USP Universidade de São Paulo Reitor
Transcrição
USP Universidade de São Paulo Reitor
Universidade de São Paulo USP Reitor: Vice-Reitor: Prof. Dr. João Grandino Rodas Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas FFLCH Diretora: Vice-Diretor: Prof. Dr. Sergio França Adorno de Abreu Prof. Dr. Modesto Florenzano Conselho Deliberativo do CITRAT DLCV DLM DL DLO DTLLC Ieda Maria Alves (titular) Mariângela de Araújo (suplente) João Azenha Júnior (titular) Tinka Reichmann (suplente) Paulo Chagas de Souza (titular) Antonio Vicente Seraphim Pietroforte (suplente) Elena Nikolaevna Vassina (titular) Mona Mohamad Hawi (suplente) Marcus Vinicius Mazzari (titular) Samuel de Vasconcelos Titan Jr. (suplente) Chefes dos Laboratórios de Tradutologia e Terminologia Tradutologia Francis Henrik Aubert (titular) Lenita Rimoli Esteves (suplente) Terminologia Ieda Maria Alves (titular) Mariângela de Araújo (suplente) Diretoria do CITRAT Diretora Vice-Diretor Comissão de Publicações Presidente Membros Secretária Monitor Profª. Drª. Tinka Reichmann Prof. Dr. João Azenha Júnior Profª. Drª. Profª. Drª. Profª. Drª. Profª. Drª. Lineide do Lago Salvador Mosca Elena Nikolaevna Vassina Ieda Maria Alves Tinka Reichmann Sandra de Albuquerque Cunha Renan Silva Garcia Conselho Editorial Adauri Brezolin (Centro Universitário Ibero-Americano) Álvaro Hattnher (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" – São José do Rio Preto) Anna Maria Becker Macial (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - aposentada) Armelle Le Bars (Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle) Aurora F. Bernardini (Universidade de São Paulo) Carlos Daghlian (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - São José do Rio Preto) Cristiane Nord (Hochschule Magdeburg-Stendal, Alemanha) Cleci Regina Bevilacgua (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Diva Cardoso de Camargo (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" – São José do Rio Preto) Eloá Di Pierro Heise (Universidade de São Paulo) Evandro Silva Martins (Universidade Federal de Uberlândia - aposentado) Francis Henrik Aubert (Universidade de São Paulo) Gilberto Pinheiro Passos (Universidade de São Paulo) Gladis Barcellos Almeida (Universidade Federal de São Carlos) Helmut Galle (Universidade de São Paulo) Ieda Maria Alves (Universidade de São Paulo) Iolanda Galanes Santos (Universidade de Vigo) Isabelle Oliveira (Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle) John Humbley (Université Paris 7) John Milton (Universidade de São Paulo) John Robert Schmitz (Universidade Estadual de Campinas) Lauro Maia Amorim (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - São José do Rio Preto) Leila Darin (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Lidia de Almeida Barros (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - São José do Rio Preto) Lineide do Lago Salvador Mosca (Universidade de São Paulo) Manoel Messias Alves da Silva (Universidade Estadual de Maringá) Manuel Celio Conceição (Universidade do Algarve) Márcia Martins (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Márcia Pietrolongo (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Marcos Mazzari (Universidade de São Paulo) Maria Aparecida Barbosa (Universidade de São Paulo) Maria da Graça Krieger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) Maria José Bocorny Finatto (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Maria Paula Frota (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Maria Teresa Lino (Universidade Nova de Lisboa) Mário Laranjeira (Universidade de São Paulo – aposentado) Marisa Grigoletto (Universidade de São Paulo – aposentada) Marlene Holzhausen (Universidade Federal da Bahia) Masa Nomura (Universidade de São Paulo) Nilce Pereira (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - São José do Rio Preto) Odair Luiz Nadin da Silva (Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Araraquara) Paulo Henriques Britto (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Stella Esther Ortweiler Tagnin (Universidade de São Paulo) Thomas Sträter (Heidelberg University) Tony Berber Sardinha (Pontifícia Universidade Católica) Vera Santiago Araújo (Universidade Estadual do Ceará) Veronique Dahlet (Universidade de São Paulo) Viviane Veras (Universidade Estadual de Campinas) Pareceristas do presente número Adauri Brezolin (Centro Universitário Ibero-Americano) Adriana Zavaglia (Universidade de São Paulo) Alvaro Caretta (Universidade Federal de São Paulo) Denise Sales (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Deusa Maria Passos (Universidade de São Paulo) Dieli Vesaro Palma (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Elena Vassina (Universidade de São Paulo) Flavio Aguiar (Universidade de São Paulo) João Azenha Júnior (Universidade de São Paulo) John Milton (Universidade de São Paulo) Josely Teixeira Carlos (Doutoranda da Universidade de São Paulo) Leila Darin (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Lenita Rimoli Esteves (Universidade de São Paulo) Márcia Sipavicius Seide (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) Marcos Napolitano (Universidade de São Paulo) Maria Sílvia Betti (Universidade de São Paulo) Mariângela de Araújo (Universidade de São Paulo) Marieta Prata de Lima Dias (Universidade Federal de Mato Grosso) Mario Ramos Francisco Jr. (Universidade de São Paulo) Marisa Grigoletto (Universidade de São Paulo) Neusa Gonçalves Travaglia (Universidade Federal de Uberlândia) Patricia de Jesus Carvalhinhos (Universidade de São Paulo) Patrizia Collina Bastianetto (Universidade Federal de Minas Gerais) Paulo Chagas de Souza (Universidade de São Paulo) Renata Condi (Pontifícia Universidade Católica - SP) Tito Livio Cruz Romão (Universidade Sagrado Coração) Véronique Dahlet (Universidade de São Paulo) Viviana Bosi (Universidade de São Paulo) Viviane Veras (Universidade Estadual de Campinas) Organizadora deste número Profª. Draª. Lineide do Lago Salvador Mosca Revisão: Vivian P. Arais Soares Diagramação: Renan Silva Garcia Endereço para correspondência Comissão Editorial Revista TradTerm – FFLCH/USP Cx. Postal 72042 – CEP. 05508-900 Av. Prof. Luciano Gualberto 403 sala 267ª São Paulo – SP – CEP: 05564-000 Brasil Tel: (011) 3091-3764 Email: [email protected] / [email protected] http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br http://www.citrat.fflch.usp.br Sumário/Contents Apresentação 08 Presentation 11 Artigos Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Talita Serpa & Diva Cardoso de Camargo 14 A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Maria Emília Pereira Chanut 43 Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Érika Nogueira de Andrade Stupiello 71 A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização Reynaldo José Pagura 92 As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares 109 Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Felipe Cabañas da Silva 127 O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Beatriz Cabral Bastos 164 Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Eduardo Luis Araújo de Oliveira Batista 188 Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Carlos Alberto Rizzi 214 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 6-7 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul Maria Izabel Plath da Costa 248 O discurso do rei: tradução e poder Terezinha Rivera Trifanovas 265 Video game localization: the case of Brazil Ricardo Vinicius Ferraz de Souza 289 Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira Marly D’Amaro Blasques Tooge 327 Dados dos autores 346 Política Editorial 351 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 6-7 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br APRESENTAÇÃO É motivo de satisfação poder apresentar mais um número da Revista TradTerm, para a qual temos recebido uma quantidade elevada de contribuições. Com estas foi possível organizar não só este, como também o próximo número da Revista. No volume que ora trazemos a público tem-se inicialmente um bloco de quatro artigos, agrupados em torno de temas relativos à teoria da tradução e de alguns de seus problemas fundamentais: O primeiro artigo, “Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro”, trata de reflexões de interesse da comunidade científica em geral, bem como de sua correlação com os objetivos específicos da revista. Segue-se “A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada”, artigo cuja proposta é investigar se a abordagem funcionalista ou, particularmente, o emprego da “equivalência funcional” constitui um procedimento mais adequado, em se tratando da tradução juramentada ou jurídica. O texto “Tecnologias da tradução: implicações éticas para a prática tradutória” é de grande atualidade e relevância para a área dos Estudos da Tradução, uma vez que toca as relações compreendidas no labor profissional do tradutor, sobretudo no uso das novas tecnologias. É instigante por estabelecer diálogo com os profissionais da área. Completando esse bloco inicial, tem-se “A Tradução (Théorie du Sens) revisitada: Teoria um Interpretativa novo olhar sobre da a desverbalização”, que se propõe a revisitar a “teoria do sentido” de fins da década de 60, trazendo o debate para esse legado. Outro bloco temático reúne artigos referentes à tradução literária, sendo dois deles diretamente ligados à Poesia e à Poética: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 8-10 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 9 “As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia”, cuja importância se estende a várias áreas das Ciências Humanas, da Linguística à Psicanálise. “Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre” é uma matéria que, ao focalizar a retradução, faz avançar a discussão a respeito do processo tradutório, a partir de aspectos já examinados, enfatizando a ideia da necessidade da retradução, com base no fato de que não há uma possibilidade única de tradução, mas uma entre várias. O artigo “O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo” propõe colocar em debate algumas teorias sobre a tradução do texto poético, isto é, sobre a tradução criativa, dentro da área maior de tradução literária, apresentando a aplicação das teorias na prática tradutória, em que a relação som/sentido é fundamental. Ainda neste mesmo campo, o artigo “Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais do Brasil x EUA” procede ao exame da questão, unindo a perspectiva da Teoria da Tradução aos estudos de Literatura Comparada, e aponta os diferentes sistemas culturais implicados nos dois pontos em análise. No campo da Terminologia, são apresentados dois artigos: Em “Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas” ressalta-se a apropriação do tema à Revista, assim como o ineditismo da abordagem e minuciosa análise. O artigo “A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul” explicita o uso de algumas unidades terminológicas da linguagem especializada, empregada por policiais gaúchos para fazer referência ao sujeito acusado nas diversas etapas do processo criminal. Por ser um objeto de estudo pouco investigado, cabe-lhe um lugar na divulgação científica. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 8-10 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 10 Um último bloco destina-se a tradução intersemiótica, com dois artigos referentes respectivamente a problemas de tradução fílmica e de videogames: “O discurso do rei: tradução e poder” examina a construção de efeitos de sentido na tradução da língua inglesa para a portuguesa do filme O discurso do rei, em que afloram as características culturais típicas da realidade na qual o tradutor vive, como marcas do imaginário coletivo do grupo social a que pertence. São evidenciadas as interações comunicativas dos dois protagonistas do filme em questão. A seguir, o artigo “Video game localization: the case of Brazil” aborda assunto relevante, mas pouco explorado nos estudos da tradução. Oferece uma história do videogame, ao mesmo tempo que mostra as diferenças entre as traduções de tipos de games diferentes. Para finalizar o volume, tem-se o artigo “Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira”, que toca questões de identidade nacional em canções de nosso repertório musical, apontando o espaço de tensão, constituído pela presença do “outro estrangeiro”, ali representado. Ficam aqui os nossos agradecimentos a todos os que colaboraram para a execução deste volume, incluindo-se os autores, os pareceristas, o trabalho de tradução inglês/português e português/inglês do Prof. Dr.John Milton, da secretária do CITRAT, Sra. Sandra de Albuquerque Cunha, e do monitor Renan Silva Garcia. À Humanitas/FFLCH-USP, editora que tão valiosos serviços nos tem prestado ao longo de todos esses anos, deixamos o nosso especial agradecimento pelo empenho e atenção. Que a leitura seja proveitosa e agradável a todos. São Paulo, 27 de junho de 2012 Lineide Salvador Mosca Presidente da Comissão de Publicações do CITRAT TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 8-10 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br PRESENTATION I am very pleased to present another issue of TradTerm, for which we have received a large number of contributions, and we have used them to organize not only this, but also the next issue of the journal. The first section of this volume consists of four articles, grouped around themes related to translation theory and some of its fundamental problems. “Anthropology of civilization: a study of translation into English of recurring simple terms and fixed and semi-fixed expressions in two works by Darcy Ribeiro” makes comments of interest to the general scientific community, as well as following the specific aims of TradTerm. “The notion of equivalence and its specificity in specialized translation” investigates whether the functionalist approach, or more particularly, the use of “functional equivalence”, is the most appropriate procedure in the case of sworn or legal translations. “Technology Translation: ethical implications for translation practice” is a very timely article for Translation Studies as it examines relationships in the professional work of the translator, especially in the use of new technologies. Completing this initial block, “The Interpretive Theory of Translation (Théorie du Sens) revisited: a new look at deverbalization”, reexamines the “theory of sense” of the late 1960s. The next section contains articles relating to literary translation, two of them directly linked to Poetry and Poetics. “New translations of Freud made directly from the German: style and terminology” is of interest to a number of areas of the Humanities, from linguistics to psychoanalysis. “Érostrate: considerations on the retranslation of a story by Jean Paul Sartre” focuses on the retranslation of Sartre’s story and emphasizes the idea of need for retranslation, based on the fact that there are many different possibilities for a translation. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 11-13 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 12 “Sound and sense: three theories of translation of poetry in dialogue” discusses certain theories on the translation of poetry, that is, creative translation, within the broader area of literary translation, showing the application of theories in translation practice, where the relationship between sound and sense is of fundamental importance. Also in the literary area, “Poetics in conflict: Brazilian literature translated by Elizabeth Bishop in the context of cultural exchanges between Brazil and the United States” joins Translation Studies theory to Comparative Literature and examines the different cultural systems of the two countries. In the field of terminology, there are two articles. “Research on the construction of phytonym CAPOEIRA: aspects of the lexical-semantic field and indigenous geolinguistics” is closely related to the scope of TradTerm and makes a thorough and original analysis. “The terminology used for criminals and / or offenders by the Civil Police in Rio Grande do Sul” explains the use of certain specialized terms used by police in the southern Brazilian state to refer to the accused subject at various stages of the criminal process. The results of this very novel study deserve to be made available to the scientific community. The last section is that of intersemiotic translation, with two articles on the translation problems of film and video games. “The King's Speech: translation and power” examines the effects of the construction of meaning in the translation from English into Portuguese of the film The King's Speech, emphasizing the cultural characteristics of the translator’s reality, such as the collective characteristics of the imaginary of the social group to which he or she belongs, demonstrated by the communicative interactions of the two protagonists of the film. “Video game localization: the case of Brazil” addresses an important but little studied area in Brazil, providing a history of video games in Brazil and the differences between the translation of various types of games. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 11-13 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 13 To conclude the volume, “Foreign chord: representation and linguistic clashes in Brazilian songs,” touches on issues of Brazilian identity in songs, describing the tension resulting from the presence of the “foreign other”, presented in them. We would like to thank all those who contributed to this volume, including authors, reviewers, Prof. John Milton for his translations, Sandra de Albuquerque Cunha, CITRAT secretary, and Renan Silva Garcia, monitor. We would finaly once more like to thank Humanitas FFLCH-USP publishers for all their effort and hard work. Enjoy your reading! São Paulo, 27 June 2012 Lineide Salvador Mosca President of the CITRAT Publications Commission TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 11-13 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Talita Serpa * Diva Cardoso de Camargo † Abstract: The main purpose of this article is to investigate the most frequent simple terms as well as fixed and semi-fixed expressions in Social Anthropology of Civilization subarea in Portuguese and their corresponding terms in English, found in two works written by the anthropologist Darcy Ribeiro. The methodology used is that of Corpus-Based Translation Studies (BAKER, 1995, 1996, 1997; CAMARGO, 2005, 2007), Corpus Linguistics (BERBER SARDINHA, 2004) and Terminology (BARROS, 2004; KRIEGER &FINATTO, 2004). Results show that there are similarities and differences among the use of the terms in the main subcorpora composed of source and target texts and in the comparable corpora in Portuguese and in English. This data indicate that terms and expressions are not univocal in the anthropological language due to the differences in the conceptualization of the same referents by different specialists in the area. Keywords: Corpus-Based Translation Studies; Corpus Linguistic; Social Anthropology of Civilization. Resumo: Neste estudo, foram selecionados os termos simples e as expressões fixas e semifixas mais frequentes da subárea de Antropologia da Civilização em português e seus correspondentes em inglês, extraídos de duas obras de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro e das respectivas traduções para o inglês. A metodologia utilizada * Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Estadual Paulista – Câmpus de São José do Rio Preto. Email: [email protected]. † Professora adjunta do Departamento de Letras Modernas da Universidade Estadual Paulista – Câmpus São José do Rio Preto. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br fundamentou-se nos Estudos da Tradução Baseados em Corpus (BAKER 1993, 1995, 1996; CAMARGO 2005, 2007), na Linguística de Corpus (BERBER SARDINHA 2000, 2004; TOGNINI-BONELLI 2001) e na Terminologia (BARROS 2004; KRIEGER&FINATTO 2004). Notouse que ocorrem semelhanças e diferenças de uso entre os termos dos subcorpora de estudo de textos, fonte e meta e dos corpora comparáveis em português e em inglês. Esses dados apontariam que os termos e as expressões não apresentam univocidade dentro dessa linguagem de especialidade, devido às diferenças de conceituação de um mesmo referente pelos especialistas da área. Palavras-chave: Estudos da tradução baseados em corpus; Linguística de corpus; Antropologia da civilização. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 16 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro 1. Introdução O desenvolvimento da pesquisa antropológica no Brasil ganhou forças a partir da criação do curso de Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), na década de 1930. Até então, a pesquisa realizada no país fundamentava-se nas investigações das Escolas Francesa e Inglesa e tinha por principal material os relatos históricos dos grupos colonizadores, recorrendo ao eurocentrismo para proporcionar conhecimentos capazes de domesticar culturas adversas. Na contramão das perspectivas analíticas preconcebidas e importadas, o antropólogo, sociólogo, educador e político, Darcy Ribeiro, propôs a elaboração de uma subárea que se concentrasse na construção de uma avaliação das condições de promoção do processo civilizatório deste país, livre da ação teórica precedente, criando assim uma série de seis livros intitulada Antropologia da Civilização. A esse respeito, RIBEIRO (1995) enfatiza que: (...) nos faltava uma teoria geral, cuja luz nos tornasse explicáveis em seus próprios termos, fundida em nossa experiência histórica. As teorizações oriundas de outros contextos eram todas elas eurocêntricas demais e, por isso mesmo, impotentes para nos fazer inteligíveis. Nosso passado, não tendo sido o alheio, nosso presente não era necessariamente o passado deles, nem nosso futuro um futuro comum (RIBEIRO 1995: 13). Diante de uma abordagem que valoriza a formação sociopolítica cultural da maior nação latino-americana, a tradução, na direção português inglês, dessa nova teorização faz-se necessária, com o objetivo de proporcionar a divulgação dos trabalhos de Ribeiro em nível internacional, elevando a categoria da produção científica de antropólogos brasileiros fora do país. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 17 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro No entanto, investigações sobre o uso de termos encontrados nas obras O processo civilizatório (1968) e O povo brasileiro: formação e sentido do Brasil (1995), assim como sobre o processo tradutório que os envolve são inexistentes, evidenciando a necessidade de observar, a partir desses textos de especialidade, as opções adotadas para a tradução dos termos simples, expressões fixas e semifixas. Pesquisas voltadas para os Estudos da Tradução Baseados em Corpus (BAKER 1993, 1995, 1996; CAMARGO 2005, 2007) e para a Linguística de Corpus (BERBER SARDINHA 2000, 2004) salientam a importância do estudo da linguagem por meio de exemplos de uso real da língua. BAKER (1996) também aponta que a análise de corpus proporciona o reconhecimento de traços considerados como característicos e distintivos da linguagem da tradução. Também foram observadas as tendências linguísticas apresentadas por Betty J. Meggers e Gregory Rabassa nas respectivas traduções The Civilizational Process (1968) e The Brazilian People: formation and meaning of Brazil (2000), a fim de verificar as escolhas lexicais por eles adotadas e investigar a ocorrência ou não de padronizações terminológicas nas subáreas das Ciências Sociais, examinando as opções de tradução utilizadas para termos recorrentes nos dois pares de obras. 2. Fundamentação teórica Este trabalho baseou-se no arcabouço teórico-metodológico lançado por BAKER (1993, 1995, 1996, 2000). Segundo essa pesquisadora: [...] textos traduzidos registram eventos comunicativos genuínos e como tais não são nem inferiores nem superiores aos outros eventos comunicativos em qualquer língua. Entretanto, eles são diferentes, e a TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 18 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro natureza dessa diferença precisa ser explorada e registrada 1 (BAKER 1993: 234). Para desenvolver sua proposta, a teórica fundamentou-se nos Estudos Descritivos da Tradução, com base nos trabalhos de EVEN-ZOHAR (1978) e, principalmente, nos de TOURY (1978). A autora também se apoiou nas investigações de SINCLAIR (1991), no tocante ao aporte teórico da Linguística de Corpus e ao uso de corpora eletrônicos e ferramentas computacionais para a realização de pesquisas nos textos meta (TMs). BAKER (1995) apresenta sua concepção de corpus na qual explicita a preferência pela análise por meio de computador: [...] corpus é um conjunto de textos naturais (em oposição a exemplos/sentenças), organizados em formato eletrônico, passíveis de serem analisados, preferencialmente, em forma automática ou semiautomática (sic) (em vez de manualmente) 2 (BAKER 1995: 226). Em associação a essas teorias, o presente trabalho também fez uso de pressupostos da Terminologia. O tradutor que se dedica a uma área de especialidade inevitavelmente utiliza em seu trabalho termos específicos e a linguagem adequada ao campo escolhido. Adota dicionários e glossários especializados com o objetivo de produzir um texto na língua meta (LM) adequado aos padrões e à tipologia da área de especialidade. Dessa forma, a Tradução e a Terminologia se entrecruzam favorecendo a prática tradutória. Sobre a colaboração entre a tradução e os estudos terminológicos, BARROS (2004) comenta que: A cooperação entre tradutores e terminólogos, ou mais particularmente o trabalho dos tradutores como terminólogos, pode Translated texts record genuine communicative events and as such are neither inferior nor superior toother communicative events in any language. They are however different, and the nature of this differenceneeds to be explored and recorded. 2 Corpus mean[s]any collection of running texts (as opposed to examples/sentences), held in electronic form and analysable automatically or semi-automatically (rather than manually). 1 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 19 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro ser testemunhado por inúmeras obras terminográficas bilíngues ou multilingues, elaboradas em épocas diferentes, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Atualmente, a importância da participação dos tradutores na elaboração desse tipo de obra é incontestável. Com efeito, diversos bancos de dados especializados de alcance mundial têm no tradutor um grande colaborador (BARROS 2004: 72). A Terminologia fornece, pois, o material necessário à Tradução para o acesso rápido aos termos apropriados da área. Em decorrência, houve um aumento dos trabalhos em Tradução e Terminologia que fornecem termos adequados para consultas das áreas de especialidade a serem traduzidas. Muitas vezes, o tradutor atua como terminólogo “ao criar neologismos ou mesmo paráfrases do termo para dar conta das equivalências semânticas” (KRIEGER & FINATTO 2004: 72). BARROS (2004) acrescenta que cada povo recorta a realidade objetiva de maneira distinta e que as formulações conceituais das representações sociais são designadas por unidades lexicais que, consideradas como signos de domínios específicos da atividade da comunidade sociocultural, podem ser afirmadas como unidades terminológicas. A teórica debruça-se sobre a questão antropológica da descrição do sistema cultural de um povo e afirma haver a necessidade da construção de um conjunto terminológico específico a essa área. Verifica-se, portanto, que cada antropólogo, e ousaríamos afirmar que cada cientista social, delimita seu campo de estudo e procura conhecer as nomeações dos seus objetos de análise. Dessa forma, pode-se dizer que nas Ciências Sociais, além de uma terminologia científica própria a constituição de conceitos acadêmicos, existe também a necessidade de se considerar a nomenclatura dos elementos sociais investigados. Tem-se, por conseguinte, que as subáreas das Ciências Sociais apresentam um vocabulário especializado com a criação de conceitos teóricos que assumem características próprias dentro da obra de cada pesquisador. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 20 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Neste sentido, PATHAK (1998) acrescenta que a formulação terminológica no campo das Ciências Sociais possui determinados aspectos condicionantes que o diferem das demais áreas de especialidade. Esse campo de investigação apresenta diversos termos que podem designar um mesmo conceito, como, por exemplo, o termo simples “nacionalização” e a expressão “área sob domínio governamental”. Pode-se também salientar que um mesmo termo pode designar diferentes conceitos, no caso de “socialização” que se aplica às subáreas de Antropologia, Economia e Sociologia em diferentes contextos. Outros fatores observados são que os cientistas sociais associam conceitos distintos a um único termo; os conceitos são geralmente expressos por palavras de uso cotidiano; e em Ciências Sociais os termos não são formulados em linguagem simbólica. Contudo, a maioria dos estudiosos dedica-se a fenômenos socioculturais específicos e, com isso, os fatos e os elementos da sociedade sob pesquisa tornam-se parte da Terminologia daquele autor. No caso das pesquisas realizadas no Brasil, pode-se considerar esses fatores como brasileirismos, os quais, de acordo com COELHO (2003), podem ser considerados como índices linguísticos da identidade do povo brasileiro. Para FAULSTICH (2004), algumas destas entidades linguístico-culturais assumem um quadro conceitual que é mais de natureza terminológica do que de linguagem comum, compondo os chamados brasileirismos terminológicos. Admite-se, com isso, que estas unidades lexicais constituem um caráter funcional em contextos científicos específicos. A teórica define os brasileirismos terminológicos como “palavras, locuções e outra estrutura sintagmática criada e formada no Brasil, que tenha significado autônomo e esteja encerrado num conceito de especialidade, que possibilite reconhecer a área a que pertence” (FAULSTICH 2004). Segundo Michael Henry Heim&Andrzej W. Tymowski, pesquisadores do American Council of Learned Societies, o processo tradutório de tal repertório TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 21 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro terminológico precisa seguir algumas diretrizes metodológicas, visto que os textos das áreas antropológica, sociológica etc. são distintos dos demais textos científicos por não poderem ser generalizados e estarem submetidos a contextos sociais, políticos e culturais distintos, de acordo com o país e as tradições e os costumes que o constituem. Embora afirmem que essa submissão a fatores sociais específicos de determinadas culturas gere inconsistência terminológica, HEIM&TYMOWSKI (2006) não deixam de observar que: Um termo-chave que ocorre mais de uma vez pode ser traduzido pela mesma palavra sempre, mas o tradutor precisa primeiramente determinar se o significado é de fato o mesmo. Se não for, o tradutor pode escolher outra palavra, mas a decisão deve ser consciente. Para estabelecer consistência à tradução, o editor pode sugerir que os tradutores elaborem um glossário de termos-chave quando trabalham com um texto específico3 (HEIM & TYMOWSKI 2006: 10). Os cientistas sociais, ao introduzirem novos conceitos, geralmente atuam para que as palavras ou expressões empregadas sejam aceitas pela comunidade científica e se universalizem dentro desse público, passando a constituir termos. Bons exemplos disso são a ninguendade e a transfiguração étnica (1995) de DARCY RIBEIRO. Os conceitos que transmitem são, em geral, culturalmente determinados, mas a opção por termos técnicos é um aspecto dessas ciências e, por isso, os tradutores precisam estar atentos no momento de vertê-los para as LMs. Embora não seja possível generalizar, os dois principais procedimentos utilizados pela maioria dos tradutores, de acordo com Heim&Tymowski, são: (1) empréstimo da língua original e (2) tradução literal para o termo. Ambos causam um estranhamento inicial no leitor alvo, pois ou estão em língua 3 […] a key term that occurs more than once should be translated by the same word each time, but the translator must first determine whether the meaning is in fact the same. If it is not, the translator may choose another word, but the decision must be a conscious one. To foster consistency, the editor can suggest that translators create a personal glossary of key terms as they work through a text. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 22 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro estrangeira ou forçam o original da LM a uma forma que não lhe é natural. No entanto, frequentemente, as línguas se adaptam e absorvem os “estrangeirismos” e as “literalidades”. É importante que o tradutor, que irá verter um texto científico, esteja familiarizado com o tipo de redação e, também, com os termos mais adequados a cada subárea das Ciências Sociais. Essa é uma das condições apontadas pelos autores por facilitar que os textos sejam publicados de acordo com padrões internacionais. Tanto os tradutores e pesquisadores da área quanto os estudantes de tradução seriam diretamente beneficiados com os resultados de trabalhos voltados para esses propósitos. No âmbito de obras de cunho cultural, político e social, Michaela Wolf, em seu artigo Translation as a Process of Power: aspects of cultural anthropology in translation (1995), salienta que é nestes textos, assim como em textos literários, que as assimetrias de transferência cultural tornam-se mais visíveis; isso porque a questão de poder entre as sociedades dominantes e dominadas está nitidamente expressa nas escolhas linguísticas de autor e tradutor. Tendo por base tais questões, apresenta-se uma investigação sobre a tradução de termos simples, expressões fixas e semifixas da subárea de Antropologia da Civilização com vistas ao seu uso por tradutores e especialistas em Ciências Sociais. De acordo com BARROS (2004), termos caracterizam-se por designarem conceitos específicos de um domínio de especialidade. Por sua vez, BAKER (1992) salienta que as expressões fixas tratam-se de expressões consagradas, referentes a determinado tipo de texto e que permitem pouca ou nenhuma variação. No caso das expressões semifixas, CAMARGO (2005) aponta que estas apresentam maior variação e carregam consigo todo um contexto, podendo ser consideradas específicas de uma determinada língua de especialidade. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 23 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Para o levantamento foram utilizadas as ferramentas WordList, Keywords Concord do software WordSmith Tools, as quais facilitam a compilação dos termos e de seus contextos. 3. Material e Método Para esta investigação, foram compilados os seguintes corpora: 1) um subcorpus principal paralelo de Antropologia da Civilização, constituído pela obra científica O processo civilizatório (OPC), de autoria de Darcy Ribeiro, publicada originalmente em português no ano de 1968 (total de itens: 63.159), e a respectiva tradução para o inglês, realizada por Betty J. Meggers sob o título The Civilizational Process, publicada em 1968 (total de itens: 53.464); 2) um subcorpus principal paralelo constituído pela obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil(OPB), de autoria de Darcy Ribeiro, publicada originalmente em português, no ano de 1995 (total de itens: 115.474), e a respectiva tradução para o inglês, realizada por Gregory Rabassa, sob o título The Brazilian People: formation and meaning of Brazil, publicada em 2000 (total de itens: 139.858); 3) um corpus comparável de controle, composto por 15 obras da mesma subárea escritas originalmente em português; 4) um corpus comparável de controle, composto por 15 obras da mesma subárea escritas originalmente em inglês. As obras que compõem o corpus comparável em português representam publicações de pesquisas relacionadas à constituição do povo brasileiro, de autoria dos nossos mais importantes antropólogos, como por exemplo, Gilberto Freyre, Eduardo Viveiros de Castro, Marcio Goldman e Roberto DaMatta, publicadas entre as décadas de 1930 e 1990 do século XX. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 24 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Para a formação do corpus comparável em inglês foram utilizados textos clássicos da Antropologia Britânica e Americana, desenvolvidos por autores consagrados, como Bronislaw Malinowski, Radcliffe-Brown, Margaret Mead, Franz-Boas e Mary Douglas, e publicados entre os séculos XIX e XX. Cabe salientar que as obras destes autores constam da bibliografia utilizada para a composição das teorias revolucionárias de Darcy Ribeiro. Também foram utilizados dois corpora de referência para a extração de palavras-chave. Em português, foi utilizado o corpus Lácio-Ref 4, composto de textos em português brasileiro, escritos respeitando a norma culta. Para a extração de palavras-chave em inglês, empregou-se como corpus de referência o British National Corpus (BNC Sampler) 5, composto por textos originalmente escritos em inglês. 4. Análise e discussão dos resultados Para o levantamento de termos simples, expressões fixas e semifixas de Antropologia de Civilização foram selecionados os vocábulos mais representativos de base substantival e adjetival do subcorpus de estudo. A análise da obra OPC foi realizada por meio das listas de frequência de palavras extraídas com o auxílio da ferramenta WordList. Apresentam-se, a seguir, as Tabelas 1 e 2 com as dez palavras mais frequentes nos textos fonte (TFs) e nos TMs. 1. Sociedades 2. Povos 3. Social 4. Revolução 5. Processo 6. Desenvolvimento 7. Trabalho 8. Evolução 9. Poder 10. Cultural 4 O Lácio-Ref é um corpus aberto e de referência do português contemporâneo do Projeto Lácio-Web, composto por textos em português brasileiro. 5 O BNC Sampleré um subcorpus do British National Corpus, o qual contém amostras de língua falada e escrita, subdivididas para utilização em dois bancos de dados distintos. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 25 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Tabela 1: Lista das dez palavras mais frequentes no subcorpus principal da obra OPC em português 1. Social 2. Revolution 3. Societies 4. Process 5. Cultural 6. System 7. Civilizational 8. Development 9. Peoples 10. Labor Tabela 2: Lista das dez palavras mais frequentes no subcorpus principal da obra OPC em inglês Das palavras presentes na Tabela 1, foram encontradas oito equivalentes na Tabela 2: “sociedade/s” society/ies; “povo/s” people/s; “social/is” social/s; “revolução/ões” revolution/s; “processo/s” process/es; “desenvolvimento” development/s; e “trabalho/s” labor/s.As outras duas palavras que não constaram entre as dez primeiras (“evolução/ões” evolution/s;“poder/es” power/s) apareceram entre as cem palavras mais frequentes na lista de palavras do subcorpus dos TMs. Também foi possível notar que vocábulos de maior ocorrência, como por exemplo, “sociedade/s" (204) 6, “povo/s” (203) e “social/is” (182) fazem parte da linguagem geral das Ciências Sociais. A observação da frequência de tais itens lexicais na primeira obra da série Antropologia da Civilização permite reconhecer quais os principais assuntos abordados pelo autor, que trata dos processos de civilização dos países latino-americanos, considerando que a pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de traçar um panorama arqueológico geral da fundação dos Estados Neolatinos na América. Dessa forma, uma vez presentes na lista de palavras mais frequentes e mais representativas do subcorpus, os termos foram mantidos na análise da subárea antropológica. Com o auxílio da ferramenta Keywords foram geradas as listas de palavras-chave do subcorpus de TF, tomando para contraste o corpus de referência Lácio-Ref. Após este levantamento foram também observadas as palavras-chave a partir do TM, tendo como corpus de referência o BNC 6 Os números entre parênteses correspondem à frequência em que os termos ocorreram no corpus principal paralelo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 26 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Sampler. A seguir, apresentam-se as Tabelas 3 e 4 com as respectivas dez palavras-chave de maior índice: 1. Sociedades 2. Povos 3. Social 4. Revolução 5. Processo 6. Sistema 7. Desenvolvimento 8. Poder 9. Produção 10. Impérios Tabela 3: Lista das dez palavras-chave a partir do subcorpus principal da obra OPC em português 1. Socialism 2. Socialist 3. Sectors 4. Subsistence 5. Feudalism 6. Export 7. Industrialization 8. Tribal 9. Conquest 10. Collectivist Tabela 4: Lista das dez palavras-chave a partir do subcorpus principal da obra OPC em inglês Para dar suporte à seleção de tais dados, realizou-se uma consulta a um corpus de apoio formado por dicionários das subáreas das Ciências Sociais, a saber: Antropologia, Ciência Política, Economia e Sociologia, com o objetivo de confirmar sua inclusão ou exclusão nas análises. Da mesma forma, foram realizadas investigações semelhantes para o subcorpus da obra OPB. A seguir, apresentam-se as Tabelas 5 a 8 com as dez palavras mais frequentes e as dez palavras-chave dos TFs e dos TMs. 1. Índios 2. População 3. Trabalho 4. Social 5. Sociedade 6. Negros 7. Brasileiros 8. Mundo 9. Gente 10. Nacional Tabela 5: Lista das dez palavras mais frequentes no subcorpus principal da obra OPB em português 1. Indians 2. Peoples 3. Brazilian 4. Land 5. Population 6. Social 7. World 8. Order 9. Society 10. Work Tabela 6: Lista das dez palavras mais frequentes no subcorpus principal da obra OPB em inglês 1. Índios 2. População 3. Terra 4. Sociedade 5. Negros 6. Brasileiros 7. Gente 8. Povo 9. Economia 10. Escravos Tabela 7: Lista das dez palavras-chave a partir do subcorpus principal da obra OPB em português 1. Indians 2. People 4. Population 5. Land 7. World 8. Order 10. Slaves TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 27 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro 3. Brazilian 6. Social 9. Society Tabela 8: Lista das dez palavras-chave a partir do subcorpus principal da obra OPB em inglês Notou-se que as listas de palavras-chave destacaram a representatividade do subcorpus, uma vez que apresentavam as palavras de maior chavicidade a partir de um corpus de referência com mais de um milhão de palavras, o que indica uso frequente de palavras apontadas como fortes candidatas a termos na subárea de Antropologia da Civilização. Tal resultado mostra a validade de um levantamento de termos com a metodologia da Linguística de Corpus e da Terminologia, dado que auxiliou no refinamento das listas apresentadas neste trabalho, as quais poderão assessorar o tradutor ao lidar com textos específicos de Ciências Sociais. Os dados apontam uma diferença na tradução terminológica na subárea em análise, mostrando que os tradutores optaram por algumas escolhas léxicas distintas ao levarem a teoria de Darcy Ribeiro para o público alvo. No entanto, a maioria dos candidatos a termos observados apresentou traduções semelhantes em ambas as obras em língua inglesa, como, por exemplo, em: “desenvolvimento” development; “povo/s” people/s; “população/ões” population/s; “processo/s” process/es; e “sociedade/s” society/ies. Dessa maneira foi possível reconhecer pelo menos quatro possíveis subdivisões para a composição terminológica em Antropologia da Civilização: (1) termos relacionados aos atores de mudança social, como, por exemplo, escravos e indígenas; (2) grupos ou padrões de coletividade, no caso de populações; (3) processos e atividades sociais, como a abolição e o feudalismo; (4) locais de interação sociocultural e política, como latifúndios e fazendas. As palavras-chave selecionadas a partir dos subcorpora principais dos TFs foram comparadas às palavras-chave extraídas a partir dos TMs. A investigação dos termos mais frequentes permitiu constatar que, em grande TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 28 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro parte, as palavras-chave dos subcorpora principais em língua inglesa coincidiam com as palavras-chave de língua portuguesa em ambas as subáreas. Tal ocorrência facilitou a análise das possíveis traduções para os referidos termos. Com base nesses dados, apresentam-se, a seguir, as Tabelas 9 e 10 com os dez primeiros candidatos a termos simples mais frequentes nos TFs e as respectivas traduções, extraídos dos subcorpora paralelos: TF 1. 2. 3. 4. 5. Sociedades Povo Social Revolução Processo 6. 7. 8. 9. 10. Sistema Desenvolvimento Poder Produção Impérios 1. 2. 3. 4. 5. TM Societies People Social Revolution Process 6. System 7. Development 8. Power 9. Production 10. Empires Tabela 9: Dez candidatos a termos simples mais frequentes no TF da obra OPC e respectivas traduções no TM TF 1. 2. 3. 4. 5. Índios População Terra Sociedade Negros 6. 7. 8. 9. 10. Brasileiros Gente Povo Economia Escravos 1. Indians 2. Population 3. Land 4. Society 5. Blacks/Negroes TM 6. Brazilians 7. People 8. People 9. Economy 10. Slaves Tabela 10: Dez candidatos a termos simples mais frequentes no TF da obra OPB e respectivas traduções no TM Foi possível notar que o processo de análise dos termos mais frequentes das obras revela algumas recorrências de terminologia, o que demonstra que o autor desenvolveu um estudo em que as teorias foram sendo aprimoradas e reavaliadas a cada nova obra. Dessa forma, ao concluir a análise em Antropologia da Civilização com a publicação de O povo brasileiro, Ribeiro procurou sintetizar as descobertas acerca da constituição da civilização brasileira e demonstrar a evolução dos dados apresentados na obra precedente O processo civilizatório. A partir das palavras-chave levantadas foi realizada a observação das linhas de concordância, dos agrupamentos lexicais (clusters) e dos colocados (collocates) com a utilização da ferramenta Concord. A seguir, apresentamTradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 29 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro se, nas Tabelas 11 e 12, cinco dos candidatos a termos mais frequentes em ambas as subáreas e as expressões por eles formadas (“sociedade/s”, “economia/s”, “desenvolvimento/s”, “processo” e “sistema/s”): SOCIEDADE/S Sociedades Humanas - Sociedades Subalternas - Sociedades Industriais Sociedades Capitalistas - Sociedades Subdesenvolvidas - Sociedades Industrializadas - Sociedades Agrícolas - Sociedades Estratificadas Sociedades Socialistas - Sociedades Atrasadas Na História -Sociedades Nacionais - Sociedades Agrárias - Sociedades Hidráulicas - Sociedade Periférica - Sociedade Civilizadora ECONOMIA/S Economias Periféricas - Economia Autônoma - Economia Industrial Economias Camponesas - Economias Capitalistas - Economias Nacionais Economias Atrasadas - Economias Rurais/Artesanais - Economia LivreEmpresarial - Economia Agrícola - Economia Agrária - Economia Monetária Economia Escravista - Economia Mercantil - Economia Pastoril - Economia Mista - Economia Urbana - Economia Rural - Economia Colonial - Economia Monetária DESENVOLVIMENTO Desenvolvimento Econômico Desenvolvimento Industrial Desenvolvimento Capitalista- Desenvolvimento Tardio - Desenvolvimento Capitalista Pleno - Desenvolvimento Humano - Desenvolvimento Evolutivo Desenvolvimento Acumulativo Desenvolvimento Econômico Desenvolvimento Histórico - Desenvolvimento Cultural - Desenvolvimento Social - Desenvolvimento Sociocultural PROCESSO/S Processo Civilizatório - Processo de Modernização Reflexa Produtivo - Processo de Restauração Imperial - Processo de Histórica - Processo Colonial - Processo Histórico - Processo Processo de Aceleração Evolutiva - Processo de Sucessão Processo Produtivo SISTEMA/S - Processo Atualização Evolutivo Ecológica - Sistema Capitalista Industrial - Sistema Produtivo - Sistema Econômico Sistema Mercantil - Sistema Agrário - Sistema Capitalista - Sistema Colonial - Sistemas Bilineares De Parentesco - Sistemas Classificatórios de Parentesco - Sistema Social - Sistema Ideológico - Sistema Político -Sistema Agrícola Tabela 11: Candidatos a termos simples e expressões fixas e semifixas extraídos do subcorpus principal da obra OPC em língua portuguesa SOCIEDADE/S Sociedade Parasitária - Sociedade Nascente - Sociedade Brasileira Sociedades Tribais Autônomas - Sociedade Tribal - Sociedade Cabocla Sociedade Colonial - Sociedade Agrária - Sociedade Sertaneja - Sociedade Solidária - Sociedade Subalterna - Sociedade Democrática- Sociedade TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 30 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Multiétnica - Sociedade Igualitária - Sociedades Nacionais ECONOMIA/S Economia Pastoril - Economia Mercantil - Economia De Subsistência Economia Agrária - Economia Extrativista -Economia Comunitária Economia Agrícola - Economia Granjeira - Economia Familiar - Economia Artesanal - Economia Cafeeira - Economia Açucareira - Economia Solidária Economia Caipira - Economia Colonial - Economia Monocultora DESENVOLVIMENTO Desenvolvimento Regional - Desenvolvimento Industrial - Desenvolvimento Autônomo PROCESSO/S Processo Civilizatório - Processo Produtivo - Processo De Gestão Étnica Processos Políticos - Processo de Atualização Histórica - Processo Extrativista - Processo Deculturativo SISTEMA/S Sistema Pastoril - Sistema Senhorial - Sistema Produtivo - Sistema Mercantil -Sistema Fundiário - Sistema De Parceria - Sistema Latifundiário Primitivo Sistema Econômico - Sistema de Coivara - Sistema de Colonato - Sistema Agrário-Mercantil - Sistema Granjeiro - Sistema Socioeconômico Tabela 12: Candidatos a termos simples e expressões fixas e semifixas extraídos do subcorpus principal da obra OPB em língua portuguesa Verificou-se que algumas expressões fixas e semifixas estão presentes nos subcorpora de ambas as obras, revelando, novamente, o desenvolvimento da teoria proposta pelo autor e a inter-relação entre as hipóteses apresentadas na primeira e na última obra da subárea em estudo. A seguir, apresenta-se a Tabela 13 com as expressões coocorrentes em ambas as obras e as respectivas traduções: Expressões fixas e semifixas coocorrentes nas obras do corpus de estudo em língua portuguesa Sociedade Subalterna Sociedade Agrária Sociedade Estratificada Sociedade Nacional Economia Nacional Economia Agrícola Economia Agrária Economia Mercantil Economia Colonial Expressões fixas e semifixas em língua inglesa na tradução The Civilizational Process Expressões fixas e semifixas em língua inglesa na tradução The Brazilian People Subordinate Society Agricultural Society Society Stratified Subordinate Society Agrarian Society Stratified Society National Society National Economy Agricultural Economy Agricultural Economy Mercantile Economy Colonial Economy National Society National Economy Agricultural Economy Agrarian Economy Mercantile Economy Colonial Economy TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 31 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Desenvolvimento Industrial Processo Civilizatório Processo Produtivo Sistema Capitalista Sistema Produtivo Sistema Mercantil Sistema Econômico Sistema Colonial Industrial Development Industrial Development Civilizational Process Productive Process Capitalist System Productive System Mercantile System Economic System Colonial System Civilizing Process Productive Process Capitalistic System Productive System Mercantile System Economic System Colonial System Tabela 13: Lista de expressões fixas e semifixas coocorrentes em OPC e OPB que apresentam variações na forma lexical dos adjetivos no corpus dos TMs Os dados demonstram uma pequena variação no uso dos adjetivos agriculturale agrarian; civilizationale civilizing; e capitaliste capitalistic. Dessa forma, com o objetivo de confirmar o uso real de alguns deles, foi realizada uma busca a sites da internet, procurando encontrar a ocorrência de sua utilização, além dos limites de nossos corpora. Observou-se que as expressões que manifestaram alterações em ambas as obras apresentam na web as seguintes ocorrências: agricultural society (16.600.000), agrarian society (465.000), civilizational process (42.900.000), civilizing process (153.000), capitalist system (1.560.000) e capitalistic system (189.000). Notou-se que as traduções de Betty J. Meggers apresentam maior ocorrência em textos de língua inglesa na rede que as escolhas lexicais propostas por Gregory Rabassa. Entretanto, a maioria das expressões apresentou regularidade e padronização concernentes ao emprego nas Ciências Sociais e nas suas subáreas. Com base nesses resultados, foi verificado se as palavras-chave a partir dos corpora comparáveis de textos originalmente escritos em português (TOPs) e de textos originalmente escritos em inglês (TOIs) coincidiam com as palavras-chave dos TFs e dos TMs e quais eram os termos e as expressões que também estavam presentes nesses corpora. Dessa maneira, notou-se que a subárea não apresentou no corpus comparável em português todos os termos simples que haviam sido levantados TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 32 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro nos subcorpora de estudo em língua portuguesa. Além disso, foi verificado se as escolhas lexicais da tradutora Betty J. Meggers poderiam fornecer diferentes opções de tradução na língua inglesa para os termos e as expressões fixas e semifixas de Antropologia da Civilização em relação às estratégias utilizadas por Gregory Rabassa no processo tradutório da mesma subárea. Apresenta-se, a seguir, a Tabela 14 com os termos simples coocorrentes de maior chavicidade em ambas as obras e suas respectivas traduções por Meggers e Rabassa. Termos simples coocorrentes no par de obras em língua portuguesa Adorno/s Agregado/s Termos simples na tradução The Civilizational Process Termos SIMPLES na tradução The Brazilian People Ornament/s Retainer/s Chefe Cidadania Clientelismo Head Citizenship Patronage System Convívio Conviviality Culto Rite Divindade Escambo Negros Deity Trading Nigers Adornment/s Hired hands Sharecroppers Workers Household servants Chief Citizenry Brazen service Favoritism Group Living Companionship Communal Live Living Cult Worship Ritual Divinity Barter Blacks Tabela 14: Termos simples de maior chavicidade coocorrentes nas obras do corpus de TFs e variações nas traduções no corpus de TMs No âmbito das expressões fixas e semifixas também tem-se a oportunidade de verificar a variação lexical na tradução. Apresenta-se, a seguir, a Tabela 15 com alguns dos exemplos nas duas obras: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 33 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Expressões fixas e semifixas coocorrentes no par de obras em língua portuguesa Aldeia Indígena Diferenciada Atualização Histórica Expressões fixas e semifixas na tradução The Civilizational Process Expressões fixas e semifixas na tradução The Brazilian People Undifferentiated Horticultural Village Historical Incorporation Cidades Urbanizadas Concessão de Terras Condição Humana Condição Social Cities Concession of Land Condition of Mankind Social Condition Undifferentiated Agricultural Village Historic Updating Historical Modernization Towns Awarding of Land Grants Human Condition Social Status Condição Tribal Convívio Social Escravização Indígena Espoliação Colonial Tribal Condition Community Spirit Enslavement of Indigenous Population Colonial Exploration do the Tribal Affiliation Social Companionship Enslavement of Natives Colonial Exploitation Tabela 15: Expressões fixas e semifixas de maior chavicidade coocorrentes nas obras do corpus de TFs e variações nas traduções no corpus de TMs Embora os TMs apresentem possíveis traduções que foram confirmadas, em sua maioria, no corpus comparável de língua inglesa, muitos termos e expressões da subárea de Antropologia da Civilização ocorrentes no corpus de estudo não foram confirmados no corpus de TOIs, devido ao seu limite de extensão. Dessa forma, realizou-se uma busca a sites da internet, procurando mostrar que os termos e as expressões em inglês que compõem as opções de tradução de Meggers e Rabassa fazem parte do uso real dos falantes, atestando o trabalho desses profissionais e apresentando a utilização além das fronteiras do corpus comparável. No caso dos termos simples, apresenta-se a Tabela 16 contendo alguns dos principais termos do corpus de estudo, que não ocorrem nos corpora comparáveis, e suas respectivas traduções com o número de ocorrências de uso na web. Termos simples de Termos simples de Frequência de ocorrência TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 34 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Antropologia Civilização nos TFs Açucocracia Amansadores Antitropicalismo Arranchamento Balateiro Biscateiro da Corvéia Feitor Feudalização Muleiro Antropologia da Civilização nos TMs Sugar Regime Trainers Anti-tropicalism Shack Dwellers Balata-Gum Gatherer Odd-Job Worker Biscuit Seller Unpaid Work Foreman Overseer Feudalization Muletter dos termos simples em inglês, na web 66.000 32.200.000 79 11.500 1 91.500 1.490 3.100.000 17.200.000 13.400.000 57.000 1.560 Tabela 16: Termos simples ocorrentes nos TFs e respectivas traduções nos TMs com o número de frequência na web Com relação às expressões fixas e semifixas, uma análise semelhante foi realizada. A seguir, apresenta-se a Tabela 17 com exemplos de expressões fixas e semifixas e o grau de frequência de ocorrência na internet. Expressões fixas e semifixas de Antropologia da Civilização nos TFs Expressões fixas e semifixas de Antropologia da Civilização nos TMs Abrasileiramento Cultural Ação Aculturativa Cerimonial Antropofágico Cooperação Inter-Comunal Hierarquia GuerreiroSacerdotal Justiçador Divino Cultural Brazilianization AcculturativeAction Anthropophagous Ceremony LinesofCooperation Warrior-PriestlyHierarchy Lágrimas de Devoção Oligarquia Cafeeira População Desindianizada Sociedade Fundada no Parentesco TearsofDevotion CoffeeOligarchy De-indianizedPopulation SocietyBasedonKinship SeekerofDivine Justice Frequência de ocorrência das expressões fixas e semifixas em inglês, na web 8.140 1 4 44.300 1 Não há ocorrências 30.700 4.430 3 22.700 Tabela 17: Expressões fixas e semifixas ocorrentes nos TFs e respectivas traduções nos TMs com o número de frequência na web Entre os exemplos, notou-se que, em sua maioria, as traduções mostraram que os correspondentes foram escolhidos apropriadamente, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 35 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro adequando-se ao uso pelos especialistas em Antropologia Social e Cultural de países de língua inglesa. Também, foi observado que, quanto às questões relacionadas às opções de tradução adotadas por Meggers e Rabassa, é importante considerar, a princípio, a formação sociocultural envolvida no processo de constituição dos TMs em diferentes períodos históricos e sob a influência de diferentes sociedades e culturas. Sabemos que Betty J. Meggers foi uma renomada arqueóloga americana, membro do Instituto Smithsonian e da Associação Antropológica. A escolha de Ribeiro pela tradução de Meggers deveu-se ao destaque de seus trabalhos enquanto pesquisadora acerca da adaptação humana na floresta tropical e da expansão dos povos civilizados pelos territórios de mata nativa latinoamericanos. Depois de 27 anos de pesquisa e mais quatro livros produzidos na subárea de Antropologia da Civilização, o antropólogo brasileiro apresentou, no ano de 1995, suas considerações finais acerca da constituição da identidade nacional na obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Neste caso, a versão em língua inglesa ficou a cargo do renomado tradutor e pesquisador Gregory Rabassa, especialista em Estudos Culturais. O trabalho foi concluído no ano de 2000, sem ter sido revisado e comentado por Darcy Ribeiro, que faleceu em fevereiro de 1997. Ao contrário de Meggers, o tradutor optou por manter a estrutura linguística do texto de Ribeiro, revelando a explicitação dos elementos culturais brasileiros por meio da escolha de termos diferentes para expressar um mesmo conceito presente na sociedade nacional, por exemplo, a ideia de “agregado” que é traduzida por hired hands, sharecropper, workers e household servants. Observou-se que Rabassa constrói, ao longo do TM, uma imagem dos fatores geográficos, folclóricos e comunais dos grupos brasileiros, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 36 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro a qual vai formulando-se de modo gradual no imaginário do público leitor de língua inglesa. O estudioso concluiu que a Sociologia e a Antropologia de Darcy Ribeiro são importantes para reconhecer o Brasil como um país autônomo em sua produção científica no ramo das Ciências Sociais, auxiliando a mudar as concepções preconceituosas e dominadoras impostas pela visão eurocêntrica. A tradução enquanto ato social e o TM como produto das relações humanas apresentam os elementos linguísticos como importantes fatores de construção do imaginário ideológico brasileiro para os leitores de língua inglesa. Ao se descrever as opções adotadas por Meggers e Rabassa para a tradução de termos e expressões recorrentes nas obras que traduziram, considera-se muito mais que a terminologia antropológica; analisa-se valores sociais envolvidos na produção textual de Ribeiro e na interpretação dos tradutores que reescrevem as ideologias de acordo com seus comportamentos comuns. No que concerne ao uso de termos e expressões referentes ao contexto geral da estrutura e da formação das sociedades, os tradutores compartilham de condutas semelhantes que conduzem ao comportamento recorrente da tradução literal e das transposições, principalmente na descrição de atividades relacionadas a processos produtivos, relações comerciais e trocas monetárias. Pode-se citar, neste ínterim, os seguintes exemplos: “sistema econômico” economic system; “sistema colonial” colonial system; “economia mercantil” mercantile economy; “sociedade subordinada” subordinate society; “sociedade nacional” national society. Quanto aos brasileirismos terminológicos, nota-se que Rabassa faz de suas escolhas lexicais uma maneira de explicar, ao longo do processo tradutório, os elementos brasileiros, alternando as possibilidades de representação da LM e construindo passo a passo a compreensão do ideológico nacional, como, por exemplo, ao traduzir “escravaria” ora por slaves ora por TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 37 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro slave groups; “arraial” por settlement, camp, encampment, town, hamlet e gathering. Meggers, por sua vez, tende a realizar omissões de trechos do TF e a utilizar um mesmo vocábulo como forma de tradução para diferentes termos, por exemplo, people como correspondente para “pessoas”, “povo”, “gentes” e “gentio”. As relações entre os grupos sociais e as etnias também constituem caráter relevante nas obras de Ribeiro, considerando que o autor elabora uma teoria de assimilação das diferentes raças no Brasil como resultado para a formação de um povo novo. Com isso, os TMs refletem a postura adotada pelos tradutores ao conceituarem a posição social dos indivíduos por meio das escolhas lexicais que representam os grupos raciais. Essa caracterização fica bastante evidente nas opções de Meggers e Rabassa para o termo “negro”. Na tradução de O processo civilizatório, a arqueóloga utiliza o vocábulo inglês negro nos contextos em que o autor procura salientar os elementos constitutivos da racialidade, revelando, com isso, uma ideologia ainda relacionada ao conceito de sub-raça de nariz achatado, lábios grossos e cabelos enrolados, ou seja, as depreciações físicas e os preconceitos ficam marcados na opção lexical da tradutora. Contudo, a tradução de O povo brasileiro expõe a visão de Rabassa como conhecedor do universo cultural brasileiro e desvenda uma postura menos racista para o termo “negro”, o qual passa a ser traduzido por black. O tradutor considera no prefácio de sua obra O negro na ficção brasileira: meio século de história literária (1965), que o Brasil situa-se entre as nações do mundo em que o modelo de relações raciais está livre de preconceito. Considera que, embora o governo brasileiro tenha demorado a colocar fim ao regime escravocrata, a razão principal da extensão do processo de escravidão deveu-se ao fato de que em comparação com outros países, no Brasil, os negros eram tratados com certa benevolência. Ao empreender seu estudo sobre o Brasil, Rabassa observou o problema de encontrar um critério que determine quem é negro. Mostrando-nos que a TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 38 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro definição corrente nos Estados Unidos, que geralmente considera como negro qualquer um que tenha uma proporção de sangue africano, é bem diferente da adotada no Brasil, onde se faz a distinção entre o negro e o mulato. Rabassa afirma que no Brasil o termo negro só se aplica a pessoas que são aparentemente de ascendência africana predominante, enquanto que é mulata uma pessoa aproximadamente meio negra, meio branca. O autor ainda salienta que se um homem é de ascendência predominantemente europeia, um pouco de sangue negro não impede que seja incluído entre os brancos. A partir dos exemplos apresentados, verificou-se que o trabalho dos tradutores revela um avanço na tendência de permitir a introdução de suas identidades ao contexto da produção dos TFs, considerando ainda as diferenças de sentido implícitas na própria linguagem. Notou-seque o processo tradutório mostra-se mais próximo das áreas de especialidade conhecidas pela arqueóloga, havendo um apagamento de características culturais e mesmo terminológicas no texto de Meggers, ao passo que Rabassa parece refletir sobre as opções lexicais que se apresentam em língua inglesa, recorrendo a textos de outra natureza, como a produção literária nacional, para realizar uma pesquisa de adequação cultural. 5. Considerações finais Pôde-se verificar que o software WordSmith Tools, por meio de suas ferramentas, facilita consideravelmente a análise de grande quantidade de dados, obtidos de maneira muito mais rápida e exata do que manualmente. A consulta ao corpus de apoio é essencial para estudos desta natureza. Alguns termos e expressões levantados nos corpora principais apresentam possibilidades de diferentes correspondentes em língua inglesa, como por TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 39 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro exemplo, no caso do termo “vilarejo”, que apresentou três possibilidades de correspondência: village (utilizada por Meggers e Rabassa), hamlet e settlement (utilizados apenas por Rabassa). As diversas opções dos tradutores apontam variações de uso nas escolhas lexicais, evidenciando, possivelmente, tentativas de apresentar ao público alvo a versatilidade da sociedade brasileira e, assim, desenhar, de maneira mais ampla, o contexto em que eles representam as diferentes facetas da cultura e da língua brasileiras. Com relação a aproximações observadas entre os corpora de estudo de TFs e TMs, pôde-se notar que a maioria dos termos e expressões científicos levantados encontra correspondência de uso em língua inglesa e também está presente nos corpora comparáveis como, porexemplo, em “alienação” alienation, “comunidade” comunitye “violência” violence. Por outro lado, há vários termos e expressões relacionados à cultura brasileira que não encontram correspondência nos corpora comparáveis escritos por autores de língua portuguesa e de língua inglesa.Ocorre, com isso, um processo de intensa variação linguística na escolha dos tradutores, como, por exemplo,em: “seringueiro” tapper/rubber worker; “sertanista” sertão scout/man of sertão superior/expeditionaty; “sertão” sertão/backland; “vagabundagem” vagrancy/ vagaboundage; “vaquejada” roundup/cowmen. Devido ao fato de boa parte dos termos e das expressões analisadas não constarem em dicionários especializados, a busca por correspondentes pode trazer dificuldades ao tradutor que procure encontrar expressões adequadas para retratar a sociedade brasileira, da melhor maneira possível, para o leitor da língua e cultura meta. Não existe uma definição de sociedade que seja única e aceita de modo geral, pois cada grupo humano organiza-se de maneiras distintas e vê o mundo sob diferentes perspectivas. De maneira geral, os estudiosos das Ciências Sociais procuram estabelecer uma totalidade das relações sociais entre as TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 40 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro criaturas humanas, e a terminologia concernente ao panorama geral dos conhecimentos socioculturais torna-se, de certa forma, padrão. A alternância na escolha de termos fica mais evidente em elementos que são marcados socialmente por valores folclóricos e representações de atos, atores e lugares culturalmente apresentados. Dessa forma, diante dos resultados obtidos, espera-se que este estudo possa oferecer uma contribuição para os Estudos da Tradução Baseados em Corpus e para a Linguística de Corpus. Espera-se também que os dados aqui apresentados possam fornecer subsídios a professores, pesquisadores, tradutores, alunos de tradução, bem como profissionais da área de Ciências Sociais, no sentido de promover a conscientização acerca das diferenças socioculturais contidas no léxico de especialidade e, também, de oferecer material de suporte para futuras traduções e pesquisas na área antropológica e social. 6. Referências bibliográficas e Bibliografia consultada Textos selecionados para a compilação dos corpora Corpus principal (paralelo) de Antropologia da Civilização RIBEIRO, D. O processo Civilizatório. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1968. ______.The Civilizational Process.Translated by Betty M. Meggers.Washington: SmithsonianInstitution Press, 1968. ______. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ______. The Brazilian People: formation and meaning of Brazil, Translated by Gregory Rabassa. Gainesville: University Press of Florida, 2000. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 41 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro Referências bibliográficas BARROS, L. A. Curso básico de Terminologia.São Paulo: EDUSP, 2004. BAKER, M. In other words: a coursebook on translation. London and New York: Routledge, 1992. _____. Corpus linguistics and translation studies: implications and applications. In: BAKER, M.; FRANCIS, G.; TOGNINI-BONELLI, E. (Org.). Text and technology: in honour of John Sinclair. Amsterdam: John Benjamins. 1993, p. 233-250. _____. Corpora in translation studies: an overview and some suggestions for future research. Target, Amsterdam, v. 7, n. 2. 1995, p. 223-243. _____. Corpus-based translation studies: the challenges that lie ahead. In: SOMERS, HERALD. (Ed). Terminology, LSP and translation studies in language engineering: in honour of Juan C. Sager.Amsterdam: John Benjamins, 1996, p. 177-186. _____. Linguística e estudos culturais: paradigmas complementares ou antagônicos nos estudos da tradução? In: MARTINS, M. A. P. (Org). Tradução e multidisciplinaridade. Rio de Janeiro: Lucena,1999, p. 1534. _____. Towards a Methodology for investigation the style of literary translation. Target, Amsterdam, V. 12, n. 2. 2000,p.241-266. BERBER SARDINHA, T. Lingüística de Corpus. Barueri, SP: Manole, 2004. CAMARGO, D. C. DE. Padrões de estilo de tradutores: um estudo de semelhanças e diferenças em corpora de traduções literárias, especializadas e juramentadas.512 f. Tese (Livre-docência em Tradução) - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - Unesp, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2005. _____. Metodologia de pesquisa em tradução e linguística de corpus. São Paulo: Cultura Acadêmica/São José do Rio Preto: Laboratório Editorial(Coleção Brochuras,v.1), 2007. COELHO, O. Léxico, Ideologia e a Historiografia Linguística do Século das Identidades.RevistaLetras, n.61, p.153-166, Editora UFPR. Curitiba, 2003. EVEN-ZOHAR, I. The position of translated literature within the literary polisystem. In: HOLMES, J.; LAMBERT, J.; VAN DEN BROECK, R. (Ed.). Literature and translation. Leuven, 1978, p. 83-100, [Versão revisada TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 42 Serpa, T. & Camargo, D. C. – Antropologia da civilização: um estudo da tradução para o inglês de termos simples, expressões fixas e semifixas recorrentes em duas obras de Darcy Ribeiro em VENUTI, L. (Ed.).The translation studies reader. London/New York: Routledge, 2000, p.198-211] FAULSTICH, E. Duas questões em discussão: o que são brasileirismos nos dicionários de Língua Portuguesa? Existem brasileirismo terminológicos? In: Jornada sobre “Variación Geolectal i Terminologia”Red Panlatina de Terminologia Realiter/IULAterm/Institut Universitari de Linguística Aplicada. Barcelona, Espanha, 24 de novembro de 2004. Heim, M. H.; Tymowski, A. Guideliness for the Translation of Social Science Texts .Nova Iorque: American Council of Learned Societies, 2006. KRIEGER, M. G.; FINATTI, M. J. B. Introdução à Terminologia: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2004. PATHAK, L.P. Sociological Concepts and Terminology. New Delhi: Anmol Publications PVT.Ltda., 1998. RABASSA, G. O negro na ficção brasileira: meio século de história literária. Trad. de Ana Maria Martins. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965. ______. If this be Treason: Translation and its Dyscontents – a memoir. New York: New Direction Publishing Corporation, 2005. SINCLAIR, J. Corpus, concordance and collocation. Oxford: OxfordUniversity Press, 1991. TOGNINI-BONELLI, E. Corpus linguistics at work. Amsterdã/Atlanta: John Benjamins, 2001. TOURY, G.The nature and role of norms in literary translation. In: HOLMES, J.; LAMBERT, J.; VAN DEN BROECK, R. (Ed.). Literature and translation. Leuven, 1978, p117-127.[Versão revisada em VENUTI, L. (Ed.).The translation studies reader. London/New York: Routledge, 2000, p. 192-198]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 14-42 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Maria Emília Pereira Chanut* Abstract: We propose in our study a reflection on “functional equivalence” based on a comparative/ terminological bilingual (Portuguese from Brazil/ French from France) approach of specialized texts (certified) due to difficulties that are aggravated by particularities from Switzerland French. A presentation of the equivalence notion in translation theories is necessary to introduce the central issue of this article, namely, to show that “the functional equivalence” seems, in the case of the specialized translation, most appropriate. This happen because legal terms and/or legal gifts in official documents are, in its essence, culturally marked, presenting a direction or different use, even though improper in countries that speak the same language, such as France and Switzerland. Keywords: functional equivalence; specialized translation; cultural content; French from France; Switzerland French; Portuguese from Brazil. Resumo: Este estudo, partindo de uma abordagem comparativa/terminológica bilíngue (português do Brasil/francês da França) de textos especializados (juramentados), cujas dificuldades são agravadas por particularidades do francês da Suíça, propõe uma reflexão sobre a “equivalência funcional”. Uma apresentação das teorias referentes à noção de equivalência em tradução nos serve para introduzir a ideia central deste artigo, a saber, mostrar que a equivalência “funcional” é, no caso da tradução especializada, a mais apropriada, uma vez que os termos legais e/ou jurídicos presentes nos documentos oficiais são, em sua essência, culturalmente marcados, podendo apresentar sentido ou uso diferente e até mesmo equivocado em países que falam a mesma língua, tais como a França e a Suíça. Palavras-chave: equivalência funcional; tradução especializada; conteúdo cultural; francês da França; francês da Suíça; português do Brasil. * Professora assistente doutora, Disciplina Língua francesa, no IBILCE-Unesp – São José do Rio Preto. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 44 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada 1. Introdução Em um estudo desenvolvido no âmbito de pesquisas sobre o francês da Suíça relacionado aos particularismos lexicais empregados na linguagem administrativa oficial, foi enfatizada a questão da “equivalência funcional” na tradução juramentada de documentos civis e escolares. O estudo abordou as diferenças socioculturais entre a França e a Suíça a partir dos termos relevantes nos domínios citados, retirados de um corpus de traduções juramentadas. Uma lista não exaustiva de termos foi apresentada como ilustração da problemática, com ênfase nos particularismos suíços, os chamados statalismes, encontrados a partir do “francês padrão” da França. Parte dos resultados desse estudo foi recentemente divulgada no Colóquio Traduction, terminologie, rédaction technique: des ponts entre le français et le portugais, realizado na Maison de l´Europe, Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, nos dias 13-14 de janeiro de 2011 1. A partir dos particularismos encontrados, o estudo desenvolveu paralelamente uma reflexão sobre a noção de “equivalência funcional”. A pesquisa nos confirmou o que a prática da tradução juramentada nos sugeria, ou seja, que nesse tipo de tradução, o tradutor, além de possuir profundo conhecimento nas duas línguas em questão e alguma familiaridade com a linguagem cartorária e jurídica, deve buscar concretamente em ambas as línguas os termos suficientemente semelhantes e explícitos em sua “equivalência funcional”, a fim de garantir a compreensão e a comunicação e, principalmente, a confiabilidade. Em outras palavras, o tradutor deve buscar o termo que é admissível e assimilável a título funcional, uma vez que se trata de cumprir um ato de comunicação pertinente e eficaz na cultura de recepção. 1 Todas as citações neste artigo cujas referências estão em língua francesa foram traduzidas pelo autor do artigo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 45 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Pretende-se, no caso específico deste artigo, divulgar, primeiramente, algumas considerações teóricas em torno da noção de “equivalência”, uma vez que a mesma vem sendo historicamente utilizada por vários autores de formas diferentes e em disciplinas distintas. Em seguida, será abordada a questão da equivalência no texto de especialidade. 