se no trabalho, e não notou o passar das horas. Só percebeu que estava cansada ao tentar se levantar para pegar um caderno de notas. Sentiu uma dor tão forte no local da incisão que teve de se apoiar na mesa para não cair. Sentindo uma forte tontura, tentou se acomodar no sofá pouco confortável, embora delicado e feminino, que decorava sua sala. Ao contrário do divã dobrável que havia no escritório de Kate, e do móvel todo arredondado e estofado que Susannah comprara, Alison optara por algo que não deixasse suas visitas se acomodarem demais. Não gostava de perder tempo com algo que não tivesse um objetivo produtivo. Enquanto tentava ficar em uma posição que aliviasse sua dor, sentiu-se arrependida por haver sido tão eficiente em sua escolha. Mesmo sendo bonito, o sofá era uma verdadeira tortura! Com os olhos fechados, flagrou-se pensando em todos os eventos dos dias anteriores. Por mais que desejasse ter um filho, não compreendia por que chegara ao extremo de conversar sobre algo tão íntimo com Logan, que era praticamente um desconhecido, quando estava no terraço de Kate. Só poderia ser algum efeito de alucinação pós-operatória. Se Susannah soubesse do evento, jamais iria perdoá-la. Alison, a mais madura, prática e responsável da Tríade, lançando-se de forma impetuosa sobre um médico, pedindo que ele a ajudasse a ter um filho? Seria munição para que a amiga risse dela por toda uma vida! Sentindo a mente começar a rodopiar, continuou quieta e nem tentou abrir os olhos. A princípio, não compreendeu que tipo de festa era aquela, nem como fora parar ali. Só sabia que o ambiente parecia um filme antigo, em preto-e-branco... Percebeu que estava carregando um bolo e que havia uma multidão à sua volta. Sobre a cobertura do bolo, uma única velinha brilhava solitária. De repente, as pessoas se afastaram de forma a criar um corredor que a levava até uma mesa, onde uma linda menininha se encontrava sentada em um cadeira própria para crianças, olhando-a com expectativa e curiosidade. Sorrindo e dando um passo adiante, Alison tropeçou e caiu. A vela se apagou um segundo antes de seu rosto mergulhar no bolo. Acordando com um sobressalto, Alison voltou a se ajeitar nas duras almofadas do pequeno sofá. — Mas que sonho! — falou consigo mesma, enquanto se sentava com cuidado. Voltando a pensar no que acontecera naquele dia, no terraço de Kate, tentou compreender por que depositara tanta esperança em Logan. Como pudera ter esperança de receber ajuda dele? Mas o fato de haver falado com a pessoa errada não tornava a ideia tão tola assim. Mesmo que estivesse acometida por algum tipo de insensatez pós-operatória, aquele parecia ser o melhor meio de sanar seu desejo de ter um filho, sem problemas adicionais. Pegou o cartão que estava em sua bolsa. O mesmo que recebera de Logan pela manhã, e que ficara tentada a rasgar. Por sorte, não o fizera. Ele mesmo sugerira que sua enfermeira-atendente poderia indicar médicos que estivessem inclinados a ajudá-la. Sendo assim, por que começar uma busca insana pelas páginas amarelas, se poderia ter ajuda inicial de alguém especializado? Mal acabara de discar, quando ouviu alguém bater à porta. Susannah entrou em seguida, dizendo: — Rita falou que você esteve perguntando sobre... Oh, desculpe-me. Quer que eu volte mais tarde? Para variar, o sincronismo de Susannah se mostrava incrível. Alison levou o aparelho de volta para o gancho, mas, a meio caminho, alguém atendeu a ligação, e a voz da pessoa ecoou pela sala silenciosa: — Obstetras e Ginecologistas Associados, bom dia? "Mas que nome comprido", pensou Alison. "Qualquer dia a telefonista acabará tendo cãibra na língua". — Desculpe-me, número errado — disse ela, antes de colocar o fone no gancho e olhar para Susannah. — Pode entrar. A loira se acomodou na cadeira que ficava do outro lado da mesa, entregando uma folha amarela para Alison. — Fiz uma lista de todas as chamadas que atendi por você, e anotei o que providenciei para os poucos casos em que o cliente disse não poder esperar. A maioria achou melhor aguardar pelo seu retorno ao trabalho. — Obrigada, querida — disse ela, olhando para a lista sem identificar nenhuma urgência. — Foi um prazer. Oh, sabe aquela pintura que foi danificada por um vândalo? — A tela de Evans Jackson? — Isso. O artista está vindo até a cidade para inspecionar os danos. Como publicitária e relações públicas oficial do museu, terei de comparecer ao evento. Gostaria que me acompanhasse, caso esteja livre no dia marcado. — Por quê? Nunca me envolvi na campanha do Dearborn. — Acho que precisarei de apoio moral. Ou até de um advogado. — Mas ninguém pode culpá-la pela atitude do vândalo, não é? — Claro que alguém pode fazê-lo. Fui eu quem sugeriu que, em lugar de um simples livro de registros, eles colocassem uma tela branca à entrada, para que os visitantes deixassem seus comentários com canetas hidrográficas. Quando os membros da diretoria começarem a procurar um bode-expiatório, poderão se lembrar que foi minha a ideia de incentivar as pessoas a escreverem em telas. — Isso é ridículo. — E desde quando algo assim evitou que algum cliente nos culpasse por problemas profissionais? Já fomos envolvidas em situações muito mais complicadas. O evento será no sábado. Não neste, mas no próximo. E então? Irá comigo? Olhando a agenda, Alison respondeu: — É no mesmo dia da reunião inaugural do Clube de Solitários. Terei de ir direto do museu para o restaurante Coq Au Vin. Talvez eu possa até falar com o diretor do museu, para que ele patrocine um evento desse clube idiota. — Acho melhor parar de se referir assim ao projeto, ou isso vai escapar em uma hora indevida. Posso até imaginar o vexame acontecendo, durante alguma entrevista. Tome cuidado, sim? — Após uma breve pausa, acrescentou: — Pretende fornecer certificados aos membros? Seria interessante, pois as pessoas poderiam comprá-los para dar de presente a outras. — Eu não havia pensado nisso. — Se for colocar a sugestão em prática, avise-me. Quero comprar um para dar de presente a Evans Jackson, durante sua visita ao museu — disse Susannah.— Kate me contou que você e Logan Kavanaugh não se encontraram apenas no hospital. Soube que passou mais de uma hora com ele no terraço da casa dela. — Contou, é? — Sim. E então? Deu-lhe outra cabeçada? O que aconteceu? — Nada. — Pare com isso, Alison. Não me diga que pretende apenas colocá-lo em sua interminável corrente de amigos. — De jeito nenhum! Susannah se ajeitou na cadeira, com a graça de uma bailarina. — Oh! Agora sim, estamos chegando a algum lugar. Se não quer ter a amizade dele, deve estar sentindo uma forte atração. Alison colocou uma pasta na gaveta de sua mesa e a fechou com força, encarando a amiga com ar de desdém. — Sabe, Susannah, minha vida era bem menos complicada antes de você e de Kate perderem o juízo e se apaixonarem. — Hum, admito que a minha também. Mas hoje vejo que antes a vida não tinha a menor graça. E então? guando pretende vê-lo outra vez? — Não tenho a mínima intenção de fazê-lo. — É mesmo? — disse a loira, levantando-se para sair. — Neste caso, por que estava ligando para o consultório dele? Ouvi a recepcionista atendendo à ligação. Aliás, o nome da clínica é horroroso, não acha? Alison arregalou os olhos. — E por que desligou o telefone sem se identificar, no momento em que entrei? — Susannah perguntou. — O que poderia ser tão secreto, que eu não deveria ouvir? Sorrindo com ar angelical, ela saiu sem esperar por uma resposta. A semana seguinte foi uma verdadeira loucura na vida de Alison. Todos os clientes voltaram a ligar, precisando de soluções e de projetos com mais urgência do que nunca. Aliado ao cansaço físico causado pela cirurgia ainda em cicatrização, o excesso de trabalho a levou a sentir-se exausta. E ainda nem era sexta-feira. Já era noite quando pegou a carta que acabara de redigir e, já com a alça da bolsa no ombro e o casaco dobrado sobre o braço, desceu para colocá-la sobre a mesa de Rita. Todos já haviam partido. Sozinha, permitiu-se bocejar e espreguiçar antes de caminhar em direção à saída. No momento em que abriu a porta, deparou-se com a alta silhueta de um homem à sua frente, fazendo-a recuar depressa. Como havia apagado as luzes, e a iluminação da rua estava bem atrás dele, pôde apenas ver o vulto e notar que o flagrara com o dedo a centímetros do botão da campainha. Encontrando o interruptor, acendeu a luz interna. Mas já não estava assustada naquele momento. Algo, talvez a intuição, dissera-lhe que só poderia se tratar de uma pessoa. — Dr. Logan Kavanaugh. — Olá. Quando notei as luzes se apagando, me apressei para tocar a campainha, mas você foi mais rápida. — E isso me dá direito a algum prémio? — ironizou ela, sem se mover. — Não vai me convidar para entrar? — Por que deveria fazê-lo? O horário comercial já acabou. — Parece-me que seu turno de serviço é flexível como o meu, estendendo-se até que o serviço se esgote. Alison notou que ele parecia mesmo cansado. Ficando de lado, gesticulou para que ele entrasse e perguntou: — Aceita uma xícara de café? — Se já estiver pronto, sim, aceito. — Não demorarei nem um minuto para preparar café fresco. Pode acreditar que não aguentaria beber o que está agora na cafeteira. Logan deu de ombros, seguindo-a até a cozinha. — Garanto que já bebi piores nos plantões hospitalares. Alison lavou as peças principais da cafeteira e colocou-a para funcionar. — E então? O que o traz até aqui? Não, não me diga. Ficou tão feliz em haver acabado seu trabalho mais cedo que resolveu me aceitar como sua paciente. — Na verdade, hoje seria minha tarde de folga — disse ele, com desânimo. — Se eu fizesse uma loucura dessas a cada motivo de comemoração, provavelmente já teria sido internado em um hospício. Para ser sincero, pensei que você houvesse mudado de ideia sobre seus planos, já que não ligou pedindo referência alguma. Alison colocou uma xícara de café diante dele, servindo outra para si mesma. — Estou impressionada que com todas as pacientes que possui tenha tido o trabalho de se manter informado a meu respeito. Ao vê-lo sorrir, percebeu que até mesmo os sinais de cansaço desapareciam quando ele manifestava seu bom humor. — Estou apenas praticando defesa pessoal. Na verdade, só hoje é que vim a saber que não havia telefonado. — Por que hoje, em especial? Ambos estavam sentados à mesa da cozinha, e ele levou a mão ao bolso interno da jaqueta de couro que usava sobre a camisa branca. — Isso aqui chegou pelo correio, logo cedo — disse Logan, entregando um envelope a ela. — Não creio que saiba do que se trata, não é? Estava endereçado a ele, e o remetente era a Tríade. — Não imagino o que o levou a pensar que eu lhe enviaria algo. — Vamos, abra. — Não sei. Pela sua postura, posso não querer que minhas impressões digitais fiquem marcadas aí dentro — murmurou Alison, abrindo o envelope e retirando um dos certificados do Clube de Solitários de Chicago. "Susannah, sua casamenteira!", pensou, não conseguindo conter o riso. Por isso sua sócia sugerira aquela opção de enviar certificados de presente. Fora tudo premeditado. — Acha que fui eu que o enviei, não é? Lamento, mas não posso ficar com o crédito de haver lhe dado esse presente. Sorte sua. Isso custa caro. — Como saber se apenas não quer admitir que foi você? -— Garanto que não tive nada a ver com isso. Tenho minhas suspeitas de quem pode ter feito tal arranjo, mas nenhuma prova. — Mas sua assinatura está aí. — Claro que sim. Todos os certificados são assinados, e depois Rita preenche os dados necessários. Como existem registros de todos os pedidos, amanhã cedo posso descobrir quem fez isso. — É uma pena. Fiquei tão confiante de que havia sido você que até lhe trouxe um presente em retribuição. Alison o observou retirar uma caixa branca do bolso interno da jaqueta, e colocá-la sobre a mesa. — Quanta gentileza — murmurou ela. — Mas ainda não entendi por que achou que fui eu. — Porque a ideia parece ser mais um de seus planos. Quando soube que não procurara por aconselhamento com minha assistente, esse certificado se encaixou em sua lógica distorcida. Qual a melhor maneira de ter uma grande variedade de homens à disposição, senão fundando seu próprio Clube de Solitários? — Para que eu pudesse escolher um deles para ser o pai do meu filho? — indagou Alison, com ar incrédulo. — Não diga tolices. Mesmo que eu fosse tola o suficiente para pensar nisso, por que o convidaria? — Talvez para me mostrar que estava disposta a assumir grandes riscos, e tentar me forçar a ajudá-la. — Na minha opinião, você preferiria lançar um alerta geral para proteger seus semelhantes, os homens, a me ajudar. Mas pode ficar tranquilo. Vou falar para Rita cancelar esse certificado amanhã cedo, e lhe enviar um cheque de devolução do valor. — Sua mãe não a ensinou que é feio devolver um presente em troca de dinheiro? — Na verdade, não — respondeu Alison, com ironia. Logan pegou o certificado de volta e o colocou no bolso. — Além disso, alguém julgou que eu iria gostar dessa brincadeira. Quem sabe? Talvez seja verdade. O mínimo que posso fazer é aparecer por lá e estar pronto para, como disse? Lançar um alerta geral? De qualquer modo, obrigado pelo café. Levantando-se e se despedindo de maneira teatral, ele partiu. Alison ficou olhando para a xícara vazia. Depois de algum tempo, sorriu. Era óbvio que Logan não pretendia aparecer no encontro do clube. Ele só queria deixá-la apreensiva. Mas esquecera a caixa com o presente que comprara para ela. Se estivesse fechada com fita, ou embrulhada, Alison jamais iria abri-la. Mas sua curiosidade não pôde resistir à tentação de ver aquela caixinha branca, totalmente desprotegida, pedindo para ser aberta. Logan jamais saberia que ela olhara. Em meio a um punhado de algodão fofo, viu um lindo broche de prata, esculpido delicadamente à mão, na forma de um músico tocando uma flauta. Levou o dedo à delicada peça e teve a impressão de sentir calor e prazer ao tocá-la. Fechou-a depressa na embalagem, como se estivesse correndo algum risco. Assim que tivesse oportunidade, iria devolver o presente. CAPITULO III Alison havia acabado de arrumar sua pasta com o material que precisaria para presidir a inauguração oficial do Clube de Solitários de Chicago, quando Susannah. entrou em sua sala. — Lindo vestido preto — disse a amiga, ao vê-la. — Obrigada. Não é bem o que costumo usar quando vou ao museu em uma tarde de sábado, mas terei de ir direto aa Coq Au Vin para o encontro do clube. — Ainda bem que parou de falar termos pejorativos em suas citações. Sabe, acho que vai gostar muito mais deste projeto do que imagina. Alison entendeu aquela frase muito bem. Sua amiga nem desconfiava de que ela já estava sabendo do certificado de Logan. — Não conte com isso, mas pode ficar tranquila, pois farei o possível para a ideia dar certo. Mas não acabei meu serviço. Se quiser ir na frente, sinta-se à vontade. Posso pegar um táxi e encontrá-la no museu. — De jeito nenhum. Pedi para me dar apoio moral, e não pretendo mergulhar no caldeirão de piranhas sem alguém, para me salvar. Isso significa que quero entrar lá com você a meu lado. Alison pegou a caixa com o broche para colocá-la em sua bolsa, mas a tampa se abriu e o objeto caiu sobre a mesa. Susannah o pegou na mão. — Que lindo! Vai colocá-lo agora? Vejo que o escolheu porque combina com o vestido. — Não acha que é um pouco exagerado para usar no museu? — De modo algum. Deixe-me ajudá-la a colocá-lo — disse Susannah, encaixando-o no vestido, sem esperar por uma resposta. Sentindo-se culpada por não dizer a verdade, Alison achou que seria mais fácil ficar calada do que mentir. Logan jamais saberia que estava usando aquela peça de joalheria. Assim que saísse do museu, colocaria o broche na caixa e, caso ele aparecesse no clube, iria devolvê-lo. Quando chegaram ao museu, Susannah foi conversar com os membros da diretoria. Acompanhando-a de perto, com a peça de prata presa ao vestido, Alison verificou que não haveria acusações nem alguma insensatez. Como imaginara, sua amiga estava se saindo bem. Afastou-se então para ir falar com Pierce, o diretor, e pedir-lhe para realizar um evento do clube. Ao se aproximar, notou que ele teve a mesma reação que todos os membros do conselho, fitando aquele broche com excessiva atenção. — Olá, Pierce. Teria um minuto para conversar comigo? — Oh, como vai, Alison? — Ele a encarou e então voltou a fitar o broche. — Em que posso ajudá-la? — Bem, estou organizando um Clube de Solitários, e gostaria de saber se o Dearborn poderia oferecer algum evento cultural para os associados... Pierce? Algum problema com meu vestido? — Não. Só estava admirando seu broche. — É bonito, não? Ele pigarreou, desconcertado. — Com certeza. Mas não é sempre que se vê alguém usando algo assim, de forma tão proeminente. — O que há de errado em usar um broche onde ele possa ser visto? — Nada. É uma peça legítima e única, feita à mão, em prata da melhor qualidade, por um artista minucioso, como se poderia esperar de alguém tão talentoso. — Neste caso, qual o problema? — Nenhum. Só espero que saiba que o corcunda flautista é um fetiche, um símbolo que indica fertilidade. Na verdade, usado por uma mulher, as implicações são bastante... interessantes. Alison queria matar Logan Kavanaugh. "Um fetiche de fertilidade!", pensou ela. "E eu achando que era um ato sincero de gentileza." Embora tivesse vontade de fazê-lo engolir o broche, não poderia. Seria o mesmo que admitir que não apenas aceitara o presente, mas que se deixara embaraçar pela situação. Não queria lhe dar tal prazer. Seria mais coerente esquecer o ocorrido e dar o troco de outra forma. No momento, deveria se concentrar em ignorá-lo. Precisava devolver a jóia sem danificá-la, colocando-a de volta na caixa, sem revelar que a abrira. A piada perderia a graça para ele. Ao chegar ao restaurante, pediram que esperasse o proprietário, que desejava encontrá-la na recepção. Então ouviu a voz de Logan atrás de si. — Acho que não estou tão atrasado afinal. Ao se virar, deparou-se com aqueles olhos verdes, que pareciam brilhar mais do que nunca. Sem perceber, fitou-lhe os lábios, e encontrou uma fina linha esbranquiçada. A cicatriz que resultara do primeiro encontro entre eles. — Por que a sorte não me favoreceu e o fez se atrasar ainda mais? — murmurou Alison. — Posso ajudá-lo, senhor? — perguntou a recepcionista, dirigindo-se a ele. — Não, obrigado. Sou apenas um dos "calos", digo, solitários, da srta. Novak — respondeu Logan, voltando-se para Alison outra vez. — Parece surpresa em me ver aqui. Não avisei que apareceria? — Oh, é mesmo! Mas o que me impressionou foi o fato de haver conseguido a noite de folga. Como conseguirá ficar tanto tempo longe de suas pacientes? Levantando a aba do terno, ele