VERSUS – Estágio de Vivência no Sistema Único de Saúde

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VERSUS – Estágio de Vivência no Sistema Único de Saúde
VERSUS – Estágio de Vivência no Sistema Único de Saúde
Governo do Estado do Ceará
Ministério da Saúde
Rede Unida
VER-SUS – Relatório Vivencial no Sistema Único de Saúde
Discente: Ingrid Gomes Abdala
Matrícula: 1116354
Universidade Estadual do Ceará
Psicologia - 8º Semestre
INTRODUÇÃO
O SUS necessita de profissionais preparados para atuar com competência na área da saúde
pública, questão trabalhada nos serviços por meio do desenvolvimento de programas de educação
continuada e reuniões técnico-científicas. Entretanto, ainda é visível na rede pública de saúde o
despreparo técnico, científico e político de alguns trabalhadores. Apesar de parte significativa dos
conteúdos serem desenvolvidos nos equipamentos de saúde do SUS, docentes e discentes
usufruem do campo de prática, muitas vezes, sem dar nada em troca, ao contrário, usam o sistema
público para formar profissionais para o privado – caracterizando falta de compromisso ético com
os usuários e com o SUS.
Neste contexto, por meio do Ministério da Saúde, surgem diversas propostas de vivência,
entre elas a Vivência e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) com a
finalidade de discutir e objetivar uma formação de qualidade para o SUS, capacitar profissionais
de saúde, estimular a mudança curricular na graduação e especialização dos cursos da área da
saúde, bem como a educação popular em saúde, utilizando práticas inovadoras de educação na
área da saúde(1).
O VER-SUS tem como eixos principais propiciar oportunidade aos participantes para
vivenciar conquistas e desafios inerentes ao SUS e aprofundar a discussão sobre o trabalho em
equipe, gestão, atenção à saúde, educação e controle social. Propicia, também, discussões sobre a
importância dos movimentos sociais, principalmente o movimento estudantil(2).
NARRAÇÃO DA VIVÊNCIA
Eu chamaria o primeiro dia de dia “zero”. Não devido a falta de importância, e sim porque
esse dia foi reservado para a chegada apenas dos facilitadores, então, formamente, ainda não era o
início do programa versus, porém já pude percebê este dia como vivência. Esse dia foi difícil para
mim devido a quantidade de eventos importantes que eu estava deixando para traz, nessas
próximas duas semanas que estavam por vir, mas durante a vivência pude percebe a importância
do distanciamento e da imersão.
Nesse dia foram repassadas diversas informações a respeito de como os facilitadores iriam
proceder durante as vivências, mas é importante ressaltar que não nos foi passado nenhum
gabarito contendo as respostas para as nossas dúvidas, muitas vezes, elas eram esclarecidas com a
seguinte fala de algum integrante da comissão: “vocês irão entender durante a vivência”. Naquele
momento a frase não fazia sentido, mas cumpriu seu papel de conter sentido durante a vivência.
No primeiro dia da vivência, acolhemos os versusianos que começaram a chegar à partir
das 7 horas da manhã e aproveitamos o tempo para nos conhecermos e nos acomodarmos junto
aos quartos e aos companheiros de quarto. A acolhida foi consagrada pela equipe da Cirandas da
Vida que realizou uma pequena atividade em Roda que integrou quase de imediato as pessoas,
derretendo o gelo instantaneamente. Assistimos a um documentário sobre a história do movimento
ao qual pudemos compreender sua importância, assim como suas atividades de educação popular.
Utilizando estratégias de cultura popular, o movimento consegue aproximar o público das
práticas de saúde, sendo capaz de responsabilizá-lo por estes processos a medida que eles se
apropriam dos conhecimentos necessários e o seu próprio conhecimento popular é respeitado e
acomodado junto às outras formas de cuidado.
À tarde, a partir das duas horas, realizamos uma roda de conversa visando acertar os
acordos de convivências e as instruções sobre como se comportar durante as visitas ou resolver
certos problemas que eventualmente poderiam ocorrer. Nós facilitadores, a partir das informações
que nos foi dada no dia anterior, repassamos as instruções sobre a composição dos relatórios, tanto
o individual quanto o grupal e regras básicas de comportamento durantes as visitas e rodas de
conversa. Foi muito interessante descobrir que a comissão organizadora (C.O) era composta
exclusivamente por ex-viventes, ilustrou bastante a respeito de como as coisas iriam ser
conduzidas dentro daquele espaço.