2. A equivalência e as teorias da tradução O “grau de equivalência” do texto de chegada com relação ao texto de partida foi, durante muito tempo, o objeto de controvérsias, principalmente no curso dos anos 1970, embora mesmo antes disso alguns estudiosos já tivessem tentado sistematizar tipologias, como por exemplo, Vinay e DARBELNET (1958), que se debruçaram sobre sete métodos de tradução, considerados hoje como uma taxonomia clássica das variações em tradução. Até então, a tradução era percebida ou como uma atividade literária, ou como um fenômeno não literário. Só havia, na prática, dois modos de pesquisa: o primeiro se voltava para os problemas literários e rejeitava todo postulado teórico, toda norma e todo jargão da linguística, ao passo que o segundo se interessava por questões linguísticas e pretendia seguir um procedimento científico. Durante os anos 1970, como indica EDWIN GENTZLER em sua obra Contemporary Translation Theories (1993), o procedimento adotado nas pesquisas de tradução sofreu uma transformação: em lugar de tentar resolver os problemas filosóficos se apoiando na natureza do sentido, a tradutologia passou a se preocupar mais com o modo como o sentido se desloca, tornando-se assim uma disciplina caracterizada por uma abertura ao trabalho interdisciplinar. Também, os especialistas da literatura começaram a trabalhar em projetos conjuntos com lógicos, linguistas e filósofos. Por outro lado, termos como correto, incorreto, literal, livre etc. passaram a diminuir TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 46 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada em importância. Notou-se, portanto, uma mudança de tom nas teses e nas propostas apresentadas pelos diferentes teóricos. Ainda de acordo com Gentzler, essa mudança de orientação dos estudos e das pesquisas no domínio da tradução é atribuída, entre outros, principalmente a James Holmes 2, a quem devemos o termo Translations Studies – tradutologia em português – e a André Lefevere 3. Os trabalhos de Holmes e Lefevere estão na base da teoria da equivalência tal como a conhecemos e a aplicamos hoje. Igualmente importantes são os trabalhos de JOHN CATFORD (2000) e de GIDEON TOURY (1995). Embora este estudo não tenha o objetivo de abordar extensamente as mais variadas teorias da tradução que, desde os anos 1950 (Vinay, Darbelnet, Catford e outros), buscam determinar as diferentes tipologias textuais, julgase fundamental para este trabalho traçar uma breve retrospectiva em torno da noção geral de “equivalência”. Lembremos que a equivalência é um conceito pertencente ao domínio da tradutologia. A linguística contrastiva utiliza o conceito de correspondência, sendo que este designa um fenômeno diferente da equivalência. Segundo VLADIMIR IVIR (1981), “a correspondência formal é um termo usado em análise contrastiva enquanto equivalência tradutória pertence à metalinguagem da tradução” (apud RODRIGUES, 2000, p. 19). Este autor explica que as duas áreas de estudo, a linguística contrastiva e a tradução, passam, especialmente nos anos 1960 e 1970, a discutir sobre a equivalência, mas que, na prática, estudiosos das duas áreas julgam necessários ambos os termos. 2 Poeta e tradutor americano que ensinou tradução na Université de Amsterdã e que escreveu muitas obras de tradutologia, como The Name and Nature of Translation Studies, in The Translation Studies Reader, editada por Lawrence Venuti, London, Routledge, 2000, pp. 172185. 3 Foi professor do Departamento de línguas germânicas da University of Texas, em Austin, e professor honorário de Tradutologia na University of Warwik. Ele é o autor de muitos livros como Translation of Poetry: Seven Strategies and a Blue Print, Assen, Van Gorcum, 1975 e Translation, Rewriting & the Manipulation of Literary Frame, London, Routledge, 1992, 176 p, coll. « Translation Studies ». TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 47 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Embora não seja a proposta deste artigo, vale lembrar que a linguística contrastiva, cujo principal objetivo é analisar (comparar) duas línguas a fim de identificar suas diferenças gerais e específicas, tem como campo de aplicação a aprendizagem de uma segunda língua. Isso significa que ela se refere à língua enquanto sistema. A correspondência é um conceito utilizado na análise contrastiva para descrever as frases e as estruturas que correspondem na língua de partida e na língua de chegada. Quanto à equivalência, ela se refere, sobretudo, ao “grau” de equivalência em que uma palavra, uma frase, ou mesmo um texto da cultura de partida pode ser considerado na língua e na cultura receptora. A equivalência tem traços do discurso ou da palavra e depende da tradução. Os teóricos que definem a tradução por meio do conceito de equivalência são numerosos. Mais especificamente no âmbito da linguística temos JOHN CUNNISON CATFORD (2000), que tenta defini-la como a substituição de materiais textuais de uma língua por materiais equivalentes em outra língua. Eugene Nida, por sua vez, propõe que “a tradução consiste em produzir na língua de chegada o equivalente natural mais próximo da mensagem da língua de partida, primeiramente quanto à significação, depois quanto ao estilo” (apud MOUNIN 1986: 278). Segundo RODRIGUES (2000: 142-144), Gideon Toury propõe um reexame do conceito de equivalência, fazendo uma distinção entre os dois usos da palavra “equivalência”, o “teórico” e o “descritivo”. Para Toury, cuja abordagem descritiva adere aos princípios das teorias funcionalistas, a tradução é percebida como um processo 4 sociocultural . TOURY (1995) propõe um procedimento para se determinar se a tradução, na relação com seu original, se orienta para a língua de partida – dita “formal” – ou para a língua de chegada – dita “funcional”. 4 Conferir anotações a respeito da obra e do método da análise de Toury em: Edwin Gentzler, Contemporary Translation Theory, Routledge, 1993, pp. 121-134. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 48 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada ANTHONY PYM (1992), teórico da tradução, ressalta que a equivalência é uma criação necessária para estabelecer uma comunicação intercultural. A dimensão cultural da comunicação constitui o eixo central da abordagem deste autor. A origem da noção de equivalência é difícil de determinar, tanto que, como sabemos, Jakobson já utilizava esse termo em 1959 5. Certos teóricos afirmam que o termo entrou no domínio da tradutologia depois de ter aparecido nos estudos de matemáticos. Esta hipótese poderia ser justificada pelo fato de que, nesse domínio, o termo equivalência designa uma relação simétrica entre os dados que poderiam ser substituídos um pelo outro sem provocar diferenças significativas. É inegável que o termo equivalência subentenda uma relação de valor igual, o que justifica seu emprego nos estudos matemáticos. Convém, todavia, analisar as diferenças do uso desse termo na linguística e na tradutologia. A noção de equivalência é, de qualquer forma, partilhada pelos linguistas e teóricos da tradução. Os linguistas a associam à língua enquanto sistema e estudam suas diferentes estruturas e funções. Quanto aos teóricos da tradução, eles põem a equivalência no plano do discurso e a percebem como fruto da interação entre o tradutor e seu texto. Desse modo, a operação tradutória é considerada como um processo dinâmico de produção e não como um simples processo de substituição de estruturas ou de unidades preexistentes em uma língua por aquelas de outra língua. A equivalência ideal seria, portanto, aquela que, em uma situação de assimetria, permitiria ao texto de chegada funcionar ou ter uma utilidade, uma finalidade prática na cultura receptora da tradução. Os primeiros debates sobre o tema da equivalência no domínio da tradutologia procuravam compreender o que devia ser equivalente: as 5 Jakobson (2000) supõe que não há equivalência completa entre as diferentes línguas e que mesmo os sinônimos de um mesmo código não são sinônimos perfeitos ou completos. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 49 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada palavras, as frases, as partes do texto, ou o texto inteiro. Até os anos 1970, o texto era percebido como uma sequência linear de unidade e a tradução como uma operação de decodificação, ao decorrer da qual o tradutor mudava as unidades do texto de partida pelas unidades equivalentes na língua de chegada. Hoje, a noção de “unidade equivalente” pode, segundo os diferentes teóricos, referir-se a uma palavra ou a um texto no seu conjunto. As teorias postas em evidência durante os anos 1970 abriram caminho para novas maneiras de abordar os problemas de tradução. As teorias funcionalistas revolucionaram a tradutologia, analisando a tradução como um processo de comunicação pragmática na qual os textos de partida ou de chegada podem ter “funções” ou finalidades diferentes. Holmes (2000) considera a tradução, enquanto processo, como uma sequência de decisões que o tradutor toma para chegar ao seu destino e crê que essas decisões abrem algumas portas e fecham outras. Assim, o tradutor, mediador da comunicação interlinguística e intercultural, deve procurar uma equivalência que torne o texto de chegada “funcional” na cultura receptora. O tradutor não ignora, em sua prática, que a língua lhe impõe armadilhas quando lida com equivalências formais ou literais, ou seja, quando lida com termos que aparentemente podem ser traduzidos literalmente, pois são lexicalizados na língua de chegada. É importante notar que o sentido do termo equivalência toma aqui uma nova dimensão. Quando utilizado em tradução, esse termo se remete a uma situação ou a um elemento equivalente no plano do discurso e não no plano do sistema da língua. A tradução literária é a fonte à qual têm recorrido outros domínios da tradução, e isso compreende a tradução jurídica. A tradução especializada herdou os debates sobre a equivalência, os quais tomaram novas dimensões segundo os diferentes domínios de especialidade. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 50 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada A noção de equivalência – quando tratamos do texto de especialidade e, mais especificamente, de textos jurídicos ou aqueles submetidos à tradução juramentada – adquire uma significação bem particular, na medida em que os aspectos culturais e as diversidades sociopolíticas dos sistemas jurídicos determinam o uso dos termos em documentos oficiais, como veremos mais adiante. 3. A importância do interesse pelas variedades geográficas A ferramenta básica e fundamental no trabalho de busca das equivalências em tradução especializada é o dicionário bilíngue. Além do desconhecimento das diferenças culturais entre duas línguas diferentes, como o português e o francês, acrescentado a seus sistemas jurídicos e administrativos diferentes, um desconhecimento das variedades geográficas (no caso desta pesquisa, o francês da Suíça, e suas diferenças socioculturais em relação ao francês da França) pode agravar a situação. Os particularismos próprios ao francês empregado fora da França foram, em geral, negligenciados pelos autores de dicionários ao longo dos anos, como comprova a história da lexicografia francesa. O francês da Suíça, assim como o da Bélgica e do Quebec eram, até o final dos anos 1970, considerados e descritos como uma variedade regional do “francês padrão”, ou francês de referência. A partir dos anos 1980, sobretudo, a situação mudou e uma valorização crescente começou a ser percebida principalmente pela presença das diferentes variedades do francês, presentes nas obras lexicográficas e na produção terminológica e, além disso, pelo reconhecimento da importância da variação lexical geográfica dos organismos TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 51 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada internacionais de normalização. Surge no meio francófono uma nova disposição no sentido de preservar as identidades culturais nacionais e ao mesmo tempo encorajar a comunicação internacional. O francês da Bélgica, assim como o do Québec e da Suíça passam então a ser definidos como variedades nacionais e as designações de suas particularidades lexicais são chamadas, respectivamente, de belgicismos, quebecismos, e helvetismos (HAUSMANN 1986: 4-5, apud GALARNEAU; VÉZINA 2004: 6) 6. Atualmente, cresce, portanto, a tendência da abordagem dita “variacionista” 7 em obras de vocabulários especializados, de léxicos e de bancos de dados terminológicos, com o objetivo de atender as necessidades de intercomunicação entre os francófonos, principalmente quando se trata de um uso oficializado de termos culturalmente marcados, como é o caso do léxico jurídico e/ou administrativo. Os termos oficiais do francês da França e do francês da Suíça muitas vezes são diferentes ou têm um uso diferente e um tradutor juramentado deve conhecer essas realidades, que normalmente não estão informadas nas obras lexicográficas disponíveis. Quanto à noção de français de référence, vale informar que está atualmente bem estabelecida; esta foi assunto de um importante colóquio em Louvain-la-Neuve (Bélgica), em novembro de 1999, cujos Anais (Actes) constam nos Cahiers de l’Institut de linguistique de Louvain, vol. 26 et 27, 2000 e 2001 (edição de MICHEL FRANCARD com a colaboração de GENEVIÈVE GERON e RÉGINE WILMET) 8. 6 Disponível em: <http://www.oqlf.gouv.qc.ca/ressources/bibliotheque/officialisation/reflexion_topolectale_ 20080425.pdf>. Acesso em: 20/07/2010. 7 FAULSTICH, ENILDE. Aspectos de terminologia geral e terminologia variacionista. In TradTerm, 7, p. 11-40, 2001. 8 Disponível em: <http://www.bdlp.org/bdlp.pdf>, nota n. 23. Acesso em: 21/07/2010. Trata-se de um documento de apresentação da BDLP (Base de Données Lexicographiques Panfrancophone), organizado pelo Trésor des vocabulaires français – Réseau «Étude du français en francophonie» – AUF. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 52 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Há um grande número de denominações empregadas para designar a variedade central à qual nos referimos para determinar os traços característicos de uma variedade geográfica do francês e, sem dúvida, a mais conhecida é o français standard (francês padrão). Porém, essa denominação tem a desvantagem de evocar uma dimensão normativa em contextos onde esse aspecto não deveria ser levado em conta. Assim, passou-se a dar preferência à denominação de “francês de referência”, por ser mais neutra e não ser ambígua. São considerados como pertencentes a esse francês todos os empregos repertoriados nos dicionários e outras fontes (por exemplo, as gramáticas) que descrevem essa variedade “de prestígio” levada em conta pelos lexicógrafos da França. “Francês de referência” tem a vantagem de expressar claramente a ideia de que a variedade assim designada é tomada em posição de comparação. O francês dos dicionários da França é a única variedade conhecida por toda a francofonia; é a ele que se referem todos os professores de francês do mundo inteiro. É então por comparação com esse francês que será determinado se um emprego lexical é uma particularidade, ou variedade geográfica. Este método diferencial possibilita-nos evidenciar o que é comum ou o que é particular à variedade do francês estudada. Esta pesquisa, ao incluir os particularismos da variedade suíça no repertório com vistas a um futuro glossário, considerou que, no caso da tradução especializada, o fator cultural que diferencia os usos em função da variação geográfica compõe um conjunto lexical específico e considerado como uma língua à parte. Porém, ao buscar as equivalências terminológicas em outra língua, é preciso ter consciência de que “uma mesma realidade extralinguística pode ser analisada de pontos de vista muito divergentes em línguas diferentes, a partir dos laços profundos e complexos que existem entre estrutura da língua e visão de mundo” (ALPÍZAR-CASTILLO 1997: 102). Por essa razão, para um termo na língua A não haverá necessariamente um termo equivalente na língua B. Ainda segundo ALPÍZAR-CASTILLO (1997: 101), “a correspondência entre termos TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 53 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada de línguas diferentes situa-se em um diapasão de possibilidades que vai do total recobrimento do conteúdo do termo da língua A por um da língua B, até a total falta de equivalência, passando por uma variada gama de recobrimentos parciais”. 4. A equivalência no texto de especialidade No direito, a definição de um conceito pode a qualquer instante ser modificada no interior do mesmo sistema por meio da legislação ou da jurisprudência. Essa instabilidade intensifica uma dificuldade intrínseca a essa disciplina, originalmente escorada em noções fundamentais relativamente imprecisas. Em outras palavras, a nomenclatura do direito se distingue por sua característica incerta que provém, segundo GÉMAR (1995), do caráter impreciso de seus conceitos. Tomemos como exemplo o termo direito. GÉMAR (1979) verificou a definição dada por diferentes dicionários. Ele constatou que as definições variam de um dicionário para outro. No entanto, trata-se de um termo chave no domínio jurídico. Além disso, em uma perspectiva comparatista, a situação se complica ainda mais. Na tradução jurídica, lida-se com mundos reais diferentes, ou seja, não se trata simplesmente de uma visão de mundo diferente em função da língua de quem o percebe, pois não é a percepção do mesmo referente que muda, é o próprio referente que é diferente. Estamos falando da confrontação de duas culturas jurídicas, cada uma com suas particularidades e seus termos específicos. Às vezes, existe um referente idêntico na outra cultura, em outros momentos, um referente comparável, mas com diferenças significativas e, muitas vezes, não existe nenhum referente comparável. Ou seja, não há “equivalente” linguístico, quando comparadas culturas jurídicas diferentes, nem nas que empregam a mesma língua. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 54 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada O teor textual da tradução juramentada possui, como todo texto especializado, uma finalidade comunicativa específica, uma forma discursiva determinada e uma terminologia exclusiva. Isso significa que, embora a mensagem seja transmitida por meio da língua escrita, no caso do texto especializado, a língua é um instrumento de comunicação, uma ferramenta na transmissão da mensagem. Como esclarece ANTOINE BERMAN (1991) “no caso do texto especializado, o que é transmitido é um conjunto delimitado de informações delimitadas relativas a um domínio ele próprio delimitado pertencente a este conjunto que denominamos as ‘tecnologias’” (p. 11). Nesse texto, intitulado Traduction spécialisée et traduction littéraire 9, Antoine Berman tem uma proposta estratégica: busca diferenciar os dois gêneros de tradução mostrando a necessidade de se conservar a essência do ensino da tradução literária ainda que encorajando o papel promotor da comunicação no ensino da tradução especializada. Em outras palavras, segundo ele, é por essa diferenciação, pela oposição mesmo dos dois gêneros de tradução que se torna possível “cumprir o destino tradicionalizante” na tradução de obras e o “destino comunicacional” na tradução especializada. Essa preocupação, voltada especialmente ao ensino da tradução nas universidades, serviu-nos aqui em outra direção. Tentamos redefinir, em consonância com esta diferenciação fundamental exposta por Berman, o que se costumou chamar de “equivalente” em tradução, e mais especificamente, de textos técnicos e especializados. Berman completa: A transferência lingüística (sic) desse conjunto obedece a um conjunto de regras estratégicas determinadas: as informações devem ser transmitidas de modo claro, confiável e eficaz; sendo o texto de origem destinado a um público X determinado, sua transferência lingüística (sic) deve adaptá-lo a um novo público X, ele próprio determinado; tendo o texto de origem uma estrutura discursiva 9 Texto presente nas Atas do Colóquio Internacional organizado pela Associação Europeia de Linguístas e de Professores de Línguas (AELPL), realizado em 21 e 22 de março de 1991, na Escola Nacional Superior de Artes, em Paris. Editado por La Tilv, Paris, 1991, p. 157. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 55 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada determinada, até certo ponto, pela “gramática cultural” (Gouadec) de seu local de produção, sua tradução tem a obrigação de remanejar, até certo ponto, esta estrutura discursiva, de modo a adaptá-lo à “gramática cultural” de seu local de destino, a fim de ele seja stricto sensu receptível. (p. 11) “Essas regras são absolutas”, ele acrescenta, afirmando que tais regras determinam, por sua vez, metodologias precisas que garantem que a transferência de informação poderá se desenvolver de modo satisfatório. As dificuldades da tradução jurídica são, todavia, maiores, porque comportam, além da passagem de uma língua para outra e de toda cultura onde está inserida, um componente a mais: trata-se da transposição da mensagem de um sistema de direito para um outro. Ou seja, além do contexto ligado ao documento original, um termo pode igualmente ser indissociável do contexto legal no qual ela intervém. As dificuldades da equivalência lexical se manifestam não somente na tradução legislativa ou jurídica, mas também na tradução de documentos comuns de direito comercial, por exemplo, especialmente se estes envolvem empresas constituídas de acordo com o sistema de direito de países diferentes. Ainda de modo mais geral, as dificuldades de tradução dos termos com forte conteúdo cultural não se limitam somente ao campo da tradução jurídica propriamente dita, pois nem mesmo os documentos administrativos relativamente simples estão livres de tais termos. Dependendo do tipo de tradução solicitada, juramentada ou livre, o tradutor disporá de abordagens tradutivas mais ou menos livres. Lembremos que as normas que regem a profissão recomendam uma tradução juramentada “transparente e absolutamente literal”, a ponto de ter de reproduzir até os eventuais erros do original 10. 10 Essas questões de fidelidade e literalidade são complexas e vale mencionar nesse sentido o precioso trabalho desenvolvido pelo Tradutor Juramentado e Professor de Linguística da FFLCH-USP, Francis Aubert, do qual destacamos o artigo “Tipologia da tradução: o caso da tradução juramentada” (1996), e os diversos artigos publicados na Ipsis Literis, uma revista TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 56 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Os tradutores, quando estão a serviço da justiça, têm geralmente o dever de traduzir “literalmente”. Para os juízes em geral, e inclusive nas leis que prescrevem as normas da profissão, a tradução literal significa “tradução fiel”. Mas, o que significa “traduzir literalmente”? A maioria dos dicionários define a tradução literal como aquela feita “palavra por palavra”, ou seja, em conformidade exata com o texto original. O dicionário eletrônico Houaiss, por exemplo, define literal como: “que reproduz exatamente, palavra por palavra, determinado texto ou trecho de um texto”. Felizmente, o antigo debate entre os defensores da tradução literal e os da tradução livre que dividiu os linguistas e os tradutólogos parece ter ficado no passado e hoje as noções de fidelidade e de literalidade na tradução foram substituídas por outras noções menos radicais, como os “graus ou níveis da equivalência” entre o original e sua tradução. Muitos tipos de equivalências se cruzam, ou seja, elas recebem denominações diferentes segundo os teóricos, mas elas designam geralmente o mesmo conceito ou conceitos que apresentam uma ínfima diferença. Alguns teóricos, SNELL-HORNBY (1995), por exemplo, assumem ter identificado mais de 57 equivalências, entre outras, linguísticas, paradigmáticas, estilísticas, semânticas, formais, referenciais, pragmáticas, dinâmicas e, seguramente, a equivalência funcional. Esses são os tipos de equivalências mais frequentemente analisados, porém, é necessário perceber que esses equivalentes situam-se em planos diferentes. A equivalência linguística, por exemplo, situa-se no plano da semântica, a equivalência paradigmática situase no plano gramatical e a equivalência pragmática situa-se no plano extralinguístico. VINAY e DARBELNET (1958) foram os pioneiros na elaboração de uma tipologia de procedimentos comparando sistematicamente textos originais com suas traduções. Vinay e Darbelnet defendem que os diferentes métodos da ATPIESP (Associação Profissional dos Tradutores Públicos e Intérpretes Comerciais do Estado de São Paulo). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 57 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada ou procedimentos poderiam ser resumidos em apenas sete, cuja utilização pode dar-se de maneira isolada ou combinada: o empréstimo, o decalque, a tradução literal, a transposição, a modulação, a equivalência e a adaptação. Segundo esses autores, quando uma mesma situação é expressa em dois textos com métodos estilísticos e estruturais totalmente distintos, tem-se um caso de equivalência. Derivadas também da proposta de Vinay e Darbelnet são as modalidades de tradução de FRANCIS AUBERT (1998). Elas integram um modelo de pesquisa tradutológica com base em corpus e que visa, principalmente, a análise quantitativa de traduções. Uma revisão dessas modalidades foi proposta por Aubert em 2006, onde ele define que “as modalidades de equivalência são aquelas em que a atuação, interferência e coautoria do tradutor tornam-se mais visíveis” (2006: 65). Em outras palavras, a estratégia da “equivalência” está presente quando o tradutor deixa à mostra a sua preocupação com a receptividade do texto na cultura de chegada. O tradutor experiente sabe que uma equivalência “perfeita” entre termos de línguas diferentes não ocorre frequentemente. Para DUBUC (1985: 69) há equivalência “quando o termo na língua de chegada exibe uma identidade completa de sentidos e de usos com o termo da língua de partida, no interior de um mesmo domínio de aplicação”. Segundo este autor, essa equivalência perfeita só seria possível se fossem observados três critérios entre os termos: identidade de sentido, de nível sociolinguístico e de uso. Na maioria dos casos, principalmente em tradução jurídica, encontramos o que Dubuc denomina de equivalência parcial ou correspondência, ou seja, quando “o termo da língua A só recobre parcialmente o campo de significação do termo da língua B e vice-versa” (1985: 69). É o caso dos termos Maire x prefeito, que abordaremos no item 5. Atualmente, há numerosos estudos linguísticos sobre a tradução jurídica, especialmente no Canadá, desenvolvidos por juristas linguistas como Jean-Claude Gémar, que elaborou em 1979 uma tipologia sobre os problemas da tradução jurídica. Essa primeira obra, bem como a maioria dos artigos que TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 58 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada escreveu ao longo de sua carreira, foram retomados e publicados em 1995 em uma obra de dois tomos, intitulada Traduire ou l’art d’interpreter. LouisPhilippe Pigéon, autor de La traduction juridique. L’équivalence fonctionnelle (1982), é advogado, juiz e professor na Universidade de Laval (Québec) e considerado um importante teórico canadense, cuja obra foi fundamental neste estudo, pois trata da “equivalência funcional” em tradução jurídica. Particularmente, o francês Malcolm Harvey, da Universidade Lumière, de Lyon, especialista em tradução jurídica, é autor de um texto intitulado Traduire l’intraduisible, Stratégies d’équivalence dans la traduction juridique (2002), no qual descreve quatro técnicas em tradução jurídica: a equivalência funcional, a equivalência formal, a transcrição, a tradução explicativa. Harvey afirma que há três tipos de termos cujas diferenças interculturais constituem um perigo para o tradutor jurídico: os conceitos (ex: habeas corpus); as instituições (ex: Tribunal Superior Eleitoral); os atores jurídicos (ex: tabelião, juiz etc.). Nesta pesquisa, nos interessamos particularmente pelos dois últimos, acrescentando-se a esses especialmente os termos usados em documentos civis ou escolares. O que Dubuc chama de “correspondência”, referindo-se aos equivalentes parciais, é tratado por Lerat (1995: 95) como equivalentes funcionais. Mas, o que se entende por “equivalência funcional’? 5. A noção de “equivalência funcional” A equivalência funcional, tal como a compreendemos atualmente, refere-se ao procedimento pelo qual o tradutor procura, na língua de TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 59 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada chegada, os elementos linguísticos, contextuais e culturais permitindo-lhe restituir um texto que pode ser funcional na cultura receptora. O qualificativo funcional deve ser entendido aqui no sentido pragmático. Quer dizer que o objetivo do tradutor é devolver um texto que permite cumprir os mesmos atos, jurídicos ou administrativos, que o texto de partida. Traduzir, nesse sentido, é um processo que vai além da simples substituição dos elementos lexicais e gramaticais de uma língua por aqueles de outra língua. O êxito da equivalência pode, de fato, compreender “a perda” de elementos linguísticos de base presentes no texto de partida, os quais são substituídos por elementos linguísticos da língua de chegada que tenham uma função equivalente. Isso quer dizer que, nessa busca de uma equivalência funcional, o tradutor se distancia da equivalência linguística, ou seja, aquela que ele obtém traduzindo palavra por palavra. Traduzir segundo o procedimento da equivalência funcional significa aceitar que a tradução não é uma ciência que comporta termos precisos e unívocos, mas antes, termos aproximativos e desiguais na maior parte do tempo. Os provérbios e as expressões idiomáticas fornecem bons exemplos de equivalência funcional. A equivalência não deve ser procurada nos elementos linguísticos do provérbio e da expressão idiomática, nem na frase em si, nem nas imagens contidas nesta última, mas antes na “função” do provérbio ou da expressão idiomática. O provérbio ou a expressão idiomática de partida é substituído por uma expressão na língua de chegada que tenha as mesmas funções na cultura receptora. Segundo Harvey, há quatro técnicas de tradução utilizadas pelos tradutores na expressão de noções próprias a uma cultura jurídica. Embora a equivalência funcional seja, nesse caso, a estratégia considerada mais adequada, poderemos observar que, na prática, as outras três técnicas de tradução têm sido amplamente utilizadas pelos tradutores jurídicos ou juramentados. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 60 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada A equivalência funcional, segundo Harvey (2002), é um procedimento que consiste em encontrar, na língua de chegada, um referente que preencha uma função semelhante. Trata-se de uma adaptação intercultural. Citaríamos como exemplo do francês para o português: Tribunal du commerce como equivalente funcional de “Junta comercial”. Harvey afirma que este é o “método ideal de tradução”, mas a seguir faz a ressalva de que essa técnica de tradução é satisfatória para “o grande público”, mas que deve ser manipulada com precaução em textos jurídicos mais complexos. É por essa razão que os juristas linguistas atualmente valorizam não a identidade da formulação escolhida, mas a identidade dos efeitos jurídicos nas duas versões de um mesmo texto. Ou seja, o importante é a função comunicativa do texto traduzido, como anteriormente descrito por Berman, o que confirma a famosa teoria do Skopos formulada por Vermeer 11. Enfim, ele observa que a tradução de uma especificidade cultural por outra especificidade cultural também pode obscurecer o entendimento. Em seguida, Harvey analisa a equivalência formal, um procedimento que, como sabemos, é intensamente utilizado na tradução juramentada no Brasil, pois parece “cumprir” melhor a exigência de “fidelidade”. Para o autor, trata-se de uma equivalência linguística que consiste em traduzir de maneira tão literal quanto possível. Ele cita algumas vantagens desta estratégia, como por exemplo: ela é transparente e sem ambiguidade, permitindo buscar sem dificuldade o termo de origem, embora o texto possa parecer, muitas vezes, “estranho” ao leitor da língua de chegada. Por outro lado, o maior inconveniente é que na tradução literal corre-se um grande risco de se utilizar um falso cognato. Há muitos termos cujos significantes aparentemente “equivalentes” (caso de homônimos, parônimos e outros, cuja 11 O termo skopos é de origem grega e significa objetivo ou finalidade. Foi introduzido durante os anos 1970 pelo teórico alemão Hans J. Vermeer para designar o objetivo do texto de chegada e da ação tradutória. Hans J. Vermeer, « Skopos and Commission in Translational Action », editado por Lawrence Venuti, London, Routledge, 2000, p. 223. (Tradução do autor deste artigo do texto em inglês). Aproximou-se aqui a equivalência funcional no sentido de um “objetivo prático” na cultura receptora da tradução. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 61 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada semelhança morfológica é resultante de mera coincidência fonética ou gráfica) são relativamente próximos – às vezes, idênticos – ao passo que seus significados ou usos são distintos. Sem contar que há numerosos falsos cognatos ou locuções semelhantes na expressão significante que fazem, em cada país ou região, referências a realidades ou situações legais e jurídicas distintas. Citaríamos, como exemplo, um falso cognato duplamente perigoso, pois se trata de um termo francês que tem uso particular na Suíça e cuja tradução literal para o português assim como o seu uso inadequado na França passariam despercebidos por um tradutor desavisado. Trata-se do termo syndic (equivalente ao maire na França) que, na Suíça romanda, faz parte de uma terminologia oficial. Na Suíça, não constam as acepções em uso no Brasil e na França para o termo morfologicamente correlato (síndico/syndic), onde esse termo tem acepções idênticas. A definição do termo syndic segundo o Dictionnaire suisse-romand é: premier magistrat d'une commune, maire (THIBAULT 1997: 681). Mais adiante, trataremos da questão da equivalência envolvendo os termos maire e prefeito. Harvey cita ainda dois últimos procedimentos que, a nosso ver, são frequentemente utilizados na tradução juramentada, portanto, julgamos interessante mencionar a título de curiosidade. A técnica da transcrição consiste em reproduzir o termo de origem, acrescentando eventualmente uma glosa por ocasião da primeira ocorrência: por exemplo, citaríamos o caso de um documento exigido na Suíça denominado certificat de passage. Não há como identificar a função desse documento se não for explicado ao leitor brasileiro que se trata de um documento escolar atestando a mudança de nível (também denominado bulletin de passage), portanto, o mais adequado, neste caso, seria utilizar a técnica da transcrição do termo original, com o acréscimo de glosa. Harvey comenta que essa técnica de tradução é isenta de ambiguidade pelo fato de “não traduzir” e por privilegiar a transparência e a precisão em detrimento da elegância e da concisão. Além disso, permite que se explique detalhadamente na glosa as diferenças significativas entre os TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 62 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada sistemas das duas culturas. O autor ainda comenta que considera a transcrição uma técnica interessante no caso de “manuais de direito”, por exemplo. Porém, os tradutores juramentados sabem que este recurso é extremamente indesejável, principalmente em um documento pessoal, cujo formato deveria permanecer o mais próximo possível do original, por questões de funcionalidade e até mesmo de estética. A última técnica descrita por Harvey é a tradução descritiva, que consiste em traduzir as especificidades culturais utilizando termos genéricos, ou seja, evitando longas glosas explicativas, procedimento muito útil no caso dos termos que não possuem equivalentes. Porém, ele critica a técnica descritiva pelo fato de provocar facilmente ambiguidades de interpretação e aconselha que se coloque o termo original entre parênteses. Como exemplo, poderíamos traduzir por “delito” ou “fraude” algum tipo de ação ilegal mais específico cujo termo em francês não tivesse um equivalente em português, mas com o cuidado de deixar o termo original entre parênteses para leituras ou avaliações posteriores. 6. A equivalência na tradução de documentos civis e escolares A prática como tradutora juramentada, assim como os resultados anteriores de pesquisas feitas pelo autor deste artigo e as de outros pesquisadores nesse domínio (BARROS; AUBERT; CAMARGO, 2008b, 2008c) mostram que os tipos de documentos mais comumente solicitados à TJ no par de línguas português/francês são os escolares (diplomas, históricos escolares etc.) e pessoais (certidões de nascimento, casamento, óbito, procurações, carteiras de habilitação etc.), além dos jurídico-societários (estatutos sociais, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 63 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada atas de assembleias e outros), e os jurídico-comerciais (contratos de diversos tipos e outros). Destaca-se a importância que os documentos escolares possuem na sociedade, uma vez que definem e identificam o perfil estudantil e são documentos exigidos no percurso acadêmico e profissional. Constatou-se no trabalho anterior que um desconhecimento dos sistemas educacionais dos países envolvidos, aliados à tendência literalizante da tradução juramentada, são fatores que podem levar o tradutor a cometer graves erros na transmissão das informações fundamentais presentes em documentos escolares, como por exemplo, nível de estudos, título obtido, formação, curso, disciplinas, notas etc., assim como termos relacionados à redação dos atestados, certificados, diplomas, enfim, toda terminologia da documentação escolar. Os textos que a Jucesp denomina “comuns” – documentos civis em geral – testemunham como a tradução e a versão juramentada lidam, antes de tudo, com a necessidade de informar, esclarecer e confirmar a legalidade do ato administrativo, notarial ou jurídico. É essa dimensão pragmática que exige do tradutor juramentado uma consciência da importância de se adotar uma estratégia tradutória adequada na busca dos equivalentes. Trata-se de privilegiar a fidelidade linguística ou jurídica? Se o documento oficial a ser traduzido tem validade jurídica, o tradutor deverá levar em conta o sistema jurídico da língua receptora de sua tradução, facilitando a compreensão para que os fins legais sejam perfeitamente atingidos. Ou seja, é a “funcionalidade” e a validade legal do texto que importam. Os documentos civis, particularmente, devem ser traduzidos de forma documental, ou seja, o objetivo não é uma adaptação ao modelo ou formato do país receptor, mas a apresentação correta e fidedigna dos dados informados. Uma Carteira de Habilitação, por exemplo, deverá servir para que o portador consiga obter um documento similar no país estrangeiro. Não há, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 64 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada portanto, necessidade de se imitar as convenções do país de origem, mas apenas as informações essenciais à finalidade de uso da tradução. No caso das certidões de nascimento, ao compararmos os documentos franceses e brasileiros, veremos que eles têm formatos completamente diferentes, porém, uma reprodução fiel do formato original, com todas as informações adequadamente traduzidas, poderá ser útil no caso de um cotejo com o documento original. Pode ser questionada por alguma autoridade, a razão pela qual a tradução do documento francês não informa, por exemplo, os nomes dos avôs e avós paternos e maternos, nem das testemunhas. Por outro lado, uma tradução para o francês da certidão brasileira não poderá omitir esses dados, obrigatoriamente presentes no documento brasileiro. Outra diferença relativa às certidões civis é que, no Brasil, temos apenas um tipo de documento, denominado “certidão”, mas na França, existem três tipos de documentos para o mesmo evento, por exemplo: déclaration, acte e extrait de naissance. Na França, a déclaration de naissance é o documento feito imediatamente após o nascimento, no Registro civil do local do nascimento, que se encontra instalado na Mairie (“Prefeitura”); ela é feita geralmente pelo pai e testemunhada pelos médicos responsáveis presentes no parto. O acte de naissance é o documento jurídico original definitivo, emitido posteriormente pelo Registro civil e assinado pelo responsável, geralmente o Maire ou seu substituto (par délégation); o extrait de naissance é a “cópia” do documento original (acte), válida no país apenas por três meses, podendo ser emitida uma cópia integral (copie intégrale), com todas as informações e inclusive averbações, ou uma cópia resumida, o extrait, nas versões “com filiação” e “sem filiação”. Este último, o extrait de naissance, é o documento francês que geralmente chega às mãos do tradutor juramentado. Lembrando que, além da problemática da equivalência, outra grande dificuldade está ligada às diferenças entre os dois sistemas administrativos e jurídicos. Os certificados de registro civil são emitidos na França pela TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 65 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada administração pública (municipal, regional, departamental ou cantonal, no caso da Suíça) enquanto que, no Brasil, eles são expedidos e oficializados por tabelionatos ou cartórios. De acordo com Rosiléa Pizarro Carnelós 12 Os cartórios brasileiros, assim como as instituições equivalentes na França, Luxemburgo, Suíça e Itália, por exemplo, representam um marcador cultural extralingüístico (sic) muito importante que pode influenciar o fazer tradutório. A título de exemplo, poderíamos pensar na tradução de “escrevente” em francês e italiano. Essa função existe nos cartórios dos países acima? Iniciemos nossa reflexão por uma distinção: só no Brasil existe o cartório de Registro Civil. Nos outros países em questão, o Registro Civil está vinculado à Prefeitura de cada município, e o responsável pela emissão de documentos do Registro Civil normalmente é o Oficial, o próprio Prefeito ou seu Delegado. (p.27) Voltando, portanto, à questão da equivalência do termo prefeito, é surpreendente constatar que os dicionários indiquem “prefeito” como o “único” equivalente de maire, uma vez que prefeito é um equivalente de maire apenas parcialmente, ou seja, na função de “chefe do poder executivo nas municipalidades” (Houaiss). Quando este ocupa a função do responsável pelo registro civil e assina as certidões, parece-nos inadequado traduzir maire por “prefeito”, então, sugerimos que a assinatura seja identificada pela função de “oficial” que é o “responsável pelo registro civil”. No caso das versões das certidões brasileiras para o francês, a tradução das assinaturas dos responsáveis costuma conservar a realidade cartorial brasileira por meio de uma tradução mais formal e menos funcional. O “oficial de registro civil” é uma função existente no notariado brasileiro, mas nesses documentos civis outras pessoas também assinam e essas funções variam muito (secretário, oficial maior, oficial interino, escrevente substituto, escrivão, tabelião etc.). Portanto, não há apenas um só responsável e uma só assinatura, como no 12 Tese de Doutorado em Linguística de Rosiléa Pizarro Carnelós – USP - 2005- Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dl/pos/teses/CARNELOSrosilea.pdf>. Acesso em: 30/06/2010. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 66 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada documento francês, porém, o dever do tradutor é traduzir todas as informações, nomes e assinaturas, inclusive carimbos pessoais dos assinantes. Fica claro e evidente em uma versão do português para o francês que se trata de realidades completamente diferentes. A mesma “confusão” ocorre com a figura do préfet na França (no Brasil, um cargo semelhante àquele do nosso Governador estadual, mas cuja função é mais próxima daquela exercida pela Polícia Federal; no caso da França, é o administrador regional). Trata-se de um termo cujo provável correlato em português, pela semelhança morfológica, seria “Prefeito”, mas trata-se de um falso cognato, pois como vimos, a função “parcialmente” equivalente do prefeito é exercida pelo Maire 13. Para finalizar este artigo, apresenta-se a seguir alguns exemplos de termos franceses que, caso estivessem presentes em um documento oficial, necessitariam de uma tradução mais atenta às especificidades culturais. Exemplos 14: 1. canton n. m. « division administrative (inférieure au département) regroupant plusieurs communes » (inclusive, na Suíça e no Canadá, a palavra designa outra coisa) 2. carte grise n. f. « carte de couleur grise tenant lieu de titre de propriété d’un véhicule immatriculé (automobile ou motocyclette), indispensable pour sa mise en circulation » 3. hypokhâgne n. f. « première année d’école préparatoire »; khâgne n. f. « deuxième année d’école préparatoire » 4. préfet n. m. « haut fonctionnaire nommé par le président de la République par décret pris en Conseil des ministres, et représentant l’État et le gouvernement dans chaque département français » 5. UFR « unité de formation et de recherche (au sein d’une université) » 13 Para mais detalhes do estudo específico deste termo, relacionado ao francês da Suíça, conferir o artigo publicado no número 15 da TradTerm (2009). 14 Exemplos retirados do Dictionnaire suisse romand (1997). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 67 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Alguns termos, por dependerem de estruturas do governo (administração pública, educação pública etc.), são exclusivos de um país e não são empregados em nenhum outro lugar. Os termos apresentados são termos franceses empregados apenas na França. Uma “equivalência funcional” na tradução de tais termos será possível apenas quando a mesma “realidade” existir na língua de chegada, como o caso do maire, mencionado anteriormente, cujo equivalente funcional no caso de documentos pessoais brasileiros é o “oficial de registro civil” e, no caso de documentos suíços, o equivalente é o syndic. No caso anterior, o termo carte grise é o equivalente funcional do documento brasileiro denominado Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo (CRLV). Os outros termos apresentados podem ser considerados sem equivalentes na realidade brasileira e, portanto, necessitariam de nota explicativa. 7. Considerações finais O presente trabalho deu ênfase ao método da “equivalência funcional” por se tratar de um procedimento que valoriza o termo na cultura receptora, pois os particularismos das variedades regionais ou nacionais nos provam que até dentro de uma mesma língua um termo pode ter usos administrativos ou jurídicos diferentes. Em sua perspectiva predominantemente teórica, este estudo buscou investigar se a abordagem funcionalista ou, particularmente, o emprego da “equivalência funcional” constituiria um procedimento mais adequado na tradução juramentada ou jurídica. Esta adequação poderia, assim, liberar o tradutor do conflito relacionado à questão de se traduzir “literalmente” forma/conteúdo dos termos envolvidos. O estudo concluiu, em um primeiro momento, que a questão da literalidade parece ter menos importância na TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 68 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada medida em que a atenção do tradutor se volta fundamentalmente para um texto de chegada que possa ser “funcional” na cultura receptora. Portanto, o estabelecimento dessa equivalência se situaria, então, em uma espécie de paradoxo: uma vez que a passagem de uma língua para outra é acompanhada pelo resvalamento de uma tradição jurídica para outra, essa “equivalência”, que deveria ser “exata”, “precisa”, “fiel”, na realidade só o é aproximativamente. Em outras palavras, este estudo constata que a exatidão exigida do tradutor jurídico ou juramentada (literalidade, cópia fiel e/ou exata) depende, paradoxalmente, de conceitos que são relativamente imprecisos pelo fato de estarem prisioneiros da tradição histórica e jurídica na qual se desenvolveram. Enfim, a proposta de uma reflexão sobre a equivalência funcional na tradução juramentada abordou casos de termos consagrados pelos dicionários bilíngues que consideramos inadequados e os resultados dessa análise foram divulgados na Revista TradTerm n. 15, como já mencionado anteriormente. Convém assinalar que o presente trabalho restringiu essas abordagens a um questionamento da noção de “equivalência”, sem, todavia, ter a pretensão de propor soluções tradutórias definitivas aos termos aqui apresentados. 8. Referências bibliográficas ALPÍZAR-CASTILLO, R. Cómo hacer un diccionario cientifico-técnico? La Habana: Félix Varela, 1995. BARROS, L.A.; AUBERT, F.H.; CAMARGO, D.C. Tradução juramentada espanholfrancês-português: algumas semelhanças e diferenças terminológicas e de tipologia textual. In: ISQUERDO, A.N.; FINATTO, M.J.B. (Org.). As Ciências do Léxico: Lexicologia, Lexicografia e Lexicografia. Campo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 69 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Grande: Editora da UFMS/Programa de Pós-Graduação, 2008b, v. IV, p. 463-481. BARROS, L.A.; AUBERT, F.H.; CAMARGO, D.C. Terminologie et typologie textuelle : une contribution à l´étude de la traduction assermentée françaisportugais. In: MANIEZ, F.; DURY, P. (Org.). Lexicographie et terminologie : histoire de mots. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 2008c, p. 347-356. Base de données lexicographiques panfrancophone (BDLP). Disponível em: <http://www.bdlp.org/bdlp.pdf>. Acesso em: 21 de julho de 2011. BASSNETT, S. Translation Studies, London, Routledge, 1991, p. 159. BERMAN, A. Traduction spécialisée et traduction littéraire. In: La traduction littéraire, scientifique et technique. Actes du colloque International organisé par l'AELPL les 21 et 22 mars 1991. Paris: La Tilv Editeur, p. 9-15. CATFORD, J.C. A Linguistic Theory of Translation : an essay in applied linguistics. London, Oxford University Press, 1965, p. 103. Reeditado em 2000. CHANUT, M.E.P. A tradução juramentada de documentos suíços: Resultados parciais em torno dos termos estudados. TradTerm n. 15, São Paulo (FLCH/USP), 2009, p. 155-171. DUBUC, R. Manuel pratique de terminologie. Québec: Linguatech Éditeur, 1985. GALARNEAU A.; VÉZINA, R. Réfléxions et pratiques relatives à la variation topolectale en terminologie. Québec: Office Québecois de la langue française, 2004, p. 28. Disponível em: <http://www.oqlf.gouv.qc.ca/ressources/bibliotheque/officialisation /reflexion_topolectale_20080425.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2010. GEMAR, J.C. La traduction juridique et son enseignement. Meta, vol. 24, n. 1, mar. 1979, p. 35-63. GEMAR, J.C. Traduire ou l’art d’interpréter : langue, droit et société : éléments de jurilinguistique, Tome 2: Application. Québec, Les Presse de l’Université du Québec, 1995b, p. 232. GENTZLER, E. Contemporary Translation Theories, London, Routledge, 1993, p. 224. HARVEY M. Traduire l’intraduisible, Stratégies d’équivalence dans la traduction juridique, in Le facteur culturel dans la traduction des textes pragmatiques. les Cahiers de l’ILCEA, n 3, 2001-2002, p. 39-49. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 70 Chanut, M. E. P. – A noção de equivalência e a sua especificidade na tradução especializada Disponível em: <http://ilcea.revues.org/index790.html>. Acesso em: 21 de julho de 2010. HOLMES, J. The Name and Nature of Translation Studies – The Translation Studies Reader (ed. Lawrence Venuti). London & New York: Routledge, 2000, p. 172-185. JAKOBSON, R. On Linguistic Aspects of Translation. In: The Translation Studies Reader (ed. Lawrence Venuti). London & New York, Routledge, 2000, p. 113-11. LERAT, P. Les langues spécialisées. Paris: PUF, 1995. (Linguistique nouvelle). MOUNIN, G. Les problèmes théoriques de la traduction. Paris: Gallimard, 1986, p. 296. PIGEON, L.P. La traduction juridique. L’équivalence fonctionnelle. In : Langage du droit et traduction. Québec, Éd. J.-C. Gémar, 1982 p. 271-281. PYM, A. Translation and Text Transfer. New York, Peter Lang, 1992, p. 225. RODRIGUES, C.C. Tradução e diferença. São Paulo: Editora Unesp, 2000. SNELL-HORNBY, M. Translation Studies: An Integraded Approch. Amsterdam: John Benjamins, 1988, p. 170. Texto revisado em 1995. THIBAULT, A. (Red.) Dictionnaire Suisse Romand: Particularités lexicales du français contemporain. Genève: Éditions Zoé, 1997. TOURY G. Descriptive Translation Studies and Beyond, Amsterdam, John Benjamins, 1995. VINAY, J.P.; DARBELNET, J. Stylistique comparée du français et de l’anglais , Montréal, Beauchemin, 1958, 331, p. 8. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 43-70 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Érika Nogueira de Andrade Stupiello * Abstract: This paper examines the ethical implications for the contemporary practice of translation with the use of translation memory systems. While considering ethics, it puts forward an analysis of the extension of the translational responsibility in the light of thoughts and proposals concerning an ethical attitude by the translator. This analysis is brought to the work scenario of the contemporary translator, who employs technological tools, integrates work groups with specific task assignments and is advised to carry out the work so as to recover previous translation options and turn in his/her terminological production together with the translation. We conclude that this work configuration ends up dissipating the translator’s responsibility whereas it recovers the conception of translation as transposition of meaning between different languages. Keywords: ethics; responsibility; translation; translation memories. Resumo: Este trabalho compreende uma reflexão sobre as implicações éticas para a prática contemporânea de tradução com o uso de sistemas de memórias. Ao pensar em ética, propõe-se uma análise da extensão da responsabilidade tradutória à luz de pensamentos e propostas que versam o que constituiriam atitudes éticas por parte do tradutor. Essa análise é trazida para o cenário de atuação do tradutor contemporâneo, que faz uso de ferramentas tecnológicas, integra equipes de trabalho com designação específica de tarefas e é orientado a conduzir sua prática de forma a recuperar opções anteriores de tradução e a fornecer sua produção terminológica em conjunto com a tradução. Concluiu-se que essa configuração de trabalho acaba por dissipar a responsabilidade do tradutor ao mesmo tempo em que retoma a concepção de tradução como transposição de significados entre diferentes línguas. Palavras-chave: ética; responsabilidade; tradução; memórias * de tradução. Doutora em Estudos Linguísticos (Linguística Aplicada) pela Universidade Estadual Paulista (campus de São José do Rio Preto). Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 72 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória 1. Introdução O discurso de caráter ético em tradução tem se pautado, em diferentes épocas e pela perspectiva da tradição ocidental 1, no estabelecimento de um conjunto ideal e universalmente aplicável de regras que delimitem o espaço de atuação do tradutor no trabalho de recuperação de sentidos determinados no texto de origem. Desde as remotas prescrições do humanista francês ETIENNE DOLET (1540), a tradução tem sido descrita como uma atividade que dependeria do estabelecimento de normas que, idealmente, dariam conta de determinar uma conduta específica para o trabalho do tradutor, fato que tem reflexos, até os dias de hoje, na forma como grande parte da sociedade concebe sua profissionalização. Dos “princípios” estabelecidos por PYM (1997) para uma ética do tradutor, nas propostas mais recentes, como o “juramento” de CHESTERMAN (2001), ou mesmo códigos de ética profissionais locais, como o Código do Sindicato Nacional de Tradutores (Sintra) no Brasil, o que se busca é um comprometimento ético por esse profissional, que seja guiado por valores generalizantes que não compreendem as diversas situações vividas pelo tradutor contemporâneo. Este trabalho apresenta uma reflexão sobre como algumas posturas associadas ao pensamento tradicional em relação à tradução afloram, ainda que implicitamente, nas expectativas de conduta do tradutor que, cada vez mais, faz uso de recursos tecnológicos com o intuito de conquistar ganhos em produtividade e se tornar mais competitivo. 1 Segundo LEFEVERE (1992: 6-7), o pensamento ocidental sobre tradução, da época da república romana até as primeiras publicações de cunho linguístico por Nida e Fedorov na década de 1930, seria caracterizado por uma forte inclinação normativa, restringindo o trabalho de tradução em termos de preceitos e categorizações do tipo “certo”, “errado”, “fiel” ou “livre”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 73 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Entre as diversas ferramentas atualmente disponibilizadas aos tradutores, os sistemas de memórias de tradução parecem ter encontrado melhor receptividade em meio aos profissionais que trabalham para a indústria de localização ou que prestam serviços em domínios especializados do conhecimento, como a tradução de manuais técnicos e outros textos que acompanham produtos comercializados em diferentes países. Com base na análise das condições de trabalho do tradutor que emprega essas ferramentas, propôs-se um exame da extensão de sua responsabilidade ao integrar um processo maior de produção e distribuição de informações para públicos situados nos mais diversos locais do mundo, falantes de diferentes línguas e representantes de vasta diversidade cultural. 2. A urgência da comunicação eletrônica multilíngue e as ferramentas de auxílio à tradução Em uma era que "tempo e espaço foram de tal modo comprimidos pelos satélites de telecomunicações e pelos meios eletrônicos, [...] que o tempo tornou-se sinônimo de velocidade e o espaço, sinônimo da passagem vertiginosa de imagens e sinais" (CHAUÍ 1992: 347), o papel mediador do tradutor na comunicação de materiais textuais circulados eletronicamente é encoberto na mesma medida em que aumenta a ênfase na imprescindibilidade da adoção e do domínio dos recursos das novas tecnologias de auxílio à tradução para atender às exigências de tempo e prazo do mercado global. As mudanças na forma como a comunicação se realiza, conforme descritas por Chauí, implicam em aumento na invisibilidade do tradutor, visto que a intervenção humana na tradução da comunicação entre diferentes línguas TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 74 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória parece ser incongruente em uma era considerada global. O esquecimento do caráter humano envolvido na tradução é uma das consequências da superioridade conferida às ferramentas tecnológicas, em especial, em sua capacidade de tornar o trabalho do tradutor mais rápido e preciso. A ênfase está na urgência da comunicação multilíngue, sendo assim, empregar com eficiência ferramentas eletrônicas, como as memórias de tradução, torna-se uma exigência para o tradutor que presta serviços a segmentos como o da indústria de localização. O alcance do desempenho esperado para esse mercado acarreta necessariamente a observância de regras predefinidas para o trabalho com o texto, de forma que a conclusão de uma tradução promova o desenvolvimento de trabalhos futuros, em que trechos de textos traduzidos tornem-se úteis para aumentar o rendimento do tradutor, reduzindo, desse modo, custos e prazos. A aplicação dessas práticas de trabalho em tradução é favorecida pela constituição da comunicação textual no mundo contemporâneo, em que: [...] em lugar da linguagem como rede de significantes e significados, signos e significações, haveria "jogos de linguagem" sem sujeito, e a comunicação seria feita por uma "nuvem de elementos narrativos", por séries de textos em intersecção com outros, produzindo novos textos nas instituições e fora delas (CHAUÍ 1992: 347). Os textos eletrônicos que circulam pela internet são, em sua maioria, disponibilizados em versões em duas ou mais línguas e desprovidos de qualquer referência autoral. A partir de um texto eletrônico é possível acessar outros textos por meio de links automáticos, que conduzem o usuário a realizar várias leituras, porém, muitas vezes sem qualquer indicação de início ou fim desses materiais. Essas características promovem a ilusão da possibilidade de produção e circulação de textos sem qualquer vínculo com seus autores e tradutores. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 75 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória No caso específico da tradução, essa situação evidencia-se na própria divisão dos vastos projetos atualmente traduzidos em prazos sempre inversamente proporcionais à extensão e, por vezes, à complexidade dos textos. Para possibilitar a produção e a rápida circulação de informações em diferentes línguas, é comum a divisão dos trabalhos em equipes de tradutores que, situados em vários locais, recebem textos ou partes de textos extensos, muitas vezes parcialmente traduzidos e acompanhados por glossários para garantir a padronização dos trabalhos. Para textos de origem que precisam de referência autoral, é comum a expectativa de fidelidade, por parte do contratante, atrelar-se ao conteúdo dos dados terminológicos e fraseológicos cedidos com o propósito de guiarem as escolhas do tradutor. No contexto contemporâneo, a preocupação do contratante de uma tradução não se restringe à qualidade do produto final, mas também, à adequação dessa produção aos recursos oferecidos pelos sistemas de memórias para alcançar opções de tradução padronizadas e reaproveitáveis. A consecução deste objetivo depende da aplicação de regras preestabelecidas de trabalho com o texto em conjunto com os sistemas de memórias. Essas regras visam manter o controle das opções e da elaboração da tradução pelo tradutor e em parte relembram algumas das prescrições outrora estabelecidas para regular a prática. A aplicabilidade de preceituações relacionadas ao pensamento tradicional sobre tradução e de proposições éticas para a prática contemporânea de problematizada a seguir. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br tradução é 76 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória 3. A relatividade de proposições éticas frente à aparente invisibilidade tradutória contemporânea À primeira vista, a situação atual que se descreve para a prática de tradução de textos em meio eletrônico e para a indústria da localização parece não relembrar as posturas que contemplam, acima de tudo, o estabelecimento de normas para a condução e a avaliação do trabalho do tradutor. Se voltarmos ao passado, ainda que brevemente, veremos que muitas teorias que invocavam o critério de fidelidade incondicional em tradução fundamentavam-se no estabelecimento de “regras” para a atitude do tradutor diante de um consagrado autor estrangeiro e da superioridade do texto de origem. Um exemplo bastante conhecido nos estudos sobre tradução são as preceituações de DOLET (1540), considerado por BASSNETT (1980) um dos primeiros teóricos a formular uma teoria de tradução regida pela ética do dever. Em sua relação dos cinco princípios para uma boa tradução, Dolet simboliza o pensamento de sua época por defender, sobretudo, a imprescindibilidade de um entendimento perfeito do texto de origem pelo tradutor, uma vez que o sentido já estaria incrustado na fonte a espera de ser restituído em outra língua. Por esse prisma, a postura ética do tradutor adviria da subserviência a regras que projetavam sobremaneira a imagem da tradução como uma simples reprodução de um conteúdo predefinido. A ordenação de Dolet e de muitos de seus sucessores como, por exemplo, TYTLER (1791/1978) 2 e seus "princípios" definidores de uma "boa tradução", sintetizam, segundo ARROJO (1997), aquilo que o "senso comum" e 2 A primeira proposta de Tytler foi publicada em 1791. A leitura para este trabalho baseou-se na edição de 1978, publicada pela John Benjamins. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 77 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória grande parte das teorias correlatas sobre tradução há anos têm defendido como "princípios éticos" para o tradutor, fundamentados na crença da [...] possibilidade de elaborar uma ética geral que pudesse ser implementada universalmente, abrangendo todas as atividades de tradução, independentemente das línguas, e dos interesses ideológicos, culturais, políticos e históricos e das circunstâncias envolvidas (ARROJO 1997: 6) 3. À luz das reflexões de cunho pós-estruturalista, propostas de estabelecimento de uma ordenação ética totalizadora e aplicável à diversidade de situações de trabalho do tradutor são questionadas e desaprovadas por "revelarem um código de ética que está indiscutivelmente associado aos interesses e aos valores que os produzem e os tornam possíveis" (ARROJO 1997: 16). Cada norma ou prescrição, ainda que suavizadas como “orientações” de um manual de usuário, refletem a imagem da tradução em um determinado tempo e lugar, assim como a expectativa de que a obediência a esses preceitos garantiria a qualidade do trabalho final. Para PYM (1997), o estabelecimento de normas de conduta do tradutor seria uma tentativa de impor responsabilidade sobre o trabalho que realiza, além de uma forma de promover a consecução da tradução pela submissão a regras idealizadas. Conforme explica, [...] governar as relações de modo prescritivo significa, acima de tudo, determinar o que os outros têm o direito de exigir do tradutor: fidelidade, exatidão, rapidez, preços razoáveis, solidariedade em relação aos outros tradutores, respeito ao segredo profissional. Esses princípios relacionais constituem um tipo de pensamento ético. Eles estabelecem o que o tradutor deve ou não fazer (PYM 1997: 68). Idealmente, um tradutor capaz de se adequar e seguir as regras de conduta a ele determinadas seria, na visão de quem as prega, "um tradutor 3 Esta e as demais traduções de citações em língua estrangeira foram feitas pela autora do trabalho. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 78 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória altamente profissional, um produto puro dos códigos da profissão” (PYM, 1997: 68). Seria também pela imposição de normas de conduta profissional que o contratante de uma tradução teria a possibilidade de controlar o processo de forma a atingir o produto por ele almejado. Como afirma CHESTERMAN (2001), o estabelecimento de normas seria uma forma de buscar o atendimento de expectativas determinadas, sendo tais normas [...] geralmente aceitas (em uma cultura específica) na medida em que parecem servir a valores prevalecentes, inclusive valores éticos como verdade e confiança. Comportar-se de maneira ética, desse modo, significa comportar-se da maneira esperada, de acordo com as normas, não surpreendendo o leitor ou o cliente (CHESTERMAN 2001: 141). De acordo com PYM (1997) e CHESTERMAN (2001), a postura ética do tradutor adviria de sua adoção da conduta desejada por quem a prescreve. Preceituar o fazer tradutório seria uma forma de fixar uma determinada maneira do tradutor trabalhar, conforme a imagem idealizada especialmente sobre o produto desse trabalho, a tradução. Essa imagem é descrita por Pym ao relacionar a produção tradutória a um “processo de fabricação”, do qual se espera resultar um produto acabado, um “text achevé”, pois, como questiona o próprio autor: [...] para traduzir plenamente, isto é, para ocupar o espaço próprio do tradutor, deve-se produzir traduções, objetos acabados, concluídos. Afinal, sem objeto, sem tradução material, sem realização, sem trabalho cumprido, pelo que o tradutor será responsável? (PYM 1997: 74). A expectativa do contratante de uma tradução é a de que o texto a ser traduzido expressará todo o conteúdo do texto de origem e é essa a responsabilidade que se impõe ao tradutor. Para Pym, no momento em que o tradutor aceita realizar um trabalho, ele já se torna responsável pelo produto TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 79 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória final. Esse é o primeiro princípio para uma ética do tradutor proposto por esse teórico a partir do questionamento "Faut-il traduire?" [Deve-se traduzir?]. Sua decisão de realizar uma tradução ou deixar de fazê-la estabelece, como segundo princípio, a medida da responsabilidade tradutória, ou seja, o tradutor é responsável na medida em que aceita e se dispõe a traduzir. Como defende PYM (1997: 136), “o tradutor não é diretamente responsável pela matéria a ser traduzida, pelas normas da tradução”, mas profissionalmente por sua decisão de aceitar ou não uma tradução. Como terceiro princípio, o autor determina que os “processos tradutórios não devem ser reduzidos à oposição entre duas culturas” e que a ética do tradutor "deve ser rigorosamente intercultural" (PYM 1997: 136). Observa-se neste preceito uma postura que idealiza a neutralidade das relações que se constroem entre duas línguas pela tradução, assim como a possibilidade do tradutor realizar seu papel de mediador, mantendo-se imparcial em seu trabalho com diferentes línguas e culturas. Por quarto princípio, PYM (1997: 136-7) defende que “os gastos de recursos suscitados pela tradução não devem ultrapassar o valor dos benefícios da relação intercultural correspondente”, sendo o esforço investido na tradução tão importante quanto seu resultado. No quinto e último princípio, o teórico assevera ser responsabilidade do tradutor “contribuir para estabelecer a cooperação intercultural estável e em longo prazo”. Enumerada em cinco máximas, a ética do tradutor de Pym busca favorecer a cooperação entre o tradutor e seu cliente. Acima de tudo, o “tradutor ético" por ele vislumbrado seria aquele que avalia a finalidade da tradução para decidir o que e como traduzir, de forma a maximizar a colaboração com o cliente e “a concentrar os esforços de tradução onde os mal-entendidos impedem a cooperação" (PYM 1997: 123). Atribuir ao tradutor a responsabilidade pelo produto de seu trabalho, ainda que este seja caracterizado como um ato de cooperação para a realização da comunicação, pode parecer ser uma forma de legitimar a TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 80 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória profissão, pela escolha feita pelo tradutor de traduzir ou não um texto ou parte dele. Pym parece instaurar um paradoxo entre o tradutor soberano que vislumbra, responsável por suas escolhas (até mesmo pela opção de não traduzir), e aquele que se subordina as relações de diversas ordens como “as coisas, as orientações do cliente, as normas em vigor que se aplicam à tradução, suas próprias condições de trabalho” (PYM 1997: 97). Entretanto, esses condicionantes não são levados em consideração em seus princípios éticos, que se atêm a atrelar a responsabilidade tradutória à promoção da comunicação entre línguas e culturas, deixando de considerar os limites dessa responsabilidade em relação à diversidade de condições impostas ao tradutor em seu trabalho. Na visão de GODARD (2001: 57), a proposta de PYM seria de cunho instrumentalista e falharia por sua abordagem generalizante, na medida em que "persegue uma ética para todas as modalidades de tradução, independentemente de seus conteúdos”. A prática de tradução como um ato de cooperação com o intuito de promover o entendimento fundamenta também a reflexão de CHESTERMAN (2001: 141), que atribui ao tradutor a tarefa principal de perseguir a compreensão entre as culturas, pelo “entendimento de textos, mensagens, sinais, intenções, significados etc.”. Cuidadoso em relativizar a noção de “entendimento” que prega, Chesterman defende que “entender uma tradução significa chegar a uma interpretação compatível com a intenção comunicativa do autor e do tradutor (e em alguns casos também do cliente) a um grau suficiente para um determinado fim” (2001: 141). A postura ética do tradutor de Chesterman seria regida por uma proposta de um “juramento hieronímico”, em referência a São Jerônimo. Formulada com base no juramento hipocrático, a lista com os princípios elencados por esse teórico é valorizada como uma forma de “fortalecer o credenciamento internacional de tradutores”. O comprometimento do tradutor com o próprio juramento encabeça a lista, que abrange valores como verdade, clareza, lealdade e confiabilidade: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 81 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória 1. Juro preservar este Juramento com o melhor de minha capacidade e de meu julgamento. [Compromisso] 2. Juro ser um membro fiel da profissão dos tradutores, respeitando sua história. Estou disposto a compartilhar meus conhecimentos com os colegas e transmiti-los a tradutores em treinamento. Não trabalharei por honorários ilegítimos. Sempre traduzirei com o melhor de minha capacidade. [Lealdade à profissão] 3. Usarei meus conhecimentos para maximizar a comunicação e minimizar desentendimentos entre barreiras linguísticas. [Entendimento] 4. Juro que minhas traduções não representarão seus textos de origem de maneiras injustas. [Verdade] 5. Respeitarei meus leitores tentando tornar minhas traduções o mais acessíveis possível, de acordo com as condições de cada trabalho de tradução. [Clareza] 6. Comprometo-me em respeitar os segredos profissionais de meus clientes e não tirar proveito dessas informações. Prometo respeitar prazos e seguir as instruções dos clientes. [Confiabilidade] 7. Serei honesto sobre minhas próprias qualificações e limitações. Não aceitarei trabalho que não seja de minha competência. [Honestidade] 8. Informarei meus clientes sobre problemas não resolvidos, e estou de acordo em resolver casos de controvérsia por meio de arbitragem. [Justiça] 9. Farei tudo o que puder para manter e aprimorar minha competência, inclusive todo o conhecimento e as habilidades linguísticas, técnicas e outros. [Empenho pela excelência] (CHESTERMAN 2001: 153). A ética defendida por Chesterman fundamenta-se no compromisso assumido pelo tradutor em "fazer a coisa certa", ao empenhar-se ou, pelo menos, prometer se empenhar, em por em prática uma série de atitudes, que vão desde a lealdade à profissão, ao contínuo esforço pelo aprimoramento profissional, e culminam na concepção de um profissional digno de confiança. Subjacente aos valores listados estaria a capacidade de entendimento, uma vez que, o tradutor digno de confiança teria condições de entender a mensagem do texto que traduz, afinal, como defende o teórico, "para o tradutor, essa é naturalmente uma tarefa primária: entender o que o cliente quer, entender o texto de origem, entender o que se espera que os leitores entendam" (CHESTERMAN 2001: 152). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 82 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Em relação às prescrições de DOLET (1540) e TYTLER (1978), é notória em CHESTERMAN (2001) a mudança de abordagem no que diz respeito à intenção de prever e controlar o trabalho do tradutor. Os primeiros teóricos citados apoiaram-se em regras e normas específicas, com o intuito de reger e limitar a interferência do tradutor no texto de origem. Suas ordenações visavam impelir o tradutor a se prender à reprodução do conteúdo de origem e se manter subserviente ao texto e ao autor. A concepção de ética por eles sustentada estava diretamente relacionada à noção de fidelidade à origem. Nas máximas apresentadas por PYM (1997) e no juramento de CHESTERMAN (2001) temos por característica comum a generalidade na expressão das proposições dos autores. Ambos os teóricos atrelam suas propostas à pressuposição de responsabilidade do tradutor por seu trabalho. Nas palavras de PYM (1997: 67), “se o tradutor não fosse responsável, se não tivesse de aceitar a responsabilidade por nenhuma de suas escolhas, não teria nenhum problema de ordem ética”. A adoção de um discurso abrangente constitui um aspecto bastante comum em princípios qualificados como éticos, especialmente pelo fato de terem por objetivo primário guiar e orientar a conduta de uma determinada prática, sejam eles usados em um discurso normativo, como o postulado por Dolet, ou expostos em forma de axiomas ou juramento, como propõem PYM e CHESTERMAN, respectivamente. O tratamento da ética por Chesterman, por exemplo, que substitui o ato de “dever” pelo de “prometer”, abrange as relações com o contratante de uma tradução, entre tradutores e do tradutor consigo, em seu empenho pelo constante aprimoramento. Seu foco é o tradutor inserido em sua prática e não mais a aspiração pela neutralidade de sua prática. Ainda assim, vemos que, apesar de almejar a generalização de qualidades universalmente desejadas e consideradas nobres em qualquer profissional, valores (expressos entre colchetes) como compromisso, lealdade, verdade, clareza, honestidade e confiabilidade parecem se dispersar pela própria forma como o trabalho do tradutor é concebido e contratado e nas situações em que esse profissional TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 83 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória desempenha seu trabalho para mercados como o da localização, que lidam com textos volumosos e em formato eletrônico. Essa é também uma questão problemática para o único código de ética que determina os princípios para a conduta de trabalho do tradutor profissional no Brasil. A responsabilidade profissional, prevista no Capítulo V, e o respeito ao trabalho confiado, o texto de origem, constituem máximas do Código de Ética do Tradutor adotado pelo Sindicato Nacional de Tradutores do Brasil (Sintra), conforme determinam os princípios do referido código elencados a seguir: CAPÍTULO I Princípios Fundamentais Art. 1º - São deveres fundamentais do tradutor: §1º respeitar os textos ou outros materiais cuja tradução lhe seja confiada, não utilizando seus conhecimentos para desfigurá-los ou alterá-los; §2º exercer sua atividade com consciência e dignidade, de modo a elevar o conceito de sua categoria profissional; §3º utilizar todos os conhecimentos linguísticos, técnicos, científicos, ou outros a seu alcance, para o melhor desempenho de sua função; §4º empenhar-se em participar da tomada de decisões do seu órgão de classe e em vê-las acatadas, em particular no que se refere à remuneração justa, às condições de trabalho e ao respeito aos direitos do tradutor; §5º solidarizar-se com as iniciativas em favor dos interesses de sua categoria, ainda que não lhe tragam benefício direto. CAPÍTULO II Relações com os Colegas Art. 2º - O tradutor deve tratar os colegas com lealdade, respeito e solidariedade. Art. 3º - O tradutor deve abster-se de qualquer ato que signifique concorrência desleal a outros tradutores ou exploração do trabalho de colegas, seja em sentido comercial ou outro. CAPÍTULO III Relações com o Contratante do Serviço Art. 4º - O tradutor deve servir lealmente ao interesse de quem lhe contratou o serviço. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 84 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Art. 5º - O tradutor deve empenhar-se em lavrar previamente por escrito, com o contratante do serviço, as obrigações recíprocas concernentes ao trabalho em causa. CAPÍTULO IV Do Segredo Profissional Art. 6º - O tradutor é obrigado a guardar segredo sobre fatos de que tenha conhecimento por tê-los visto, ouvido ou deduzido no exercício de sua atividade profissional, a menos que impliquem delito previsto em lei ou que possam gerar graves consequências ilícitas para terceiros. CAPÍTULO V Responsabilidade Profissional Art. 7º - O tradutor é responsável civil e penalmente por atos profissionais lesivos ao interesse do contratante de seus serviços, cometidos por imperícia, imprudência, negligência ou infrações éticas. CAPÍTULO VI Aplicação deste Código Art. 8º - Cabe ao Sindicato Nacional de Tradutores - SINTRA a apuração de faltas cometidas contra este Código de Ética, a aplicação das penalidades previstas nos Estatutos do SINTRA e, quando cabível, o encaminhamento do caso aos órgãos competentes. Art. 9º - Com discrição e fundamento, o tradutor dará conhecimento ao SINTRA dos fatos que constituam infração às normas deste Código. (SINTRA, Sindicato Nacional dos Tradutores, Estatutos, Código de Ética do Tradutor, 13 dez. 2004.) 