mostrou o pager preso à cintura. — Não há garantia alguma de que eu possa ficar. — Isso me dá uma certa esperança — disse ela, com forçada candura. Logan sorriu com espontaneidade. — Não vou perguntar o que espera que aconteça, pois acho que sei a resposta. Belo vestido, Alison. Bem pouco discreto, não? Antes que pudesse responder, um homem alto, em trajes exóticos, chamou-a pelo nome. — Srta. Novak? Seja bem-vinda. Sou Jason Lee, o novo proprietário da rede Coq Au Vin. Deixe-me mostrar a sala que reservei para seu evento. Logan a seguiu tão de perto que houve momentos em que a borda do paletó dele roçou nas costas de Alison. Mas quando o sr. Lee abriu a porta de uma sala, a visão do luxuoso ambiente dividiu sua atenção. — Mas que lugar maravilhoso! É perfeito! — Nada menos do que o melhor, sempre à sua disposição, srta. Novak. Se precisar de mim, é só avisar o maitre. Espero que tenham uma ótima reunião. Observando as mesas dispostas ao redor do centro vazio da sala, qualquer um deduziria que era uma área reservada para casais que quisessem dançar. Havia um pequeno púlpito colocado em um canto, em uma posição estratégica para que todos, em qualquer das mesas, pudessem ver quem fosse até ali. O microfone era discreto e parecia combinar com o requinte do local. — O que acha de dançarmos um pouco, enquanto esperamos que os outros membros cheguem? — sugeriu ele. — Acho melhor se divertir sozinho, porque tenho trabalho a fazer — respondeu Alison, abrindo a pasta e começando a arrumar formulários e certificados em uma mesa menor, perto da porta. — Então vou ajudá-la. — Ótimo. Vá até a entrada e pergunte a todos que chegarem desacompanhados se estão aqui para o encontro do Clube dos Solitários, e indique o caminho até aqui. A propósito, esqueceu isso na Tríade. — Ela tirou a caixinha branca da pasta. — Guarde para mim por enquanto, sim? — Por quê? Não quero correr o risco de esquecer de devolvê-lo. — Porque isso vai estragar o caimento do meu paletó, se eu colocá-lo no bolso. — Esse detalhe não pareceu incomodá-lo naquele dia. — Só que eu estava usando uma jaqueta de couro, e não tinha de causar boa impressão em uma sala cheia de mulheres solitárias. "E com certeza também não estava preocupado em me impressionar", pensou ela, com frustração, antes de dizer: — Não virão apenas mulheres. Na verdade, o clube não é, nem pretende ser, um serviço de encontros. A ideia é formar uma rede de companheirismo. Pessoas com interesses comuns podem fazer amizade. Este deve ser um lugar para se fazer contatos comerciais e encontrar conselhos de pessoas experientes. Além disso, será possível encontrar companhia para se levar àqueles jantares executivos, em que se serve comida ruim e se é obrigado a ouvir discursos intermináveis. — Impossível. Ninguém aceitaria um convite desses. — Talvez. Mas pelo menos as pessoas poderão ter uma indicação sobre qual clínica deverão consultar quando precisarem de um médico. — Oh, é mesmo? — Sim. Por exemplo, qual é mesmo o nome de sua clínica? — Como assim, qual é mesmo? Não me lembro de haver mencionado isso. — Foi Kate quem mencionou. — Claro. O nome é Obstetras e Ginecologistas Associados. — Esse nome soa pior a cada vez que o ouço. Alguém deveria pensar em melhorar a combinação de palavras. — Por quê? É preciso e descritivo. — Porque quase causa cãibra na língua! Uma pessoa pode desistir de ser atendida, esperando a recepcionista acabar de falar o nome da empresa ao telefone. — E qual seria sua sugestão? Alison parou de arrumar a pilha de manuais de associados e o encarou. — Se quer que eu pense seriamente no assunto, ficarei feliz em lhe enviar um modelo de contrato padrão dos serviços e honorários da Tríade. — Não mereço nem ao menos uma amostra grátis? Ora, minha cara... — Você distribui amostras grátis de tratamento médico? — Claro que sim. Por acaso recebeu uma conta pelo meu atendimento? — Logan levou a mão ao lábio, com ar pensativo, acrescentando: — Se acha que não lhe mandei uma cobrança por querer esquecer o assunto, está muito enganada. Se duas moças não houvessem chegado e requerido sua atenção, Alison teria fornecido uma outra "amostra grátis" de cicatriz. Mas o dever a chamava. Para alguém que queria impressionar uma sala cheia de mulheres, Logan estava se mostrando bastante reservado. Na verdade, ficara o tempo todo tão perto de Alison que eles se esbarraram duas vezes. — Ouça, dr. Kavanaugh, não sofro de laringite — bradou ela, em uma das vezes. — Se precisar de sua presença, posso aumentar o tom de voz e chamá-lo. Embora eu não tenha a menor perspectiva de que isso acontecerá. A partir de então, Logan se manteve um pouco mais afastado, e toda vez que Alison olhou em sua direção, viu-o cercado por mulheres, parecendo estar se divertindo. Mas quando o encontro acabou, depois de todas as perguntas haverem se esgotado, e de as duas últimas mulheres deixarem o salão com certa relutância, lá ficou ele, encostado em uma parede, de braços cruzados e de olhos fechados. Sua respiração estava tão calma que ele parecia estar dormindo. Começando a recolher o material e a arrumar sua pasta, Alison perguntou: — O que está se passando em sua mente, Logan? — Ouvi alguém dizer que isso aqui não era uma central de encontros — murmurou ele, endireitando-se e abrindo os olhos. — Recebi pelo menos uma dúzia de propostas essa noite. E de todos os tipos. — Sorte sua! Mas, no caso de não haver gostado, não vejo motivo para que não devolva seu certificado. — Você o aceitaria, mesmo depois da primeira reunião? Alison se surpreendeu ao descobrir que não ficou aliviada com a perspectiva de se livrar dele. Isso a deixou embaraçada. — Claro. Não é interessante ter membros que não sejam entusiastas. Foi impossível ouvir o murmúrio que obteve em resposta. Ela apenas fechou a pasta e colocou-a debaixo do braço. Afastando-se da parede, Logan falou: — Deixe-me levá-la para sua casa. — Não preciso de carona. — Claro que precisa. Vi que chegou de táxi. Além do mais, estou desconfiado de que aquelas duas mulheres que saíram por último ainda devem estar lá fora, esperando para me emboscar. — Oh, mas que indefeso... — caçoou Alison. — Talvez deva mesmo devolver seu certificado, já que tudo isso parece estar lhe causando problemas. — Por que acha que tentei ficar perto de você a noite inteira? Estava procurando me proteger. — Não fiquei preocupada com você, mas com o clube. Se continuar reagindo dessa forma, acharão que não sabemos lidar com alguém tão atraente quanto você em meio aos solteirões — zombou ela. Segurando-a pelo braço, Logan a conduziu em direção à porta, enquanto falava: — Eu deveria deixá-la a pé por isso. E quanto à pesquisa que ficou de fazer? O que descobriu sobre o "presente" que me enviaram? — Nada. Rita disse que foi ele pago em dinheiro, e que o pedido chegou pelo correio, em um envelope sem remetente. Havia apenas um pedaço de papel, com seu nome e endereço datilografados. Isso é tudo. Como o valor estava correto, não restou outra opção a não ser preencher e enviar o certificado. — Quem quer que seja, não jogou limpo. Não posso nem mesmo agradecer pelos bons momentos que tive — ironizou ele. — Nem tampouco se vingar. — Digamos que cheguei a pensar nisso. Alison tentou não sorrir. — Por outro lado, pode haver sido você mesmo, não querendo admitir que se associou ao clube por vontade própria. Mesmo tendo certeza de que fora armação de Susannsah, Alison não pretendia contar isso a ele. Sob a chuva forte, Alison tentava andar o mais depressa possível, segurando um pacote de pêssegos e o guarda-chuva. Quando parou para atravessar a rua, a um quarteirão do escritório, foi surpreendida por um veículo que fez a curva muito rente à calçada, passando sobre uma imensa poça de água. A lama a atingiu em cheio, fazendo-a saltar para trás, por puro reflexo. Ao fazer o movimento brusco, um dos pêssegos, já maduros demais, caiu do saco de papel. A fruta se espatifou no chão, respingando sumo sobre os sapatos e sobre a barra da calça dela. Ponderando se deveria jogar todo o pacote no lixo, se soltava um grito de desespero, ou se voltava correndo para casa, Alison decidiu não fazer nada daquilo, e simplesmente continuou caminhando até a empresa, mesmo estando com uma aparência péssima. Susannah estava ao telefone, ocupando a mesa de Rita. Ao desligar, explicou que dispensara a secretária, que estava resfriada, pois o sistema de aquecimento havia enguiçado. Alison gastou uma caixa inteira de lenços de papel para se limpar da sujeira do pêssego, mas as manchinhas na barra da calça, assim como o odor característico da fruta, só sairiam mesmo mediante uma lavagem a quente. — Por que não pegou um táxi para voltar do centro até aqui? Assim não ficaria tão encharcada. — Desde quando se consegue um táxi quando o tempo começa a piorar? Mas vamos ao que interessa. Já chamou a manutenção, Susannah? — Era com eles que eu estava falando no momento em que entrou. Garantiram que nos visitarão ainda neste século, se tivermos sorte. Enquanto isso, se quiser se aquecer, acho que tenho uma solução para você. — Hum? — murmurou Alison, desconfiada daquele ar inocente da amiga, que sempre antecedia alguma ideia maluca. — Trata-se de um novo cliente. Sei que vai adorar. A assistente que trabalha no consultório de Logan telefonou esta tarde. A clínica quer uma empresa de publicidade e de relações públicas para representá-los. — O que há para adorar nisso tudo? E por que eu? A loira deu de ombros. — Fora o detalhe de ser a sua vez de pegar um cliente novo? Digamos que Kate não poderia fazê-lo, pois é paciente dele, e haveria um conflito de interesses. — E quanto a você? — indagou Alison. — Querida, não posso deixar o escritório agora. Fui eu quem ligou o aquecedor, e preciso descrever em detalhes como foi que o aparelho se comportou até quebrar. Espero conseguir fazê-los entender todos aqueles ruídos. Oh, e os médicos querem que alguém os visite o mais depressa possível! — Típico, não? Eles nos fazem esperar horas naquelas saletas deprimentes, mas quando querem algo, tem de ser instantâneo. — Prometi que você estaria lá às cinco e meia da tarde — avisou Susannah. Alison ergueu o pulso e olhou para o relógio. — Espero que não demore muito, pois tenho um encontro. — É mesmo? — perguntou Susannah, com ar malicioso. — Mas é algo sério? — Rob vai me levar à ópera. — Oh, apenas um de seus amigos. Pelo menos vai ficar bem aquecida neste meio tempo. Os consultórios costumam ter um sistema eficiente de aquecimento, já que as pacientes precisam ficar seminuas diante dos médicos, não é? — Susannah fingiu sentir um arrepio, em uma atitude teatral. — Mas não está pretendendo deixar esse saco de pêssegos sobre a mesa, está? Acabando de limpar os sapatos, Alison ficou de pé e pegou o pacote. — Considere-se com sorte por eu não jogá-los na sua cabeça. Primeiro mandou o certificado de presente, e agora isso! — Que certificado? — Aquele que comprou para Logan, associando-o ao Clube de Solitários. — O quê? — A ideia foi sua desde o início, Susannah. Não banque a inocente diante de mim. — Mas não estou fingindo! Sou mesmo inocente. Alguém o inscreveu no seu clube? Viu só? Não disse que iria se divertir mais do que imaginava? A chuva parou minutos antes de Alison sair. Ao ouvir a sra. Holcomb puxando a água da varanda vizinha com um rodo, Alison criou coragem e foi até lá, não dando tempo para que a velha senhora se escondesse. Mas isso não a impediu de estreitar o olhar e de parecer desconfiada. Estendendo o pacote para a mulher, disse: — Gostaria de saber se quer ficar com estes pêssegos, sra. Holcomb. Se é que gosta dessa fruta. As mãos enrugadas da velha senhora seguraram o embrulho. — Pêssegos? — Estão maduros demais. Talvez não queira... A velha a encarou, interrompendo-a. — Não podemos desperdiçá-los, não é? — disse, com os olhos marejados de lágrimas. — Foi muita gentileza sua. — Espero que goste deles — concluiu Alison, afastando-se. Sentiu-se envergonhada por haver se passado por uma gentil benfeitora, quando estava apenas se livrando dos despojos de uma má compra. Pensara que as frutas estivessem menos maduras quando as vira na quitanda, a caminho da Tríade, naquela tarde. De qualquer modo, não imaginava que a velha senhora tivesse acesso a frutas. Na verdade, ninguém a via sair para comprar alimentos. Concentrando-se na tarefa que a aguardava, chegou ao enorme edifício, onde a clínica tinha sua sede. A Obstetras e Ginecologistas Associados ocupava todo um andar daquele prédio moderno e elegante. Ao constatar o luxo dos corredores internos, e as obras de arte que decoravam o ambiente, Alison teve certeza de que aquele era um ramo lucrativo da medicina. Tendo chegado em cima da hora, mal teve tempo de preparar duas sugestões de nomes, para mostrar que estava interessada em melhorar a imagem da empresa. Achava curioso o fato de Logan haver comentado o fato com seus companheiros de clínica, a ponto de considerarem a possibilidade dé contratá-la. Mesmo achando que havia algum tipo de embuste, não poderia descartar a chance de fechar um bom contrato. Falou então com a recepcionista, que a olhou com simpatia assim que a viu. — Quero falar com o dr. Kavanaugh. Sou Alison Novak. — Um minuto, por favor. — A moça pegou o telefone e digitou alguns números. — Doutor? A srta. Novak está aqui para vê-lo. — Houve uma pausa. — Certo. Após desligar, a jovem explicou o caminho até o consultório dele. Caminhando por aqueles imensos corredores, Alison se sentiu como uma espécie de rato de laboratório. Havia muitas salas e corredores adjacentes. Já estava meio perdida quando ouviu alguém falando. Reconheceu a voz de Logan, vinda de algum lugar à esquerda. Seguindo naquela direção, encontrou um pequeno saguão, onde um homem de meia-idade, baixo e gordo, falava em um tom severo: — Estamos sobre o fio da navalha! Em nosso ramo, os profissionais vivem sob severa observação, e agora tivemos esse problema com Templeton. — Mas não sou Templeton! — protestou Logan. — Mesmo assim, continua sendo um problema em potencial. Já temos uma complicação que trará a atenção de todos sobre nós, e não quero dar motivos para que nos investiguem ainda mais. Embaraçada pelo tom da discussão, Alison tentou recuar sem chamar atenção. Mas era tarde demais. Os dois a ouviram e se viraram para encará-la. — Desculpem-me. Não queria interrompê-los. Só vim aqui para... Logan moveu-se depressa, sem deixar que ela terminasse a frase. Tomou-a pelo braço e a conduziu para perto do outro homem. — Deixe-me apresentá-la ao dr. Sinclair, Alison. Nosso sócio majoritário. — É um prazer conhecê-la, senhorita — disse o médico, fitando-a antes de se voltar para Logan. — Podemos continuar nossa conversa amanhã, mas não espere que eu mude de ideia. Não podemos correr mais riscos.. — Mas não correrá nenhum risco, e Alison é a razão de eu poder fazer tal afirmação. Alison sentiu sua mente rodopiar como um pião. Não estava entendendo nada, mas permaneceu em silêncio. — Ainda acho que está enganado, Burt — continuou Logan, diante do silêncio de ambos —, ao pensar que Templeton estava se comportando de maneira pouco apropriada, pelo simples fato de ser solteiro. Concordo menos ainda com sua postura, ao desconfiar que todo obstetra que não seja casado se torne um suspeito em potencial. Mas a questão não me diz respeito. Porém, quero que conheça minha futura esposa, Alison Novak. As pernas de Alison fraquejaram, e se não fosse pelo braço forte que Logan enlaçara ao redor de sua cintura, abraçando-a como se fossem o casal mais feliz do mundo, teria ido parar no chão. Virando a cabeça na direção dele, ainda em choque, encontrou-o sorrindo com um ar apaixonado, antes de ouvi-lo concluir: — E ela me disse que está ansiosa para começar uma família. CAPITULO IV Alison teve certeza de que até sua visão ficou desorientada pelo choque, pois passou a ver dois Logan, dois doutores Sinclair e dois saguões à sua volta. "Não me preparei para esta "visita", admitiu em pensamento. Mas, sem dúvida, tratava-se de um novo recorde de notícias inesperadas. Fora discutir uma mudança de nome, e estavam querendo mudar até seu sobrenome! Logan ficara maluco, só poderia ser isso. Não lhe ocorreu outra explicação. Ainda estava sem forças, e não sabia se conseguiria se manter de pé sem a ajuda dele. Mesmo assim, tentou afastá-lo. Ele percebeu o movimento que se seguiria e a impediu, abraçando-a de lado, pelos ombros. Para quem estivesse olhando, pareceria um abraço carinhoso. — Por favor — murmurou Logan, junto a seu ouvido. Seria parte da ilusão, ou notara um tom de súplica na voz dele?, Alison se perguntou. — Mas o que... — começou ela, em um tom abafado. — Eu sei, querida, e sinto muito. Não esqueci que combinamos guardar segredo até o último instante, conforme o pedido de sua família, mas precisei contar a novidade para Burt — disse Logan, dando de ombros e sorrindo. — Acho que estou feliz demais para guardar segredo. A intensidade do olhar que recebeu dele pareceu alertar sua intuição. Algo lhe dizia que deveria aceitar aquele jogo, mesmo sem compreendê-lo. O motivo por trás daquilo tudo deveria ser muito sério, e não uma tolice qualquer. "Primeiro ouvirei a explicação, e só depois o matarei", pensou. — Tudo bem — respondeu, virando-se em seguida para o velho médico, e mostrando um belo sorriso. — Estou certa de que o dr. Sinclair guardará a novidade para si, por enquanto. Foi possível sentir a tensão de Logan se aliviando. — Seu sincronismo foi perfeito, querida — disse ele. — Acabei de atender minha última paciente, e posso fazer a ronda pelos hospitais mais tarde. Confirmei nossa reserva no Cícero's, e já estamos atrasados. Se não sairmos agora, cederão nossa mesa para outra pessoa. Depois de ser conduzida por outra infinidade de corredores, Alison parou de repente, assim que chegaram a uma escada que parecia ser a saída de emergência do edifício. — Por que parou? Este é um acesso privativo — explicou Logan, percebendo a apreensão no olhar dela. — Meu carro está na parte traseira do estacionamento, abaixo de nós. — Meu guarda-chuva está lá atrás, na sala de espera. — Comprarei outro, assim que sairmos daqui, está bem? Ouça, Burt sairá por este caminho daqui a alguns minutos. E nós temos muito o que conversar. Alison levou as mãos ao rosto, fingindo estar surpresa e impressionada. — Não diga! É mesmo? A respeito de quê? Enquanto respondia, ele seguiu em frente, levando-a consigo. — Em primeiro lugar, gostaria de saber o que veio fazer na clínica. — O que quer dizer com isso? Alguém da Obstetras e Ginecologistas Associados queria uma entrevista com uma consultora de publicidade e de relações públicas. Pensei que houvesse sido você, depois de haver pensado melhor sobre mudar esse nome idiota. — Então é isso. — Logan