A noite tivemos uma pequena roda de conversa sobre movimentos sociais. Duas estudantes
oriundas de movimentos estudantis diferentes participaram deste momento, onde o foco foi a luta
popular. São legítimos os gritos de expressão popular? Como se dá a relação desta voz do povo
com outras instituições legitimadas pela nossa sociedade, como a mídia, a polícia e o próprio
Estado?
O mais interessante deste momento, foi perceber a visão distorcida que algumas pessoas
tinham de Movimentos Sociais, quase todas elas influencias pelas notas da grande mídia ou pelos
acontecimentos dos protestos de Junho, aos quais foram extremamente debatidos também. No
decorrer da vivência pude observar o quanto esta visão se alterou a medida que as pessoas foram
visitando os espaços onde esta luta de fato ocorre cotidianamente e não apenas em grandes
passeatas ou atos generalizados.
Roda de integração feita pelo cirandas da vida.
Na manhã de segunda feira, os viventes escolheram por unanimidade cancelar suas visitas,
pois devido algum infortúnio com a comida, boa parte do grupo ficou com dor de barriga durante
a madrugada, então muitos estavam exaustos e com aparência adoentada. É engraçado verificar
que neste momento da vivência, todas as pessoas ainda estavam se conhecendo e no entanto foram
forçadas pela dimensão física do espaço a compartilharem deste momento tão íntimo que é o
processo de adoecer. Nos dias seguintes da vivência, várias pessoas comentaram pelos corredores
que este talvez tenha sido um momento chave para que o grupo pudesse integrar-se da forma que
aconteceu.
Durante a tarde, fomos a UECE conhecer um pouco mais sobre os movimentos sociais. Lá
fomos recebidos por três grupos que se sucederam em discussões de aproximadamente uma hora.
O primeiro deles foi o da Marcha das Mulheres, cuja a principal bandeira é o feminismo.
Houve alguns debates de pontos de vistas biológicos e redutores como por exemplo a
própria composição fisiológica da mulher como diferente do homem. Neste espaço, foi levantado
que as diferenças precisam ser reconhecidas, mas o que não pode acontecer é que um dos dois
lados saia prejudicado ou explorado frente a elas, uma vez que não há um melhor ou maior que o
outro, mas que são apenas diferentes.
O movimento social seguinte foi o Levante Popular da Juventude, que me pareceu ter
surgido com o objetivo de causar mobilização social: tirar os jovens de frente das televisões e
computadores e coloca-los nas ruas lutando por seus direitos. Algumas das iniciativas mais
interessantes do movimento são os escrachos públicos contra ex-torturadores do período militar
que ocorreram em quase todas as grandes capitais deste país. Mostra que muitos deles estão
impunes e soltos até hoje. Além das mobilizações a favor de investimentos na área da saúde e
educação.
O último movimento social foi a Caravana da Periferia, uma iniciativa popular com o
objetivo de articular os diferentes sujeitos e atores localizados dentro das periferias mais
desassistidas de direitos da nossa capital com o objetivo de organizar lutas para conseguir
promoção dos direitos básicos e se defender contra iniciativas negativas do poder público como a
repressão em formato abusivo promovida pelas polícias dentro destas comunidades, ou iniciativas
que geralmente trazem ideias de fora para dentro, sem analisar a realidade da comunidade a qual
propõem o projeto, fazendo com que muitas vezes projetos interessantes não tenham
funcionalidade, pois a aquela comunidade específica não acolhe a ideia proposta.
O facilitador da conversa é membro do pequeno coletivo que está tentando articular-se
com a comunidade da Serrinha, localizadas no entorno da Universidade Estadual do Ceará.
Segundo ele, o movimento ainda não está consolidado, mas aos poucos tem se articulado com
importantes atores da região, inclusive participando de lutas populares como a que ocorreu em
prol que um colégio, inicialmente mantido através de doações, ganhasse apoio da prefeitura e não
fechasse, deixando a comunidade desassistida de escolas de ensino fundamental. As iniciativas
tem se baseado principalmente em intervenções culturais como saraus populares, shows de rock,
cinemas populares (chamamos de cine cacimbão) e debates sobre temáticas específicas.
Eu já possuía algum conhecimento sobre a Caravana da Periferia, por meio de alguns
colegas envolvidos com movimentos ainda em articulação, e foi muito interessante conhecer mais
de perto um dos articuladores que coloca o movimento para frente. O fato de você formar uma
rede de articulações como essa, te faz querer se envolver ainda mais com as causas do projeto ou
da comunidade.