4 É notório como o Código de Ética do Tradutor do Sintra confere visibilidade ao tradutor, como agente que responde diretamente por seu trabalho e nas relações estabelecidas com clientes e outros tradutores. O referido código, em seu Capítulo V, até mesmo estabelece que o tradutor é “responsável civil e penalmente” por suas ações no exercício de sua profissão, o que imprime comprometimento com o serviço que lhe é confiado pelo cliente. Por outro lado, se aplicarmos as disposições específicas desse capítulo à atuação do tradutor brasileiro no segmento de localização, que se caracteriza pela compartimentação do trabalho entre diferentes prestadores de serviço, percebe-se como se torna complexo vincular o tradutor a esses 4 Conforme informado pela ex-presidente do Sintra, Profa. Dra. Heloisa Gonçalves Barbosa, entre 2003 e 2005, esse código foi retirado da página eletrônica do Sindicato, embora continue fazendo parte dos estatutos dessa associação profissional. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 85 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória princípios e, em particular, atribuir-lhe a responsabilidade pelo trabalho final assim produzido. As condições de produção de trabalhos de tradução em meio eletrônico, especialmente para a indústria da localização, favorecem o deslocamento da responsabilidade tradutória pelo trabalho final. A obtenção do desempenho esperado atrela-se necessariamente à observância de regras predefinidas para o trabalho com o texto, de forma que a conclusão de uma tradução promova o desenvolvimento de trabalhos futuros, em que trechos de textos traduzidos tornem-se úteis para aumentar o rendimento do tradutor, reduzindo, desse modo, custos e prazos. Nesse contexto, é problemática a visão de tradução de Pym como “um produto acabado”, considerando-se a fragmentação do texto de origem para tradução em equipe e as diversas etapas pelas quais passa o texto até sua conclusão. O tradutor autônomo que presta serviços para essa indústria é, pelo menos aos olhos de quem o contrata, apenas um membro de uma equipe coordenada por gerentes de projetos e que inclui também engenheiros de software, revisores e profissionais de editoração. Nesse espaço de produção de traduções, grande parte das estratégias colocadas em prática, envolvendo a adoção de uma terminologia específica, seu reaproveitamento com o auxílio dos sistemas de memória e seu controle com o uso de banco de dados, não constituem decisões do tradutor, devendo ser por ele acatadas e cumpridas. Esse fato favorece o descomprometimento do tradutor que, por não conhecer ou ser mantido afastado do processo de preparação do material traduzido como um todo, não se vincula à sua conclusão. Como consequência, o tradutor torna-se e faz-se, ainda que aparentemente, invisível aos olhos do contratante e do usuário final da tradução. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 86 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória 4. Considerações finais Quando grande parte dos textos de origem encontra-se em meio digital, se dispersa a responsabilidade do tradutor, que passa a lidar com um original em constante processo de atualização e, em geral, fragmentado para possibilitar a tradução e o tratamento em equipe. Sendo o comprometimento do tradutor com o trabalho que realiza limitado também pelas ferramentas que o auxiliam, desfazem-se as relações que o tradutor constrói com o texto que produz, um fato que repercute diretamente na concepção ética da prática. Como discutido neste trabalho, no momento em que a atuação do tradutor é ocultada ou relegada a um segundo plano em relação ao desempenho de ferramentas como aos sistemas de memórias, sua relação com o texto que traduz limita-se ao pequeno espaço que lhe é permitido intervir no texto. Nesse sentido, o trabalho humano de recriação de sentidos é encoberto na produção tradutória, especialmente pela determinação de reutilização de opções anteriores de tradução recuperadas pelos sistemas de memórias e pelo confinamento do trabalho do tradutor aos segmentos predefinidos de texto. Essa restrição da atuação do tradutor limita também a medida de sua responsabilidade, já que não seria cabível ele responder por um trabalho do qual só traduziu trechos e que desconhece na íntegra. Seus conhecimentos linguísticos e a especialidade em uma determinada área do conhecimento podem ser colocados em segundo plano se entrarem em conflito com determinada opção anterior de tradução armazenada na memória a espera de se fazer valer em uma nova tradução. A expectativa e a prescrição de aproveitamento máximo do que é oferecido pela memória de tradução confere primazia às relações textuais formadas por esse sistema, em especial ao se considerar que: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 87 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória [...] nossas tecnologias agora realizam o trabalho de memória para nós. A linguagem do passado é, assim, retirada de seus contextos subjetivos; é armazenada; torna-se anônima e desumanizada. Nossas relações com o outro, através de culturas no tempo e no espaço são lembradas para nós, e, dessa maneira, não se tornam parte de nós (PYM 2004: 126). Não sendo “parte” do tradutor e, assim, deixando de lhe oferecer a possibilidade de construir uma relação com outra língua e cultura, o texto que lhe cabe traduzir é reduzido aos fragmentos contextuais recuperados da memória de tradução. Segmentos de traduções reaproveitados e introduzidos no novo contexto do trabalho em desenvolvimento tendem a encobrir a intervenção tradutória, inclusive pelo não reconhecimento, por parte do contratante do trabalho, da revisão e da adequação feitas pelo tradutor para que esses segmentos tornem-se coerentes com o texto traduzido de que farão parte. Ciente do papel que desempenha na produção de textos para circulação em meio eletrônico e do pouco controle que exerce sobre a produção final dos textos que é contratado a traduzir, o tradutor também encontra conveniência no encobrimento de sua intervenção, até mesmo, aceitando que seu nome não conste no trabalho realizado. Frequentemente parte de uma equipe, o trabalho do tradutor e sua intervenção difundem-se entre as traduções realizadas por outros tradutores para, então, fundirem-se em um só texto, uma "colcha de retalhos” cujas emendas seriam garantidas pelo controle terminológico promovido com o auxílio dos bancos de dados formados pelos sistemas de memórias. As condições de trabalho do tradutor contemporâneo que faz uso de sistemas de memórias de tradução convidam a retomarmos as concepções sobre ética de teóricos como PYM (1997) e CHESTERMAN (2001). Se pensarmos como Pym que: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 88 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória [...] uma tradução só existe plenamente graças à crença, por parte do receptor, que tal texto, denominado tradução, foi produzido segundo um processo, que se chama traduzir, e que o outro, denominado texto fonte ou original, é o ponto de partida desse processo, mas não provém, ele mesmo, do traduzir. Dito de outra maneira, o receptor crê que a tradução representa plenamente o original. Frequentemente falsa, ideologicamente muito manipulável, talvez seja por essa crença – ilusão, até mesmo mentira – que o tradutor é, em última instância, responsável (PYM 1997: 76). Talvez, possamos inferir que os valores contidos na proposta de juramento ético do tradutor como “lealdade à profissão”, “entendimento”, “verdade”, “clareza”, “confiabilidade” e “honestidade” baseiam-se em crenças sobre o que constituiria o comportamento ideal em determinadas condições de trabalho. Nas situações descritas neste trabalho, esses valores ganham nova dimensão pelo modo como o tradutor executa seu trabalho ao fazer uso dos recursos tecnológicos a ele disponibilizados, ou até impostos, para manter-se atuante diante das exigências de mercados como o de localização. Se retomarmos o juramento proposto por Chesterman no contexto de atuação do tradutor que faz uso de ferramentas tecnológicas de auxílio à tradução, pode-se repensar como se constrói a relação de "lealdade à profissão", defendida por esse autor, na atualidade. Ser leal pode significar compartilhar memórias para colaborar com colegas autônomos que se sentem em desvantagem em relação aos extensos bancos de dados terminológicos com que muitas agências contam, pelo fato de exigirem dos tradutores que lhes prestam serviços que forneçam a memória formada com a tradução contratada. Por esse prisma, a lealdade à profissão pode ser contrária à virtude de confiabilidade por parte do tradutor, também pregada por Chesterman, especialmente em se tratando do respeito ao segredo profissional do cliente. Compartilhar bancos de dados formados a partir de traduções contratadas pode constituir uma forma de “tirar proveito dessas informações”, um ato contrário àquele defendido por CHESTERMAN (2001: 153). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 89 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória A busca por “entendimento” para “maximizar a comunicação e minimizar desentendimentos”, sobre a qual se assenta a proposta de Chesterman, pode estar sendo influenciada pelo modo como as memórias são projetadas e empregadas pelo tradutor. O próprio projeto desses sistemas, com ambientes de trabalho que limitam o olhar do tradutor a caixas com textos segmentados para tradução ou, ainda, colunas com texto de origem e tradução compartimentados e alinhados, induz o tradutor a se apegar às opções oferecidas pela memória, atendo-se às orientações fornecidas para reaproveitamento máximo de trabalhos anteriores na execução de uma nova tradução. Do modo como é executado com o apoio dos sistemas de memórias, o trabalho de tradução é controlado a fim de produzir textos traduzidos idealmente padronizados e, de preferência, que ocultem a intervenção da interpretação do tradutor. Língua e cultura perdem o vínculo nesse esforço para padronização de traduções com o uso das memórias, à medida que a expressividade particular de cada língua é deixada de lado na perseguição por pares bilíngues simétricos na operação de recuperação promovida pelos sistemas de memória. O empenho pela “clareza” e por respeito aos leitores já não dependeria mais exclusivamente das escolhas do tradutor na elaboração do texto traduzido, mas principalmente das circunstâncias em que ele exerce seu trabalho. Essa situação, levada às últimas consequências, pode por em xeque o esforço em prol do “entendimento entre culturas” defendido por CHESTERMAN (2001). Nesse sentido, pode-se concluir com KOSKINEN (2000: 108) que “a ética da tradução não pode ser totalmente coberta pelo regulamento das relações entre os textos de origem e meta, e nem entre os participantes imediatos no processo de tradução”. O modo como são contratados e desenvolvidos projetos de tradução contemporâneos assistidos por ferramentas eletrônicas, como os sistemas de memória, têm promovido mudanças definitivas na maneira como o tradutor atua e em como seu trabalho é reconhecido e remunerado. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 90 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória Concluiu-se que a tradução está experimentando um retorno à tão combatida concepção de transposição de significados entre línguas, feita por um tradutor com condições de se manter neutro. Essa aparente neutralidade seria garantida pela divisão e dispersão do trabalho entre vários tradutores. As diversas redes de relações linguísticas e culturais outrora, e ainda em outros setores de trabalho, construídas pelo tradutor na tradução já não são mais suas, mas misturam-se e difundem-se entre os diversos agentes de um trabalho incessantemente segmentado e pelo qual já não se pode mais atribuir um responsável. 5. Agradecimento Agradeço à Fapesp pelos recursos da bolsa de doutorado (processo no. 06/60974-5) que possibilitaram a pesquisa para elaboração deste artigo. 6. Referências bibliográficas ARROJO, R.. Asymmetrical relations of power and the ethics of translation. TextconText, 1997 v. 11, pp. 5-24. ______. The revision of the traditional gap between theory & practice & the empowerment of translation in postmodern times. The translator, v. 4, n. 1, p. 25-48, 1998. AUSTERMÜHL, F. Electronic tools for translators. Manchester: St. Jerome., 2001. BASSNETT, S. Translation studies. London: Methuen, 1980. CHAUÍ, M.S. O público, o privado, despotismo. In: NOVAES, A. (Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 345-390. CHESTERMAN, A. Proposal for a Hieronymic Oath. In: PYM, ANTHONY (Ed.). The Translator: the return to ethics. Manchester: St. Jerome. v. 7, n. 2, p. 139-154. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 91 Stupiello, E. N. A. – Tecnologias de tradução: implicações éticas para a prática tradutória DOLET, É. La manière de traduire bien d'une langue en autre. Lyon: E. Dolet, 1540. GODARD, B. L’éthique du traduire: Antoine Berman et le “virage ethique" en traduction. TTR: Traduction, Terminologie, Rédaction. Montréal: Canadá, v. 14, n. 2, p. 49-82, 2001. KOSKINEN, K. Beyond ambivalence: postmodernity and the ethics of translation. (Acta Universitatis Tamperensis 774). Tampere: University of Tampere, 2000. LEFEVERE, A. Translating literature. New York: Modern Language Association of America, 1992. PYM, A. Pour une éthique du traducteur. Arras: Artois Presses Université, 1997. ______. Translational ethics and electronic technologies. A profissionalização do tradutor. Lisboa: Fundação para a Ciência e a Tecnologia/União Latina, 2004, p. 121-126. SINTRA, Sindicato Nacional dos Tradutores, Estatutos, Código de Ética do Tradutor, 13 de dezembro de 2004. TYTLER, A.F. Essay on the principles of translation. Amsterdam: John Benjamins, 1978. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 71-91 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização* Reynaldo José Pagura † Abstract: The Interpretive Theory of Translation, also known as Theory of Sense (Théorie du Sens), appeared in the 1960’s from the thinking of Danica Seleskovitch as an interpreter, teacher, and researcher. Seleskovitch is soon joined by Marianne Lederer. It reaches its heyday in the 1980’s, but in the 1990’s begins to be questioned by empiricist theoreticians, who defend the use of research methods borrowed from the so-called “hard sciences” for interpreting and translation studies, an approach always rejected by both Seleskovitch and Lederer. Interesting enough, after Seleskovitch’s death ten years ago in 2001, the theory begins to be reexamined by several researchers in interpretation and translation, who begin to establish an interface between the théorie du sens and several other approaches to the study of translation and interpretation. They show that the concept of deverbalization, which is at the core of the interpretive theory of translation, is still very much alive and underlies many other translation and language theories, even when not specifically mentioned. This article intends to discuss these new looks at the concept of deverbalization, showing how alive and upto-date this concept is in today’s translation and interpreting studies. Keywords: interpretive theory of translation; sense; deverbalization; translation theories. Resumo: A Teoria Interpretativa da Tradução, também conhecida como Théorie du Sens (Teoria do Sentido), surgiu na década de 1960, a partir da reflexão de Danica Seleskovitch como intérprete, professora e pesquisadora, a que se uniu Marianne Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada, em forma oral, no Colóquio de Comemoração dos 50 Anos da Escola Superior de Intérpretes e Tradutores, Universidade Paris III (Sorbonne Nouvelle), em novembro de 2007. * Professor do Departamento de Inglês da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Email: [email protected]. † TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Lederer. Chega ao seu ápice em termos de aceitação na década de 1980, mas nos anos 1990 começa a ser questionada por teóricos empiricistas, que defendem o uso de metodologia de pesquisa quantitativa, utilizada em outras ciências, para os estudos da interpretação e da tradução. Tal abordagem sempre foi rejeitada por Seleskovitch e Lederer. Após a morte de Seleskovitch, em 2001, a teoria começa a ser reexaminada por diversos pesquisadores nos estudos da interpretação e da tradução, que começam a estabelecer interfaces entre a Théorie du Sens e outras diversas abordagens para os estudos da tradução e da interpretação. Demonstram que o conceito da desverbalização, que está no cerne da teoria interpretativa da tradução, continua em evidência e subjaz a diversas outras teorias da tradução e teorias linguísticas, mesmo quando não mencionado especificamente. O presente artigo pretendeu discutir esses novos olhares sobre o conceito da desverbalização, mostrando como tal conceito permanece atual nos estudos da tradução e da interpretação nos dias de hoje. Palavras-chave: teoria interpretativa da tradução; sentido; desverbalização; teorias da tradução. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 94 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização O surgimento da teoria A Teoria Interpretativa da Tradução (TIT), também conhecida como Théorie du Sens [Teoria do Sentido], surgiu a partir da prática em interpretação de conferências, do exercício docente e da pesquisa acadêmica de Danica Seleskovitch e, posteriormente, Marianne Lederer, na École Supérieure d’Interprètes et de Traducteurs (ESIT), da Universidade Paris III, Sorbonne Nouvelle. A noção de desverbalização, que é um dos pontos centrais da Teoria do Sentido, apareceu formalizada pela primeira vez em 1968, quando Seleskovitch publicou sua primeira obra (SELESKOVITCH 1968, 1978), sendo desenvolvida em detalhes em sua tese de doutorado, defendida em 1973 e publicada em 1975 (SELESKOVITCH 1975). É preciso deixar bem claro que toda a reflexão teórica de Seleskovitch se dá a partir dos processos observados na interpretação de conferências (ou tradução oral), especificamente na interpretação consecutiva tradicional, em que o intérprete escuta longos trechos de um discurso ou todo o discurso, para só depois traduzi-lo oralmente. Exemplifica Seleskovitch em sua obra introdutória: Imaginemos que acabamos de fazer um breve discurso de três minutos. Não seríamos capazes de repetir essas quatrocentas ou quinhentas palavras textualmente, com os gestos e a entoação originais, mesmo que nos fosse solicitado fazê-lo imediatamente após o fim do discurso. Normalmente, não saberíamos quais palavras e gestos utilizamos — nem nós nem nossos ouvintes. O que nossa mente retém é o sentido, claro e preciso do que dissemos em voz alta, mas já registrados de maneira amorfa em nossa memória. A maioria das palavras pronunciadas (...) se apagaram na memória do orador e dos ouvintes, e apenas o sentido por elas transmitido permanece. Desse modo, tanto o orador como o ouvinte sabem “o que” foi dito (1978: 16). 1 1 Todas as traduções das citações originais em inglês ou francês são do autor do presente artigo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 95 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização O conceito da desverbalização surgiu, pois, originalmente dessa situação específica e não a partir da tradução escrita, nem mesmo da interpretação simultânea. LEDERER (1998) diz textualmente que “a desverbalização é um fenômeno natural na tradução oral, pelo menos na interpretação consecutiva. (...) Claramente visível na interpretação, a desverbalização é mais difícil de ser observada na tradução escrita” (meus grifos). Fica fácil perceber aqui a admissão de que pode não haver uma desverbalização completa nas outras modalidades de tradução, que não a interpretação consecutiva. LEDERER (1985) esclarece ainda que “a palavra escrita está sempre disponível, permitindo uma apreensão em ritmo mais lento”. No entanto, diz ela, o leitor “apreende simultaneamente um certo número de signos, que se ‘coagulam’ em pequenos sentidos, cada um deles integrado aos seguintes para constituir o sentido geral do texto”. SELESKOVITCH (1978) também faz questão de deixar clara a diferença entre a percepção do discurso oral e do texto escrito: Quando a percepção auditória é comparada à percepção visual do texto escrito, que por sua própria natureza permite uma outra análise, permitindo que tanto as palavras quanto a forma permaneçam, chegamos à conclusão que a percepção auditória tem uma qualidade especial que permite separar o sentido do palavreado, permitindo que retenhamos assim o sentido e nos esqueçamos das palavras. (p.16). É ainda importante lembrar que o raciocínio teórico de Seleskovitch veio a se opor às ideias correntes na Linguística da época, a saber, o gerativismo e o estruturalismo. Ela salienta constantemente a relação existente entre a língua e o mundo exterior, destacando que o processo tradutório ocorre em nível de parole e não de langue, utilizando-se da dicotomia saussuriana. “O estruturalismo de Bloomfield e Saussure se distanciou da relação língua-mundo exterior e língua-pensamento coletivo, para examinar nada mais do que as relações intralinguísticas, o funcionamento de um sistema, onde os fonemas se opõem e onde as palavras TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 96 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização se definem por oposição umas às outras” (SELESKOVITCH 1976). Reitera ainda a autora: (...) estruturalistas como G. Mounin ou R. Jakobson que viram a tradução humana exclusivamente sob o ângulo do funcionamento da língua, e um gerativista como N. Chomsky, que trabalhou indiretamente a favor da tradução mecânica, não perceberam que, para estudar a tradução, deve-se abandonar o domínio dos sistemas de signos articulados, o domínio da competência linguística neutra de um “native speaker” [em inglês no original francês], a fim de penetrar no domínio do ato de comunicação que é, por sua vez, a realização da língua e a expressão de um pensamento individual, o domínio das mensagens transmitidas pela fala e que são, ao mesmo tempo, compostas da língua e de conteúdos cognitivos ligados aos signos linguísticos apenas de maneira transitória. O estudo da tradução exige que se levem em consideração não apenas a competência linguística do indivíduo que compreende e fala, mas também sua bagagem cognitiva e suas capacidades lógicas. (...) Compreender um texto ou discurso não consiste apenas em identificar os conteúdos semânticos permanentes dos signos linguísticos e a eles atribuir a significação que se depreende de sua combinação sintática em frases, mas também discernir os demais elementos cognitivos não-linguísticos que, em uma dada situação, estão ligados ao enunciado (1980: 403). A desverbalização e a transcodificação A desverbalização, posteriormente “conceitualização” (LEDERER 1981, DEJÉAN LE também mencionada como FÉAL 1998), constitui o cerne da TIT e é considerada fundamental para a apreensão do sentido. Resulta da associação do significado linguístico das palavras com conhecimentos nãoverbais anteriores (“conhecimento enciclopédico”) e com o “contexto de situação”, que é o conhecimento da situação em que o intérprete se encontra, envolvendo informações tais como o tema da conferência, quem são os oradores, qual a posição de cada um em relação a um determinado tópico etc (LEDERER 1978, 1990). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 97 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização O processo interpretativo é resumido por SELESKOVITCH (1978) do seguinte modo: 1. Percepção auditiva de um enunciado linguístico que é portador de significado. Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um processo de análise e exegese; 2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da representação mental da mensagem (conceitos, ideias, etc.); 3. Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve atender a dois requisitos: expressar a mensagem original completa e ser voltado para o destinatário (p.9). Seleskovitch enfatiza diversas vezes que um discurso oral se apresenta sem ruptura em sua continuidade e que um ouvinte não se concentra em palavras ou expressões isoladas para o entendimento da mensagem. Caso tente se deter em palavras isoladas ou qualquer outra marca linguística, rapidamente perderá a sua compreensão global (SELESKOVITCH 1981, 1991, 1996). A transcodificação, por outro lado, é a tradução sem desverbalização, em que se traduzem as palavras de uma língua por equivalências convencionalmente pre-estabelecidas em outra língua. A TIT admite que deve haver transcodificação nos casos de números, nomes próprios, siglas e palavras técnicas específicas. Por exemplo, emphysema em inglês será automaticamente transcodificado em português por “enfisema”; carburator será “carburador”, independente de contexto. Datas, quantias e outras expressões numéricas são normalmente anotadas pelo intérprete quando ouvidas em uma língua e, posteriormente, lidas na língua de chegada no momento certo do discurso, sem que seja necessário haver qualquer operação tradutória. O uso da anotação aqui desobriga o intérprete de ter de “traduzir” a expressão numérica, economizando também sua memória de trabalho. Há ocasiões em que, devido à falta de compreensão do sentido, o intérprete acaba recorrendo à transcodificação pura e simples, até que consiga compreender o sentido de um trecho de discurso. Isso ocorre, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 98 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização usualmente, no início de um discurso sendo interpretado em simultânea, quando o intérprete não depreendeu qual a intenção (vouloir-dire, na TIT) do orador. Dificilmente ocorrerá na consecutiva, em que o intérprete só traduz após ter ouvido um longo trecho do discurso na língua original. O intérprete voltará a recorrer à transcodificação caso haja opacidade no discurso em algum trecho ou quando for citada uma lista de nomes ou cifras e estatísticas. A essa alternância entre desverbalização e transcodificação, LEDERER (1981 1982) dá o nome de “movimento pendular”, admitindo, desse modo, a sua existência. Em resumo, o conceito de desverbalização surgiu da análise da interpretação consecutiva, feita da língua estrangeira para a língua materna do intérprete (LEDERER 1985), admitindo-se processos diferenciados na interpretação simultânea e na tradução escrita. Florence Herbulot, conhecida tradutora francesa e ex-presidente da Federação Internacional de Tradutores, chega a dizer que “Danica Seleskovitch começou por recusar que ela [a TIT] pudesse ser aplicada à tradução escrita. Foram os tradutores que a convenceram do contrário (HERBULOT 2004). Críticas à Teoria Interpretativa da Tradução A TIT sempre sofreu muitas críticas, pois, segundo a maior parte de seus críticos, as proponentes da teoria nunca provaram “cientificamente” a existência da desverbalização. No entanto, a tese de doutorado de Seleskovitch, já referida acima, e a de Lederer, publicada em 1981 (LEDERER 1981a) se apoiam em vastos corpora de gravações de interpretações de conferências. JENSEN (1985), em um artigo dedicado quase inteiramente a criticar a TIT, inclui uma declaração pela qual, talvez, ele seja mais TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 99 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização conhecido do que por qualquer outra que já tenha feito: “Não se consegue provar que Seleskovitch esteja errada, do mesmo modo que ela não consegue provar que esteja certa”. Daniel Gile, matemático de formação e um dos mais prolíficos pesquisadores na área de interpretação de conferências, foi também um dos mais frequentes críticos da desverbalização e de outros postulados da TIT. Segundo ele, as afirmações das proponentes são sempre “categóricas demais e com uma série de comentários que não são provados por evidências suficientes”. Questiona constantemente a falta de medidas empíricas (ver GILE 1995a). GILE (1995b) afirma ainda que “a ‘teoria do sentido’ dá a essa estratégia [a desverbalização] uma justificativa doutrinária que dispensa seus defensores de uma justificativa teórica ou experimental”. No mesmo capítulo, justifica a “sólida implantação” da TIT por “fatores sociológicos”, por ter Seleskovitch defendido o primeiro doutorado na França sobre interpretação, por ter ela criado o primeiro programa de doutoramento da área na França e por ter havido uma série de teses de doutoramento defendidas ainda nos anos 1970 nesse mesmo programa (ver GILE 1995b: 55). Em outra publicação, GILE (1995 (c)) refere-se à TIT como “engajada em uma teorização especulativa e introspectiva”, opondo-a a uma tendência teórica surgida a partir de meados da década de 1980, a que ele denomina “aspirante à ciência”. Em publicação posterior, GILE (2001, s/pág.) admite: Um exemplo importante [sobre a reflexão a respeito da interpretação estimulada pela pesquisa] é o da “desverbalização”, estágio da interpretação postulado por Seleskovitch no qual o discurso de origem desaparece completamente em sua forma linguística na mente do intérprete, e é substituído por um tipo de representação não linguística do seu “sentido”. A existência de tal estágio na memória do intérprete nunca foi demonstrada, mas esse conceito é, no entanto, um dos principais na medida em que afirma a legitimidade da interpretação baseada no significado (oposta à interpretação baseada em palavras), e parece ser aceito e praticado por intérpretes e formadores de intérpretes em todo o mundo. (meu grifo). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 100 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização PÖCHHACKER (1995), um dos defensores do empiricismo afirma que “a pesquisa em interpretação ganhou novo ímpeto a partir de meados dos anos 1980. A longa dominação da escola de pensamento representada por Danica Seleskovitch (...) em Paris veio a ser desafiada pelos esforços de pesquisadores de vários locais, com abordagens e paradigmas diferentes, levando alguns a falar de uma “nova era” ou de um “Renascimento” na pesquisa em interpretação.” Mas o mesmo autor já havia afirmado em publicação anterior (1992), ao analisar o papel da TIT: “De fato, Mme Seleskovitch merece total reconhecimento por ter feito oposição às estreitas concepções linguísticas a respeito da língua, que ainda prevaleciam no início dos anos 70”. SCHJOLDAGER (1995) afirma que “como seus críticos repetidamente apontaram, essa ‘teoria” [a TIT] é, no máximo, uma hipótese tentativa que nunca foi empiricamente comprovada. Seria extremamente perigoso confundir tal hipótese com a teoria da interpretação. É triste notar “(...) que a maioria dos seus pesquisadores provavelmente não percebe tal fato“. Em resumo, todos os pesquisadores citados nesta seção do presente trabalho criticam a falta de comprovação empírica da desverbalização pelos proponentes da TIT, apesar dos inúmeros exemplos retirados de corpora de gravações reais apresentados pelos proponentes, principalmente por Lederer. Parece que as únicas provas aceitáveis para tais críticos seriam a quantificação, as medidas estatísticas que dominam as ciências naturais. É a eterna busca do cientificismo, que Seleskovitch sempre criticou nas teorias linguísticas, como já citado anteriormente (ver SELESKOVITCH 1980). DEJÉAN LE FÉAL (1998) afirma que todos os pesquisadores apregoam que a “análise cognitiva é necessária na interpretação”. Corroborando a ideia de Dejéan le Féal, sabe-se que muitos dos pesquisadores da chamada escola científica — Barbara Moser-Mercer, Silvie Lambert, Dominique Masaro — são, de fato, psicólogos cognitivistas de formação. Continua Dejéan le Féal: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 101 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização Em meu entendimento, a desverbalização/conceitualização é simplesmente a análise cognitiva levada ao extremo — o mesmo conceito, porém mais detalhado. De fato, não há indicação na literatura sobre a extensão em que a análise cognitiva deva ser empreendida. (...) Se os críticos da théorie du sens [em francês, no original inglês] especificassem até onde deve chegar a análise cognitiva, seria possível uma discussão mais objetiva da diferença entre os dois conceitos (p. 43). Parece-nos que as duas “escolas de pensamento” sobre a interpretação discordam mais a respeito dos métodos de pesquisa do que sobre os postulados teóricos em si. Nenhum dos críticos da TIT conseguiu, até o momento, provar, por meio dos métodos por eles mesmos preconizados, que a proposta da desverbalização, que está no âmago da TIT, esteja errada. De fato, a conhecida frase de JENSEN (1985) citada anteriormente, pode também ser lida da maneira inversa: Seleskovitch não consegue provar que está certa, do mesmo modo que não se consegue provar que esteja errada. A desverbalização ressurge no século XXI Coincidência ou não, após o falecimento de Seleskovitch em 2001, a ideia da desverbalização, preconizada por ela, vem sendo retomada por diversos pesquisadores em estudos recentes. Robin Setton, pesquisador de interpretação sob a abordagem da pragmática, considera Seleskovitch como “uma pragmatista à frente de seu tempo” (SETTON 2002). Ele demonstra seu uso de entrevistas em suas pesquisas, uma estratégia comum hoje em dia nas pesquisas sobre expertise e uma técnica usada comumente em estudos cognitivos de tradução, sob o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 102 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização nome de think-aloud protocols (TAPs). “No tocante à psicologia cognitiva, o modelo de memória de Seleskovitch está de acordo com o princípio respeitado da modularidade, em que processos diferentes competem por capacidade de atenção. (...) Sua leitura dos dados de interpretação nos termos deste modelo, apesar de impressionística, foi em si mesma uma importante contribuição original” (SETTON 2002). Setton salienta ainda o imenso esforço despendido [inutilmente] pelos opositores da TIT para torná-la apenas uma coisa do passado. Em sua conclusão, ele demonstra esperança: “À medida em que os estudos da interpretação amadurecem, talvez cheguemos a um momento além dos dogmas polarizantes, para reler, atualizar e integrar a perspicácia radical de Seleskovitch, num momento em que as ciências cognitivas estão começando a desenvolver contexto e representação intermediária nos modelos linguísticos e cognitivos” (SETTON 2002). Antin Fougner Rydning, pesquisadora da Universidade de Oslo, na Noruega, em recente trabalho (RYDNING 2005), propõe-se a revitalizar a desverbalização, à luz da chamada blending theory (BT). Utilizando técnicas de TAP e o software Translog, que registra todos os passos do tradutor no computador, a pesquisadora demonstra, através de técnicas comumente utilizadas hoje em dia em pesquisa de tradução, como duas tradutoras (e não intérpretes) experientes “constroem o sentido”. Utilizando o modelo da blending theory, a autora demonstra a percepção do sentido, na tradução do francês para o norueguês, mostrando a fusão (blending) de diversos conceitos na mente das tradutoras para chegarem a seu (diferente) resultado final no texto de chegada. A autora afirma que “as palavras [do original] agem meramente como sugestão para o sentido que nos levam a construir. Elas disparam a imaginação, onde projetamos conceitos dentro de outros conceitos” [o modelo da blending theory]. Segundo ela, a tradução “oferece a pesquisadores da ciência cognitiva um ponto de vista excepcional em um dos aspectos mais complexos da mente humana: a construção do sentido. Por outro lado, a BT [blending theory] parece oferecer aos teóricos da tradução TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 103 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização um modelo geral de construção de sentido que lhes permite dar conta dos mecanismos cognitivos que estão por trás da construção do sentido, o que é central em tradução” (RYDNING 2005). O modelo proposto pela blending theory parece provar a desverbalização por um mapeamento aceito pelas ciências cognitivas. Será que estamos vendo o início da comprovação científica sempre solicitada pelos detratores da TIT? Ou nada além de estatísticas será o suficiente? Em artigo publicado no mesmo número da revista Meta, o pesquisador CLAUDE BOISSON (2005) utiliza modelos do gerativismo mostrando que o processo da desverbalização de Seleskovitch, na tradução, pode ser integrado “em um modelo cujo módulo central é um sistema que permite a geração sistemática de formas lógicas variantes para as sentenças”. Ele declara explicitamente na conclusão do artigo que seu objetivo é “esclarecer a natureza do processo de desverbalização e reverbalização” (p. 494) por meio da geração de “modelizações de conjuntos perifrásticos em abundância” (p. 494). Seria no mínimo curioso ouvir a opinião de Seleskovitch, caso estivesse viva, a respeito da “comprovação” de sua proposta de desverbalização por um modelo gerativista, linha teórica a cuja utilização ela tanto se opôs para a explicação do ato tradutório. Por último cumpre mencionar o trabalho de Jean-René Ladmiral, ainda no mesmo número de Meta, que também se propõe, em longo artigo, a explicar a desverbalização. Segundo ele, “a tradução é caracterizada, a maior parte do tempo, pela descontinuidade da transferência da língua-fonte para a língua-alvo, operada por uma ruptura. Um procedimento de desverbalização ocorre entre o texto de partida, “que não existe mais” e o texto de chegada, “que ainda não existe”. Mas o conceito de desverbalização permanece problemático, pois o sentido parece não existir sem um suporte, cuja natureza ainda não foi definida.” (LADMIRAL 2005). O pesquisador reconhece, como já o fizeram Seleskovitch e Lederer, que o processo da interpretação consecutiva, do qual se originou o conceito de desverbalização, não é o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 104 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização mesmo da tradução escrita. Aponta duas diferenças fundamentais: a primeira é a volatilidade da linguagem oral, que se contrapõe à constância da escrita; a segunda é que na interpretação consecutiva, o original aparece em sequências longas, de modo que não pode ser estocada na memória imediata e traduzida instantaneamente como na interpretação simultânea. Parece claro que Ladmiral pretende destacar que a interpretação consecutiva é radicalmente diferente da interpretação simultânea e da tradução escrita, como já mencionado anteriormente neste trabalho. Em outras palavras, existe “mais desverbalização” na interpretação consecutiva do que na simultânea ou na tradução escrita, o que foi admitido originalmente pelos proponentes da TIT. Ladmiral recorre ao termo “para-verbal” para explicar a desverbalização, admitindo que não se trata de algo totalmente “não-verbal”. Segundo ele, há diferentes níveis de comunicação verbal. É lapidar a sua explicação, e cumpre transcrevê-la na íntegra: O conceito da desverbalização não pressupõe um momento da vida mental que seja mudo entre dois momentos de verbalização, mas sim que, entre esses dois, há necessariamente um desligamento da forma acabada e que se prende às normas das duas línguas em contato (língua de partida e língua de chegada). Parece incontestável que todas as nossas representações e toda a nossa comunicação não podem existir sem um “suporte”. Mas esse suporte não é constituído, necessariamente, dos significantes de uma língua, de uma só língua, nem, sobretudo, são esses significantes constituídos de um enunciado bem formado, conforme às normas de uma determinada língua natural. (p. 479). Considerações finais Ladmiral fornece no parágrafo citado uma das explicações mais claras do que penso ser a desverbalização. Na interpretação consecutiva ela é, praticamente, uma necessidade, pois não é humanamente possível que se retenha o léxico e a estrutura sintática de vários minutos de um discurso. Na TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 105 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização interpretação simultânea, o discurso de partida encontra-se sempre mais presente na mente do intérprete, uma vez que a distância entre o momento em que se escuta o original e se enuncia a tradução oral na língua de chegada raramente é maior do que três a cinco segundos. A impressão da formulação linguística original é, de fato, muito mais presente do que na consecutiva e a desverbalização precisa ser consciente. Na tradução escrita, como já mencionado, o texto original está presente e pode ser consultado constantemente. É nesse processo que a desverbalização se torna mais difícil e precisa, até certo ponto, ser “forçada”. Digo “precisa” propositadamente, pois todo tradutor sabe que não se podem converter apenas as estruturas e o léxico de uma língua para as estruturas e o léxico de outra, sob pena de ter um texto de chegada não-idiomático. Há circunstâncias em que, obviamente, a proximidade entre sintaxe e léxico das duas línguas em contato permite uma transcodificação, para se usar a terminologia da TIT. Em outros, no entanto, fica claro que o tradutor tem de compreender o que diz o texto de partida e reexpressá-lo na língua de chegada, sem se deter na repetição da sintaxe da língua de partida ou na escolha lexical calcada em cognatos dessa mesma língua na língua de chegada. É o chamado “movimento pendular” de Lederer, também já mencionado. É óbvio que não se trata aqui da tradução de poesia, mas principalmente da de textos pragmáticos. É no mínimo curioso notar que Meta, talvez o mais lido e, possivelmente, um dos mais antigos e prestigiados periódicos científicos de Estudos da Tradução, traga em um mesmo número recente, em seu 50º ano de publicação, diversos artigos que se proponham a reabilitar ou explicar o conceito de desverbalização, proposto por SELESKOVITCH (1968) há várias décadas. O conceito que, segundo seus críticos, deveria estar morto por nunca ter sido provado “cientificamente” parece continuar a despertar o interesse de diversos pesquisadores não só da interpretação, como de fato se propunha em sua origem, mas de tradução na sua modalidade escrita. São pesquisadores de diferentes escolas de pensamento e de diferentes TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 106 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização instituições, que tentam explicar a desverbalização à luz de diferentes teorias. Concluo fazendo minhas as palavras de Paulo Rónai, que resumem, para a tradução escrita e sem mencionar o termo, o próprio conceito da desverbalização, conforme proposto por Seleskovitch: “O tradutor mais fiel, já disse, seria aquele que, graças a uma capacidade excepcional, estivesse em condições de esquecer as palavras da mensagem original e, logo depois, de lembrar-se de seu conteúdo, para reformulá-la na própria língua, de maneira mais completa” (RÓNAI 1981). Referências bibliográficas BOISSON, C. La forme logique et les processus de déverbalisation et de réverbalisation en traduction. Meta, 50, 2, 2005. DEJEAN LE FÉAL, K. Non nova, sed nova. The Interpreters’ Newsletter, 8, 41-49, 1998. GILE, D. Basic concepts and models for interpreter and translator training. Amsterdã/Filadélfia: John Benjamins, 1995 (a). _____. Regards sur la recherche en intérpretation de conférence. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1995 (b). _____. Interpretation research: a new impetus? Hermes, Journal of Linguistics, 14, 1995 (c). _____. Interpreting Research—What you never wanted to ask but may like to know. Communicate! (órgão informativo da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência], Genebra, março-abril de 2001. HERBULOT, F. La théorie interprétative ou théorie du sens: point de vue d’une praticienne. Meta, 49,2, 2004. JENSEN, P. A. SI: A note on error typologies and the possibility of gaining insight in mental processes. Meta, 30, 1, 1985. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 107 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização LEDERER, M. Simultaneous interpretation—units of meaning and other features. In: Gerver, D. e H. Wallace Sinaiko (orgs). Language interpretation and communication. Nova York: Plenum Press, 1978. ____. La traduction simultanée—expérience et théorie. Paris: Minard, 1981(a). ____. La pedagogie de la traduction simultanée. In: DELISLE, J. L’enseignement de l’interprétation et de la traduction. Cahiers de traductologie:4. Ottawa: Editions de l’Université d’Ottawa, 1981 (b). ____. Le processus de la traduction simultanée. Multilingua, 1,3, 1982. ____. L’interprétation, manifestation élémentaire de la traduction. Meta, 30, 1, 1985. ____. The role of cognitive complements in interpreting. In: Bowen, D. e M. Bowen. Interpreting — yesterday, today, and tomorrow. American Translators Association Scholarly Monograph Series. Binghamton (N.Y.): State University of New York, 1990. ____. The interpretive theory of translation: a brief survey. El Lenguaraz Revista academica del Colegio de Traductores Públicos de la Ciudad de Buenos Aires, 1, 1, 1998. PÖCHHACKER, F. The role of theory in simultaneous interpreting. In: C. DOLLERUP e A. LINDEGAARD (orgs.), Teaching translation and interpreting: training, talent and experience. Amsterdã: John Benjamins, 1992. RÓNAI, P. A tradução vivida. 2a. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. RYDNING, A. F. The return of sense on the scene of translation studies in the light of the cognitive blending theory. Meta, 50, 2, 2005. SCHJOLDAGER, A. Interpreting research and the ‘Manipulation School’ of Translation Studies. Target, 7, 1, 1995. ____. “Those who do...”: a profile of research(ers) in interpreting. Target, 7:1. 47-64, 1995. SELESKOVITCH, D. L’interprète dans les conférences internationales. Paris: Minard, 1968. ____. Langage, langues et mémoire: étude de la prise de notes en interprétation consécutive. Paris: Minard, 1975. ____. De l’expérience aux concepts. Études de Linguistique Appliquée, 24, Paris: Didier, 1976. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 108 Pagura, R. J. – A Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização ____. Interpreting for international conferences. Tradução de L’interprète dans les conférences internationales. Washington: Pen and Booth, 1978. ____.1980. Pour une théorie de la traduction inspirée de sa pratique. Meta, v. 25, n. 4.pp. 401-408. Montreal: Presses de l'Université de Montréal. ____. L’enseignement de la interprétation. In: DELISLE, J. L’enseignement de l’interprétation et de la traduction. Cahiers de traductologie:4. Ottawa: Editions de l’Université d’Ottawa, 1981. ____. De la pratique de l’interprétation à la traductologie. In: Lederer, M. e F. Israel. La liberté en traduction. Paris: Didier Érudition, 1991. ____. Interpretation and verbal communication. In: Lauer, A. et al. Übersetzungswissenschaft im Umbruch. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 1996. SETTON, R. Revisiting the classics — Seleskovitch: A radical pragmatist before her time. The Translator, 8, 1, 2002. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 92-108 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares * Abstract: In 2009, seventy years after Sigmund Freud’s death, his work went into the public domain. As a consequence, after decades of intense critics on the only and indirect translation available in Portuguese, we finally have in Brazil three translation projects of his writings being developed directly from the original in German. The intention of this article is therefore to discuss about the challenges and directions taken by these translators, above all, concerning the difficult task of compromising Freud’s acclaimed literary style with a precise recuperation of his psychoanalytical terminology. As an example, we conclude by investigating the choices taken to translate Trieb, one of the most important of Freudian concepts. Keywords: Sigmund Freud; Freud’s translation; Translation and Psychoanalysis; Trieb. Resumo: Em 2009, 70 anos após a morte de Sigmund Freud, sua obra caiu em domínio público. Como consequência, após décadas de intensas críticas sobre a única e indireta versão disponível em língua portuguesa, tem-se finalmente três projetos de tradução sendo desenvolvidos no Brasil a partir do original alemão. A intenção deste artigo, portanto, foi a de discutir os desafios e as direções tomadas por esses tradutores, sobretudo no que concerne à difícil tarefa de conciliar o aclamado estilo literário de Freud e uma precisa recuperação de sua terminologia psicanalítica. A título de exemplo, finalizou-se investigando as escolhas feitas para a tradução de Trieb, um dos mais centrais conceitos freudianos. Palavras-chave: Sigmund Freud; Tradução de Freud; Tradução e Psicanálise: Trieb. * Professor nomeado para a Área de Alemão DLM-FFLCH-USP. Doutor em Psicanálise e Psicopatologia - Université Paris VII. Doutor em Teoria Literária – UFSC. Pós-doutorando em Estudos da Tradução - PGET/UFSC. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 110 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Sigmund Freud, fundador-idealizador da psicanálise, legou-nos uma expressiva obra que, sem dúvidas, revolucionou não somente as ciências clínicas, mas a própria cultura e a noção de sujeito na virada do século XIX para o século XX. Suas proposições inovadoras e controversas, seus pontos de vista a respeito do psiquismo e da cultura causaram em sua época, e ainda hoje causam, celeuma e discussões de cunho hermenêutico e epistemológico mesmo entre os leitores que puderam ter acesso à sua obra no idioma original (texto-fonte): o alemão. Ao longo do século XX, porém, à medida que sua obra era traduzida para outras línguas europeias modernas e também à medida que avançavam as recepções da psicanálise nos meios acadêmicos e nos institutos de formação, questões concernentes à tradução passaram a se confundir com uma dinâmica de poder institucional. Conforme o viés dado às traduções, sobretudo àquelas que privilegiaram um rigor conceitual acima da manutenção do estilo freudiano, passou-se a observar uma crescente disputa entre os freudianos quanto a quem, em que língua, ter-se-ia mantido mais fiel à obra do mestre. A mais influente empresa de tradução da totalidade das obras de Freud deu-se na Inglaterra, a cargo do casal James e Alix Strachey, que verteram a obra de Freud do alemão ao inglês sob a supervisão teórica e tutela do então principal representante político do freudismo naquele país: Ernest Jones. O preço pago por esse pioneirismo foi uma considerável crítica, sobretudo das escolas francesas de psicanálise que apontaram na Standard Edition dos Strachey um viés excessivamente médico-biológico para a obra de um pensador que, mesmo tendo suas origens na clínica médica, gradativamente dela se afastou para ser um intelectual e pensador do sujeito e da cultura mediados pela linguagem, pelo simbólico. Na verdade, apesar da repercussão dessas críticas ser muito mais vultosa na França e na América Latina, a mais emblemática reprimenda a essa tradução foi feita nos Estados Unidos com a publicação de Freud and Man´s TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 111 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Soul de Bruno Bettelheim. Esse psicanalista vienense radicado nos Estados Unidos via que o Freud vertido para o inglês perdera seu potencial humanista, transformando-se em um autor tecnicista. A explicação provável não é a leviandade ou negligência dos tradutores, mas um desejo deliberado de perceber Freud estritamente dentro do quadro da medicina e, possivelmente, uma tendência inconsciente a se distanciarem do impacto emocional daquilo que Freud procurou transmitir (BETTELHEIM 1982). Fortemente influenciada pela leitura que JACQUES LACAN (1901-1981) propôs em meados do século XX – do que ele chamou de “retorno a Freud”, a partir de recursos como a linguística estrutural de Ferdinand de Saussure –, a intelectualidade francofônica propôs a necessidade de recuperar em Freud o rigor dos elementos de linguagem, sobrepondo o simbólico ao enfoque médico e positivista dado pelos britânicos e norte-americanos. Diante dessa necessidade surge a tradução dirigida por Jean Laplanche, Pierre Cotet e André Bourguignon, fortemente influenciada pelas ideias dos intelectuais franceses em voga no período. Essa tradução, influenciada pelas apropriações lacanianas da linguística de Saussure, primou pela “fidelidade ao significante”, tornando-se uma tradução “terminológica”, sobrepondo o conceitual ao estilo do autor. Para esses tradutores, expressamente: “A exatidão inclui a recusa do embelezamento e da reparação” (BOURGUIGNON et al. 1989). Entretanto, esses tradutores sofrerão pesadas críticas por não levarem, muitas vezes, em consideração o não isomorfismo lexical entre as línguas alemã e francesa. O exemplo mais patente é o caso de Angst traduzido invariavelmente por angoisse (angústia), mesmo quando sua conotação claramente seria a de peur (medo) ou anxiété (ansiedade). Casos semelhantes, de discussão quanto aos critérios de tradução, ocorreram com outras importantes traduções para idiomas europeus como, por exemplo, o espanhol. Ainda que com uma repercussão muito menor em um primeiro momento, foi neste idioma que se viu uma primeira empresa de TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 112 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia tradução pretendendo a totalidade dos escritos freudianos. Trata-se da tradução intitulada Sigmund Freud – Obras Completas, do espanhol Luís Lopez-Ballesteros y de Torres, fomentado pelo filósofo Ortega y Gasset realizada entre 1922 e 1938 (VILLAREAL in Orston 1992). Bastante incompleta e com muitas imprecisões, esta edição foi revista e ampliada pelo argentino Ludovico Rosenthal, na década de 1950. Tantas correções provocaram na Argentina, talvez o mais freudiano dos países, o debate sobre a importância de uma nova versão. Em tempo recorde, entre 1978 e 1982, José Luis Etcheverry produziu para a Editora Amorrortu uma tradução criteriosa e, ainda que sem os exageros e as inflexibilidades da versão francesa, bastante preocupada com a fidelidade terminológica, sem esquecer aspectos estilísticos, mesmo que os deixasse em segundo plano (WOLFSON 2006). Esta é, sem dúvida, a versão mais consultada no Brasil pelos estudiosos de Freud que não têm acesso ao seu idioma original e que encontram, portanto, na castelhana língua irmã uma forma de consolo. No Brasil, até muito recentemente, ficamos à mercê de traduções indiretas e de comparações entre critérios adotados em traduções para outras línguas. Um século depois da criação da psicanálise, a única versão da totalidade das obras de Freud, a Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, é uma tradução feita a partir da versão inglesa. Quer dizer, até o final desse século, a única versão disponível em língua portuguesa aos brasileiros era uma “tradução de tradução”, uma versão feita a partir da referida tradução de James e Alix Strachey. A versão dos Strachey divide os leitores de Freud, sendo aqueles criticados pelo viés ideológico que deram a Freud, sua tradução, porém, foi bastante elogiada pelo pioneirismo, organização, sistematização e, sobretudo, por um primoroso zelo. Seu aparato editorial (notas, prefácios, índices, glossários) foi parcial ou totalmente utilizado por praticamente todos os tradutores para outras línguas e veio a ser incorporado inclusive á Studienausgabe (Edição de Estudos) alemã. No caso da tradução brasileira, tradução dessa tradução, ela mostrou-se especialmente TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 113 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia problemática, não somente por ter sido feita de modo indireto, mas também por considerável debilidade em critérios e sistematização. Para a tradutora MARILENE CARONE (1989), crítica mais mordaz dessa versão, Strachey não seria o problema: em momento algum os ‘pecados’ de Strachey são frutos da incompetência do tradutor ou do desconhecimento da língua de partida ou de chegada. São sempre expressões de uma intenção clara de apresentar a psicanálise dentro de determinada orientação ideológica (...). Mas com a edição brasileira não estamos sequer diante de uma tradução razoavelmente correta do inglês. É muito, muito pior (...). Trata-se pura e simplesmente de falta de competência e responsabilidade no trabalho intelectual. Com ela, temos a melancólica oportunidade de ver um escritor do porte de Freud falando como um personagem de filme dublado de televisão, cometendo erros crassos de português, usando uma linguagem retorcida e pedante, assumindo incoerências teóricas e às vezes fazendo afirmações inteiramente sem pé nem cabeça. Atualmente, porém, com um século de atraso, surgem ao leitor brasileiro simultaneamente três novas traduções de Freud sendo, desta vez finalmente, traduções diretas do idioma original: o alemão. Este que certamente pode ser considerado um fato histórico de tradução, que testemunhamos a partir de 2010, apresenta claros motivos para a sua compreensão e também pontos fundamentais para reflexão e investigação. O motivo fundamental deste atraso parece simples: a editora brasileira que detinha os direitos autorais que agora, 70 anos após o falecimento de FREUD (em 1939), caem em domínio público era também a que possuía os direitos da pioneira tradução dos Strachey para o inglês. Esta mesma editora, a Imago, cinco anos antes de a obra entrar em domínio público, lançou em 2004 um primeiro volume de uma primeira tradução elaborada diretamente do alemão (Obras Psicológicas de Sigmund Freud – Volume 1 – Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente), a cargo de uma equipe coordenada pelo psicanalista e tradutor Luiz Hanns. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 114 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Hanns já era uma referência nacional quanto a Freud e sua terminologia original desde seu Dicionário Comentado do Alemão de Freud, publicado em 1996 pela mesma editora Imago do Rio de Janeiro. Neste caso, da tradução de Hanns, o atraso parece ser compensado por um inédito zelo e minúcia marcados pelas exaustivas referências e notas, além de longa introdução (45 páginas) dedicada aos Critérios de Tradução ali adotados. Trata-se aí de um fato sem precedentes mesmo nas famosas traduções para o francês ou para o espanhol. No caso do espanhol, Etcheverry chegou a elaborar um breve livro adicional à edição da Amorrortu sobre sua tradução, mas nada comparável ao que Hanns inseriu nos próprios volumes de suas traduções. Em paralelo, porém, outro reconhecido tradutor brasileiro, Paulo César de Souza, vem elaborando outra versão das obras de Freud. Souza, que já duas vezes foi agraciado com o prêmio Jabuti de tradução por suas versões diretas do idioma alemão ao português das obras de Brecht e Nietzsche, dedicou às traduções da obra de Freud sua tese de doutorado, posteriormente publicada pela Editora Ática sob o título As Palavras de Freud – O Vocabulário Freudiano e suas Versões (1999). A tradução de Souza veio a lume somente em 2010, com os quatro primeiros volumes (de 20 programados) publicados pela editora Companhia das Letras de São Paulo. Uma terceira tradução da obra de Freud está a cargo de Renato Zwick, bacharel em filosofia e tradutor de autores filosóficos e literários de expressão alemã, pela editora L&PM de Porto Alegre. Também no ano de 2010, esta editora publicou dois primeiros volumes da tradução de Zwick, desta vez de ensaios de Freud, a saber, O futuro de uma Ilusão (Die Zukunft einer Illusion) e O Mal-Estar na Cultura (Das Unbehagen in der Kultur). Temos, portanto, três traduções ocorrendo simultaneamente em três localidades distintas do País. Diante deste fato ímpar para os estudos de tradução, já começamos a observar os efeitos de intensos debates, criações de grupos de estudos, embates entre defensores de uma das três traduções, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 115 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia entre tantos outros fenômenos. A importância de fato é compreensível já que se trata de um autor que fez do simbólico e da linguagem o centro da experiência humana. Alguém que influencia com sua obra de forma tão contundente os Estudos de Tradução, a Literatura, a Análise de discurso, entre outros domínios intelectuais relacionados à linguagem, certamente, merece um criterioso debate a respeito de sua própria escrita. O trabalho com a obra de Freud e sua transposição a outras línguas impõe aos seus tradutores desafios de recomposição de uma escrita complexa e multifacetada. Ao longo do desenvolvimento de sua teoria e técnica de trabalho, assiste-se ao concomitante desenvolvimento de Freud enquanto escritor. Não que desde o seu tempo de neurologista ou pesquisador de laboratório suas publicações científicas fossem menos elaboradas no que diz respeito a sua composição estilística. Mas, na passagem para a sua Metapsicologia (como denominou sua empresa teórica) e nas suas descrições de caso, os dotes de um Freud beletrista tomam um lugar de destaque. Sua preocupação em divulgar a psicanálise serve como subsídio para o aprimoramento de uma estilística elaborada, porém acessível, aproximandose de uma prosa científica. Ao mesmo tempo, suas obras como ensaísta e seus relatos de casos clínicos fizeram enriquecer sua capacidade de escritor imaginativo (Dichter) (TAVARES 2007). Poderíamos dizer com SCHÖNAU (1968), portanto, que se fazia presente no criador da psicanálise uma espécie de natureza dupla em sua escrita. Uma espécie de prosa científica (Wissenschaftsprosa), com aspectos de uma “prosa-poético-imaginativa” (Dichtprosa), mas que apelando para a sensibilidade do leitor, através de recursos literários, procuraria transmitir conhecimentos e apelar para a razão. Aqui, aludimos à busca de conciliação de Freud entre o racional e o estético, admitindo o envolvimento estético de quem o lê desde que isso não prejudique a Ratio (SOUZA 1998). Walter Schönau, que exalta os dotes literários de Freud, de fato defende a tese de um Freud firmemente calcado na ciência, encontrando no TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 116 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia belo estilo não mais que um poderoso recurso comunicativo. “Estou ciente de que a concentração sobre o estético-literário oculta o perigo da desfiguração” (SCHÖNAU 1968). Para este autor, Freud não deve ser visto como escritor e sim como cientista. O “literário” em Freud “... trata-se aí de um fenômeno secundário (...) sem negar que ele exerça um papel nada marginal na estrutura global”. Apesar destas fronteiras entre o científico e o estético nos parecerem hoje, de certo modo, ultrapassadas, cabe lembrar que certamente não o eram na virada para o século XX. Diferente e muito mais ousada é a visão de Walter Muschg, que já em 1930 – mesmo ano, aliás, em que Freud é agraciado com o Premio Goethe – publica o sugestivo ensaio Freud como Escritor (Freud als Schriftsteller), no qual sem negar seus dotes científicos apresenta-o como mestre da escrita. Este importante crítico literário suíço inicia seu ensaio dizendo que “O escritor Freud não pode ser separado do psicólogo...” e, sendo seu contemporâneo concluiu considerando-o, “um dos mais impositivos autores da Literatura (Schrifttum) atual” (MUSCHG 1930). O estético aparece, de fato, em Freud como um importante recurso à teorização. Sua opção pelo elemento literário, que se manifesta seja nas numerosas epígrafes, citações ou analogias de suas construções teóricas com autores cuja obra se articula à instituição do estético, ou mesmo no estilo próprio de exposição de suas ideias, poderia ser observado como uma forma de travestir o discurso teórico, tal qual ocorre com o estilo de escrita comum a tantos autores da pós-modernidade (TAVARES 2007). O estilo freudiano, mais do que dar harmonia, beleza e clareza às suas construções teóricas, implica diretamente a elaboração dessas formulações. Tomando aqui a ideia de Francesco Adorno, distinguir estilo de conteúdo seria incorrer em um erro metodológico: Se o estilo for uma ‘distorção coerente’ da linguagem, não é necessário somente considerá-lo como modo de expressão, mas é necessário analisá-lo como uma divergência em relação à norma TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 117 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia lingüística (sic) que também tem a capacidade para organizar o texto do pensamento. O ‘estilo’ é, assim, uma maneira de caminhar, um gesto não textual, capaz também de organizar ‘o texto de um pensamento’ (ADORNO 1996). Falar, porém, de um estilo de Freud como um misto de uma escrita que ora se vale do recurso do rigor e do convencimento, ora da figurabilidade e da fruição, seria um reducionismo injusto. A colocação de Freud como um dos maiores escritores do século XX justificar-se-ia se observássemos a riqueza de seu(s) estilo(s). Qualquer tentativa de rotulá-lo, deveria antes passar pela observação de seus tradutores franceses (LAPLANCHE, COTET & BOURGUIGNON 1989: 23-4) acerca do “elenco” de estilos manifestos em sua prosa: - - o filósofo e didata da metapsicologia; o dialético da Psicologia das Massas; o conferencista real ou imaginário das Conferências e das Novas Conferências; o ensaísta da Recordação de Infância de Leonardo da Vinci; o orador de Recordações Atuais sobre a Guerra e a Morte; o debatedor que encontra, em Totem e Tabu ou na Análise de uma Histeria, o movimento mesmo de uma reunião pública; o polemista da Contribuição à História do Movimento Psicanalítico; o procurador que ajusta as contas com Jung, Adler ou Janet; o panegirista de Charcot; o biógrafo ou exegeta de Moisés; o memorialista de si mesmo (Estudo Autobiográfico); o prefaciador de ao menos 15 obras de confrades; o linguista de “o Inquietante” (Das Unheimliche); o poeta das horas de graça concedida pela natureza (“A Transitoriedade”), pelo romance (Gradiva), pela comédia shakespeariana (“o Tema das Escolhas dos Cofrinhos”); o cronista de seus próprios sonhos ou de seus lapsos, inclinado à confidência ou à confissão; o dialoguista que sabe fazer falar tanto o pequeno Hans, como o interlocutor parcial da “Análise Leiga”; o contador das “Lembranças Encobridoras”; o folhetinista da Viena burguesa, com suas ruas, suas moradias, seus pátios, suas escadas, suas alcovas; TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 118 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia - o miniaturista do “Bloco Mágico”; o humorista que gosta de ditos espirituosos e analisa aqueles dos outros; o mestre do aforismo, de todas as formas de imagens, comparações e metáforas, do paralelo, da citação que ele explora ou do exergo de que se apropria. Em suma, dizer que Freud era um talentoso escritor talvez em muito se deva a esta versatilidade, que impede qualquer definição estilística. O recorte que procuraremos evocar aqui, no entanto, será quanto à insistente preocupação que se encontra em sua prática, sua teoria e em seu estilo, de transpor do visual para as palavras e, em via contrária, como suas construções teóricas remetem à representação imagética, como é o caso dos recursos topológicos. Segundo sua própria teoria dos sonhos, as imagens oníricas que, no processo primário, estão associadas às palavras – ou talvez às representações-palavras – serão traduzidas, a partir do processo secundário, na busca das palavras que relatarão, e com isso interpretarão, o sonho como faz o decifrador de um rebus. Pensamentos do sonho e o conteúdo do sonho nos são dados como duas apresentações do mesmo conteúdo em duas línguas diferentes, ou melhor, o conteúdo do sonho aparece como uma transposição dos pensamentos de sonho em um outro modo de expressão cujos caracteres e leis sintáticas podemos conhecer através da comparação do original com a tradução. (Traumgedanken und Trauminhalt liegen vor uns wie zwei Darstellungen desselben Inhaltes in zwei verschiedenen Sprachen, oder besser gesagt, der Trauminhalt erscheint uns als eine Übertragung der Traumgedanken in eine andere Ausdrucksweise, deren Zeichen und Fügungsgesetze wir durch die Vergleichung von Original und Übersetzung kennen lernen können) (FREUD 1900). Freud faz uso muito particular dos recursos imagéticos da língua alemã para tratar justamente, pelo exemplo da narrativa envolvendo o sonho, da transposição das imagens ao discurso. Neste sentido, demonstra o quanto o trabalho do analista é um trabalho de tradução (idem). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 119 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia Sua versatilidade e sua erudição se destacam no estilo ou na escrita, porém, à diferença do que se possa pensar, a sua terminologia, os elementos fundamentais de sua metapsicologia, seus Grundbegriffe (conceitos fundamentais), eram muito mais “familiares” e “comuns” no contexto de sua cultura e língua de expressão do que se tende a imaginar a partir das traduções mais difundidas. Isso, aliás, para aqueles que têm contato com o seu pensamento no original alemão não é de se estranhar, uma vez que toda a problemática de sua obra e do tipo de “tratamento psíquico” que sugere é sobre e para as questões da vida cotidiana (FREUD 1901). Se dizia que era necessário certo nível intelectual para se submeter à análise, estava se referindo à capacidade de abstração e de elaborar metáfora (de “traduzir” em última análise). Freud raramente quis fazer uso das chamadas “línguas clássicas”, do latim e do grego, como recurso de autoridade cientificista, tal como se observa em aspectos da erudita tradução dos Strachey. Freud nunca falou em anáclise (anaclisis), e sim em apoio (Anlehnung), nunca mencionou um neologismo de origem grega como catexia (cathexis), mas tratou de algo acessível como a ideia de ocupação ou investimento (Besetzung). O objetivo mais amplo, portanto, a partir deste artigo, foi o de fomentar a discussão sobre as interfaces entre Tradução e Psicanálise a partir de certas reflexões quanto à situação da tradução das obras de Freud no Brasil. O fato da elaboração das três novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão foi proposto como ponto de partida para um tema muito mais amplo, a saber, o da interface entre Psicanálise e Tradução. Desde a Traumdeutung, sua obra mestra, Freud compara o analista a uma espécie de “decifrador de hieróglifos” (FREUD 1900) nos moldes de Champollion, que transpõe a linguagem do inconsciente a uma linguagem compreensível pela consciência. Ou para citarmos Mahony em seu Freud as a Writer, “o objetivo mais geral do analista é fazer, por meio de suas TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 120 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia traduções, a transposição do que é inconsciente para o que é consciente” (1987: 7). Freud e a psicanálise nos lembram que “toda língua nos é estrangeira” (FREUD 1919), é uma lei na qual somos imersos por outro e a partir dos códigos de um outro. É neste estranho/estrangeiro que constituiremos nossa morada. A esta questão Freud dedicou seu ensaio de caráter mais linguístico: Das Unheimliche (1919), no qual trabalhou exaustivamente as implicações deste significante composto pela negação (prefixo un-) ao familiar (heimlich), ao lar (Heim) e que dá conta paradoxalmente da “estranheza inquietante” provocada pelo que nos é próprio, ainda que vivido como “estrangeiro/estranho” (fremd). Estranho e inquietante é tudo o que me toca e me diz respeito sem que eu possa para isso encontrar tradução. A tradução tem uma relação intrínseca com a psicanálise, já que os primórdios das relações humanas são relações de tradução. “A tradução é sempre incompleta e cheia de falhas e tropeços como o próprio sujeito. O autor (...), a relação entre o tradutor e autor é conflituosa como a relação com o desejo ou a relação psicanalítica” (MONTEIRO, 2009: 43). Acredita-se que o debate entre estes fazeres oferece muitas possibilidades ainda inexploradas. Como bem ilustra o título do artigo de Paulo César de Souza, Nosso Freud (SOUZA 1986), a intenção do autor deste artigo foi lançar luz sobre um debate do quanto estas traduções contribuirão para uma apreensão direta da obra de Sigmund Freud, com ou sem interferências de uma terceira língua. Visou-se analisar as soluções encontradas para certas necessidades de escolhas com a qual o tradutor tradicionalmente se depara ao estabelecer suas ênfases ou critérios entre o estilo e a terminologia. Estas questões fundamentais estão citadas a seguir: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 121 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia • Adaptação ou recriação da terminologia: se Sigmund Freud pretendeu com sua obra fundar uma disciplina científica, torna-se difícil precisar o que deve ser elevado à categoria de conceito e que opções de vocabulário (filosófico, médico, psicológico) no português deverão ser priorizadas em termos tais como: Ich (ego / eu), Es (id/isso), Besetzung (catexia / investimento / ocupação), Verdrängung (recalque / repressão / repulsão), Vorstellung (representação / ideia), Angst (angústia / medo / ansiedade), Verwerfung (rejeição / forclusão), Zwang (compulsão / coerção / obsessão), Versagung (frustração / impedimento) etc. • Adaptação ou recriação de estilo: se Freud é tido como o pai da Psicanálise e o inventor de uma disciplina teórica, não devemos esquecer que ele foi agraciado com o Prêmio Goethe em reconhecimento ao seu talento como escritor e ensaísta. Se a necessidade de uma precisão quanto a sua terminologia é largamente debatida a partir dos diferentes partidários do freudismo, o maior prejuízo que acaba por se observar em decorrência desta busca por um purismo conceitual é a perda da fruição do texto e a elegância de seu estilo. Mister se faz, portanto, observar as estratégias de preservação ou reinvenção deste estilo. • Adaptação ou recriação tendo outras línguas como interdiscurso: se a tradição do freudismo no Brasil foi e é fortemente influenciada pelas leituras prévias de autores influentes a partir de outras línguas como o inglês, o francês e o espanhol (dada a forte tradição psicanalítica argentina), deve-se observar de que modo os tradutores sofrerão estas influências ou optarão realmente por explorar de forma inédita os recursos da língua portuguesa. Por certo que os debates sobre essas três traduções prometem ser intensos e talvez seja um tanto prematura a tentativa de uma ampla investigação enquanto dispomos de tão pouco material publicado. É importante esclarecer que até o momento não há nenhum texto de Freud que tenha sido traduzido e publicado pelos três tradutores em questão. Mesmo assim, passemos agora para uma primeira exploração das direções tomadas a respeito do mais polêmico ponto concernente à tradução TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 122 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia de Freud em sua terminologia. Trata-se do conceito fundamental Trieb *, que através da tradução indireta da Standard Brasileira tornou-se instinto. Nas críticas aos Strachey e sua “biologização” do texto freudiano, este, o uso de instinct (e não o de drive) para o Trieb é por certo o exemplo mais evidente. Em meio às décadas de espera por uma tradução direta, consagrou-se no Brasil através da forte influência francesa e lacaniana o termo pulsão (pulsion) como alternativa ao intensamente criticado instinto. Pulsão já encontra inclusive no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa a acepção psicanalítica: substantivo feminino Rubrica: psicanálise. Processo dinâmico, força ou pressão, que faz o organismo tender para uma meta, a qual suprime o estado de tensão ou excitação corporal que é a fonte do processo. Obs.: cf. instinto (psicn.) (HOUAISS & VILLAR 2001). Nas três referidas traduções, encontramos três versões diferentes para este que é talvez o segundo (após o termo Unbewusste - inconsciente) mais central dos conceitos freudianos. Luiz Hanns adere aí à tradição predominante que através da influência francesa adotou o termo pulsão. Hanns não se declara plenamente satisfeito com a escolha. Aponta para o exagero daqueles que separam radicalmente as acepções de instinto e pulsão, já que o Trieb em certas acepções poderia ser tomado como sinônimo de instinkt, mesmo que esse dificilmente seja o caso nos usos freudianos do termo. Eis como o tradutor expõe a defesa de sua opção: O termo “instinto” não foi adotado nesta tradução por ser mais estreito que Trieb e levar a uma compreensão mais desligada dos aspectos volitivos e representacionais também presentes em Trieb e fundamentais para uma compreensão psicodinâmica e metapsicológica * O que aqui é apontado como um mero exemplo comparativo entre as três traduções diretas da obra de Freud ao português brasileiro é exaustivamente abordado em outro artigo de mesma autoria “As ‘derivas’ de um conceito em suas traduções: o caso do Trieb freudiano”, atualmente sob análise para sua publicação em outro importante periódico acadêmico brasileiro. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 123 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia do inconsciente. Por este motivo a escolha recai sobre o neologismo oriundo do francês e já usual na psicanálise brasileira “pulsão”, que, apesar de menos compreensível do que instinto tem a vantagem de remeter foneticamente a algo que “pulsa” e a “impulsão” (HANNS 2006). Já Paulo César de Souza, crítico ferrenho da tradução francesa de Laplanche e grande admirador da versão de Strachey (“... das traduções atualmente disponíveis... a Standard é ainda a melhor...” SOUZA, 1999), insiste em instinto colocando o termo entre aspas para diferenciar do Instinkt, termo alemão que aponta de fato para a acepção fundamentalmente criticada de determinismo biológico que o termo veicula na língua portuguesa. Em sua defesa remete o leitor à origem etimológica do termo em “instigar, aguilhoar, estimular”. Reforça sua opção por instinto em detrimento de pulsão com o (no mínimo) inusitado comentário: O mesmo ponto de vista foi saborosamente expresso por um amigo homossexual, numa ocasião em que lhe perguntei o que achava do termo “pulsão”. Ele respondeu “Pulsão têm os anjos, meu querido; gente tem instinto” (registro o fato da sua homossexualidade porque é freqüente (sic) os homossexuais terem uma percepção mais penetrante da sexualidade – própria ou alheia) (idem). Curiosamente, percebemos em outro caso, Hanns aderir mais às tradições francesas e Souza às soluções da versão inglesa dos Strachey. É o que ocorre com o também fundamental termo Verdrängung. Para Hanns Verdrängung é recalque, tão próximo de refoulement (tradução francesa) e para Souza repressão, tão próximo de repression (tradução inglesa). Souza chega a traduzir kultur por civilização tal qual o faz Strachey como o termo civilization. Renato Zwick, por sua vez, adota para o Trieb uma opção bastante original e ousada por impulso. Em uma tradução com parcas anotações percebemos neste tradutor uma preocupação com o leitor não iniciado, ou talvez uma tentativa de se fazer valer do léxico coloquial da língua TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 124 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia portuguesa para se aproximar da melhor forma possível do termo freudiano. Sua publicação de Das Unbehagen in der Kultur (O Mal-Estar na Cultura) é acrescida de um breve apêndice “Sobre a tradução de um termo empregado por Freud” no qual utiliza o dicionário de Hanns, alegando que o substantivo Trieb derivado do verbo treiben significa ‘impelir, impulsionar, tocar para a frente’” (ZWICK 2010). O tradutor procura com isso superar a dicotomia certamente colonialista de aderir ou à tradição anglo-saxã, e traduzir Trieb por instinct (instinto), ou a francesa que impõe o inusitado pulsion (pulsão, para nós). Em uma bela metáfora mitológica, aludindo à bravura do astuto Odisseu entre dois gigantescos monstros marinhos argumenta: Entre o Cila de um termo impreciso (instinct e por extensão “instinto” parece mais adequado para verter o alemão instinkt) e o Caríbdis de um horríssono neologismo (pulsion), acreditamos que haja uma terceira possibilidade que consiste simplesmente em atentar para os sentidos do termo alemão e buscar o seu equivalente em nosso idioma. Por essa razão propomos a tradução de Trieb por “impulso”, termo que, parece-nos, cobre perfeitamente os vários matizes de sentido da palavra alemã (ZWICK in FREUD 2010). A ousadia de Zwick é por alguns motivos louvável, mas principalmente por ser a primeira autêntica preocupação de um tradutor de Freud em buscar no nosso léxico e não nas tradições estrangeiras (inglesa/norte-americana, francesa ou espanhola/argentina) o termo mais adequado ou mais próximo de uma equivalência. A opção por impulso de fato resolve a ambiguidade inerente ao Trieb, entre o biológico e o cultural. Não causa estranhamento afinal que digamos ao mesmo tempo “impulso nervoso” em um texto médico e “impulso consumista” em um texto sociológico. Este parece ser um poderoso trunfo para sua defesa. Entretanto, a ousadia de Zwick, que previu críticas “desdenhosas” dos fascinados pelos jargões, sobretudo dos iniciados na arte freudiana, talvez não tenha levado em conta um aspecto do vocábulo impulso que não “cobre TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 125 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia perfeitamente” a acepção freudiana de Trieb. Em Triebe und Triebschicksale (1914), texto mais diretamente comprometido com a definição do conceito, Freud esclarece que “o Trieb, entretanto, nunca opera como uma força de impacto, mas sempre como uma força constante (konstante Kraft)”. Se a crítica ao instinto era pelo uso que se faz, no alemão, de Instinkt, Freud utiliza Impuls ou mesmo Antrieb em sua língua para tratar também de uma força momentânea, passageira, abrupta, como de fato no nosso termo impulso parece ser o caso. Instinto, pulsão, impulso ou outro termo ainda? Ao que tudo indica, os debates seguirão em aberto e tendem à expansão. Referências bibliográficas ADORNO, F. Le style du Philosophe, Paris: Éditions Kimé, 1996 p. 16. BETTELHEIM, B. Freud and Man’s Soul. Nova Iorque: Knopf, 1983 p. 46. CARONE, M. Freud em Português: Uma tradução Selvagem. in SOUZA, Paulo César de (org.) Sigmund Freud e o Gabinete do Dr. Lacan. Brasiliense: São Paulo, 1989 pp. 160-1. BOURGUIGNON, A.; COTET, P.; LAPLANCHE, J.; ROBERT, F. Traduire Freud. Paris: PUF, 1989 p.23-24. FREUD, S. Das Unheimliche, in Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 1919/1999, p.242-243. ______. Die Traumdeutung in Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 1900/1999, p.283. ______. Triebe und Triebschicksale in Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main; Fischer Verlag, 1915/1999, p.212. ______. Zur Psychopathologie des Alltagslebens, in Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet; Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 1901/1999, p.32. HANNS, L. Dicionário Comentado do Alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.339. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 126 Tavares, P. H. M. B. – As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia ______. Comentários do Editor Brasileiro. In: Obras Psicológicas de Sigmund Freud - Volume 1 – Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2004, p.144. HOUAISS, A.; VILLAR, M.S. Et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. LAPLANCHE, J.; PONTALIS J.B. Vocabulário da Psicanálise, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 457-8. MAHONY, P. Freud as a Writer. Nova Iorque: Yale University Press, 1987 p.7. MONTEIRO, M.P. Tradução: Um ato de Criação. Revista Brasileira de Psicanálise v.43, n.1, p. 43, 2009. MUSCHG, W. Freud als Schriftsteller. In: Die Zerstörung der deutschen Literatur. Berna: Diogenes. 2009, p.556-595. SCHÖNAU, W. Sigmund Freuds Prosa – Literarische Elemente seines Stils. Giessen: Psychosozial-Verlag, 2006, p.8. SOUZA, P.C. As Palavras de Freud – O Vocabulário Freudiano e suas Versões. São Paulo: Ática, 1999, p.31,266, 252. TAVARES, P.H.M.B. Freud & Schnitzler – Sonho Sujeito ao Olhar. São Paulo: Annablume, 2007, p. 98-100. VILLAREAL, I. As Traduções de Freud para o Espanhol. In: ORSTON, D.G. (Org.) Traduzindo Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p.145-9. WOLFSON, L. Translating Freud – A Historical Experience. In: Translation Journal, v.10, n.4, out. 2006. . Disponível em,<http://translationjournal.net/journal/>. Acesso em: 22 de junho de 2011. ZWICK, R. Sobre a tradução de um termo empregado por Freud. In: FREUD, S. O Mal-Estar na Cultura. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2010, p.190-191. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Felipe Cabañas da Silva * Abstract: This paper proposes a reflection about the retranslation of the short story Herostratus, one of the works of the book The Wall, written by Jean Paul Sartre. Starting from the proposal of a new translation for the story, the paper intend to analyse the effects of the lapse of time between both translations, the divergences of interpretation and the different comprehension of translation involved in the two projects. Keywords: Sartre; retranslation; Herostratus; The Wall. Resumo: Este artigo propõe uma reflexão a respeito da retradução do conto Erostrato, de Jean Paul Sartre, que integra a coletânea de contos O Muro. A partir da proposta de uma nova tradução para o conto, pretendeu-se analisar os efeitos do lapso de tempo entre as duas traduções, as divergências interpretativas, as distintas concepções tradutórias envolvidas em cada um dos projetos. Palavras-chave: Sartre; retradução; Erostrato; O Muro. * Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo (USP). Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 128 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 1. Introdução O presente artigo se propôs analisar a retradução do conto Erostrato, de Jean Paul Sartre, que integra a coletânea de contos O Muro, publicada em 1939 às vésperas da segunda Guerra Mundial. A partir de um ato prático de tradução pretendeu-se desenvolver reflexões que dizem respeito à teoria da tradução em si, mas também contribuir tanto quanto possível para a tradução do livro. Antes de iniciar, é imprescindível explicitar o contexto da escolha do autor e da escolha do conto. A escolha da leitura de um autor nunca é aleatória. Há forças que competem neste processo, e uma delas é certamente social, para nos referirmos às ideias de GIDEON TOURY (2000), para quem há um sistema de normas atuante não somente no processo em si de tradução, no indivíduo tradutor, mas também em escolhas e diretrizes editoriais. Assim, não é demais lembrar que vivemos em uma sociedade que por inúmeras razões lê Sartre e por isso traduz Sartre. É evidente que nada do que dizemos fazer em sociedade diz respeito à totalidade dos indivíduos, mas se refere a eles em termos gerais, e aqui entra a liberdade individual de escolher ler ou não Sartre dentro de uma sociedade que lê Sartre. Em outras palavras, como o objetivo proposto foi traduzir um conto de Sartre e estabelecer reflexões, a partir deste ato de tradução, em comparação a uma tradução precedente e já estabelecida, de H. Alcântara Silveira, é necessário ter em mente que Sartre é um autor fundamental para o pensamento ocidental do século XX e por isso é traduzido em diversas partes do mundo. Se ler Sartre não tem nada de aleatório, a escolha do conto Erostrato para a realização da tradução que será discutida tem uma história mais peculiar. Em primeiro lugar, um conto é uma obra literária acessível a uma TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 129 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre discussão tradutória em espaço mais limitado (realizar o mesmo procedimento para um romance exigiria um espaço muito mais extenso). Como o objetivo primordial desta tradução é o estudo, pela prática, da tradução literária, o ideal foi desenvolvê-la a partir de um conto que ainda não tivesse sido lido. E, além do mais, sem qualquer contato com a tradução de H. Alcântara Silveira antes de concluir a tradução do conto. A tradução foi feita, desta forma, como se não houvesse tradução brasileira do livro de Sartre, sem interferências, com o objetivo de realizar uma curiosa experiência de tradução e linguagem. As surpresas, ao ler a tradução de H. Alcântara Silveira, foram muitas. Surpresas em relação a escolhas tradutórias, escolhas de linguagem, tratamento das ideias do autor, fidelidades e infidelidades. Surpresas que se devem, em primeira instância, a um vácuo de meio século entre as duas traduções. No fundo, o objeto deste artigo são essas surpresas. Alguns outros pontos também merecem esclarecimento. O livro O Muro encontra-se no Brasil em vigésima edição da tradução de H. Alcântara Silveira, e entre o primeiro texto e o último ocorreram revisões editoriais. Ao comparar o texto de 1966, de 1982 e de 1990 pode-se encontrar inúmeras diferenças. A vigésima edição, de 2005, encontra-se esgotada na Editora Nova Fronteira. Mas, apesar da dificuldade de acesso à última edição, parece claro que tanto maiores serão as diferenças quanto maior for o lapso de tempo. Por isso a decisão de usar como base de comparação o primeiro texto, ainda sem revisões, ou seja, sem nenhuma ação do tempo. Assim, mesmo que a última e mais atual edição estivesse disponível, a escolha seria mantida em função dos objetivos aqui propostos. O estudo e a comparação dessas edições e suas transformações é bastante interessante e também uma prova da discussão teórica que aqui será TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 130 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre central: o fato de as traduções não permanecerem estáticas e intocadas no tempo, e sugerirem sempre revisões, reformulações, ou, simplesmente, retraduções. No entanto, não será possível neste espaço efetuar todas essas comparações e isso talvez possa constituir o objeto de outro artigo. 2. Questões teóricas 2.1 Tradução e linguagem. Linguagem e tempo Uma das formas pelas quais podemos ver a tradução é pela relação que se estabelece entre um povo e outro. Relação inevitável, de aceitação ou estranheza, de paz ou guerra, de compartilhamento de valores ou antagonismo. É fato que os povos se relacionam; com suas amplas diferenças de vivência histórica, língua e cultura, os povos necessitam compartilhar um espaço terrestre amplamente conhecido e explorado em seus menores recantos. Se o primeiro impulso (e o mais primário) da tradução é o convívio, ela surge como mediadora. Mediadora da necessidade elementar da comunicação. Por trás das línguas, como superfície, a linguagem, como núcleo comum resgatado. Neste sentido, podemos pensar a tradução dentro da situação mítica de Babel. Nas palavras de Jacques Derrida: A “torre de Babel” não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, ela exibe um não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de acabar qualquer coisa que seria da ordem da edificação, da construção arquitetural, do sistema e da arquitetônica. O que a multiplicidade de idiomas vai limitar não é TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 131 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre apenas uma tradução “verdadeira”, uma entr’expressão [entr’expression] transparente e adequada, mas também uma ordem estrutural, uma coerência do constructum (DERRIDA 2002: 12) [grifos do autor]. Quando Deus condenou o homem à não compreensão nasceu a tradução. Mediadora da multiplicidade dos idiomas que entre eles resgata algo em comum. O que é este algo em comum? Precisamente a linguagem, a faculdade humana essencial de representar o mundo em signos 2 e comunicálo. A teoria da linguagem é vasta, multidisciplinar e ultrapassa o espaço de um artigo. Filósofos se debruçaram sobre ela durante toda a história da filosofia e os linguistas a compreendem sob diferentes vieses. Também é fundamental para a antropologia, a psicologia e as ciências cognitivas, entre outras ciências que, em algum momento e de alguma forma, precisam reportar-se à linguagem. Por isso, como para a maioria dos fenômenos humanos, não há definição única e universal, não há conceitualização definitiva. Não há a Verdade definitiva, com “v” maiúsculo, que o homem tanto busca em todas as coisas. Neste sentido, estamos nos reportando ao pensamento de Friedrich Nietzsche. Segundo Rosemary Arrojo: (...) Nietzsche desmascara a grande ilusão sobre a qual se alicerçam nossas “verdades”, nossa filosofia, nossas ciências, o pensamento que chamamos de “racional”. Segundo Nietzsche, toda “verdade” estabelecida como tal foi, no início, apenas um “estímulo nervoso”. Todo sentido que chamamos de “literal” foi, no início, metáfora e somente pode ser uma criação humana, um reflexo de suas 2 Signo, aqui, não no sentido saussuriano da conjunção significante-significado, mas no sentido mais abrangente de Peirce, que compreende os signos sob todas as formas e manifestações que assumem linguísticas ou não. Ou seja, signo como o meio da representação. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 132 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre circunstâncias e, não, a descoberta de algo que lhe seja exterior (ARROJO 1993: 17) [grifos do autor]. Mas, apesar de tudo, é interessante atentarmos para a definição de Georges Mounin, um linguista, em seu Dictionnaire de la linguistique. O verbete langage é o que se segue: L’aptitude observée chez tous les hommes à communiquer au moyen des langues. Ou bien l’ensemble de toutes les langues humaines considérées dans leurs caractères communs. Ou encore, improprement, dans l’usage des philosophes, l’aptitude à communiquer même avec d’autres systèmes que les langues naturelles (= fonction symbolique). Ou enfin l’ensemble de tous les points de vue, descriptifs ou explicatifs, concernant tous les aspects, linguistiques, psychologiques, sociologiques, sémiologiques, idéologiques, sous lesquels on peut considérer les langues (MOUNIN 1974: 196). Embora se reportar a apenas uma definição não dê conta da extensão e da riqueza do debate, a definição de Mounin é interessante por diversos motivos. Apesar de considerar o uso dos filósofos impróprio, em uma crítica velada à consideração da comunicação para além do signo linguístico, a definição de Mounin também deixa transparecer este conteúdo universal da linguagem pulverizado nas línguas, este algo em comum que as línguas embaralham e que é resgatado em um processo de mediação chamado tradução. Mounin, ademais, estende a consideração das línguas a aspectos não exclusivamente linguísticos, incluindo aspectos psicológicos, sociológicos, semiológicos, ideológicos. As considerações de Nietzsche sobre as nossas verdades, a demolição de uma Verdade existente para fora de nossa constituição humana, podem ser estendidas à linguagem como portadora destas “verdades” – nas aspas de Rosemary Arrojo. Segundo ela: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 133 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre As teorias da linguagem que emergem da tradição intelectual do ocidente, alicerçadas no logocentrismo e no que Jacques Derrida chama de “significado transcendental” têm considerado o texto de partida como um objeto definido, congelado, receptáculo de significados estáveis, geralmente identificados com as intenções de seu autor (ARROJO 1993: 16) [grifos do autor]. Portanto, Arrojo identifica, a partir do pensamento de Jacques Derrida, uma história intelectual calcada na centralidade do logos, conceito também espinhoso da história da filosofia e que ganhou diversas definições, segundo as tradições, mas que no pensamento de Derrida pode ser compreendido como a centralidade do signo e da palavra – ou seja, da linguagem – como organizadora de uma razão universal. Assim, podemos dizer que na mais forte e mais tradicional concepção de linguagem, a compreensão da leitura é a que: atribui ao leitor a tarefa de “descobrir” os significados “originais” do texto (ou de seu autor). Ler seria, em última análise, uma atividade que propõe a “proteção” dos significados originalmente depositados no texto por seu autor. Embutida nessa concepção de leitura, delineia-se a concepção de tradução que tem orientado sua teoria e prática: traduzir é transportar, é transferir, de forma “protetora”, os significados que se imaginam estáveis, de um texto para outro e de uma língua para outra (ARROJO 1993: 16) [grifos do autor]. Ainda segundo Arrojo, é Nietzsche que abre a perspectiva em que o homem não é mais visto como um descobridor de verdades originais, absolutas e externas à sua constituição enquanto homem. O homem é visto então como “um criador de significados que se plasmam através das convenções que nos organizam em comunidades” (ARROJO 1993: 18). Freud, segundo ela, também viria complementar o pensamento “desconstrutor” de Friedrich Nietzsche acerca das relações entre sujeito e objeto, virando do avesso a noção até então difundida de sujeito, o sujeito cartesiano definido pelo racionalismo: “o homem cartesiano que se definia pelo seu racionalismo passa a definir-se pelo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 134 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre desejo que carrega consigo, que molda seu destino e sua visão de mundo, e do qual não pode estar plenamente consciente” (ARROJO 1993: 18). Assim, esta desconstrução do logos sugere que vejamos a linguagem em movimento e em relação ao sujeito. Ou seja, a linguagem passa a não ser mais um arcabouço fixo, que organiza significados independentes de um sujeito e de um momento histórico. A linguagem e suas diversas manifestações não são uma estrutura fixa e eterna, onde encontraremos repetidamente os mesmos significados. A linguagem está inserida no tempo. Os significados passam por verdadeiras revoluções segundo o momento e a cultura: a maneira de conceber e dizer se transforma. A maneira de escrever se transforma. Nossas palavras se transformam. Basta pensarmos em um exemplo simples, o abismo que há entre a palavra fromage em francês e queijo em português, para vermos que a tradução não pode ser esse resgate de um significado original e estável, não pode ser esta atividade em que a um signo de uma língua corresponde outro, em outra língua, de valor e significado idênticos. Ora, os franceses possuem diversas associações ligadas a fromage que se perdem na palavra queijo em português. Inúmeros tipos de fromage típicos que desconhecemos e que no fundo não podem tornar-se queijo; serão sempre fromage. Em sentido inverso, podemos fazer as mesmas afirmações no que diz respeito à nossa feijoada, incrivelmente diferente de um cassoulet francês. Estes são dois exemplos muito simples da complexidade envolvida no processo de significação e tradução. Signos que se referem a coisas análogas no mundo real se distanciam extremamente no tempo e no espaço. Mas, o que tudo isso sugere em relação à tradução do conto de Jean Paul Sartre? Primeiramente, que tiremos uma carga do original, que não o vejamos como um corpo fixo, quase um arcabouço de concreto cujo conteúdo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 135 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre original deve ser resgatado com fidelidade inabalável. Sugere, assim, que pensemos o conto de Jean Paul Sartre em suas polissemias. Sugere também que as traduções tendem a ser revistas, repensadas, reformuladas. Que a linguagem das traduções está vinculada ao tempo e nele tende a perder-se. As traduções podem multiplicar-se no tempo e dialogar, portanto, são objetos temporais. É pela tradução vista em sua inserção no tempo que se faz necessário pensar o fato da retradução. 2.2 Tradução e retradução Um autor central para a teoria da retradução é Antoine Berman que, no artigo La retraduction comme espace de la traduction (1990), busca definir o conceito. Como o nome do próprio artigo indica, Berman considera a retradução intrinsecamente ligada à tradução. Mais que intrinsecamente ligada, a retradução seria a própria possibilidade de completude/realização – accomplissement (BERMAN 1990: 1) – da tradução. Segundo ele, enquanto os originais permanecem eternamente jovens, as traduções envelhecem. As traduções correspondem a um estado determinado da língua, da literatura, da cultura e por isso pode acontecer, frequentemente em curto espaço de tempo, que elas não respondam mais ao estado seguinte. Por outro lado, no que Berman parece concordar com uma perspectiva desconstrutivista, nenhuma tradução pôde pretender ser “a” tradução, e por isso a possibilidade e a necessidade da retradução estão inscritas na própria estrutura do ato de traduzir. Em suas palavras: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 136 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Il faut retraduire parce que les traductions vieillissent, et parce qu’aucune n’est la traduction: par où l’on voit que traduire est une activité soumise au temps, et une activité qui possède une temporalité propre: celle de la caducité et de l’inachèvement (BERMAN 1990, p. 1) [grifos do autor]. Nesta caducidade da tradução, Berman identifica as exceções: traduções que perduram e que, por vezes, têm mais brilho que os originais. São as grandes traduções. Alguns exemplos são: a Vulgata de São Jerônimo, a Bíblia de Martinho Lutero, o Plutarco de Amyot, as Mil e uma noites de Galland, o Shakespeare de Schlegel, a Antígona de Hölderlin, o Don Quixote de Tieck, o Paraíso Perdido de Milton por Chateaubriand, o Poe de Baudelaire, o Baudelaire de Stefan George. “Si toute traduction n’est pas une grande traduction”, afirma Berman, “toute grande traduction, elle, est une retraduction” (BERMAN 1990: 3). Esta correlação não é absoluta. Pode haver uma primeira tradução que seja uma grande tradução, pois a retradução diz respeito não somente a qualquer nova tradução de um texto. Na concepção de Berman, basta que um texto de um autor já tenha sido traduzido para que a tradução dos outros textos deste autor entre no espaço da retradução. No conceito de retradução assim estendido, é simples notar que as grandes traduções se realizam como retraduções: Il faut tout le chemin de l’expérience pour parvenir à une traduction consciente d’elle même. Toute première traduction est maladroite: se répète ici au niveau historique ce qui advient à tout traducteur: aucune traduction n’est jamais une “première version” (BERMAN 1990: 4) [grifos do autor]. Berman propõe dois eixos fundamentais para abordar a retradução, que chama o kairos e a défaillance (BERMAN 1990: 5). Toda tradução, segundo o autor, é défaillante, ou seja, é falha, é defeituosa, envolve uma TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 137 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre incompletude, uma imperfeição, forças antitradutivas que são particularmente evidentes nas primeiras traduções. A défaillance (palavra francesa dificilmente traduzível em português) é simultaneamente a incapacidade de traduzir e a resistência à tradução. Também possui uma dimensão temporal, que faz com que seja em seus primórdios que a défaillance esteja em seu nível mais alto. A retradução surge, assim, da necessidade de reduzir a défaillance original. Começa a surgir uma multiplicidade de novas traduções, cada uma confrontando-se à sua maneira ao problema da défaillance. Às vezes, dentro desta multiplicidade podemos encontrar uma grande tradução, que, por um momento, suspende a sucessão das retraduções ou diminui sua necessidade. Mas, a grande tradução só pode surgir no momento favorável, e este momento favorável chama-se kairos, o momento em que brusca e imprevistamente fica suspensa a resistência que engendra a défaillance, a incapacidade de bem traduzir uma obra: “Catégorie temporelle, le kairos renvoie à l’Histoire elle même. À un moment donné, il devient ‘enfin’ possible de traduire une oeuvre” (BERMAN 1990: 6) [grifos do autor]. Estas ideias de Antoine Berman são fundamentais para uma reflexão sobre a retradução, ou para uma consideração da tradução como fenômeno temporal, de repetição, historicamente marcado. O que também é interessante notar é que Berman também considera a impossibilidade de encontrar “a” tradução; nenhuma tradução pode pretender ser “a” tradução, o que a coloca sujeita à riqueza da multiplicidade. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 138 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 3. Erostrato em debate Desta forma, foi realizada uma retradução do conto de Jean Paul Sartre. As diferenças, ou as surpresas, como afirmado na introdução, foram nítidas desde uma primeira leitura, despretensiosa, da tradução de H. Alcântara Silveira. No entanto, é necessário proceder a algum tipo de sistematização. Na leitura, vemos diferenças nítidas, em grande número, e é preciso encontrar critérios para classificá-las, encontrando as principais questões suscitadas. Os dois fatos mais nítidos e visíveis desde o primeiro contato com as duas traduções: a linguagem da primeira tradução envelheceu, atingiu a caducidade de que fala Berman. Este envelhecimento, é bom que se tenha em mente, não é nenhum tipo de julgamento de valor. Não equivale a dizer que a linguagem renovada é a mais “adequada”, ou “correta”; simplesmente, a constatação da ação do tempo, certa e inevitável, e da possibilidade da renovação. Em segundo lugar, uma questão não necessariamente relativa ao tempo, mas que pode sim ter relações com um momento histórico: a primeira tradução preza primordialmente pelo respeito ao original, prende-se excessivamente a ele, produzindo determinadas construções sintáticas ou utilizando determinado vocabulário que fazem pouco sentido em português. Evidentemente, um debate recorrente da história da tradução. Friedrich Schleiermacher discute “se o tradutor deixa o autor em paz e leva o leitor até ele; ou deixa o leitor em paz e leva o autor até ele” (SCHLEIERMACHER 2001: 43). Um debate recorrente entre uma tradução estrangeirizadora e uma tradução domesticadora, a última alvo da crítica do próprio Antoine Berman em Translation and the trials of the foreign (2000). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 139 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre É nítido que nisto também está implicada uma consideração do texto em suas polissemias. Afirmar que podemos produzir uma tradução que se distancie mais do original que outras, para ter cuidado com a língua/cultura de chegada e o leitor da tradução, é afirmar ao tradutor uma margem de manobra dificilmente possível em uma concepção excessivamente rígida do original e do ato de tradução. Estas são as duas questões fundamentais, primordiais, depreendidas a partir do que foi proposto e, na realidade, já suscitam amplo debate. Todas as outras discussões parecem ser apêndices dessas duas questões principais, como por exemplo, o fato dos textos franceses serem sempre mais ricos em pronomes pessoais, o que exige do tradutor um cuidadoso trabalho de seleção e eliminação de pronomes em determinadas partes do texto. Mas, isto ocorre se o tradutor realmente se preocupa com o texto da língua de chegada e não fica excessivamente preso ao original. Em determinados momentos, percebemos diferenças de sentido entre uma tradução e outra, o que pode tanto ser consequência do lapso de tempo entre as duas traduções quanto de um apego maior ao original em um caso e menor no outro. A primeira tradução fica visivelmente rente ao original. Já a tradução aqui proposta se distancia um pouco mais, não somente por causa da busca de um texto que seja coeso em português, como também por causa de uma diferente concepção de respeito ao original. As discussões levantadas na introdução deste artigo também sugerem uma distinta concepção do sujeito tradutor. Não mais o transportador invisível dos significados originais protegidos, mas personagem central; senão central, ao menos visível, aceito, como sugerem por exemplo os trabalhos de AUBERT (1994) e ARROJO (2003). Isto envolve também uma concepção distinta de fidelidade. Como Arrojo sugere, “mesmo que tivermos como único objetivo o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 140 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre resgate das intenções originais de um determinado autor, o que somente podemos atingir em nossa leitura ou tradução é expressar nossa visão desse autor e de suas intenções” (ARROJO 2003: 41) [grifos do autor]. Na visão de Arrojo, inclusive, o escritor não é o autor soberano do texto que escreve, pelas múltiplas dimensões envolvidas na atividade de linguagem, que envolvem fatores inconscientes, subjetivos, como discutido anteriormente. Neste sentido, na tradução aqui proposta foi priorizada uma linguagem mais leve, um texto mais direto, mais fluente, não somente por causa da língua portuguesa, mas também por causa de determinada maneira de ler Sartre. O texto sartreano é direto, seco, os diálogos são curtos, poucas descrições. O tema é árido, a visão do homem é dura e este fala livremente, sem apegos morais e desprezando em determinados momentos a norma culta. Além do mais, o conto Erostrato, especificamente, estabelece uma dura crítica ao humanismo e seu personagem principal encontra-se inteiramente à deriva. Buscou-se preservar tudo isto, com liberdade, mas uma liberdade assistida, se assim se pode chamar. Mas, obviamente, como discutido, esta é uma concepção da literatura de Sartre e deste conto específico. Como a primeira tradução fica muito rente ao original, algumas coisas se perderam em um excesso de respeito, que prende o tradutor e o impede de enxergar o conto de maneira mais abrangente. O excesso de pronomes pessoais em português, por exemplo, impede a fluidez do texto, o que não ocorre no francês. Um texto em francês pode ser direto mesmo com excesso de pronomes pessoais, pois em francês não existe o pronome oculto. Já em português, um texto que repita todos os pronomes do texto em francês (o que, diga-se de passagem, não ocorre na tradução de Silveira neste nível de intensidade) seria ilegível. Com estes pressupostos, procedamos a uma análise exemplificada das duas traduções, lembrando que não se pretende esgotar o assunto e que TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 141 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre restarão ainda muitos aspectos não discutidos a propósito da tradução específica deste conto, aspectos que podem ter passado despercebidos e podem ser objeto de outras reflexões. Não se pretende, também, de forma alguma, censurar o primeiro tradutor ou propor diretrizes à tradução de Sartre ou do conto sartreano. 3.1 Linguagem renovada Desta forma, retomando BERMAN (1990), as traduções envelhecem, pois correspondem a um estado determinado da língua, da literatura e da cultura, deixando de responder ao estado seguinte. Neste sentido, é o primeiro choque na comparação entre a primeira tradução e a retradução: a retradução parece mais leve, mais fluente, melhor adaptada ao contexto. A primeira tradução já parece nitidamente deslocada. Procurou-se elencar o máximo de exemplos, do início ao fim do conto, relacionando original, tradução e retradução, de marcas de um envelhecimento da linguagem. De modo geral, as diferenças são bastante nítidas e marcantes. Mas, alguns aspectos centrais e mais recorrentes incluem, em primeiro lugar, uma colocação pronominal em mesóclise ou ênclise que hoje em dia procuramos evitar. Atualmente, é mais corrente usarmos a próclise, principalmente na fala direta de um personagem, como é o caso de praticamente todo o conto, narrado em primeira pessoa pelo personagem principal. Este é um exemplo de construção sintática que cai em desuso ou parece deslocado no tempo. O mesmo acontece com determinadas palavras, determinados usos vocabulares que também parecem desgastados. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 142 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre O uso da mesóclise é bastante frequente na tradução de Silveira e contribui mais que a ênclise, usada quando necessário na retradução, para certa aura de envelhecimento. Na retradução, as mesóclises estão ausentes, justamente porque ao seu tradutor lhe parece ultrapassado usar mesóclises. Um excesso de mesóclises em um tradutor atual é praticamente motivo de censura em relação a uma linguagem excessivamente rebuscada. Um período verbal que também parece contribuir consideravelmente para uma impressão de envelhecimento ou deslocamento da primeira tradução é o pretérito mais-que-perfeito, usado em poucas ocasiões por Silveira para traduzir o passé-composé, passé du conditionnel ou imparfait de l’indicatif. Ocorre poucas vezes, mas na retradução foram escolhidos outros tempos verbais 3. Quadro 1. Uso do pretérito-mais-que-perfeito Original 1ª tradução Retradução 1 Était tombé (p. 80) Caíra (p. 66) tinha caído (p. 20) 2 s’était mise (p. 84) tinha ficado (p. 22) se pusera (p. 69) 3 je l’avais ahurie eu a perturbara (p. 71) (p. 85) eu a tinha abalado (p. 23) 4 J’avais glissé (p. Eu enfiara (p. 71) Eu escorregava (p. 24) 86) 5 n’avais jamais jamais ouvira (p. 73) entendu (p. 88) 6 j’aurais voulu (p. desejara (p. 75) jamais tinha ouvido (p. 25) gostaria (p. 26) 3 As referências bibliográficas de original e primeira tradução são, respectivamente, SARTRE (1998) e SARTRE (1966). A retradução encontra-se em anexo no final do artigo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 143 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 91) 7 je m’étais entendu Contratara (p. 77) me entendi (p. 27) (p. 93) 8 j’avais fait eu mandara construir (p. 78) constuire (p. 95) 9 Tout était silence (p. 98) eu tinha construído (p. 28) d’un Tudo mergulhara num silêncio Pairava um silêncio (p. (p.81) 29) Segue, a seguir, quadro com todos os exemplos elencados de marcas de um envelhecimento da linguagem, que incluem exemplos de vocabulário, construções sintáticas e também uso verbal. O objetivo é apenas sugerir através dos exemplos. Para uma visão mais completa é necessário, sem dúvida, uma leitura completa do original, da tradução e da retradução. Mas, embora alguns exemplos fiquem fora de contexto, podemos ter uma ideia bastante completa das diferenças existentes por causa do lapso de tempo. Quadro 2. Marcas de envelhecimento da linguagem Original épaules (p. 79) 1ª tradução espáduas (p. 65) Retradução ombros (p. 20) 2 Je me penchais et je me mettais à rire: (p. 79) Eu me debruçava a rir; (p. 65) Eu me pendurava e começava a rir: (p. 20) 3 Au balcon d’un sixième: c’est là que j’aurais dû passer TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 144 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre toute ma vie. (p. 79) A sacada de um sexto andar – eis onde eu deveria passar tôda a vida. (p. 65) Na varanda de um sexto andar: é onde eu deveria ter passado toda a minha vida. (p. 20) 4 Voilà pourquoi (p. 79) Eis porque (p. 65) É por isso (p. 20) 5 Il était tombé sur le nez. (p. 80) Caíra de bôrco. (p. 66) Ele tinha caído de cara no chão. (p. 20) 6 Mais s’ils avaient pu deviner la plus infime partie de la vérité, ils m’auraient battu. (p. 80) Mas se pudessem adivinhar a mais ínfima parcela da verdade ter-me-iam batido. (p. 66) Mas se tivessem descoberto a mais ínfima parcela da verdade, teriam me batido. (p. 20) 7 Ils m’envoyaient en riant des coups de pieds dans le derrière. (p. 80) Aplicaram-me, a rir, pontapés no traseiro. (p. 66) Me deram chutes no traseiro, rindo às gargalhadas. (p. 20) 8 Une blonde qui fait le quart devant un hôtel de la rue du Montparnasse. (p. 81) Uma loira que se postava em frente a um hotel da rua Montparnasse. (p. 67) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 145 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Uma loira que faz ponto na frente de um hotel da rua Montparnasse. (p. 21) 9 La femme était assez lourde et s’arrêtait à chaque marche, pour souffler. (p. 83) A mulher era muito pesada e se detinha a cada degrau, para respirar. (p. 68) A mulher era bastante pesada e parava em cada degrau para respirar. (p. 21) 10 Je me retournai; elle me tendit ses lèvres. Je la repoussai. (p. 83) Voltei-me; ela me ofereceu os lábios. Repeli-a. (p. 68) Voltei-me: ela me ofereceu seus lábios e eu a repeli. (p. 22) 11 - Déshabille-toi, lui dis-je. (p. 83) - Dispa-se, disse-lhe. (p. 68) - Tire a roupa, disse. (p. 22) 12 La femme ôta sa robe puis s’arrêta en me jetant un regard méfiant. (p. 83) A mulher tirou a roupa, depois estacou deitando-me um olhar desconfiado. (p. 69) A mulher tirou o vestido e depois ficou parada me olhando desconfiada. (p. 22) 13 le ramassa (p. 83-84) apanhou-a (p. 69) a recolheu (p. 22) 14 La putain (p. 84) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 146 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre A meretriz (p. 69) A puta (p. 22) 15 tranquillement assis dans un fauteuil (p. 84) refestelado numa poltrona (p. 69) sentado tranquilamente numa poltrona (p. 22) 16 me sourit coquettement: (p. 84) sorriu-me galantemente: (p. 69) sorriu graciosamente: (p. 22) 17 Elle s’assit sur le lit (p. 84) Ela sentou-se na cama (p. 70) Ela sentou na cama (p. 23) 18 Mais je ris de plus belle, alors elle se leva d’un bond et prit son soutien-gorge sur la chaise. (p. 85) Mas eu ri ainda mais, então ela se levantou de um salto e pegou o soutien de sôbre a cadeira. (p. 70) Mas eu ri ainda mais. Ela se levantou e pegou o sutiã sobre a cadeira. (p. 23) 19 Elle l’a pris. (p. 85) Ela pegou-a. (p. 70) Ela pegou. (p. 23) 20 billet de cinquante francs (p. 85) cédula de cinqüenta francos (p. 70) nota de cinquenta francos (p. 23) 21 menthe (p. 86) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 147 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre hortelã-pimenta (p. 71) menta (p. 23) 22 la rue devait leur paraître toute bleue. (p. 86) a rua devia parecer-lhes inteiramente azul. (p. 71) a rua devia lhes parecer azul. (p. 24) 23 Je leur aurais tiré dans les reins. (p. 87) Atirar-lhes-ia nos rins. (p. 71) Atiraria em seus rins. (p. 24) 24 Competence blasée (p. 87) Competência enfastiada (p. 72) Competência blasé (p. 24) 25 Je leur exposai ma conception du héros noir: (p. 88) Expus-lhes minha concepção do herói negro. (p. 72) Eu lhes expus minha concepção do herói negro: (p. 24) 26 Il voulait devenir illustre et il n’a rien trouvé de mieux que de brûler le temple d’Éphèse, une des sept merveilles du monde. (p. 88) Êle queria tornar-se ilustre e não achou nada melhor do que incendiar o templo de Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo. (p. 73) Queria ser ilustre e não encontrou nada melhor que queimar o templo de Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo. (p. 24) 27 je m’enfermais dans ma chambre et je tirais des plans. (p. 89) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 148 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre encerrava-me no meu quarto fazendo planos. (p. 73) ficava trancado no meu quarto planejando coisas. (p. 25) 28 J’ai vu des photos de ces deux belles filles, ces servantes qui tuèrent et saccagèrent leurs maîtresses. (p. 92) Tinha visto os retratos dessas duas belas raparigas, duas criadas que mataram e saquearam suas patroas. (p. 76) Vi as fotos de duas belas garotas, empregadas que mataram e roubaram suas patroas. (p. 26) 29 des trous dans la chair (p. 93) Orifícios na carne (p. 76) buracos na pele (p. 27) 30 Le 27 octobre (p. 94) A 27 de outubro (p. 77) No dia 27 de outubro (p. 27) 31 Je me vis soudain au coeur de cette foule, horriblement seul et petit. Comme ils auraient pu me faire mal, s’ils l’avaient voulu! (p. 94) Vi-me, de repente, bem no meio dessa multidão, horrivelmente só e pequeno. Como êles teriam podido fazer-me mal se tivessem querido! (p. 78) Subitamente estava no meio dessa multidão, terrivelmente sozinho e pequeno. Como podiam me machucar, se quisessem! (p. 27) 32 soixante-dix centimes (p. 94) setenta cêntimos (p. 78) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 149 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre setenta centavos (p. 27) 33 Je l’ai forcée à se mettre à genoux sous la menace de mon revolver, à courir à quatre pattes; puis je l’ai attachée à un pilier (p. 95) Forcei-a a pôr-se de joelhos sob a ameaça de meu revólver, e a andar de gatinhas, depois prendi-a a um pilar (p. 78) Forcei-a, com meu revólver, a ajoelhar-se e correr de quatro. Depois, amarrei-a numa pilastra (p. 28) 34 Ces images m’avaient tellement troublé que j’ai dû me contenter. (p. 95) Essas imagens perturbaram-me de tal maneira que tive de satisfazer-me. (p. 78) Essas imagens me transtornaram tanto que tive de me contentar. (p. 28) 35 Les meubles se sont mis à craquer (p. 95) Os móveis puseram-se a estalar (p. 79) Os móveis começaram a estalar. (p. 28) 36 Je me suis arrêté devant la glace d’une chemiserie (p. 96) Parei diante do mostruário de uma camisaria (p. 79) Parei diante da vitrine de uma loja (p. 28) 37 Au bout d’un moment, je vis arriver trois hommes; je les laissai passer: il m’en fallait six. (p. 96) Depois de um instante vi chegarem três homens; deixei-os passar; eu precisava de seis. (p. 79) Após um momento vieram três homens. Deixei passar: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 150 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre precisava de seis. (p. 28) 38 - Il est emmerdant, aussi, ce morpion. (p. 96) - Como é cacête, êsse chato! (p. 80) - Ele enche o saco, também, esse moleque. (p. 28) 39 Je fis volte-face et je les suivis machinalement. (p. 97) Voltei-me e segui-as maquinalmente. (p. 80) Dei meia volta e fui atrás delas, maquinalmente. (p. 28-29) 40 Moi, je m’appuyai contre le mur. (p. 97) Quanto a mim apoiei-me à parede. (p. 80) Encostei no muro (p. 29) 41 Quand le gros homme me dépassa, je sursautai et je lui emboîtait le pas. Je voyais le pli de sa nuque rouge (p. 97) Quando o homem corpulento passou por mim sobressalteime e segui-o. Eu via a prega de sua nuca (p. 80) Quando o homem gordo passou, tive um sobressalto e comecei a segui-lo. Via a dobra de sua nuca (p. 29) 42 Il se dandinait un peu (p. 97) Êle balouçava um pouco o corpo (p. 80) Andava meio trôpego (p. 29) 43 Tout d’un coup le type se retourna et me regarda d’un air irrité. Je fis un pas en arrière. (p. 97) De repente o tipo voltou-se e me olhou com um ar irritado. (p. 80) De repente, o homem virou e me olhou irritado. (p. 29) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 151 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 44 je lui lâchai trois balles dans le ventre. (p. 97) Disparei-lhe três balas no ventre. (p. 81) meti-lhe três balas na barriga. (p. 29) 45 Je m’enfuis. Je l’entendis tousser. J’entendis aussi des cris et une galopade derrière moi. (p. 97-98) Escondi-me. Ouvi-o tossir. Ouvi também gritos e uma galopada atrás de mim. (p. 81) Corri. Ouvi o homem tossir. Ouvi gritos também e uma correria atrás de mim. (p. 29) 46 Quand je m’en aperçus, il était trop tard: (p. 98) Quando o percebi, era muito tarde; (p. 81) Quando percebi era tarde demais: (p. 29) 47 Une main se posa sur mon épaule. (p. 98) Uma mão pousou no meu ombro. (p. 81) Senti uma mão no meu ombro (p. 29) 48 Les gens se mirent à piailler et s’écartèrent. (p. 98) As pessoas puseram-se a gritar e se separaram. (p. 81) As pessoas começaram a gritar e se afastaram. (p. 29) 49 Je traversai le café dans toute sa longueur et je m’enfermai dans les lavabos. (p. 98) Atravessei o café em todo o seu comprimento e encerrei-me na privada. (p. 81) Atravessei todo o café e me tranquei no banheiro. (p. 29) 50 J’élevai mon arme jusqu’à mes yeux et je vis son petit trou TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 152 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre noir et rond: (p. 98) Levantei minha arma até os olhos e vi seu pequeno orifício negro e redondo; (p. 81) Levantei a arma até meus olhos e vi o pequeno e redondo buraco negro: (p. 29) 51 Il devait s’être plaqué de côté contre le mur (p. 99) Devia estar encostado de lado, à parede (p. 82) Provavelmente ficou grudado na parede, de lado (p. 30) 52 J’eus tout de même envie de tirer (p. 99) Tive assim mesmo ânsia de atirar (p. 82) Senti vontade de atirar, de qualquer forma (p. 30) 53 “S’ils me prennent, ils vont me battre, me casser des dents, ils me crèveront peut-être un oeil.” (p. 99) “Se êles me agarram, vão bater-me, quebrar-me os dentes, furar-me um ôlho, talvez”. (p. 82) “Se me pegarem vão me bater, quebrar meus dentes, talvez me arrancarão um olho”. (p. 30) 3.2 O original como prisão Portanto, outra diferença importante entre as duas traduções é o nível de proximidade ao original. Como já foi sugerido, na tradução aqui proposta considera-se que em determinados momentos é necessário, para melhor traduzir, distanciar-se do original, não traduzir com literalidade excessiva, justamente para não perder o sentido do próprio original. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 153 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Esta diferença marcante entre as duas traduções, como já afirmado, também pode ser uma das consequências do lapso de tempo. Além da questão de uma visão domesticadora ou estrangeirizadora da tradução, existe a defesa de maior liberdade do tradutor, questão que emerge com muita força no final do século XX. E, de qualquer forma, temos dois tradutores diferentes, duas subjetividades diferentes, duas posturas diferentes ante o original e o ato tradutório. A maior ou menor distância com relação ao original também decorre deste fato. Ao contrário do envelhecimento da linguagem, aqui não será possível elencar todos os exemplos de um excesso de proximidade, que resulta em inúmeros casos em excesso de literalidade e perda de sentido. Pois, os exemplos são muitos e muito extensos, e envolvem a observação de períodos mais longos. Desta forma, buscaremos transcrever os excertos mais contundentes. (01) Il fallait quelquefois redescendre dans les rues. (...) J’étouffais. Quand on est de plain-pied avec les hommes, il est beaucoup plus difficile de les considérer comme des fourmis: ils touchent. Une fois, j’ai vu un type mort dans la rue. Il était tombé sur le nez. On l’a retourné, il saignait. J’ai vu ses yeux ouverts, et son air louche, et tout ce sang. Je me disais: (p. 80) Às vezes era preciso descer de nôvo até à rua. (...) Sentia-me sufocar. Quando se está na mesma altura dos homens é muito mais difícil considerá-los como formigas; êles esbarram. Uma vez, vi um tipo morto na rua. Caíra de bôrco. Tinham-no virado, sangrava. Vi seus olhos abertos e seu ar espantado e todo aquêle sangue. Dizia de mim para comigo: (p. 66) Às vezes era preciso sair às ruas. (...) Eu sufocava. Quando estamos na mesma altura dos homens é muito mais difícil vê-los como formigas: eles pegam. Uma vez vi um homem morto na rua. Ele tinha caído de cara no chão. Viraram-no, ele sangrava. Vi os olhos abertos, e o ar estranho, e todo o sangue que escorria. Pensava: (p. 20) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 154 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Neste exemplo, vemos que o tradutor opta por traduzir verbos que começam com “re” em francês com auxílio de “de novo” ou “tornar a”. Je me disais se torna “Dizia de mim para comigo”. Silveira também traduz type por “tipo”, termo pouco usual em português e que faz pouco sentido, deixando o texto menos fluente. (02) J’étais désolé: je suis un imaginatif et je m’étais vivement représenté le plaisir que je comptais tirer de cette soirée. (p. 82) Eu estava desolado. Sou um imaginativo e tinha imaginado vivamente o prazer que esperava tirar desta tarde. (p. 67) Eu estava decepcionado: tenho uma imaginação fértil e tinha representado vivamente o prazer que iria tirar daquela noite. (p. 21) Aqui, Silveira traduz literalmente je suis un imaginatif como “sou um imaginativo”, o que faz pouco ou nenhum sentido em português. Dizemos, preferencialmente, “tenho muita imaginação” ou “tenho uma imaginação fértil”. “Desolado” também não é um termo usual em português, ao contrário do francês. (03) À l’hôtel Stella, il ne restait qu’une chambre libre, au quatrième. (p. 83) No Hotel Stella não sobrava senão um cômodo livre, no quarto andar. (p. 68) No hotel Stella só havia um quarto vago, no quarto andar. (p. 21) A construção il ne restait que é bastante usual em francês, mas “não sobrava senão” não se encaixa na fluência do português. Este procedimento de Silveira é recorrente e na retradução opta-se por usar simplesmente a afirmativa, como no exemplo em questão: “só havia um quarto vago”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 155 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre (04) - C’est haut, dit-elle, en essayant de me sourire. (p. 83) - É alto, disse, ensaiando para sorrir. (p. 68) - É alto, disse, tentando sorrir. (p. 22) Aqui, uma visão clara de um excesso de literalidade cujo resultado é incompreensível. Essayer pode significar “ensaiar”, mas no contexto significa tentar. “Ensaiar para sorrir” é uma construção que não tem sentido em português e não traduz satisfatoriamente o conteúdo do original. A compreensão não é a mesma. Há uma perda. (05) Je tenais mon revolver de la main gauche, braqué droit devant moi à travers la poche et je ne le lâchai qu’après avoir tourné le commutateur. (p. 83) Eu tinha o revolver na mão esquerda, apontado para a frente, através do bôlso, e não o larguei senão após haver virado o comutador. (p. 68) Eu segurava o revólver com a mão esquerda, apontado para frente dentro do bolso, e só larguei depois de acender a luz. (p. 22) Mais uma vez um resultado incompreensível: “virar o comutador”. O tradutor ateve-se às palavras e não percebeu que necessitava simplesmente fazer compreender o que se passava na cena: um homem acendendo a luz. (06) Le dimanche, je pris l’habitude d’aller me poster devant le Châtelet, à la sortie des concerts classiques. Vers six heures, j’entendais une sonnerie, et les ouvreuses venaient assujetir les portes vitrées avec des crochets. (p. 86) Habituei-me a ir, aos domingos, colocar-me diante do Châtelet, à saída dos concertos clássicos. Pelas seis horas, ouvia a campainha e as porteiras vinham prender com ganchos as portas de vidro. (p. 71) Peguei o hábito de ficar na frente do Châtelet, aos domingos, na saída dos concertos clássicos. Em torno das seis horas eu ouvia uma campainha e as portas eram abertas (p.22-23). Neste caso, Silveira traduz me poster por “colocar-me”. É recorrente no conto traduzir se poster por “colocar-se” ou “postar-se”, quando em TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 156 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre português é mais correto e fluente dizer “ficar” ou “estar”. Na retradução, optou-se por ocultar a informação assujetir les portes vitrées avec des crochets, por não fazer falta à compreensão e pela fluência do texto. Silveira opta por traduzi-la literalmente. (07) Je les dégringolais comme des pipes, ils tombaient les uns sur les autres, et les survivants, pris de panique, refluaient dans le théatre en brisant les vitres des portes. (p. 87) Eu os derrubava como cachimbos de barro, êles caíam uns sôbre os outros e os sobreviventes, tomados de pânico, refluíam para o teatro quebrando os vidros das portas. (p. 71) Eu as derrubava e elas caíam umas sobre as outras. Os sobreviventes, em pânico, voltavam para o teatro quebrando os vidros das portas. (p. 24) Acima optou-se na retradução por omitir comme des pipes e informar somente que o personagem derrubava as pessoas. Silveira optou por manter, e “cachimbos de barro” não faz sentido algum em português. Também traduziu literalmente refluer. Na retradução optou-se por um verbo mais usual em português. (08) Quand je descendais dans la rue, je sentais en mon corps une puissance étrange. J’avais sur moi mon revolver, cette chose qui éclate et qui fait du bruit. (p. 88) Quando desci à rua, senti em meu corpo uma fôrça estranha. Tinha junto a mim meu revólver, essa coisa que explode e faz barulho. (p. 73) Quando estava na rua, sentia em meu corpo um poder estranho. Levava comigo o revólver, essa coisa que explode e faz barulho. (p. 25) É recorrente no texto de Silveira a tradução de descendre dans la rue como “descer à rua”. Mas, em português esta não é uma forma usual: usa-se, habitualmente, “sair na rua”. Neste exemplo, Silveira também traduz TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 157 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre literalmente J’avais sur moi como “Tinha junto a mim”. Na retradução optouse por dizer mais claramente “Levava comigo”. (09) “Monsieur, “Vous êtes célèbre et vos ouvrages tirent à trente mille. Je vais vous dire pourquoi: c’est que vous aimez les hommes. Vous avez l’humanisme dans le sang: c’est bien de la chance. Vous vous épanouissez quand vous êtes en compagnie; dès que vous voyez un de vos semblables, sans même le connaître, vous vous sentez de la sympathie pour lui. (p. 89) “Senhor – Sois célebre e vossas obras alcançam tiragens de trinta mil exemplares... Vou dizer-vos por quê – é que amais os homens. Tendes o humanismo no sangue: eis a vossa sorte. Desabrochais quando estais em boa companhia; quando vêdes um de vossos semelhantes, mesmo sem conhecê-lo, sentis simpatia por êle. (p. 74) “Prezado, “Você é famoso e já vendeu trinta mil exemplares de suas obras. Vou lhe dizer o motivo: é que você ama os homens. Tem o humanismo no sangue: que sorte. Você gosta de estar em companhia; assim que vê um de seus semelhantes, sente simpatia por ele sem nem mesmo conhecê-lo. (p. 25) Este é um dos momentos mais importantes do conto. Paul Hilbert, o personagem central, escreve uma carta para 102 escritores franceses. O conteúdo é uma crítica aguda ao humanismo. Como é uma carta, envolve todo o sistema francês de formalidade, com o uso do pronome “vós” e um tom solene que Silveira tenta importar em sua tradução. Como no português e na cultura brasileira esse sistema de formalidades faz pouco sentido, o resultado é uma carta deslocada, fora de contexto, quase ilegível. Este é um dos exemplos mais contundentes da proximidade em relação ao original da primeira tradução e das diferenças entre tradução e retradução. Procurou-se na retradução não utilizar o pronome “vós”, mas “você”, e eliminar qualquer menção a “senhor”, que não necessariamente traduz monsieur adequadamente em todas as situações. Além do mais, o original TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 158 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre repete constantemente o pronome vous, repetição mantida na tradução de Silveira. Como afirmado anteriormente, em uma tradução francês/português é sempre necessário ficar atento à repetição dos pronomes, para não criar um texto pouco fluente em português. (10) Avant, leurs visages se balançaient comme des fleurs sages audessus de cols de piqué. Elles respiraient l’hygiène et l’honnêteté appétissante. Un fer discret avait ondulé pareillement leurs cheveux. Et, plus rassurante encore que leurs cheveux frisés, que leurs cols et que leur air d’être en visite chez le photographe, il y avait leur ressemblance de soeurs, leur ressemblance si bien pensante, qui mettait tout de suite en avant les liens du sang et les racines naturelles du groupe familial. (p. 92) Antes, seus rostos se balouçavam como flôres em cima das golas de algodão. Respiravam higiene e honestidade tentadora. Um ferro discreto havia ondulado igualmente seus cabelos. E, mais tranqüilizada ainda que seus cabelos frisados, que suas golas e seu ar de visita ao fotógrafo, havia sua semelhança de irmãs, tão bem-pensantes e que punha imediatamente à mostra os laços de sangue e as raízes naturais do grupo familial. (p. 76) Antes, seus rostos eram como flores suaves sobre as golas de algodão. Elas exalavam higiene e honestidade, os cabelos bem arrumados, quase idênticos, e tinham aquele ar de estar em visita ao fotógrafo. E, ainda mais tranquilizador que tudo isso, havia sua semelhança de irmãs. Semelhança tão nítida que imediatamente deixava transparecer os laços sanguíneos e as raízes naturais do grupo familiar. (p. 26-27) Este também é um dos exemplos mais contundentes de como Silveira se prende excessivamente ao original. É um período muito complexo em francês, e nitidamente necessita de alguma adaptação para a compreensão do texto em português. Silveira traduz honnêteté appétissante como “honestidade tentadora” e fer discret como “ferro discreto”. Na retradução optou-se por omitir estas expressões pouco importantes e ater-se à compreensão do contexto. Também não costumamos dizer “cabelos frisados” em português e sim “cabelos encaracolados”, “cabelos crespos” ou “cabelos cacheados”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 159 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre Assim, enquanto a primeira tradução fica rente ao original, na retradução optou-se por tornar o período mais fluente e mais compreensível em português. 3.3 Abrandando o original Outro aspecto importante da tradução de H. Alcântara Silveira e que estranhamente vai em sentido oposto ao que acaba de ser analisado, é um abrandamento do texto original. Onde o original é incômodo, onde há vocabulário coloquial e uma fuga maior da norma culta, o tradutor parece não mais querer a mesma proximidade. Traduz pisser (p. 81) por “urinar” (p. 67). Mas, pisser não é “urinar” e sim “mijar”, e esse vocabulário mais coloquial vem do original e é importante que seja mantido. Traduz putain (p. 84) por “meretriz” (p. 69) e “decaída” (p. 71), abrandando a força do termo em francês, fazendo com que alguma coisa se perca. Assim, na retradução optou-se por manter a força do termo, mais plenamente traduzido como “puta” (p. 22 e 23), pois mais uma vez a linguagem coloquial é importante no contexto do conto. Também traduz à poil (p. 82) como “nua” (p. 68), mas o sentido é diferente. À poil é mais forte que nu, é “pelado(a)”, e também tem a sua importância no contexto. São poucos exemplos, pois o original usa pouco da linguagem coloquial, mas neles fica nítido a tendência ao abrandamento. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 160 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 3.4 Pequenos erros Como não poderia deixar de ser, também é possível identificar pequenos erros na primeira tradução. Pequenos detalhes que podem passar despercebidos e que no fundo têm pouca importância para a compreensão geral do texto. Alguns exemplos são: traduzir adjudant (p. 82) por “ajudante” (p. 68), quando adjudant é um posto de hierarquia militar melhor traduzido em português como “suboficial” (p. 21). Vicieux (p. 84) é traduzido por “viciado” (p. 69). No contexto, vicieux quer dizer “depravado” (p. 22), dando um sentido bastante distinto. J’avais glissé ma main droite dans ma poche (p. 86) foi traduzido como “Eu enfiara a mão esquerda no bôlso”. Silveira traduz pertinent (p. 90) por “penitente” (p. 75), palavras completamente distintas, de sentido completamente diferente, somente de grafia quase idêntica. Um erro bastante comum. Chapeau vert (p. 98) se torna “chapéu vermelho” (p. 81). De qualquer forma, os erros também contribuem para provar que por trás de uma tradução há sempre um ser humano, que é imperfeito e tem limitações, e não tem o controle de absolutamente todos os aspectos de sua tradução. Aqui estabelece-se uma nova tradução, de uma outra subjetividade, de um outro momento histórico e, tanto quanto a primeira, está sujeita às imperfeições, embora, todo tradutor se esforce para realizar o melhor trabalho possível. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 161 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre 4. Considerações finais O objetivo aqui proposto foi realizar um exercício de prática de tradução e em seguida a reflexão teórica a partir desta prática, um exercício de comparação entre a primeira e a segunda tradução, que chamamos retradução, a partir fundamentalmente da teoria de Antoine Berman. Uma primeira consideração fundamental é a dificuldade de estabelecer uma comparação absolutamente completa, que mapeie sem exceções todos os fatores de divergência entre os dois trabalhos tradutórios. A meta foi, portanto, identificar os eixos principais que diferenciam tradução e retradução, seja pela distinção entre os dois sujeitos tradutores envolvidos, seja pelo lapso de tempo decorrido entre os dois trabalhos. Na realidade, tanto as divergências subjetivas entre os sujeitos e os agentes da tradução, ou seja, os tradutores, quanto a diferença entre as duas traduções por causa da distância no tempo, têm uma essência comum: o fato dos textos e das traduções não serem estruturas fixas e imutáveis, quase sólidas, em que não se permite divergências e transformações. Traduzir e retraduzir: a partir de uma visão não restrita da tradução é o que parece emergir como reflexão central. A tradução é um exercício complexo, que envolve muitos sujeitos e a passagem do tempo histórico. A tradução só atinge sua completude pela repetição: é um jogo de tentativa e erro. E é nisto que se justifica a decisão de traduzir obras já traduzidas, a atitude de retraduzir. Atitude que se mostra necessária para o amadurecimento das traduções. Por causa da dificuldade envolvida nas comparações, ficou claro que as marcas de envelhecimento da linguagem que elencamos são apenas alguns aspectos do conto. A sensação de deslocamento, a impressão da passagem do TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 162 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre tempo na leitura, só se dá na leitura completa. Infelizmente, algo difícil de ser comunicado em quadros e tabelas é a impressão da leitura que envolve toda a nossa sensibilidade literária e só pode ser encontrada pela leitura completa. O que se buscou foi formalizar alguns aspectos deste envelhecimento e estabelecer uma maneira funcional de identificá-lo no texto. Da mesma forma, um mea culpa se faz necessário quanto às questões de proximidade e distância em relação ao original. Seria possível elencar o dobro de exemplos, mas os exemplos elencados cumpriram a meta de estabelecer os fatores mais importantes de divergências entre primeira tradução e retradução, no que diz respeito à proximidade ou distância. E isto envolve questões teóricas complexas que dizem respeito a literalidade e adaptação, domesticação e estrangeirização. Se não foram aqui aprofundadas é porque não eram o centro da reflexão. Embora tenhamos identificado outras tendências de tradução, como o abrandamento do original, os dois aspectos centrais identificados a partir do trabalho tradutório e das reflexões aqui estabelecidas foram o envelhecimento da linguagem e a maior distância do original por parte da retradução. O que é importante que fique claro é que estes são os dois principais fatores de divergência entre duas traduções brasileiras do conto Erostrato de Jean Paul Sartre e não necessariamente são reflexões que podem ser estendidas a outras traduções que envolvam os mesmos momentos históricos ou a outras traduções de Sartre. E, apesar das dificuldades de estender as reflexões a outras obras de Sartre, ao menos as reflexões sobre a tradução do conto Erostrato estabelecem bons fundamentos para um projeto de retradução dos outros TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 163 Silva, F. C. – Erostrato: reflexões sobre a retradução de um conto de Jean Paul Sartre contos do livro O Muro. Se assim for, as reflexões aqui estabelecidas terão chegado a bom termo. 5. Referências bibliográficas ARROJO, R. A que são fiéis tradutores e críticos de tradução? Paulo Vizioli e Nelson Ascher discutem John Donne. In: ________. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. 1993, Cap. 1, p. 15-26. ______. Oficina de tradução. A teoria na prática. 4 ed. São Paulo: Ática, 2003. AUBERT, F.H. As (in)fidelidades da tradução. Servidões e autonomia do tradutor. 2 ed. Campinas: Editora Unicamp. 1994. BERMAN, A. La retraduction comme espace de la traduction. PALIMPSESTES, v. 1, n. 4, p. 1-7, Out. 1994. ______. Translation and the trials of the foreign. Tradução de Lawrence Venuti. In: VENUTI, L. The translation studies reader. London: Routledge, 2000. p. 284-297. DERRIDA, J. Torres de Babel. Tradução, prefácio e notas: Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 74 p. MOUNIN, G. Dictionnaire de la linguistique. Paris: Presses Universitaires de France, 1974, p. 340. SARTRE, J.P. O muro. Tradução: H. Alcântara Silveira. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 209. ______. O muro. Tradução: H. Alcântara Silveira. São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1990, p. 240. ______. O muro. Tradução: H. Alcântara Silveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. ______. Le mur. Paris: Collection Folio Gallimard, 1998, p. 248. SCHLEIERMACHER, F. Sobre os diferentes métodos de tradução. In. HEIDERMANN, W. (org.) Florianópolis: UFSC, Núcleo de tradução, 2001. p. 27-87. TOURY, G. The nature and role of norms in translation. In: VENUTI, LAWRENCE. The translation studies reader. London: Routledge, 2000. p. 198-211. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 127-163 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Beatriz Cabral Bastos * Abstract: This article presents and discusses different theories of poetry translation by the authors Henri Meschonnic, Haroldo de Campos and Paulo Henriques Britto. Though quite different from each other, all the authors seem to somehow respond to Susan Sontag’s famous 1964 essay, “Against Interpretation”. Our belief is that the “hands on” work involved in translating poetry leads to a special attention not only to the meaning of the poem, but to everything that concerns its materiality and form. In addition to explaining and giving examples of the works of these three theorists, we intend to show how the theory of poetry translation might be an interesting space of reflection not just for translators but also language and literary theorists in general. By bringing these theories together, we also intend to contribute to the delineation of theories of poetry translation within the larger field of Translation Studies. Keywords: theory of translation; poetry; materiality; Henri Meschonnic; Haroldo de Campos; Paulo Henriques Britto. Resumo: Neste artigo são apresentadas e colocadas em diálogo as teorias da tradução de poesia de Henri Meschonnic, Haroldo de Campos e Paulo Henriques Britto. Embora bastante diferentes entre si, são teorias que parecem de algum modo responder à tarefa colocada por Susan Sontag em seu famoso ensaio de 1964, “Contra a interpretação”. A nossa aposta é a de que corpo a corpo do trabalho de tradução conduz a uma atenção especial não apenas ao sentido do poema, mas a tudo que diz respeito a sua materialidade, a sua forma. Além de aprofundar e trazer exemplos dos trabalhos desses três teóricos, demonstra-se como a teoria sobre a tradução de poesia pode ser um interessante espaço de reflexão não apenas para os tradutores, mas também, de modo amplo, para os teóricos da linguagem e da literatura. Ao reunir estes teóricos, pretende-se também contribuir para um mapeamento das teorias de tradução de poesia, dentro do campo mais amplo dos Estudos da Tradução. Palavras-chave: teoria da tradução; poesia; materialidade; Henri Meschonnic; Haroldo de Campos; Paulo Henriques Britto. * Doutoranda do Programa de Pós-gradução em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 165 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Introdução Em “Contra a interpretação”, de 1964, Susan Sontag critica o que via como um excesso interpretativo da crítica, que ela compara ao bombardeamento dos sentidos dentro do ambiente urbano, e acrescenta: “a consequência é uma perda constante da acuidade de nossa experiência sensorial” (SONTAG 1987: 23). Propõe então uma crítica de arte que possa fornecer uma “descrição realmente cuidadosa, aguda, carinhosa da aparência da obra de arte” (Ibid.: 22). Uma crítica que possa revelar a superfície sensual da arte sem conspurcá-la. O que importa agora é recuperarmos nossos sentidos. Devemos aprender a ver mais, ouvir mais, sentir mais. Nossa tarefa não é descobrir o maior conteúdo possível numa obra de arte, muito menos extrair de uma obra de arte um conteúdo maior do que já possui. Nossa tarefa é reduzir o conteúdo para que possamos ver a coisa em si. Agora, o objetivo de todo comentário sobre arte deveria visar tornar as obras de arte – e, por analogia, nossa experiência – mais e não menos reais para nós. A função da crítica deveria ser mostrar como é que é, até mesmo o que é que é, e não mostrar o que significa (SONTAG 1987: 23). “Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte”, conclui SONTAG (Ibid.: 23). A nosso ver, o tradutor de poesia encontra-se em uma posição de algum modo privilegiada para efetuar esta tarefa crítica de ver mais, sentir mais e ouvir mais, pois a poesia – definida por Paul Valery como uma hesitação prolongada entre o sentido e o som – talvez de modo mais marcante que outros gêneros textuais, nos leve a refletir sobre tudo aquilo no texto que está para além dos significados e da interpretação. O tradutor, se deseja transpor para uma nova língua aquilo que faz um poema, precisa, além de se preocupar com seu aspecto semântico, voltar sua atenção TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 166 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo para a materialidade do poema, isto é, também voltar sua atenção à forma, ao seu aspecto visual e sonoro, ao seu ritmo. Neste artigo, apresentaremos e colocaremos em diálogo o trabalho de diferentes teóricos da tradução que voltaram sua atenção especialmente à tradução de poesia. São teorias que buscam, cada uma ao seu modo, dar conta não apenas do aspecto interpretativo do poema, mas que valorizam também isso que estamos chamando de materialidade do texto poético, os seus aspectos não exatamente semânticos. Primeiramente, traremos a “poética do traduzir” de Henri Meschonnic, que, ao se dedicar à tradução da Bíblia, elaborou, a partir disso, uma sofisticada teorização que dá importância primordial à questão do ritmo. Em seguida, retomamos alguns pensamentos de Haroldo de Campos sobre o conceito de “transcriação” e o seu enfoque na tradução da forma. Por último, traremos também algumas reflexões de Paulo Henriques Britto, cuja busca por certa objetividade na avaliação de traduções poéticas proporciona, a nosso ver, ricas ferramentas de análise. Ao reunirmos estes teóricos, todos eles também poetas e tradutores, pretendemos contribuir para um mapeamento das teorias dedicadas à tradução de poesia, dentro do campo mais amplo dos Estudos da Tradução. Poétique du traduire - Poética do traduzir Henri Meschonnic explica que a expressão “poética do traduzir” se refere à poética de uma atividade e não apenas a um produto pronto. Para ele, a teoria é um acompanhamento reflexivo de uma experiência. Seu objetivo é delinear sua própria poética sobre o ato de traduzir, e seus produtos, a tradução. A tradução, diz Meschonnic, pode ter um papel único como reveladora do pensamento da linguagem e da literatura, e esta TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 167 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo possibilidade foi subestimada devido à condição auxiliar que lhe impôs a tradição. Ao subverter esta tradição que sempre viu a tradução como algo secundário e trazer a poesia para o centro de sua teoria da linguagem, Meschonnic cria algo que não é apenas uma estratégia de tradução de poesia, mas uma potente poética-crítica de caráter mais amplo. Os textos de Henri Meschonnic, de modo geral, deixam transparecer certa irritação, parecendo verdadeiros textos de luta 1. Sua batalha crítica é contra diversas tradições de pensamento no campo da linguagem e da literatura, como se dissesse: “apesar de vocês, a poesia resiste!”. Por isso, marca seu lugar como defensor do ritmo, dizendo que só através de uma escuta atenta ao ritmo do texto podemos nos livrar tanto do que ele denomina o “império dos significados” – a tradição hermenêutica, focada na interpretação – como dos excessos da tradição formalista, que separa a linguagem poética da linguagem cotidiana. Afirma também que é preciso reaprender uma escuta do ritmo, uma vez que a dicotomia estrutural inerente à noção de signo (forma/sentido – significante/significado), ele diz, teria nos deixado surdos. Para Meschonnic, é a própria poesia que faz essa crítica ao signo, pois, apesar de tentarem sufocá-la e domesticá-la, ela estaria carregada de “vida”. A poesia transforma tudo em vida. Ela é esta forma de vida que transforma tudo em linguagem. Ela só nos acontece se a própria linguagem se torna uma forma de vida. Por isso ela é tão inquieta. Pois ela não cessa de trabalhar sobre nós. De ser o sonho daquilo que somos o sono. Uma escuta, um despertar que nos atravessa, um ritmo que nos conhece e que nós não conhecemos 2 (MESCHONNIC 1989: 247). 1 Gabriella Bedetti também aponta para essa característica de Meschonnic: Um expoente agressivo, ele ataca a imobilidade por todos os lados. (BEDETTI 1992: 433, tradução da autora). 2 Todas as citações de Meschonnic são traduções feitas exclusivamente para este artigo, pela autora. Original: La poésie fait vie de tout. Elle est cette forme de vie que fait langage de tout. Elle ne nous arrive que si le langage même est devenu uns forme de vie. C’est pourquoi elle est si peu paisible. Car elle ne cesse de nous travailler. D’être le rêve dont nous sommes TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 168 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo A poesia teria mais a ver com o tempo por se encontrar mais no ritmo do que nas palavras do poema. E o ritmo, mais do que o som ou uma alternância entre sílabas fortes e fracas, é o modo de significar, é a semântica prosódica e rítmica, e não deve ser confundido com o significado. Para ele, a teoria do signo tentaria esconder e ignorar a poesia, mas ela “não cessa de reaparecer”, pois pertence à vida, ao “contínuo irracional” (1989: 249). “Os signos [signes] não compreendem os cisnes [cygnes]” (1989: 250). A noção de signo teria nos deixado surdos ao discurso como atividade do sujeito. Por isso, afirma, é preciso reaprender um modo de escuta, é preciso ouvir o sujeito, e o sujeito está no ritmo. No livro Poétique du traduire, os principais alvos do autor enquanto modos de se pensar a tradução são as teorias da linguagem do “tradutor profissional” e a teoria da linguagem da hermenêutica. Para ele, é impossível desvencilhar a teoria da linguagem do tradutor de sua prática tradutória e, estando o tradutor amparado por essas teorias da linguagem, não terá condições de fazer boas traduções. Meschonnic dirá que o ponto de vista mais comumente adotado pelos especialistas e profissionais da tradução é o da “estilística comparada” (1999: 14), cuja principal preocupação seria a de buscar a fidelidade e o apagamento do tradutor diante do texto, fazendo esquecer que se trata de uma tradução. Este ponto de vista se realizaria através de supostas noções de bom senso, como língua de saída, língua de chegada, equivalência, fidelidade, transparência, apagamento e modéstia do tradutor. O acompanhamento tradicional destas noções seria a separação entre “sentido” e “estilo” e entre “sentido” e “forma” (p. 21). Nestas noções, estaria imbuída a ideia de tradução como interpretação, sendo que a boa tradução não passa apenas pela interpretação: le sommeil. Une écoute, un éveil qui nous traverse, le rythme qui nous connaît et que nous ne connaissons pas. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 169 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Paradoxalmente, uma boa tradução não deve ser pensada como interpretação. Porque a interpretação é da ordem do sentido, e do signo. Do descontínuo. Radicalmente diferente do texto, que faz aquilo que diz. O texto conduz e comporta. A interpretação é apenas conduzida. A boa tradução deve fazer, e não apenas dizer. Ela deve, como o texto, comportar e conduzir 3 (MESCHONNIC 1999: 22). O ponto fraco da visão “profissional” da tradução é que ela refletiria apenas um pensamento da língua, não um pensamento da literatura – a especificidade da literatura lhe escapa. Segundo Meschonnic, no mundo literário, o ponto de vista hermenêutico e fenomenológico da tradução seria o mais difundido. A fenomenologia, ao identificar a tradução à compreensão dentro de uma mesma língua, ampliou uma concepção de tradução da hermenêutica alemã do começo do século XX (p. 15). A paráfrase e a inserção de glosas nas traduções, diz o autor, decorrem desta concepção de tradução. Meschonnic reconhece uma dimensão hermenêutica inerente a toda tradução, mas defende que fazer simplesmente uma hermenêutica da tradução é permanecer no dualismo que desassocia significantes de significados, pois o texto é colocado na compreensão, no intérprete, no “querer dizer” fenomenológico (p. 72). Ocorreria aqui uma dupla hegemonia: do sentido e do intérprete. E se a tradução for vista como uma atividade apenas interpretativa, a poesia se torna mesmo o intraduzível, o inalcançável, não se podendo ouvir a sua voz: “A hermenêutica aplicada à tradução transporta apenas um cadáver. Ou melhor, um espírito. O corpo fica na outra margem. E o espírito sozinho não tem voz” 4 (p. 152). 3 Original: Paradoxalement, une bonne traduction ne doit pas être pensée comme une interprétation. Parce que l’interprétation est de l’ordre du sens, et du signe. Du discontinu. Radicalment différent du texte, qui fait ce qu’il dit. Le texte est porteur et porte. L’interprétation, seulement portée. La bonne traduction doit faire, et non seulement dire. Elle doit, comme le texte, être porteuse et portée. 4 Original: L’herméneutique appliquée à la traduction ne transporte qu’un cadavre. Ou plutôt son esprit. Le corps est resté sur l’autre rive. Et l’esprit seul est sans voix. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 170 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo No século 20, diz Meschonnic, o pensamento linguístico teria passado, pouco a pouco, de certa concepção de língua – com suas categorias lexicais, morfológicas e sintáticas – ao discurso, ao sujeito ativo, inscrito prosódica e ritmicamente na linguagem (p. 13). A tradução teria acompanhado esta mudança: Descobre-se que uma tradução de um texto literário deve fazer o que faz um texto literário, através de sua prosódia, seu ritmo, sua significância, como uma das formas de individuação, como uma formasujeito. O que desloca radicalmente os preceitos de transparência e fidelidade da teoria tradicional [...]