abriu a porta do lado do passageiro e ajudou-a a se sentar. — Contei a Burt sobre o que ouvi de você, e comentei que talvez precisássemos mesmo de uma empresa especializada. Mas não pensei que houvesse sido levado a sério. Alison tamborilou os dedos no acabamento de couro do apoio para braço, enquanto o esperava contornar o veículo para ocupar o assento do motorista. — E foi o mero acaso que o levou a pegar o nome da Tríade na lista telefónica? — Oh, não! Acho que citei a firma de vocês também. Estava em um momento tenso, e não me lembro ao certo. — Verdade? Se faz um alvoroço desses toda vez que vive um momento tenso, avise-me antes de acontecer outro. Prefiro lhe dar cobertura imediata, a ter de passar por tudo isso de novo. — Como hoje? Não, não estou tenso hoje. — Mas que alívio! — exclamou Alison, com ironia. Logan respondeu com um sorriso sardónico. — Calma. Posso explicar tudo, sim? Se não quiser ir até o Cícero's, pode escolher outro lugar. — Você fez mesmo reservas para, nós? — Claro que não. Mas ainda é cedo. — O lugar é muito ruidoso — advertiu ela. — Mas essa é a beleza por trás daquele restaurante. Todos falam tão alto que ninguém se incomoda tem prestar atenção na conversa dos outros. — Bem, será você quem estará falando. Se não se importa em gritar seus assuntos pessoais, isso não me incomoda. Pelo menos fica bem perto daqui, e não precisarei manter este suspense por mais tempo. Em menos de cinco minutos, percorreram os poucos quarteirões que separavam a clínica do restaurante. O manobrista os atendeu à porta e o porteiro foi buscá-los com um enorme guarda-chuva, acompanhando-os até o toldo da entrada. Mesmo sendo cedo para o horário do jantar, Chicago era cheia de surpresas. O local estava bastante cheio e o nível de ruído beirava o insuportável. Ao vê-los, um garçom se aproximou. — Doutor? Mesa para dois? Acompanhem-me, por favor. Faz tempo que não o vejo. Anda muito ocupado com os bebês e suas mamães? O homem não esperou por uma resposta. Conduziu-os a uma pequena mesa redonda, em um aposento separado, onde o ambiente parecia muito mais reservado do que o do restaurante. Alison não pôde deixar de pensar que se houvesse um luminoso piscando sobre o lugar, diria: "Reservado para amantes". — Esta é sua mesa habitual? — Não, não — o garçom respondeu por ele. — O doutor nunca veio acompanhado, a não ser por outros médicos. Como resolveu nos privilegiar trazendo-a consigo, temos de nos certificar de que a mesa seja adequada. Só isso. Oferecendo-lhes dois menus, o garçom sorriu e se afastou. — Aquele homem espera mesmo que eu acredite nele? — indagou Alison, balançando a cabeça negativamente. — "O doutor nunca veio acompanhado". Mas que frase! Jantei aqui dezenas de vezes e nunca soube da existência desta sala. Que tipo de influência exerce por aqui, para merecer esse tratamento? — Fiz o parto dos gêmeos desse simpático garçom. Posso pedir uma garrafa de vinho? — Sim, acho que vai me ajudar a lidar com o choque. Embora houvesse usado um tom irónico, as palavras de Alison foram verdadeiras. Ainda estava trêmula. Logan havia mesmo anunciado o noivado deles quinze minutos antes? Como conseguira não negar aquele absurdo, nem sair correndo pelos corredores, gritando com desespero? Nada estava fazendo sentido. O garçom serviu duas taças de vinho e se afastou de novo. Logan ergueu uma delas, propondo um brinde. — A nós. Alison cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, encarando-o. — Ainda não. Primeiro, as explicações. E é melhor que seus argumentos sejam muito bons. Só então decidirei se irei ou não beber em sua companhia. — Acho que minha proposta é uma negociata perfeita e inteligente. E não estou pensando apenas em mim. Isso resolveria também seu problema. — O quê? Está se referindo ao meu bebê? De onde tirou tal ideia? — Vou começar contando o que aconteceu, esta bem? — indagou Logan, saboreando um gole de vinho de uma maneira tão demorada que quase a fez esbravejar de ansiedade. — Somos seis médicos trabalhando na clínica. Pelo menos, costumávamos ser. Dave Templeton nos deixou de forma repentina, há menos de um mês, e não por vontade própria. Aconteceu depois que uma paciente fez uma reclamação sobre ele. Alison franziu o cenho. — Uma reclamação? Pensei que fosse comum que algumas pacientes ficassem descontentes. — E é comum. Mas aquele tipo de reclamação, por si só, bastou para afastá-lo. Dave a levou para a cama. — Oh — murmurou ela, imaginando que a mulher deveria ter ido em busca de ajuda e que o médico se aproveitara dela. — A mulher deve estar em choque. — Não desperdice sua solidariedade. — Do que está falando? Ele é um profissional, e tem a responsabilidade de manter tudo sob controle. — Pensa que o estou defendendo? — inquiriu Logan, parecendo ofendido pela ideia. — Concordo plenamente com você. E óbvio que Dave teve culpa. Na minha opinião, além de ser expulso da clínica, ele deveria perder a licença. — Neste caso, não vejo... — Mas a paciente não era nenhuma ingénua. Não fez reclamação alguma sobre o romance, que parece haver durado meses. Só se queixou quando tudo já havia terminado, por não suportar haver sido "dispensada". De outra forma, ninguém iria sequer desconfiar. — E seu ex-colega teria continuado a agir assim. Esta é uma questão interessante sobre ética médica, Logan, mas não entendo o que tem a ver com você, e muito menos comigo. — Burt Sinclair assumiu as rédeas do caso. — E isso o surpreendeu? — Apenas a forma como ele está lidando com o problema. Primeiro forçou Templeton a pedir afastamento da clínica e a se retirar da prática, abdicando da licença. Aposentou-o sob uma falsa alegação de doença. — Bem, não me parece mesmo a melhor, maneira de lidar com uma crise dessas. — Não, não é. Mas é compreensível que Burt queira criar uma fachada. Haverá muita especulação, como sempre acontece quando um médico jovem deixa a prática de repente, sem ter uma perspectiva melhor em vista. E a verdade é que haverá muita pressão sobre quem ficou. Todos na clínica passarão a ser observados com muito mais atenção. Nada será perdoado. — Mesmo que nenhum dos médicos restantes tenha feito algo errado? — Pense bem. Ter um sócio inescrupuloso é um obstáculo enorme quando se depende de conquistar a confiança das pacientes e dos colegas de profissão. É comum que se conclua que todos na clínica tenham os mesmos hábitos. — E sabendo disso, o dr. Sinclair "lavou as mãos" e o expulsou, para evitar um escândalo — deduziu Alison. — Entendo. — Burt acha que pode se livrar das suspeitas antes mesmo que elas sejam levantadas. É provável que fosse sobre isso que quisesse falar com você. — Logan franziu o cenho. — Mas acho difícil que ele admitisse a verdade. Muito menos que pedisse conselhos, já que pensa ter resolvido o problema. — De que maneira? — Fazendo qualquer coisa para evitar que a clínica fique sob suspeita. Como Templeton era solteiro, e eu também sou, o velho passou a me enxergar como um problema em potencial. — Ele acha que o simples fato de você não ser casado, vai levá-lo a agir como esse tal Templeton? Mas isso é ridículo! — Obrigado pelo voto de confiança — murmurou Logan, com um brilho de divertimento no olhar, ao ver a indignação dela. — Não foi bem isso que eu quis dizer — falou Alison, impaciente. — Desculpe-me. Também não tive a intenção de ofendê-lo. Estava querendo dizer que o fato de ser casado não impediria seu ex-colega de fazer o que fez. — Você sabe disso, e eu também — explicou Logan, com paciência. — E acho que, com o tempo, até mesmo o próprio Burt chegará a essa conclusão, quando recuperar o bom senso. Porém, neste meio tempo... — Está me dizendo que sua carreira está na berlinda? — Isso mesmo. Bem, tendo esclarecido essa parte do assunto, podemos fazer o pedido? Colocando o copo sobre a mesa, ele ergueu o braço e chamou o garçom. Encarando-o, Alison disse: — Espere um minuto, dr. Kavanaugh. Já acabou de contar a história, mas o assunto está longe de acabar. — Então acho que será melhor conversarmos enquanto comemos, está bem? — Logan se voltou para ela e inspirou profundamente. — Está sentindo cheiro de pêssegos? Pode parecer estranho, mas desde que nos encontramos, estou com este aroma no nariz. — Esqueça os pêssegos — replicou Alison. — Quero algumas respostas. Primeiro, desde quando vem desenvolvendo essa ideia, e por que não me deu algum tipo de aviso? — Não faz muito tempo que isso me ocorreu, e eu não poderia tê-la avisado. Burt abordou o assunto no momento em que você chegou. Até então, nem imaginei que estivesse em perigo iminente. — Está me dizendo que anunciou nosso noivado em uma reação instantânea? — Acho que sim. — Logan se interrompeu ao ver o garçom se aproximar. — O que vai querer, Alison? — Não faz muita diferença o que vou comer. Se é que vou conseguir fazê-lo. — Sendo assim, pedirei algo leve — disse ele, fazendo o pedido e dispensando o garçom. — Onde estávamos mesmo? — Falando sobre o anúncio de noivado mais idiota que já existiu. Essa é uma maneira completamente maluca de resolver seu problema. — Não há outra saída. Convivo nesse meio há anos, e sei como tudo funciona. — Tudo bem, digamos que esteja certo. Ainda assim seu plano está fadado ao fracasso. Ninguém acreditaria que nós poderíamos... Por que me escolheu? Pensando melhor, por que precisava citar o nome de uma noiva? — Acha que Burt acreditaria, se eu não pudesse lhe dizer nem mesmo o nome da mulher com quem pretendo me casar? E se não aparecesse com alguém para lhe apresentar, tudo estaria perdido. — Poderia pelo menos haver esperado até o próximo encontro do Clube dos Solitátrios, onde poderia escolher uma entre as doze mulheres que o abordaram com convites. Tenho certeza de que pelo menos uma delas aceitaria ser voluntária. — E você vem me dizer que eu é que acho soluções complicadas para os problemas. Aquelas mulheres têm problemas sérios. De qualquer maneira, sua chegada me pareceu uma obra do destino. Burt deu a má notícia e de repente a vi ali, como uma resposta às minhas preces. Um verdadeiro anjo, surgindo para me salvar. — Pena que eu não soubesse disso antes — falou Alison, com irônica candura — Ou teria mandado polir minha auréola e lavar minhas asas. Logan prosseguiu como se não a houvesse escutado: — Por outro lado, a vi como se fosse também o pior de meus pesadelos. — As duas coisas ao mesmo tempo? Jamais imaginei que eu pudesse ser tão versátil. — Fiquei inicialmente em choque, ao vê-la se aproximar. Temi que fosse falar sobre a história do bebê. — Como se não houvesse sido bem claro da primeira vez em que conversamos — ironizou ela. — Achei que iria citar os detalhes de nossa conversa sobre o assunto, bem na frente de Burt Sinclair. Seria terrível se algo assim chegasse aos ouvidos dele. Na verdade, foi por isso que tive a ideia do noivado. Sua obsessão por ter um filho é tão estranha... — Muito obrigada. — ...que me ocorreu que pudesse ser algum tipo de armadilha. Talvez Burt a tivesse contratado para me testar, conseguindo assim um argumento para me acusar de agir contra a ética e ter um motivo digno para me expulsar. Alison balançou a cabeça afirmativamente. — Claro. E consegui provocar apendicite em mim mesma, apenas para cumprir o plano. Achou mesmo que isso seria possível? — Ora, não deve ser difícil compreender que eu estava um pouco abalado naquele momento, desconfiando até de minha sombra. Reconheço que não foi minha ideia mais sensata. — Seu bom senso caberia em um dedal, e ainda sobraria muito espaço — declarou Alison, contendo o tom de voz. — Só estou lhe contando o que me ocorreu naquele momento. Senti que precisava evitar que dissesse qualquer coisa, e achei que poderia calar Burt ao mesmo tempo. Quando comecei a falar, o anúncio pareceu surgir do nada. — Entendo que, no calor da djscussão, tenha pensado que um casamento seria a solução de seus problemas. Principalmente por não haver tido tempo para pensar. Mas foi um erro. O mero anúncio não vai enganá-lo por um longo tempo, não é? O garçom havia servido o jantar, e ambos haviam começado a saboreá-lo. Logan não desviou o olhar do próprio prato ao dizer: — Não se trata apenas de um "anúncio". — O quê? — Vou mesmo me casar. — Meus parabéns. Só gostaria de saber por que não disse o nome de sua noiva, em vez de usar o meu... — Alison sentiu a voz lhe faltar ao ver o brilho nos olhos dele, quando foi encarada. — Oh, não... Não. Já achei bastante ruim que tivéssemos de encenar que somos noivos. Um casamento de verdade está fora de cogitação. Nem pensar! Logan pareceu expressar uma certa curiosidade, mas se manteve em silêncio, arqueando as sobrancelhas. — Entenda que não é nada pessoal — prosseguiu ela. — É que nunca vou me casar, por isso não admito a ideia de fazê-lo sob aspecto algum. — Ótimo — falou ele, em um tom claro e profissional. — Sabia que isso iria funcionar. Agora só precisamos acertar os detalhes. — Está com algum problema de audição? Eu disse "não"! — Mas não se trata de um casamento real. — Espere um minuto. Acabou de dizer que vai mesmo se casar. Está mesmo pensando em levar a farsa adiante e fingir que nos casamos? — Na verdade, o casamento precisa ser legal, mas não tem de ser real. Pelo menos não precisa durar muito. Estive pensando. Se me fizer este pequeno favor, Alison... — Pequeno? — ...posso providenciar para que tenha seu bebê. — O que está querendo insinuar? — Acho que fui bem claro. — Mas... e quanto à sua ideia de que eu deveria tentar o método tradicional? — Bem, seria mais fácil. — Então está sugerindo que tenhamos um caso rápido, dentro de um casamento que é uma farsa? Está querendo se divertir enquanto resolve seus problemas? — Não foi o que eu disse. — Porque se foi, esqueça. — Claro que não sugeri nada disso. Mas ainda estou intrigado. Qual é seu problema com homens? Onde estão seus instintos femininos? Alison apenas o encarou, estreitando o olhar. Em silêncio, ouviu-o prosseguir: — Esqueça a última pergunta. O que eu quis dizer é que posso usar o método que for necessário para que tenha seu filho. Se for necessário, conseguirei um doador anônimo, levantarei seu histórico genético e deixarei até que escolha o método. Inseminação artificial, bebê de proveta, o que quiser. Tudo o que peço em troca é que participe de uma cerimónia sem nenhum significado real. — Está mesmo falando sério sobre tudo isso? — indagou ela, com a voz trêmula. — Até que enfim me fiz entender! — Seu trabalho é tão importante assim para você? — Por acaso não precisa trabalhar para viver, como eu? — Estou falando desse trabalho em particular. Deve haver muitos outros. Afinal, médicos estão sempre em falta, não? E, para Kate ser sua paciente, você deve ser muito bom. Sei que minha amiga é exigente. — Obrigado. Sua confiança em mim é inspiradora. — Pare com as brincadeiras. Por que é tão importante agradar Burt Sinclair? — Não sou nenhum "capacho" dele, se é o que está insinuando — respondeu Logan, com convicção. — Mas se deixar minha posição sem ter algo melhor em vista, minha credibilidade estará comprometida por toda a vida. — E então, como no caso de Templeton, todos suspeitariam de você. Entendo. — É uma lástima, mas é a realidade. E pode demorar um pouco até que eu consiga uma sociedade melhor, ou que tenha condições de montar uma clínica própria. — Certo. Mas não creio que aguente ficar muito tempo trabalhando na companhia de alguém que é tão cruel quanto o dr. Sinclair. — Até hoje, eu nem imaginava que ele era assim. — E agora que sabe? — Minha carreira mudou de rumo em menos de trinta segundos. Todos meus planos de vida desmoronaram, há menos de uma hora. Preciso de tempo para me reestruturar, e não tenho condições de ficar sem trabalhar até que isso aconteça. — O que acontecerá quando conseguir outro trabalho? — Direi adeus a Burt no mesmo instante. — E quanto ao casamento? — Não precisarei mais dele, certo? — indagou Logan, com ar sensato. — E como você nunca teve a intenção de se casar, acho que não teremos problemas com a separação. Alison ficou paralisada por alguns segundos, em silêncio, até que perguntou: — Quanto tempo demorará para encontrar uma solução para sua carreira? — Seis meses, no máximo. Mas é provável que eu consiga muito antes disso. Meio ano, pensou Alison. Era tudo o que ele estava pedindo. Se investisse esse tempo de sacrifício pessoal, ou até menos, teria seu maior desejo atendido. — E terei sua palavra sobre o bebê? Logan a fitou nos olhos de forma direta e sincera. — Sim. Alison foi a primeira a pestanejar, desviando o olhar. Sentiu-se trêmula, com dificuldade para continuar concentrada. Depois de um longo silêncio, e de tentar avaliar as possibilidades da forma mais racional possível, levou a mão à taça e a ergueu na direção dele. — Neste caso, brindemos a isso. Cada um de nós terá o que deseja. Por um momento, Logan ficou parado, como se não a tivesse ouvido. Então levantou a própria taça, brindando ao acordo. CAPÍTULO V Logan parou o carro em frente à casa de Alison. Antes que tivesse tempo de se despedir, ela o observou descer do carro e abrir a porta para ajudá-la a sair. Não imaginava o que se passava na mente dele, mas não iria convidá-lo para entrar. — Vou acompanhá-la até a porta e esperar que entre, antes de partir para fazer a ronda pelos hospitais. — Sou mais do que capaz de entrar em segurança na minha própria casa. — Nunca duvidei disso — assegurou Logan, acompanhando-a mesmo assim. Houve um ruído de porta de carro se abrindo, não muito longe deles. Só então Alison notou como sua casa estava escura, e que a entrada, desde a calçada até a varanda, estava mal iluminada. Da mesma direção de onde viera o som, notou um vulto se aproximando de maneira furtiva. Acelerando o passo, notou que a pessoa que os seguia deu uma pequena corrida. Foram interceptados à porta, quando ela já estava procurando a chave na bolsa. O homem era mais baixo do que Logan, e seus cabelos claros refletiam a ténue luz do luar. — Rob — murmurou Alison, aliviada. — O que está fazendo aqui? Robson Morrow parou a menos de um metro deles, cruzando os braços. — Onde esteve até agora, Alison? — Desde quando lhe devo satisfações? — indagou ela, com frieza. — Desde que marcou um encontro comigo e não apareceu. Só então Alison se lembrou de que deveria ter ido à ópera com o amigo, naquela noite. A avalanche de eventos a fez esquecer o programa. — A culpa foi toda minha — assumiu Logan. — E quem é você? — indagou Rob, em um tom desafiador, levando Alison a se entrepor entre eles. Sem entender ao certo como aconteceu, notou que Logan pareceu fazer uma manobra rápida, posicionando-a atrás de si. — Estou certo de que não é toda noite que Alison recebe uma proposta de casamento e a aceita. Então acho que não é difícil compreender por que sua amiga se esqueceu do