A noite tivemos mais uma roda de conversa, dessa vez dirigida por os próprios versusianos,
com o objetivo de tentar compreender um pouco mais a respeito do papel destas iniciativas
populares que promovem serviços em suas comunidades e territórios. Discutimos também o
caráter assistencialistas de algumas delas e se elas realmente tem algum poder interventivo frente a
realidades tão delicadas como àquelas que estas iniciativas costumam atuar. Teve bastante
destaque na discussão a importância da participação popular dentro dos serviços, em especial, de
atenção primária.
Encontro com os Movimentos Sociais – UECE
Iniciamos o dia com uma visita ao Partido Comunista Brasileiro. Algumas pessoas acharam
que visitar apenas o partido Comunista poderia representar uma visão política tendenciosa de
quem participou da organização da agenda (C.O), porém, mesmo assim, ninguém se negou a
visitar o espaço.
O Facilitador era um membro recente do partido, falou um pouco sobre a história do espaço,
mas acabou focando-se em um importante movimento de ocupação que ocorreu na cidade há
algumas semanas. O acampamento do José Walter, onde pessoas de várias periferias da capital
foram ao lugar e ocuparam um espaço que estava sendo construído para ser alugado para turistas
da copa.
A ocupação durou vários meses antes que o acordo fosse firmado e a prefeitura acabasse
por comprar o local, garantindo assim moradia para os ocupantes do terreno. No entanto, o tráfico
de drogas acabou sendo consolidado no espaço e expulsou grande parte dos movimentos sociais.
Foi incrível ouvir a história da ocupação, uma vez que o próprio facilitador estava envolvido
com o movimento e descreveu o ocorrido de forma bem envolvente. Porém, foi preocupante
quando ele citou que em breve irão entregar os imóveis e quando os acampantes voltarem as terras
para receber suas casas, pode ocorrer confusões entre famílias, uma vez que a polícia não intervém
na área, pois privilegia apenas os grandes proprietários.
À tarde visitamos o Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim. Ao chegarmos lá, nossa
facilitadora ainda não estava preparada para nos receber, então acabamos por nos acomodarmos
em um espaço bastante confortável e falarmos um pouco sobre nós mesmos. Sobre a nossa
trajetória de vida até o momento e como estávamos nos sentindo naquele espaço restrito ao qual
estávamos vivendo já há alguns dias.
Esse momento surgiu espontaneamente, mais foi muito importante para o bem estar do
nosso grupo. Nesse dia, conhecemos um pouco mais da história de cada um: como cada um
chegou onde está, quais caminhos pedregosos enfrentaram, e quem os ajudou com algum tipo de
suporte, seja financeiro, ou psicológico. O mais interessante foi que a partir daí passamos a
aprender a nos respeitarmos e, mesmo, a cuidarmos uns dos outros. A partir deste momento, o
grupo que antes era só um grupo de uma regional correspondente, acabou por tornar-se de fato
uma equipe.
O Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim traz uma perspectiva diferente sobre o
cuidado com saúde mental distanciando-se do modelo tradicional médico. Também são oferecidos
aos usuários espaços de cuidado, como as rodas de terapia comunitária, a horta comunitária,
facilitando o acesso de plantas medicinais reconhecidas pelo saber popular do Estado, e os vários
espaços artísticos disponíveis para quaisquer moradores interessados. São ofertados também
cursos profissionalizantes que funcionam em conjunto com outras instituições do bairro. Sendo
assim o Movimento não pode ser entendido como apenas um espaço físico, mas sim como
conjunto de diversos espaços e projetos, onde cada um tem sua importância para que o projeto seja
bem sucedido. Vale ressaltar que apenas o CAPS (instituição governamental) recebe dinheiro
público, todos estes outros projetos são mantidos por meio de concessões de editais públicos.
Durante a nossa estadia foi exibido um vídeo institucional com um pequeno caso onde
Zilah, uma senhora que tinha acabado de perder o marido e estava em um episódio de depressão
grave, acabou por melhorar após dedicar-se as atividades dentro do projeto. Parte do seu sucesso
deve-se ao seu próprio esforço e, como ela mesma disse, ao cuidado ofertado pelas pessoas dentro
do movimento que acabou por motivá-la a fazer um curso de massoterapeuta. Agora ela planeja
formar-se em fisioterapia para expandir ainda mais as suas próprias formas de cuidado e ter a
chance de ajudar pessoas debilitadas, assim como ela já esteve um dia.
Nosso espaço da noite foi uma roda de conversa sobre Controle Social nos espaços das
unidades básicas de saúde, pois as mesmas deveriam ser locais de maior participação popular,
porém é aonde há uma enorme dificuldade dos profissionais, que muitas vezes não sabem como
lidar com essa realidade, pois provavelmente não veem isso como realidade nas suas formações
educacionais.