. A equivalência buscada não se coloca mais de língua a língua, ao tentar fazer esquecer as diferenças linguísticas, culturais, históricas. Ela se coloca de texto a texto, e trabalha, ao contrário, no sentido de mostrar a alteridade linguística, cultural, histórica, como uma especificidade e uma historicidade. 5 (MESCHONNIC 1999: 16). O que deve ser traduzido, portanto, é o discurso, a oralidade, a historicidade, o ritmo-sujeito, ou “a banalidade mesmo” (p. 12). Para Meschonnic, quanto mais o tradutor estiver inscrito como sujeito na tradução, mais esta dará continuidade ao texto. Um exemplo disso seriam as traduções de São Jerônimo, que não pretendiam ser transparentes; ao contrário, constituíam uma espécie de relação com o hebraico. A tradução não deve deixar que se apaguem todas as particularidades que pertencem a um outro modo de significar, não deve apagar as distâncias de tempo, de língua e de cultura (p. 26). Na teoria e na prática, a função da tradução é “forçar a reconhecer” a historicidade do poema, a sua diferença. 5 Original: On découvre qu’une traduction d’un texte littéraire doit faire ce que fait un texte littéraire, par son prosodie, son rythme, sa signifiance, comme une des formes de l’individuation, comme une forme-sujet. Ce que déplace radicalement les préceptes de transparence et fidélité de la théorie traditionnelle [...]. L’équivalence recherchée ne se pose plus de langue à langue, en essayant de faire oublier les différences linguistiques, culturelles, historiques. Elle est posée de texte à texte, en travaillant au contraire à montrer l’altérité linguistique, culturelle, historique, comme une spécificité et une historicité. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 171 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Meschonnic oferece vários exemplos de sua poética do traduzir. Apresentamos sua tradução para o francês de um poema chinês clássico. O poema é de MENG HA-JAN (689-740), um quarteto de versos de cinco caracteres, no qual cada caractere é uma palavra monossilábica (a forma clássica chinesa). Vejamos o poema em chinês, acompanhado de uma tradução “literal” para o francês e de outras duas traduções para o francês (essas, tiradas de antologias de poemas chineses): Tradução “literal” em francês: Déplaçant barque/accoster flot brumeux Soleil couchant/tristesse du voyager ravivée Plaine immense/ciel s’abaisser vers les arbres Rivière limpide/lune se rapprocher des hommes (1999: 193) Tradução de François Cheng: Dans les brumes, prés de l’ile, on amarre le barque. Au crépuscule renaît la tristesse du voyager. Plaine immense: le ciel se penche sur les arbres. Fleuve limpide: la lune s’approche des humains. (1999: 193) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 172 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Tradução de Patrick Carré e Zeno Bianu: Prés de l’îlot de brume notre bateau s’arrête, Au couchant qui ravive toute mélancolie. Par cette immensité, le ciel verse sous les arbres. Sur le fleuve pur, la lune rejoint l’homme. (1999: 193) Primeiramente, Meschonnic faz algumas ressalvas sobre as traduções apresentadas. Na primeira, de François Chen, haveria uma distorção da sintaxe dos verbos em chinês, pelo uso do particípio e de infinitivos, pois, lembra, não há formas conjugadas em chinês. Porém, o principal problema, tanto da tradução de Chen como da tradução de Carré e Bianu, seria que, de formas diferentes, elas mudam de lugar os grupos dos primeiros versos; e isso porque ambas querem se aproximar do alexandrino, como se assim fossem tornar o poema chinês mais poético, por aproximá-lo à tradição do “verso nacional” francês. O princípio poético do original teria desaparecido, ao ser trocado por outro. Assim, Meschonnic imagina um princípio poético que dê uma ideia, em francês, da métrica chinesa. Se as alternâncias de tons não podem ser transmitidas, a cesura e o monossilabismo podem. Para ultrapassar os limites linguísticos, ele diz, é suficiente adotar células de duas sílabas pronunciadas, e ater-se rigorosamente a esse princípio. Além disso, os brancos entre essas células tomam o lugar da pontuação, transmitindo melhor a indeterminação, o valor alusivo do poema chinês. Vejamos sua tradução: vogue la barque aborde une île de brume soleil couché le vague à l’âme voyage la plaine est vaste le ciel est bas sur l’arbre le fleuve est clair la lune est proche à l’homme (1999: 194) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 173 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Mesmo se não lemos chinês, constatamos que, ao menos graficamente, pelo modo como as palavras estão dispostas, a tradução de Meschonnic é a única que se aproxima da visualidade do poema original e que não tenta fazer do poema chinês um alexandrino, ou seja, não tenta convertê-lo a uma forma que seja reconhecida como “poética” no francês. Ele permite que o estranho permaneça estranho e, consequentemente, permite que o poema chinês ganhe vida e corpo próprios na tradução. Transcriação México 5, D.F. 7 de maio de 1981 Caro Haroldo, Obrigada por sua carta. Tenho pouquíssimo a comentar. Estou de acordo com tudo o que você me diz. Sua carta maravilhou-me, não só pela felicidade das soluções que você encontrou para cada problema, como também pela forma com que você explica a razão dessas soluções. Pouquíssimas vezes vi unidas, como no seu caso, sensibilidade auditiva e semântica. Ao lê-lo, voltei a comprovar que poesia é palavra dita e ouvida: uma atividade espiritual profundamente física na qual intervêm os lábios e a sonoridade. Atividade sensual, muscular, e espiritual. Por tudo isso, estou duplamente agradecido a você, por sua tradução e por suas luminosas explicações. [....] (Carta de Octavio Paz a Haroldo de Campos, publicada no livro Transblanco.) Octavio Paz escreveu essa carta a respeito da tradução para o português que Haroldo de Campos fez de seu poema “Blanco”. Ele menciona aspectos que são, a nosso ver, centrais na prática e na teoria de Campos: a importância da sensibilidade auditiva e semântica, a visão da tradução como TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 174 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo uma atividade “espiritual profundamente física”, e a ênfase no aspecto sensual da tradução. Diferentemente de Meschonnic, que enfatiza o modo de significar, Haroldo de Campos vai se concentrar na forma do poema, que ele descreve como “modo de intencionalidade”. Grosso modo, podemos dizer que o que Meschonnic chama de ritmo, Campos chama de função poética, seguindo uma tradição mais formalista. O que importa é que tanto o ritmo, para Meschonnic, quanto a função poética, para Campos, têm uma função configuradora, servindo como uma espécie de partitura para a tradução. Traduzir a forma, ou seja, o “modo de intencionalidade” (Art de Meinens) de uma obra – uma forma significante, portanto, intracódigo semiótico – quer dizer, em termos operacionais, de uma pragmática do traduzir, re-correr o percurso configurador da função poética, reconhecendo-o no texto de partida e reinscrevendo-o, enquanto dispositivo de engendramento textual, na língua do tradutor (CAMPOS 1981: 181). Enquanto Meschonnic critica duramente a noção saussuriana de signo, Campos entende que a materialidade está incluída na totalidade do signo e que é exatamente essa totalidade que deve ser traduzida. Assim, parece-nos que também aqui eles falam de coisas parecidas. Ambos enfatizam a inutilidade da tradução de palavra por palavra, de sentido por sentido. Em “Da tradução como criação e crítica”, de 1967, Campos afirma que a tradução poética deve transcender a preocupação de fidelidade ao significado, a fim de conquistar uma fidelidade ao signo estético “como entidade total, indiviso, na sua realidade material” (p. 35). Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma [...]. O significado, o parâmetro TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 175 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo semântico, será apenas e tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora (CAMPOS 1967: 24). Outro paralelo que pode-se estabelecer entre as teorias de tradução de Meschonnic e Campos diz respeito à implicação do sujeito no ato de traduzir. Eles recusam terminantemente o apagamento do tradutor, ou a ideia de tradução como atividade passiva, quando o tradutor almeja naturalidade e transparência no texto de chegada. Para ambos, a tradução deve ser uma relação entre a historicidade do tradutor e a historicidade do texto; não se devendo tentar apagar as diferenças de tempo e espaço. Partindo do princípio de que a poesia é intraduzível, Campos conclui que traduzir só é possível se for recriação, criação paralela, transcriação. Assim como o poema-texto é uma “informação estética autônoma”, a tradução também deve sê-lo. Ou seja, apesar da diferença entre as línguas, original e tradução “cristalizar-seão dentro de um mesmo sistema” (1967: 24) através da tradução transcriadora. Em um texto posterior, “Transluciferação mefistofáustica”, de 1981, Campos critica, de um lado, as traduções mediadoras, as quais visariam apenas auxiliar a leitura do original, e, do outro, as traduções que ele chama de “medianas”, “que guardariam da aspiração estética apenas as marcas externas de um dado esforço de versificação [...] e de um deliberado empenho rímico” (1981: 184). O que ele apregoa é a leitura partitural, uma leitura “verdadeiramente crítica”. Ou seja, é preciso fazer uma leitura que seja “antes de tudo uma vivência interior do mundo e da técnica do traduzido” (1967: 31). É preciso fazer uma “vivissecção implacável”, revolver as entranhas do poema. E não menos importante, diz Campos, é a atenção ao suporte físico, que deve muitas vezes tomar a dianteira nas preocupações do tradutor (Ibid.: 35). A proposta de transcriação de Haroldo de Campos fazia parte do programa maior do concretismo e sua missão de reformular a poesia TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 176 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo brasileira. Os concretistas, além das atividades teóricas e de criação poética, propunham uma “continuada tarefa de tradução” (Ibid.: 30). Herdeiros de Ezra Pound em sua concepção sobre a função da crítica ecoavam diretamente a prática poundiana de tradução. Haroldo de Campos chega a dizer que o ensino da literatura é inviável se não for colocado “o problema da amostragem e da crítica via tradução” (Ibid.: 34). Traduzir seria também um relacionar-se com a tradição: Um movimento tático de retorno, relendo o passado em modo sincrônico com ganas de reatualizá-lo, repristiná-lo, de fazer – pessoanamente – do outrora, agora. De certo modo, isso é inevitável, pois se a tradução é uma leitura da tradição, só aquela ingênua e não crítica – que se confine ao museológico [...] recusar-se-á ao “salto tigrino” (W. BENJAMIM) do sincrônico sobre o diacrônico (CAMPOS 1981: 188). As traduções convencionais, em oposição à transcriação, correriam o risco de serem excessivamente acadêmicas ou conservadoras (o que remete àquelas tentativas dos tradutores franceses de fazer do poema clássico chinês um alexandrino francês). Por isso, seria importante esse tratamento sincrônico da tradição, pois, na tradução, como em uma paródia, além da voz do original, outras vozes textuais também se fazem ouvir. A tradução como forma de apropriação do “patrimônio literário extante”; como modo de capturar o “movimento plagiotrópico geral da literatura” (1981: 191). Logo, enquanto Meschonnic diz que não se deve confundir métrica/forma com o que ele chama de ritmo, Campos afirma que não se pode confundir os aspectos mais óbvios e exteriores, como a métrica e o rimário, com a “complexa e sutil dinâmica da função poética, em sua multiplicidade configuradora” (Ibid.: 184). E Campos vai além: diz que apenas a leitura partitural, própria da tradução radicalmente criativa, pode ter acesso ao texto como um todo; e que o poeta-tradutor precisa ter um estoque TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 177 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo “mobilizável” de formas significantes, do contrário não terá êxito na reconfiguração da “melhor poesia do passado” (Ibid.: 185). Teoricamente, portanto, estão claras as exigências de tradução para esses teóricos: de um lado, a ênfase no ritmo, do outro, a ênfase no “signo total” e na tradução como recriação. Em ambos, a crítica ferrenha às tentativas de se reduzir a poesia à métrica ou às rimas ou de se reduzir a tradução a uma interpretação dos sentidos. No entanto, ao lermos as explicações que eles dão para as suas traduções, não deixamos de encontrar análises da métrica e das rimas, além de leituras microscópicas de todos os jogos semânticos, sintáticos, morfológicos e prosódicos presentes no original. Haroldo de Campos coloca em prática sua teoria ao traduzir uma passagem do Fausto de Goethe, uma cena que é um breve diálogo entre o Grifo e Mefistófeles. Segundo Campos, Roman Jakobson já teria usado esta mesma cena para mostrar como “palavras ligadas por som e sentido manifestam ‘afinidades eletivas’, capazes de modificar a confirmação e o conteúdo das palavras envolvidas” (JAKOBSON e WAUGH apud CAMPOS 1981: 181). É segundo esta perspectiva que Campos comenta e compara diferentes traduções. Original alemão, de Goethe: GREIF, schnarrend: Nicht Greisen! Greifen! – Niemand hört es gern, Dass man ihn Greis nemt. Jedem Worte klingt Der Ursprung nach, wo es sich her bedingt; Grau, grämlich, griesgram, greulich, Gräber, grimmig, Etymologisch gleicherweise stimmig Verstimmen uns MEPHISTOPHELES: Und doch, nicht abzuschweifen, Gefällt das Grei im Ehrentitel Greifen. (1981: 181) Tradução para o espanhol, de Rafael Cansinos Assens: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 178 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo GRIFO – (Chirriando) ¡Nada de ancianos! ¡Grifos! A nadie le hace gracia que lo llamen anciano. En cada palabra traslúcese el origen de donde procede; gris, canoso, caduco, sepulcros, feo, que suenam etimologicamente lo mismo, no resultam gratos a nuestros oídos. MEFISTÓFELES – Y, sin embargo, para no divagar, lo de Grei no desagrada en el título honroso de grifos. (1981: 181) Tradução para o português de Agostinho D’Ornellas: GRIFO (rosnando) Não são velhos, são Grifos! – Ninguém gosta De ouvir chamar-se velho. Cada termo Da origem donde vem tira o sentido: Velho, vilão, velhaco, vil, velhote, Sons na etimologia quase análogos, Desagradam-nos muito. MEFISTÓFELES Todavia, Para não divagar, direi que “garras” À ideia traz o título de Grifo. (1981: 186) Tradução para o português de Jenny Klabin Segall: GRIFO (rosnando) Grilos, não! Grifos! – ninguém quer que o chamem De velho e Grilo! Inda que em todo o termo tina O som de base de que se chama origina Grileira, grima, grife, gris, sangria, Há concordância de etimologia, Mas soam mal pra nós. MEFISTÓFELES Sons não tarifo Mas vale o grif no honroso título de Grifo. (1981: 187) Destacaremos apenas alguns pontos especialmente importantes da análise de Campos dessas traduções. Certos aspectos do poema são TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 179 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo suficientemente visuais – como a diagramação e a repetição de letras – e não é sequer preciso saber ler em alemão para percebê-los. Por exemplo, a tradução para o espanhol é feita em prosaicas linhas corridas, o que já sinaliza certa “traição” da forma do original. Além disso, diz Campos, o tradutor espanhol se absteve totalmente de tentar transpor certas dificuldades do texto (como as aliterações que ocorrem no alemão), preferindo usar notas para explicar estas dificuldades (p. 185). A tradução realizada por Ornellas, por sua vez, manteve os versos, a baliza métrica e tentou “restabelecer a cadeia aliterativa do texto goethiano, fulcrando-a em torno de ‘velho’”; porém, critica Campos, nada ficou do jogo de rimas do original (p. 186). A tradução de Segall seria mais bem-sucedida, pois lida com os diversos níveis do poema e procura manter a métrica e a rima. No entanto, certas rimas, como entre “tarifo” e “Grifo”, seriam um tanto forçadas; e certas escolhas semânticas não seriam boas, como o termo “grima”, em desuso (p. 187). Ou seja, conclui o autor, Segall parece ter percebido o “modo de intencionalidade” do original, mas não obteve sucesso em sua recriação. Estes seriam exemplos de traduções comuns, “naturais” (p. 184). A tradução transcriativa, por sua vez, representaria um esforço de recriação. Para explicitar o funcionamento de sua tradução, Campos faz uma lista do “léxico chave” do original – todas as palavras iniciadas por “gr”, como greis, greif e grimmig; explica os sentidos destas palavras; depois uma outra lista, em português, com palavras equivalentes. Ou não exatamente equivalentes, pois, como ele diz, tratar-se-ia de uma “reconstituição da ambiência fonosemântica” (p. 183). Campos mantém, além da sugestão semântica, aspectos fônicos das palavras, pois em português todos esses vocábulos também começam com “gr”. E expõe detalhadamente o modo como sua tradução é capaz de recriar os efeitos aliterativos, os jogos de palavras, e a “força do contágio de significantes convergentes e coincidentes” (p. 182). Para Campos, a fala do Grifo evidenciaria, “ao nível mais imediato”, o caráter TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 180 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo autorreflexivo da função poética (p. 181). E sua transcriação, por sua vez, deseja dar conta desta reflexividade. UM GRIFO, resmungando: Gri não de gris, grisalho, mas de Grifo! Do gris de giz, do grisalho de velho Ninguém se agrada. O som é um espelho Da origem da palavra, nela inscrito. Grave, gralha, grasso, grosso, grés, gris Concertam-se num étimo ou raiz Rascante, que nos desconcerta. MEFISTÓFELES: O Grifo Tem grito e garra no seu nome-título. (1981: 182) Avaliando traduções Meschonnic e Campos, apesar de críticos quanto à preocupação com “fidelidade” das traduções convencionais, ao se esforçarem por não deixar de lado a especificidade e a historicidade dos poemas que traduzem, parecem mais fiéis do que seria de se esperar. A tradução do poema clássico chinês realizada por Meschonnic é de algum modo mais “fiel” ao original do que as outras traduções. E podemos dizer o mesmo sobre as traduções dos concretistas, ou seja, que, mesmo sendo transcriações, refletem tal preocupação com a forma e com o espírito do original que acabam sendo mais “fiéis” do que as traduções ditas convencionais. Em “Augusto de Campos como tradutor”, de 2004, Paulo Henriques Britto observa sobre as traduções de Hopkins feitas por Augusto de Campos: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 181 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Se a linguagem poética é aquela que utiliza com o máximo de proveito os diferentes planos da fonética, morfossintaxe, semântica e prosódia, o que se pode exigir de uma tradução poética senão que ela reproduza o máximo de efeitos do poema original em todos estes planos? O que Augusto de Campos faz com o soneto de Hopkins pode ser chamado de transcriação, transhopkinsação ou qualquer outro nome que se lhe queira dar; mas é nada mais – nem nada menos – do que uma tradução esplêndida. A meu ver, ao contrário do que eles apregoam, Augusto e seus companheiros não inventaram nenhum processo novo e revolucionário no campo da tradução de poesia, e sim elevaram o nível de qualidade de seu ofício a um patamar raramente atingido antes (BRITTO 2004: 333). Podemos aproveitar o gancho deste comentário para expor o pensamento deste outro poeta, tradutor e teórico da tradução de poesia. Sem querer ser revolucionária, a teoria da tradução de Paulo Henriques Britto tem o mérito de tornar mais próximo, mais analisável e mais objetivo o trabalho de tradução de poesia. (Embora falar de objetividade no terreno da poesia não deixe de ser uma ousadia.) O que Britto faz pode ser chamado em alguns momentos de “prosódia comparada”, pois ele usa os termos língua-meta, língua de saída, correspondência, fidelidade. Como adverte Meschonnic, ao usar estes termos, corre-se o risco de encarar a tradução como mera interpretação, de produzir um texto que seja apenas “portador” (porteur), de perder o aspecto literário do texto. Porém, a nosso ver, a abordagem de Britto permite uma complexidade na leitura do poema que também é “partitural”, que também vai acessar seu “modo de significar”. Em “Para uma avaliação mais objetiva das traduções de poesia”, de 2002, Britto escreve: Temos consciência de que o texto poético trabalha com a linguagem em todos os seus níveis – semânticos, sintáticos, fonéticos, rítmicos, entre outros. Idealmente, o poema deve articular todos esses níveis, ou pelo menos vários deles, no sentido de chegar a um determinado conjunto harmônico de efeitos poéticos. A tarefa do tradutor de poesia será, pois, a de recriar, utilizando os recursos da língua-meta, os efeitos de sentido e forma do original – ou, ao menos, uma boa parte deles (BRITTO 2002: 54). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 182 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Ao analisar um poema, o tradutor deve se perguntar qual, entre todos os efeitos poéticos, se apresenta de forma mais regular ou mais constante no poema original. Os efeitos poéticos dizem respeito tanto à forma quanto ao aspecto semântico do poema. E como se trata de poesia, a complexidade vem do fato de que é impossível discernir nitidamente formas e sentidos. Britto propõe que seja feita uma espécie de hierarquização dos diferentes efeitos poéticos. Olhando para a totalidade do poema, o tradutor deve discernir quais são suas características mais marcantes, e se concentrar nesses elementos ao traduzir. É com este aspecto do poema que o tradutor deve buscar um maior nível de correspondência. Por exemplo, em sua análise do poema “The shampoo”, de Elizabeth Bishop, Britto afirma que a métrica deste poema não é rigorosa, mas o seu esquema de rimas é bastante regular. Sendo assim, mais do que com o número de sílabas, a tradução deve se ocupar das rimas (2002: 59). As “perdas” decorrem do fato de que nem todos os elementos do poema poderão ser traduzidos, mas o tradutor pode se considerar satisfeito se conseguir recriar os elementos mais importantes. Pode acontecer também que efeitos poéticos do original, como as aliterações – um recurso muito menos comum em português do que em inglês –, sejam deslocados para outro verso do poema, funcionando como uma espécie de compensação. Seguindo Britto, podemos também pensar a relação entre tradução e texto original em termos de correspondência funcional ou formal. A tradução funcional é aquela mais preocupada com que a tradução funcione em um determinado contexto tradutório, em determinada língua. A tradução formal, ao contrário, é aquela que vai se apegar mais à forma, e o problema é que uma mesma forma pode ter conotações muito diferentes em diferentes línguas. Para que isso fique mais claro, vejamos o caso das traduções para TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 183 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo poemas de Emily Dickinson discutidas por Britto no texto “Correspondência formal e funcional em tradução poética”, de 2006. Em toda sua obra, Dickinson recorre às formas mais simples de que dispõe o repertório prosódico do inglês — as formas de balada — para por meio delas compor poemas de uma complexidade intelectual notável. Assim, o contraste entre a singeleza da forma e a densidade do sentido é um efeito importante de sua poesia. Isso nos leva ao seguinte problema: ao traduzir Dickinson, devemos nos ater à correspondência formal — i.e., tentar recriar formas análogas às do original com os recursos do português — ou devemos buscar uma correspondência funcional — procurar encontrar no nosso idioma recursos formais que tenham, no contexto poético lusófono, um significado análogo ao das formas utilizadas no original? (BRITTO 2006b: 57). Faz parte da tradição incorporar formas estrangeiras ao repertório poético, afirma Britto. O soneto, o haiku, a sextina, são formas que vieram para o português de outras tradições poéticas e, portanto, é claro que a tradução formal produz enormes ganhos. Mas, em sua própria tradução de Dickinson, Britto opta por uma tradução funcional, isto é, ele usa a redondilha maior, que seria o correspondente, no contexto lusófono, da balada inglesa, trazendo suas conotações de simplicidade e folkiness. O fator complicador é que, dentro do uso da forma simples da balada, Dickinson faz inovações. Ela usa rimas consonantais que, segundo Britto, constituíram uma importante inovação na prosódia do inglês, posteriormente adotada por muitos poetas modernos. Em sua tradução, Britto usou rimas toantes para traduzir as rimas consonantais de Dickinson, e embora ocorra uma boa analogia formal entre estes dois tipos de rima, perde-se o caráter inovador do poema, pois em português as rimas toantes já fazem parte do repertório popular, não decorrem de uma escolha poética consciente. Britto analisa as traduções de José Lira, que opta por uma tradução formal, importando para o português a rima consonantal. Isso seria coerente – afinal, se houve inventividade na forma em inglês, deve haver também em TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 184 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo português. O difícil, afirma o autor, é fazer com que a inventividade funcione. Ao seu ver, a transposição das rimas consonantais para o português não funciona. Elas não chegam sequer a ser percebidas como rimas, pois “a centralidade das tônicas na rima portuguesa é incontornável” (BRITTO 2006b: 62). Nesse caso, a tentativa de importar uma forma poética não teria obtido o efeito desejado. Um último ponto das reflexões de Britto que gostaríamos de trazer está colocado mais explicitamente no artigo “Fidelidade em tradução poética: o caso Donne” (2006). Neste texto, Britto afirma a possibilidade de se avaliar traduções de poesia de modo minimamente objetivo. Mais diretamente, o autor está respondendo ao comentário de Rosemary Arrojo, quando esta diz: “a tradução de um poema e avaliação dessa tradução não poderão realizar-se fora de um ponto de vista ou de uma perspectiva, ou sem mediação de uma ‘interpretação’.” (ARROJO apud BRITTO 2006a: 239). Para Arrojo, como a tradução é inevitavelmente da ordem da leitura e da interpretação, o fato de considerarmos uma tradução superior a outra refletiria sobretudo uma afinidade maior entre os nossos pressupostos e os pressupostos de determinado tradutor; ou seja, preferimos uma tradução quando a nossa leitura “combina” mais com a leitura de um certo tradutor. Britto, por sua vez, não vê na instabilidade dos significados um impedimento para uma avaliação mais objetiva. Sem negar que toda e qualquer tradução vai se dar dentro de uma perspectiva, ele afirma a possibilidade de avaliar e comparar diferentes traduções. É verdade que não temos acesso ao real e que todas nossas opiniões são qualificadas pelos nossos pressupostos, mas essa constatação não leva à conclusão de que todas as traduções, ou todas as teorias, são igualmente “legítimas e competentes”. Pelo contrário, é precisamente porque não temos esse acesso direto ao real que é necessário analisar, discutir e tentar estabelecer consensos, ainda que parciais – pois se o real se oferecesse diretamente como evidência à inteligência humana, o que haveria para discutir? (BRITTO 2006a: 240-241). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 185 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Britto procede então a análise e comparação das traduções de Augusto de Campos e de Paolo Vizioli para o poema “Going to bed”, de John Donne. Ele faz uma análise minuciosa das duas traduções, comparando-as ao original e avaliando, entre outros elementos, perdas semânticas, acréscimos de palavras, mudanças na sintaxe, rimas e associações fônicas. Desse modo, elabora um tipo de análise em que o cotejo das traduções com o original permite conclusões mais palpáveis do que apenas “esta tradução flui melhor”, ou “esta tradução preserva o espírito do original”. A nosso ver, ao tornar mais objetiva a comparação entre as traduções, assim como Meschonnic, Britto também vai contra o “império dos significados”, colocando o sentido como um dentre os vários aspectos que deve ser traduzido. E em sua busca por certa objetividade, não deixa de estabelecer uma “erótica” da tradução. Considerações finais Na introdução, sugerimos que o trabalho de tradução poderia se oferecer como um espaço privilegiado para se pensar a poesia de acordo com os preceitos “contra-interpretativos” de Susan Sontag. Os três teóricos que trouxemos parecem formular, cada um ao seu modo, suas próprias “eróticas”: enfatizando o ritmo, a materialidade, os diversos níveis de efeitos que compõem o poema e demonstrando como para traduzir é preciso fazer uma “descrição realmente cuidadosa, aguda, carinhosa” do poema. Assim, o aspecto semântico-interpretativo coloca-se como um dos momentos do trabalho tradutório; e a própria instabilidade dos sentidos, na medida em que é um dos efeitos da poesia, também deve ser incorporada ao texto traduzido. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 186 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo Um dos aspectos interessantes do trabalho de tradução é que ele parece necessariamente levar a este “corpo a corpo” com o texto. No entanto, nem a nossa leitura particular, tampouco o texto, são transparentes. O acesso ao texto vai sempre se dar através das ideias e da ‘historicidade’ de cada um. Mas é justamente não perdendo de vista essa complexidade que poderemos ler/ouvir/tocar melhor o poema, torná-lo mais real e, consequentemente, realizar traduções mais interessantes. Referências bibliográficas BEDETTI, G. Henri Meschonnic: Rhythm as Pure Historicity. New Literary History, 2002, vol 23. n.2, pp. 431-450. BRITTO, P. H. Julho-dezembro, 2006a. Fidelidade em tradução poética: o caso Donne. Terceira Margem, v. 15, pp. 239-254. _____. Correspondência formal e funcional em tradução poética in Sob o signo de Babel: literaturas e poéticas da tradução. Org. MARCELO PAIVA SOUZA ET AL. VITÓRIA, PPGL/ MEL, Flor&Cultura, 2006b, pp. 1-15. _____. Augusto de Campos como tradutor in Sobre Augusto de Campos. Org. FLORA SÜSSEKIND E JÚLIO CASTAÑON GUIMARÃES. Rio de Janeiro, 7Letras/Fundação Casa de Rui Barbosa, 2004, pp. 323-343. _____. Para uma avaliação mais objetiva das traduções de poesia in As margens da tradução. Org. GUSTAVO BERNARDO KRAUSE. Rio de Janeiro, FAPERJ/Caetés/UERJ, 2002, pp. 54-67. CAMPOS, H. de. Da tradução como criação e como crítica in Metalinguagem. Petrópolis, Vozes, 1967,pp. 21-38. _____. Transluciferação mefistofaústica in Deus e o Diabo no Fausto de Goethe. São Paulo, Perspectiva, 1981, pp. 179- 209. CAMPOS, H. de e PAZ, O. Transblanco. São Paulo, Siciliano, 1994. MESCHONNIC, H. Poétique du traduire. Paris, Verdier, 1999. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 187 Bastos, B. C. – O sentido e o som: três teorias da tradução de poesia em diálogo _____. La rime et la vie in La rime et la vie. Paris, Gallimard, 1989, pp. 247273. SONTAG, S. Contra a interpretação in Contra a interpretação. Trad. de Ana Maria Capovilla. Porto Alegre, L&PM, 1987, pp. 11-23. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 164-187 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Eduardo Luis Araújo de Oliveira Batista * Abstract: This article proposes to analyse, from a systemic approach of cultural exchanges between different nations and languages, the Brazilian translation work of American poet Elizabeth Bishop, produced in the 1950-70’s. Based on the polysystem theory of Itamar Even-Zohar, and Andrè Lefevere’s theory of rewriting, we demonstrate how the flow of literary translations often follows dynamics that go beyond strictly literary criteria. Bishop’s view of Brazilian literature is traced through the study of her translations and other textual production and it shows a cultural conflict. This conflict is found in the contact of two different literary poetics and two different modernist proposals: the Anglo-Saxon tradition in which Bishop developed her literary career, and the Brazilian literature, until then affiliate to French literary tradition. It is appointed in this article that this tension is a consequence of this specific historical moment, when two central literary systems dispute over one considered peripheral. Keywords: Elizabeth Bishop; literaly translation; Brazilian modernism; polysystem theory. Resumo: Neste artigo propomos analisar a obra tradutória brasileira da poeta norteamericana Elizabeth Bishop, realizada nas décadas de 1950-70, a partir de uma visão sistêmica das trocas culturais entre diferentes nações e línguas. Baseando-nos na teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e na teoria da reescrita de André Lefevere, mostramos como o fluxo de traduções literárias muitas vezes obedecem a dinâmicas que vão além de critérios estritamente literários. Identificamos na leitura que Bishop fez da literatura brasileira, por meio do estudo de suas traduções e outras produções textuais, uma tensão entre duas diferentes poéticas literárias e duas diferentes propostas modernistas, a da tradição em língua inglesa, da qual Bishop é insigne representante, e a brasileira, até aquele momento histórico afiliada à * Doutor em Teoria e História da Literatura pela UNICAMP, pós-doutorando na ECA/USP. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br tradição francesa. Essa tensão é vista como reflexo de um momento de disputa entre dois sistemas literários centrais sobre um sistema considerado então periférico. Palavras-chave: Elizabeth Bishop; tradução literária; Modernismo brasileiro; teoria dos polissistemas. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 190 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Em sua teoria da reescrita, na qual aborda o poder de mediação e criação de imagens culturais presentes na tradução, André Lefevere utiliza o conceito de sistema literário, introduzido nos Estudos da Tradução pelo estudioso Itamar Even-Zohar. Lefevere define sistema “como um termo neutro, descritivo, usado para designar um grupo de elementos interrelacionados que compartilham certas características que os separam daqueles vistos como não pertencentes ao sistema” (LEFEVERE 1992: 12) 1. O conceito de sistema é empregado por permitir uma abordagem funcional em que a literatura é vista em correlação a língua, sociedade, economia, política, ideologia etc. Isso ocorre por ser a literatura autorregulada e ao mesmo tempo condicionada por outros sistemas. Segundo Zohar, “qualquer sistema semiótico (tal como a literatura ou a língua) é apenas um componente de um (poli)sistema maior – o da ‘cultura’, ao qual é subjugado e com o qual é isomórfico [...]” (ZOHAR 1990: 2). O polissistema da cultura “pode ser concebido como um componente em um mega (poli)sistema, i.e., aquele que organiza e controla várias comunidades” (Ibidem: 24). Os diversos polissistemas culturais se articulam em uma hierarquia em que não há apenas um centro, mas diversos centros e periferias. Segundo Zohar, essa hierarquia entre os polissistemas determina em grande parte a dinâmica das trocas culturais, nas quais se incluem as traduções, que formam, por sua vez, um dos subsistemas mais ativos do sistema literário. Para Lefevere, as reescritas, principalmente as traduções, afetam profundamente a interpenetração dos sistemas literários, não apenas por projetar a imagem de um escritor ou obra em outra literatura, ou por não conseguir fazê-lo, mas pela possibilidade de introduzir novas estratégias em uma poética e preparar o caminho para alterações na mesma. Segundo a teoria dos polissistemas, alguns sistemas literários ocupariam uma posição de centralidade por possuírem uma literatura considerada forte, autossuficiente, 1 Esta e outras citações do artigo, originalmente em inglês, foram traduzidas pelo autor deste artigo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 191 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA capaz de responder por si própria às suas demandas internas, enquanto os sistemas periféricos necessitariam regular suas deficiências através do empréstimo de modelos dos sistemas centrais. A partir dessa abordagem funcional, os textos só constituem um fator dinâmico nas relações sistêmicas em função de sua representatividade como modelos. Em função dessa perspectiva as traduções são classificadas como primárias, quando representam novos modelos e trazem inovações ao sistema receptor; ou secundárias, quando não trazem inovação e são consideradas conservadoras. Nesse contexto, o sistema literário brasileiro pode ser considerado periférico em boa parte de sua trajetória histórica, devido ao seu reduzido relevo internacional, e por ter se mantido em relação de dependência junto aos sistemas centrais ocidentais, norte-americano e europeus, durante seu processo de formação. Apesar dessa relação de dependência, como situa Zohar, ser típica da “juventude” de um sistema, ela pode se prolongar por razões que vão além do estado do sistema literário como tal (ou seja, de sua maturidade). Segundo Zohar, a tradução de obras de uma literatura periférica para uma central não ofereceria inovações e seria moldada às normas já estabelecidas no sistema receptor. Ela seria considerada como uma tradução secundária. Como dissemos anteriormente, isso ocorreria em função do sistema central ser considerado autossuficiente e não necessitar da influência de modelos externos. Neste caso, a tradução não responderia às necessidades do sistema literário, mas de outros sistemas, como político ou econômico. É o que acreditamos ter ocorrido durante as décadas de 1950-60 nos EUA com relação à América Latina, em que a disputa de influências ensejada pela Guerra Fria gerou um intenso programa de intercâmbio cultural no qual se incluía o financiamento de projetos de tradução. Como atesta Heloísa Barbosa, [...] no caso das traduções de obras literárias brasileiras e ficção em prosa para a língua inglesa, o maior patrocinador parece ter sido o governo norte-americano, que desejou promover comunicação TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 192 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA intercultural em função de promover a amizade entre as nações do continente americano [...]. Entretanto, o governo norte-americano não parece ter selecionado diretamente os textos para tradução, ou contratado tradutores para realizar as traduções. Esse trabalho parece ter sido assumido pelos experts das agências que forneceram os fundos (tais como as fundações Rockfeller e Ford) (BARBOSA 1994: 104-105). Não houve por parte do sistema literário norte-americano um movimento de interesse pelos textos (enquanto modelos poéticos) latinoamericanos, mas um interesse político, que gerou uma demanda no sistema cultural. O resultado disso é que apesar do boom tradutório da literatura latino-americana nos anos 1960 nos Estados Unidos (no qual se incluiu o Brasil 2), não se pode falar de uma influência daquela no sistema literário norte-americano. É o que demonstra a avaliação de Barbosa sobre a recepção do Modernismo brasileiro nos países de língua inglesa: [...] apenas duas das obras traduzidas no período [décadas de 1920-30] foram obras produzidas por escritores relacionados ao movimento Modernista: “Urupês”, de Monteiro Lobato (1918, “Brazilian short stories”, 1925), e “Amar, Verbo Intransitivo”, de Mário de Andrade (1927, “Fraulein”, 1932), além de não serem obras significativas no movimento. “Macunaíma”, por exemplo, não foi publicado em língua inglesa antes de 1984. Esses fatos se colocam contra a existência de um maior interesse pela expressão literária do movimento Modernista brasileiro de parte do mundo falante da língua inglesa (BARBOSA 1994: 32). Talvez, o realismo-fantástico pudesse ser considerado como um elemento da poética latino-americana que foi exportado à época. Barbosa, no entanto, sugere que o boom da literatura realista-fantástica tenha sido acima de tudo um fenômeno tradutório, encontrando sua origem antes na reescrita efetuada pelos tradutores e críticos estrangeiros do que em um movimento literário criado e exportado pelos escritores latino-americanos: 2 Segundo Barbosa, o número de obras literárias brasileiras traduzidas para o inglês quase triplicou nos anos 1960 (BARBOSA 1994: 44). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 193 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA [...] sendo este o caso, o boom seria aqui visto como algo vindo de fora, não algo gerado no espaço chamado “América Latina”. Consequentemente, não é possível ver o boom como se iniciando na publicação de obras originais em espanhol. A visão tomada aqui é de que o boom é antes de tudo um fenômeno de tradução (BARBOSA 1994: 40). O boom literário latino-americano estaria vinculado a um crescimento do mercado ocidental para seus produtos culturais, aliado aos interesses políticos já descritos. A restrita abertura do sistema literário norte-americano a modelos literários estrangeiros, especificamente os dos sistemas literários considerados periféricos, pode ser confirmada pela tradição norte-americana na abordagem tradutória, que Lawrence VENUTI (1995) caracteriza como conservadora e dominada pela estratégia “domesticadora”, transformando-as nas traduções secundárias de que fala Zohar. Essa estratégia resulta em traduções como as feitas pela poeta Elizabeth Bishop nos anos 1950-70, que assimilam e apagam a originalidade dos textos, diluindo sua capacidade de influenciar o sistema receptor, como apontado em artigo anteriormente publicado (BATISTA 2005). Essa estratégia se justificaria não por uma intrínseca “inferioridade” do texto periférico, mas pelas relações dos sistemas literários, determinadas por suas respectivas posições hierárquicas e pela tentativa de imposição de uma poética sobre outra, tendência a acontecer quando uma literatura central traduz uma periférica. Em um movimento contrário − na tradução de um texto de uma literatura central para uma periférica − a abordagem é inversa e o alto status da obra (em parte devido ao status do seu sistema de origem) leva a uma tradução cuidadosa no sentido de preservar no texto as características do que é considerado como sua originalidade (ou seja, aquilo que distingue sua poética daquela em vigor no sistema receptor). Neste caso, a tradução é orientada para o sistema de origem, em uma tentativa de preservar as especificidades do texto e apresentá-lo como modelo a ser copiado. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 194 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA A dinâmica das trocas intersistêmicas ajuda-nos a entender a abordagem “domesticadora” de Bishop, revelada pela adoção do método literal e pela seleção de textos que encontrassem modelos já existentes na literatura em língua inglesa. Como nos diz Lefevere, a tradução de textos de um sistema periférico para um central leva o tradutor a “concentrar-se em encontrar os melhores modelos secundários prontos para o texto estrangeiro, e o resultado com frequência é uma tradução não adequada ou uma grande discrepância entre a equivalência alcançada e a adequação proposta” (LEFEVERE 1992: 52). São os inconvenientes do método literal na forma empregada por Bishop, que dilui os textos na tradição receptora e anula suas melhores qualidades poéticas, tornando-as assim traduções secundárias, conservadoras e incapazes de influenciar o sistema receptor. As traduções de Bishop são consideradas de baixa qualidade, em grande parte devido ao seu desconhecimento da língua portuguesa, o que a levou a erros gramaticais e semânticos. Considerando o extremo profissionalismo e dedicação que Bishop dispensava ao seu trabalho poético, em função do qual produziu uma obra reduzida, mas elogiada por sua precisão e cuidado artesanal – alguns de seus poemas levaram anos para serem concluídos, como “The Moose”, que levou cerca de vinte anos –, a falta de cuidado que marcou suas traduções pode ser explicada por sua postura etnocêntrica. Apesar de seu interesse pessoal pelos autores e textos traduzidos, Bishop enxergava nossa literatura como inferior, uma cópia atrasada da literatura europeia, julgamento que se estendia de uma forma geral a toda a alta cultura brasileira, considerada uma importação de modelos estrangeiros. Seu interesse restringia-se à cultura popular, que considerava “original” e “autêntica”. Provavelmente essa postura explica ter se envolvido nos projetos de tradução e antologização de nossa literatura, mesmo não se considerando totalmente apta para essas tarefas. Bishop não possuía nenhuma formação na área − literatura brasileira − e nem mesmo um conhecimento autodidata que fosse consistente. Como nossa alta literatura não lhe interessava, não desenvolveu nenhum estudo mais sistemático do TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 195 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA assunto e, provavelmente, além do pouco de ficção e poesia que leu (a maior parte traduzida para o inglês), não leu nenhum crítico ou historiador literário brasileiro (pelo menos não cita nenhum em suas cartas e entrevistas) 3. Suas declarações são de uma pessoa com conhecimentos limitados sobre o assunto, carregadas de idiossincrasias e opiniões pessoais, pouco apropriadas a um público acadêmico, como o dos estudantes, principal alvo da antologia de poemas brasileiros que editou pela Wesleyan University em 1972. Além do interesse pessoal de Bishop pelos autores traduzidos, seu envolvimento parece explicar-se mais por razões financeiras e circunstanciais: a conjunção entre a presença de uma escritora norte-americana famosa no Brasil e o mercado que se formou à época nos Estados Unidos para produtos culturais relacionados à América Latina. Perfil que compartilha com grande parte dos tradutores de obras brasileiras para a língua inglesa, como sugere Barbosa em seu levantamento dos tradutores de nossa literatura – “aqui o maior elemento de aleatoriedade surge na pesquisa. O acaso parece enviar pessoas ao Brasil. O acaso parece levar pessoas a aprenderem português na universidade. Essas pessoas eventualmente traduzem obras brasileiras para o inglês” (BARBOSA 1994: 345). Não se pode considerar que os textos de origem periférica não ofereçam nenhuma inovação e capacidade de influência sobre um sistema central, mas a própria postura com que tais textos são abordados impede que as possíveis inovações apareçam e sejam capazes de oferecer alguma influência, uma vez que as diferenças são negadas e apagadas, nas traduções literais e conservadoras, como as realizadas por Bishop. No caso em que estamos estudando, apesar do processo de “domesticação”, acreditamos que Bishop recebeu uma influência dos textos que traduziu, como os de João 3 Como afirma Paulo Henriques Britto “já nas primeiras cartas escritas aqui a poeta revela o desânimo que lhe inspiraram a pobreza do ambiente cultural brasileiro, o provincianismo dos intelectuais locais e a falta de perspectiva do país – uma visão do Brasil que certamente não a estimulava a empreender uma imersão mais profunda na literatura brasileira” (BRITTO 1999: 17). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 196 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Cabral de Melo Neto, que lhe sugeriram formas poéticas (a balada para “The burglar of Babylon”), e especialmente Carlos Drummond de Andrade, que a inspirou a escrever textos com temas como memória e família (fazendo-a romper com sua poética impessoal) 4, e que também a influenciou formalmente (segundo a crítica literária Helen Vendler, Drummond lhe teria sugerido a estrofe de três versos usada em “In the waiting room” (VENDLER 1983: 312)). Uma vez que Bishop recebeu uma influência efetiva desses autores e por ocupar um lugar de centralidade no sistema literário norteamericano, podemos considerar que apesar da estratégia “domesticadora”, as traduções exerceram uma influência sobre o sistema receptor. Neste caso isso ocorreu apenas pelo fato de se conjugarem em uma mesma personagem a tradutora e uma escritora canonizada. Esta não é uma situação frequente nos Estados Unidos, diferentemente da América Latina, onde há uma tradição de escritores famosos se dedicarem à tradução de textos estrangeiros. Tal fato não deixa de possuir uma ligação direta com a dinâmica entre os sistemas centrais e periféricos que estamos analisando, na medida em que os escritores do sistema periférico se dirigem ao centro em busca de modelos, através das traduções, como o fizeram Machado de Assis (tradutor de Edgar Allan Poe), Manuel Bandeira (tradutor de Marianne Moore) e Carlos Drummond (tradutor de Guillaume Apollinaire). Além da dinâmica entre os sistemas periféricos e centrais outros fatores, segundo Lefevere, controlam o sistema literário, sendo classificados como internos e externos. O controle interno é exercido pelos profissionais da área (escritores, professores de literatura, críticos, tradutores etc.), que possuem autonomia e status no seu campo particular. O controle externo é 4 Segundo Pryzbicien “vários críticos americanos têm atribuído a mudança na produção poética posterior de Bishop à poesia confessional de [Robert] Lowell. Meu ponto de vista é de que foi Carlos Drummond de Andrade, não Lowell, quem a ensinou a balancear temas intensamente pessoais com um tom irônico em seus poemas sobre memória”. [“Several American critics attribute the shift in Bishop’s late poetic production to Lowell’s confessional poetry. My view is that it was Carlos Drummond de Andrade, not Lowell, who taught her to balance intensely personal themes with an ironical tone in her memory poems” (PRYZBYCIEN 1998: 103). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 197 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA exercido pela patronagem, que deve ser entendida, segundo Lefevere, como “os poderes (pessoas, instituições) que podem promover ou obstruir a leitura, escrita e reescrita da literatura” (LEFEVERE 1992: 15). A patronagem se interessa mais pela ideologia do que pela poética e delega competência aos profissionais quando se trata de questões relativas à segunda esfera. A patronagem pode ser exercida tanto por indivíduos, como os mecenas, como por grupos de pessoas ou instituições, como as fundações Rockfeller, Ford, Fullbright e a editora Time Life, que patrocinaram projetos de Bishop sobre o Brasil. Os patronos não são os responsáveis pela reescrita, mas por sua publicação e divulgação, atuando de forma direta na seleção das reescritas a alcançarem o grande público. De uma forma geral, os patronos estão ligados à ideologia dominante, representada nos quadros dirigentes das instituições de ensino, revistas, jornais etc. A patronagem dá o tom ideológico às reescritas, uma vez que, segundo Lefevere, “a aceitação da patronagem implica a integração em um certo grupo de apoio e seu estilo de vida” (LEFEVERE 1992: 14). Acreditamos que as traduções realizadas por Bishop tenham sido movidas antes de tudo por seu interesse pelos autores escolhidos e por suas obras. Mas, a oportunidade de publicá-las e de obter um retorno financeiro está diretamente ligada ao amplo mercado que se abriu para estudos acadêmicos, ficção, artigos, livros de viagem, matérias jornalísticas, documentários e outras representações sobre a América Latina, fomentado pela política cultural norte-americana para o hemisfério durante a Guerra Fria. Esse mercado era financiado antes de tudo pelo governo norteamericano, que atuava em conjunção com instituições privadas. A patronagem do governo e das instituições com as quais cooperava parece não ter oferecido a Bishop grandes embaraços, como ofereceram ao cineasta Orson Welles, cujo documentário sobre o Brasil (It’s all true, rodado em 1942), patrocinado pelo Departamento de Estado norte-americano, teve seu projeto cancelado a meio caminho por não se adequar à agenda política de sua patronagem. O TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 198 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Departamento de Estado não estava preocupado em conhecer a realidade do povo brasileiro (através de um documentário que mostrava a vida de um jangadeiro em Fortaleza e de um negro em uma favela do Rio de Janeiro), mas queria apenas um motivo para reforçar seus laços de influência, objetivo melhor realizado pelo longa-metragem de Walt Disney Alô amigos, lançado no ano de 1942, e que apresenta o Brasil estereotipado do samba, do carioca malandro e da baiana brejeira. Bishop parece ter professado a mesma ideologia de sua patronagem, as grandes publicações norte-americanas sobre literatura, como The New Yorker, The New York Times, Partisan Review, e outras, nas quais suas obras eram presença frequente e cujos diretores muitas vezes eram seus amigos pessoais. Segundo Lefevere, os reescritores são delegados pelos patronos para manterem o sistema literário alinhado com sua própria ideologia. A aceitação da patronagem implica que os reescritores trabalhem dentro dos parâmetros colocados por seus patronos. A posição de centralidade de Bishop no sistema literário norte-americano sugere seu alinhamento com a ideologia dominante e pode ser comprovado por sua postura conservadora (tanto literária quanto politicamente) e pouco crítica ao status quo. A interferência da patronagem no trabalho de Bishop pode ser melhor apreciada no episódio do volume Brazil, encomendado pela Time-Life para a coleção Biblioteca Internacional. Em carta de 1961, Bishop relata o projeto à sua tia Grace: A revista Life me pediu para escrever o texto de um livrinho sobre o Brasil. Eles publicam uma série destes livros – cada um sobre um país diferente. O mais provável é que ninguém leia o texto, mesmo, e só veja as fotos, que normalmente são maravilhosas [...]. Mas escrever esse tipo de coisa é difícil para mim, e tenho que cobrir todo o país – história, economia, geografia, artes, esportes – tudo, ainda que de modo superficial. Porém vou ser bem paga [...]. Não gosto da revista e não gosto deles [...] – mas quero ganhar dinheiro – e a esta altura de fato sei muita coisa sobre o Brasil, querendo ou não (BISHOP 1995: 434). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 199 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Na finalização do livro, Bishop se desentendeu seriamente com os editores, que sugeriram diversas alterações ao seu projeto. É o que declara em carta de 1962, quando o livro foi publicado − “o livro Brazil é mesmo um horror; tem algumas frases que simplesmente não fazem sentido. E pelo menos as fotos podiam ser boas. Se você se der ao trabalho de ler o livro, é possível que encontre aqui e ali algum vestígio do que eu pretendia dizer originariamente” (BISHOP 1995: 443). O convite de Bishop para assinar o livro devia-se antes de tudo ao seu status de escritora reconhecida (já havia conquistado o prêmio Pullitzer) e de “conhecedora” do Brasil. Nesse sentido seu nome na capa do livro serviria como uma estratégia de marketing com vistas a vendas lucrativas. Os desentendimentos entre Bishop e os editores parecem ter se dado pela imposição de um modelo padronizado que Bishop não queria seguir. Não houve exatamente um choque ideológico, mas as preocupações de Bishop parecem ter se dirigido mais aos aspectos estéticos do livro, como declara em carta de 1962: “acho que o pior de tudo é como eles vulgarizam os títulos de capítulos e legendas” (Ibidem: 714). Completa: [...] as fotos são mesmo o mais imperdoável de tudo – o que não falta é material, tem coisas maravilhosas [...]. Eles receberam minhas ideias com entusiasmo, só que não tomaram nenhuma iniciativa. [...] Imagine um Rio de Janeiro sem nenhum pássaro, nenhum bicho, nenhuma flor. E existem fotos maravilhosas de índios, suas casas, seus adereços, suas danças, etc. – não saiu nada (BISHOP 1995: 714-15). Aparentemente a imagem do Brasil de Bishop não entrou em acordo com a imagem pretendida pela Time-Life. Bishop tentou projetar no livro uma imagem que se concentrava naqueles aspectos que considerava naturais e originais e que entravam em concordância com sua imagem do país formada pelo dualismo “natureza exuberante” e “sociedade primitiva e autêntica”. Como declara na mesma carta de 1962 – “eu insisti que devia haver pelo menos uma página de fotos de animais [...] – escrevi duas ou três páginas boas sobre a natureza – o efeito dela sobre a linguagem – bichos de estimação – TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 200 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA pássaros de gaiola etc. – cortaram tudo” (BISHOP 1996: 716). Os editores, ao contrário, pretendiam divulgar uma imagem do Brasil desenvolvimentista, que havia definitivamente entrado na sua etapa industrial com o governo de Juscelino Kubitschek, no final da década de 1950. Bishop critica a tendenciosidade dos editores que, segundo ela, estavam mais interessados em apregoar as benesses da industrialização, criando uma imagem do país onde “dão a entender que a solução de todos os problemas da vida é a ‘industrialização’” (BISHOP 1996: 715). É nesse sentido que os títulos “sugestivos” de Bishop para os capítulos do livro, como, “Cap. 2 A terra do pau-brasil, Cap.5 Animal, vegetal, mineral, Cap.6 As artes espontâneas”, são substituídos por títulos como “Esplendores modernistas de uma capital na fronteira”. Na verdade Bishop não se opunha à ideologia de sua patronagem, como declara na mesma carta – “não há dúvida de que a industrialização é a única coisa que pode salvar o Brasil, seja boa ou má, mas a maneira como eles colocam a coisa [...]” (BISHOP 1996: 715), ela apenas apresentava uma imagem mais idealizada e estetizada do país. Como nota Lefevere, a patronagem interessa-se principalmente pelos fatores ideológicos e econômicos. Quando há um confronto entre um desses fatores e o poético, os primeiros tendem a vencer o segundo. O resultado é que Bishop renegou o livro (costumava corrigir pessoalmente os exemplares que encontrava nas casas dos amigos), que foi publicado como uma coedição entre a poeta e os editores da TimeLife. Outro viajante norte-americano que visitou o Brasil na década de 1950 foi o escritor John dos Passos, que esteve aqui em 1958 visitando Brasília para escrever um artigo para a revista Reader’s Digest a convite do Departamento de Estado dos EUA, e que visitou Bishop e sua amiga Lota de Macedo Soares em Samambaia. Além do artigo, dos Passos acabou publicando também um livro sobre o Brasil, que Bishop considerou “uma porcaria tão grande que nem consegui ler, e muito superficial” (BISHOP 1996: 463). Intitulado “Brasília, uma capital surge no sertão”, o artigo de dos Passos que inicialmente o trouxe ao TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 201 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA país parece seguir o estilo dos editores da Time-Life, retomando o discurso do “país do futuro”, no qual os imigrantes de Brasília são comparados aos “colonos americanos do oeste dos EUA ha cem anos atrás” (DOS PASSOS 1960: 19). O texto é marcado pelo ufanismo que vangloria as dimensões do país e do empreendimento da construção de Brasília, e seu tom geral pode ser entrevisto no período com que o texto se inicia: “Num planalto do sertão, a mais de 1.000 quilômetros do mar, a maior nação da América do Sul e o quarto país do mundo em superfície está terminando uma nova capital” (DOS PASSOS 1960: 15). O artigo de dos Passos apresenta o mesmo tipo de imagem do país presente nas intenções dos editores da Time-Life de Brazil, apregoando sua capacidade de desenvolvimento e as vantagens que o processo de industrialização trará ao país, integrando-o ao capitalismo ocidental. Além de financiar o trabalho dos reescritores, a patronagem é principalmente responsável pela divulgação das reescritas. Foi através do projeto da Wesleyan University de editar uma antologia de poesia brasileira que Bishop pôde aumentar o público leitor de suas traduções, até então restrito aos leitores especializados dos jornais e revistas literárias nas quais as havia publicado originalmente. O interesse da universidade em patrocinar uma antologia brasileira parece ter sido uma resposta à demanda criada pelos estudos brasilianistas e por todo o interesse que se formou sobre a América Latina no período. Como nos alerta Lefevere, as antologias são publicadas quando a cultura em questão ocupa um papel de destaque. Segundo Lefevere, as antologias são os tipos mais potenciais de reescritas, por apresentarem em um volume três processos de manipulação: a seleção, a tradução e a crítica. Isso decorre em razão das antologias se constituírem de uma seleção de textos, traduzidos (se estrangeiros) e apresentados por introduções e prefácios de caráter crítico sobre as obras editadas. Cada um desses processos representa uma reescrita, que pode ser realizada pela mesma pessoa (no caso de Bishop), ou por três diferentes TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 202 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA instâncias (o tradutor, o editor e o prefaciador). A capacidade das antologias de criarem imagens de uma literatura é grande devido ao seu objetivo representativo e introdutório de uma literatura estrangeira ou de um determinado tema literário. Se levarmos em conta que as antologias são muitas vezes utilizadas como textos de consulta em cursos de literatura, o poder de que falamos se potencializa ainda mais, por tornar-se referência básica para estudantes que muitas vezes se tornarão posteriores retransmissores daquele conhecimento − e daquela imagem. Como nota Lefevere, o sistema educacional é um dos principais responsáveis pela canonização e manutenção da posição canônica dos textos, e que por sua vez age em sintonia com as editoras, formando um ciclo de produção e consumo. Para Lefevere, a canonização de obras literárias [...] encontrou seu mais impressionante – e rendoso – monumento na publicação da híbrida cristalização da cooperação estreita e lucrativa entre editoras e instituições superiores de ensino: a antologia introdutória, que oferece uma seção cruzada de textos canonizados prefaciados por uma curta exposição da poética que garantiu sua canonização (LEFEVERE 1992: 22). A antologia é um importante elemento canonizador, tornando as obras antologizadas atemporais e inquestionáveis, promovendo sua canonização em níveis transnacionais e transculturais. A Introdução de Bishop à antologia publicada pela Wesleyan University apresenta uma imagem pouco positiva de nossa literatura, considerada como um reflexo atrasado da literatura europeia e dotada de características linguísticas problemáticas. Essa visão decorre de vários fatores, entre os quais o confronto entre as diferentes poéticas dos dois sistemas literários envolvidos. A poética seria, para Lefevere, o segundo fator a atuar sobre as reescritas, junto à patronagem. O confronto entre duas diferentes concepções poéticas parece estar por trás de certos desentendimentos de Bishop com relação à nossa cultura e literatura, o que pode ser entrevisto em primeira mão pela oposição que ela TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 203 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA estabelece entre sua origem anglo-saxônica e a origem latina da cultura brasileira (em especial nossa filiação à cultura francesa), e que revela uma divergência entre as poéticas dos dois sistemas literários envolvidos. Essa oposição pode ser vista nas cartas onde relata suas discussões com os intelectuais brasileiros: “[...] não conhecem nossos críticos em absoluto, limitam-se a repetir as ideias de um punhado de franceses católicos antiamericanos, que também não sabem muita coisa sobre os Estados Unidos e os escritores americanos – ou só conhecem muito pouco” (BISHOP 1997: 356), e na Introdução à antologia, onde se irrita com a filiação brasileira à poética francesa, considerada ultrapassada: “[...] aparentemente os poetas são influenciados, ou talvez simplesmente copiem, a norma francesa” (BISHOP 1972: XVI). Isso em um momento em que a influência cultural norteamericana sobre o país começa a se estabelecer, como nota a própria Bishop na Introdução da Antologia: [...] a literatura e a filosofia francesa foram, e permaneceram, até muito recentemente, as influências mais fortes no pensamento e na literatura brasileira. Elas são ainda de importância fundamental, mas a prosa e a poesia inglesa, e principalmente, a norte-americana, estão se tornando rapidamente conhecidas. O inglês está agora se tornando a língua estrangeira mais na moda e mais importante (BISHOP 1972: XVIII). A disputa entre as duas metrópoles pelo mercado cultural brasileiro (que passa a ser ganha pelos EUA exatamente a partir da época da vinda de Bishop ao Brasil) nos confirma a situação periférica do sistema literário brasileiro naquele momento, e explica em parte a antipatia de Bishop para com as influências francesas em nossa poética. Além da ascendência francesa, nossa literatura possui outras características específicas que foram motivos de estranhamento para Bishop e que entraram em choque com sua poética, diretamente filiada ao alto modernismo norte-americano. Essa poética era representada pelo nome de T. S. Eliot, um de seus maiores defensores, seja através de seus poemas, seja TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 204 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA através de sua obra crítica e teórica, que, vinculada ao New Criticism, pregava a imanência da obra literária e o seu valor autônomo como objeto artístico (recusando-se a reconhecer as origens ideológicas dos valores críticos). O discurso do modernismo literário representado pelo pensamento de Eliot apresentava-se como apolítico, rompendo as fronteiras nacionais através do trânsito de seus principais participantes entre a Inglaterra e a América. Como aponta Stan Smith, em The origins of modernism (1994), “o modernismo enquanto operação ideológica recusa suas origens nas políticas de gênero, classe e nacional de seu momento […] situando-se antes e depois, mas nunca ‘no’ reino do Evento histórico” (SMITH 1994: 19). No modernismo norteamericano essas esferas (gênero, classe, nacional) são obliteradas, e seu discurso paira acima delas, produzindo obras que pretendem refletir valores universais e humanistas, que transcendem o tempo. Em decorrência disso muitos críticos contrastam o radicalismo artístico trazido pelo movimento ao seu reacionarismo social e político, representado tanto pela defesa do fascismo feita por Ezra Pound, quanto pela tríade eliotiana do classicismo, anglicanismo e monarquismo. Enquanto o modernismo em língua inglesa se distinguiu por um caráter aristocrático, o brasileiro, por sua vez, procurou apresentar um viés mais democrático, inspirando-se na linguagem coloquial e parodiando a cultura popular. Apesar de ter se constituído como um movimento elitizado (patrocinado pela elite e a ela dirigido, no sentido de criar para as classes dominantes nacionais uma imagem do país que fosse mais atualizada em relação aos modelos europeus) 5, as inspirações populares impediram que o movimento brasileiro alcançasse o caráter erudito apresentado pelo modernismo norte-americano. Na tentativa de definir nosso Modernismo, Wilson Martins consegue sintetizar (apesar de aparentemente não ser esta sua 5 Segundo Wilson Martins “[...] não só o Modernismo como todas as revoltas militares e institucionais, até 1932, foram revoluções burguesas, não só porque foi afinal a burguesia que delas se beneficiou, mas, ainda, porque se originaram numa ideologia burguesa e desejavam a consolidação dos ideais burgueses de vida” (MARTINS 1969: 131). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 205 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA intenção) em uma sentença todas as antinomias existentes entre os movimentos brasileiro e estadunidense: “o Modernismo [brasileiro] opta pelo rumo nacionalista contra o cosmopolitismo, primitivo contra o artifício, sociológico contra o psicológico, folclórico contra o literário, e político contra o gratuito” (MARTINS 1969: 92). Ou seja, enquanto nosso movimento se definia pela forte marca local, como símbolo do nacional, através do apelo popular do primitivo e do folclórico, apresentando ainda uma proposta social (mesmo que esta venha a se esgotar em seu discurso), o movimento norte-americano se pautava por uma erudição literária e linguística, em que uma suposta gratuidade da arte lhe garantia um espaço acima das esferas políticas e sociais. Em um certo sentido, portanto, pode-se dizer que o nosso modernismo diferenciou-se do norte-americano, por trazer um viés social e político que só seria incorporado ao segundo posteriormente. Como afirma Eliana Bastos, em sua comparação da Semana de Arte Moderna brasileira de 1922, com o Armory Show norte-americano, realizado em 1917, “a noção de nacionalismo, claramente definida como um valor, só aparece um tanto tardiamente no modernismo americano” (BASTOS 1991: 62). No Brasil, por exemplo, a incorporação da imagem do negro e do mestiço na literatura canônica se dará de forma mais positiva (ainda que questionável) logo a partir do movimento modernista de 1922, que teve um de seus marcos no lançamento de Juca Mulato de Menotti Del Picchia, ou nos poemas de Oswald de Andrade, enquanto na literatura norte-americana, esse tema só será integrado ao cânone a partir das décadas de 1950-60, como resposta aos movimentos sociais dos negros 6. Como sugere ainda Bastos, “devido ao preconceito racial e ao princípio da não miscigenação, só muito mais tarde a cultura do negro veio a ser incorporada como um valor, com exceção do jazz, mesmo assim só 6 Excetuando-se A Cabana do pai Tomás que, como os poemas de Castro Alves, surgiu para fortalecer a propaganda abolicionista. E o movimento Harlem Renaissance, que eclodiu entre os anos 1920-1930. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 206 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA aceito como expressão de cultura popular” (BASTOS, 1991: 63). É só a partir dessa época que a literatura norte-americana se abriu para as questões sociais, incorporando não só a problemática do negro, mas da mulher e outras “minorias”, seja através do movimento Beat, profundamente questionador do status quo norte-americano, quanto através dos movimentos sociais setorizados, mudanças das quais Bishop manteve-se à parte 7. Por outro lado, o propalado viés apolítico do discurso modernista em língua inglesa revela, obviamente, uma posição política, como atesta Fredric Jameson, em Modernism and imperialism: “um dos estereótipos mais comumente mantidos sobre o modernismo tem sido em geral, é claro, o de seu caráter apolítico, […] sua crescente subjetificação e psicologização introspectiva e, ainda, seu esteticismo e compromisso ideológico ao supremo valor da agora autônoma Arte” (EAGLETON, JAMESON, SAID 1990: 45). O suposto caráter apolítico do modernismo representava na verdade uma ausência de discussão política no discurso literário e, portanto, a aceitação do status quo, daí seu conservadorismo. A asserção de determinados valores (estéticos, intelectuais e psicológicos) como universais, reflete uma atitude política etnocêntrica que é questionada por Joan Rosalie Dassin, e pode ser preciosa no entendimento da avaliação feita por Bishop sobre nossa literatura – “a proclamada independência entre política e cultura disfarça uma tendência elitista que se torna bem óbvia quando o crítico norte-americano branco aborda a arte e a literatura dos países chamados ‘subdesenvolvidos’, aplicando ‘objetividade’ e ‘distanciamento intelectual’ como valores universais” (DASSIN 1978: 26). 7 Pode-se dizer que já a partir da década de 1930 surge uma preocupação social na literatura norte-americana, especialmente em decorrência da depressão gerada pelo crash da bolsa de 1929, incorporando temas do marxismo e do socialismo, mas apesar disso a poética representada pelo New Criticism e por Eliot permaneceu em desenvolvimento e vigor até praticamente a II Guerra Mundial. Com relação a esse tema, Bishop declara em entrevista de 1978 – “mas eu não fui tão afetada pela Depressão como alguns de meus contemporâneos; não tanto quanto meus amigos disseram que eu deveria ter sido. Eu sempre estive mais interessada em coisas visuais do que em política” (BISHOP 1996: 113). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 207 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA É perfeitamente compreensível que imersa na poética modernista norte-americana Bishop tenha estranhado tanto nossa literatura, que tem como uma de suas especificidades exatamente o engajamento em uma reflexão nacional. Como coloca Antonio Candido “poucas [literaturas] têm sido tão conscientes de sua função histórica” como a brasileira (CANDIDO 1981: 26). Posição que se confronta diretamente com a abordagem imanentista pregada por Eliot. Além da pretensa atemporalidade e universalidade, a poética do modernismo norte-americano trazia ainda outro fator de choque com a literatura brasileira: a “teoria impessoal da poesia”, de Eliot, apresentada em seu artigo “Tradição e talento individual”. Nesse artigo, Eliot, ao explicar a tarefa do poeta, utiliza-se da imagem do filamento de platina que atua como catalisador em um processo químico, onde a mistura de dois gases forma o ácido sulfúrico, sem que o filamento altere-se ou deixe resíduos no produto formado: “[...] a mente do poeta é o fragmento de platina. Ela pode, parcial ou exclusivamente, atuar sobre a experiência do próprio homem, mas, quanto mais perfeito for o artista, mais inteiramente estará separado nele o homem que sofre e a mente que cria [...]” (ELIOT 1989: 42). Segundo a teoria de Eliot, o poeta não deve deixar sua marca pessoal na obra. A obra deve falar por si própria, e não pela voz do seu autor. A filiação de Bishop a essa poética, que prega uma literatura pretensamente desistoricizada e impessoal, é percebida em sua obra, marcada por uma proposta esteticista e pela impessoalidade e aparente ausência de uma voz. Ela mesma declarava: “politicamente, eu me considero uma socialista, mas desaprovo uma escrita socialmente engajada. Eu defendia T. S. Eliot quando todos estavam falando sobre James T. Farrel” (BISHOP 1996: 22), ou ainda quando declara que “poesia não deveria ser usada como veículo de nenhuma filosofia pessoal” (Ibidem: 104). É em função dessa poética, professada por Eliot e seguida por Bishop, que ela criticava tenazmente a literatura confessional (por ser pessoal demais) e a literatura feminista 8 (por ser social 8 Bishop se recusava terminantemente a participar de antologias de mulheres escritoras e TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 208 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA demais). É também em função dessa visão impessoal da poesia que seu senso estético vai entrar em choque com a poética brasileira, marcada tanto pelo viés histórico-social como por um sentimentalismo e lirismo que lhe pareceram por demais pessoais. Esses dois elementos (pessoalidade e historicidade) são considerados por Bishop como marcas de uma prémodernidade, atribuindo à nossa literatura a permanência de valores românticos, como declara em carta: “amor e ‘comentário social’ é mais ou menos o estágio em que todos estão aqui [...]” (BISHOP 1995: 720). Ou quando responde ao repórter sobre o que quis dizer ao afirmar que as literaturas brasileira e norte-americana seguiram por caminhos diferentes: O que aconteceu com Eliot e Pound logo em 1910 – o modernismo. A poesia brasileira é muito mais formal que a nossa – ela é mais distante do popular. É verdade que eles tiveram um movimento modernista em 1922, liderado por Mário de Andrade e outros. Mas eles ainda não escrevem do modo que falam. E eu suponho que eles nunca escaparam do romantismo (BISHOP 1996:19) (grifo meu). A crítica à presença incômoda de valores românticos em nossa cultura moderna não é exclusiva de Bishop e, além de refletir um descompasso entre poéticas, aponta para uma característica de nossa cultura. É o que questiona Paulo Prado em Retrato do Brasil lançado em 1927, em pleno efervescer do movimento modernista, e que inclui o romantismo como um dos males brasileiros. Segundo ele [...] basta abrir um jornal, ouvir uma conferência, ou folhear o último livro publicado para se descobrirem, latentes, inconscientes, mas indeléveis, os traços sintomáticos da infecção romântica. Apesar da crescente influência modernista [...] nossa indolência primária ainda se compraz no boleio das frases, na sonoridade dos palavrões, nas “chaves de ouro” (PRADO 1997: 180). odiava “crítica de gênero”, pois não aceitava a ideia de haver algo como uma literatura produzida por mulheres, havia apenas a “alta literatura”, no sentido imanentista pregado por Eliot – acima das esferas de gênero, política, classe, etc. A esse respeito ver entrevista a Eileen Farley de 1974 (BISHOP 1996: 54). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 209 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Comentando Prado, Wilson Martins (1969), já na segunda metade do século XX e refletindo sobre o modernismo, concorda, em termos, com o autor, diz ele – “não é o romantismo que concorre como um elemento na constituição da psicologia brasileira, é esta última que, sendo o que é, resultaria forçosamente numa literatura e num temperamento de fortes características românticas” (MARTINS 1969: 183). Ambos concordam com a presença do romantismo na sociedade brasileira, impregnando suas manifestações mais diversas, mas enquanto o primeiro o vê como um mal que invadiu o país e “deformou insidiosamente o organismo social” (PRADO 1997: 179), o segundo vê sua presença na própria constituição psicológica do povo brasileiro, não sendo, portanto, um mal que o invade, mas que lhe é próprio. Ao apontar nossa tendência romântica, Bishop não apenas contrapõe sua própria poética à nossa (uma vez que a poética de Eliot apresentava-se como essencialmente antirromântica e antilírica), mas parece ter acertado no calcanhar de Aquiles da literatura brasileira 9. A presença romântica em nossos escritores, que Bishop critica, também é alvo de Martins, que no seu estudo sobre o modernismo, ao abordar, por exemplo, Manuel Bandeira, questiona o que Paulo Prado chamou de “indolência primária”: “nem tudo, em Manuel Bandeira, é Manuel Bandeira: muitas vezes ele é apenas o poeta ‘bonzinho’ de que falava Mário de Andrade” (MARTINS 1969: 210). Apesar de muito admirado, Manuel Bandeira foi um dos principais alvos das críticas de Bishop, que o considerava o estereótipo do poeta brasileiro. A figura e o papel do poeta em nossa cultura, representado por Bandeira, pode ser considerado outro ponto de “obstrução” na relação de Bishop com nossa literatura, em função da contraposição de diferentes “papéis culturais” (cultural scripts), termo usado por Lefevere para definir “o padrão aceitável de comportamento de pessoas que preenchem certos papéis em uma certa cultura” (LEFEVERE 1992: 92). A ampla difusão da prática poética no Brasil por 9 Pelo menos até a metade do século XX. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 210 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA vezes era considerada positiva por Bishop, devido à alta consideração dada aos poetas; mas por outro lado a desagradava, por gerar uma massa indiscriminada de poetas bissextos que produziam poesia de baixa ou nenhuma qualidade (em suas palavras), o que ia contra sua concepção do poeta como um profissional especializado. Incomodava-se também com a atitude do poeta brasileiro, considerado acomodado e, após ver uma foto de Bandeira deitado em uma rede, comentou que essa seria a imagem do poeta brasileiro, e o “problema” da literatura brasileira. Ora, a visão de Bishop do papel cultural do poeta está muito mais ligada à imagem do pernóstico Eliot e da reticente Marianne Moore, dedicados profissionais da escrita, representantes de um momento de especialização nos meios literários e acadêmicos nos Estados Unidos. Esse momento foi dominado pelo New Criticism, que como concomitantemente com um o fenômeno surgimento do do pós-guerra desenvolveu-se magistério superior e a institucionalização dos estudos literários enquanto profissão burguesa nos Estados Unidos. Segundo Dassin: [...] os professores e críticos de literatura, sobretudo, criaram uma ideologia de autossustentação ao exaltarem o empenho humanístico como veículo para a autorrealização e, ao mesmo tempo, postularam uma sociedade pluralista que lhes permitisse o máximo de liberdade individual como paradigma do ambiente intelectual perfeito. A literatura divorciava-se assim do contexto social [...]. O McCarthismo e a Guerra Fria forçaram a maioria dos intelectuais do sistema a declarar sua obra apolítica [...] Tendo atingido privilégios sociais e econômicos com base na habilidade intelectual ou técnica, os intelectuais tinham que valorizar essa mesma habilidade como um fim em si mesmo (DASSIN 1978: 130). Podemos averiguar essa situação de profissionalização do intelectual através da extensa relação de bolsas e prêmios que Bishop recebeu e que a ajudaram a manter-se financeiramente (além, é claro, dos valores recebidos por seus livros publicados, assim como artigos e entrevistas em jornais e revistas), e que incluem, entre outros, o Prêmio Shelley Memorial, de 1952, o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 211 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Prêmio Pullitzer de poesia de 1956, o Prêmio National Book Award, de 1968, o Prêmio de viagem Amy Lowel, e a bolsa da Academy of American Poets, além de cargos como professora convidada ou poeta visitante de universidades como University of Washington, University of New York, Harvard University e MIT. O papel cultural do poeta, para Bishop, estava vinculado a uma postura extremamente profissional e erudita, que não entrava em acordo com a imagem do poeta brasileiro displicentemente estendido em uma rede. Bishop recebeu de presente de Bandeira uma rede, mas provavelmente não a definiria como o melhor lugar para trabalhar 10. Se a obra poética é fruto de um trabalho árduo e meticuloso, como poderia ser realizado naquilo que se considera um símbolo do descanso e relaxamento? A aplicação de toda a perspectiva representada pelo New Criticism a uma avaliação da literatura latino-americana, incluindo a brasileira, através da transposição do conceito de “objetividade”, e de uma crítica formal e estética, é contraproducente, e não ajuda a esclarecer suas especificidades, estando desde seu início fadada ao fracasso. Não é possível desvincular no estudo da literatura latino-americana as esferas política e social, e seria ingenuidade supor que o mesmo não se aplica às outras literaturas, como a própria estadunidense. Segundo essa abordagem formalista, os artistas latinoamericanos seriam realmente modernos apenas quando “contemporâneos”, ou “internacionais”, não vinculados ao “passado” através do nacionalismo, figurativismo, realismo social e outras tendências consideradas similarmente anacrônicas. Não é, portanto, por puro preconceito, que Bishop tenha criticado tanto nossa literatura. Sua postura é antes de tudo o reflexo do seu modo de pensar e fazer literatura. 10 Em entrevista a Ashley Brown em 1966, ao ser questionada sobre a inspiração da paisagem em sua casa (Samambaia, em Petrópolis), Bishop disse que para trabalhar qualquer poeta deveria preferir “um quarto de hotel completamente vazio de distrações” (BISHOP 1996: 18). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 212 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA Referências bibliográficas BARBOSA, H. G. The virtual image: Brazilian literature in English translation. 1994. 500 f. 2 v. Tese (PhD) Centre for British and Comparative Cultural Studies, University of Warwick. BASTOS, E. Entre o sucesso e o escândalo. A Semana de 22 e o Armory Show. Campinas: Unicamp, 1991. BATISTA, E. L. A. O. O método de Elizabeth Bishop na tradução de obras brasileiras. Cadernos de Tradução, V. 15, p. 55-68, 2005. BISHOP, E. BRASIL, Emanuel (Org.). An anthology of twentieth-century Brazilian poetry. Middletown: Wesleyan University, 1972. ______. Uma arte. As cartas de Elizabeth Bishop. Org. Roberto Giroux. Trad. Paulo Henriques Brito. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. ______. Conversations with Elizabeth Bishop. Ed. George Monteiro. Jackson: University Press of Mississipi, 1996. BRITO, P. H. Bishop no Brasil. In: BISHOP, ELIZABETH. Poemas do Brasil. Sel.Int.Trad.: Paulo Henriques Brito. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. p. 9-54. CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. DASSIN, J. R. Política e poesia em Mário de Andrade. Trad. Antonio Dimas. São Paulo: Duas Cidades, 1978. PASSOS, J. Brasília, uma capital surge no sertão. In: STOWE, LELAND. ______. et all. Trinta e cinco janelas para o mundo. [s.t.] São Paulo: Ypiranga S.A., 1960. p.14-22. EAGLETON, TERRY, JAMESON, FREDRIC, SAID, EDWARD. Nationalism, colonialism and literature. Minneapolis: University of Minnesota, 1990. ELIOT, T.S. Selected prose. Ed. John Kayward. Middlesex: Peregrine Books, 1963. EVEN-ZOHAR, I. Polysystem Studies. Poetics Today. Tel-Aviv, V 11, N 1, Spring/1990. LEFEVERE, A. Translation, rewriting and the manipulation of literary fame. London: Routledge, 1992. MARTINS, W. O modernismo (1916-1945). São Paulo: Cultrix, 1969. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 213 Batista, E. L. A. O. – Poéticas em conflito: a literatura brasileira traduzida por Elizabeth Bishop no contexto das trocas culturais Brasil x EUA PRADO, P. Retrato do Brasil. Ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. SMITH, S. The origins of modernism. Eliot, Pound, Yeats and the rhetorics of renewal. New York: Harvester Wheatsheaf, 1994. VENDLER, H. An anthology of twentieth-century Brazilian poetry. New York Times Book Review, January, 7, 1973. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 188-213 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Carlos Alberto Rizzi * Abstract: The word capoeira is a vernacular phrase in Tupi Brazilian Portuguese. Kaáuêra, carries the notion of “forest which is not the same as it was”. This sentence shows the elegant interpretation of data on the indigenous tradition of the landscape. Today, capoeira term is widely used in scientific discourse, near your namesake of the Western tradition: secondary forest. We intend to develop here the question of why there is a strange difference between the intellectual direction of the secondary forest and capoeira? This oddity is the fact the word capoeira has a lexical-semantic field that includes not only the vegetation related training, as well as homologous and complementary range of phenomena of the environment, fauna and flora. Something similar does not happen with the term secondary forest. To try to understand why this observation, we assume that the first term is the result of a totalizing thought, continuing a tradition handed down from the ancient past, while the second term is the heir to a recent split: the fragmentation of Hellenistic thought. In the West, this fragmentation has a symbolic moment: the trial of Socrates. Armed with studies of Hannah Arendt, we see elements of this fragmentation of the "separation between the philosopher and the life in the city [which] means the separation between thought and action" (WAGNER 2002), which resulted in the separation "between thought and [...] between a philosopher and political reality" (WAGNER 2002). The result of this split was the largest facility in the Western tradition, the dichotomy between the vita activa and vita contemplativa who officiated at the same split between thought and action. We believe this is the intellectual heart of the distinction between the term secondary forest and capoeira, the dual languages produced by the subsequent division of the absolute and relative space and nature and society, an issue noted by SMITH (1988). * Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Geografia (FFLCH-USP). Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 Keywords: Toponymy; Geolinguistics; lexicology; space; the Western tradition; wilderness. Resumo: O termo capoeira é um vernáculo, uma sentença tupi no português do Brasil. De kaá-uêra procede a noção de “mato que já não é o mesmo que foi”. Essa sentença demonstra a elegante interpretação da tradição indígena acerca dos dados da paisagem. Atualmente, o termo capoeira é muito utilizado no discurso científico ao lado de seu homônimo da tradição ocidental: mata secundária. Pretendeu-se aqui desenvolver a seguinte indagação: porque há uma estranha diferença intelectual entre o sentido de capoeira e mata secundária? Essa estranheza reside no fato do termo capoeira possuir um campo léxico-semântico que abarca, não somente a formação vegetacional correspondente, como também ampla gama homóloga e complementar de fenômenos do ambiente, da fauna e da flora. Algo similar não ocorreu com o termo mata secundária. Para tentar entender o porquê dessa constatação, supôs-se que o primeiro termo é resultado de um pensamento totalizante, de uma tradição contínua repassada desde o passado ancestral, ao passo que o segundo termo é herdeiro de uma recente ruptura: a da fragmentação do pensamento helênico. No Ocidente, essa fragmentação possui um momento simbólico: o julgamento de Sócrates. Munidos dos estudos de Hannah Arendt, foram vistos elementos dessa fragmentação na “separação entre o filósofo e a vida na polis [que] significou a separação entre o pensamento e a ação” (WAGNER 2002), o que teve como consequência a “separação entre pensamento e política [...] entre filósofo e realidade” (WAGNER 2002). O resultado maior dessa cisão foi a instalação, na tradição ocidental, da dicotomia entre a vita activa e a vita contemplativa que oficializou a própria cisão entre pensamento e ação. Acreditou-se ser esse o cerne da diferenciação intelectual entre o termo capoeira e mata secundária, dicotomia linguística produzida pela consequente cisão do espaço em absoluto e relativo e em natureza e sociedade, questão observada por SMITH (1988). Palavras-chave: Toponímia; geolinguística; lexicologia; espaço; tradição ocidental; wildernes. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 216 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas 1. Introdução Segundo WITTGENSTEIN (1996) é a vaguidade de um termo e seu uso ostensivo a verdadeira força de sua consolidação enquanto conceito portador de significado. Desde o primeiro parágrafo (§) de sua obra “Investigações Filosóficas” é demonstrado o valor dos vocábulos. Wittgenstein foi um pensador simpático à noção de que “as palavras da linguagem denominam objetos” como se fossem simples nomeação e comunicação: uma palavra, um sentido, mas ainda assim, incapaz de trazer um sentido mais geral se não compartilhado a outras palavras em conjunto. Para ele, o conjunto está objetivado a formar uma sentença, “frases [...] tais ligações de tais denominações [...] Esta significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui” (WITTGENSTEIN 1996). Poderíamos simplesmente afirmar ser o presente artigo uma análise de como a palavra capoeira faz derivar denominações múltiplas a objetos espaciais. Essa facilidade foi negada porque, o estudo revelou que o termo capoeira é mais que um modelo de comunicação. Capoeira trata-se de uma sentença vernaculizada para o português do Brasil. Essa descoberta levou o autor deste artigo a investigar o mundo dos jogos de linguagem e seu papel na interpretação dos objetos geográficos, assim como à inevitável comparação performática desse termo com seu homônimo ocidental: mata secundária. O primeiro tópico chamado Kaá-puêra: etimologia, vernaculização e socioespacialidade no brasílico, apresenta ao leitor o termo capoeira em sua raiz original e na vernaculização no português do Brasil. O segundo tópico chamado As acepções da kaá-puêra nos dicionários e nos trabalhos científicos apresenta alguns exemplos de como o termo capoeira está presente no discurso científico e geográfico moderno. O terceiro tópico chamado O vocábulo capoeira como um catalisador no espaço geográfico pretende TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 217 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas apresentar o termo como um fenômeno geolinguístico dinâmico no espaço geográfico. O seu dinamismo ocorre a partir de sua flexão sobre outros objetos espaciais referentes aos aspectos da fauna, flora, geografia humana e territorialização, fenômenos derivados do seu significante. Os três tópicos finais procuram esboçar uma interface ainda introdutória entre a linguagem e a geografia. O quarto tópico chamado Entre a linguagem e a geografia: Wittgenstein e Santo Agostinho procura apresentar a linguagem enquanto técnica produtora do conhecimento. Neste tópico objetivou-se entender a produção espacial do termo capoeira. O quinto tópico chamado Fora do intramuros da pólis pré-filosófica: Hannah Arendt e Neil Smith é uma tentativa de se encontrar as raízes da cisão entre pensamento e ação estudada por Hannah Arendt e da cisão do espaço em natureza, espaço e sociedade analisada por Neil Smith. Este tópico procurou esclarecer a raiz filosófica das limitações do termo Mata Secundária, vinculadas à tradição filosófica ocidental, observadas na contraposição ao termo capoeira. O sexto tópico chamado Fora da pólis pré-filosófica: Hannah Arendt, Neil Smith, Milton Santos e wilderness é uma tentativa de reencontrar, no discurso científico geográfico moderno, um caminho alternativo à geografia aristotélica ao apresentar uma visão crítica à atual limitação científica em torno da ideia de wilderness (natureza selvagem e intocada) e sociedade e da relação sociedade/natureza. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 218 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas 2. Kaá-puêra: etimologia, vernaculização e socioespacialidade no brasílico As toponímias1, quais forem, têm valor inestimável para o patrimônio civilizacional da humanidade. As toponímias são evidências imateriais de campos léxico-semânticos, parte do “tesouro vocabular” de um povo. Como nos falam os especialistas, o “léxico é a testemunha de uma cultura, porque é exatamente no domínio do léxico que as influências de substrato (indígena) e superestrato (africano) mais se manifestam” (AGUILERA 2006). Na América do Sul, a “família linguística Tupi-Guarani” abrange um enorme território que se estende do Pampa e Chaco Paraguaio até as regiões da Caatinga e Amazônia. É composta por volta de “50 línguas atuais e distintas”, das quais, as “mais conhecidas são o Tupi antigo (Tupinambá) e o Guarani”. Atualmente, o “Nheengatu (Tupi moderno), falado na Amazônia” é a “continuação” do Tupi antigo. O Guarani se concentra principalmente no Paraguai, “onde o dialeto ou língua Guarani mais comum é conhecido como Avañeém ou Guarani moderno”. O Guarani também se propaga pela “Argentina, Bolívia e Brasil”, nos quais “existem vários dialetos” (DOOLEY 1998). 1 “Em sua origem, a Toponímia não constitui um corpo disciplinar autônomo, à semelhança do que ocorre hoje, vinculando-se à antiga cadeira de Etnografia e Língua Tupi, no âmbito dos cursos de História e Geografia. Mas o ponto vital e ordenador de todo o questionamento que se colocava era a preocupação latente com a dialetologia indígena brasileira, especialmente a tupi. A Toponímia nascente conformava, porém, um duplo objetivo: não só o ensino de suas básicas e de seus fundamentos gerais, segundo os modelos assentados pelo ramo europeu da onomástica, mas, principalmente, a função instrumental de um marcador vocabular brasílico (estudo etimológico dos topônimos tupis), cuja freqüência, no sistema lexical português, sempre atingiu índices expressivos nos mais variados itens semânticos (a exemplo de zoonímia, fitonímia, hidronímia geomorfonímia, ergonímia)” (DICK 1994). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 219 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas O termo capoeira e seu campo léxico-semântico são encontrados nessas regiões. Foram abordadas as características vernáculas (brasileirismos) e os sentidos etimológicos (sentidos dos termos no tupi original) do fitônimo capoeira. O objetivo principal foi descobrir se os sentidos originais dos conhecimentos explicitados pelo termo capoeira possuem aderência direta com o fenômeno a que destina representar e se, mesmo com a vernaculização, tal sentido mantém-se inato na compreensão dos respectivos fenômenos espaciais a que se destina representar. Para tanto, técnicas de geolinguística e de lexicologia foram utilizadas para se decifrar o conhecimento encerrado na vernaculização capoeira, presente em diferentes grafias. O objetivo de tal método foi delimitar a “distribuição diatópica de itens lexicais” 2 de base tupi-guarani encontrados, no caso, do campo léxico semântico do termo capoeira. O método consistirá em identificar características do campo léxico-semântico derivado do topônimo, suas expressões no pensamento científico e uma consequente comparação com seu homônimo ocidental: mata secundária. O estudo da toponímia, desde o precursor trabalho de SAPIR (1969), tem se especializado na arte de decodificar tais frases criptografadas. É a sua estrutura o que se apercebe no âmago de uma vernaculização: seu substrato sempre se reporta à base linguística que a origina. É seu substrato, ao passo que os insertos posteriores (africanismos) são considerados superestratos. Aqui, o que interessa é o substrato, mais profundo e de longa duração. Destacou-se para tanto, o trabalho de AYROSA (1967) no que diz respeito ao seu estudo sobre o verbete fitonímico capoeira estudado por ele em seu trabalho Termos tupis no português do Brasil. Essa importante figura atuou no campo de estudo da linguística tupi-guarani, tendo trabalhado especificamente com alguns povos indígenas tradicionais do litoral paulista. 2 Para exemplos de utilização de princípios de geolinguística e de lexicología ver AGUILERA 2006. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 220 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Em destaque, há o trabalho com as populações guaianá e a tentativa de encontrar um vínculo etnológico destes com demais povos litorâneos. No trabalho do autor, percebeu-se que o termo capoeira, oriundo do tupi, apresenta inúmeras diferentes formas de escrita que, em sua estrutura original e geral, representa uma frase composta pela seguinte estrutura: káa (mato) + uêra (indicativo de passado) = capoeira. No referido estudo, Ayrosa analisa a construção de algumas palavras de origem tupi. No caso do termo capoeira, elucida as discordâncias entre estudiosos acerca da real significação desse termo no português do Brasil. Ali, deixa claro a diferenciação entre as origens do termo capoeira no português de Portugal e do termo capoeira como arte marcial brasileira (AYROSA 1967). No decorrer de sua argumentação, analisa acepções incorretas de diferentes autores para o referido vocábulo. Sobre os erros de interpretação, constam no texto de Ayrosa diversas traduções e, a maioria, como esperado, passou ao largo de uma interpretação correta para a construção simbólica dessa sentença (AYROSA 1967). Segundo o autor, as incoerências interpretativas decorrem de uma referência direta e irrestrita de algo que já se foi, o mato velho em si. No Quadro 1 estão reproduzidas as traduções equivocadas compiladas pelo autor. Estas não atentam para o caráter totalizante dessa vernaculização. Por exemplo, as assertivas, “mato redondo que existiu” e “mato raso, por já ter sido cortado”, retratam uma interpretação por etapas do objeto. Essa perspectiva, na qual as coisas são vistas sempre imóveis e estáticas, está intrinsecamente ligada à tradição aristotélica. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 221 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Quadro 1. Erros de Tradução para a Vernacularização [káa-uêra = capoeira ] 1.João Ribeiro Suposta frase gênese do termo ca-poan-êra 2.José de Alencar caá-apuan-êra capoeira 3.Batista Caetano caá-puan capoeira 4.Batista Caetano 5.Figueired 6.Teschauer 7.Montoya 8.Beaurepaire Rohan ca-poan-êra co-poéra co-poéra co-cuêra cocuéra capoeira capueira, capoeira capueira, capoeira capoeira,copoeira capoeira Estudiosos Vernacularização Interpretação incorreta capoeira mato redondo que existiu; mato raso, por já ter sido cortado; mato redondo, mato erguido, mato alto; mato redondo que existiu; mata destinada a roçar-se; mata destinada a roçar-se; roça velha; roça extinta; Fonte: AYROSA, 1967 Adaptação de Carlos A. Rizzi Essas informações nos são importantes, pois fazem atentar para o sentido profundo e dinâmico a que o termo capoeira nos remete. Como será mostrado, essa visão por etapas da realidade olvida com frequência o significado da linguagem constituída sob um prisma totalizante, algo que diz respeito unicamente à fragmentação do pensamento ocidental. MITHEN (2002) apresenta aspectos dessa elegante e refinada visão de mundo enquanto KOYRÉ (2006) demonstra o conteúdo da questão epistemológica ocidental. Seguindo esse raciocínio, uma tradução correta para a frase vernaculizada káa-uera tem de considerar o caráter dinâmico do pensamento indígena e não deve se orientar pela concepção aristotélica da realidade. Sendo assim, e é AYROSA (1967) quem nos explica, no lugar de mato velho em si, káa-uera passa a representar mato que já não é o mesmo que foi. Ele não é mais o mesmo, mas ainda é mato, conectado de algum modo ao mato virgem que existiu: quando é visto, sua presença remete-se, sobretudo, a seu antepassado, a algo que o precedeu e que lhe dá sentido e significado no presente e no concreto. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 222 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas O indígena via a vegetação em processo com tempo e espaço de forma indissociável. Sua perspectiva é engajada ao passo que o modelo aristotélico é contemplativo. No real designado da sentença tupi, a dinâmica espacial em questão é a revegetação. O processo que consiste na substituição de uma mata primeira, evidenciada por uma mata secundária é o foco da construção intelectual da frase em língua original. Esta demonstração indica um mato velho que existiu, não aparte do novo, nem ambíguo a ele, e sim, dotado de vínculo, de espacialidade, de identidade: “no local das velhas matas extintas aparece sempre mato novo, de pequeno porte a altura, faz-se referência a ele lembrando a antiga floresta que aí existiu”. Assim, capoeira tem de ser entendida “em sentido figurado ou translato” (AYROSA 1967). Esse autor se utiliza dos estudos de José Veríssimo para apresentar a correta tradução para capoeira, e a respectiva frase que lhe originou: capoeira – mato novo que cresceu em lugar onde existiu uma mata virgem; mato ralo. Nos dicionários citados (Grande Dic. de Fr. Domingos Vieira e Dic. Contemporâneo de Caldas Aulete) vem com significação errada. De kaá, mato, e forma de pretérito poêra = coéra = êra: mato que já não é o mesmo que foi (AYROSA 1967). Vê-se então que capoeira é uma frase composta pela palavra kaá que designa mato e uêra, indicativo de passado: mato que foi. O interessante é que o homem tupi observava não a mata como um estágio, algo típico das sociedades marcadas pela fragmentação das ciências, mas sim como algo uníssono. Essa qualidade de ver as coisas em movimento e de forma nunca estática também é produto de certas tradições antigas. Tais se diferenciavam em forma e em conteúdo da vertente filosófica aristotélica, progenitora da moderna ciência. Segue uma citação esclarecedora: Un rasgo importante de esa ciencia antiga [cosmologias não-ocidentais] fue el hecho de que procuraba estudiar las cosas en movimiento, en TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 223 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas tanto que nuestra ciencia actual ha procurado siempre estudiar las cosas inmobilizándolas, como hizo Aristóteles, método que solo la física más reciente ha superado (IBARRA GRASSO 1982: p.320). Pretendeu-se aqui desenvolver a seguinte indagação: porque há uma estranha diferença intelectual entre o sentido de capoeira e mata secundária? Essa estranheza reside no fato, explicitado a seguir, do termo capoeira possuir um campo léxico-semântico que abarca, não somente a formação vegetacional correspondente, como também uma ampla gama homóloga e complementar de outros fenômenos espaciais do ambiente, da fauna e da flora. Com o termo mata secundária não aconteceu algo similar. Para tentar entender o porquê dessa constatação, supôs-se que o primeiro termo é herdeiro de um pensamento totalizante ligado direto a uma tradição repassada ininterruptamente desde o passado ancestral, ao passo que o segundo termo é herdeiro de uma recente ruptura: a da fragmentação do pensamento helênico. No Ocidente, essa fragmentação possui um momento simbólico: o julgamento de Sócrates. Munidos dos estudos de Hannah Arendt, foram vistos elementos dessa fragmentação e como ela foca “A separação entre o filósofo e a vida na polis [que] significou a separação entre o pensamento e a ação” (WAGNER 2002), a qual também teve como consequência, a “separação entre pensamento e política [...] entre filósofo e realidade” (WAGNER 2002). O resultado maior dessa cisão foi a instalação, na tradição ocidental, da dicotomia entre a vita activa e a vita contemplativa que oficializou a própria cisão entre pensamento e ação 3. Acreditou-se ser esse o cerne da diferenciação intelectual entre o termo capoeira e mata 3 “Em ‘Trabalho, Obra e Ação’, ao fazer a pergunta: ‘em que consiste a vita activa?’, Arendt reconhece que, levando essa questão, está admitindo a ‘validade de uma velha distinção entre uma vita contemplativa e uma vita activa, que nós encontramos na tradição do pensamento filosófico e religioso ... Apesar de não existirem referências a um modo de vida contemplativo na polis pré-filosófica, essa pensadora não rejeita, em sua análise, a expressão vita contemplativa por ter-se constituído esta, posteriormente, o modo de vida efetivo dos filósofos. O que Arendt recusa-se a aceitar é a superioridade que estes atribuíram à vita contemplativa, uma superioridade que, construída a partir de um pensamento desvinculado da realidade, acabou por ignorando as diferentes formas de expressão da vita activa” (WAGNER 2002). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 224 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas secundária, dicotomia linguística produzida pela consequente fragmentação do espaço em absoluto e relativo e em natureza e sociedade. Essa segunda interpretação foi orientada pelos estudos de SMITH (1988). Com isso, o termo capoeira demonstrará o refino intelectual da lembrança do tupi: de um mato velho que existiu, não aparte do novo, nem ambíguo, estanque, separado, alienado ou hierárquico a ele. Nessa visão de mundo, a coisa (a ser objeto da nomeação) é dotada de vínculo direto com o passado. É o próprio passado materializado no presente. Algo munido de espacialidade. Nessa visão de mundo o vivido, o mítico e o material estão em uníssono no mundo. Nesse sentido, o fitônimo capoeira adquire a qualidade de forma espacial. Por exemplo, no Estado do Paraná, em especial, nas regiões de passagem dos antigos tropeiros, comumente surgiu o termo capoeira enquanto designativo de “formações campestres que se constituem pelas tipologias de vegetação que correspondem aos campos e campinas do planalto” (ZAMARIANO 2006). Além do campo léxico-semântico direto, capoeira adquire a característica de “formações de campo” e mesmo de localidades. A seguir, uma citação que bem demonstra a integração do fitônimo capoeira à geografia política: Desse modo, valorizaram-se as formações de campos, definidos como um terreno plano, extenso, com poucos acidentes, destituído de árvores e destinado à agricultura ou às pastagens e campina(s) que se refere a um campo extenso desprovido de árvores e normalmente revestido de gramíneas, subarbustos e ervas. Encontram-se nos designativos de lugares, além da referência a estes tipos de vegetação, os matos, as capoeiras, os capins, os sapés e uma menção a caatinga que se caracteriza como vegetação típica e/ou região do Nordeste brasileiro. Particularmente, neste aspecto, registra-se: Campo das Cinzas (serra – Jaguariaíva), Campo Real (rio – Guarapuava), Campo Novo (rio – Guarapuava, Matinhos, ribeirão – Rio Negro, Ipiranga, arroio – Tibagi), Campinas Belas (arroio – Ivaí, Reserva), [...], Capoeira (arroio da – TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 225 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Araucária e Campo do Tenente), Capinzal (rio – Araucária, ilha do – Guaratuba) [...] (ZAMARIANO 2006). 3. As acepções da kaá–puêra nos dicionários e nos trabalhos científicos A própria construção da frase kaá-puêra denuncia uma específica linguagem utilizada para a produção de um conhecimento geográfico. O simbolismo humano, tão buscado no passado geológico do Homem (WONG, 2005), encontrou na abstração dos fatos espaciais e de sua sucessão na dinâmica espaço/temporal, um conhecimento tão caro para nosso pensamento geográfico moderno que, de tão eficiente, veio a ser figurar em manuais e dicionários ocidentais, não por simples jogo de nomeação decorativa ou mero modelo de comunicação e sim pela capacidade cognitiva em bem representar um significante. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 226 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Figura 1: Uso do termo capoeira no discurso científico Biótopos de Formações Vegetacionais Matas, Capoeira, Reflorestamentos e Conjuntos Arbustivos Subdivisões devem ser feitas com referência ao tipo de formação florestal. Códigos complementares devem ser inseridos para a designação de parâmetros como: aspectos fitofisionômicos de destaque, espécias de árvores e arbustos dominantes, presença de sub-bosque, grau de umidade do solo, tipo de solo ou substrato, formas de uso e manejo, etc. como, por exemplo: º florestas semideciduais estacionais em estágio de regeneração avançado florestas de Eucaliptus spp. Maduras com sub-bosque º º áreas de reflorestamento mistas, com espécies exóticas e nativas Fonte: Manual para Mapeamentos de Biótopos no Brasil, 1997, p.14. Fonte: LIMA, Adriano José Nogueira, et al., 2007. Fonte: LIMA, et al., 2007. p.51. Oficialmente assim se define o termo capoeira: “capoeiras: denominação popular usada para designar florestas secundárias” (GLOSSÁRIO 2004). No âmbito do discurso geográfico, o uso do termo capoeira é corrente (ver Figura 1). A diversidade de usos na linguagem científica é clara. Na Figura 1, nota-se como o termo capoeira está presente desde a etapa de conceituação de biótopos (1) até o levantamento técnico e aritmético de biomassa (2). Possui mesmo espécies que lhe são típicas, em conjunto, caracterizadoras de uma formação vegetacional (3). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 227 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Note-se que o fenômeno capoeira não se trata de um fenômeno estático. Sua nomeação diz respeito, na maior parte das vezes, a um processo espacial em ação, o uso de sua forma e conteúdo. Sua forma é um produto de diferentes condicionantes e está vinculada a um momento da ação humana, permeada de teleologia: uma visão de mundo, em um dado ponto do espaço e carregado de intencionalidade (MORAES 1988). O exemplo a seguir, diz respeito a um estudo objetivado em gerar uma “análise temporal das transformações do uso da terra do Parque Municipal da Lagoa do Peri” (SALGADO; LOCH 2002), para a formação de uma base de dados tematizados. As autoras utilizaram fotografias aéreas de 1938, 1978 e 1998: Em função da área apresentar remanescentes da vegetação nativa formada pela vegetação secundária em diversos estágios de regeneração optou-se por considerar na interpretação as seguintes classes de vegetação: vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, vegetação secundária em estágios primários de regeneração [...] Desta forma, optou-se por classificar a vegetação em secundária, nos estágios primários de regeneração considerando as áreas ocupadas por estágio pioneiro, capoeirinha e capoeira, e vegetação secundária em estágios avançados de regeneração representada pelo estágio de capoeirão e/ou floresta secundária. Para a série histórica de 1938 considerou-se as seguintes classes: vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, vegetação secundária em estágios primários de regeneração, vegetação aluvial herbácea, agropecuária, dunas/praia, hidrografia e constituição das vias (SALGADO; LOCH 2002). Noutros estudos, como é o caso da representação gráfica da Figura 2, a capoeira aparece como uma variável legítima, detentora de especificidades que lhes são características. No Atlas Ambiental do Município de São Paulo, o mapa Cobertura Vegetal apresenta uma legenda onde, acompanhada da nomenclatura oficial das formações vegetacionais, estão correlacionados Capoeira para Floresta Ombrófila Densa: [...] Secundária Inicial e Capoeirão TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 228 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas para Floresta Ombrófila Densa: [...] Secundária Tardia. A seguir algumas de suas aparições oficiais: Figura 2: Uso do termo capoeira no discurso científico Interessante nesse exemplo é observar que o termo capoeira não somente é utilizado, como também aparece como desdobramento derivado do campo léxico-semântico capoeirão, como se analisará a seguir. Ali, também pode-se reforçar a visão sugerida de uma floresta ombrófila densa, tardia e secundária. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 229 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas 4. O vocábulo capoeira como um catalisador no espaço geográfico “todas as coisas presentes no Universo formam uma unidade” Santos 2002 A realidade é uma totalidade em movimento e, como tal, os fenômenos e as dinâmicas estão entrelaçadas. Do mesmo caldo socioespacial de ações produtoras de significante, que permeiam a construção do termo capoeira, surge uma miríade de novos fenômenos. Isto é passível de comprovação a partir do próprio discurso oficial, no qual há uma segunda variação do termo capoeira: “capoeirões: Capoeiras em avançado estágio de recomposição, de sucessão vegetal” (GLOSSÁRIO 2004). Não há qualquer menção ao termo mata secundária nessa segunda citação. Evidentemente, como apresentado no Quadro 2, o termo capoeira tem uma versatilidade peculiar. Para os intérpretes tradicionais do estudo toponímico, o vocábulo capoeira se apresenta como uma “expressão elegante do indígena – mato que existiu – caá, mato, e coêra, que passou” (AYROSA 1967). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 230 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Quadro 2 - Campo léxico-semântico do fitônimo capoeira Significante Significado mato ralo, de pequeno porte, que nasceu em lugar de mato velho derrubado; 1.capoeira 2.capoeirão capoeira já incorporada ou que ocupa grande extensão de terreno; 3.capoeirinha capoeira muito nova, que começa a se formar; 4.capoeiro 5.capoeira matuto, indivíduo que vive na capoeira; lenha que se retira da capoeira, lenha miúda; 6.capoeira certa ave também chamada unú no Rio de Janeiro. Nome científico: Odondopophorus capueira; 7.capoeirenta 8.capoeireiro 9.capoeirada 10.capoeirar 11.encapoeirado 12.encapoeirado zona coberta apenas pelas capoeiras; dedignativo de certo veado; conjunto de capoeiras; andar pelas capoeiras, bater capoeiras; metido na capoeira, escondido na região das capoeiras; terreno já coberto de capoeiras; Fonte: Ayrosa, 1967 Adaptação de Carlos A. Rizzi No Quadro 2, observou-se que as variações do termo capoeira são designações de fenômenos produzidos no ambiente físico-territorial da capoeira. SAPIR (1969) atribuiu a formação dos topônimos – e no neste caso, pode-se atribuir o mesmo sentido – ao que denominou por “ambiente” como forte agente construtor dos nomes de fenômenos geográficos 4. 4 “De maneira geral, é melhor empregar o termo ‘ambiente’ apenas quando se faz referência a influências, principalmente de natureza física, que escapam à vontade do homem. Não obstante, tratando-se da língua, que se pode considerar um complexo de símbolos refletindo todo o quadro físico e social em que se acha situado o grupo humano, convém compreender no termo ‘ambiente’ tantos os fatores físicos como os sociais. Por fatores físicos se entende aspectos geográficos, como a topografia da região (costa, vale, planície, chapada ou montanha), clima e regime de chuvas, bem como o que se pode chamar a base econômica da vida humana, expressão em que se incluem a fauna, a flora e os recursos minerais do solo. Por fatores sociais se entendem as várias forças da sociedade que modelam a vida e o pensamento de cada indivíduo. Entre as mais importantes dessas forças sociais estão a religião, os padrões éticos, a forma de organização política e a arte” (SAPIR 1969). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 231 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Logo após a derrubada e mesmo a queimada da mata, a vegetação que ali surge é chamada de capoeira, basicamente composta por plantas oleaginosas e leguminosas. Essas espécies vão atrair animais e mesmo o homem. Com baixa densidade florística é possibilitada a entrada dessas espécies, assim como o desenvolvimento mais rápido das espécies vegetais de maior porte. Este termo acaba por conformar, portanto, um campo léxicosemântico. Trata-se de uma série lexical, ligada ao elemento fito (AYROSA 1967), que foi reproduzido no Quadro 2. Isso é deveras importante, porque há uma diferença na aplicabilidade do termo capoeira e do uso do termo mata secundária: capoeira alcança não apenas o estrito entendimento do significante “mata que foi”; conforma, pois, um campo léxico-semântico. Já o termo mata secundária dá conta da objetividade da observação do objeto visto, seja como desmatamento, seja como revegetação; porém, não conforma um campo léxico-semântico como o primeiro. Prova disso, é sua presença em várias outras acepções: a capoeira está presente na nomeação de uma espécie de ave, o Ondontophorus capueira (6); no nome de um mamífero, o capoeireiro (8); na designação dos fugitivos do período escravocrata, os encapoeirados ou os metidos na capoeira, escondidos na região das capoeiras (11); no capoeiro, figura humana produto da presença europeia no atlântico sul português (4). Como foi visto na descrição da formação da vegetação secundária e mesmo na concepção de campos paranaenses, o campo léxico-semântico não dá conta somente de elementos da fauna, da flora e de dados culturais. Além desse conjunto que por si só compõe consideravelmente o espaço geográfico respectivo à capoeira, também o campo revela a capacidade persuasiva do termo em sistema de mensuração, tendo relação direta com a rotina de TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 232 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas zoneamento econômico-ecológico e com o uso do solo: rotinas de cartografia caras ao planejamento e ao geoprocessamento. No Quadro 2 estão reproduzidos alguns exemplos: encapoeirado “terreno já coberto de capoeiras” (12); capoeirenta, isto é, uma “zona coberta apenas pelas capoeiras” (7); capoeirinha, ou “capoeira muito nova, que começa a se formar” (3) e, capoeirão, ou “capoeira já incorporada ou que ocupa uma grande extensão de terreno” (2). Foram observadas as interpretações dadas ao termo capoeira descritas por Ayrosa e que não sofreram alteração, de fato, na estrutura da própria palavra: capoeira, lenha que se retira da capoeira, lenha moída e; capoeira, certa ave também chamada uru; nome científico: Odondopophorus capueira (Figura 3). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 233 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas 5. Entre a linguagem e a geografia: Wittgenstein e Santo Agostinho “O fato simples de reconhecer e nomear um objeto supõe um aprendizado, explícito ou implícito. A linguagem tem um papel fundamental na vida do homem por ser a forma pela qual se identifica e reconhece a objetividade em seu derredor, através dos nomes já dados. Para alguns atores, o ato fundador é dar um nome e, por isso, é a partir do nome que produzimos o pensamento e não o contrário” (SANTOS 2002). Wittgenstein já confirmara, em Santo Agostinho, ser sua interpretação das palavras apenas um modelo de comunicação. Para o religioso, a própria palavra não é apenas um substantivo comum, e sim, uma frase inteira presa em uma contração linguística. Uma interpretação primitiva da linguagem, como em um jogo de decoração e gravação, no qual as palavras podem ser transformadas em substantivos inócuos e estanques, se isolados. Wittgenstein diria logo a seguir ser a linguagem, um sistema similar a um “ensino ostensivo das palavras” (1996), no qual cada palavra não é apenas algo incompleto, e sim, um mecanismo potencialmente infindável de significado. No cerne desse embate entre Wittgenstein e Santo Agostinho, o estudo do termo capoeira, bem como do significante que trás em ser entorno, conduziu-nos, de certa forma, à afirmativa do filósofo austríaco acerca da arqueologia da linguagem: Dissipa-se a névoa [do conceito geral da significação das palavras] quando estudamos os fenômenos da linguagem em espécies primitivas do seu emprego, nos quais pode-se abranger claramente a finalidade e o funcionamento das palavras (WITTGENSTEIN 1996). Se em Wittgenstein, a linguagem é a produtora do conhecimento, em Milton Santos, no entanto, a técnica é a produtora do espaço. O filósofo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 234 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Wittgenstein, ao longo de sua obra, demonstra acreditar não haver essência nas coisas. Para ele, o que há são semelhanças, comuns a todos, em uma espécie de familiaridade. O que nos permite associar diretamente ao pensamento de SANTOS (2002) quando este afirma ser o espaço um todo indissociável, e que deve ser interpretado a partir de suas partes, mas, sem perder o foco na totalidade. Para o geógrafo, “os objetos técnicos atuais se encontram praticamente em todas as latitudes e longitudes. Daí vem o ar de família de tantos lugares, sua aparência repetitiva. A obra do professor Milton Santos é cara para o presente estudo. Várias são as noções adotadas. Serve mais um adendo de sua obra: a noção de uma diferenciação entre os objetos e as coisas. Para Milton Santos, a palavra coisa, entendida em um sentido estritamente filosófico, designa por convenção, elementos naturais intocados. A apropriação dessas coisas pela sociedade – a partir de sua nomeação – transmuta-as para a condição de objetos. No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos (SANTOS 2002). Milton Santos, assim como afirmara Wittgenstein em suas Investigações Filosóficas, considera a linguagem a técnica fundadora do conhecimento. E assim como WITTGENSTEIN (1996) reconhecera nas entrelinhas das palavras de Santo Agostinho, Milton Santos constata ser a partir da nomeação onde se situa a produção dos objetos. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 235 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas 6. Fora do intramuros da pólis pré-filosófica: Hannah Arendt, Neil Smit, Milton Santos e wilderness Três ressalvas são listadas aqui. Em primeiro lugar, como nos alertam os especialistas, dentro do simbolismo da linguagem, os signos toponímicos podem nos pregar peças semânticas, visto que “há os que são facilmente compreensíveis, porque o semantismo que sugerem ainda não se cristalizou; outros apresentam dificuldade dupla, seja quanto à origem genética da palavra ou quanto ao significado intrínseco” (DICK 1999). A segunda ressalva diz respeito ao vínculo do topônimo com o fenômeno que lhe deu origem. DICK (1999) nos orienta que “nem sempre os nomes estudados [estão] vinculados diretamente ao denominador e às situações originais que condicionaram a denominação primitiva”. Isto porque pode haver uma defasagem espaço-temporal entre os “atores do processo de nomeação”. Também, a afirmativa da significação do nome e as condições do lugar podem apenas ser explicadas pela virtualidade “das lexias disponíveis no sistema” (DICK 1999). Como veremos adiante, o termo toponímico capoeira pode ser um desses exemplos. A terceira ressalva é o relativo desprendimento do denominador com o compromisso de “representar fidedignamente a paisagem”. Trata-se de um dado da intersubjetividade. Nesta perspectiva, o denominador irá buscar em seu aporte psíquico e no seu conhecimento predefinido “injunções de diversas ordens, afastando-se de qualquer tendência objetiva, presa às condições do meio” (DICK 1999). O topônimo, enquanto um nome próprio de um elemento geográfico e o próprio elemento em si conforma uma “relação binômica” (DICK 1992). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 236 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Formam-se então duas partições descritas por Dick como constituidoras da estrutura do topônimo: de um lado, uma entidade gerada localmente pela sociedade que vivencia um espaço em um determinado tempo, e de outro lado, uma denominação convencionada do que se entende por aquela mesma entidade 5. No que tange ao chamado “pensamento ocidental”, foi utilizado o pensamento de Hannah ARENDT, que busca discernimento na polis préfilosófica do que poderia ser a condição humana antes da cisão entre pensamento e ação. Ela encontra no intra-muros da pólis o “espaço físicogeográfico capaz de emprestar permanência e estabilidade à ação e à palavra” (WAGNER 2002). Mas aqui não se trata de simples materialidade. Não é apenas o muro, pois o mesmo é apenas uma representação. O intra-muros a que se refere Arendt, é uma construção humana: “onde quer que vás, serás uma polis” esta assertiva quer dizer que é a “convivência entre os homens”, o pressuposto funda para a construção de um lugar capaz de sediar ação e discurso “capaz de situar-se adequadamente em qualquer tempo e lugar” (WAGNER 2002). Enquanto Hannah Arendt foca na cisão entre o pensamento e a ação, entre o filósofo e a realidade, entre vita activa e vita contemplativa, Neil SMITH (1988) se preocupa com a cisão entre o espaço, a natureza e a sociedade advindos do mesmo seio. Hannah Arendt aproxima-se de Neil SMITH quando este escreve sobre a visão indissociável entre o mítico, o vivido e o material das sociedades ancestrais e tradicionais e sobre a separação entre o espaço absoluto e o espaço relativo. Com esta cisão, foi possível cindir, 5 Termo ou elemento genérico, relativo à entidade geográfica que irá receber a denominação, e o outro, o elemento ou termo específico, ou topônimo propriamente dito, que particularizará a noção espacial, identificando-a e singularizando-a dentre outras semelhantes (DICK 1992). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 237 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas cognitivamente, o espaço, a natureza e a sociedade em entes supostamente autônomos (SMITH 1988). A apreensão abstrata das coisas é, pois, a dita fina flor que define o que é civilização do “resto”. Esse espelho de narciso é entendido como um divisor de águas do pensamento (SMITH 1988). Prova disso é sua busca febril nos outros modos de vida: no passado com as sociedades primitivas (WONG 2005), no presente das sociedades tradicionais, no subterrâneo da mente humana (DELOACHE 2005) e nas espécies animais (SCHAIK 2006) 6. O autor desenvolve sua argumentação a partir da construção do pensamento ocidental. Um momento decisivo de sua hegemonização no mundo, para o autor, ocorre com a formatação final do pensamento filosófico nas formulações de Newton. Segundo o autor, a concepção de espaço que Newton desenvolveu foi tão convincente que tornou o espaço em um “dado universal da existência” 7. Newton congrega as várias concepções de espaço até então dispersos “muitas vezes existindo um ao lado do outro, somente mais ou menos relacionados”. Newton integrou-os em uma mesma base cognitiva unificada, para incorrer em uma conceituação/unificação do espaço. [...] com o conceito de espaço absoluto e sua relação ao espaço relativo, ele [o espaço] se apresentou, como de fato o era [nas diversas concepções integradas por Newton], uma simples abstração. O espaço se tornou algo em si mesmo. Mas o que se ganhou em 6 Esse exotismo nos fascina, pois estamos enclausurados na autoritária lógica euclidiana e aristotélica. Tudo que funciona fora desse sistema é diametralmente nebuloso, fantástico e esotérico para nossas mentes. Neil Smith aventura-se para além do divisionismo realizado pela filosofia ocidental e procura adentrar o mundo do pensamento totalizante. Para ele, a divisão, entre tempo e espaço, entre sociedade e natureza, evita a fusão conceitual entre espaço e sociedade que possibilitaria “se conceber uma extensão espacial para além da extensão imediatista” (SMITH 1988). 7 Hoje, aproximadamente três séculos depois, não é o conceito de seus adversários mas o próprio conceito absoluto de Newton que indiretamente informa o senso comum com relação ao espaço. Hoje, no avançado mundo capitalista, todos nós concebemos o espaço como vácuo, como um receptáculo universal no qual os objetos existem e os eventos ocorrem, como um quadro de referência, um sistema coordenado (juntamente com o tempo) em que toda realidade existe (SMITH 1988). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 238 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas generalidade com o conceito de espaço absoluto foi conseguido a alto custo (SMITH 1988). O custo dessa unificação foi a cisão do espaço em absoluto e relativo e a autonomização de suas partes em natureza e sociedade. A tradição toponímica ocidental recebeu tal influência, algo patente no termo mata secundária. É então construída conceitualmente, uma realidade dos detalhes dos objetos e dos eventos, um espaço individual, absoluto, passível de ser mensurado e monitorado por leis mais gerais. Tudo o que não poderia aí ser encaixado nesse universo de explicações foi excluído. Deixado de lado, esse caldo de realidade foi posteriormente autonomizado e novamente bipartido em natureza e sociedade. Respectivamente, o primeiro, entendido como um espaço físico, somente apreensível pela Matemática, o segundo, algo amorfo, conjunto de relações sociais em si, destituídas de espaço, mas subentendido como um espaço relativo, em detrimento do espaço absoluto das constantes newtonianas 8. A cisão do conceito de espaço significou igualmente a cisão da realidade nos conceitos de natureza ou espaço físico e sociedade ou espaço social. “Como o espaço relativo de Newton é um subconjunto diferenciado do espaço, o espaço social surgiu como um subconjunto diferenciado do espaço físico” (SMITH 1988). A geometria newtoniana, assim como a euclidiana, necessitava de uma “verificabilidade direta” da matéria. Dito de outro modo, a matéria e o espaço ainda seriam a mesma coisa, de certo modo, portanto, ainda estavam unificados. A verificação in loco, empírica e observável não mais era fundamental (SMITH 1988). A morte de Stelluti, a mordaça em Galilei e o fim da Academia do Lince em 1651 (BIGNAMI 2004) serão prenúncios dos 8 A separação do espaço relativo e do espaço absoluto ofereceu meios pelos quais um espaço social poderia ser separado do espaço físico, sendo o espaço social definido não em relação a uma natureza primeira independente e exterior, mas a uma segunda natureza humanamente produzida (SMITH 1988). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 239 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas próximos séculos na arquitetura da matematização do espaço e da autonomização de suas partes. A descrição matemática, com Einstein, pôde, por fim, prever os movimentos da matéria no espaço, inundando a relação entre natureza e espaço, mediando-os e separando-os profundamente. “Sua separação significou que a descrição do espaço físico não precisava mais de tal verificação experimental direta” Agora, a observação poderia ser no quadro negro, nas simulações computacionais ou nos acelerados de partículas. Esse espaço agora era plenamente entendido como matemático, plenamente abstrato, passível de ser destituído de um espaço físico (SMITH 1988). 9 O entendimento da natureza afinal, permaneceu preso ao “Princípio de Mach”, aceito por Einstein e ainda não superado, onde a estrutura do espaço está “completamente subordinada à distribuição e ao movimento da matéria, isto é [...] vitória do espaço relativo sobre o espaço absoluto” (SMITH 1988). O espaço físico posteriormente construído a partir dessa concepção fundadora necessitou da mediação dos índices e das séries históricas para existir: o espaço físico é substituído pelo espaço matemático. Enquanto o conceito de espaço físico sempre conservou alguma referência à experiência humana prática, o espaço matemático é uma completa abstração para além daquele (SMITH 1988). É o próprio Einstein quem posteriormente defende a separação entre matéria e espaço: “Embora a matéria possa constituir a base epistemológica para o campo métrico [...] ela não tem necessariamente prioridade 9 Em Einstein, as geometrias não-euclidianas finalmente conseguiram um referencial material, pois “até a teoria da relatividade elas permaneceram como construções matemáticas puramente abstratas desligadas da experiência material”, e finalmente puderam ser “coladas” à realidade e secundarizar Euclides na explicação do mundo “que era diretamente verificável na experiência material”. A matéria permaneceu no espaço de fato, mas o espaço foi transformado em matemática. A Natureza, nessa condição, foi reduzida a simplesmente relação espaço-tempo, ou matéria em movimento (SMITH 1988). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 240 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas ontológica para o sobre ele” (SMITH 1988). Com essa contraposição posta entre espaço, a cisão está consolidada quando se reconstruir cognitivamente a realidade, pois “a segunda natureza não conduz a exatamente a um desenvolvimento conceitual, mas ao desenvolvimento de um espaço produzido socialmente (e tão real quanto ele) e partir do espaço natural” (SMITH 1988) 10. O termo capoeira, como apresentado, possui potência para concatenar o pensamento de um mundo como ponte para outro, fato exemplificado na existência de seu campo léxico-semântico. É um termo totalizante por natureza, vinculado a uma verificação dos processos mais gerais da constituição da sociedade, do espaço e dos territórios a partir de um enfoque global dos fenômenos (SANTOS 1978). A afirmação do autor sobre a sociedade ser uma totalidade em um determinado estágio, sempre dinâmico e mutante (SANTOS 2002) encontra lugar comum no presente texto quando é verificada a vernaculização do termo capoeira e o surgimento de seu campo léxicosemântico. O termo capoeira é totalizante, dinâmico e mutante assim como é o espaço geográfico. Esta afirmação está de acordo com a assertiva de que “o geógrafo se esforça por realizar o velho sonho do filósofo: apreender o real em sua totalidade” (SANTOS 2002), e o faz na busca de uma filosofia menor, pautada em seu campo de saber. O estudo do termo capoeira buscou evitar a visão de uma “totalidade tautológica em que as relações representacionais se cancelam mutuamente, porque sem referência a realidade” (SANTOS 2002). Para tanto, buscou 10 Neil Smith faz afirmações contundentes sobre as consequências de se exaltar a cisão entre a apreensão empírica e a apreensão abstrata: com a existência da conceituação de uma segunda natureza, “surge a separação conceitual entre sociedade e espaço”, e se abre espaço para a possibilidade de uma conceituação a-espacial da sociedade. Esse espaço, visto como um produto social torna assimétrica uma relação com a natureza que na realidade, é simétrica. Com isso, é legitimada a afirmação de que a sociedade pode pairar por sobre o espaço como um ser etéreo. O espaço é reduzido a palco shakespeariano, ou como fundo negro do teatro moderno, mero contexto paisagístico (SMITH 1988). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 241 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas resgatar a vernaculização da frase tupi para o português bem como sua utilização nos dicionários e trabalhos científicos. Também, buscou-se observar seu campo léxico-semântico. Ainda aí, e para encerrar esta explanação, cabe destacar o valor ecológico e ambiental que essa diferenciação levanta a respeito da visão de mundo ocidental e não-ocidental sobre a natureza. O desdobramento consequente da cisão entre espaço, sociedade e natureza apresentado por Neil Smith levou, dentro da tradição ocidental, à produção de espaço da natureza naquilo que intelectuais têm registrado sob o termo wilderness. A ideia de wilderness (natureza selvagem e intocada) levava a crer “que havia recursos naturais ilimitados nas regiões onde havia ‘natureza selvagem’, não levava em conta ocupação indígena, pois era considerada diferente da dos colonos”. A contradição entre o tipo de ocupação do solo dos indígenas americanos – baseados em migrações e posse comunal – e o tipo puritano – baseado na “propriedade particular titularizada” – associado ao desprezo do Estado norte-americano acerca da relação dos direitos ancestrais desses sobre o solo, contribuiu para o genocídio desses povos e para a consequente desertificação das regiões ditas selvagens (DIEGUES 2001). Esse processo, contraditoriamente, leva a uma moderna re-valorização da natureza, agora, porém, reduzida à condição de paisagem. Não mais “a Natureza” e sim as paisagens naturais, mais especificamente, as belas e contemplativas paisagens passam a ser o foco do planejamento do Estado. E a cisão ontológica entre o homem e a natureza passa a ser novamente empenhada a ferro e fogo 11. 11 No interior da sociedade urbana os mitos ainda estão presentes, “há persistência do pensamento mitológico em regiões rurais distantes e atrasadas, mas também há uma ressurgência de mitos no mundo urbano” (DIEGUES 2001). Em especial, um desses neomitos é a soma da idéia subconsciente de “paraíso perdido” expressa no “pensamento empíricoracional, como a existência de funções ecológicas e sociais da natureza selvagem (o conceito de biodiversidade, por exemplo), dos processos ecológicos do ecossistema”. Neste neomito, a apreciação do belo, que é a contemplação da natureza intocada, paradisíaca, é um conjunto de sensações tidas como refratárias de uma suposta “beleza primitiva da natureza anterior à TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 242 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas Enfim, o termo capoeira, detém um diferencial epistemológico. Não ter passado pela fragmentação do pensamento, já bastante abordado por filósofos ocidentais, tais como Arendt e Smith aqui mencionados, significa participar de um outro modus operandi do pensamento, em especial, não-aristotélico. Um movimento de renovação da epistemologia da tradição científica ocidental busca aliar os avanços dessa tradição a uma concepção totalizante do espaço. Há, em especial, o pioneiros e decisivo esforço de Milton Santos, mas também há investidas contemporâneas como as de LATOUR (1994, 2001, 2004). Em especial, este último busca construir uma via alternativa dentro da tradição ocidental para a crise do objeto científico. A busca pela superação da dicotomia sujeito-objeto no sentido de encontrar formas híbridas de pensamento, como a recente demanda por uma geografia híbrida que vê as coisas não como concretas e sim como coisas sempre concatenadas, nunca puras (WHAMORE 2002), pode vir a contribuir no estudo de formas cognitivas que só agora a psicologia evolucionista (MITHEN 2002) tem mostrado à comunidade científica tradicional, em que a visão de mundo não ocidental pode contribuir efetivamente para o alargamento das fronteiras da ciência do futuro. 7. Considerações finais Como visto, o termo capoeira não compromete o entendimento da sucessão vegetacional que o termo mata secundária busca expressar. Antes, adiciona a linguagem e ao intelecto uma ligação direta com o passado daquele intervenção humana, da exuberância do mundo natural [...] o harmonioso, a paz interior proveniente da admiração da paisagem intocada”. É o wilderness, noção, premissa e pressuposto básico para a criação da proteção integral de lugares verdes contra um homem destruidor (DIEGUES 2001), pressuposto da própria produção de natureza. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 243 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas lugar sem que se exclua a possibilidade daquele dado lugar voltar a ter uma vegetação totalmente regenerada, similar a anterior. Para expor as razões dessa semântica, a argumentação do autor deste artigo residiu na constatação da inclusão de elementos provenientes de geografias não-ocidentais ao corpo do pensamento geográfico. Concluiu-se que os pilares dessas outras geometrias não são fragmentários como o estudo pode demonstrar. Não houve a pretensão de se esmiuçar todo o temário da toponímia, nem apresentar alguma tese acerca dessas argumentações. Tentou-se tão somente, observar como esses fitônimos estão (e são) densamente carregados de informações sobre dinâmicas espaciais. Neste trabalho, atentou-se para a questão dos fitônimos de origem indígena, exemplificados pelo termo capoeira. Termos como esse carregam em si certa densidade do pensamento abstrato, de suas visões de mundo que não passaram pela fragmentação do pensamento, como o caso da tradição helênica. No caso do termo capoeira sua estrutura original kaa-uêra detém noções de espaço, de natureza e de sociedade, que parecem não estar dissociadas. Prova disso é o resultado linguístico e toponímico de seu uso: o surgimento de um campo léxico-semântico coeso. Viu-se o fitônimo capoeira como uma forma-conteúdo, uma forma carregada de significado, resultante de uma acumulação espaço-temporal de momentos históricos e modos de produção. A ideia da relação entre significante (matéria, espaço geográfico) e significado (ideia, ação, visão de mundo) é vista como um todo indissociável do autor (grupos sociais, classes sociais), da obra (fitônimo propriamente dito) e da época (períodos da história brasileira e mundial). No corpo do texto foram apresentados os fitônimos dentro de uma análise geográfica e linguística. A incidência e a configuração desses fitônimos no espaço geográfico, assim como suas interpretações em Plínio Ayrosa e no corpo teórico da toponímia, foram algumas abordagens realizadas. A TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 244 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas aderência do termo capoeira e as suas consequentes derivações conceituais foram creditadas à noção de totalidade social e espacial de Milton Santos; já o termo mata secundária foi observado a partir dos estudos de Hannah Arendt e Neil Smith a respeito das consequências da fragmentação do pensamento helênico simbolizado pelo julgamento de Sócrates. Portanto, acredita-se que o uso frequente do termo sobre seu nomeado, bem como sua relativa maleabilidade em subsidiar a descrição de fenômenos dele derivados, concede-lhe poder, consolida-o, torna-o quase concreto, pois está mais “adaptado” à dinâmica do espaço geográfico. Isso é consequência do espaço geográfico ser uma totalidade em constante movimento e em incessante mutação, algo que apenas linguagens igualmente dinâmicas podem eficientemente captar. 8. Referências bibliográficas AGUILERA, V. Os tupinismo na Linguagem rural paranaense. In: Estudos Linguísticos. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Colegiado do Curso de Letras – Campus de Cascavel: Revista Línguas & Letras, v.7, nº12, p.99-125, 1º sem. 2006. Versão eletrônica disponível na internet: www.unioeste.br/saber. AYROSA, P. Estudos Tupinológicos. São Paulo: IEB, 1967. 109p. BARROS, L. A. A toponímia oficial e espontânea na Cidade Universitária – campus Butantã da USP. In: Revista da USP, nº56, São Paulo: EDUSP, dezembro/fevereiro de 2003. p.164-171. BIGNAMI, G. F. Quatro Séculos da Academia do Lince, o suporte político de Galileu. In: Scientific American Brasil, Ano 2 nº20. p. 42-47, jan 2004. BIRDS. C. Imagens e dados da Odontophorus capueira. Disponível em: <http://carolinabirds.org/HTML/SA_Galli_Quail.htm>. Acesso em: 19 de setembro sw 2011. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 245 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas DELOACHE, J. S. A consciência dos símbolos. In: Scientific American Brasil, Ano 4 nº40. p. 64-69, set. 2005. DICK, M. V. DE P. do A.. Significação Hiperonímica e Hiponímica nas Práticas Onomásticas. In: I Encontro Nacional do GT de Lexicologia, Lexicografia e Terminologia da ANPOLL, 1998, Recife. Anais do I Encontro Nacional do GT de Lexicologia, Lexicografia e Terminologia da ANPOLL. Recife, 1998. p. 41-61. _______. Toponímia e Antroponímia do Brasil. Coletânea de Estudos. 3ª. ed. São Paulo: Serviço de Artes Gráficas da FFLCH/USP, 1992. 224 p. _______. Toponímia e línguas indígenas no Brasil. In: Estudos Avançados, v.8, nº 22. São Paulo: USP, set/dez 1994. p.435-436. _______. Métodos e questões terminológicas na Onomástica. Estudo de caso: O Atlas Toponímico do Estado de São Paulo. In: Investigações Linguísticas e Teoria Literária, volº9. Recife: Programa de PósGraduação em Letras e Linguística da UFPE, Recife, v. 9, p.119-148, 1999. DIEGUES, A. C. S. O Mito da Natureza Intocada. 3ª ed. São Paulo: Editora HUCITEC, 2001. 167p. DOOLEY, R. (org). Léxico Guaraní, Dialeto Mbyá: versão para fins acadêmicos. Com ascréscimos do dialeto nhandéva e outros subfalares do sul do Brasil. Curitiba, Revisão de novembro de 1998, 195p. Disponível em <http://www.4shared.com/get/wQg9nnq/Dicionrio_e_Curso_de_Tupi-Guar.html>. Acesso em : 21 de novembro de 2011. GOVERNO DO RIO GRANDE DO SUL. Imagens e dados da Odontophorus capueira. Disponível em <http://www.biodiversidade.rs.gov.br/portal/odontophorus>. Acesso em: 19 de setembro de 2011. GLOBAL TWITCHER. Mapa da distribuição espacial da Odontophorus capueira. Disponível em <http://www.globaltwitcher.com/artspec.asp?thingid=2457>. Acesso em: 19 de setembro de 2011. GLOSSÁRIO IBGE. Indicadores de desenvolvimento sustentável – Brasil. 2004. p.363. IBARRA G. D. E. America en la Pre-História Mundial. Difusión Greco-fenícia. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1982. 420p. KOYRÉ, A. Do mundo fechado ao universo infinito. Tradução de Donaldson M. Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. 287p. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 246 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas LATOUR, B. Jamais fomos modernos: Ensaios de Antropologia Simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Literatura S/C Ltda, 1994. 149p. ______. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Bauru: EDUSC, 2001. 372p. ______. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Tradução Carlos Aurélio Mota de Souza. Bauru: EDUSC, 2004. 412p. LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A Vida de Laboratório: A produção dos fatos científicos. Tradução de Angela Ramalho Vianna. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. 311p. LIMA, A. J. N.; TEIXEIRA, L. M.; CARNEIRO, V. M. C. et al. Análise da estrutura e do estoque de fitomassa de uma floresta secundária da região de Manaus AM, dez anos após corte raso seguido de fogo. In: Acta Amaz, v.37, nº1, p.49-53, 2007. MITHEN, S. J. A pré-história da mente: uma busca das origens da arte, da religião e da ciência. Tradução de Laura Cardellini Barbosa de Oliveira; Revisão técnica Max Blun Ratis e Silva. São Paulo: Editora Unesp, 2002. 425p. MORAES, A. C. R. Ideologias Geográficas. São Paulo: Editora Hucitec, 1988. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. O Verde, o Território, o ser Humano: Diagnóstico e Bases para a Definição de Políticas Públicas paras as Áreas Verdes no Município de São Paulo. São Paulo: SVM - Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, 2004. 266p. PAULA, A. DE; SILVA, A. F. DA; MARCO JUNIOR, P. et al. Sucessão ecológica da vegetação arbórea em uma Floresta Estacional Semidecidual, Viçosa, MG, Brasil. In: Acta Bot. Bras., v.18, nº3, p.407-423. jul./set. 2004. SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2002. _____. Por uma Geografia nova. São Paulo: Hucitec-Edusp. 1978 SAPIR, E. Lingüística como ciência. Rio de Janeiro: Editora Livraria Acadêmica, 1969. p. 43-62. SALGADO, G.; LOCH, R. E. N. Análise Temporal de Uso da Terra a Partir da Integração de Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas: Parque Municipal da Lagoa do Peri – Florianópolis / SC. In. COBRAC 2002 - Congresso Brasileiro de Cadastro Técnico Multifinalitário, UFSC: Florianópolis, 6 a 10 de Outubro, 2002. 13p. SEPE, P. M.; TAKIYA, H. (coord.). ATLAS AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO - O Verde, o Território, o ser Humano: Diagnóstico e Bases para a Definição de Políticas Públicas paras as Áreas Verdes no Município de TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 247 Rizzi, C. A. – Investigações sobre a construção do fitônimo CAPOEIRA: aspectos do campo léxico-semântico e geolinguística indígenas São Paulo. São Paulo: SVM - Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, 2004. 266p. SILVA, C. T.; REIS, G. G.; REIS, M. DAS G. F. et al. Avaliação temporal da florística arbórea de uma floresta secundária no município de Viçosa, Minas Gerais. In: Rev. Árvore, v.28, nº3, p.429-441, maio/jun, 2004. SILVA, R. C.; PEREIRA, J. M.; ARAUJO, Q. R. et al. Alterações nas propriedades químicas e físicas de um chernossolo com diferentes coberturas vegetais. In: Rev. Bras. Ciênc. Solo, v.31, nº1, p.101-107, jan./fev, 2007. SCHAIK, C. V. Porque alguns animais são tão inteligentes? In: Scientific American Brasil, ano 4 nº48, p.58-65, mai 2006. SMITH, N. Desenvolvimento Desigual. Natureza, Capital e a Produção do Espaço. Tradução de Eduardo de Almeida Navarro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p.67-147. WAGNER, E. S. Hannah Arendt e Karl Marx. O Mundo do Trabalho. São Paulo: Ateliê Editora, 2002. 208p. WHATMORE, S. Hybrid Geographies: Natures Cultures Spaces. London and Thousand Oaks: Sage Publications, 2002. 226p. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 207p. WONG, K. O Despertar da Mente Moderna. In: Scientific American Brasil, ano 4 nº38, p.70-79, jul 2005. ZAMARIANO, M. Toponímia Paranaense do Período Histórico de 1648 a 1853. Dissertação de Mestrado, Universidade de Londrina, 2006. 381p. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 214-247 A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul Maria Izabel Plath da Costa * Abstract: The Civilian Police, or the Judicial Police, has as its core activity to criminal prosecution, anchoring the action which, in theory, culminating in the process that generates the sentence. For the criminal prosecution, the police record your steps through specialized texts, composed of technical terms specific to this specialized area, the documents making up the procedures that are instituted to ascertain the fact that was recorded by people. In the legal sphere, the terms employed by the Judicial Police are legal-police terms. However, due to the stigmatization of the target activity, these terms are not included in the legal dictionaries. The experts who use the the range of terminology legal-police pick given terminology based on empiricism, and these cognitive choices assure the applicability of criminal law. The present study describes the work of the Judicial Police, the procedures that are instituted for the applicability of criminal law and terminological units (UTs) to employed participants in these procedures. Through the representation of these UTs on conceptual maps of the type hierarchy, has been established that the UTs to designate the person who commits the crime or the offense, have a hierarchical relationship between them. Keywords: Judicial Police; legal-police terminology; conceptual maps. Resumo: A Polícia Civil, ou Polícia Judiciária, tem como atividade precípua a persecução penal, ancorando a ação que, em tese, culmina no processo que gera a sentença. Para a instrução penal, essa polícia registra as suas diligências através de textos especializados, compostos por termos técnicos específicos dessa área especializada, cujos documentos compõem os procedimentos que são instaurados para apurar o fato que foi registrado pelo cidadão. Em virtude de insurgir da esfera jurídica, os termos empregados pela Polícia Judiciária são termos jurídico-policiais. Entretanto, em virtude da estigmatização da atividade-fimesses termos não são * Mestra em Estudos Linguisticos do Léxico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br contemplados nos dicionários jurídicos. Os especialistas que utilizam a gama terminológica jurídico-policial escolhem dada unidade terminológica com base no empirismo, sendo que essas escolhas cognitivas asseguram a aplicabilidade da lei penal.O presente estudo descreve o trabalho da Polícia Judiciária, os procedimentos que são instaurados para a aplicabilidade da lei penal e as unidades terminológicas (UTs) empregadas aos partícipes nesses procedimentos. através da representação dessas UTs em mapas conceituais do tipo hierárquico, foi possível constatar que as UTs que designam a pessoa que comete o crime, ou a infração, mantêm uma relação hierárquica entre si. Palavras-chave: Polícia Judiciária; terminologia jurídico-policial; mapas conceituais. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 250 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul 1. Introdução A terminologia que é utilizada pela Polícia Civil, também chamada de Polícia Judiciária, não foi repertoriada ou descrita até o presente momento. Em virtude disso, determinadas unidades terminológicas (UTs) são escolhidas de modo empírico pelos especialistas, com base no conhecimento especializado que é adquirido no exercício da atividade-fim. Essas escolhas cognitivas são registradas nos documentos que sustentam a aplicabilidade da lei e a consequente sanção penal. Considerando a finalidade da comunicação dessa polícia é importante que o especialista entenda o vocabulário de que faz uso. A partir dessas constatações, este artigo apresenta uma pequena parte da terminologia que é empregada pela Polícia Judiciária para designar os partícipes em procedimentos policiais, com enfoque especial aos termos que denominam a pessoa que comete o crime ou a infração. Aborda sucintamente o trabalho da Polícia Judiciária, os procedimentos que são instaurados para a aplicabilidade da lei penal, e descreve, através de mapas conceituais, a terminologia aplicada aos partícipesnos procedimentos policiais. Através dos mapas procurou-se mostrar que há variação/mudança na designação dada aos partícipes à medida que a investigação avança e que existe uma hierarquia entre as diferentes denominações. Para a escolha dos termos jurídico-policiais que são descritos neste artigo foram adotados dois critérios 1: a ocorrência dos termos em um corpus formado por 25.000 históricos de BOs, registrados por policiais em todo o território gaúcho; e a condição de especialista da signatária, que exerce a 1 A orientadora e co-orientadora desta pesquisa, Dra. Cleci Regina Bevilacqua e Dra. Anna Becker Maciel, especial agradecimento pela atenção dispensada. Ao Chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Del. Ranolfo Vieira Junior, ao Diretor da Diplanco, Del.Antonio Carlos Pacheco Padilha, e aos colegas do Serviço de Estatística, Com. Adoniro Ferraz e Com. Eloy Carvalho, obrigada pelo apoio e pelos valiosos esclarecimentos. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 251 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul função de Inspetora de Polícia, é mestra em Letras e doutoranda no Programa de Pós-graduação da UFRGS, linha de pesquisa Teorias Linguísticas do Léxico. 2. A Polícia Judiciária A Polícia Judiciária tem a competência de registrar as ocorrências criminais e, após o devido registro, investigar para apurar a autoria do fato que foi registrado. A investigação profícua instrui a ação penal que, por sua vez, dependendo do caso, desenvolve o processo penal, através do qual o Poder Judiciário irá imputar a sanção ao criminoso ou infrator. Em virtude da atividade-fim, inserimos a linguagem empregada pela Polícia Judiciária na esfera das linguagens jurídicas, pois, conforme aponta Maciel (2001), não se pode falar em linguagem jurídica, mas no uso da língua na área jurídica, ou na utilização da língua comum em dada situação especializada com propósitos determinados, porque a terminologia não é exclusividade da linguagem do especialista, considerando que os termos que são empregados em determinadas áreas técnicas são usados na língua geral, em um processo chamado de terminologização. COSTA (2009) entende as linguagens jurídicas sob a forma icônica, sendo que na base está situada a linguagem empregada pela Polícia Judiciária e, no topo, a que é utilizada pelo Poder Judiciário. Todas as atividades da Polícia Judiciária são registradas através da escrita, pelo uso de uma gama de UTs que carecem de descrição. Assim, temos uma terminologia rica e inédita que não consta nos dicionários jurídicos, pois, segundo COSTA (op.cit.), o estudo da UT jurídica contempla apenas a fase do Poder Judiciário. A fase embrionária que acontece no âmbito investigativo, e que é realizada através de atividades estigmatizadas pela sua essência, como por exemplo, o cumprimento de Mandados de Busca e Apreensão, as campanas, as diligências e as prisões in loco, não tem a TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 252 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul relevância que merece no estudo das UTs jurídicas e, por isso, os termos jurídico-policiais não são descritos nos dicionários jurídicos. A atividade da Polícia Judiciária é estigmatizada, em relação àquela realizada pelo Poder Judiciário, porque a área de atuação deste Poder é mais distante do trabalho in loco que é feito pela Polícia. Em outras palavras, enquanto o Juiz (e seus agentes) profere a sentença nas dependências da sede do Poder Judiciário, o Delegado de Polícia (e os policiais), para instruir os procedimentos policiais, necessita acampanar e diligenciar, derrubar portas, realizar perseguições e prisões, lavrar flagrantes e pregressar, tendo contato direto com a casta que margina a lei. Por isso, muitos dos termos policiais que são desprestigiados no estudo do termo jurídico tornam-se opacos para os policiais que deles fazem uso, considerando a inexistência de instrumento que descreva esses termos. Tendo em vista que a Polícia Judiciária serve ao Poder Judiciário na persecução penal, é possível afirmar que a terminologia jurídico-policial alicerça e embasa a ação penal. Logo, a ininteligibilidade dos termos jurídicopoliciais influi negativamente no desenrolar do processo penal. A opacidade no entendimento de quatro termos jurídico-policiais utilizados pela própria Polícia para designar o crime de furto foi mostrada em dissertação por COSTA (2009). O estudo foi realizado do seguinte modo: foram analisados 3.000 textos de históricos de ocorrências policiais dos modi operandi (MOps) furto chuca, furto descuido, furto mão grande e furto punga, em um corpus que totalizou 12.000 textos. A análise mostrou que o modo como os policiais entendem esses quatro MOps difere do modo como eles estão registrados em um manual de informática policial, que é o único registro escrito que a Polícia Civil gaúcha dispõe para os seus termos. O resultado da análise é mostrado na Tabela1: MOp Furto chuca Base: registro do manual de informática Abrir a bolsa Base: análise dos dados dos históricos de BO Furtar a bolsa, da bolsa ou do TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 253 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul bolso, com ou sem a percepção da vítima. Por atitude descuidada da vítima, furtar a bolsa, da bolsa Aproveitar-se de atitude ou do bolso, com ou sem a Furto descuido relaxada percepção da vítima. Furtar a bolsa, da bolsa ou do bolso, com ou sem a percepção Furto mão grande Tirar objeto da vítima. Furtar a bolsa, da bolsa ou do bolso, com ou sem a percepção Furto punga Retirar a carteira do bolso da vítima. Tabela 1 – Definições de quatro MOps do crime de furto. 