compromisso desta noite. Acho que cativei toda a atenção dela — explicou Logan, com tranquilidade, ajeitando uma mecha de cabelos que caíra sobre o rosto de Alison. — Você está noiva? Vai se casar com... Eu nem mesmo o conheço, Alison! — disse Rob, impressionado. Depois de apresentá-los, Alison observou os dois trocarem um aperto de mãos e sentiu-se meio perdida ao ver Logan encará-la. — Querida, sei que está cansada. Entre e eu acompanharei o sr. Morrow até o carro dele — Passando o braço pela cintura dela com naturalidade, puxou-a para si. — Obrigado por haver tentado me defender, meu amor. Foi muita gentileza sua. A pressão da mão dele em suas costas foi o prenúncio de um dos preços que ela teria de pagar por aquela barganha. Pelo visto, seria beijada, como qualquer noiva, ao ser deixada em casa pelo futuro marido. Na verdade, o que deveria ser um leve roçar de lábios, sem muito significado, transformou-se em um beijo inflamado e apaixonado. Seus corpos se tocaram como se houvessem sido moldados um para o outro. Sentindo aquela língua hábil tocar provocantemente a sua, Alison não conseguiu conter um gemido de prazer. — Mas que tocante! — resmungou Rob, com ar irritadiço. Ela se afastou depressa, desconcertada, evitando o olhar de ambos, enquanto procurava a chave na bolsa, mais uma vez. — Oh — disse Logan, ao levantar a cabeça, demorando alguns segundos antes de se virar para o amigo de Alison. — Sinto muito, Morrow, mas esqueci que estava aí. — Percebi — respondeu Rob, por entre os dentes. — Até mais, querida. Eu gostaria de poder ficar esta noite. Talvez eu volte, caso minha ronda não tenha nenhuma emergência. Mas estou de plantão há meia hora. Sorte que o pager não tocou. Alison teve de admitir que admirava a capacidade de Logan em representar. Qualquer um diria que ele era um hóspede habitual naquela casa, e que ambos eram antigos amantes. — Até mais. Logan voltou a se aproximar e sussurrou junto a seu ouvido. — Muito bem. Você fez tudo com perfeição. — Então levantou mais o tom de voz, afastando-se. — Humm, aquele aroma de pêssegos outra vez! Beijando-a na ponta do nariz, virou-se e acompanhou Rob até o carro, deixando-a boquiaberta, com a chave na mão. Ao entrar, Alison precisou se apoiar na porta para não cair. Estava com as pernas trêmulas. Meio cambaleante, andou até a cozinha, tentando se convencer de que aquilo fora resultado da emoção daquela loucura toda, e não do beijo. Fora apenas pega despreparada, o que não aconteceria outra vez. Participara de uma encenação que não significara nada. Da próxima vez, não se permitiria esquecer que tinham um público para impressionar. Alison acordou na manhã seguinte, sentindo a luz do sol invadindo o quarto. Ao se mover, notou que um de seus gatos, que estava dormindo a seu lado, abriu os olhos mas logo os cobriu com a pata, voltando a dormir. — Ashes, acho que preciso comprar uma máscara de dormir para você, sua dorminhoca. Saindo da cama, tomou banho, colocou uma roupa leve e foi até a cozinha, preparar café. Com uma xícara cheia da bebida quente e aromática, começou a caminhar pela casa, sem conseguir ficar parada. Pensando com frieza sobre a decisão tomada na noite anterior, começou a questionar se havia agido certo. Depois de colocar comida para os gatos, ouviu a campainha da porta. Não estava esperando ninguém àquela hora da manhã, em um sábado. Ao dar uma espiada pela janela, viu Logan parado diante da porta. Ao vê-lo estender a mão para tocar a campainha pela segunda vez, Alison se descobriu hesitante. Seria possível que ele estivera considerando a possibilidade de voltar atrás? De repente, um certo desconforto a acometeu. Estaria decepcionada com a perspectiva de não precisar mais se casar com ele? Por que não sentira alívio? Por causa do bebê, claro! Como pudera se esquecer disso, depois de passar tanto tempo sonhando com tal possibilidade? Concluíra que aquela ansiedade era a perspectiva de perder a chance de ter seu próprio filho. Decidindo fazer como era de hábito, foi até a porta e a atendeu. Sempre enfrentara os problemas de frente, sem dar a eles a oportunidade de parecerem maiores do que eram. — Se está tão agitado esta manhã, deve ser por causa das quatro xícaras de café que tomou ontem à noite, no Cícero's. — Bom dia para você também, Alison! — Logan entrou, sem ser convidado. — Por falar em café, por acaso ainda teria um pouco na sua cafeteira? O aroma está delicioso. — Eu diria que essa é a última coisa de que precisa neste momento — murmurou ela, fechando a porta atrás dele e tomando a dianteira até a cozinha. Ele ficou parado ao lado do balcão que separava a cozinha da sala, sentando-se em um banquinho alto enquanto olhava ao redor, com ar apreciativo. — Está fazendo um inventário? — perguntou Alison, com sarcasmo. — Toda essa luz ambiente e o ar de modernidade parecem não combinar com você. — É mesmo? Neste caso, vejo que me conhece muito mal. — Não é bem isso. É que do lado de fora, a casa parece uma construção centenária. Ou guardei esta impressão por ter visto a construção primeiro à noite? — Não, a casa é mesmo antiga. Antes da reforma, era cheia de cómodos pequenos e mal iluminados, mas o dono anterior cuidou de fazer esta reforma, e aproveitei para incrementar a decoração a meu modo. — Ela caminhou até a sala de estar, depois de lhe servir uma xícara de café quente. — Mas o que o trás aqui a esta hora? — Desculpe-me por vir tão cedo, mas precisava fazê-lo antes de começar meu dia de trabalho. Nunca sei a que hora vou deixar o plantão. Mas há dois detalhes que não citamos na noite passada. A sensação de alívio que a invadiu foi mais do que evidente. De fato, foi difícil não parecer feliz ao perguntar: — Como o quê? Se pretende adicionar termos ao acordo, esqueça. — Não, só quero me certificar de que tudo ficou bem claro. Por exemplo, não deixamos acertado um importante detalhe: não podemos contar isso a ninguém. Alison riu. — Está dizendo que não posso colocar um anúncio em um outdoor, na avenida central? Que pena. Mal via a hora de fazê-lo — lamentou ela, em tom jocoso. — Não creio que tenha achado possível que eu quisesse contar isso a alguém. — Estou falando que não pode contar a respeito da farsa nem mesmo a Kate ou à sua outra sócia. — Por que isso seria um problema? Elas são as últimas pessoas no mundo que eu gostaria que soubessem sobre isso. Embora tenha parecido ficar curioso, Logan não perguntou nada. — Está bem. Mas resta ainda a questão da aliança. Eu não havia pensado nisso até hoje cedo. — Isso também não me ocorreu. Mas ninguém ficaria surpreso se demorasse um pouco. Do jeito que sua agenda é lotada, é provável que não tenha tempo de fazer outra visita a uma joalheria antes do Natal. — Outra? — questionou Logan, com ar curioso. Só então Alison se lembrou de que, oficialmente, ela não deveria saber do broche. Naquela noite da reunião do clube, tivera o cuidado de colocar a caixinha no banco de trás do carro dele. — Maneira de falar — emendou. — Tudo bem. De qualquer maneira, estamos fugindo do assunto. Isso não pode parecer um noivado recente, ou Burt ficará desconfiado. Por outro lado, se estamos noivos há algum tempo, você já deveria ter uma aliança. — Lembra-se de que disse a ele que estávamos mantendo segredo? Eu não poderia desfilar por Chicago com um solitário de diamante no dedo, sem nos denunciar. — Neste caso, veio usando a jóia em uma corrente, para que ficasse bem perto do seu coração. — Para ter a sensação de tê-lo perto de mim? Um pensamento inevitável, pois toda vez que a corrente torcesse ou o anel virasse, iria espetar e beliscar minha pele de maneira dolorosa. — Não faz diferença. Agora que o noivado foi anunciado, pode tirar o solitário da corrente e colocá-lo no dedo. Alison levou a mão ao centro do peito, como se estivesse tateando-o, em busca de um pingente. — Seu jeito de contar uma história é tão convincente que quase cheguei a acreditar que havia mesmo uma jóia pendurada ao meu pescoço. O que tem em mente então? Se está sugerindo que eu saia para comprar um anel na minha hora de almoço... — Alison se interrompeu, percebendo que, se era tudo uma farsa, não deveria hesitar em fazê-lo, então emendou: — Não haverá o menor problema. Pelo menos terei certeza de que gostarei da jóia. Mas não pagarei por ela. Meu orçamento do mês não comporta o preço de um anel de diamante. Acho melhor me colocar a par do valor limite com o qual pode arcar. — Talvez não seja necessário. Acha que isto bastará? — indagou ele, retirando uma pequena caixa aveludada do bolso e jogando-a para ela. Embora o arremesso houvesse sido suave e certeiro, pegou-a despreparada, levando-a a quase derrubar a xícara de café que tinha em uma das mãos. Depois de colocar a bebida de lado, lançou um olhar de advertência a Logan, antes de abrir a caixinha. Sobre o manto de cetim, um lindo anel de ouro, com um grande diamante ao centro, circundado por pedras menores, brilhava sob a luz do ambiente. Algo na aparência da jóia dava a impressão de se tratar de uma peça antiga, mas o brilho polido negava qualquer possibilidade de desgaste. — Embora seja lindo, esse não é um anel de noivado muito tradicional. Mas creio que saiba disso — falou ela, observando-o dar de ombros. — Gostou? Então tem o mesmo gosto incomum de minha avó. — Esta jóia era dela? Retirando a peça da caixa, Alison colocou-a no dedo e afastou a mão para examinar a jóia. O anel era pesado, mas se ajustou com perfeição em seu dedo. Um facho de luz solar que entrava pelas frestas da janela da sala atingiu a pedra, levando a gema a brilhar como se estivesse em chamas. Por um momento, Alison se esqueceu de tudo o que havia ao redor, e ficou deslumbrada com aquela beleza quase sobrenatural. — Ótimo — disse Logan, sorvendo outro gole de café. — Agora só nos resta a questão da data do casamento. Sentindo o encanto do momento se quebrar, ela se voltou para encará-lo. — Ainda não pensei nisso. — Nenhum de nós o fez. Seria sensato que citássemos o mesmo dia, não acha? Não ficaria bem se alguém lhe perguntasse, e a ouvisse dizer que combinamos nos casar em torno de junho, enquanto estarei anunciando nosso casamento para a sexta-feira seguinte à próxima. — Mas isso é daqui a treze dias! Está brincando, não é? — Na verdade, sim. Não imagino que pudesse deixar o consultório em uma sextafeira, nem mesmo para me casar. Então será no sábado, daqui a duas semanas. Será meu fim de semana de folga. A menos que tenha algo contra, é claro. Resistindo ao desejo de chorar de desespero, Alison argumentou: — Não acha que o dr. Sinclair vai desconfiar, achando tudo muito súbito? Ontem estávamos supostamente mantendo o assunto em segredo. Hoje, anunciaremos estar desesperados para selar a relação. Não parecerá estranho? — Na sua opinião, isso não é romântico? — indagou Logan, com um sorriso que pareceu brilhar mais do que o diamante sob a luz do sol. — Como vê, somente quando contamos a novidade a ele, percebemos quanto estávamos ávidos por oficializar nossa relação em público, e decidimos que não precisávamos mais esperar. — Essa é uma excelente explicação — admitiu ela. — Acha mesmo? Na noite passada, implorei para que desistisse da cerimónia para daqui a um ano, optando por uma reunião simples, realizada dentro de duas semanas. Já que queria começar uma família o mais breve possível... — o tom de voz dele se tornou suave e profundo — ...e como eu sei ser muito persuasivo quando quero, você se mostrou tão ansiosa em se tornar logo minha esposa quanto a desejo como minha mulher. — Não precisa se dar ao trabalho de explicar mais, pois já me convenceu. Daqui a duas semanas está ótimo. — Eu disse que sabia ser persuasivo. — Nem tanto. Concordei apenas pelo fato de que, quanto antes as formalidades forem cumpridas, mais depressa poderá focalizar sua atenção em buscar um novo trabalho, para acabarmos com essa farsa. Logan franziu o cenho. — É por isso mesmo que estou com tanta pressa. Quer que eu coloque a xícara de volta na cozinha? — Não se incomode. Terei de levar a minha também. Alison o acompanhou até a porta. Parando em meio à passagem, Logan tocou o queixo dela com delicadeza, erguendo-lhe o rosto. Aquilo a fez lembrar do que acontecera na noite anterior. Dominada pela certeza de que o evento iria se repetir, Alison deu um passo atrás, de forma automática. Uma expressão divertida e questionadora surgiu no rosto de Logan. — Não há público por perto hoje — justificou ela. — Achou que eu iria beijá-la? Ao notar o ar sincero de surpresa na pergunta dele, Alison se sentiu tola por agir de maneira tão precipitada, tentando antecipar um ato que não aconteceria. — Bem... — Então aquele beijo a perturbou tanto assim? — indagou ele. Sem esperar por uma resposta, levou a mão outra vez ao rosto dela e acariciou-lhe a face. — Impressionante... — Deslizou o dedo sobre os lábios trêmulos de Alison. — Talvez haja alguns instintos normais em você, no final das contas. Depois de um domingo cheio de pensamentos conturbados, Alison não sabia como encararia suas sócias na reunião habitual que faziam às segundas-feiras, pela manhã, quando planejavam os detalhes da agenda da semana. Um cliente a salvou daquele constrangimento, ligando durante a tarde de domingo em seu telefone celular, pedindo a ela que fosse direto para uma reunião da área de publicidade, em sua empresa, logo na manhã do dia seguinte. Avisando Kate e Susannah, conseguiu ter uma noite menos agitada, mas não dormiu muito bem. Ainda estava em choque, e cedo ou tarde precisaria contar a verdade às amigas. Por sorte, quando chegou à Tríade, no meio da manhã seguinte, Rita não notou nada. Embora soubesse que não poderia se esconder em seu escritório para sempre, foi o que fez ao longo do dia. Por sorte, Kate saíra antes de sua chegada, e passou boa parte do dia em visitas a clientes. Susannah estava tão absorta no projeto em que trabalhava que não saiu da sala de produção, no terceiro andar da Tríade, nem mesmo para almoçar. Mas depois do expediente, no final da tarde, Susannah começou a procurar algo no armário do corredor, depois que a secretária havia partido. Não encontrando um novo cartucho de tinta para a impressora colorida, pediu a Alison que descesse para ajudá-la a achar um. Em um gesto distraído, Alison levou a mão à região central do móvel, abrindo uma gavetinha e retirando um pacote de fitas adesivas, revelando os cartuchos armazenados logo abaixo. — Eu sabia que, cedo ou tarde, a falta de espaço neste armário levaria Rita a precisar misturar itens — disse ela, em um tom distraído, esquecida da jóia que reluzia em seu dedo. Susannah nem mesmo ouviu o que a amiga dissera porque seus olhos logo se fixaram no brilho do diamante. A jóia parecia refletir a luz com tanta intensidade que iluminou o interior do armário com reflexos coloridos. — Alison, você está comprando jóias lindas ultimamente. Primeiro o broche do flautista. Agora esse diamante em sua mão direita. — A loira virou o rosto na direção da escada. — Kate! Venha depressa! — Alguém se machucou? -— gritou Kate, descendo a escada com pressa, mantendo uma expressão preocupada. — Não sei ainda. Nossa sócia está usando um lindo anel de diamante. Com mais tranquilidade no olhar, Kate se aproximou para olhar a jóia. — Podemos saber quem o deu a você, ou teremos de fazer o jogo das dez perguntas? — Dez? — indagou Susannah, incrédula. — Considerando a quantidade de homens que ela tem como amigos, e que nenhum pareça interessá-la, acho que teríamos de fazer umas mil perguntas. De qualquer forma, sei quem é o felizardo. Alison, que a essa altura já estava sentindo o rosto quente, empalideceu de repente. Como sua amiga podia ter tanta certeza? — Espero que não queira guardar segredo — falou Kate, desviando o olhar na direção de Susannah. — É uma mera questão de lógica. Quando a vimos pela última vez, ela não usava anel algum. E já que Rob Morrow a levou à ópera na sexta-feira à noite, a conclusão é óbvia. — Não foi Rob — interrompeu Alison. — O quê? — indagou Susannah. — Então foi durante o final de semana? Ou hoje mesmo? Está querendo dizer que um de nossos clientes...? — É claro que não. — Mas ficou noiva de alguém, não é? — insistiu Kate. — Deve ter ficado, pois não consigo imaginá-la comprando algo assim. — Está bem, Alison — falou Susannah, com ar paciente. — Vamos começar de novo. Você foi à ópera com Rob, na sexta-feira passada, certo? — Na verdade, esqueci do tal encontro. — Como é? — indagou Kate, arregalando os olhos. — Alison Novak se esqueceu de um compromisso? Deus, agora sim estou preocupada! Alison respirou profundamente, encarou as amigas e disse: — Vou me casar com Logan Kavanaugh. O silêncio que envolveu o local foi tão intenso que pareceu se tornar sufocante. Kate se sentou em uma cadeira, ao lado da porta da cozinha, parecendo estar em choque. Susannah quebrou a tensão soltando um longo suspiro. — Alison, está certa de que o conhece bem o suficiente para ir tão longe assim? Como pode ter certeza de que ele não é algum tipo de masoquista? — O que quer dizer com isso? — intercedeu Kate, encarando Susannah com ar indignado. — Ora, a primeira coisa que nossa amiga fez foi bater nele com tanta força que o fez sangrar. Se foi um caso de amor à primeira pancada, o que mais eu poderia pensar? Kate revirou os olhos e Alison começou a rir quase com histeria. De súbito, a campainha tocou e as três, se entreolharam. — Deixe que eu atendo — disse Kate. — Não, por favor, deixe-me ir — pediu Alison. — Serei obrigada a me recompor para encarar um cliente, e é de um estímulo desses que estou precisando agora. — Vamos todas juntas — sugeriu Susannah —, antes que o cliente desista de esperar. Afinal, não estamos chegando a lugar algum com essa discussão. — Graças a tolices como as que vem dizendo — murmurou Kate. — Bem. Ela não o conhece direito, não é? — defendeu-se Susannah. — É verdade. Pelo menos não o suficiente para aceitar se casar com ele. Mas isso não significa que meu obstetra seja algum tipo de paranóico. Alison as interrompeu. — Parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui! —, protestou ela, por sobre o ombro, antes de abrir a porta e quase desmaiar de susto ao ver quem era. — Olá, Logan. Pensei que nunca conseguisse sair do trabalho antes das oito da noite. O que é isso que tem nas mãos? Ele estava segurando uma prato de vidro, embrulhado com um plástico transparente. — Uma mulher baixinha, que mal chegava à altura do meu cotovelo, estava perambulando na varanda ao lado. Quando cheguei, ela me seguiu, murmurou algo sobre eu trazer isso para vocês, entregou-me o prato quase à força, e sumiu porta adentro. Além de quente, a borda está pingando uma espécie de calda. E o cheiro me lembra pêssegos. — Você acha que tudo tem cheiro de pêssego — disse