Visita ao Partido Comunista Brasileiro
Na manhã do quinto dia de atividades, quarta-feira, foi realizado um debate sobre Direitos
Humanos e Saúde com a Psicóloga Mayrá Lobado e o Psicólogo Cristiano. Foram levantados
alguns pontos teóricos como forma de introdução, os quais serviram de embasamento para o
debate.
Não é demais lembrar que a educação é um direito humano, e, durante o debate, foi possível
pensá-la como uma rede complexa. Para dar conta desta complexidade seria necessário considerar
não apenas o contexto das salas de aula isoladamente, é preciso pensar no aspecto da saúde, por
exemplo, pois percebe-se que os processos educativos se dão na relação, na presença, de
alteridades distintas que não somente se encontram casualmente, mas que se abrem (ou se fecham)
para a construção pessoal de uns e de outros.
Acredito que a educação em direitos humanos remete à necessidade de uma nova
institucionalidade educacional e a uma nova subjetividade educativa. Daí que, propor-se a pensar
e a fazer educação em direitos humanos é muito mais do que dar vazão para uma coleção de boas
intenções e a mobilização de boas vontades – por mais que sejam necessárias. Exige ratificar
compromisso ético, social e político capaz de se traduzir em práticas alternativas e
transformadoras da sociedade. Vale ressaltar que como centro de tudo estão os saberes populares,
a cultura local e a comunidade que clama para ser ouvida.
À tarde, tivemos a oportunidade de vivenciar um aspecto de extrema importância cultural, o
da religiosidade/espiritualidade. Entramos em contato com dois diferentes contextos religiosos:
em um primeiro momento visitamos o Terreiro de Umbanda Rei Oxassa, em seguida, o espaço de
Técnica Doutrinária Vale do Amanhecer. O que me marcou durante a visita ao Terreiro foi a
própria construção histórica da Religião, que é uma junção de elementos africanos (orixás e culto
aos antepassados), indígenas (culto aos antepassados e elementos da natureza), católicos (o
europeu, que trouxe o cristianismo e seus santos que foram sincretizados pelos negros Africanos)
e do Espiritismo (fundamentos espíritas, reencarnação, lei do carma, progresso espiritual).
Foi também marcante durante a visita a quebra de preconceitos sobre os terreiros, vistos
como espaços onde são praticadas magias negras e oferendas de animais ou “voodoo’s”. A
umbanda se coloca com o dimensionamento doutrinário da “Linha Branca”, sob a orientação do
Caboclo das Sete Encruzilhadas, associada ao bem. Também me marcou a horizontalidade do
espaço, onde apenas os santos estão em um altar. O Pai de Santo usava apenas roupas brancas, e
estava de pés descalços, o que representa a simplicidade e a humildade.
Na segunda visita, o sincretismo é a tônica principal. No Vale do Amanhecer ele está por
toda parte. A cruz cristã, a judaica estrela de Davi e a lua crescente muçulmana estão juntas com
imagens de entidades do candomblé, conceitos espíritas e pirâmides egípcias. Mas o que me
chamou primeiro a atenção são as vestimentas e a arquitetura do refúgio. Os homens, chamados de
“jaguares”, usam roupas tão cheias de símbolos que lembram a indumentária dos cangaceiros. A
cor, contudo, é o marrom dos franciscanos.
Já as “ninfas”, como são chamadas as mulheres, portam batas multicoloridas, onde o
amarelo significa sabedoria e o lilás simboliza a cura. Por vezes, elas carregam lanças e
ornamentam a cabeça com uma grinalda com diversas cores. De fato, as cores fortes marcam
presença no local. Segundo a crença, é Seta Branca quem rege o planeta terrestre, o qual, em outra
encarnação foi São Francisco de Assis.
Não há como negar o espanto quando se chega ao local, são muitas informações diferentes
associadas em um só contexto. Contudo, achei bastante válida a visita, pois algo que tenho
valorizado bastante nessa experiência “Versusiana” é que tenho me tornado um indivíduo capaz
de lidar com divergências no modo de pensar e agir, possibilitando um melhor diálogo, e uma
melhor construção de novos saberes.
No final do dia, houve uma roda de conversa com um Dentista e Acupunturista sobre
espiritualidade. Discutiu-se sobre a cisão entre Religião e Ciência que se passa aqui no Ocidente, e
como essa dicotomia afeta nossa realidade, comparando-a com a situação Oriental, onde esta cisão
não ocorre. Não há motivo para considerar como rivais a Ciência e a Religião, a não ser em
conflitos pontuais, decorrentes, quase sempre, da confusão de discursos e de finalidades. A
ciência, em sua construção histórica aqui no Ocidente, tende a abandonar a estrutura do nosso
saber em muitas áreas, como, por exemplo, a importância dos saberes popular e das práticas de
saúde. Por isso, é importante ressaltar o valor de se pensar no diálogo desses saberes que dizem
opostos, quando na verdade têm muito que contribuir um com o outro.