2.1 A terminologia empregada pela Polícia Judiciária A linguagem, que é única, se desdobra em linguagens especializadas que são geradas pelas especificidades da área na qual são utilizadas. HOFFMANN (1998) define linguagem especializada como o conjunto de todos os recursos linguísticos (da linguagem geral, de todas as linguagens especializadas e de dada linguagem especializada) que são utilizados em um âmbito comunicativo, delimitado por uma especialidade, a fim de garantir a compreensão entre as pessoas que trabalham nesse âmbito, em outros âmbitos e entre os leigos que interagem com as áreas especializadas. A linguagem especializada se processa por meio de um vocabulário específico que, dentre as possíveis formas de expressão, se manifesta nos textos, aqui entendidos, de acordo com ECO (1984), como a expansão da virtualidade de um sistema de signos no processo de comunicação. Os textos produzidos pela Polícia Judiciária são especializados, resultado de uma atividade comunicativa especializada que corresponde à realidade objetiva, como postula HOFFMANN (1998). Produzidos por policiais para a instrução penal, visam comunicar o fato criminoso que foi noticiado pela vítima ou testemunha e, por isso, para CISPUSCIO (2002), têm caráter especializado delimitado pelos usuários, pela finalidade e pela temática. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 254 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul Para COSTA (2009), o que faz o Direito permanecer é a escrita, por isso, o trabalho da Polícia Judiciária se concretiza através de documentos probatórios do fato típico, não conformando prova, portanto, a investigação verbal. CAPEZ (2003) assevera que todas as partes que compõem os procedimentos policiais são registradas através da escrita. Essa escrita, que é produzida por especialistas da área, reflete as UTs que são empregadas na sua comunicação especializada. As UTs, segundo CABRÉ (1999), são unidades de conhecimento, significação, denominação e comunicação especializada, utilizadas na linguagem em uso no âmbito de uma área temática. Elas não diferem das palavras quando vistas através dos critérios pragmáticos e comunicativos e, como não compõem um sistema lexical independente, têm a forma fonética e gráfica em conformidade com a estrutura fonológica de cada linguagem em que são empregadas. Por muito tempo, as UTs foram consideradas como marca distintiva prioritária da linguagem especializada; porém, conforme aponta MACIEL (2001), de acordo com uma concepção comunicativa mais ampla, considerando o caráter representativo dos termos, as terminologias são vistas como um dos elementos que configuram a linguagem especializada. A ênfase é dada a quem usa os termos, às condições de uso e às características temáticas e pragmáticas do meio que as circundam. O trabalho da Polícia Judiciária é embasado nas leis penais. Logo, os termos que compõem a norma têm o caráter de preceituar a conduta criminosa e a respectiva sanção penal por meio da normalização terminológica que, segundo FILHO (2010), é um processo institucional por meio do qual a fixação e a utilização de um termo ou de um conceito servem para veicular e atender aos propósitos de comunicação de uma dada instituição. Entretanto, a normalização não limita, segundo o autor, a formação de terminologias de um domínio de especialidade, por isso, é preciso considerar a variação como resultado de dois fenômenos: da evolução da língua e do fato de que o termo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 255 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul reflete a maneira como os especialistas pensam, sentem e percebem a realidade especializada da qual fazem parte. Considerando que o conhecimento jurídico é condição sinequa non para o desempenho da função policial, conforme aponta HAGEN (2006); e que o prérequisito para o ingresso no quadro de agentes policiais é formação superior em qualquer curso, a visão de mundo entre os policiais difere em nível de competência jurídica. Por isso, entendemos ser necessário considerar, ao repertoriar a terminologia jurídico-policial, a variação como fenômeno ocorrente e adotar, na formulação de conceitos a esses termos, um viés descritivo consoante ao contexto no qual os termos ocorrem. A estigmatização da atividade realizada pela Polícia Judiciária é refletida na sua terminologia, gerando certo desprestígio a essa linguagem, que é jurídico-policial, ao desconsiderar, no estudo do termo jurídico, a etapa principal da ação penal, que é a da sua propositura. Em virtude disso, existe uma opacidade que torna algumas UTs policiais ininteligíveis até mesmo para os próprios especialistas que as utilizam. Essa ininteligibilidade pode influir negativamente na sanção penal quando da aplicação da sentença. 2.2 Os procedimentos instaurados pela Polícia Judiciária Para a persecução penal, o trabalho da Polícia Judiciária soma na instauração de três tipos-base de procedimentos, que são os seguintes: 1) Termo Circunstanciado de Ocorrência (TC) – postulado pela Lei 9.099/95 2, é o registro de um fato tipificado como crime de menor potencial ofensivo, ou seja, de menor relevância, que tenha pena máxima cominada em 2 Juizados Especiais Cíveis e Criminais – JEC. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 256 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul até 2 (dois) anos de cerceamento de liberdade ou multa, e que tenha sido cometido por pessoa maior de idade. 2) Inquérito Policial (IP) – disciplinado nos artigos 4º ao 23º da Lei 3.689/41 3, é o instrumento formal da investigação que compreende o conjunto das diligências realizadas pela Polícia Judiciária para apurar o fato criminoso e descobrir a pessoa, maior de idade, que o cometeu, formando a documentação dessas diligências ordenadas cronologicamente. O IP pode ser instaurado por Portaria (nos crimes que ocorram sem situação de flagrante delito) e por Auto de Prisão em Flagrante (para crimes que geram prisão em flagrante delito). 3) Procedimento de Apuração de Ato Infracional (PAAI) – disciplinado pela Lei 8.069/90 4, ou Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é empreendido para apurar ato infracional praticado por menor infrator e subdivide-se do seguinte modo: Auto de Apreensão em Flagrante (AAF) – instaurado para ato infracional cometido por adolescente apreendido em flagrante, cuja situação ofereça violência ou grave ameaça à vítima (art. 172 do ECA); Boletim de Ocorrência Circunstanciado (BOC) – instaurado para ato infracional cometido por adolescente em situação de flagrância, sem violência ou grave ameaça à vítima (art.173, Parágrafo Único do ECA); Relatório de Investigação (RI) – instaurado quando o ato infracional, cometido por menor de idade não configurar situação de flagrância (art. 177 do ECA). 3. Características do inquérito policial A investigação soma uma série de atividades táticas e técnicooperacionais de âmbito interno e externo, sendo que todas as diligências 3 4 Código de Processo Penal. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 257 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul devem ser tomadas a termo e registradas através da escrita, formando assim, a gama dos documentos que instruem os procedimentos policiais. Demonstrase, a seguir, algumas das atividades de Polícia Judiciária, através da descrição das principais características do IP: - sigiloso: o sigilo faz parte da essência da atividade investigatória para surtir resultados. O art. 20, Caput, do Código de Processo Penal (CPP,1941) prevê que o IP poderá ser ou não sigiloso, incumbindo à autoridade policial determinar o sigilo, do início ao fim das investigações, se necessário à elucidação dos fatos e, também, pelo interesse social, a exceção do Ministério Público, Poder Judiciário e advogado do indiciado; - escrito: o IP deve ser capeado e constitui o registro dos atos promovidos pela Polícia Judiciária, sendo que tudo o que é feito deve ser reduzido à peça escrita (Art. 9o, Lei 3.689/41); - inquisitivo: no IP não vige o contraditório e a ampla defesa, que são características do processo. Ocorre a ampla defesa e o contraditório quando há lide, ou seja, quando as partes alegam direitos e fatos controversos. No IP não há partes (autor e réu), o delegado de polícia não é considerado autor e o indiciado não é considerado réu. Distingue-se, nesse patamar, a terminologia jurídico-policial da terminologia jurídica do Poder Judiciário (autor e réu). Em razão desta característica é pacífico que ninguém pode ser condenado apenas com base nas provas produzidas no IP. Conforme o CPP (1941), art. 6o e 7o, as diligências praticadas pela Polícia Judiciária para a instrução do IP são a preservação do local do crime (necessária em crimes como homicídio, latrocínio, extorsão mediante sequestro, dentre outros); a apreensão ou arrecadação de objetos (produto direto do crime, que configura a res furtivae); a coleta das provas (documentais, periciais em documentos, grafotécnicas, testemunhais, periciais ou balísticas); a oitiva das partes e o indiciamento do agente, realizado a partir da suspeita (aspecto subjetivo). Com base nas investigações TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 258 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul é feito o indiciamento, que corresponde ao conjunto de atos que oficializam a suspeita que recai sobre dada pessoa. Após indiciado pela Polícia Judiciária, o autor do fato pode transformar-se em réu no Poder Judiciário. Até ser chamada de indiciada, a pessoa que comete o crime é denominada por outras UTs que sofrem modificações de acordo com a evolução da investigação. Denominar como indiciada a pessoa que comete o crime, antes do efetivo indiciamento, é passível de ação contra o Estado. Por isso, é muito importante que o especialista entenda esse processo, uma vez que inexiste, até o momento, dicionário jurídico-policial para dirimir eventuais dúvidas acerca do emprego dos temos adequados. 4. Os partícipes nos procedimentos policiais A terminologia aplicada aos partícipes nos procedimentos policiais difere em conformidade com a condição da participação, que pode ocorrer da seguinte forma: - Quem comunica ou testemunha o fato: comunicante, condutor, testemunha, declarante, responsável, informante. - Quem sofre a ação criminosa: vítima. - Quem comete a ação criminosa ou ato infracional: suspeito, acusado, autor, indiciado, infrator, conduzido, apreendido, informante. Na terminologia aplicada aos partícipes, a pessoa que noticia o BO é comunicante, ou, nos casos de prisão em flagrante, esse comunicante é chamado de condutor. Quem testemunha o fato é chamado de testemunha. No momento de depor, após o registro do BO, a testemunha pode ser chamada de declarante, informante (se menor de idade) ou responsável (quem acompanha menor de idade em depoimento). A pessoa que sofre a ação criminosa é sempre chamada de vítima. À pessoa que comete o crime é TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 259 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul atribuída uma variação terminológica que obedece à situação comunicada ou à evolução da investigação e, por esse motivo, denominamos essa variação de relação hierárquica entre as UTS, conforme será visto a seguir. 4.1 Relação hierárquica entre as Uts Os partícipes nos procedimentos policiais, desdobrados entre vítima, criminoso e testemunha, foram anteriormente descritos, sendo a condição da participação legada pelo contexto especializado, ou tarefa investigativa, e expressada pela terminologia. No caso do IP, as UTs que designam a pessoa que comete o crime se modificam no decorrer do processo e estabelecem, entre si, uma relação hierárquica que obedece à evolução da investigação. Em outras palavras, essas UTs dependem da eficácia da investigação para originarem outras UTs. Se a investigação é profícua, a terminologia evolui e modifica a designação do partícipe; se a investigação é estanque, a designação do partícipe acompanha a estagnação e não é modificada. Para dar conta de explicar esse fenômeno, cumpre descrever as três formas de solução aplicadas ao IP, em relação à identificação do criminoso, que interferem na terminologia do partícipe, que são as seguintes: 1) autoria elucidada: o IP termina com o indiciamento do criminoso e a terminologia do partícipe, conforme o caso, evolui do suspeito ao acusado, e deste ao indiciado; 2) autoria não elucidada: o IP termina sem o indiciamento do criminoso. Nesta modalidade pode existir testemunha, suspeito ou acusado; porém, o indiciamento não ocorre por falta de elementos comprobatórios. A terminologia do partícipe pode variar entre suspeito e acusado, mas não evolui para o indiciado; TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 260 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul 3) sem indiciamento: o IP termina sem o indiciamento do criminoso porque não existem testemunha, suspeito ou acusado. Optamos por representar essa terminologia através de mapas conceituais. Segundo a Teoria Cognitiva de Aprendizagem, proposta por Ausubel (1978), a forma como o ser humano organiza no seu intelecto o conteúdo de determinada área do conhecimento corresponde a uma espécie de estrutura hierárquica, na qual as ideias mais inclusivas ocupam uma posição no topo da estrutura. Os mapas, que neste estudo são do tipo hierárquico, correspondem a dois termos conectados por uma palavra de ligação para formar diagramas que indicam as relações entre os termos e a organização conceitual do sujeito sobre a área de conhecimento que representa. Entendemos a construção do mapa hierárquico do seguinte modo: Figura 1 – Mapa conceitual hierárquico. a) Conceito + genérico – corresponde ao conceito mais abrangente, ou hiperônimo, em relação à terminologia empregada pela PC/RS, ou seja, é o CBP (1940), latu sensu, quanto aos modi operandi (MOps) empregados pela PC/RS, strictu sensu. b) Palavra de ligação ou vetor – diz respeito ao conector que une o nó ao conceito + geral e ao conceito + específico. Ao nosso entender, a palavra de ligação, ou vetor, indica o contexto que define o MOp. Para nós, o contexto é a situação real de uso do texto especializado e, por isso, é contexto pragmático. c) Nó – determinante circunstancial (determina a circunstância ou o modo de ação) da palavra de ligação, ou vetor, e do conceito mais específico. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 261 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul d) Conceito + específico – é o conceito utilizado pela PC/RS e, por isso, entendido como o mais específico, ou hipônimo, em relação ao conceito mais genérico, que é o hiperônimo. Na Figura 2, mapeamos a relação hierárquica das UTs aplicadas ao criminoso, em relação à evolução e à estagnação investigativa e, consequentemente, terminológica. Do mapeamento, insta destacar que denominamos investigação ineficaz aquela que ocorre pela precariedade das informações, e não em virtude do trabalho realizado pela Polícia Judiciária. Figura 2 – Procedimentos policiais e partícipes. Na Figura 2, mostramos o modo como entendemos os três momentos da terminologia que designa a pessoa que comete o crime, aos quais atribuímos a seguinte denominação: Mapa a) – Evolução da UT: permite a transição hierárquica da UT de suspeito a acusado, e deste a indiciado, gerando, assim, um IP elucidado. Mapa b) – Estagnação da UT: a UT não passa da pessoa do suspeito em virtude da ineficácia investigativa, convergindo em IP não elucidado. Mapa c) – Esvaziamento da UT: o IP não passa do registro do Boletim de Ocorrência (BO) e, nele,não se tem nenhum elemento que permita a investigação. Essa possibilidade resulta em IP sem indiciamento. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 262 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul A evolução das UTs empregadas para denominar a pessoa que comete o crime sustenta a ação penal.Através do trabalho da Polícia Judiciária, as provas produzidas na investigação transformam a terminologia do suspeito em acusado, que, por sua vez, se transforma, ao final do IP, em indiciado. Esse indiciado será réu no PJ, configurando, assim, outra etapa da UT, cuja evolução ocorre fora do contexto policial, do indiciado ao réu, caso a denúncia seja aceita pelo PJ e, estagnando em indiciado se o PJ não aceitar a denúncia. Mapeamos, na Figura 3, as UTs empregadas aos partícipes nos procedimentos policiais,e a evolução das UTS que denominam a pessoa que comete o crime no âmbito jurídico-policial: Figura 3 – Procedimentos policiais e evolução da terminologia dos partícipes. A relação hierárquica das UTs aplicadas à pessoa que comete a transgressão legal segue a hierarquia do IP no PAAI e no TC e, por isso, têm as TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 263 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul mesmas possibilidades de evolução terminológica, a exceção da última hierarquia da UT no PAAI, que é infrator, e no TC, que é autor. 5. Considerações finais A investigação condiciona a evolução das UTs que são empregadas à pessoa que comete o crime. Concluímos que o contexto especializado jurídico-policial, além de atribuir a certas unidades da linguagem o estatuto de UT, também é responsável, em alguns casos, pela transformação de dadas UTs em outras, com o intuito de atender às peculiaridades profissionais da área a que servem. Obedecer a esses critérios, que estão condicionados à tarefa investigativa, garante a produção das provas que instruem o procedimento policial que será enviado ao Poder Judiciário. No caso do IP, é importante lembrar que o indiciado pode ser chamado de acusado ou de suspeito, porque essas duas UTs antecedem à UT indiciado, que é a última na cadeia hierárquica. Entretanto, o suspeito não pode ser chamado de indiciado até que haja o efetivo indiciamento, que é produzido através das provas que instruem o IP. Por isso, é importante que o especialista entenda a terminologia da qual faz uso para designar a pessoa que comete o crime. Para possibilitar o entendimento dessa terminologia por parte dos policiais que dela fazem uso para a comunicação entre si e com os seus pares, está sendo desenvolvida, pela signatária, tese de doutoramento com o objetivo de delinear a base de um glossário eletrônico de termos jurídico-policiais, que será atrelado aos sistemas de informações policiais. Esse estudo gera uma pequena contribuição para a tarefa de atestar caráter científico à terminologia policial e de reconhecer as UTs empregadas pela Polícia Judiciária como terminologia jurídico-policial. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 264 Costa, M. I. P. – A terminologia empregada aos criminosos e/ou infratores pela polícia civil do Rio Grande do Sul 6. Referências bibliográficas AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Educational Psychology: A Cognitive View. 2 ª.ed. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1978. CABRÉ, M. T. La terminología: representación y comunicación: elementos para una teoria de base comunicativa e otros artículos.Barcelona: IULA, 1999. p. 369. CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p.50-97. CIAPUSCIO, G. E. Textos especializados y terminologia. Barcelona: IULA, 2003. COSTA, M. I. P. Estudo preliminar da terminologia empregada pela Polícia Civil do RS no Boletim de Ocorrência Policial [dissertação]. Porto Alegre: UFRGS, 2009. ECO, U. Conceito de texto. São Paulo: T.A. Queiroz, 1984. p. 4. FILHO, S. C.S. A variação e a relação conceito/termo: uma questão de ponto de vista. Revista Trama, vol.06, no.12, 2010, p. 75-86. Disponível em: <http://erevista.unioeste.br/index.php/trama/issue/view/386/showToc>. Acesso em: 28/05/2012. HAGEN, A. M. M. O trabalho policial: estudo da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. São Paulo: IBCCRIM, 2006. HOFFMANN, L. Llenguatgesd´especialitat. Barcelona: UniversitatPompeuFabra. InstitutUniversitari de Lingüística Aplicada, 1998. MACIEL, A. M. B (Org.). Temas de Terminologia. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001. p. 62-81. Legislação BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. BRASIL. Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 248-264 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br O discurso do rei: tradução e poder Terezinha Rivera Trifanovas * Abstract: The movie The King’s Speech is the object of this study aimed to observe the communicative interactions between the leading characters (the British King George, the VI, and the Australian therapist Lionel Logue) in order to analyze effects of meaning identified around the power relationship in the original screenplay in English as well as in the subtitled translation in Portuguese. To accomplish this objective, the most representative dialogues concerning power relationship were selected and the linguistic materiality was analyzed from a discursive perspective based on the relations of language, subject and history which considers the conditions of production and the effects of meaning. It is important to emphasize that the objective of this article is not to analyze the translation quality but to observe how the effects of meaning are constructed regarding the power relationship from English to Portuguese language. Keywords: discourse; translation; power and knowledge relationship. Resumo: Tomando como objeto de estudo o filme intitulado O discurso do rei, observou-se, particularmente, as interações comunicativas entre os protagonistas (o rei britânico George VI e o terapeuta australiano Lionel Logue), com o intuito de analisar os efeitos de sentido identificados, pelos autores do artigo, em torno das relações de poder presentes no discurso original em língua inglesa e na tradução legendada para a língua portuguesa. Para isso, foram selecionados os diálogos mais representativos das relações de poder entre as referidas personagens e empreendida a análise da materialidade linguística por uma perspectiva discursiva, centrada no estudo das relações entre linguagem, sujeito e história, que considera as condições de produção e os efeitos de sentido. Ressalta-se, porém, não ser a intenção analisar a qualidade da atividade tradutória, mas, sim, observar como se dá a construção de efeitos de sentido relacionados às relações de poder de um idioma para outro. Palavras-chave: discurso; tradução; relações de poder-saber. * Professora do Centro de Linguagem e Comunicação (CLC), Faculdade de Letras, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC – Campinas). Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 266 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder 1. Considerações iniciais Este estudo foi concebido a partir do filme intitulado O discurso do rei 1 que, baseado na história real do rei George VI, retrata os problemas do monarca em expressar-se publicamente. Após a morte de seu pai, o rei George V, e a abdicação escandalosa de seu irmão, o rei Eduardo VIII (príncipe de Gales), Albert George (duque de York), vítima de um problema de fala por toda a sua vida, de repente é coroado rei George VI da Inglaterra. Com a iminência da guerra e o país necessitando desesperadamente de um líder, sua esposa, Elizabeth (duquesa de York), a futura rainha mãe, envia o marido a uma consulta com um excêntrico terapeuta da fala, Lionel Logue, um fracassado ator australiano. Após um começo difícil, os dois embarcam em um tratamento pouco ortodoxo e, eventualmente, formam um vínculo inquebrável. Com o apoio de Logue, de sua família, de seu governo e de Winston Churchill, o rei vai superar sua gagueira e proferir o seu mais importante discurso no rádio às vésperas da Segunda Guerra Mundial. A partir desse enredo, apresenta-se, a seguir, o estudo de caso das trocas comunicativas produzidas entre o rei George VI, o terapeuta da fala Lionel Logue e a Duquesa Elizabeth, observando, particularmente, se as relações de poder-saber são evidenciadas na tradução desses diálogos. Partindo do pressuposto que figuras soberanas e membros de famílias reais produzem, no imaginário coletivo, imagens de poder, de autoridade, de força e de segurança, apresenta-se a hipótese de que o ato tradutório está permeado por esse imaginário coletivo, refletindo sobremaneira na atividade do sujeito tradutor. Em consonância com esta hipótese, o objetivo geral deste 1 The king’s speech. Produção de Iain Canning, Emile Sherman, Gareth Unwin. Roteiro de David Seidler. Direção de Tom Hooper. Protagonistas: Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter e Guy Pearce. The Weinstein Company e UK Film Council. Paris Filmes. 2010. Lançamento, nos EUA, em 24/12/2010 e, no Brasil, em 11/2/2011. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 267 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder artigo foi o de problematizar as relações de poder/saber observadas na legendagem 2 das interações comunicativas dos protagonistas do filme. Apoiaremo-nos nas contribuições teóricas de Foucault, que afirma que as relações de poder estão disseminadas por todo o tecido social (FOUCAULT 1976[1984: 89]) 3, e de Pechêux, que, relativizando a noção de interpretação, problematiza a suposta transparência e evidência do sentido. Ademais, a análise da materialidade linguística, ou seja, do intradiscurso, do fio do dizer, propicia a identificação dos sentidos contidos nos enunciados, não pelo desejo de encontrar sentidos ocultos, mas, ao contrário, para evidenciar possibilidades de sentido delineadas pelas condições de produção, com seus desdobramentos na constituição das subjetividades. Uma das grandes contribuições trazidas por Foucault diz respeito à proposta de não se esgotar a possibilidade de detectar e analisar como e onde as relações de poder são legitimadas. Não se trata apenas de dizer se há ou não poder em uma dada circunstância, nem mesmo de dizer quem detém o poder, mas de, constantemente, identificar e descrever como relações de poder são configuradas e quais as suas consequências na constituição dos sujeitos. Para Foucault, o poder está presente no cotidiano familiar, profissional, acadêmico ou político-social, como ele próprio afirma: Onipresença do poder: não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro. O poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares (FOUCAULT 1976[1984: 89]). Dos diálogos entre o Duque Albert, o terapeuta Lionel e a Duquesa Elizabeth foram selecionados recortes discursivos que constituíram o corpus de pesquisa, para efetuar a análise da materialidade linguística e das 2 O corpus de pesquisa é advindo da legendagem produzida pela Equipe Victorians (tradução, revisão e sincronia), disponibilizada em 25/4/2011. O lançamento nacional do filme, em DVD, ocorreu em 22/06/2011. 3 A primeira data refere-se à publicação original e a segunda refere-se à tradução consultada. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 268 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder condições de produção, as quais, quando agrupadas, constroem efeitos de sentido e, assim, foram observadas as configurações de relações de poder/saber pelo viés do discurso. No que diz respeito à análise da materialidade linguística, foram focalizadas as estratégias argumentativas de natureza verbal. Abordou-se, por exemplo, a modalização no discurso dos protagonistas do referido filme, a fim de analisar as ocorrências enunciativas que legitimam as relações de poder de um sobre o outro. No que tange à perspectiva discursiva a partir das condições de produção, CORACINI (1991: 339) aponta que há duas possibilidades de abordagens metodológicas: 1) análise de texto ou linguística textual, que parte do texto para recuperar vestígios extralinguísticos da situação de enunciação; 2) análise de discurso que parte de uma representação das condições de produção do discurso (que nunca podem ser realmente restabelecidas), sem excluir a situação de enunciação. Neste estudo decidiuse pela segunda orientação metodológica, a discursiva, a fim de compreender a complexidade das condições de produção que possibilitam a realização linguística. Coracini (1991) sugere que: […] a metodologia de Análise de Discurso que privilegia as condições de produção como norteadoras de sua análise, na medida em que não fecha a questão, pré-determinando (sic) formas linguísticas capazes de veicular subjetividade ou objetividade, denotação ou conotação, está mais apta a assimilar uma visão pós-modernista de ciência que apesar de reconhecer “o peso das instituições que impõe limites aos jogos de linguagem e assim restringem a inventividade dos parceiros em matéria de lance” (LYOTARD 1988: 31), entende que é possível romper com as regras pré-estabelecidas (sic) “se os limites da antiga instituição forem ultrapassados (op. cit. 32)” (CORACINI 1991: 351). Objetivando delinear mais amiúde a perspectiva discursiva adotada nestas análises, apresenta-se, a seguir, uma breve compilação acerca de algumas noções fundadoras concebidas pelos estudos do discurso e pelos estudos da tradução em uma perspectiva desconstrutivista. Alguns conceitos TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 269 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder norteadores da Análise de Discurso dizem respeito à análise da configuração discursiva, introduzindo noções de polissemia e de efeitos de sentido. Etimologicamente, a palavra discurso tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr para diversas partes, de pôr em movimento, de tomar várias direções. “O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem. Com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI 2001: 15). Entende-se, pois, o discurso a partir do funcionamento dos efeitos de sentido entre locutores e outros discursos (interdiscurso) e da configuração das condições de produção; todos esses elementos contribuem para se pensar a equivocidade e a opacidade constitutiva da linguagem. Diante do fato do discurso ser interpenetrado por outros discursos é que se pode considerar a heterogeneidade discursiva constitutiva (AUTHIER-REVUZ 1998), ou interdiscurso, como inerentemente dialógica. A heterogeneidade discursiva consiste de fragmentos de múltiplos discursos com aparições esporádicas em determinados pontos de emergência; é também a manifestação da memória discursiva, ou seja, inúmeras vozes anteriores e exteriores entrelaçadas em uma rede de sentidos, quase apagando suas origens. Se o interdiscurso é esse entrelaçamento de discursos disseminados que aparecem explícita ou implicitamente na superfície discursiva – heterogeneidade discursiva mostrada (AUTHIER-REVUZ 1998) –, o intradiscurso é a materialidade linguística, é o fio discursivo que se materializa, constituindo o próprio texto. Nas teorias de discurso, é essencial observar as condições de produção do discurso, isto é, toda a circunstancialidade sociopolítico-histórica ao redor do ato enunciativo. Essa contextualização está consideravelmente atrelada às formações discursivas propostas por FOUCAULT (1969 [2005: 130]), entendidas como sendo o discurso em formação, sempre em mobilidade, instável, mapeando em um dado momento histórico-social as possibilidades de expressão. CORACINI (2007: 9) afirma que “essa rede conforma e é conformada por valores, crenças, ideologias, culturas que permitem aos sujeitos ver o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 270 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder mundo de uma determinada maneira e não de outra, que lhes permitem ser, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes.” 2. Contextualização do enredo Em O Discurso do Rei, as amarguras emocionais do futuro rei George VI (Albert George, duque de York) ganham destaque, em toda a Inglaterra, a partir de sua dificuldade de se expressar, principalmente em pronunciamentos públicos, devido à sua gagueira. Solidária ao marido, e após tentativas fracassadas com vários médicos renomados, a duquesa de York (futura rainhamãe do trono britânico) busca a ajuda do terapeuta da fala Lionel Logue, detentor de um método inusitado nas primeiras décadas do século XX. O método de Lionel advém de sua fracassada carreira teatral, de sua paixão pelo teatro de Shakespeare e de sua experiência tratando soldados traumatizados, após o fim da primeira guerra mundial. Lionel desenvolverá uma relação de amizade com Albert George, segundo nome na lista de sucessão ao trono britânico. Durante as sessões em que são trabalhados o relaxamento muscular e o controle respiratório, a gagueira do príncipe Albert traz muito mais do que uma mera dificuldade de fala. Há todo o lado psicológico, e até mesmo social, por trás dela, desde o modo de criação na infância, considerado corriqueiro para a educação formal entre os nobres da época – a severidade do pai, a repressão por ser canhoto, o doloroso tratamento de seu joelho, a crueldade de uma babá que preferia seu irmão mais velho e a morte de seu irmão mais novo, príncipe John –, até o peso carregado pela posição que ocupa. Ademais, George conhece bem os deveres e o ônus do ofício de ser rei e não se considera apto para a função em virtude de sua gagueira. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 271 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder Muito mais do que propor exercícios vocais, Lionel atua como psicólogo do monarca, mesmo enfrentando uma pesada barreira de desconfiança e de diferença de classes. Embora Albert George seja complacente para com o cidadão comum, ele reforça a diferença social e hierárquica entre nobres e plebeus. Prova disso é a atitude elitista de Albert em resistir à proposta de Lionel de ambos se tratarem como iguais. Lionel, por sua vez, insistia em chamar o monarca pelo apelido de Bertie, de uso exclusivo dos familiares e amigos íntimos. Assim, há o contraste entre o temperamento explosivo do membro da realeza e a ousadia de um homem comum, bem como a cumplicidade que alicerça uma amizade construída pela distância e, ao mesmo tempo, pela aproximação, ou seja, o paradoxo de dois homens: um falante competente da língua que não obteve sucesso profissional (o ator fracassado) e um falante deficitário da língua que possuía tudo para obter sucesso histórico (o monarca em fracasso). Articulando tal discussão ao objetivo geral do artigo de problematizar as relações de poder/saber produzidas durante as interações comunicativas entre os protagonistas do filme, decidiu-se, inicialmente, apresentar a transcrição completa de uma cena do filme (corpus de pesquisa) e, em seguida, selecionar algumas falas e contrastá-las com a tradução legendada, produzindo, assim, recortes discursivos (RD) para análise da materialidade linguística. Com isso, foi possível alcançar os objetivos específicos pretendidos, quais eram: a) discutir a escolha lexical da tradução em português do Brasil; b) observar a legitimação de poder por meio da tradução; c) refletir sobre a construção, em uma perspectiva discursiva, de efeitos de sentido presentes na tradução. 3. Dispositivo analítico A cena, a seguir, retrata o momento em que a Duquesa de York vai ao consultório do terapeuta da fala, Sr. Lionel Logue, a fim de conhecê-lo e, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 272 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder possivelmente, convencer o marido, Duque de York, a iniciar um tratamento para a gagueira dele. De antemão, ambos tentam estabelecer as bases para o relacionamento interpessoal. Ela, lentamente, revelando sua superior posição social e, ele, rapidamente, demandando igualdade de tratamento. A assimetria das posições desses sujeitos ocasiona atrito e ruído nas relações de poder. DIÁLOGO 1: Vídeo (tempo 0:09:04 – 0:12:16) Roteiro (páginas 7 - 10) ELIZABETH LIONEL LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH Hello. Is anyone there? I’m just in the loo. “Poor and content is rich and rich enough” I beg your pardon? Shakespeare. I’m sorry, there’s no receptionist. I like to keep things simple. How are you Mrs. Johnson? I’m afraid you’re late. I’m afraid I am. Where’s Mr. Johnson? He doesn’t know I’m here. That’s not a promising start. My husband has seen everyone to no avail. He’s given up hope. He hasn’t seen me. You’re awfully sure of yourself. I’m sure of anyone who wants to be cured. Naturally he wishes to be cured. My husband is required to speak publicly. Perhaps he should change jobs. He can’t. Indentured servitude? Something of that nature. Well have your hubby pop by...Tuesday would be good...to give his personal history and I’ll make a frank appraisal. I do not have a “hubby”. We don’t ‘pop’. We never talk about our private lives. You must come to us. Sorry, Mrs. Johnson, my game, my turf, my rules. And what if my husband were the Duke of York? TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 273 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH LIONEL ELIZABETH ELIZABETH The Duke of York? Yes the Duke of York. I thought the appointment was for “Johnson”? Forgive me, your Royal...? Highness. Your Royal Highness. Johnson was used during the Great War when the Navy didn’t want the enemy to know ‘he’ was aboard. We are operating under the strictest of confidences. Of course. I’m considered the enemy? You will be if you remain unobliging. How did you find me? The President of the Speech Therapists Society. Eileen McCleod? She’s a sport. Dr. McCleod warned me your antipodean methods were “unorthodox and controversial”. I warned her...they were not my favorite words. I succeed. So she says. I can cure your husband. But for my method to work there must be trust and total equality in the safety of my consultation room. No exceptions. Well then, in that case... When can you start? Vejamos, a seguir, como as falas selecionadas em negrito foram traduzidas, a fim de observarmos a produção de efeitos de sentido. RD 1 ELIZABETH LIONEL My husband is required to speak publicly Meu esposo é... Ele precisa falar em público. Indenturedservitude Contrato a prazo fixo? Primeiramente, observamos a utilização de reticências e a repetição do sujeito oracional (Meu esposo é... Ele), que aponta para a possibilidade de o tradutor ter a intenção de marcar o trabalho de interpretação cênica do ator, considerando que tal repetição não consta do roteiro. Em seguida, a escolha pelo verbo “precisar”, no presente simples, em lugar da voz passiva da TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 274 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder locução verbal em inglês (is required), aponta para uma modalização do discurso, considerando que as possibilidades em português – ser exigido, ser demandado, ser obrigado –, poderiam soar negativamente na tradução da fala de uma personagem de origem nobre. Neste sentido, o tradutor encontra maior desafio com o vocábulo indentured, pois, na tentativa de manter a modalização do discurso da personagem nobre, optou por “contrato a prazo fixo”, quebrando, assim, o paradoxo do vocábulo que denota serviço quase escravo. A partir dessa escolha vocabular, emerge efeitos de sentido de que, durante o ato tradutório, há a preocupação com uma propriedade lexical em detrimento do paradoxo possivelmente desejado pelo roteirista. Ou seja, um diálogo velado entre personagens: uma duquesa da família real britânica que, ao tentar dissimular sua identidade e a do esposo, se vê presa em um jogo de perguntas nada familiar e, de outro lado, um plebeu se apossando de frestas discursivas, detectadas por seu raciocínio rápido e viabilizadas por sua destreza lexical. RD 2 ELIZABETH You will be if you remain unobliging. Será, se prevalecer a imprudência. Enfatizando que neste estudo não se objetivou verificar a qualidade da tradução, mas, sim, refletir sobre a possibilidade de relações de poder advindas da temática do filme – o poder do soberano e a autoridade médica –, influenciar o ato tradutório. Assim, não parece adequado pensar que, em RD 2, a tradução para os verbos remain e unoblige seja resultado de descuido ou inexperiência. Pensamos que a escolha (prevalecer a imprudência) remete ao próprio momento da enunciação, que parece revelar o lugar instável do sujeito tradutor capturado na trama do enredo, considerando que remain unobliging aponta para uma possível ameaça da interlocutora, dirigida ao seu interlocutor, levando-se em consideração que a escolha tradutória por TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 275 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder “imprudência” se mostra mais categórica do que a possibilidade tradutória por “continuar desobrigado”. Com isso, o sujeito tradutor tenta assegurar a autoridade da personagem nobre sobre a do plebeu, ao demandar respeito aos desígnios de um soberano. RD 3 ELIZABETH Dr. McCleod warned me your antipodean methods were “unorthodox and controversial”. Ela me advertiu que seus métodos eram “heterodoxos e controversos”. A priori, há pouca dificuldade em encontrar tradução para a palavra antipodean (antípoda), contudo, a omissão deste vocábulo produz o efeito de que a inclusão de mais uma palavra requintada (em conjunto com heterodoxo e controverso) seria, talvez, para o sujeito tradutor, um excesso desnecessário para definir os métodos do terapeuta plebeu. Tal possibilidade reforça a análise apresentada, em RD 2, acerca do lugar instável do tradutor que se reverencia diante da personagem nobre, por meio de sua escolha lexical, ou seja, o tradutor faz escolhas lexicais a partir da posição social da personagem, subvertendo o roteiro em subserviência à personagem soberana. Dando prosseguimento, a próxima cena se desenrola em torno do primeiro encontro entre o terapeuta e o príncipe, que fora persuadido por sua esposa a ir ao consultório do inusitado especialista. Vemos, neste encontro, a exposição das personalidades de ambos: um príncipe ansioso, impaciente e inseguro e um terapeuta firme, paciente e seguro. DIÁLOGO 2 19 – 25) Vídeo (tempo 20:23 – 28:48) Roteiro LIONEL LIONEL I was told not to sit too close. I was also told, speaking with a Royal, one waits for the Royal to choose the topic. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br (páginas 276 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL Waiting for me to commence a conversation one can wait a rather long wait. Know any jokes? Timing isn’t my strong suit. Cuppa tea? No thank you. I think I’ll have one. Turns on the hot plate. Aren’t you going to start treating me Dr. Logue? Only if you’re interested in being treated. Please, call me Lionel. I prefer Doctor. I prefer Lionel. What’ll I call you? Your Royal Highness, then Sir after that. A bit formal for here. What about your name? Prince Albert Frederick Arthur George? How about Bertie? Only my family uses that. Perfect. In here, it’s better if we’re equals. If we were equals I wouldn’t be here. I’d be at home with my wife and no-one would give a damn. Don’t do that. I’m sorry? Sucking smoke into your lungs will kill you. My physicians say it relaxes the throat. They’re idiots. They’ve all been knighted. Makes it official then. My ‘castle’, my rules. What was your earliest memory? What an earth do you mean? First recollection. I’m not here to discuss personal matters. Why’re you here then? Because I bloody well stammer! You have a bit of temper. One of my many faults. When did the defect start? I’ve always been this way! I doubt that. Don’t tell me! It’s my defect! It’s my field. I assure you, no infant starts to speak with a stammer. When did it start? TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 277 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE BERTIE LIONEL LIONEL Four or five. That’s typical. So I’ve been told. I can’t remember not doing it. That I believe. Do you hesitate when you think? Don’t be ridiculous. One of my many faults. How about when you talk to yourself? Everyone natters occasionally, Bertie. Stop calling me that! I’m not going to call you anything else. Then we shan’t speak! Are you charging for this, Doctor? A fortune. So, Bertie...when you talk to yourself, do you stammer? Of course not! Thus proving your impediment isn’t a permanent part of you. What do you think was the cause? I don’t know! I don’t care! I stammer. And no one can fix it. Bet you, Bertie, you can read flawlessly, right here, right now. And if I win, I get to ask questions. And if I win? You don’t have to answer. One usually wagers money. A bob each to sweeten it? See your shilling. I don’t carry cash. I had a funny feeling you mightn’t. Stake you. Pay me back next time. If there is a next time. I haven’t agreed to take you on. I can’t possibly read this. Then you owe me a shilling for not trying. “To be or not to be, That is the question. Whether it is wiser...” There! I can’t read! I haven’t finished yet. I’m going to record your voice and then play it back to you on the same machine. This is brilliant. It’s the latest thing from America: a Silvertone. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 278 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL There’s a bob in this, mate. You can go home rich! You’re playing music. I know. How can I hear what I’m saying?! Surely a Prince’s brain knows what its mouth is doing? You’re not well acquainted with Royal Princes, are you? Hopeless. Hopeless! You were sublime. Would I lie to a prince of the realm to win twelve pence? I’ve no idea what an Australian might do for that sort of money. Shall I play it? No. If you prefer, we’ll just get on to the questions. Thank you Doctor, I don’t feel this is for me. Sir? The recording is free. Please keep it as a souvenir? Vejamos, a seguir, como as falas selecionadas em negrito foram traduzidas, a fim de observarmos a produção de efeitos de sentido. RD 4 LIONEL BERTIE Perfect. In here, it’s better if we were equals. Perfeito. Aqui, é melhor se estivermos entre iguais. If we were equals I wouldn’t be here. Se fôssemos iguais, eu não estaria aqui. Neste RD4, a tradução da expressão IF we were equals mostra a falta de paralelismo verbal para o mesmo enunciado, com a utilização do verbo estar (estivermos) e do verbo ser (fôssemos). No caso da conjugação “estivermos”, na primeira pessoa do plural no futuro simples do subjuntivo (que expressa um fato que poderá acontecer no futuro em relação ao momento atual; uma possibilidade ou um desejo) faz emergir a possível preocupação do sujeito tradutor em tratar a fala do terapeuta como incerteza presente, em uma tentativa de apagar a arrogância da personagem, ou mesmo de retirar o que ele demanda durante todo o enredo, ou seja, igualdade. Isso, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 279 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder talvez, encontre justificativa na noção construída no imaginário coletivo de que um soberano não recebe exigências de um homem comum. Já a conjugação “fôssemos”, na primeira pessoa do plural no pretérito imperfeito do subjuntivo (que indica uma condição contrafatual, ou seja, que não se verifica na realidade, que teria certa consequência, podendo se referir ao passado, ao presente ou ao futuro) revela que a fala da personagem do duque é tratada como hipotética, ou mesmo irreal, ou seja, eles nunca seriam ou serão iguais. Assim, o sujeito tradutor faz emergir o desejo de fortalecer ou asseverar a posição do nobre que tem sua posição de soberano desafiada, ou mesmo desacreditada, por um plebeu. Diante isso, o sujeito, na posição de tradutor, constitui-se pela linguagem como sujeito pós-moderno, clivado e cindido, durante a tarefa de tradução. RD 5 BERTIE I’d be at home with my wife and no-one would give a damn. Eu estaria em casa com minha esposa e ninguém se importaria. Quanto à escolha tradutória da expressão give a damn traduzida por “importaria”, reforça o raciocínio exposto em RD 4. Se um homem comum não pode demandar nada de um nobre, tampouco é apropriado que um príncipe, cujo pai é o representante maior da igreja anglicana, use uma expressão que remete a uma blasfêmia religiosa (maldição, danação). Em uma palavra, o sujeito, na função de tradutor, exclui um plebeu do jogo simétrico de relações de poder e impede que uma palavra mundana seja proferida por um nobre. RD 6 LIONEL You have a bit of temper. Você é nervoso? TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 280 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder Acentuando, ainda mais, a resistência do tradutor aos artifícios da personagem eloquente do terapeuta, vemos a afirmação you have a bit of a temper ser traduzido na forma de uma pergunta “você é nervoso?”, reforçando as duas análises anteriores de que o especialista deve ser submisso diante de um príncipe, fazendo perguntas pertinentes à área médica e não lançando afirmações desconcertantes sobre a personalidade do monarca. No próximo diálogo, uma sessão iniciada no consultório e terminada em um parque,o príncipe George relata a Lionel Logue uma discussão que teve com seu irmão David, recém-coroado Rei Eduardo VIII, lamentando sua incapacidade de revidar verbalmente às provocações do irmão. O príncipe discorre também sobre a situação amorosa do Rei que planeja casar-se com a americana Wallis Simpson (futura Duquesa de Windsor), à época duplamente divorciada, o que comprometeria sua permanência no trono e, possivelmente, resultaria na coroação do príncipe George, sucessor direto ao trono britânico. DIÁLOGO 3 Vídeo (tempo 1:02:34 – 1:04:23) (páginas 56 – 58) LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE Roteiro What’s wrong? What’s got you so upset? Logue, you have no idea My brother is infatuated with a woman who’s been married twice - and she’s American. Some of them must be loveable. She’s asking for a divorce and David is determined to marry her. Mrs. Wallis Simpson of Baltimore. That’s not right. Queen Wallis of Baltimore? Unthinkable. Can he do that? Absolutely not. But he’s going to anyway. All hell’s broken loose. Can’t they carry on privately? If only they would. Where does that leave you? I know my place! I’ll do anything within my power to keep my brother on the throne. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 281 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE Is that serious? Your place might well be on the throne. I am not an alternative to my brother. You can outshine David... Don’t take liberties! That’s bordering on treason. I’m just saying you could be King. You could do it! That is treason! I’m trying to get you to realize you need not be governed by fear. I’ve had enough of this! What’re you afraid of? Your poisonous words! Why’d you show up then? To take polite elocution lessons so you can chit-chat at posh tea parties? Don’t instruct me on my duties! I’m the brother of a King...the son of a King... we have a history that goes back untold centuries. You’re the disappointing son of a Brewer! A jumped-up jackeroo from the outback! You’re nobody. These sessions are over! Vejamos, a seguir, como as falas selecionadas em negrito foram traduzidas, a fim de observarmos a produção de efeitos de sentido. RD 7 LIONEL Where does that leave you? E qual é o seu papel em tudo isso? Observa-se que a escolha que o sujeito tradutor encontrou para traduzir uma sentença relativamente simples (where does that leave you?) aponta para a possibilidade de o tradutor ser fisgado pela trama do enredo que ele interpreta e traduz ao mesmo tempo. O tradutor, simultaneamente, se coloca nas posições de leitor ativo que interpreta, de tradutor que escreve e de expectador que legenda as falas. Assim, este sujeito cindido e fragmentado, talvez, perceba na trama um desejo inconsciente da personagem do terapeuta e o materializa ao traduzir Where does that leave TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 282 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder you? por “E qual é o seu papel em tudo isso?”, em que o verbo estático leave, que denota passividade, é substituído pelo verbo de ação “ser”. Com tal escolha, há a possibilidade do sujeito tradutor vislumbrar que a personagem do terapeuta sabe que seu interlocutor, o duque de York, concebe uma ideia que não consegue admitir, a de querer ser rei e, mais ainda, a de que esteja tendo um papel determinante nas discussões para que isso realmente ocorra. Mas, não só o sujeito tradutor percebe o desejo contido da personagem do soberano, mas também o do terapeuta, que percebe o que o príncipe, conscientemente, é incapaz de dizer, ou seja, admitir sua participação velada na possível renúncia de seu irmão. RD 8 LIONEL I’m just saying you could be King. You could do it! Só estou dizendo que pode ser rei. Você consegue. Da mesma forma que em RD 7, a tradução da fala, quase conseguinte, dos modais could por “pode”, em lugar de “poderia”, e, logo após, could por “consegue”, e não por “poderia”, remete a efeitos de sentido de que, ao retirar a condição subjuntiva, o tradutor faz emergir, no discurso, seu inconsciente, por meio de uma falha gramatical; não por não saber diferenciar um modal de outro, mas por já estar constituído pelo discurso que emerge no dizer das personagens. Em síntese, o terapeuta percebe o que o príncipe concebe secretamente e o tradutor percebe este desejo no interstício das falas que traduz. Este raciocínio tem respaldo na reação feroz do príncipe diante da insinuação do terapeuta de que o trono seja o lugar legítimo de seu paciente. Diante de tal invasão à sua pessoalidade, o príncipe humilha impiedosamente Lionel, não o terapeuta, mas o amigo que já se configurava como tal por já ter sido merecedor de confidências pessoais de sua família real. Após esta discussão, o tratamento e a amizade são interrompidos por algum tempo. Lionel tenta pedir desculpas pelo seu atrevimento, mas George TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 283 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder não o recebe. Após a abdicação de seu irmão, Eduardo VIII, o príncipe se reconcilia com o terapeuta. O diálogo, a seguir, se passa na Abadia de Westminster, durante os preparativos para a coroação do príncipe como o Rei George VI. Contudo, nesta cena, apresenta-se mais um conflito entre ambos, pois o monarca confronta Lionel pela falta de diploma médico, conforme informações recebidas do Arcebispo de Canterbury, Cosmo Lang. O futuro rei, novamente, discute com Lionel. DIÁLOGO 4 Vídeo (tempo 1:24:05 – 1:28:32) (páginas 71 – 74) LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL Roteiro I can’t believe I’m walking on Chaucer and Handel and Dickens. Everything all right? Let’s get cracking. I’m not here to rehearse, Doctor Logue. True, you never called yourself ‘Doctor’. I did that for you. No diploma, no training, no qualifications. Just a great deal of nerve. Ah, the star chamber inquisition, is it? You asked for trust and total equality. Bertie, I heard you at Wembley, I was there. I heard you. My son Laurie said “Do you think you could help that poor man?” I replied “If I had the chance”. What, as a failed actor!? It’s true, I’m not a doctor, and yes I acted a bit, recited in pubs and taught elocution in schools. When the Great War came, our boys were pouring back from the front, shell-shocked and unable to speak and somebody said, “Lionel, you’re very good at all this speech stuff. Do you think you could possibly help these poor buggers”. I did muscle therapy, exercise, relaxation, but I knew I had to go deeper. Those poor young blokes had cried out in fear, and no-one was listening to them. My job was to give them faith in their voice and let them know that a friend was listening. That must ring a few bells with you, Bertie. You give a very noble account of yourself. Make inquiries. It’s all true. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 284 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL BERTIE LIONEL Inquiries have been made! You have no idea who I have breathing down my neck. I vouched for you and you have no credentials. But lots of success! I can’t show you a certificate - there was no training then. All I know I know by experience, and that war was some experience. My plaque says, ‘L. Logue, Speech Defects’. No Dr., no letters after my name. Lock me in the Tower. I would if I could! On what charge? Fraud! With war looming, you’ve saddle this nation with a voiceless King. Destroyed the happiness of my family... all for the sake of ensnaring a star patient you knew you couldn’t possibly assist! It’ll be like mad King George the Third, there’ll be Mad King George the Stammerer, who let his people down so badly in their hour of need! What’re you doing? Get up! You can’t sit there! Why not? It’s a chair. No, it’s not, that is Saint Edward’s Chair! People have carved their initials into it! That chair is the seat on which every King and Queen It’s held in place by a large rock! That is the Stone of Scone, you are trivialising everything I don’t care. I don’t care how many Royal arses have sat in this chair Listen to me... ! Listen to you?! By what right? Divine right, if you must! I’m your King!!! Noooo you’re not! Told me so yourself. Said you didn’t want it. So why should I waste my time listening to you? Because I have a right to be heard! Heard as what?! A man! I HAVE A VOICE!!! Yes you do. You have such perseverance, Bertie, you’re the bravest man I know. And you’ll make a bloody good king. Vejamos, a seguir, como as falas selecionadas em negrito foram traduzidas, a fim de observarmos a produção de efeitos de sentido. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 285 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder RD 9 BERTIE You have no idea who I have breathing down my neck. I vouched for you and you have no credentials. Você não tem ideia da pressão que suporto. Dei-lhe o meu aval e você não tem credenciais. Considerando que a expressão idiomática breathing down my neck significa pressão exercida, por um superior, sobre alguém inferior, a escolha tradutória não permite efeitos de sentido similares. Coadunando com as análises anteriores, este recorte reafirma o raciocínio de que o sujeito tradutor resiste em posicionar o soberano inferiormente. Assim, prefere uma tradução mais condizente (Você não tem ideia da pressão que suporto) com a posição de poder e de autoridade da personagem, capaz de suportar pressão advinda da grande responsabilidade que carrega. Da mesma maneira, ao preferir traduzir I vouched for you por “Dei-lhe o meu aval”, o sujeito tradutor parece contrariar sua empreitada de assegurar a posição de poder do soberano – mesmo em se tratando de um monarca infantilizado e inseguro –, pois “dar aval” remete a um ato corriqueiro, do cotidiano de homens comuns e não de homens nobres. Já voucher for you pressupõe a necessidade de um estar em posição superior a de um outro, neste caso, o soberano, em condições de proteger o homem comum, lançando mão de sua posição de poder. Esta escolha tradutória sugere um possível deslize de sentido do tradutor, cuja posição sujeito já se encontra multifacetada pelas condições de produção em relação ao enredo, à tradução, aos personagens e à atuação dos atores. Neste enunciado, George se apresenta consciente de seu poder, declarando que Lionel estava sob sua proteção. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 286 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder RD 10 BERTIE With war looming, you’ve saddle this nation with a voiceless King. Com guerra iminente, você selou esta nação sem a voz do rei. Contudo, logo a seguir, o sujeito tradutor retoma a tentativa de colocar a personagem do príncipe em posição de superioridade, responsabilizando o terapeuta por agir sem a autorização do rei (sem a voz do rei), o que contradiz a fala original do monarca que se reconhece inferior por não ter voz (a voiceless king). Assim, o sujeito tradutor tenta novamente amenizar a figura de um monarca sem poder e sem autoridade. RD 11 LIONEL I don’t care. I don’t care how many Royal arses have sat in this chair. Não me importa quantos traseiros reais sentaram-se aqui. Por fim, ao traduzir a palavra arses por “traseiros” observa-se o conceito doublebinding, da teoria de Derrida, que reflete o dilema do tradutor em escolher por duas possibilidades cujos sentidos são distintos ou, por vezes, contraditórios, por exemplo, pharmacón pode ser traduzido por remédio ou por veneno. Neste recorte, o sujeito tradutor parece incapaz de conceber que qualquer referência a ilustres soberanos possa estar aliada ao adjetivo “jumentos” e, por isso, prefere o substantivo “traseiros”. Ressaltamos que tanto as palavras ass, asses, arse ou arses podem ser traduzidas como “traseiro(s)”, “asno(s)” ou “jumento(s)”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 287 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder 4. Conclusão A partir do dispositivo analítico, pudemos confirmar nossa hipótese, observando que o sujeito tradutor faz emergir, esporadicamente, em seu discurso, nuances do imaginário coletivo. Vimos, também, os desafios da tradução no que se refere às escolhas lexicais. Considerando a “imperfeição” das línguas, haverá sempre a falta de algo que será encontrado em outra língua, pois mesmo diferentes, as línguas se misturam umas as outras. Contudo, a junção de todas as línguas é impossível e a completude definitiva nunca será possível – mito da Torre de Babel: a língua pura. Freud, ao longo de sua obra, ensina que quando se consegue interpretar algo que veio à tona é tradução e não interpretação. Finalizamos, ressaltando que não objetivávamos uma verificação da qualidade da tradução e, sim, a reflexão de como o embate das relações de poder ocorreriam durante o ato tradutório. Há que se pensar que o texto está sempre à espera do tradutor, pois o ato tradutório faz emergir aspectos do texto que ficaram imperceptíveis na língua de origem; só a tradução traz o acontecimento linguístico que não se reduz a simples transmissão de um texto de uma língua para a outra. 5. Referências bibliográficas AUTHIER-REVUZ, J. Palavras Incertas: As Não–Coincidências do Dizer. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998. CORACINI, M.J.R.F. Análise de Discurso: em Busca de uma Metodologia. D.E.L.T.A. São Paulo, Associação Brasileira de Lingüística, 1991. vol. 7, n. 1, p. 333-355. CORACINI, M.J.R.F. A Celebração do Outro: Arquivo. Memória e Identidade: Línguas (Materna e Estrangeira), Plurilingüismo e Tradução. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 288 Trifanovas, T. R. – O discurso do rei: tradução e poder FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. 7ª ed, 1ª reimpressão.Tradução de Luiz F. B. Neves. Rio de Janeiro, RJ: Editora Forense Universitária, 2005 [1969]. FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 5ª ed. Rio de Janeiro, RJ:Edições Graal, 1984 [1976]. ORLANDI, E.P. Análise de Discurso – Princípios e Procedimentos. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2001. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 265-288 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Video game localization: the case of Brazil Ricardo Vinicius Ferraz de Souza* Abstract: When the first video games appeared back in the 1950's, they presented themselves as a technology with great potential and a bright future. What not many people expected is that, nearly half a century later, video games would become a multibillion dollar industry, rivaling other important industries of the entertainment world such as the film and the music industries in terms of revenue and popularity. With the growing expansion of the sector, combined with the necessity of making their games global, many developers and publishers are increasingly investing in translation and localization. This paper gives an overview on the relation between video games and translation at different stages of the development and evolution of the industry. It also addresses, through the analyses of a number of games, the different stages of video game localization in Brazil, with its particularities and idiosyncrasies. The analysis is based on the concept of “gameplay experience” by Mangiron and O’Hagan, in addition to making use of other principles presented by Bernal Merino, Scholand and Dietz. It also focuses on the historical development of video games in Brazil and the way translation is utilized and displayed on the screen from the perspective of a video game player. Keywords: Video Games; translation; localization; video game localization in Brazil. Resumo: Quando os primeiros videogames apareceram na década de 1950, eles se apresentaram como uma tecnologia de grande potencial e com um futuro promissor. O que muitos não esperavam é que, cerca de meio século depois, o videogame se tornaria uma indústria multibilionária, rivalizando com outras indústrias importantes do mundo do entretenimento em termos de faturamento e popularidade, tais como as indústrias do cinema e da música. Com a crescente expansão do setor, aliada à necessidade de internacionalizar seus jogos, muitas desenvolvedoras e editoras estão * Master’s degree student in Translation Studies at the University of São Paulo (USP), Brazil. Email: [email protected]. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br investindo cada vez mais em tradução e localização. Este artigo visou traçar um panorama acerca da relação entre videogames e tradução ao longo dos diferentes estágios de desenvolvimento e evolução da indústria e também abordou, por meio da análise de alguns jogos, os diferentes estágios da localização de jogos no Brasil, com todas as suas particularidades e idiossincrasias. A análise se baseou no conceito de “experiência de jogabilidade” de Mangiron e O’Hagan, além de fazer uso de outros princípios apresentados por Bernal Merino, Scholand e Dietz; também focou o desenvolvimento histórico dos videogames no Brasil e a maneira como a tradução é utilizada e exibida na tela sob o ponto de vista de um jogador de videogames. Palavras-chave: Videogames; tradução; localização; localização de jogos no Brasil. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 291 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil 1. Introduction "After the end of World War II, the world was split into two - East and West. This marked the beginning of the era called the Cold War." The sentence above, taken from the game Metal Gear Solid 3: Snake Eater (Konami, 2004), accurately portrays the international context of most of the second half of the twentieth century. After the end of the Second World War in 1945, the world witnessed the rise of two superpowers which would exert a huge influence in the postwar world: the United States and the Soviet Union. Due to their enormous political, economic, and especially military power, they divided the world into two political systems (capitalism and communism) and split it into zones of influence, often giving other countries little choice but to align themselves to one of the superpowers. On account of the existing antagonism between capitalism and communism, the relations between both blocs were usually conflictive, but always treated with extreme caution. In fact, the Cold War was marked by a constant state of fear, as a result of the mutual concern that a single "misstep" could lead to a nuclear war between the USA and the USSR, which, in practical terms, could mean the total annihilation of the world. For this reason, most of their clashes were waged in the political and strategic spheres: while attempting to attract more countries to their sphere of influence, the USA and the USSR were conducting research so as to develop new technologies that could help them not only to enhance their weapons (giving them a bigger and more devastating firepower), but also to enable them to predict or anticipate the opponent's possible next moves, providing them time to outline the best strategy for a more effective response. And it was precisely this technology which eventually gave birth to an industry that would forever change the entertainment world: video games. In 1958, during the preparations for the annual visitor's day at Brookhaven National Laboratory, the American scientist TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br William A. 292 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Higinbotham was thinking of alternatives of how to make the visits to Brookhaven more pleasant for the public. After thoroughly examining the instruction manual for one of the analog computers, he realized that the very same technology used to calculate and simulate the trajectory of missiles or bullets could also be utilized to create some sort of interactive game, capable of entertaining the public during the visit (LAMBERT 2008; NOWAK 2008). With the help of the engineer Robert Dvorak, Higinbotham managed to project on the oscilloscope an interactive experience which simulated a tennis game with a lateral perspective, and which allowed players to control the movement of the ball through two control boxes connected to the analog computer (LAMBERT 2008; NOWAK 2008). On October 18, Higinbotham introduced the public to Tennis For Two, which is considered by many as the first video game in history2 (LAMBERT 2008; NOWAK 2008). Four years later, in 1962, Steve Russell and his staff at the Massachusetts Institute of Technology presented Spacewar!, a game which simulated a battle between two spaceships while traveling in outer space. Unlike Tennis For Two, Spacewar! was far beyond a mere pastime for visitors to a laboratory. Actually, Spacewar! was a revolutionary game inasmuch as, in addition to demonstrating the potential of the video game technology (BERNAL MERINO 2006), it would introduce and establish some of the canons which can still be observed in modern video gaming (BARTON & LOGUIDICE 2009b). Nonetheless, video games would have to wait for a decade to leave the laboratories and reach the masses. Pong (ATARI 1972) is commonly seen as the first game to be directed to a broader audience. The game had a concept which combined simplicity and fun, and its commands were easy to learn, which meant that everyone was able to play it without major complications. Thus, with a formula intended to make the player's task as easy as possible, Pong soon 2 The question regarding which is the first video game in history is quite controversial. Notwithstanding, although there are claims that other games came before Tennis For Two, it is commonly believed that "Higinbotham's design was the first to feature moving graphics, or video, and incorporate what would become the three essentials of a video game: a computer connected to a graphical display and handheld controller" (NOWAK 2008). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 293 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil became a resounding success, which is why the game is usually considered to be that which turned video games from a laboratory experience into a promising industry (DISCOVERY CHANNEL 2007). In the following years, although Pong's formula was exhaustively copied, some developers were working on new ideas which could help them perfect it. In this regard, games like Space Invaders (TAITO 1978), Pac-Man (NAMCO 1980), and Donkey Kong (NINTENDO 1981) were of fundamental importance, not only to help to place Japan at the forefront of the video game industry (along with the United States), but especially to move away from the prevailing paradigm at the time and introduce innovative ideas. By introducing charismatic characters, more interesting narrative elements, and more compelling soundtracks and effects, these games planted the seeds that would contribute decisively to shaping video games as we know them today. The result of this process can be better observed in Super Mario Bros. (NINTENDO 1985). The charismatic Mario (from Donkey Kong) was back to save the princess; but this time, in a totally different way. As a matter of fact, the player was introduced to an innovative style of game to which he/she was not accustomed to up until then. The player was no longer confined to a fixed screen, and could now explore the environment by advancing from the left to the right of the screen, with the world being unveiled as he/she progressed (DISCOVERY CHANNEL 2007). The physiognomy of the characters also improved and seemed more convincing than in previous years. And the scenery and enemies were more diversified, providing a more challenging, varied and fun game experience, turning the "simple" task of saving the princess into an epic journey, full of dangers and adventures. All this, enriched by a striking soundtrack, made Super Mario Bros. a huge success worldwide, and contributed to make Nintendo into the leading company on the video game market. From then on, it was noticed that the concept of simplicity popularized by Pong no longer sufficed to make a game attractive; it was necessary to combine technological evolution with a good story and a more balanced level of difficulty. This perception was accentuated during the late 1980's and early 1990's, when Nintendo began to TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 294 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil have the competition of Sega in an intense dispute for the hegemony of the video game market. On account of the fierce competition, both companies were obliged to search for alternatives to make their products more interesting, which caused the quality of their games to rise considerably. However, video games were still seen as "children's stuff" and many did not take them seriously. But that would change in 1994, when an "intruder" in the dispute between Sega and Nintendo would take the decisive step to lead the industry to a new level. After all, the technological and conceptual innovations introduced by Sony Playstation allowed a much more mature approach. With more storage capacity provided by CDs (in comparison to the traditional cartridges) and the possibility of inserting more realistic graphics, the games became more sophisticated and compelling. Narratives became much richer and denser, approximating them even more to those seen in the movies or in the literature. Games like Resident Evil (CAPCOM 1996), Final Fantasy VII (SQUARE 1997) and Metal Gear Solid (KONAMI 1998) are considered true masterpieces, among other reasons, for dealing with the narrative from a much more adult and profound perspective, causing the bond between the player and the game to be no longer just visual, but also emotional. Thus, it can be said that it was in the Playstation era that video games reached their point of maturity, when they were finally able to break away from the label of "children’s toy" to become established as a serious and professional industry. Nowadays, video games are one of the most powerful and profitable industries in the entertainment world. It is also one of the fastest growing worldwide: with the increase in the number of platforms available and with a wide range of games of the most varied kinds, genres and levels of complexity, video games have gained an increasingly larger and more diverse consumer audience. Estimates project that the video game industry sales might reach an annual growth rate of 18.7 percent, with a potential global revenue of US$ 64.9 billion by 2013 (UOL JOGOS 2010). By maintaining this pace, video games have what it takes to become consolidated not only as a TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 295 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil global and multibillion industry but also as one of the leading forms of entertainment in the twenty-first century. 