Alison. Constatando que o aroma era mesmo indiscutível, pegou o prato das mãos dele e observou a torta, recém-assada, que exalava também algo que julgou ser um delicioso aroma de canela e de noz-moscada. — Isso é muito curioso — disse Susannah. — Pensei que fosse Alison quem tivesse mania por pêssegos. — Deve ter sido a sra. Holcomb — explicou Alison. — Dei aquele pacote inteiro para ela, e acabamos recebendo uma torta em retribuição. Logan pareceu confuso. — É aquela senhora que mora aqui do lado — Alison se dirigiu a ele. — Nós só a vimos sair de casa uma única vez até hoje. E só o fez por achar que estava espantando um bandido. É incrível que ela tenha saído de casa para entregar uma torta. Kate arregalou os olhos e falou: — Quando menos esperarmos, nossa ex-reclusa vizinha estará saindo em férias para Paris! — Acho que vocês duas estão ignorando a questão mais importante do momento — salientou Susannah. — Dr. Kavanaugh, por que exatamente quer se casar com Alison? — Acredito que já respondi essa pergunta de uma maneira bastante clara para minha noiva — respondeu ele, sem hesitar. — Em outras palavras — murmurou Kate, olhando um instante para Susannah —, está sugerindo que eu cuide de minha própria vida. O noivado de vocês será longo, não? — Até demais. Pelo menos do meu ponto de vista. — Logan se voltou para Alison. — Querida, ainda estou com as mãos ardendo de segurar a torta. Se não soltar logo esse prato, vou ficar com queimaduras. Quer que eu o leve para algum outro lugar? — Quanto durará exatamente esse noivado? — indagou Susannah, estreitando as olhos. — Bem — começou Logan —, eu precisaria de um calendário para contar, mas acho que ainda faltam doze dias inteiros até o grande momento, não é, querida? Alison entendeu a deixa. Sabia que se não pudesse convencer suas amigas, ninguém mais acreditaria na farsa. Forçando-se a sorrir, respondeu: — Onze se descontar o dia do casamento. Pessoalmente, não gosto de levá-lo em consideração. As vinte e quatro horas a mais parecem uma eternidade. Logan pareceu querer aplaudi-la. — Alison, Alison... — falou Kate, levando as mãos à cabeça. — Como pôde fazer isso? — Veja só, Kate — desdenhou Susannah. — E nós sempre achamos que ela fosse a mais prática! CAPÍTULO VI Quando o silêncio se tornou tenso no escritório da Tríade, Alison levou a torta para a cozinha. Seguindo-a de perto, Logan falou: — Está feito. Ela guardou o doce no armário. — Feito? Está se referindo a dar a notícia a Kate e a Susannah? Oh, pode acreditar que elas apenas começaram! — O que Susannah quis dizer sobre você ser a mais prática? — É apenas uma brincadeira entre nós, de como mantemos a sociedade equilibrada, explicando nosso sucesso conjunto. Susannah é a visionária, capaz de produzir uma ideia criativa atrás da outra. Kate é a técnica, que consegue traduzir as ideias iniciais em algo viável. E eu sou aquela que consegue controlar as contas, sincronizar a agenda de despesas com a de receitas, e providenciar que todos, possam comer e dormir enquanto trabalhamos com prazos ridículos. E mais ou menos isso. — A mais prática... — repetiu Logan, com ar pensativo. — Fico contente em saber disso. — Às vezes colocamos isso sob uma perspectiva diferente. Susannah é o senso de humor, Kate o coração terno, e eu o cérebro pensante. Tenho certeza de que está me jugando muito mais calculista do que prática, principalmente no que diz respeito ao bebê, não é? — Está me dando o direito a emitir uma opinião sobre o assunto? Pensei que houvesse eliminado essa possibilidade há algum tempo. — E o fiz. Mas esse pequeno detalhe não mudaria nada. Vamos deixar algo bem claro: fizemos um acordo, e não pretendo deixá-lo se livrar dele. O que veio fazer aqui? Vai começar a aparecer todos os dias? — Interessante. Se está tendo a sensação de que estou sempre presente, isso deve ter algumas implicações curiosas. — Mas nenhuma que possa fazê-lo sentir-se lisonjeado — interrompeu ela. — O que esqueceu desta vez? — Tem certeza de que quer discutir isso aqui mesmo? — É verdade. Susannah tem a audição mais apurada que já vi. Deixe-me arrumar minha mesa, lá em cima, que podemos sair e tomar um café. Quando subiram a escada, ouviram as duas outras sócias da Tríade trabalhando no terceiro andar. Caminharam pelo corredor até a sala de Alison, que ficava distante do acesso que levava ao piso superior. Enquanto ela arrumava a mesa, juntando os papéis sem preocupar-se em ordenálos, Logan se sentou no pequeno sofá desconfortável e sorriu, balançando a cabeça afirmativamente. — O que isso significa? — indagou Alison. — Aprovação ou constatação? — Digamos que era isso que eu esperava encontrar. "Que bela resposta", pensou ela, frustrada. — Acabei. Para onde vamos? — O que acha de ficarmos aqui mesmo? — Pensei que estivesse preocupado com a privacidade. — A cozinha dava muito eco, mas sua sala é tranquila e isolada o suficiente para nos acomodar no momento. Venha, sente-se. É que eu andei pensando... Com relutância, ela se sentou ao lado dele. — Estou começando a sentir arrepios, toda vez que você diz que "esteve pensando". Com o que ocupou sua mente agora? — Com a festa. — Que festa? De casamento? — Claro. Não quer que pensem que estamos nos escondendo, não é? — Isso não me incomodaria. — Alison parou de falar, virando o rosto na direção da porta fechada. — Acho que ouvi passos. Deve ser Susannah. — Também escutei. Acha que veio nos espionar? — questionou Logan, passando o braço pela cintura dela e puxando-a para si, até aninhá-la de costas sobre seu peito, fazendo-a estremecer. — Sabe, se o casamento for muito simples, poderá levantar suspeitas. — Qual é sua definição de "muito simples"? — Além disso — prosseguiu ele, ignorando a pergunta —, preciso me desculpar por marcar uma data sem nem ao menos perguntar se havia algum problema com relação à sua família. — Não se preocupe com isso. Que tipo de evento tem em mente? — Quanto seria necessário para convencer Burt Sinclair? — Não muito, creio eu. — E para que meus pais acreditem? Alison se afastou, virando-se para encará-lo. — Não creio que esteja falando sério. Quer mesmo enganar seus próprios pais? — Combinamos que não contaríamos a ninguém sobre o plano. — Mas sua própria mãe não é qualquer pessoa, Logan. — Certo. Então deixarei que você conte tudo para a sra. Kavanaugh — disse ele, puxando-a outra vez para si, inclinando o rosto até encostá-lo junto aos cabelos dela. — Não me peça isso. — Estou ansioso para ouvir a parte que diz respeito ao bebê. — Já entendi. Mas terá de falar a verdade cedo ou tarde, não é? — Sim, mas depois que tudo houver acabado, e eu puder contar com a simpatia dela, ao me ver decepcionado por ter sido tolo o suficiente para pensar que poderia ser feliz ao lado de uma pessoa calculista como você. — Hum?— murmurou Alison, tornando-se tensa. — Doloroso, não? A verdade sempre dói. — Bem, não posso dizer que estou surpresa. É natural que prefira posar de vítima, em vez de admitir que está sendo tão calculista quanto eu. — É o melhor que posso fazer, já que estamos falando de minha mãe. Quero deixar que ela continue alimentando algumas ilusões a meu respeito. Se fizermos tudo direito, Camilla jamais saberá sobre o bebê. — Mesmo que saiba, isso não diz respeito a ela. — Mas com certeza mamãe não verá a situação dessa forma. Sou filho único e ela tem uma grande ansiedade em ser avó. Se surgir a mínima chance de haver um filho meu resultando desse casamento... — Assinarei uma confissão por escrito, está bem? Pode me culpar à vontade. — Ainda bem que compreendeu. Mas não precisaremos chegar a extremos. Por hora, tenho uma lista de mais ou menos vinte e cinco pessoas que não posso deixar de convidar para a cerimónia. Se puder conseguir o mesmo número, será ótimo. — Embora estivesse pensando em algo como duas testemunhas e apenas um juiz, verei o que posso fazer. Já que será inevitável haver uma festa depois da cerimônia, preciso saber o que quer fazer. Bolo e champanhe será suficiente, ou quer oferecer um jantar requintado? — Alison, querida, não estou falando de nenhum evento grandioso. E pretendo ajudar, é claro. — Quando? — questionou ela, sentindo-se culpada por estar tão confortável encostada nele. — Além disso, acho que já tem se esforçado demais apenas pensando. — Faço o melhor que posso. Inclusive, convenci Burt de que não precisamos dos serviços da Tríade, então terá um cliente a menos na agenda. — Ótimo. Conseguiu tirar um serviço remunerado de minhas mãos, para me dar um trabalho que só dará despesas. — Pagarei todas as contas. Além disso, pense na dificuldade de trabalhar com Burt, sob as atuais, circunstâncias. Ao sentir que Logan estava roçando o rosto com suavidade junto a seus cabelos, Alison se afastou e o encarou em silêncio, estreitando o olhar com um ar indagador. — Bem — murmurou ele, dando de ombros —, pensei ter ouvido passos outra vez. — Não escutei nada. — É mesmo? — Logan a puxou para si mais uma vez, e voltou à mesma posição de antes, murmurando baixinho. — Seus cabelos parecem de cetim... — Não fique confortável demais. — Neste sofá? Deve estar brincando. — Soltando-a, ele ficou de pé e se espreguiçou, como se estivesse todo dolorido. — Ainda bem que a farsa não deve durar muito, senão teria de comprar um móvel mais confortável para seu escritório. — Não se prenda por isso — falou Alison, com sarcasmo. — Por que não compra um sofá-cama de uma vez? O sorriso insinuante e sensual de Logan cedeu lugar a um bocejo. Era preciso admitir que ele parecia mesmo cansado. — Vá para casa e durma um pouco — sugeriu ela. — Não posso. Preciso iniciar minha ronda e fazer dois partos ainda hoje. Conversaremos amanhã, está bem? — Por que será que isso me faz estremecer? Embora tenha franzido o cenho ao ouvi-la fazer tal pergunta, o brilho no olhar de Logan denunciou seu bom humor. — Ainda não sei, mas podemos fazer alguns experimentos e tentar isolar o estímulo. — Não estou falando deste tipo de tremor! Só o que me preocupa é a "surpresa do dia" reservada para amanhã. O que será? Só falta querer convidar o coral do templo Mórmon para o casamento. — Mas que ótima ideia! Você mesma fala com eles, ou prefere que eu o faça? Alison jogou uma almofada nele. Logan a pegou e ajeitou-a no canto do sofá. Então sorriu e partiu. Enquanto ajudavam Alison a se arrumar para o casamento, Kate se manteve em silêncio, enquanto Susannah não parava de falar. Seria apenas uma questão de tempo até que tocassem no assunto outra vez, de maneira direta. Na verdade, ficara surpresa por suas amigas haverem se segurado por tanto tempo, e estava imaginando qual das duas tomaria a iniciativa de derrubar aquela barreira. A amizade e a sociedade delas era baseada em confiança e honestidade, mas elas ficariam ainda mais preocupadas se soubessem a verdade. Ao ver Susannah franzindo o cenho, e Kate com o maxilar enrijecido, olhou-as através do espelho e disse: — Calma, meninas. Vai dar tudo certo. — Sabe de uma coisa? — disse Susannah, colocando a escova sobre a penteadeira com mais força do que o necessário. — Não posso mais ficar calada, fingindo que estou feliz com essa história. Pelo amor de Deus, Alison! Onde foi parar todo seu bom senso? — Sei que achou estranho que não terei lua-de-mel... — Não estou falando disso. Também não estou criticando o fato de ele se mudar para sua casa. Acho apenas que é uma loucura. — Minha casa é própria e a dele era alugada. Nada mais natural do que ficarmos onde moro. Qual é a loucura nisso? — Disse que não me importo com a casa — garantiu Susannah, com firmeza. — É a forma como este casamento está acontecendo. Até Rita ficou em choque ao receber a notícia. Ela derrubou uma pilha de papéis que demorou duas horas para reorganizar, e só então disse o que pensava. — E o que ela disse? — indagou Alison. — Algo sobre você estar com pressa em se casar por querer quebrar o recorde entre nós. — Susannah! — protestou Kate. — Por que não pôde esperar, Alison? Pelo menos até ter certeza de que se trata de amor, e não apenas de uma paixão ardente, que pode se apagar de repente? — Susannah, por acaso eu dei alguma opinião quando decidiu se casar com Marc? — Mas eu o conheço há quase dez anos! Você conheceu Logan há pouco mais de dez dias, e só foi apresentada aos pais dele ontem à noite. — Não vou me casar com os pais dele, Susannah. E já que chegaram ontem, como poderia conhecê-los antes? Kate interveio: — Susannah, quer me ajudar com a roupa de Alison? Susannah não pretendia parar e prosseguiu: — Como foi que ele a pediu em casamento? "Como se estivesse analisando um problema de logística", pensou Alison, enquanto se maquiava, mas respondeu: — Durante um jantar no Cícero's. E se espera que eu descreva em detalhes, pode esquecer. — Sabe de uma coisa? — indagou Susannah, soltando um suspiro. — Eu ficaria mais tranquila se você houvesse elaborado um anúncio para encontrar um marido, como sempre pensei que faria. — Anúncio? Na seção de assuntos pessoais do jornal? — perguntou Alison, ficando de pé ao acabar de se maquiar. — Não, pensei que a seção "Precisa-se" seria mais adequada. Pelo menos assim, você não estaria envolta por algo tão forte, esperando que vá durar. E é óbvio que não vai durar. Kate se aproximou e ajudou Alison a vestir o tailleur rosa-claro que completava o traje, enquanto falava: — Susannah, a caixa com o buquê está lá embaixo. Quer ir buscá-la para nós? Ao ficarem sozinhas, Alison disse: — Será que a sra. Holcomb virá? — Não tente mudar de assunto — falou Kate, com firmeza. — Sabe que Sue está certa. Você mal o conhece. — Conheço-o o suficiente. — Sei que investiga melhor seus clientes do que o fez com Logan. — Pensei que era amiga dele, Kate. — E sou. Sei que são duas pessoas maravilhosas, e quero vê-los tendo a mínima chance de serem felizes. Desista disso tudo enquanto é tempo, Alison. — Não posso. — Claro que pode. Eu e Susannah a apoiaremos. Pode ser embaraçoso no momento, mas tudo será superado. — Sei o que estou fazendo, Kate. — Tenho certeza de que pensa assim, mas deve esperar que o homem certo surja em sua vida. Não precisa se sentir obrigada a se casar, apenas por causa da onda matrimonial que parece ter atingido a Tríade. — Logan é exatamente o que procuro. — Não quero que venha a se arrepender disso no futuro — insistiu Kate. — Isso não vai acontecer. Por favor, fique feliz por mim, está bem, amiga? — pediu Alison. — Oh, meu Deus! Você vai mesmo levar isso adiante, não vai? Então está bem, vou me calar. Não quero minar a chance de que esse casamento dê certo. Prometo que não direi "eu avisei" quando tudo acabar. Susannah entrou no quarto, com o buque nas mãos. — Por outro lado, não estou fazendo nenhuma promessa do gênero — disse a loira, entregando as flores à noiva. — Pelo menos, ele acertou na cor do arranjo. A limusine já está lá fora. Em poucos minutos, Alison estava caminhando em direção à porta da mesma capela onde Kate e Susannah haviam se casado. Logan a esperava à porta. Sentiu-se grata por ele não haver questionado seu pedido de que a acompanhasse até o altar, o que era incomum. Trêmula, ficou grata em ter o braço dele para se apoiar. — Está tudo bem com você? — perguntou ele, preocupado. — Eu preferiria estar assistindo a um bom programa de televisão. Ao vê-lo sorrir, parte do nervosismo se esvaiu. — Oh, esqueci que hoje havia jogo pelo campeonato! Deveríamos ter feito a cerimônia de manhã, para podermos ir ao jogo à tarde — disse Logan. Pouco depois, estavam caminhando em direção ao altar, e então fizeram os juramentos. Sentindo-se estranha, Alison tentou se lembrar de que aquilo não significava nada. Não era real. Precisava se apegar a isso, ou perderia o controle. Porém, não conseguiu mantê-lo no momento do beijo. Ao sentir aqueles lábios firmes e quentes junto aos seus, sentiu um delicioso calor pelo corpo. Por mais que parecesse tolice, poderia jurar que houvera paixão sincera naquela carícia ardente. Foi preciso muito esforço para se lembrar de que Logan era apenas um homem com muito talento para representar. Se não pudesse continuar trabalhando como médico, com certeza ele faria sucesso como ator de cinema. Na saída, conheceu a mulher de Burt e considerou que eles formavam um casal harmonioso. A mulher conseguiu mostrar sua maldade com dois ou três comentários dispensáveis, que não deveriam ser dirigidos a uma recém-casada. Em resumo, ela era a típica "estraga prazeres". — Há quanto tempo trabalha com o dr. Sinclair? — cochichou Alison, assim que os dois se afastaram. — Três anos e pouco. — E conheceu a esposa dele desde então? — Sim. Por quê? — Nunca percebeu que os dois são cruéis, frios e manipuladores? Onde estava com a cabeça para se associar a alguém como ele? — Digamos que passo tanto tempo trabalhando que nunca prestei atenção aos colegas de sociedade. Exceto nas reuniões. Oh, agora vem a parte complicada — alertou ele. E foi mesmo. O problema era que Alison não deveria ter se abalado, considerando que o casamento era uma farsa, mas a parte mais difícil foi abraçar a mãe de Logan, a última pessoa a sair da capela. A mulher estava com lágrimas escorrendo pela face e, com um sorriso sincero, agradeceu ao destino por haver colocado uma pessoa como ela em sua família. Quando Camilla Kavanaugh perguntou se poderia chamá-la de filha, Alison quis sumir dali. Como poderia suportar a ideia de ser responsável por uma pessoa tão sincera e carinhosa ter seu mundo abalado pela separação do filho? Como aguentaria o sentimento de culpa? Depois da recepção que ofereceram aos convidados, a limusine os deixou em casa. Só então Alison percebeu que iria dividir aquele espaço com Logan, por um período de tempo que poderia chegar a meio ano. Assim que entraram, sentiu-se tão pouco à vontade que achou a sala pequena demais para ambos. Antes que algo fosse dito, um dos gatos foi recebê-los, pulando nos braços dela. — Velvet, está com fome? Vou colocar comida em sua tigela. Logan havia trancado a porta com a chave que ela acabara de lhe entregar e se adiantou para devolvê-las. — Quer que eu a coloque na sua bolsa, ou deixo sobre a mesa? — Fique com essa cópia — disse Alison, sentindo uma certa urgência em sair dali, ao ver o brilho nos olhos dele. — Está bem. Você parece exausta. Deixe que eu cuido dos gatos e vá descansar. Diga-me apenas onde está a comida deles. Alison o fez sem discutir. Estava atordoada demais para discordar. Era difícil se lembrar de que todas aquelas carícias, olhares íntimos e palavras de amor, haviam sido apenas uma farsa para o público. Como um médico era capaz de interpretar tão bem? De repente, pensar que a noite mal começara deu-lhe a impressão de que seria impossível ficar em casa com ele, pelo menos naquela noite de núpcias. — Quer jantar fora? — convidou Logan, parecendo tão pouco à