Visita ao Terreiro de Umbanda Rei Oxassa
Neste dia, iniciamos nossas atividades em uma visita a Unidade Básica de Saúde (Jurandir
Picanço) do Município de Fortaleza, bairro: Granja Portugal. Tivemos em primeiro momento, o
contato com a coordenadora atual Regina que descreveu o processo de construção da unidade, a
estrutura física, com muitas dificuldades oriunda de algumas transformações na gestão. Outra
novidade é a implantação do serviço de demanda livre nas unidades de atenção básica, na mesma
ocasião, foi apresentada a nova estrutura física com a existência de novos equipamentos,
medicamentos na farmácia e a estrutura do acolhimento. Como potencialidade, percebe-se a
qualidade no que tange a estrutura. Em contrapartida, em discussões no grupo, percebemos
inúmeras deficiências na estrutura da equipe do serviço, principalmente no NASF que não abrange
as necessidades daquele território.
Outra perspectiva de análise é o discurso da coordenadora em afirmar a não participação da
população em não contribuir para a melhoria do serviço, através dos conselhos de saúde, na
divulgação da relevância de seu papel como sujeito de direitos. Após a visita da unidade, tivemos
a oportunidade de conhecer uma Agente Comunitária de Saúde (ACS) chamada Conceição que
nos apresentou como se dá o processo de territorialização. Nesta mesma conversa, indagamos a
participação da comunidade, como resposta, a mesma nos apresentou um projeto dentro de uma
igreja, chamado BETESDA.
Fiquei bastante surpresa com a estrutura, não imaginava a dimensão do projeto e as
diversas articulações com os dispositivos, tantos sociais como de saúde. Seu foco é o trabalho com
crianças em situação de vulnerabilidade social, vinculo ao CRAS. Conhecemos os espaços e em
uma conversa com a coordenadora tivemos acesso às diversas realidades com as dificuldades e
desafios que o projeto diariamente lida. Como potencialidade, há os vínculos que o projeto tem
com diversas ONG´s, além da disposição dos profissionais e voluntários que se dedicam para o
fortalecimento do projeto. Dentre as dificuldades observadas, destacaria a estrutura física que
apresenta uma limitação no que se refere a limpeza e conservação do espaço.
Além de disso, através do diálogo com a coordenação foi possível perceber a
dificuldade de lidar com algumas crianças que iniciaram algum tipo de relação com as drogas. O
que me fez refletir a respeito de uma nova visão sobre a promoção de saúde, além da necessidade
de se acreditar em projetos mais humanizados.
Após o término da visita, ainda pela parta da manhã, nos direcionamos a OCA
comunitária, um lugar que realiza terapias comunitárias que contribuem para moradores no
tratamento às drogas e depressão, seu objetivo é fornecer formas de cuidar alternativos, como:
Argiloterapia, Massoterapia, Reiki dentre outros. Algo que chama a atenção logo que você
adentra o espaço são as palhas queimadas e a falta de investimentos em uma estrutura já montada.
A fisioterapeuta falou das diversas tentativas de queimadas, além do não funcionamento está
vinculado diretamente à mudança da gestão. Além disso, algo que se percebe rapidamente é que
só há uma funcionária e que mesmo convivendo com todas as dificuldades no funcionamento,
continua contribuindo para o atendimento à comunidade.
À tarde fomos a outro posto de saúde na Serrinha. Dessa vez, ao chegarmos lá fomos
recebidos por uma secretária administrativa que se limitou a nos apresentar compulsivamente o
espaço físico lendo o nome das salas nas placas localizadas em suas portas, focando apenas na
estrutura do local. Até que finalmente encontramos uma dentista bastante crítica, que nos deu uma
visão menos censurada a respeito do local. Segundo ela, neste posto de saúde a estratégia de saúde
da família estava acabada, uma vez que toda a carga-horária dos profissionais de saúde do posto
estava direcionada a demanda livre.
Isto foi muito chocante, uma vez que o matriciamento não é uma questão de boa vontade
da gestão, mas sim uma das diretrizes básicas de funcionamento do Sistema Único de Saúde. Em
poucos minutos, convidamos o coordenador para conversar um pouco e então nos deparamos com
outro dentista, mas que desta vez parecia não fazer a mínima ideia do que deveria ser o programa
de saúde da família, assim como talvez não estivesse nem um pouco integrado as estratégias do
SUS.