vontade quanto ela própria, o que foi um consolo. — Podemos ir ao Cícero's, ou até ao Coq Au Vin. — Oh, não! — exclamou ela, assustada. — Não me diga que hoje é o segundo sábado depois daquela reunião do Clube de Solitários? — Acho que é. Está querendo dizer que há um encontro lá esta noite? Ele começou a rir alto, e Alison não conseguiu evitar de acompanhá-lo naquela manifestação emocional. Então entreolharam-se com um ar de cumplicidade, compartilhando um momento de perfeita sintonia. Desviando o olhar, assustada com o que se passava em seu coração, Alison subiu a escada, dizendo que iria se vestir. — Nem pense em ir sem mim. Sei que não precisa de um guarda-costas, mas estou ansioso para vê-la explicar que, mesmo sendo a encarregada de um clube de solteiros, atrasou-se porque seu próprio casamento demorou mais do que o esperado. CAPÍTULO VII A luz do sol despertou Alison na manhã seguinte. Ainda estava sonolenta, mas sentou-se depressa e apurou os ouvidos para tentar escutar qualquer ruído proveniente do andar de baixo, onde ficava o quarto de. hóspedes. Estava tudo em silêncio. Logan ainda devia estar dormindo. Voltando a se deitar, lembrou-se da reunião e da reação dos presentes, criticando sua atitude. Na verdade, o evento fora um fracasso. Mas isso já não parecia tão importante. Por outro lado, o que dissera ao se recolher, depois que voltaram para casa, fora muito comprometedor. Ao mostrar o quarto de hóspedes, não hesitara em avisá-lo: — Se não quiser companhia durante a noite, tranque bem a porta. Já estava tomando banho, em sua própria suite, quando percebeu que Logan poderia interpretar aquilo da maneira errada. Referira-se aos gatos, que tinham o hábito de invadir todos os cômodos da casa, sem pedir licença. Já bastava ter de compartilhar a casa com ele, e não precisava cometer deslizes daquele tipo. Por outro lado, não queria se mostrar preocupada demais com isso. Deveria se comportar como se fossem apenas colegas, dividindo um alojamento, só isso. As juras de amor eterno que fizeram diante do altar e os beijos que compartilharam em público faziam parte da farsa. Precisava se lembrar disso o tempo todo. Se estivesse com qualquer outro hóspede em sua casa, não hesitaria em descer até a cozinha, preparar um bom desjejum, pegar o jornal à soleira da porta e ficar à vontade. Entretanto, apenas ajeitou o travesseiro e não saiu da cama. Teve a impressão de ouvir Logan se movendo pela casa, e ficou tensa por alguns minutos. Pouco depois o cansaço da noite anterior a venceu, levando-a a cochilar. Então teve aquele sonho outra vez. A criança estava fora do alcance de sua visão, mas o bolo em suas mãos tinha duas velinhas. As pessoas à sua volta não deixavam que se movesse em nenhuma direção e o creme da cobertura derreteu em suas mãos, levando-a a chorar, sem nem mesmo ver a menina. Acordando de repente, sentiu o rosto umedecido pelas lágrimas, e não conseguiu conter os últimos soluços. Estava chorando enquanto dormia. Parecia estranho que, justo quando estava mais perto de realizar seu desejo, tivesse um sonho como aquele. Qual seria o problema? A questão a incomodou, até que a resposta lhe veio à mente: Camilla desejava ser avó, tanto quanto ela própria desejava ser mãe. Se ficasse grávida, como poderia explicar que o filho não era de Logan? Aquilo a magoaria demais, e Alison não estava disposta a ser responsável por isso. Estava lidando com uma pessoa tão bondosa e gentil que chegara a perguntar a si mesma de onde a sra. Kavanaugh havia saído. Como era possível que a tivesse aceito com tamanha prontidão? Percebera, pelo olhar da boa senhora, que cada palavra que dissera fora sincera e real. Portanto, a única solução seria esperar. Só poderia engravidar depois que Logan arrumasse uma solução para sua carreira, e depois que se separassem. Não poderia haver a menor chance de dúvida para Camilla. A dor seria menor assim. Estava tão absorta em pensamentos que mal ouviu a leve batida à porta. Sem responder, apenas sentou-se na cama e observou, fascinada, enquanto a maçaneta era girada com lentidão. Logan apareceu pela fresta, dizendo: — Que bom que esteja acordada. Não quis bater forte para não incomodá-la, mas sei que gosta de café fresco, então lhe trouxe uma xícara, antes do desjejum. Alison se sentiu tão atordoada que não conseguiu responder. Apenas o seguiu com o olhar, vendo-o se aproximar para lhe entregar a bebida quente. Estava vestido da forma mais casual que já o vira até então. O jeans desbotado e o pulôver azul eram apenas um pouco mais claros que seus olhos. Ao sentir o aroma do café, conseguiu dizer: — Obrigada. Nunca recebi esse tipo de tratamento. — Bem, estou feliz de haver sido o primeiro a ter a oportunidade de fazê-lo. — Ele sorriu. — Importa-se que eu me sente para conversarmos um instante? Mesmo sabendo que não era uma boa ideia, Alison não encontrou nenhuma razão lógica para recusar. — Fique à vontade. Na verdade, Logan não se sentou. Ele praticamente se deitou no extremo oposto da cama, mantendo o corpo apoiado sobre o cotovelo. Mesmo assim parecia perto demais. Ao ver a mão firme acariciando os pêlos de sua gata, sentiu a necessidade de encolher as pernas, quase tocando os joelhos nos seios. — É sempre assim que se comporta ao se sentar na cama de alguém? Ele parecia tão ocupado em olhá-la, que nem mesmo se preocupou em responder. — Esta cama tem um tamanho meio fora de medida. Onde consegue lençóis para ela? Em uma loja de tendas? — Foi a maior cama que consegui encaixar no quarto. Gosto de ter muito espaço à minha volta. — Já percebi. E isso também se aplica à sua opção em dormir com essa camiseta enorme? Alison se sentiu grata por não estar habituada a usar aquelas peças de dormir que mais pareciam roupas íntimas, preferindo sempre uma camiseta larga e macia. — Dormiu bem? — indagou ela, de repente. — Não muito. Fiquei esperando aquela companhia que me prometeu. Esforçando-se para se manter calma, Alison rogou para não enrubescer. — É que eles ainda não se acostumaram com sua presença. Espere só até que isso aconteça. Ashes tem o hábito de empurrar toda porta fechada que encontra. Velvet, por outro lado, aprendeu a abrir maçanetas. Já o flagrei fazendo isso, e é hilário. Mas funciona. — Oh, estava falando dos gatos? Ciente do brilho satírico nos olhos dele, Alison ficou séria. — Presumo que haja algum motivo específico para ter vindo até aqui. — Sim, há. Estive pensando sobre nosso acordo. — Não gostei muito do som desta frase. Se veio me dizer que pretende desistir, agora que cumpri minha parte... — Claro que não é isso. Cumprirei minha promessa. Mas há algumas dificuldades técnicas com relação ao método que pretende usar. Ocorreu-me que não posso recebê-la no escritório, como uma paciente normal. Não por ser minha esposa, mas por causa da obrigatoriedade de mantermos os arquivos acessíveis entre todos os médicos da clínica, para que possamos cobrir férias e faltas mútuas. — Hum. Acho que não está preocupado com minha privacidade, mas que desconfiem de seu plano, não é? — Para ser direto, sim. Não há meio de contornar o problema. Não posso falsificar os dados e colocar minha licença em risco. — Então, está me dizendo que terei de esperar. — Não vejo outra solução. Lamento muito, Alison, mas garanto que começaremos o procedimento assim que possível. Mesmo tendo ficado comovida pelo constrangimento de Logan, ela não confessou que chegara à mesma conclusão, por outros motivos. Afinal, poderia ser útil mantê-lo sentindo-se em débito com ela. — Vou garantir que se lembre disso. — Não vai ficar furiosa comigo? — Isso resolveria o problema? Não. Agora, se me dá licença, quero sair da cama. — Sabe que não quero impedi-la de se levantar — falou ele, saindo da cama. Ao observá-lo se afastar e deixar o quarto, Alison constatou que Logan parecia ainda mais sensual de jeans do que com roupas sociais. O engraçado era se lembrar de que, mesmo quando estava se contorcendo de dor, na sala de emergência do pronto-socorro, notara que seu novo médico era tão atraente de costas quanto de frente. Ao pensar em todos os homens que conhecia, começou a fabular sobre quem gostaria de ter como pai de seu filho, e a única imagem que lhe vinha à mente era a de Logan. Aqueles traços fortes, o sorriso expressivo, os olhos verdes... Sentindo-se trêmula, deixou cair a blusa que escolhera para vestir e começou a rir, de maneira incontrolável. Algum dia compartilharia a piada com ele. Depois de experimentar três combinações de roupa diferentes, e de aplicar mais maquiagem do que costumava usar em um domingo de manhã, Alison saiu do quarto. Ao descer a escada, notou que Logan estava sentado no sofá, do lado oposto da sala. Ele apenas levantou o olhar ao jornal que tinha diante de si e a fitou. Alison jamais se sentiu tão observada. Era como se estivesse em uma passarela. Até então, nunca notara que aquele sofá oferecia uma vista tão privilegiada da escada. Ao chegar à cozinha, notou que havia contido o fôlego. E só então voltou a respirar. — Tenho algumas coisas na geladeira, caso ainda não tenha comido nada. Como vou preparar para mim, se quiser... — Não acha que é um pouco tarde para o desjejum? O comentário a incomodou, embora Alison não soubesse identificar o motivo. Teria sido a rejeição a uma oferta bem-educada que a afetara, ou a crítica implícita com relação a seus hábitos? — Hoje é domingo. Qual é o problema se eu quiser ficar na cama até meio-dia? Logan pareceu surpreso. — Por acaso dei a impressão de a estar repreendendo? — Já que perguntou, sim. — Não foi essa minha intenção. Na verdade, estive pensando... — Sabe — interrompeu Alison —, estou começando a sentir um certo mal-estar, toda vez que diz isso. Ele sorriu com tanto charme que a fez perder o fôlego outra vez. — Não se desespere. É que o dia está tão lindo, que achei que gostaria de passear no zoológico. Podemos parar em uma barraquinha de cachorro-quente e almoçar. — No zoológico? — Já foi até lá? — Claro, só não esperava algo assim. Quer mesmo ir ao zoológico? — Ora, alguém tem de fazê-lo, não? Afinal, é preciso que alguém fique andando pelos calçadões, para que as girafas, os elefantes e os chimpanzés tenham a oportunidade de rir dos humanos. Os bichinhos teriam uma vida triste se ninguém fosse, se fazer de tolo para eles, nas tardes de domingo. — E hoje é a nossa vez? — Costumo me voluntariar sempre que posso. Isso me ajuda a manter a humildade. — Acho que seria preciso mais do que um chimpanzé para conseguir isso — murmurou Alison, olhando para o brilho do sol, do lado de fora. — Está bem. Deixe-me subir e pegar um suéter. A caminhada foi agradável. O outono estava mais presente do que nunca, e as árvores deixavam suas folhas secas por toda parte. O vento típico de Chicago as carregava pelas ruas e jardins. Durante o passeio pelo zoológico, eles pareciam se encontrar com bebês por toda parte. Ao parar perto dos leões-marinhos, viram uma mulher grávida mostrando os animais para a filha pequena que trazia no colo, enquanto também conversava de maneira carinhosa com a criança em seu ventre. — Acho que não foi uma boa ideia virmos até aqui — falou Logan. — Está tudo bem. Não sou egoísta. Fico feliz em ver a alegria das outras pessoas. — Por que... — Ele se interrompeu no meio da pergunta. — Estou ficando com fome, e você? Mesmo curiosa sobre a pergunta interrompida, Alison preferiu não entrar no mérito da questão, limitando-se a acompanhá-lo até a barraca de cachorro-quente. Enquanto comiam, notou que a mesma mulher grávida que vira antes sentara-se em um dos bancos do zoológico, não muito longe do lugar em que haviam parado para comer. A mulher parecia estar passando mal. — Logan, está vendo aquela mulher ali? Quando ele se virou, viu a grávida gesticular para a menina que antes estivera no seu colo, chamando-a para perto de si. Em seguida, disfarçou uma careta de dor. Logan colocou o sanduíche sobre o colo de Alison e o copo de refrigerante no banco, e se pôs a caminho. Quando conseguiu se desvencilhar do próprio lanche, e do dele, colocando-os sobre um guardanapo, Alison o seguiu. Ao chegar, ele já estava abaixado ao lado da grávida. Foi então que Alison percebeu que a mulher havia entrado em trabalho de parto. Logan notou que alguns curiosos se aproximaram, e ordenou que dois rapazes fossem chamar a segurança. Uma das vigilantes se aproximou correndo e, sob as instruções de Logan, pediu uma ambulância pelo rádio. Ao ouvi-lo pedir algo para embrulhar o bebê, Alison retirou o suéter e o entregou a ele. Então se incumbiu de cuidar da garotinha, que parecia ter mais ou menos três anos de idade. Quando a ambulância chegou, o bebê havia acabado de nascer e estava chorando. Felizmente, o veículo se aproximou bem a tempo de que Logan cortasse o cordão umbilical, antes que houvesse maiores complicações. Logan falou aos enfermeiros, instruindo-os em uma linguagem técnica. Sob os aplausos das poucas pessoas que os circundaram ao longo do processo, ele se afastou, caminhando ao lado de Alison, que entregara a menina aos cuidados da única enfermeira da equipe. Depois que jogaram os restos frios de seus lanches na lata de lixo mais próxima, começaram a caminhar de Volta para casa. — Obrigado, Alison. — Pelo quê? — Pelo apoio, e por se preocupar em cuidar da garotinha. Se ela visse tudo, iria dar muito trabalho e poderia ficar com algum trauma. — Bem, qualquer um poderia ter feito isso. Sua parte é que foi especial, Logan. Ele deu de ombros. — Dizem que "o hábito faz o monge". Não posso nem mesmo tirar um final de semana de folga para me casar, sem fazer ao menos um parto. Mas, antes de isso acontecer, estávamos falando sobre famílias. — É mesmo? — Sim. Não se faça de desentendida. Gostaria de saber se tenho uma sogra, sogro, cunhados... Como poderei reagir da maneira correta ao chegar em casa uma noite dessas, quando a estiverem visitando, e nem souber o nome deles? — Não se preocupe com isso — falou Alison, com amargura. — Porque jamais vai acontecer. — Bem, já vi que não quer mesmo falar sobre o assunto, e sei que não mudará de ideia. Mas posso pelo menos saber porque é tão importante assim ter um filho? — Não é algo natural para uma mulher? — Boa resposta, mas não se aplica ao seu caso. O incomum, é o método que escolheu. Já que não parece ser do tipo que odeia homens, fica difícil compreender. — Desculpe-me pela sinceridade, mas este assunto não lhe diz respeito — disse ela, acelerando o passo ao avistar sua casa. — Puxa, parece que acabei de correr em uma maratona. — Já recebeu uma boa massagem nos pés? — Não. Por acaso isso é uma oferta? — Sim, é. Disseram-me que sou muito bom nisso. "Quem disse?" pensou Alison, curiosa em descobrir por que aquilo a incomodara tanto. O passado de Logan não lhe dizia respeito. — Obrigada, mas creio que já teve um dia bastante cheio. — Não precisa se preocupar com isso. Logan não respondeu. Apenas pegou a própria chave e abriu a porta para ela. A luz de aviso da secretária eletrônica estava piscando, indicando que havia mensagens. A primeira era uma espécie de intimação, e não um convite, feito pela sra. Sinclair, para que fossem jantar com eles. Alison nem mesmo precisou perguntar se precisavam ir, pois o suspiro desanimado de Logan foi uma resposta clara o suficiente. A seguinte era uma voz que não ela escutava havia meses, dizendo: — Alison? Acho que deveria telefonar para sua mãe de vez em quando... Em um gesto automático, ela apertou um botão e a máquina reagiu de imediato, interrompendo o recado e acendendo o indicador de "fim das mensagens". — O que aconteceu? Não era sua mãe? — Estou certa de que ela apenas ficou resmungando e reclamando a mensagem inteira. — E você apagou o recado sem nem mesmo escutá-lo? — Por que acha que isso lhe diz respeito? — indagou Alison, levantando a cabeça e tentando mostrar um ar desafiador, embora estivesse trêmula. O olhar de Logan pareceu perder o brilho. — Estava começando a acreditar que você não seria capaz de tomar uma atitude fria como essa. Pelo visto, estive me enganando. Não desejando prolongar o assunto, Alison o encarou em silêncio até que, depois de um longo tempo, ele se virou e saiu. CAPÍTULO VIII Logan ainda não havia voltado quando chegou à hora de Alison ir dormir. Hesitando entre colocar ou não a corrente de segurança na porta, ela decidiu não fazê-lo. No entanto, não havia dormido quando o escutou chegar. Estranho, mas a onda de alívio que a dominou foi tão intensa que a impressionou. Ficou deitada por algum tempo, tentando justificar com lógica o que sentira. Ainda estava elaborando uma teoria quando finalmente adormeceu. O ruído do chuveiro do quarto de hóspedes a acordou na manhã seguinte. Era hora de se levantar e de encarar Logan como se nada houvesse acontecido. Na verdade, não fora mesmo algo tão grave. Tratava-se apenas de uma opinião emitida sem base de informação, levando-o a discordar dela. Quando chegou à cozinha, viu que Logan deixara a cafeteira ligada. Estava se servindo de uma xícara de café quando ele se aproximou da cozinha, com os cabelos ainda úmidos, vestido de branco e com sua mala de equipamentos à mão, pronto para o trabalho. O ar de surpresa que demonstrou ao vê-la deixou-a curiosa. A impressão de que identificara interesse por parte dele deveria ser apenas imaginária. Como alguém poderia achá-la sensual em um enorme robe de banho, que escondia seu corpo desde o pescoço até os tornozelos? — Estava planejando levar-lhe uma xícara de café — disse Logan —, e imaginando se iria receber um banho de bebida quente por acordá-la a essa hora quase obscena. Ainda não amanheceu. Servindo-o também, Alison respondeu com naturalidade. — Hoje é segunda-feira. Kate, Susannah e eu nos reunimos para o desjejum e fazemos o planejamento da semana. E gosto de começar o dia cedo. — Exceto aos domingos, é claro. Quanto ao telefonema de ontem... — começou Logan, levando-a a cogitar se ele iria se desculpar por estar se intrometendo, ou se pretendia lhe dar um sermão. — Acho que teremos de aceitar o convite dos Sinclair. Mas talvez eu possa adiar o compromisso por um bom tempo, até que se torne pouco importante. "E quanto àquele outro telefonema?", pensou ela, mas sem tocar no assunto. — Está querendo dizer até que encontre outro trabalho? Como estão as perspectivas? — Ainda não há nada acertado. Demorará um pouco até que eu possa ter retorno das pessoas certas. Não posso sair anunciando que estou procurando outra sociedade, mas já fiz meus contatos ao longo da semana passada. — Mantenha-me informada. — É claro. Neste meio tempo, tentarei falar com a sra. Sinclair e adiar o compromisso. Creio que tenha todos os fmais de semana comprometidos ao longo do mês, não? — Nesse caso? Claro que sim! Mas acho que ela consideraria mais apropriado que eu mesma telefonasse. Assim poderei alegar que preciso consultá-lo, antes de confirmar qualquer data. Logan sorriu. — Otimo. Então poderá ganhar mais tempo. — Agora preciso me arrumar — falou Alison, lembrando-se de que fizera piadinhas sobre as sócias se atrasarem nas reuniões, no dia em que haviam voltado da lua-de-mel. Não queria dar mais munição para que elas contra-atacassem. — Vejo-a hoje à noite. Só não sei a que horas volto. — Se essa é uma maneira educada de dizer para não esperá-lo para o jantar, saiba que eu não pretendia fazê-lo. — Fico feliz que estejamos nos entendendo. E, Alison, no que diz respeito à sua mãe... — Não lhe devo explicação alguma, Logan. — Está certíssima. Era isso mesmo que ia lhe dizer. Não tinha o direito de interferir. Acho que não deveria me intrometer tanto na vida dos outros, como fiz ontem, não é? O tom dele fora quase brincalhão. Então por que Alison não se sentiu feliz pela abordagem distante que ele assumira? Mesmo estando adiantada para o desjejum com suas sócias, Alison foi a última a chegar. Assim que entrou na lanchonete onde se reuniam todas as segundas-feiras, havia mais de três anos e meio, avistou-as ao fundo, na mesa de sempre. Assim que se sentou, viu Kate estender a mão em direção à outra, dizendo: — Pode pagar, Susannah. A loira começou a procurar dinheiro na bolsa. — Qual era a aposta? —indagou Alison. — Se você iria aparecer esta manhã. Susannah, a eterna romântica, apostou que não — explicou Kate. — E agora estou pensando em uma forma de ganhar meus dez dólares de volta. Vejamos... E óbvio que já tomou café antes do desjejum, então ninguém apostaria sobre isso. — Por que é tão óbvio? -— indagou Alison. — Porque está apenas bebericando sua xícara, o que significa que é, no mínimo, a segunda de hoje. Não me diga! Logan levou uma xícara para você, na cama, antes de ir para o hospital? — É bom que tenha se casado com um homem rico, Susannah, porque perderia essa aposta também. — Ele não levou café para você? Mas que falta de romantismo da parte dele. Mas não era bem sobre isso que eu estava pensando em apostar. — Ainda bem, pois Logan teria levado uma xícara para mim, se eu não houvesse me levantado antes. Só não sei por que tive tanta pressa em chegar, já que estou me deixando levar por essas tolices, com tantos negócios para tratar. Susannah não desistiu. — Kate? O dobro dos dez dólares que perdi. Aposto que ele não levou o jornal para Alison. — Está pensando que sou tola? — indagou Kate. — É claro que não levou. — Por que tem tanta certeza? — indagou Alison, que tropeçou no jornal enquanto saía, colocando-o sobre a mesinha, ao lado da entrada. — Porque, se soubesse que está na coluna social, não estaria sentada aí, com toda essa calma. A loira pegou um jornal e o entregou a Alison, que começou a procurar do que se tratava. Havia muitas pessoas em volta deles no zoológico, e talvez alguém fosse repórter e a houvesse reconhecido. No final, era apenas uma pequena matéria sobre a reunião do Clube dos Solitários. Acontecera tanta coisa desde aquela noite, que ela esquecera do fiasco. Depois de ler a matéria, devolveu o jornal à amiga, dizendo: — Poderia ser pior. — Isso é verdade — disse Kate. — Tanto que aconteceu algo pior. Por acaso ligou a televisão hoje cedo, para ver o noticiário? — Nunca assisto aos informes matinais, a menos que uma de vocês vá aparecer. Oh, não... — Estão chamando de "bebé do zoológico" — explicou Susannah. — Foi uma matéria muito interessante — Completou Kate. — Mostrou que todos os filhotes de babuíhos, de zebras e de outros animais foram obscurecidos por uma nova espécie de bebês que nascem em zoológicos. — Oh, não! — repetiu Alison. — Material completo, com filmagem e fotografias — adicionou Susannah, em um tom gentil. — Uma estação local de televisão estava filmando um documentário em um ponto mais alto do zoológico, e conseguiu pegar a ocorrência em flagrante. — Não é possível! — Alison, parece que seu vocabulário ficou reduzido, de repente — comentou Susannah, com sarcasmo. — Não há nada mais que eu queira dizer que possa ser pronunciado em público. — Estavam filmando de longe — explicou Kate. — Então não se poderia considerar o evento como um documentário médico. Mas Logan estava inconfundível. Você pareceu um pouco diferente, mas não ele. — Apareci também? — Oh, sim. Elogiaram sua atitude, ao cuidar da irmãzinha mais velha do bebê. A história tem três minutos inteiros, e estão passando pelo menos uma vez a cada hora. Alison cobriu os olhos com a mão. Na televisão, três minutos era uma eternidade. Nem o presidente conseguia tanto tempo assim no noticiário, a menos que fosse um caso bombástico. Sem perceber, ficou de pé e pegou a bolsa. — Se pretende ir para o escritório — falou Susannah, detendo-a por um instante, para lhe entregar uma fita de videocassete —, acho que vai querer levar isto com você. Gravei o noticiário para que não perdesse tempo esperando pela próxima transmissão. Kate retirou outra fita da bolsa, entregando-a para Alison. — Fiz a mesma coisa. Mas podemos pedir para a estação nos enviar uma cópia de boa qualidade, para seu currículo. Alison estava tão apressada em chegar à entrada da Tríade que mal notou a sra. Holcomb parada na varanda, logo ao lado. E ela estava sorrindo! — Vi você na televisão. Então seu marido é médico? É sempre bom ter um doutor por perto. Três frases, de uma só vez? Alison ficou em choque. — Sim, é. — Cuide bem dele — disse a velha, voltando a se esconder porta adentro. Ao passar pela recepção, Rita a cumprimentou, dizendo: — Bom dia. Caso tenha perdido o noticiário, coloquei uma cópia da fita no vídeo da sala de reuniões. Está no ponto onde começa a matéria. — Você também fez uma cópia? Não acredito! — Bem, fiz. Alison qual é o sobrenome que está usando? — Há algo errado com o meu atual? — Quando os repórteres ligarem outra vez, procurando a sra. Kavanaugh, devo corrigi-los? Alison suspirou. Passara todos aqueles anos tentando tornar o nome Alison Novak conhecido no meio publicitário, e precisaria mudá-lo para não levantar suspeitas sobre o plano. — Não, tudo bem. Deixe-os me chamar como quiserem. Fechando a porta da sala de reuniões, assistiu ao programa. A narração sensacionalista fez com que Logan parecesse um verdadeiro herói nacional. Depois de um longo tempo, o telefone ecoou pela grande sala, assustando-a. — Alison? — chamou Rita. — O dr. Kavanaugh está na linha quatro. Ao ouvir a transferência ser completada, falou: — Logan? — Querida, sabe o que minha primeira paciente me trouxe? — Deixe-me adivinhar: uma fita de vídeo. — Já lhe contaram? — Acabei de assisti-la. Logan, em todos esses anos de publicidade, nunca vi esse tipo de cobertura em nenhum evento. — Neste caso, da próxima vez que vir uma mulher grávida em dificuldades, não a mostre para mim. Mas liguei por outro motivo. Burt disse algo sobre a mulher dele estar programando o jantar para o próximo sábado, e achei melhor avisá-la. — Será o dia da apresentação de meu vídeo promocional sobre Chicago. Não poderei faltar ao lançamento de uma produção minha. — Então vou providenciar para que tenha a noite de folga. — Não é necessário, Logan. Será um daqueles jantares com comida ruim e discursos de políticos. Ninguém espera que você compareça. — Acha que vou perder a estreia de minha esposa como produtora de filmes? Que espécie de marido pensa que sou? Só se certifique para que não haja nenhuma grávida por perto, sim? Alison teria desligado o telefone com toda força, se Logan não houvesse interrompido a ligação de imediato. Depois de se recompor, conseguiu desmarcar o jantar com a mulher de Burt, depois retornou o recado de sua mãe. Ouvira-o duas vezes antes de apagá-lo por completo, depois que Logan saiu. Como sempre, sua mãe queria que ela interviesse em algo relacionado à herança da família. O pai de Alison deixara tudo para a segunda esposa e os novos filhos, não incluindo no testamento a ex-mulher, de quem se divorciara vinte anos antes de morrer, nem ela própria, filha do primeiro casamento. A discussão foi exaustiva, tentando convencê-la de que não queria e não iria lutar por direitos de herança. Estava trêmula e se sentindo mal quando desligou o telefone, como sempre acontecia. Por isso chegara a passar três anos sem entrar em contado com a mãe. Mergulhando no trabalho, tentou esquecer o assunto. Isso sempre funcionava. Mas demorava muito. Quando disse que não pretendia esperar Logan para jantar, Alison estava sendo sincera. Nunca seria uma esposa caseira. Mas ela mesma precisava comer, e estava preparando a refeição quando o telefone tocou. Ao ouvir a voz de Camilla Kavanaugh pela secretária eletrônica, resolveu atender à ligação. — Alô? Camilla? Desculpe-me a demora, mas eu estava... Antes de dizer que preparava o jantar, decidiu não dar uma impressão errada de que era uma dedicada dona de casa. — Querida, não se sinta obrigada a me atender. Não quero interromper seu trabalho. Sei que você e Logan são tão ocupados, que nem imagino como tiveram tempo de se apaixonar um pelo outro. Não precisa mudar a rotina por minha causa. — Hum, está bem. Alison sabia que ela estava sendo sincera, e aquilo a fez sentir-se mais culpada. A mãe de Logan estava avisando que ela e o marido iriam passar o final de semana em Chicago, e os convidaram para um jantar em família no sábado à noite. Explicando que não poderia ir, Alison disse que Logan os acompanharia. Antes de desligar, perguntou, curiosa, onde eles iriam ficar, já que Logan havia devolvido o apartamento ao proprietário. Ao ouvir Camilla dizer que seria no hotel de sempre, algo a fez tomar uma atitude impensada. — Não dessa vez. Vocês ficarão em nossa casa. é para isso que tenho um quarto de hóspedes. Depois de desligar o telefone, comovida pela gratidão e pelo carinho da sogra, refletiu sobre o que fizera. Como explicaria aquilo a Logan? Não houve tempo para responder. A campainha tocou e Alison foi atender à porta. Era Jake, seu amigo brincalhão e agitador, com todos os amigos que não haviam podido comparecer à recepção do casamento. Estavam carregando formas, caixas, garrafas de refrigerante e de bebida. Entraram e se apoderaram da casa como um bando de bárbaros, mas todos sorrindo e cumprimentando Alison carinhosamente. — Podemos fazer uma pequena festinha? — indagou Jake, entrando por último. — Considerando que já estão aqui dentro, e que sou apenas uma contra todos, acho que não tenho muita escolha. — Relaxe e se divirta! Os copos estão na cozinha? — Onde mais estariam? Fiquem à vontade. Meia hora depois, Jake a tirou para dançar. De repente, todos pararam e se viraram na direção da porta. Logan havia entrado com uma expressão indefinível, olhando para Alison e para seu parceiro de dança. Caminhando lentamente, sem desviar a atenção dos dois, parou a meio metro de ambos. — Logan — murmurou Jake, parecendo sem fôlego. — Espero que não esteja bravo. — Bravo? — disse ele, com suavidade. — Como poderia ficar, considerando o bom gosto de Alison, na escolha de amigos? — Aproximou-se mais alguns centímetros. — Porém, como estamos em uma festa, eu gostaria de dançar com minha esposa. Não irá tomar isso como algo pessoal, não é? Jake quase caiu ao se afastar, tamanha sua ansiedade em sair do caminho. Alguém colocou a música para tocar outra vez, e Logan puxou Alison para si. Ela fechou os olhos. Sentindo o corpo dele junto do seu, teve a impressão de que estavam se moldando de maneira mais adequada a cada movimento que faziam durante a dança. Conforme cedeu ao conforto daqueles braços fortes, foi invadida por uma intensa onda de compreensão. Passou a entender que tivera, durante todo o tempo, a resposta para as perguntas que a haviam atormentado naqueles dias e que não pareciam possuir solução lógica. Sentiu-se grata e preocupada ao mesmo tempo, mas não pelas razões que vinha dando a si mesma, e sim porque estava amando! CAPÍTULO IX Embora parecesse loucura, era a mais absoluta verdade. Em algum momento, ao longo daquelas semanas, Alison se apaixonara por Logan Kavanaugh. Não sabia como nem quando acontecera, e talvez isso nem mesmo fizesse diferença, pois não sabia como lidar com a situação. O que poderia fazer a respeito? "Nada", concluiu. Não havia como mudar os termos do acordo do momento. E mesmo que isso fosse possível, deveria realmente fazê-lo? Admitir que amava Logan era uma coisa, mas mudar seus planos era outra bem diferente. Até o final da festa, Alison sentiu-se como se estivesse em uma espécie de transe. Não conseguiu mais pensar com clareza. Antes de sair, seus amigos recolheram quase toda a bagunça que fizeram, mas sobraram alguns pratos plásticos, guardanapos e copos, espalhados nos cantos menos óbvios. Enquanto ela recolhia, tais itens, Logan preparava um sanduíche para si próprio. — Grande festa. Costuma fazer isso sempre? — indagou ele. — Se está querendo saber por que não foi convidado, não se sinta excluído. Nem eu fui. — Bem, isso é um alívio. A menos que tenham o hábito de surgir assim, de repente. — Esta foi uma festa bem peculiar. Nunca fizeram algo assim antes. — Ainda bem. Quer um sanduíche? — Não, obrigada. Comi muito para uma só noite. — Lembra-se do episódio do zoológico? — indagou Logan, ao vê-la arrumando as sobras na geladeira. — Burt achou que foi fantástico. Mas a mulher dele falou comigo na recepção da clínica e quase me acusou de negligência. Disse que eu não deveria ter me envolvido. — Não acredito. Ela sugeriu mesmo que você deveria ter abandonado aquela mulher à própria sorte? — Na verdade, isso acontece com certa frequência no meio médico. — Mas você não daria as costas a uma pessoa naquela situação — afirmou Alison, com segurança. — Sei que não seria capaz de abandoná-la. Encarando-a por alguns segundos, Logan sorriu de uma forma tão sincera que a deixou paralisada. Iria precisar de bom senso e de força de vontade para superar os meses que viriam. Aquela semana foi terrível. Embora estivesse absorta no trabalho, Alison sentia-se acuada quando chegava em casa, como se cada movimento fosse denunciar seus sentimentos por Logan. Contara que os pais dele iriam passar o final de semana em Chicago, mas só criou coragem para dizer que os convidara para ficar em sua casa na sexta-feira de manhã. — Por que fez isso? — Pensei que pareceria suspeito se não o fizesse. Como se tivéssemos algo a esconder. — E não temos? — Ouça, Logan. Não tive tempo de pensar. Apenas aconteceu. Como aconteceu com você, ao anunciar nosso noivado a Burt. — Tudo bem. Entendi. Mas como pretende lidar com isso? — Será apenas por uma noite. Bastará que transfira seus objetos de uso mais pessoal para meu quarto. — Oh, será perfeito. Admito que não foi o convite mais entusiástico que já recebi para ir para a cama com uma mulher, mas é melhor do que nada. — Não o estou convidando para isso! — Sim, eu sei. Não se preocupe. Entendi o que não está sugerindo. Mas como não fui eu quem criou este problema, não espere que eu vá dormir na banheira. Camilla adorou a casa, a decoração, a vizinhança e até a sopa de legumes que Alison preparou para o almoço. A mulher era tão adorável que nem parecia real. Só de pensar em magoá-la, um sentimento de culpa começava a consumir Alison por dentro. Conseguira convencer Logan a levar os pais ao Cícero's, enquanto ela própria iria ao hotel Englin, para o lançamento do vídeo promocional de Chicago. Estava acabando de se arrumar para sair, quando ele entrou no quarto. — Se vai perguntar o que estou fazendo aqui, já vou avisando que foi por insistência de minha mãe. Ela sugeriu que eu viesse ajudá-la a fechar o zíper do vestido. "Eu deveria saber que a ideia não era dele", pensou Alison, decepcionada. "Por outro lado, eu deveria estar feliz por isso." Mas não estava. — Como pode ver, já está fechado — respondeu. — Sim, é verdade. Está bem adiantada, não? Ou o jantar será mais cedo que o normal? — Não. O evento começará às oito. Mas preciso verificar todo o equipamento antes de os convidados chegarem. — Hum. Pensei que estivesse com toda essa pressa por querer ficar pronta antes que eu subisse para me trocar. Naquela manhã, Logan se instalara no quarto principal, junto com ela. De fato, seria mesmo difícil vê-lo caminhando com tranquilidade pelo quarto, ajeitando as próprias roupas. Ao pegar uma gargantilha que combinava com seus brincos, e levá-la ao pescoço, Alison o viu se aproximar e dizer: — Se é tarde para eu fechar o zíper de seu vestido, ainda posso pelo menos ajudála a colocar as jóias. Ao sentir o toque daquelas mãos quentes e firmes em sua nuca, Alison não conseguiu evitar um movimento de esquiva, que a fez derrubar a gargantilha sobre a penteadeira. No mesmo instante, viu os olhos de Logan ganharem um brilho de curiosidade. — Acho que já estou usando jóias demais — murmurou ela, guardando a peça em uma caixinha de veludo. — Obrigada, de qualquer maneira. — Estive pensando... — falou Logan, de repente. — Oh, não! — Alison arqueou as sobrancelhas, simulando uma expressão aterrorizada. — Cada vez que faz isso, sinto vontade de chamar a guarda nacional. Ele não pareceu compartilhar do humor da piada. — Acho que deveria acompanhá-la até a estreia do filme. — E deixar seus pais sozinhos? Não seja tolo. É adorável que tenha se oferecido para ir até aquele jantar horroroso, com direito a ouvir discursos políticos durante a maior parte do tempo, mas já está decidido que sairá com seus pais. Onde os levará? Ao Cícero's? — Acha que gostariam? — Na verdade, acho que sua mãe gostaria até mesmo se a levasse para comer pipoca. Ela é mesmo real? — Acho que quer saber se mamãe consegue viver com os pés no chão, não é? — Sim. Desculpe-me, mas está levando algum tempo para eu me acostumar a ela. Na minha profissão, nunca encontrei pessoas assim. — Só na profissão ou também na vida? — indagou Logan, com gentileza. — Não entendi o que quis insinuar. — Não mesmo? Ele levou a mão ao rosto de Alison, mas não tocou sua face. Apenas ajeitou-lhe o brinco, em um gesto que mais pareceu uma carícia. — Falando de profissões, não tive a oportunidade de perguntar como vai sua busca por outro trabalho — disse Alison. — Não ia conversar com alguém hoje cedo? — Sim, eu fui. Não é nada garantido, mas há grandes chances de dar certo. Um amigo me ofereceu uma posição melhor do que a que tenho agora, e poderá confirmar tudo a qualquer momento. — Muito bom. Talvez consiga se estabelecer muito em breve — sugeriu ela, tentando manter a calma. — Então poderá começar a ajeitar o quarto do bebê, que está tão ansiosa para ter. Ela não o encarou. — Sim. Preciso ir agora, Logan. Divirta-se com seus pais. — Pode deixar. Ao passar pela sala, sabendo que ele a seguia a distância, Alison encontrou o velho casal Kavanaugh assistindo a uma cópia da fita