A sensação que tive era como estivéssemos aborrecendo-o com nossas perguntas, que nem
eram tão profundas assim, mas que a cada resposta dada parecia colocá-lo em uma posição pior
ainda. Era curioso como ele “acreditava” (entre aspas porque eu não saberia dizer se ele de fato
acreditava ou estava apenas nos enrolando) que na verdade estava propondo um “novo modelo de
assistência” quando estava apenas destruindo um. A visita rendeu uma boa discussão na volta à
pousada, onde muitos dos conceitos relacionadas a atenção primária foram revisados por nós, a
partir de uma breve roda de conversa.
À noite, na pousada, recebemos o convidado Pedro Santos, professor de uma de minhas
disciplinas na faculdade e, diante da reação do grupo, um dos melhores convidados. A meu ver, a
roda foi produtiva, pois elencou não mais uma visão a respeito do SUS, mas sim de que ele parte
de uma nova concepção de como fazer saúde que vem sendo construída em todo o mundo nas
últimas décadas.
Foto do grupo com alguns Gestores/Coordenadores do Sítio Betesda
O dia dezessete foi um dia de descanso, onde meu grupo aproveitou o espaço para realizar
discussões e adiantar um pouco de seus relatórios individuais e o grupal.
No dia seguinte passamos por uma vivência muito interessante ao qual me fez refletir sobre
a própria natureza do cuidado e a relevância de outras estratégias não convencionais.
Fomos até uma praia próxima chamada Sabiaguaba, onde adentramos em um belíssimo
patrimônio ecológico preservado por um conjunto de amantes da natureza. Percebi no transcorrer
do caminho a grande importância da natureza, das coisas simples que muitas vezes vão se
perdendo ao longo do caminho que trilhamos no dia a dia. O nome quatro banhos se dá pelo fato
do banho com os quatro elementos, terra, água, fogo e ar. Tudo isso se dá durante o trajeto que
fazemos desde o “aquecimento”, do banho de argila, até o banho no leito do rio. Neste dia pude
relaxar. Vivenciei um leque de sentimentos, os quais é importante ressaltar a esperança, a
confiança no companheiro, pois juntos, um ajudando o outro, tornou-se bem mais fácil e possível
enfrentarmos certos desafios como entrar no mangue, “A casa dos carangueijos”.
Acredito que esse espaço foi de extrema importância para nossa formação como sujeitos e
enquanto grupo, assim como futuros profissionais promotores de saúde. E esta é uma forma de
promover a saúde em todos os âmbitos, levando conhecimentos vivenciados, aos que nos rodeiam.
É difícil explicar com palavras sensações que perpassaram os sentidos, que nós, apenas seres
humanos, não podemos alcançar; pois o amor presente no brilho dos olhos no processo do
cuidado, da solidariedade, move qualquer pessoa para viver e sentir tais experiências.
A noite tivemos uma roda com a Professora Vera Dantas, uma importante produtora de
conhecimentos do nosso Estado na área de Educação Popular. Nesse dia, devido ao sol, o acúmulo
de atividades e a falta de sono, não aproveitei o espaço como de fato deveria. Mas foi importante
repensar em tudo que vivemos naquele dia e tentarmos construir uma cocha de retalhos dos
sentimentos e sensações que tivemos.
Visita à praia de Sabiaguaba
No período da tarde houve uma roda de conversa com a professora Maristela de Moraes que
falou sobre gênero e saúde. A discussão foi organizada de forma muito dinâmica, de modo que
pudemos além de repensar acerca dos estereótipos sociais de gênero, conhecer diferenciações no
que diz respeito à essa temática, como diferenças entre sexo, identidade de gênero e orientação
sexual, que são muito importantes para profissionais que exerceram atividades com seres
humanos, que são perpassados pela dimensão da sexualidade, que ultrapassa o sexo.
A partir da discussão, sexo pode ser compreendido como o sexo biológico
biológico e se diferenciar
em feminino, masculino e intersexo, que são hermafroditas e suas variações com desenvolvimento
maior ou menor de aspectos masculinos ou femininos. Gênero seria o aspecto social do sexo, a
questão cultural a ele relacionadas. Identidade
Identidade sexual seria o gênero com o qual a pessoa se
identifica e reconhece. E orientação sexual diz respeito ao desejo afetivo-sexual
afetivo sexual pelo outro e pode
ser por outro do mesmo sexo (homossexual) ou de outro sexo (heterossexual).
Também me chamou a atenção quando ela frisou a importância do meio na formação do
gênero, pois depois pude discutir com alguns amigos da psicologia a grande discussão da “cura
gay”, pois uma vez aprendido em sociedade, poderíamos então pensar em um reapredizado?
reapred
Esta é apenas minha compreensão sem aprofundamentos acerca da temática,
compreendendo que é um assunto muito complexo, mas que a abordagem e reflexão sobre o
mesmo no VER-SUS
SUS contribui para a compreensão, por parte dos profissionais em formação, de
que a dimensão da sexualidade é um universo de possibilidades e que perpassa diversas outras
dimensões do humano e portanto precisa ter respeitadas suas diversas expressões e se ter ao menos
um mínimo de conhecimento da temática e sempre o respeito pelas pessoas
pessoas e por sua autonomia.
Roda de conversa sobre Gênero e Saúde.
Na manhã seguinte visitamos um Caps infantil localizado no bairro de Fátima, onde
acabamos por pegar a coordenadora de surpresa no meio de seus afazeres. Apesar disso, ela nos
atendeu muito bem e fiquei bastante encantada com o serviço prestado no lugar, além da
motivação da profissional que parecia de fato estar trabalhando com algo que lhe agradava.
Entendi que a regionalização daquele Caps pelo menos, estava um pouco quebrada já que
ele estava localizado em um bairro de classe média alta, um público incomum no atendimento dos
serviços de saúde públicos, por isso sua principal demanda parecia ser oriunda de bairros mais
afastados como a Messejana, por exemplo.
No dia seguinte, fomos à Oca de São Cristovão, na qual, a meu ver, tivemos uma das
melhores experiências da vivência. Primeiramente tive a sorte de ser escolhida para a
massoterapia, pois como éramos um grupo grande, apenas alguns poderiam participar dos
serviços, porém em seguida, fui sortiada para o raike, e preferi o segundo. O momento que tive
com o Reikiano durou quase uma hora, foi um momento de passagem de boas energias e de fato
me senti muito abençoada e mais tranquila quando terminou a sessão. Mesmo sem falar nada me
emocionei bastante, foi um momento muito intenso com sensações tão diversas que fica difícil
descrever.
Quando sai da sala, o grupo estava em formato de pé e em circulo como que em
formação de cuidado em apoio um ao outro. De fato, enquanto eu estava na sessão de reike, alguns
colegas expuseram problemas de vida que os angustiavam e o grupo trabalhou para o
fortalecimento especifico de um caso que foi escolhido pelo próprio grupo.
Foi ruim não ter participado do momento, mas não me senti desprivilegiada, apenas
gostaria de vivenciar mais e mais. Pude perceber que foi um momento muito forte, e que todos se
livraram de julgamentos e colocaram em pratica a solidariedade com o próximo. Ao final, em
roda, todos cantaram a música “vou balançar, mas não vou cair”, deixando bem claro que ali um
era o apoio do outro.
Foi encerrado o momento com todos os participantes muito emocionados trocando
abraços e eu, já sensível com a sessão de reike, também me deixei levar pelo momento, me
emocionando e compartilhando abraços. Foi importante fazer o link com o Versus, onde terapia
comunitária é promotora de saúde, pois, como a própria facilitadora disse, só o fato de expor suas
aflições, o corpo sara e a pessoa se sente melhor.
Ao final do dia, tivemos uma roda de conversa com o professor Paulo Kinderé, na qual
abordamos sobre as drogas. Discutimos sobre o fato da classificação da droga ser definida pelo
contexto social, cultural e subjetivo. Muitas vezes, a definição de uma droga como ilícita envolve
diversos interesses políticos e econômicos por trás.
Visita à Oca São Cristovão
Pela manhã do dia 22, fomos até o Hospital Geral de Fortaleza que passou por
grandes reformas recentemente e está sob a gestão de uma nova equipe. A visita foi bem atípica
para o que eu estava esperando. Primeiramente porque foi o primeiro local que de fato tinha uma
agenda “programada” com a nossa visita, sabendo exatamente o horário que chegaríamos e quem
éramos (VerSus). Quanto a estrutura física, o hospital é um tanto confuso, tanto pelas reformas
que sofreu, fazendo alguns remendos bons e bonitos outros em infelizes e mal estruturados, como
também pelos contrastes de grandes construções, bonitas e reformadas, com alas antigas, que na
verdade servem de acesso e comunicação entre estas novas ilhas de qualidade. Caminhar pelo
hospital é muito estranho, pois você pode estar em uma área reformada, abrir uma porta e então
deparar-se com um local onde a estrutura é desmotivante.