do zoológico. — Logan os forçou a ver isso? Camilla começou a rir. — De jeito nenhum. Mas essa história ficou ótima! Fui eu quem pediu para ver a fita. Ouvi um amigo falar sobre ter visto vocês em um noticiário de Chicago, e estava ansiosa para ver tudo com meus próprios olhos. Então você é tão aficionada por zoológicos quanto Logan? Eu sabia que essa união seria perfeita. Alison não respondeu à pergunta. Apenas se despediu, desejando que fizessem um bom passeio, e encaminhou-se para a porta. Mas Logan a alcançou em um movimento rápido, quando ela já estava sob o portal. — Espero não borrar seu batom — disse ele, beijando-a com paixão, sem dar a menor chance de haver algum protesto. Quando se separaram, Alison estava até zonza, vendo uma espécie de névoa à sua volta. A mãe dele parecia estar vibrando de felicidade. Mas não era de se admirar. Logan sabia interpretar um beijo apaixonado melhor do que qualquer ator. Por sorte, Alison estava atenta, e percebeu a tempo que se tratava de uma atuação, pois, a certa altura, o beijo havia começado a convencer até mesmo eia própria. Ao chegar no salão do Hotel Englin, Alison verificou todo o equipamento. Ao final da checagem, o local já estava quase repleto de convidados. Haviam se preparado para receber três mil pessoas. Kate e Susannah apareceram logo em seguida, mas sem os maridos. Para Alison, a maior surpresa aconteceu quando ouviu a voz de Logan atrás de si. — O que está fazendo aqui? — indagou, virando-se para encará-lo. — Bem, acho que não podia perder a estreia de minha esposa como produtora e diretora de vídeo, não acha? — Mas... e seus pais? — inquiriu ela, tentando evitar que a esperança que pulsava em seu coração a dominasse por completo. — Estão no bar, pegando bebidas. — Você os trouxe? Como? — Suas sócias me deram os convites dos maridos delas, que não viriam à festa. — Oh — murmurou ela, entendendo que fora tudo premeditado com uma boa antecipação. — Então nada disso foi ocasional? Nem mesmo a visita de seus pais? — Assim é a vida — disse Logan, sorrindo com tranquilidade. Camilla e o marido se aproximaram e foram todos para uma das mesas da frente, no momento em que o mestre-de-cerimônias estava começando a apresentação. O vídeo foi apresentado depois de alguns discursos. Alison sentiu o braço de Logan segurando-a com carinho e firmeza durante toda a projeção, feita em três telões gigantescos instalados pelo salão. Ao final, os aplausos ecoaram com empolgação. Camilla estava com os olhos cheios de lágrimas. Logan olhou para Alison, sorrindo com orgulho, e disse: — Muito bem, querida. Muito bem. Aquele foi o maior prémio que ela poderia esperar. Alison teve o sonho da festa de aniversário outra vez naquela noite. O bolo tinha três velinhas, e ela conseguiu atravessar a sala e colocá-lo em frente à garotinha, com seus lindos cabelos negros e os grandes e brilhantes olhos verdes. Jamais vira cores em seus sonhos. Dessa vez, a imagem não parecia a de um filme antigo, mas a de um vídeo moderno. A criança olhou para o bolo, então uma voz disse: — Sorria para o papai, querida! A menina levantou o olhar e sorriu. Quando Alison se virou para ver quem era, acordou. Sabia que, se houvesse continuado sonhando, veria Logan atrás de si, segurando a câmera. Continuou deitada, enquanto as lágrimas escorriam-lhe pelas têmporas e se perdiam em seus cabelos. Descobrira que estivera errada o tempo todo. Sabia que precisava de alguém para amar e para amá-la, e pensara que a solução seria ter um filho. Naquele momento, porém, compreendeu que isso não bastaria. Ainda queria ter seu bebê, e não duvidava disso, mas admitiu que precisava de mais. Quando concluíra que Logan seria o pai ideal para seu filho, achara a ideia engraçada. Mas até isso mudara. — Você está bem? — perguntou ele, com suavidade, fazendo-a ficar paralisada. Naquele breve lapso de tempo, Alison se esquecera de que estavam na mesma cama. Na verdade, quando adormecera, ainda com a reconfortante lembrança dos eventos daquela noite, Logan não estava a seu lado. Precisara sair para verificar o malestar de uma paciente, e devia ter voltado tarde, pois não a acordara ao deitar. — Foi um pesadelo — explicou ela, soluçando. — Deve ter sido mesmo. Estava chorando — disse ele, na penumbra, com o peito e os braços nus iluminados apenas pelo luar. — E falando sobre o bebê. Tocou a face de Alison em uma carícia tranquila. Fechando os olhos, ela tentou não reagir por instinto, por receio de se virar para ele e beijá-lo. Sentindo o leve contato; respirou profundamente e perguntou: — O que eu disse? — Algo sobre o tempo que ainda vai demorar. Suspirando aliviada por não haver dito nada comprometedor, Alison voltou a abrir os olhos. — As vezes, parece que terei de esperar uma eternidade. — Não precisa demorar tanto. Alison começou a se sentar, e seus seios roçaram no braço dele. A reação imediata foi a de voltar a se deitar. De repente, sentiu o corpo de Logan junto ao seu. Não estavam se tocando em nenhuma parte, mas era como se houvesse uma espécie de tensão elétrica vibrando entre ambos. — Está sugerindo o método tradicional? — Isso não lhe passou pela cabeça? — murmurou Logan, em um tom grave, levando-a a se arrepiar. Aquela proximidade era como uma carícia que a excitava, mas que, ao mesmo tempo, fazia seu peito doer. Mas isso não a surpreendeu. No mesmo instante, percebeu que fizera uma armadilha para si própria, ao convidar os pais dele para pernoitar em sua casa. Talvez, em seu subconsciente, quisesse mesmo que aquilo acontecesse. Para ter o que queria, bastaria se virar para o lado. Mas algo em sua mente a bloqueou. Uma espécie de medo interior, até então desconhecido, que ela nem mesmo sabia ter. — Todas as objeções que citei antes continuam a se aplicar agora — afirmou, mal reconhecendo a própria voz, que soara fraca e inconsistente. — Está me dizendo que não tem um contrato pronto sob o travesseiro? Seria mesmo um tom brincalhão que notara na voz de Logan? Mas não fazia diferença. Aquela pergunta, por si só, respondia a diversas questões. Lembrava-se bem das palavras dele, sobre ser interessante ter direito à diversão e não precisar assumir a responsabilidade. Fora decepcionante saber que Logan achava aquela combinação atraente. — Eu já lhe disse antes. Contratos podem ser cancelados. Diante da corte, seria quase impossível anular seus direitos. Em seu coração, desejava que ele dissesse que não queria saber de contratos, e que jamais abriria mão do direito de ser um pai participativo na vida do bebê que fariam naquela noite. Mas o silêncio de Logan se estendeu por minutos que mais pareceram horas. — Isso é verdade — concordou ele, por fim. — Mesmo o modo tradicional tem suas complicações, não é? Mas a escolha foi sua. É muito inteligente de sua parte não deixar que nada a distraia de seu objetivo. Mas só para informá-la, recebi um retorno daquele contato que fiz com a nova clínica. Deu tudo certo. Estarei trabalhando com eles dentro de três semanas. Isso me dará tempo de transferir os pacientes para os outros médicos de Burt. Aquilo a abalou com mais intensidade do que Alison imaginara ser possível. Foi preciso muito autocontrole para conseguir responder sem chorar. — Isso é ótimo. Fico contente que tenha dado certo. Desejo-lhe boa sorte. — Ora. Fico muito agradecido. — Três semanas? Por sorte, a pergunta não soou como uma lamentação. — Sim. Até lá, precisaremos continuar com as aparências. Não quero dar margem a fofocas. Mas assim que não tiver mais de me preocupar com isso... — Não precisará mais de mim — completou ela, encarando o destino inevitável. — Eu ia dizer que poderei providenciar seu tratamento para ter o bebê. — Oh, isso! Por um instante, Alison esquecera-se de que o centro da questão era sua intenção de ter um filho. — Claro que é isso! Não é o objetivo maior de sua vida? Logan se virou de costas para ela. Alison ficou paralisada, tentando fingir que estava sozinha na cama. Embora estivessem lado a lado, parecia haver um universo separando-os. Um universo de lágrimas. CAPÍTULO X Ainda acordada, pouco antes da alvorada, Alison sentia-se frustrada com o que acabara de ocorrer e com a atitude que tomara. Sabia que não era amada, e que Logan se oferecera apenas por interesse no prazer e na diversão. Porém, com a iminência da separação, percebeu que não conseguia mais imaginar sua vida sem ele. Ter um filho de Logan, assim como as lembranças de terem compartilhado pelo menos uma única noite de amor, seria algo para guardar em seu coração por toda a vida. Aquelas horas foram tempo mais do que suficiente para pensar no assunto, e seu coração continuava clamando por atenção. Respirando com certa dificuldade, enxugou as lágrimas e, sem coragem de tocá-lo, chamou-o: — Logan? — Sim? A pronta resposta indicou que, ou ele havia acordado por acaso naquele momento, ou também não dormira. — Acho que fui radical demais em minha postura. Depois de pensar melhor, acho que quero tentar o método tradicional. — Oh, claro — disse ele, com frieza. — Com seu raciocínio lógico, deve ter concluído que, com o fim da farsa, os riscos para você diminuiriam, não? E que pelo fato de me ver como um viciado no trabalho, imaginou que eu nem mesmo teria tempo para me preocupar com meu filho, certo? Por isso fui premiado? — Não — respondeu ela. Embora estivesse decidida em prosseguir, afastou-se para o lado em um reflexo automático. — Não? Então o que foi? Depois de pensar sobre a saúde e a aparência de meus pais, reavaliou a situação e achou que o investimento em uma boa herança genética valia os riscos judiciais? — Não precisa ser cruel, Logan. Apenas diga sim ou não. Por um instante, Alison sentiu como se o mundo estivesse pendendo em uma balança. — Não. De modo algum. Esqueça! Com a mente rodopiando, ela decidiu se calar e deixar sua esperança implodir ao menos com dignidade. Mas as palavras saíram de seus lábios como que por vontade própria. — Mas você queria, ainda há pouco — lembrou a ele. — Horas atrás, ainda estava me iludindo, acreditando ter alguém normal a meu lado, e não uma pessoa completamente lógica e racional, sem o menor senso de humanidade. Aquelas palavras duras a magoaram ainda mais. — Pensei apenas que... — Alison se interrompeu, sabendo que não adiantaria tentar conversar, e retirou a aliança do dedo, colocando-a sobre o peito dele. — Por favor, eu gostaria que fosse embora. No que diz respeito ao que os outros precisam saber... — Os soluços do choro a fizeram parar por um momento. — Diga o que quiser, que eu confirmarei. Mas não posso, não suporto... Com a voz se perdendo em um pranto incontido, tentou se sentar e ir ao banheiro, para se recompor. Na verdade, não sabia ao certo o que fazer. — Alison, espere — pediu Logan, segurando-a pelo braço. — Por quê? Sabendo que a pergunta não se referia ao pedido para que ele partisse, ela voltou a encará-lo em meio à penumbra do quarto, que começara a se iluminar com o amanhecer. — Eu já lhe disse. Para mim, é muito importante ser mãe. — Mas, com a nova clínica, eu providenciaria isso com facilidade. Então sua resposta não faz sentido. Diga a verdade. Por que quer um filho meu? Sem conseguir dizer a verdade, e não tendo coragem de inventar uma desculpa, ela apenas balançou a cabeça negativamente, cobrindo o rosto com as mãos. No instante seguinte, estava nos braços dele, ouvindo-o dizer: — Por causa disso? Os lábios de Logan roçaram sua nuca, fazendo-a estremecer. Com gentileza, mas sem dar a ela a opção de se afastar, virou-a para si e a fez encará-lo. Depois de alguns instantes, Alison baixou as pálpebras, tentando não se deixar levar pelo brilho ardente daqueles olhos verdes. Mas não foi possível ignorar os outros sentidos. Cada toque de Logan era mais do que uma carícia, e o perfume másculo de loção pós-barba parecia uma espécie de alucinógeno, capaz de induzi-la a ter visões de cenas de amor. Os lábios quentes e sensuais capturaram os seus, e os movimentos provocantes da língua dele aos poucos foram derrubando suas barreiras. Não soube diferenciar se aquilo era um tipo de vingança ou um passo para a felicidade. Mas o mundo pareceu rodopiar a seu redor quando, muito tempo depois, Logan interrompeu o beijo e sussurrou: — É só um filho que você quer? — Foi o q-que sempre p-pensei — gaguejou ela. — Achei que era t-tudo o que poderia ter. Se você queria apenas a diversão, sem a responsabilidade, para mim estaria bem. Eu teria de me conformar. — De onde tirou essa ideia? — Foi o que me falou naquele dia, no terraço. Disse que qualquer homem gostaria disso. Fez até piada, quando se ofereceu há pouco, falando do contrato. — Pensei que você houvesse mudado de ideia a respeito de toda aquela tolice, e que tivesse percebido que a vida vazia que descrevera para si mesma no futuro não era o que realmente queria ter. — Oh. Afastando o rosto para encará-la, Logan estreitou os olhos e a segurou com firmeza. — Quando eu tiver um filho, Alison, pode apostar que estarei junto dele. E não estou falando da sala de parto, mas de toda a vida. Ninguém iria me afastar de um filho meu. E até que eu tenha certeza de que a mãe não tentará afastá-lo de mim, não haverá a menor possibilidade de eu ter um filho com ela. Sentindo a esperança tentando brotar em seu coração, Alison engoliu em seco. Queria ouvir dele, mas ainda não era suficiente. — Nem imagina quanto a observei — prosseguiu Logan. — Com a menina no zoológico, com meus pais... Seu comportamento me mostrou que essa mulher inabalável, que não se arriscava a amar por medo de se magoar, não era sua verdadeira face. Apesar daquele incidente com o telefonema de sua mãe, deduzi que deveria haver um bom motivo para haver se comportado daquela maneira. Alison franziu o cenho. Estava cada vez mais confusa, oscilando entre a esperança e a apreensão. — Mas, na manhã seguinte, falou que aquilo não lhe dizia respeito — lembrou ela. — Sim. Eu não precisava saber a razão que a levava a não querer falar com sua própria mãe. Convenci a mim mesmo de que deveria haver um motivo muito forte para isso. O que justificaria, talvez, o fato de querer tanto espaço em tudo. Não apenas em sua cama e em seu escritório, nessas camisetas enormes e sensuais que escolheu para dormir, mas em sua própria vida. Alison começou a corar. Jamais imaginara que Logan achava sua roupa de dormir atraente. — Logo depois que anunciei nosso noivado a Burt — continuou ele —, percebi que estava gostando demais de toda a farsa. Desde as provocações, os beijos, os abraços, até trazer-lhe uma xícara de café pela manhã, encontrando-a sonolenta e carinhosa, antes de começar a interpretar seu papel de empresária perfeita. A cada evento, fui me permitindo sonhar, mas você sempre me trazia de volta à realidade. Estava tão ansiosa para se livrar de mim, que nem mesmo se alterou quando contei sobre o emprego. Na verdade, achei até que seus olhos brilharam de felicidade, mesmo no escuro. — Não... "Não era felicidade, eram lágrimas", pensou ela, sem conseguir completar a frase. — E havia acabado de decidir que não aceitaria um filho meu, e muito menos a mim — disse Logan. Criando coragem, Alison levou a mão aos lábios dele, acariciando-os com as pontas dos dedos. — Agora eu sei que não era apenas um filho que eu queria. Era amor. Mas pensei que ninguém seria capaz... — De amá-la? — interrompeu Logan, beijando-a com gentileza. — Querida, o que sua mãe fez para deixar esse trauma em você? Alison fechou os olhos e se acomodou no colo dele, para compartilhar algo que jamais contara a ninguém. — Ela partiu quando eu tinha cinco anos. Hoje, sei que havia outro homem na vida dela. Na época, não entendi o que ela poderia haver feito de tão grave para ser abandonada. Mas me pareceu ser algo sério, pois ninguém tocava no assunto. Logan a apertou nos braços, mas não a interrompeu. — Fiquei com meu pai. Como sou parecida com minha mãe, acabei sendo um lembrete constante daquela que o traíra. Algum tempo depois, ele se casou outra vez, com uma mulher que já tinha duas filhas. — E passou a dar prioridade a elas — deduziu Logan. — Sim. Minha mãe só apareceu para me visitar quando eu tinha nove anos. Ameaçou meu pai, dizendo que iria me levar, embora. Fiquei maravilhada, pensando que seria salva, aceita e perdoada por qualquer coisa que tivesse feito, mas descobri que não era nada disso. Ele pagou uma grande soma para vê-la partir sem mim, não por me querer por perto, mas apenas para não ter de dar dinheiro constantemente a ela, para que me criasse. Logan a acomodou de uma maneira mais confortável contra seu peito, envolvendo-a de modo a tentar fazê-la esquecer o sofrimento do passado. Mas não disse nada. — Estava tão infeliz que implorei para que ela me levasse embora dali. Mas minha própria mãe riu de mim, dizendo que eu seria um empecilho, e que já havia conseguido o que realmente queria quando fora até lá. Só voltei a vê-la quando já tinha dezesseis anos, e então há três anos, quando meu pai morreu. — Pessoas assim não deveriam conseguir se reproduzir — resmungou Logan, indignado. -— Como foram capazes de usá-la dessa forma? — Isso é passado. Mas acho que foi toda essa história que me motivou a querer ter um bebê. Quero provar que posso ser uma mãe muito melhor do que a que tive. — Esse ponto está além de qualquer dúvida — falou Logan, afastando-a outra vez, para encará-la. — Mas vamos deixar um ponto bem claro: de agora em diante, não será só você que ditará os termos do contrato, porque tenho algumas exigências pessoais. Em primeiro lugar, teremos de incluir nele um casamento real, e não algo temporário. Eu te amo, Alison. Quero passar a vida toda a seu lado. — Eu também te amo, mas... — disse ela, deixando um ar de questionamento no ar. — Mas...? — indagou ele, com suavidade. — Meus pais se amavam, e veja só o que fizeram. — Eles nunca souberam amar, nem um ao outro, nem a você. O fato de a terem usado como arma em sua guerra pessoal é a maior prova disso. Não é de admirar que não quisesse deixar um homem entrar em sua vida. — A voz dele se tornou ainda mais intensa e carinhosa. — Alison, acha que consegue confiar em mim quando digo que jamais lhe farei algo assim? Ao fitá-lo nos olhos, Alison identificou a mais pura sinceridade, junto a uma expressão de carinho, além de um traço de ansiedade. — Nem a mim... Nem ao nosso bebê — murmurou ela, antes de beijá-lo, selando a promessa. — Lembra-se de uma certa pergunta que me fez logo que nos conhecemos? — disse Logan, posicionando-se parcialmente sobre ela. — Que pergunta? — inquiriu Alison, com um brilho de felicidade no olhar. — Se eu poderia ajudá-la a ter um bebê — respondeu ele, beijando-a de maneira provocante. Afastando o rosto por um instante, completou: — Garanto que atender a seu pedido será mais do que um prazer... FIM