Foi possível também conhecermos o Diretor do HGF, que, em minha opinião, apesar de
muito letrado e bem aparentado, trazia um discurso extremamente clichê, preocupando-se apenas
em manter as aparências e circular diante de respostas óbvias, sem de fato nos mostrar a realidade
do local, e, mesmo quando assim fazia, aparentava pouco preocupado com o cuidado com o
próximo e mais com discursar sobre o quão difícil é gerir os recursos de um hospital daquele
porte.
Visita ao Hospital Geral de Fortaleza - HGF
O dia seguinte foi bastante atípico por visitamos a comunidade dos índios Pitaguarys,
localizada em Pacatuba. Lá são oferecidos serviços de saúde através do Pólo base indígena
Pitaguary e da política de assistência social através do Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) Pitaguary. Conforme os profissionais e liderança comunitária que nos receberam, os
serviços oferecidos seguem as mesmas diretrizes que nos equipamentos fora de áreas indígenas e
que o grande diferencial é o respeito e a adaptação das atividades à cultura local, o que percebo
que deveria ocorrer em todos os serviços públicos, dentre eles os de saúde, é que ao invés de negar
os saberes e cultura locais, deveria agregá-los ao saber cientifico e assim gerar um enriquecimento
do processo para ambas as partes.
Árvore centenária localizada no Pólo Indígena Pitaguary
O VER-SUS é importante para a formação, apesar da pequena abrangência, foi fácil
perceber o quanto aprendi nessas duas semanas de vivência, principalmente no que diz respeito a
formação política de nós, futuros profissionais. Ele Possibilitou a inserção interdisciplinar e
interprofissional na formação e com base nas vivências, pude constatar a relevância dos espaços
que possibilitam um olhar ampliado dos diversos cenários de produção de saúde. Foi através das
observações destes espaços que construímos juntamente com a comunidade da Granja Portugal
uma intervenção que buscasse promover uma interação entre os usuários e instituição, bem como
ampliar o olhar acerca de temáticas relacionadas ao meio ambiente.
Desta forma, devolutiva realizada foi a proposta da construção de uma horta vertical com a
finalidade de aguçar no grupo de crianças a responsabilidade do cuidado. Inicialmente, realizou-se
uma apresentação dos participantes do grupo, seguida de uma atividade para interação do grupo.
Logo após se deu processo de construção da horta no qual as próprias crianças prepararam os
materiais.
Destacou-se durante a vivência o envolvimento das crianças nas atividades, contribuindo
para o êxito da proposta. A experiência me proporcionou importantes reflexões acerca do cuidado
com o próximo, responsabilidade, gentileza e respeito, categorias estas que devem ser exercitadas
em práticas humanizadas no SUS.
Devolutiva – Sítio Betesda
CONCLUSÃO:
Acredito que vivências como a propiciada pelo VER-SUS contribuem, mesmo que de
forma focal, para a formação técnica, científica e política dos graduandos, na perspectiva
interdisciplinar e intersetorial. Como tal, deve ser preservada e ampliada.
Acredito que essa vivência foi o momento exato de se produzir bons conceitos, mas sem a
pretensão de ensina ou educar, o que fizemos foi construir. Com a realização de espaços de
convivência como esse o que foi proposto foi apenas um encontro franco e sincero de emoções
diversificadas diante de várias experiências. Esse encontro pessoal e coletivo cotidianamente nos
desafiou a exercitar essa qualidade, que comumente se traduz em atos de reflexão e expressar
nossas visões, ou seja, essa dinâmica da convivência tornando-se uma relação simbólica.
O Versus foi uma mistura de encontros, ou seja, os encontros que produzem sentimento,
que alcançam dimensões e nos revitalizam. Assim digo que a vivência foi um terreno fértil pronto
para receber sementes, tive a percepção de que além de sermos acadêmicos de áreas diferentes e
que estão de algumas formas relacionadas com o campo da saúde, somos pessoas, estas que
contribuem a para a composição do cuidado para com as outras pessoas.
Juntos, pudemos entender que a construção do Sistema Único de Saúde deve ter como base
essa troca coletiva, o fluxo de ideias e a desconstrução de antigas bases de uma conjuntura maior.
Pude aprender que talvez o SUS não precise de mais profissionais ou mais estruturas físicas
equipadas apenas, mas de pessoas comprometidas com a sua construção e implantação e que a luta
se dá em processo, portanto, ela ainda não acabou.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.
Departamento de Gestão de Educação na Saúde. VER-SUS Brasil: Caderno de Textos. Brasília:
Ministério da Saúde; 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.
Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o
SUS: caminhos para a educação permanente em saúde: pólos de educação permanente em saúde.
Brasília: Ministério da Saúde; 2004.