2. The History of Video Game Localization In the first decade of the existence of video games, the role played by video game localization was practically null. This is probably due to the technological limitations of the time. During these years, the technology, although promising, was still in its infancy, which frustrated any attempt to develop something more complex. For this reason, the games often presented very simple mechanics and somewhat rustic graphics. The scarcity of in-game linguistic content also caused video game localization to be put on the backburner; for developers, their primary concern was to invest their time, effort and money in improving the technology. Yet this scenario began to change from the mid-1980's. Encouraged by the success of Super Mario Bros. and the positive impact that it had on the sales of the Nintendo Entertainment System (NES), many Japanese companies saw in the video game localization a chance to expand their business into other markets, especially that of North America. With an increasing amount of in-game linguistic content, a good number of the games to be released thereafter would be available in a Japanese version, aimed at the local audience, and a localized English version, destined for the North American and international audience. But not all was a bed of roses: this time it was the localization process which proved too primitive. Many companies used non-native translators, whose knowledge both of English and of translation techniques and theory was quite limited. Some translations were so “unique” that they ended up becoming hilarious. This was the birth of Engrish, the name whereby this "process of localization" is known today, and which immortalized sentences like "Congraturation. This story is happy end. Thank you" (Ghosts 'n TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 296 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Goblins, CAPCOM 1986) or "A winner is you" (Pro Wrestling, NINTENDO 1986). This kind of practice gradually ended, especially during the transition from the 8bit to the 16-bit era in the early 1990's. The industry began to have a wider perception of the importance of video game localization, which consequently improved the quality of the translations (ACTIVE GAMING MEDIA 2010). This period also marked the end of "bilingualism" in the consoles: many games, in particular those with a bigger popular appeal and/or sales potential, began to receive versions in other languages (ACTIVE GAMING MEDIA 2010). That was the case of the Sega Genesis/Mega Drive version of Fifa International Soccer (ELECTRONIC ARTS 1993), which offered the option of playing the game in English, French, German or Spanish. Nonetheless, the turning point for video game localization would only come in the mid-1990's (BERNAL MERINO 2006): as the games became more complex and presented new features (such as oral dialogues), the players became far more demanding, obliging companies to offer not only technological improvements, but also linguistic ones. Thus, if developers and publishers wanted to make their games global, they would have to provide an impeccable localization service. Nowadays, video game localization has become a very professional service, with a very strict process of quality control. The concept of "localization" goes far beyond a mere linguistic transfer; it involves a series of other variables like history, culture, customs, linguistic and numerical conventions (SCHOLAND 2002), in short, all the local specificities that make a determined geographical region unique in relation to others. This notion can be better understood by examining the images below: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 297 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Image 1: Starcraft II: Wings of Liberty TV commercial (United States). Image 2: Starcraft II: Wings of Liberty TV commercial (Brazil). These are images from the TV commercials of Starcraft II: Wings of Liberty (BLIZZARD 2010) in both the American and Brazilian versions. At first glance, one aspect already stands out: date conventions. In this case, the date needed to be adapted from the convention used in American English (mm/dd/yy) to that utilized in Brazilian Portuguese (dd/mm/yy). Another element of localization found in the images is the presence of the respective regulatory bodies: the symbol of the American body ESRB3 was replaced by the Brazilian body DJCTQ4, along with their respective age ratings for both North American and Brazilian audiences. Finally, the linguistic content was also localized, with the excerpt All Rights Reserved being translated by its equivalent in Portuguese Todos os direitos reservados. Another key point for a successful localization resides in what Mangiron and O’Hagan call "gameplay experience": The main priority of game localisation is to preserve the gameplay experience for the target players, keeping the ‘look and feel’ of the original. The brief of the localiser is to produce a version that will allow the players to experience the game as if it were originally developed in their own language and to provide enjoyment equivalent to that felt by the players of the original version (MANGIRON & O’HAGAN 2006). As seen above, the translator’s main goal is to grant gameplay experience, which causes his/her job to be of fundamental importance for the success of the localized version. A poor translation might simply ruin gameplay experience by diverting the player's main focus from the game to the translation. A good example of this can be seen in Call of Duty: Modern 3 Entertainment Software Rating Board. Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Department of Justice, Rating, Titles and Qualification). 4 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 298 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Warfare 2 (ACTIVISION/INFINITY WARD 2009) and its respective localization into Japanese. One of the missions in the game is called No Russian, wherein the leader of a terrorist group orders his subordinates not to speak Russian. During the Japanese localization, the sentence was mistranslated as Kill them; They are Russian (UOL JOGOS 2009). Obviously, Japanese players were very unhappy about it, with many claiming they would rather buy the original English version or not buy it at all. Therefore, translators must be extremely careful, because they are not just translating a language; they are translating experience (O’HAGAN 2007). As for the linguistic content, there are also a number of aspects to consider when localizing a video game. First, translators must know about the different types of video game genres, insofar as each one of them requires a different approach. An RPG cannot be translated the same way as an action game, as each has its own characteristics, idiosyncrasies, and consequently, its own kind of language. It is also important to be familiar with each game’s genre terminology and conventions, which may range from literary language to more technical and specific terms (DIETZ 2007). A different approach is also required when translating the various kinds of linguistic contents present in a game. Due to the extensive material to be translated and their distinct purposes (BERNAL MERINO 2007), different kinds of textual genres must be applied in the translation: while the dubbing, for example, must serve as a faithful reproduction of the speech, the User Interface requires a clear and concise language. One final aspect refers to a very common characteristic of video game localization: space constraints. As there is a strict limit on the number of characters to be used, translators must choose words very carefully, not only to respect space constraints but also to convey and preserve the idea of the original. In this regard, translators must be very creative in order to successfully capture the same message from the original, and, at the same time, not exceed the permitted number of characters. But most of all, translators must be fully aware of their target audience. In this regard, Essential Facts About The Computer and Video Game TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 299 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Industry shows some interesting facts about the gamers' profile. With reference to their average age, it shows a very different result from what many people usually think: 53 percent of the players are in the 18-49 age group, whereas a significant 29 percent belongs to the 50+ years; the "children’s age group", namely, that under 18 years old, accounts for only 18 percent of gamers (ESA5 2011: 2). Therefore, translators must always bear in mind that video game localization is an adult service aimed at an adult audience, and mistakes like those seen during the Engrish era are no longer accepted or tolerated. 3. Video Game Localization in Brazil Although the first games to offer localized content date from the 1980's6, the golden age for video game localization in Brazil is undoubtedly the early 1990’s. As seen previously, there was fierce competition between Sega and Nintendo, both seeking to expand their business around the world. In search for markets unexplored by the rival Nintendo (SUZUKI 2009), Sega signed a partnership with Brazilian company Tec Toy so as to have its products commercialized in Brazil. Thus, Sega Master System was officially released in Brazil in 1989 and was an instant success. This popularity was only possible thanks to the strategy Tec Toy adopted: besides distributing the games officially in Brazil, some games came into Brazilian Portuguese in fully localized versions. Because it is an extremely fruitful period for video game localization in Brazil, let us examine some of the localized games that were officially distributed at that time: 5 Entertainment Software Association. When Odyssey 2 was released in Brazil, Phillips decided to commercialize the games with their respective titles in Portuguese. Because linguistic content was practically non-existent, the localization process basically consisted of translating the titles, boxes, manuals and, in certain cases, the characters. 6 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 300 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Phantasy Star (SEGA 1987) Sega’s RPG Phantasy Star, released in Brazil in 1991, is of special importance to video game localization in Brazil as it was one of the first console games to be localized into Brazilian Portuguese, which is why many players say that it was the first game they ever had. As can be inferred, translation played a key role in the game’s success. Moreover, because RPGs were still not widely known to the Brazilian audience, the translation, in addition to being a decisive factor for many players to buy the game, also helped boost and consolidate RPGs as a genre that should be taken seriously and which, just like the other genres, could very well provide fun. Finally, as one of the first games to be localized into Brazilian Portuguese, Phantasy Star gained attention from the media, and the extensive marketing campaign adopted by Tec Toy helped popularize the game. Image 3: Tec Toy's Advertisement for Phantasy Star. (Source:http://gazetadealgol.com.br/_media/diversos/scans/scanps1_propaganda.jpg) The advertisement above shows that Tec Toy’s strategy to popularize the game was exactly to explore the language and the genre issues. The message in the black box on the right makes it clear: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 301 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil This game lasts for three months, has subtitles in Portuguese and a villain who thinks you are nothing. The message tries to emphasize that the player is before something completely different to everything he/she has ever seen. First, it emphasizes the duration of the game: RPGs are commonly longer than games from other genres. Consequently, the player will not come across something that he/she may play for a week and then simply put it away; he/she will be entertained for at least three months. Then, the message appeals to something even stronger: the game has subtitles in Portuguese. This is enough to arouse the player’s interest in buying the game for a simple reason: most games released in Brazil at the time came in other languages (especially English). Now, he/she has the opportunity to fully understand and enjoy a game, since the reality of the game has been brought within his/her reach. Games are no longer "outsiders"; now, the game and the player "speak the same language". The localization of Phantasy Star was indeed a great achievement; but it also represented a great challenge for the people involved in the localization process, requiring a good deal of effort and creativity by the translators ("Gagá" ROB 2009: 27). In effect, the challenges had already begun when localizing the game from Japanese into English. The process of localization for the western market had to go through certain adaptations, which had certain implications for the names of some characters. Due to technical limitations, the names of the protagonists could not exceed four characters ("Gagá" ROB 2009: 19); for this reason, Arisa (アリサ), Tairon (タイロン) and Rutsu (ルツ) became Alis, Odin and Noah respectively. The only one to keep its original name intact was Myau (ミャウ). One of the antagonists' names has a quite curious particularity: Dāku Farusu (ダークファルス) is apparently an allusion to the English term Dark Force. The TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 302 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil problem is that one of the possible translations of the word Farusu (ファルス) is Phallus, which, for most people, is not an appropriate name. Luckily, the name Dark Phallus exceeded the eight character-limit for antagonists' names, and was renamed as Dark Falz ("GAGÁ" ROB 2009: 19). The localization of the Portuguese version was probably based on the English version. Hence, the names of the protagonists, antagonists, other enemies and locations were unchanged7. On the other hand, the items, weapons, and magic spells were translated and/or adapted to the appropriate context. But what most drew the attention of the Brazilian audience was the translation of the menus and especially the dialogues, which was of great help for the complete understanding of the plot. Let us now go over some of the strategies used during Phantasy Star’s localization process. Image 4: Phantasy Star’s start menu (English version). Image 5: Phantasy Star’s start menu (Portuguese version). These are Phantasy Star’s start menus from both English and Portuguese versions. The first traces of the difficulties faced by the translators can already be seen here. The commands Start and Continue were translated as Inicia and Continua respectively. If analyzed by modern standards and by the way menus are usually translated into Portuguese, the verbs should be in their infinitive forms Iniciar and Continuar. Probably due to 7 One exception is the planet Dezoris, which was changed by the shortened form Dezóri. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 303 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil space constraints, this was not an option. Another possibility could be to translate Start as Início. But this was not feasible for two reasons: the first is the absence of certain accented letters from the Portuguese language (as will be seen in the next paragraph), such as Í. This could cause some confusion, since the presence or absence of the acute accent above the I would change the meaning and the pronunciation of the word: Início [i'nisju] is a noun whose equivalents in English are Start/Beginning, whereas Inicio [ini'siw] is the first person singular in the present tense which means I start/I begin; and the second is that the conversion of Start into the noun Início would imply in the conversion of Continue into the noun Continuação ("Continuation" in English), which would cause the word to have three extra characters. For this reason, the decision to translate Start and Continue as Inicia and Continua (both in their imperative forms) seemed fortunate, given that the original idea was successfully preserved. Image 6: Fragment from Phantasy Star’s Intro (English version). Image 7: Fragment from Phantasy Star’s Intro (Portuguese version). Translation is not the problem here; on the contrary, the sentence is clear and the original idea was accurately reproduced. What the images show us is another common challenge faced by Phantasy Star’s translators and by translators in general during those years: the absence of accented letters from the Portuguese language. As the game was probably localized based in the English version, the translators must have been limited to use only the TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 304 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil existing characters in the English language. As a result, characters which are non-existent in English, as is the case of Ç (c-cedilla) or accented vowels, could not be used. It did not harm the full comprehension of the sentence as the context helped to elucidate any possible ambiguities. But in a different context, this could have caused problems, as twelve accented letters are missing: Á/ À/ Ã/ Â/ É/ Ê/ Í/ Ó/ Ô/ Õ/ Ú/ Ç. And they do not merely alter pronunciation; in some cases, they may change the meaning of the word. Take the word Esta as an example: as well as Início and Inicio, the presence or not of the accent is determinant. In the sentence above, the correct would be Está [es'ta8], which is the equivalent of is in Portuguese. Without the acute accent, the word becomes Esta ['εsta9], whose translation would be this. Thus, if not contextualized, the excerpt Lassic está conduzindo ("Lassic is leading") would turn into Lassic esta conduzindo ("Lassic this leading"), which is an ungrammatical construction. The expression a destruicao also highlights the absence of three other important characters: À, à and Ç. With reference to the latter two, the difference is that of sound. The character à represents a variant sound of the letter A, whereas A denotes an oral realization which leads to the phoneme /a/ (except preceding nasalized consonants like m or n), while à indicates a nasalized sound, represented by the phoneme /ɐ/. C and Ç also represent two different phonemes: /k/ (preceding a, o and u) and /s/ (preceding the same previous vowels) respectively. Therefore, by the way it is written above, the word destruição [destruj'sɐ w10], becomes destruicao [destruj'kaw], realization not found in any variant of Portuguese. On the other hand, the character À represents an orthographic difference in relation to A, as they are both pronounced /a/ (although sometimes À might be pronounced as a long vowel and A as a short one). This happens because the character A may refer both to an article and a preposition. In the former case, A refers to the feminine definite article, whose equivalent in English is the; as for the 8 Other possible realizations of the word "Está" were not considered. Other possible realizations of the word "Esta" were not considered. 10 Other possible realizations of the word "Destruição" were not considered. 9 TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 305 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil latter, A denotes a preposition which indicates "direction in space" (MICHAELIS, 1998-2007), having in the preposition to its main equivalent in English. When both article and preposition need to be used in the same sentence, they merge into À, in order to avoid repetition. This way, the term a destruição can only be used if it merely refers to the destruction; if intended to reproduce the idea to (the) destruction, the correct form would be à destruição. Thus, the correct form of the sentence would be (including the missing characters): Alis, escute! Lassic está conduzindo nosso mundo à destruição! Although these hurdles may have made the translators’ job more difficult, they were able to convey the necessary game experience to offer the player a high degree of entertainment. Actually, Phantasy Star was a pioneer in Brazil, as it opened a whole new range of opportunities for video game localization in the country. Mônica no Castelo do Dragão (TEC TOY 1991) While Phantasy Star was basically a "translation", Mônica no Castelo do Dragão ("Monica in the Dragon’s Castle") contained more elements of localization. Released in 1991, the game was adapted from Wonder Boy in Monster Land (SEGA 1988). Although aspects like graphics and gameplay were kept intact, much of the game was changed. Initially, the protagonist was changed: a neutral Wonder Boy was replaced by Mônica, a very popular and charismatic Brazilian comic character. This decision was responsible for creating a higher level of identification between the player and the game, given that a cultural element that everyone was familiar with was added to the plot. The protagonist’s main weapon was also modified not only to adapt to the Brazilian audience, but also to be coherent with the comics. As anyone who reads her stories probably knows, Mônica has an inseparable friend: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 306 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Sansão ("Sansom"), her blue stuffed bunny, which she uses not only as a toy, but also as a way to punish some of her friends, who often torment her. Consequently, the decision to replace Wonder Boy’s swords (his main weapons) by Sansão was natural. Another interesting fact concerns the antagonist. In Wonder Boy in Monster Land, the main antagonist is a dragon named Meka, while in Mônica no Castelo do Dragão, the same dragon is renamed to Cospe-Fogo ("Spitfire"). However, he is no longer the main villain, but a powerful ally of the new antagonist, Capitão Feio ("Captain Ugly"), a very well-known character in Mônica’s comic stories. Even though Capitão Feio is presented as the main antagonist, he does not appear in the game, being just mentioned as the evil mind behind the plot. All of Mônica’s enemies (even Cospe-Fogo) act on Capitão Feio’s behalf. Image 8: Wonder Boy in Monster Land’s Status Screen. Image 9: Mônica no Castelo do Dragão’s Status Screen. These are the status screens, which show some of the collectible items the player can obtain throughout the game, the character’s health (represented by the word Life) and the amount of money earned (represented by the word Gold). The latter two were not translated and were kept as it is in the original. The decision not to translate the word Gold was possibly based on usage, given that its respective translation Ouro has the same number of characters. The most used and appropriate word for the case in question would be Moeda ("Coin"), used in its plural form Moedas. But it would TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 307 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil probably stumble on space constraints: Moedas would exceed Gold by two characters, which, as seen above, was not possible. And because Gold was not translated, the word Life was not translated either. Although Vida, its equivalent in Portuguese, has the same number of characters, it might have caused some misunderstandings, since Vida admits two different interpretations: it may refer to the character’s health (as is the case) or to the number of lives the character is entitled. In regard to the remaining items, there are certain aspects that should be mentioned. As discussed previously, the weapons were altered to suit the Brazilian audience. As a result, a slight change was also necessary on the status screen to make it consistent with the changes made. Throughout the game, Wonder Boy has to defeat numerous enemies, including the bosses (the dragon’s henchmen) in order to advance to the next stage. This also grants him the opportunity to upgrade his equipment and get stronger weapons. As the weapon changes, it is displayed on the status screen. As for Mônica, her main weapon is a stuffed bunny (Sansão), which will follow her during the entire journey, even when she defeats the bosses and "gains" Wonder Boy’s swords. The solution for this problem was to apply a level of strength (Fraco/ Médio/ Forte/ Super/ Híper - Weak/ Average/ Strong/ Super/ Hyper, respectively) to the bunny every time Mônica defeats a boss and receives a sword. When this takes place, the bunny’s level of strength increases, allowing Mônica to inflict greater damage on her enemies. As for the other items, as the character advances in the game, he/she will face stronger enemies, and, if not well equipped, the chances of failing are considerable. To solve this problem, the player can visit the various shops spread around the game to buy items, which are basically four: armor, shields, boots and magic spells. Each one contributes to strengthen the character and increase his/her "firepower". As for the translation, some items were translated literally, but most were changed to fit Mônica's stories. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 308 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Table 1 Armor/Armadura Boots/Botas Wonder Boy Mônica Wonder Boy Mônica Light Armor Armadura Simples Cloth Boots Botas de Pano Heavy Armor Armadura de Bronze Leather Boots Botas de Couro Knight Armor Armadura Especial Ceramic Boots Botas Especiais Hard Armor Armadura de Aço Legend Boots Botas Mágicas Legend Armor Armadura Diamante Wing Boots Botas Voadoras Shields/Escudos Weapons & Magic Spells/Armas & Magias Wonder Boy Mônica Wonder Boy Mônica Light Shield Escudo Simples Bombs Bombas de Limpeza Knight Shield Escudo de Ferro Tornado Rodamoinho Mágico Hard Shield Escudo de Aço Fire Ball Detergente Legend Shield Escudo Diamante Thunder Flash Raio Limpo It is possible to observe that the English version privileges the use of military terms, which approximates Wonder Boy to the Ancient and Middle Ages, insofar as the name of many items derive from those used by the armies of those times, especially for armor and shields. In the Portuguese version, the terms are related to a more imaginary world, which is justifiable given that Mônica’s stories are directed to children. It becomes evident when we compare some of the terms. For example, the term Light Armor became Armadura Simples ("Simple Armor") in the Portuguese version. Light Armor is a very specific term, used to identify the kind of armor worn by a light infantryman. The same applies to Heavy Armor and Knight Armor, which refers to the equipment utilized by soldiers belonging to the heavy infantry and cavalry respectively. In the Portuguese version, these terms were "neutralized", giving preference to the kind of material with which the equipment was made, as is the case of Armadura de Bronze ("Bronze Armor"), Armadura de Aço ("Steel Armor"), Escudo de Ferro ("Iron Shield") and Escudo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 309 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil de Aço ("Steel Shield"). In contrast, there are various terms in the Portuguese version that suggest a world of magic and dreams, commonly seen in fantasy literature. As an example, we can take the terms Ceramic Boots and Legend Boots. In the former case, it was chosen not to translate it literally, changing Botas de Cerâmica into Botas Especiais ("Special Boots"). The substitution of the English word Ceramic by the Portuguese word Especial gave a more abstract sense to the boots, which can also be linked to the world of fantasy. The same occurs with regard to Legend Boots. Although the word Legend may refer to something imaginary, it may also refer to something or someone real. For example, one can say that Pelé is a soccer legend; we are not talking about an imaginary person but a real one. Thus, it was decided to replace Botas Lendárias (the equivalent in Portuguese of Legend Boots) by Botas Mágicas ("Magic Boots"), which suppressed any element of "reality", giving the term a more imaginary sense. Finally, let us focus on the weapons and magic spells. It is important to recall that Mônica’s main antagonist in the game is Capitão Feio, a character who is marked by his relation to dirt and filth. For this reason, Mônica must have tools which are capable of countering his "dirty powers". This led to some sort of adaptation of the names of her weapons and magic spells, which were renamed so as to make them verisimilar to Mônica and Capitão Feio’s stories. Therefore, Bombs became Bombas de Limpeza ("Cleanliness Bombs"), Fire Ball turned into Detergente ("Detergent"), and Thunder Flash was changed into Raio Limpo ("Clean Thunderbolt"). The only term that did not follow the pattern above is Tornado, which was translated as Rodamoinho Mágico ("Magic Whirlwind"). One last aspect about Mônica no Castelo do Dragão can be seen in the images below: TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 310 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Image 10: One of the item shops in Wonder Boy in Monster Land. Image 11: One of the item shops in Mônica no Castelo do Dragão. Although the game was very well translated, an important detail cannot go unnoticed: the absence of one letter can change the entire meaning of a sentence. As seen above, the sentence Come Again With Some Money was translated as Vote Quando Tiver Algum Ouro. The problem resides in the translation of the excerpt Come Again: the literal translation would be Venha Novamente, which was obviously rejected due to the excessive number of characters. The solution for this problem was to use the verb Voltar ("To Come Back") in its imperative form Volte. But the letter L was not inserted in the word, turning Volte ['vɔwtʃi11] into Vote ['vɔtʃi12]. What occurs is that Vote is the imperative form of the verb Votar ("To Vote"). Hence, instead of Volte Quando Tiver Algum Ouro ("Come Back When You Have Some Gold") the sentence became Vote Quando Tiver Algum Ouro ("Vote When You Have Some Gold"). And, even though the context prevents any kind of misinterpretation (this sentence only appears when the player has no money to buy the items), this could have caused problems, since Vote Quando Tiver Algum Ouro could indicate some kind of obscure political relationship or something of that sort. Therefore, it is extremely important to be attentive to all the details that touch on the translation process, in order to prevent something like this from happening. 11 12 Other possible realizations of the word "Volte" were not considered. Other possible realizations of the word "Vote" were not considered. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 311 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Even with all the problems and limitations, the early 1990’s was the most productive period for video game localization in Brazil. Sega Master System and its successor Sega Genesis/Mega Drive were extremely successful in Brazil, although the latter had to compete with the Super Nintendo Entertainment System (SNES). And the next generation of consoles was on the verge of being released. There was great expectation and all the predictions were the most optimistic possible. However, as we all know, things change. After Sony Playstation's release, the video game sector in Brazil went through an intense downturn, exposing two problems that have plagued the local market and which contributed decisively to its marginalization: piracy and the tax burden. Piracy has always been a problem in Brazil, but from the mid-1990’s it grew enormously. With the transition from cartridges to CDs, the cost of manufacturing and large-scale production of pirated games fell dramatically, causing a boost in piracy and discouraging many companies from investing in Brazil. It even caused a curious situation: despite having never released Playstation officially in the country, Sony became the absolute leader in the Brazilian market. Due to the lack of the official products in the country, whoever wanted to buy the original console and/or games had to import them. However, for a game or console to be legally imported in Brazil, the importer had to pay an array of taxes, whose total could inflate the final price of a game by up to 80 percent, or, in the case of the consoles, by more than 100 percent (EDGE 2010). It obviously caused a serious damage to the Brazilian market, and, the consequences for video game localization were inevitable: the number of games localized into Brazilian Portuguese declined considerably, and finding them was not an easy task, especially in the consoles. Not all was lost, though. It can be said that PC games were the responsible for the "survival" of video game localization in Brazil. Even though piracy also affected them, the tax burden was somewhat lower than in the consoles, which allowed more competitive prices and reasonable sales numbers. For this reason, some multiplatform games had their PC versions localized into Portuguese and were officially marketed in Brazil. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 312 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Max Payne (REMEDY ENTERTAINMENT /3DREALMS/GATHERING OF DEVELOPERS 2001) Distributed and marketed in Brazil by Greenleaf, Max Payne was released in Brazil in December, 2001, in a version fully adapted to the Brazilian audience. Due to the technological advances, Max Payne's process of localization may be considered a bit less "thorny" than Phantasy Star's. It already becomes evident when examining the installation menu: Table 2 Installation Menu Menu de Instalação Play Jogar Uninstall Desinstalar Re-install Max Payne Re-instalar Max Payne View Readme Ver o Leia-me Max-Fx Tools Ferramentas Max-Fx About Sobre Browse CD Contents Pesquisar o Conteúdo do CD Exit Sair Here, the menu is much more adjusted to the linguistic conventions of the Portuguese language, insofar as the prevalence of infinitive verbs denotes a much more natural way of reproducing a menu in Portuguese. The alphabet was also completely adapted to the reality of the language, enabling the use of all of its characters, even those which were absent in Phantasy Star. This is what allowed the term Options to be translated into its equivalent Opções [op'sõjs13], instead of the non-existent Opcoes [op'koes]. Another important aspect is that, when compared to past generations, space constraints became a bit more "generous". This "flexibility" made possible the employment of 13 Other possible realizations of the word "Opções" were not considered. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 313 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil more refined sentences, ensuring a greater fidelity to the original text. The main example in this regard is the sentence Browse CD Contents, translated as Pesquisar o Conteúdo do CD, construction which used twenty-six characters (with spaces), something unthinkable in previous generations and considered high even by modern standards. With reference to the audiovisual content, both dubbing and subtitling were present in the game: in-game dialogues were dubbed, whereas the cutscenes (presented as parts of a graphic novel) were both dubbed and subtitled. The subtitling did not show changes in respect to the dubbing, serving as a faithful reproduction of what was being said. For its part, the dubbing of the in-game dialogues fulfills its role, with a special emphasis on the performance of the protagonist (carried out by Brazilian actor Mauro Castro). But one detail attracts attention: the constant use of the ênclise pronominal ("pronominal enclisis"), particularly in imperative affirmative sentences. Before analyzing the linguistic issues in the game, it is important to examine this aspect of the Portuguese language. The term ênclise pronominal is defined as: The placement of the personal object pronoun after the verb (MICHAELIS 1998-2007). Normative grammar says that it is incorrect to start a sentence with an object pronoun. In these situations, the use of the enclisis is required, inasmuch as the sentences must always obey the sequence "Verb + Object Pronoun". Thus, constructions like Tell me are supposed to be translated as Diz(e)-me/Diga-me instead of Me diz/Me diga. Normative grammar also establishes that a verb in its imperative form must never be followed by a subject pronoun. For this reason, constructions like Pega-o/Pegue-o ("Get him") would be considered perfect examples of the application of this rule, whereas Pega ele/Pegue ele (literally "Get he") would be considered ungrammatical. But grammar is not the only element that constitutes a language; usage (particularly in speech) is another important factor that TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 314 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil cannot be disregarded. In speech, the use of the above rules is different in the European and Brazilian variants of Portuguese: the former tends to follow these rules, privileging the use of the enclisis and the use of object pronouns after imperative verbs, whereas the latter prefers the proclisis (object pronouns placed before the verbs) and the use of subject pronouns after imperative verbs. While the constructions Me diz/Me diga and Pega ele/Pegue ele might sound odd and incorrect in Portugal, they are common in Brazil. And although normative grammar is usually respected in formal writing, it is quite rare to observe it in the everyday speech in Brazilian Portuguese, even among educated speakers. Thus, it can be said that there are two distinct educated standards in Brazilian Portuguese: an educated written standard, which must strictly follow the normative grammar, and an educated spoken standard, more informal, flexible and dynamic than the written standard. That said, let us now go over the linguistic issues observed in the game. Throughout the game, Max Payne tries to find out everything he can about a new drug called Valkyr. During his investigations, he runs into a large number of enemies, who will do what they can to stop him. When they notice Max Payne's presence, they utter sentences like Mate-o ("Kill him"), Acerte-o ("Hit him"), Pegue-o ("Get him"), and Derrube-o ("Knock him down"). These sentences are totally in accordance with normative grammar. However, the use of the enclisis is more common in written language, being rarely seen in spoken language. Consequently, its use would be more appropriate in subtitling, since it is the audiovisual resource which usually follows the educated written standard. As they were used in the dubbing, the above sentences were perfectly comprehensible, but they sounded too formal for the spoken language. Another interesting point is that, regardless of the large use of the enclisis throughout the game, some "proclitic islands" can be observed amid the vast "enclitic sea". It can be seen more clearly in the prologue of Chapter III: A Bit Closer To Heaven, wherein Max Payne gets beaten and injected with an overdose of Valkyr by a group of enemies under the orders of Nicole Horne, president of Aesir (the company responsible for TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 315 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil the production of the drug). The cutscene is divided in three illustrations, placed in chronological order from the left to the right. The sentences below belong to the first and second illustrations: Table 3 First Illustration: Nicole Horne, right after her henchman applied the overdose on Max Payne English: Gentleman, we are done here. Take me to Cold Steel. Portuguese: Cavalheiros, terminamos aqui. Levem-me para Cold Steel. Table 4 Second Illustration: Max Payne describing the effects that Valkyr was having on him They turned to steam. They did a fade on me. I had never had a English: chance. Eles se transformaram em vapor. Me apagaram. Em nenhum Portuguese: momento tive chance In the first illustration, the expression Take me was translated as Levem-me, in total conformity with normative grammar. Although the proclisis is more used in spoken language, the use of the enclisis follows the pattern adopted during the entire game. On the other hand, the second illustration shows exactly the opposite: They did a fade on me was translated as Me apagaram (literally "Blacked me out"), countering everything that had been done thus far. In this case, the use of the proclisis is "forbidden" by normative grammar, which indicates two options to solve the "problem": a.) to include a subject pronoun in the beginning of the sentence, changing Me apagaram into Eles me apagaram, in which Eles is the equivalent in Portuguese of They; b.) to use the enclitic construction Apagaram-me. Eles me apagaram would sound a little strange, for the subject pronoun Eles might give an idea that a group of people (and not the agents of the drug) were the TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 316 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil responsible for him to lose consciousness. And if the context points to a group of people as the perpetrators of the action, the meaning of the sentence would also change, given that, aside from the idea of "To Lose Consciousness", the verb Apagar (particularly if preceded by a subject pronoun) may also mean "To Kill" in colloquial Brazilian Portuguese. As for the enclisis, its use would be more comprehensible, not as it is the best option, but as a matter of textual coherence: even though the use of the proclisis makes the sentence more natural, the enclisis was used during the entire game, resulting in its use in this case to be more coherent to the whole. One last aspect to consider regards the presence of in-game graphic arts. In Max Payne’s localization process, it was decided not to translate (except during the cutscenes) the linguistic elements present in in-game signs, posters, drawings, etc. Considering that the game takes place in New York City, this was a correct decision, since all the environment of the city was preserved: not only is the city cited during the entire game, but other elements like the incessant snow and the harsh winter give a quite different sense of reality from that of living in Brazil, where most people live in a warm climate. Even so, the translator must always be attentive to one question: can the lack of translation affect gameplay? In Max Payne’s case, in ninety-nine percent of the game it did not. In one section of the game, though, it might cause some problems. In Part II: A Cold Day in Hell, Chapter II: An Offer You Can’t Refuse, Max Payne is in search of the cargo ship Charon. During the mission, he comes across a drawbridge, which had been lifted by the enemies to block his way through. When looking for an alternative route, he finds a fence (also blocking his way) and a truck parked on the other side. That is when the problem comes up. Apparently blocked on all sides, the player starts going back and forth in search for alternatives on how to overcome this hurdle. After some time without finding any solution, he/she feels stuck and does not know what to do. More attentive players will probably notice the existence of a poster near the fence, which supposedly provides the necessary instructions to go on. The poster displays the sentence Caution! Use wheel TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 317 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil blocks when parking in this area. Right below it, there is a drawing of a wheel block protecting the truck from moving. At first glance, the non-translation of the message does not make much difference, insofar as the drawing solves all the problems, by showing the player that he/she has to shoot the wheel block in order to cause the truck to move and unblock the passage near the drawbridge. However, the simple fact that the message in the poster is in a foreign language makes most players ignore it and turn their attention to solving their most urgent problem, which is to find a way through; and as they cannot, they get really frustrated. Here, the interference that the nontranslation causes in gameplay is evident. It is true that keeping the sentences in English was a correct decision to recreate the environment of New York City. But, in this specific case, the translation of this poster could have avoided the annoyance many players eventually had. The aforementioned issues did not take the shine away from the Portuguese version of Max Payne; on the contrary, the game is regarded by many as the best localized game ever to be sold in Brazil. Nonetheless, the game was just a sporadic attempt amid the unfortunate reality experienced by the Brazilian market during those years. Notwithstanding, new winds would blow and start changing once again the course of video games in Brazil. The 2000's (in particular the second half of the decade) saw great changes in Brazil. With the economic growth and the consequent increase in the purchasing power of Brazilians, the country began to position itself on the international scene as an emerging superpower, which aroused the interest of many foreign companies that viewed Brazil as a potential market with great prospects for expansion. The video game market was no different: despite all the problems described in the previous paragraph, the local market was reinvigorated by the official arrival of many video game giants like Microsoft, Sony, Ubisoft, Blizzard among others, all of which officially released their consoles and/or games in Brazil. As a result, the impact on video game localization was considerable, with the gradual growth in the number of games localized into Brazilian Portuguese. Another important point is that TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 318 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil since Level Up released a localized version of Ragnarök Online (GRAVITY 2002) in 2004, an increasing number of MMO14 games have been appearing in Brazil in completely localized versions in Brazilian Portuguese and directed to the needs of the local audience. This demonstrates that, even with all the difficulties, the video game sector is slowly getting back on track, revealing all its potential and capability of returning to its days of glory and becoming consolidated as one of the key markets in the video game industry. Pro Evolution Soccer 2009 (KONAMI 2008) As it is a simulator of the most popular sport in Brazil, Pro Evolution Soccer is one of the best loved series with Brazilian gamers, which has certainly contributed to make it one of the top selling games in the country. In this regard, Pro Evolution Soccer 2009 (commonly abbreviated as PES 2009) is of fundamental importance as it is the first edition of the game to offer Portuguese (European) as one of the languages available, along with English, French and Spanish. But, perhaps due to the fact that it was being used for the first time, the Portuguese version had some important differences in relation to the other three languages. A first point to be observed is that the Portuguese version received just a partial localization. Unlike the English, French and Spanish versions, where both in-game texts and audio were localized, the Portuguese version only featured the translation of the former. Any player wanting to play the game in Portuguese would have to be contented with just the in-game texts; the audio would have obligatorily to be in English, French or Spanish. The partial localization also affected the names of the countries. For some unknown reason, they were not translated, not only into Portuguese, but neither into Spanish or French. In an exhibition game between Germany and Switzerland, for example, the screen will always display the English terms Germany and Switzerland, regardless of the language that the player has selected. This 14 Massive Multiplayer Online. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 319 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil ends up being frustrating, seeing that when the player chooses to play the game in one language, he/she expects to enjoy everything the game has to offer in that language. The impossibility of doing so will possibly decrease the level of identification the player can create with the game, causing a sensation of "incompleteness". As a result, gameplay experience will be fatally compromised, for not entirely conveying in the localized version the same experience as the original. On the other hand, the absence of the audio made the translation process much simpler. Although the European variant was taken as a reference, the fact that it was basically an orthographic translation made, in a way, the version very accessible for both Brazilian and Portuguese audiences. Even though some lexical choices may sound somewhat strange to Brazilians - as is the case of the word Ecrã ("Screen"), whose equivalent in Brazil is Tela -, the translation as a whole was very clear and objective, regardless of the variant. By looking at the main menu, this becomes evident: Table 5 Main Menu English Portuguese French Spanish Uefa Champions Uefa Champions League League League Exhibition Exhibition Exhibition Exhibición Become a Legend Rumo ao Vers une Légende Ser uma Leyenda Master League Estrelato Ligue des Masters Liga Master League - Cup Liga Master Ligue - Coupe Liga - Copa Network Liga - Taça Réseau Red Legend Network Légendes Leyendas Messages Estrelas Messages Mensajes Training Mensagens Entrainement Entrenamiento Edit Treinos Modifier Editar Gallery Editar Mode Galerie Galería System Settings Galeria Réglages Systéme Ajuste de Sistema Uefa Champions League Uefa Champions Definições de Sistema TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 320 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil From the twelve terms from the Main Menu, eight were fully translated into Portuguese, one was partially translated (Master League became Liga Master), whereas the three remaining options (Uefa Champions League, Exhibition and Network) were not changed. With respect to the partial translation, the term Master League has been in use in the series for many years, and players all around the world are already very familiar with it. A full translation, something like Liga Mestre or Liga Mestra, would mischaracterize it, by replacing a term long known by any fan of the game by another which has no affective appeal. For this reason, two possible options emerged as solution for the problem: either maintain the already established term Master League or perform a partial translation. In this case, the second option was chosen: the word League was replaced by its equivalent in Portuguese Liga, while the term Master, which could retain some kind of affective bond with the original term, remained untouched. Next, we have three non-translated terms: Uefa Champions League, Exhibition and Network. In the former case, although the term is already quite widespread throughout the world, it could perfectly be translated as Liga dos Campeões da Uefa, since it is a term widely known and used in both Brazil and Portugal. The probable reason for the non-translation is that Uefa Champions League is the official name of the competition, and, as such, should not be translated. As for Network and Exhibition, even though their equivalents in Portuguese, Rede and Exibição, are not the most suitable options, the reason for which they were not translated is unknown, especially when considering that these terms received their respective translations into French and Spanish. Hence, while the menus in the French and Spanish were fully translated (except for Uefa Champions League as mentioned), it can be said that the Portuguese version received a "bilingual translation". In general, the translation is competent, with recognizable terms for both Brazilian and Portuguese players, since many of the terms utilized are common to both variants of the language. The only "differences" reside in the words Taça and Definições, whose equivalent and TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 321 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil more used terms in Brazil are Copa and Configurações. But this is not a difference that can interfere in the comprehension of the term, since every Brazilian knows the meanings of Taça and Definições; it is more of a matter of habit and usage. One final aspect does not involve any linguistic issue, but very clearly demonstrates the concept of "to make local", essential for a successful localization. In the case of soccer simulators, this conceptual approach can be made by offering the local teams among the options to be selected. For the Portuguese audience, this approach was partially realized: although the Portuguese League was not licensed, the three most popular teams in the country (SL Benfica, FC Porto and Sporting CP) were available. Thus, many of the Portuguese players were able to play the game with their favorite teams. The same cannot be said of the Brazilian audience: only SC Internacional was available in the game. And in spite of the fact that SC Internacional is an important team, Brazil has eleven other giants: C Atlético Mineiro, Botafogo FR, SC Corinthians P, Cruzeiro EC, CR Flamengo, Fluminense FC, Grêmio FBPA, SE Palmeiras, Santos FC, São Paulo FC and CR Vasco da Gama. Thus, most Brazilian players were not able to play the game with their favorite teams, having to resort to the Edit Mode to create them. This turned out to be somewhat annoying due to the excessive time spent to create the teams; it is not uncommon to hear from players that they spent more time editing the teams than actually playing the game. This definitely compromises gameplay: instead of creating a fun experience, it delivers a quite tiring one. All in all, the presence of the Portuguese language in a series the caliber of Pro Evolution Soccer is laudable. Problems like the aforementioned may cause some nuisance for some players, but the presence of the language is important to give the opportunity for these problems to be corrected. And that is what happened: in PES 2010, both in-game texts and comments were fully localized into Portuguese (European); PES 2011 features comments in both European and Brazilian Portuguese (made by Pedro Sousa and Luis Freitas Lobo in the former and by Silvio Luiz and Mauro Beting in the latter), whereas TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 322 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil four teams from Portugal (SL Benfica, SC Braga, FC Porto and Sporting CP) and the five Brazilian teams present in the 2010 Copa Santander Libertadores (SC Corinthians P, Cruzeiro EC, CR Flamengo, SC Internacional and São Paulo FC) were present in the game. Finally, in addition to once again featuring comments in both variants of the language, PES 2012 (on the verge of being released in Brazil at the time of writing) will bring back the six Brazilian teams in the 2011 Copa Santander Libertadores (SC Corinthians P, Cruzeiro EC, Fluminense FC, Grêmio FBPA, SC Internacional and Santos FC) and, for the first time in the franchise, the Portuguese League will appear in the game, although partially licensed15. 4. Perspectives Perspectives for the future of video games in Brazil could not be brighter. Each day, more and more companies start their business operations in the country, opening a new range of opportunities not only for the development of the local market but also for video game localization. Games like Halo: Reach (MICROSOFT/BUNGIE 2010), Killzone 3 (SONY/GUERRILLA 2011), Mortal Kombat (WARNER BROS/NETHERREALM 2011), Infamous 2 (SONY/SUCKER PUNCH 2011) and Gears of War (Microsoft/Epic Games, 2011) were recently released in versions localized into Brazilian Portuguese16. Also, at the time of writing, the upcoming games Assassins Creed Revelations (UBISOFT), Batman: Arkham City (WARNER BROS/ROCKSTEADY), World of Warcraft (BLIZZARD) and Uncharted 3: Drake’s Deception (Sony/Naughty Dog) are also set to offer Portuguese as one of the languages available17. Moreover, there is the project 15 Only SL Benfica, FC Porto and Sporting CP will be fully licensed; the remaining teams will appear with fictitious names. 16 Halo: Reach, Killzone 3 and Infamous 2 were both dubbed and subtitled; Mortal Kombat and Gears of War 3 were only subtitled. 17 World of Warcraft and Uncharted 3: Drake’s Deception will be both dubbed and subtitled; Assassins Creed Revelations and Batman: Arkham City will be only subtitled. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 323 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil Jogo Justo (FAIR GAME), which aims at showing the government all the benefits that a tax reduction on video games can bring to the Brazilian economy, not only for increased tax revenues or job creation, but also as a strategy to combat piracy. Finally, on September 27th, 2011, two more good pieces of news: Microsoft officially announced the manufacturing of its Xbox 360 in Brazil (AZEVEDO 2011), thereby allowing a significant reduction in its prices and, at the same time, offering potential consumers the perspective of greater access to the console in the country; on the same day, the Executive Secretary of the Ministry of Science, Technology and Innovation, Luis Antonio Rodrigues Elias, stated that the other two giants, Sony and Nintendo, are both negotiating with the Government in order to also manufacture their consoles in Brazil (UOL JOGOS 2011); however, at the time of writing, there has still been no official confirmation by both companies on the subject. In view of all this, it can be said that Brazil has what it takes to become a superpower, not only in the international scene, but also in the magical world of video games. 5. References ACTIVE GAMING MEDIA (2010). History of Game Localization http://www.activegamingmedia.com/news/history-of-game-localization <Last accessed on April 15th, 2011>. AZEVEDO, T. (2011). Microsoft oficializa produção do Xbox 360 no Brasil; console chega em 5 de outubro por R$ 800. In: UOL Jogos, September 27th, 2011. http://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/09/27/microsoft-oficializafabricacao-do-xbox-360-no-brasil.htm <Last accessed on September 27th>. BARTON, M & LOGUIDICE, B (2009). The History Of Pong: Avoid Missing Game to Start Industry. http://www.gamasutra.com/view/feature/3900/the_history_of_pong_avoid_ missing_.php <Last accessed on March 11th, 2011>. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 324 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil ______. (2009). The History of Spacewar!: The Best Waste of Time in the History of the Universe. http://www.gamasutra.com/view/feature/4047/the_history_of_spac ewar_the_best_.php . <Last accessed on March 13th, 2011> BERNAL MERINO, M. (2006). On the Translation of Video Games. The Journal of Specialised Translation 6, p. 22-36. http://www.jostrans.org/issue06/art_bernal.pdf <Last accessed on September 27th, 2011>. BERNAL MERINO, M. (2007). Challenges in the Translation of Video Games. Tradumàtica 5. http://ddd.uab.cat/pub/tradumatica/15787559n5a2.pdf September 27th, 2011>. <Last accessed on DIETZ, F. (2007). How Difficult Can That Be - The Work of Computer and Video Game Localization. Tradumàtica 5. http://ddd.uab.cat/pub/tradumatica/15787559n5a4.pdf May 11th, 2011>. <Last accessed on DISCOVERY CHANNEL BRASIL (2007). A Era do Videogame . EDGE MAGAZINE (2010). Diversão Acessível. Editora Europa: Issue 15 (August, 2010), p.11. ESA (2011). Essential Facts About The Computer and Video Game Industry http://www.theesa.com/facts/pdfs/ESA_EF_2011.pdf September 27th, 2011>. <Last accessed on "GAGÁ" ROB, O. (2009). Phantasy Star Eterno. In: Old!Gamer Magazine. Editora Europa: Issue 2 (November, 2009), p.16-37 . LAMBERT, B. (2008). Brookhaven Honors a Pioneer Video Game. In: New York Times (United States). http://www.nytimes.com/2008/11/09/nyregion/longisland/09videoli.html <Last accessed on March 12th, 2011>. MANGIRON, C. & O’HAGAN, M. (2006). Game Localisation: Unleashing Imagination with 'Restricted' Translation. The Journal of Specialised Translation 6, p.10 21. http://www.jostrans.org/issue06/art_ohagan.pdf September 27th, 2011>. <Last accessed on MICHAELIS (1998-2007). Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (Online version). Editora Melhoramentos. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php <Last accessed on September 27th, 2011>. NOWAK, P. (2008). Video games turn 50. In: CBC News (Canada) TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 325 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil http://www.cbc.ca/news/technology/story/2008/10/15/tech-games.html <Last accessed on March, 8th, 2011>. O’HAGAN, M. (2007). Video games as a new domain for translation research: from translating text to translating experience. Tradumàtica 5. http://ddd.uab.cat/pub/tradumatica/15787559n5a9.pdf May 12th, 2011> . <Last accessed on SCHOLAND, M. (2002). Localización de Videojuegos. Tradumàtica 1 http://www.fti.uab.es/tradumatica/revista/articles/mscholand/mscholand.P DF <Last accessed on May 11th, 2011>. SUZUKI, A. (2009). Master System completa 20 anos de vida no Brasil. In: UOL Jogos, September 4th, 2009. http://jogos.uol.com.br/ultnot/multi/2009/09/04/ult530u7180.jhtm accessed on April 7th, 2011>. <Last UOL JOGOS (2009). Japoneses reclamam de dublagem de Modern Warfare 2 http://jogos.uol.com.br/ultnot/multi/2009/12/06/ult530u7440.jhtm accessed on September 4th, 2011>. <Last UOL JOGOS (2010). Indústria de jogos moverá US$ 65 bilhões em 2013 http://jogos.uol.com.br/xbox360/ultnot/2010/02/23/ult3277u27070.jhtm <Last accessed on April 28th, 2011>. UOL JOGOS (2011). Sony e Nintendo negociam para fabricar no Brasil, diz Governo. http://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/09/27/sony-e-nintendonegociam-para-fabricar-no-brasil-diz-governo.htm <Last accessed on September, 27th, 2011>. Games CALL OF DUTY: MODERN WARFARE 2 (United States, 2009). ACTIVISION/INFINITY WARD: Playstation 3/ Xbox 360/ PC (Windows). DONKEY KONG (Japan, 1981). Nintendo: Arcades. FIFA INTERNATIONAL SOCCER (United States, 1993). ELECTRONIC ARTS: Genesis/Mega Drive. FINAL FANTASY VII (Japan, 1997). SQUARE (now Square Enix): Playstation. GEARS OF WAR (United States, 2011). MICROSOFT/EPIC GAMES: Xbox 360. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 326 Souza, R. V. F. – Video game localization: the case of Brazil GHOST 'N GOBLINS (Japan, 1986). CAPCOM: Nintendo Entertainment System (NES). HALO: REACH (United States, 2010). MICROSOFT GAME STUDIOS/BUNGIE: Xbox 360. INFAMOUS 2 (United States, 2011). SONY/SUCKER PUNCH: Playstation 3. KILLZONE 3 (United States, 2011). SONY COMPUTER ENTERTAINMENT/GUERRILLA GAMES: Playstation 3. MAX PAYNE (United States, 2001). REMEDY ENTERTAINMENT /3DREALMS/GATHERING DEVELOPERS: PC (Windows). OF METAL GEAR SOLID (Japan, 1998). KONAMI: Playstation . METAL GEAR SOLID 3: SNAKE EATER (Japan, 2004). Konami: Playstation 2. MORTAL KOMBAT (United States, 2011). WARNER BROS. INTERACTIVE ENTERTAINMENT/NETHERREALM STUDIOS: Playstation 3/ Xbox 360. MÔNICA NO CASTELO DO DRAGÃO (Brazil, 1991). TEC TOY: Master System. PAC-MAN (Japan, 1980). NAMCO: Arcades. PHANTASY STAR (Japan, 1987). SEGA: Master System. PONG (United States, 1972). ATARI: Arcades. PRO EVOLUTION SOCCER 2009 (United States, 2008). KONAMI: Playstation 3/ Xbox 360/ Wii/ PSP/ Playstation 2/ PC (Windows)/ Mobile . PRO WRESTLING (Japan, 1986). NINTENDO: Nintendo Entertainment System (NES). RAGNARÖK ONLINE (Korea, 2002). GRAVITY: PC (Windows). RESIDENT EVIL (Japan, 1996). CAPCOM: Playstation. SPACEWAR! (United States, 1962). STEVE RUSSELL: PDP1 Computer. SPACE INVADERS (Japan, 1978). TAITO: Arcades. STARCRAFT II: WINGS OF LIBERTY (United States, 2010). BLIZZARD: PC (Windows/ Mac OS X). SUPER MARIO BROS. (Japan, 1985). NINTENDO: Nintendo Entertainment System (NES). TENNIS FOR TWO (United States, 1958). William A. Higinbotham: Analog Computer/ Oscilloscope. WONDER BOY IN MONSTER LAND (United States, 1988). SEGA: Master System. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 289-326 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira Marly D’Amaro Blasques Tooge * (...) a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação de nossa raça até agora. Mário de Andrade Abstract: This paper is a study on contemporary “Brazilian cultural representation” through texts produced in the scope of Brazilian music. Such texts, in the format of songs, build a corpus which can reveal different usages of languages, in order to articulate the relation with “the foreign other”. Such artistic manifestation has been, for a long time, the stage for debates and discussion on national identity. Ideological clashes and identity projects have produced different uses of languages, which revealed not only trends of harsh nationalism, but also those of consent to foreign influence, something that can be easily demonstrated in the aforementioned corpus. As an instrument of language and culture dissemination, music shows how artists manipulated the languages, creating “strategies of linguistic confrontation”, in order to make survive element of the so called “Brazilian Culture”. Keywords: translation; representation; transculturation; Brazilian music; identity. Resumo: Neste trabalho, buscou-se estudar a “representação cultural brasileira” na contemporaneidade, através dos textos produzidos dentro do contexto da música brasileira. Acreditamos que tais textos, no formato de canções, montam um corpus de estudo que pode revelar diferentes usos das línguas para articular a relação com o “outro estrangeiro”. Tal atividade artística tem sido, há tempos, palco de discussões e negociações sobre a identidade nacional. Tensões ideológicas e projetos identitários produziram usos variados dos idiomas, refletindo tanto correntes de * Doutoranda da área [email protected]. de Estudos Linguísticos e Literários em TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br Inglês. Email: nacionalismo acirrado, quanto de abertura à influência estrangeira, movimentos que podem ser claramente verificados nesse corpus. Como instrumento de difusão de língua e cultura, a música revela usos de idiomas e “estratégias de confronto linguístico”, na busca da sobrevivência de elementos da “cultura brasileira”. Palavras-chave: identidade. tradução; representação; transculturação; música TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br brasileira; 329 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira 1. Introdução O título deste artigo, que reproduz aquele da tese de doutorado do autor deste trabalho, tem propositalmente um sentido múltiplo: “acorde” tanto representa a escrita ou a execução simultânea de notas musicais, quanto a forma imperativa do verbo “acordar” na terceira pessoa do singular. Esta, por sua vez, é utilizada para a conjugação do pronome “você” - tipicamente utilizado em várias regiões do Brasil, mas não em Portugal. O verbo “acordar”, todavia, também tem dupla significação: pode referir-se a “despertar”, “tomar consciência de algo”, ou a “entrar em acordo”. Dessa forma, a expressão “acorde estrangeiro” faz alusão tanto ao som produzido pelo estrangeiro, aquele que nos é “estranho” ou “exótico”, quanto a uma ordem para que o estrangeiro ganhe consciência do que está ocorrendo, ou, ainda, de que ele “entre em acordo” – aquele da “negociação” existente em todo o trâmite de “representação do outro”. Essa complexa multiplicidade de sentidos nos parece adequada para falar da representação da(s) cultura(s) brasileira(s) através da música, no ambiente internacional. A ideia de tal título teve como inspiração, a princípio, o nome do disco do compositor Caetano Veloso gravado em 2004: A Foreing Sound. Nele existe, em nossa opinião, ao mesmo tempo uma ideia de “estranheza” causada pela sonoridade e pela “voz” de uma cultura estrangeira e proposta de atração do compositor por esse mesmo ritmo e essa mesma cultura. Já nosso “acorde estrangeiro” amplia essa dualidade e propõe que “despertar” para os sons, as vozes do estrangeiro, é também conscientizar-se de sua riqueza cultural. A escolha do termo “enfrentamentos” se deu não em função da alusão a disputas, mas sim à ideia de colocar “frente a frente” os idiomas. Este artigo filia-se à área dos Estudos da Tradução, campo de estudo que tem expandido nas últimas décadas, graças a propostas como as da professora da Universidade de Massachusetts, Maria Tymoczko, para quem o campo de TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 330 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira estudos deve abrir-se a uma maior diversidade de textos e expandir seu objeto de trabalho (TYMOCZKO 2003: 17-19). Tymoczko também defende a exploração de novos modos de interface cultural, entre eles a “representação” (a construção e a exibição de imagens, reconhecendo a necessidade de pensar os aspectos ideológicos envolvidos nesse processo) e a “transculturação” (a transmissão de características culturais de um grupo cultural a outro, indo além da transferência de materiais verbais, e incluindo a transferência de ideias sobre religião, governo, divulgação de formas artísticas e materiais de mídia [TYMOCZKO 2003: 21-24]). Faz parte, ainda, das propostas da autora inserir no campo de estudos a sondagem dos processos envolvidos na “tradução” de formas artísticas, como a música e as artes visuais (TYMOCZKO 2003: 23). É com base em tais propostas que buscou-se estudar os processos de transculturação e de representação dentro do âmbito da música brasileira. Para isso, foi levantado um corpus de estudo composto por letras de canções elaboradas desde o início do século XX no Brasil. O período não foi escolhido aleatoriamente, mas por ser um período de grandes modificações ou transições políticas e sociais no Brasil: no princípio do século, escravos libertos haviam migrado para o Rio de Janeiro (SEVCENKO 2003: 41), enfrentando mais tarde as políticas sanitaristas da Velha República (SANTOS 1985: 194); o governo ainda dava continuidade à “americanização da política externa brasileira” iniciada por Rio Branco (BETHELL 2009); aumentava o processo de imigração e de industrialização no Brasil, enquanto diferentes grupos de intelectuais buscavam redefinir a ideia de nação brasileira. Em meio a toda a efervescência da época, acontecia a primeira transmissão de rádio no Brasil, no Rio de Janeiro, inaugurando as transmissões na segunda década do século XX. O primeiro grande veículo de comunicação do século logo veria nascer a “Era de Ouro do Rádio”, a consagração de um instrumento que trouxe, entre outras coisas, a música para dentro das casas dos brasileiros. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 331 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira A partir daí, um processo crescente de reformulação identitária passaria a ser associado à música. Nas palavras de Michell Nicolau Netto: (...) a música popular desde o começo do século XX foi tratada – a partir de uma série de processos de ressignificação, como procuraremos mostrar – como um símbolo identitário nacional privilegiado, um símbolo que passou a ser discursado sob o registro da brasilidade, daquilo que nos propõe uma forma enquanto povo. Ainda, é a indústria da música popular a mais impactada pelos avanços tecnológicos em termos de circulação. Por ser de produção muito mais simples do que um filme ou um programa de TV e por se adaptar com mais competência ao ímpeto individualista da sociedade contemporânea, ela é mais competente em se relacionar com os novos meios de comunicação para se espalhar sobre as fronteiras. No caso da música popular brasileira, então, ao fazer isso ela leva consigo a identidade nacional para um espaço global e, com isso, seu estudo permitirá entender como esta identidade passa a ser articulada a partir de seu deslocamento (NICOLAU NETTO 2009: 17). Mas, o processo de transmissão dos elementos das camadas populares para o centro do sistema musical brasileiro como símbolo nacional não foi nada simples. José Ramos Tinhorão explica, em seu ensaio Música Popular — um tema em debate (TINHORÃO 1967: 17-21), como “Os gêneros da música urbana reconhecidos como tipicamente cariocas — o samba e a marcha — surgiram e se fixaram no período de 60 anos que vai de 1870 (...) até 1930 (...)”. O samba, juntamente com a marcha, como “criação consciente, destinada a atender a fins específicos: a necessidade de ritmos capazes de servirem à cadência das lentas passeatas dos ranchos (...) e à procissão desvairada dos blocos e cordões carnavalescos” (TINHORÃO 1967: 17) resultaria, na década de 1930, já “amansado” para “o gosto das novas camadas da classe média”, com uma série de variações em torno do ritmo fundamental de 2/4. Diz Tinhorão: A história do samba carioca é, assim, a história da ascensão social contínua de um gênero de música popular urbana, num fenômeno em tudo semelhante ao do jazz, nos Estados Unidos. Fixado como gênero musical por compositores de camadas baixas da cidade, a partir de motivos ainda cultivados no fim do século XIX por negros oriundos da zona rural, o samba criado à base de instrumentos de percussão passou TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 332 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira ao domínio da classe média, que o vestiu com orquestrações logo estereotipadas, e o lançou comercialmente como música de dança de salão (TINHORÃO 1967: 18). Dessa forma, para Tinhorão, o samba seria o resultado da apropriação de ritmos populares pelas classes mais altas. Ana Maria Rodrigues parece ter uma opinião similar, defendendo que a criação da ideia de democracia racial brasileira, para ela uma estratégia de branqueamento, tivesse sido uma forma de enfraquecer o caráter étnico das “associações carnavalescas dos negros” e impedindo que surgisse uma “consciência negra” (NAPOLITANO & WASSERMAN 2000: 181). Muniz Sodré vê o samba “como um movimento de continuidade e afirmação dos valores culturais negros, uma cultura não oficial e alternativa, que seria uma forma de resistência cultural ao modo de produção dominante da sociedade carioca do início do século XX” (idem). Enquanto isso, Hermano Vianna enfatiza o panorama cultural das primeiras décadas do século XX, com o surgimento do elogio à mestiçagem, quando ganhava força a busca pelas “raízes da nação” e quando a ação de “mediadores culturais”, como Noel Rosa, teria sido de fundamental importância para elevação do samba a “ritmo nacional”, suprindo a necessidade de unificação do País (VIANNA 1995: 115). Seja como forma de resistência, por temor político, pela ação dos “mediadores culturais” ou simplesmente pela atração que os ritmos populares causavam nas classes sociais mais elevadas, elementos culturais das chamadas camadas “populares” passaram para o centro do sistema musical brasileiro. A música, veículo da oralidade dessas camadas, chegava às recém-criadas rádios em um clima de grande efervescência política que culminou com a Revolução de 1930 e incorporou o forte nacionalismo da “Era Vargas”. É nesse contexto que vemos as primeiras canções tocadas no rádio, trazendo as primeiras marcas dos “confrontos linguísticos” na música brasileira. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 333 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira 2. A corrente de resistência e a utopia da mestiçagem Músicos da década de 1930 já criavam, assim, canções de forte cunho humorístico 2, típicas do clima que invadia os programas de rádio brasileiros, para rebater a influência estrangeira. Como conta Ramiro Lopes BICCA JUNIOR (2001), se a França foi “o primeiro modelo de sociedade para a elite brasileira (...) a influência americana, na realidade, refletia-se mais nas expressões idiomáticas da população brasileira" (BICCA JUNIOR 2000: 1). Entretanto, as canções populares revelavam mais do que isso: elas transmitiam as narrativas orais de uma população que vivia na tensão do nacionalismo em uma época de questionamentos constantes sobre sua identidade. Em função disso, as línguas passaram a ser instrumentos de artistas para realizar tal embate ideológico da nacionalidade. O “fox-nonsense”, ou “soneto-piada”, conforme definição de SALIBA (2002: 280), Canção para inglês ver, de LAMARTINE BABO (1931), mostrava que a ordem era ironizar. Babo criara uma paródia onde, através da homofonia, desmistificava o uso do idioma inglês, transformando-o em “galhofa” (SALIBA 2002: 282) 3. Os sons que imitam o idioma inglês na canção misturam-se a termos de origem indígenas como “itapiru” ou “jaceguai”, ou ainda como o nome tipicamente português “Silva Manoel”, e o tom “elevado” do idioma 2 Elias Thomé Saliba, em Raízes do Riso (SALIBA : 2002) afirma que “quando o rádio procura uma linguagem própria, rápida, concisa e colada no dia-a-dia, suscetível de registrar o efêmero do cotidiano, ele vai encontrar aquilo que as criações humorísticas já haviam de certa forma elaborado em estreita ligação com o teatro musicado, o teatro de revista, as primeiras gravações fonográficas, e até mesmo as primeiras produções cinematográficas: a mistura linguística, a incorporação anárquica de ditos e refrãos conhecidos por ampla maioria da população, a concisão, a rapidez, a habilidade dos trocadilhos e jogos de palavras, a facilidade na criação de versos prontamente adaptáveis à música, aos ritmos rápidos da dança e aos anúncios publicitários” (SALIBA 2002: 228). 3 As inúmeras referências e chaves de época são analisadas mais profundamente por SALIBA (2002: 280-283). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 334 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira estrangeiro é rechaçado, através de referências banais de nosso cotidiano, como “salada de alface”, “abacaxi” e “sanduíche”. Tais referências não são ingênuas ou aleatórias, mas históricas e pontuais, “delatando” acontecimentos da época, como a instalação da companhia Shell ou da Standard Oil no Brasil: I love you / Forget sclaine / Maine Itapirú / Morguett five underwood / I shell / no bond Silva Manoel / Manoel... Manoel... I love you To have steven via-Catumby / Independence lá do Paraguay / Studbaker... Jaceguay / Yes my glass (bis) / Salada de alface (bis) / Fly Tox my till.. / Standard oil... / Forget not me / Oi! Contrário ao “estrangeirismo”, Assis Valente, em 1932, lançou “Tem francesa no morro”, para “destronar” o idioma francês. Sua “petite francesa” acaba dançando samba “em cime de mesa”: Donê muá si vu plé lonér de dancê aveque muá / Dance Ioiô / Dance Iaiá / Si vu frequenté macumbe entrê na virada e fini por samba / Dance Ioiô / Dance Iaiá / Vian / Petite / francesa / Dancê le classique / Em cime de mesa (...) Já sua crítica ao uso do idioma inglês é apresentada na canção Good-bye boy, também de 1932, onde Valente fez uso de empréstimos da língua estrangeira para criticar o “moreno frajola que nunca frequentou as aulas da escola” por ter “mania de inglês”. Mais ainda, sua crítica se vira contra a própria instauração da companhia canadense “Light” como monopolizadora da distribuição de energia elétrica local. Mas, a grande ironia foi a canção tornar-se popular justamente na voz da futura “embaixadora da Boa Vizinhança” do Brasil nos Estados Unidos, Carmen Miranda: Good-bye, good-bye boy, deixa a mania do inglês / É tão feio p'rá você, moreno frajola que nunca frequentou as aulas da escola (...) Não é mais boa noite, nem bom dia / Só se fala "good-morning, good-night" TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 335 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira / Já se desprezou o lampião de querosene / Lá no morro só se usa a luz da Light (oh, yes!) O discurso de resistência à influência estrangeira, resultante da reviravolta identitária modernista, se cristalizaria em 1933 na canção “Não tem Tradução” de Noel Rosa, onde o “poeta da Vila” afirmaria que: O cinema falado é o grande culpado da transformação / Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez / Lá no morro, seu eu fizer uma falseta / A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês / (...) Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição / Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês / Tudo aquilo que o malandro pronuncia / Com voz macia é brasileiro, já passou de português (...) (NOEL ROSA 1933). Essa corrente de crítica ao estrangeirismo na música brasileira não morreu nos anos 1930. Ainda nas últimas décadas, surgiram canções como O Samba do Approach de ZECA BALEIRO (1999), onde vigora a crítica ao “exagero” do uso de termos estrangeiros no Brasil 4. 3. Entrega e sedução Mas, as décadas seguintes trariam novidades para a música brasileira. Com a política da Boa Vizinhança, Carmen Miranda seria “exportada” para os Estados Unidos e se tornaria “the Brazilian Bombshell”. Através de Carmen, o português seria cantado pela primeira vez em filmes de Hollywood. Em 1938, o ator americano Tyrone Power, em visita ao Brasil, já afirmava: “Não é preciso entender o que ela canta. Não é preciso saber o português para entender o samba, cantado por ela com tanta expressão, tanto bulício, tanto encanto nas suas canções que não há quem não fique cativo” (in MENDONÇA 4 Uma canção mais agressiva chamada Estrangeirismo, de Carlos Silva e Sandra Regina, também faz crítica acirrada à americanização no Brasil, tentando reproduzir um linguajar “regional”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 336 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira 1999: 15). Então, para quê cantar? Porque não apenas dançar? Carmen cantava porque os sons que emitia representavam algo, ainda que não o que ela imaginava: o “bulício”, o “encanto”, a “sedução”. Carmen cantava em português, em inglês ou usando a “inversão de código”, ou seja, inserindo o português no meio de uma canção em inglês. O idioma lusófono “emergia”, como quem sobe à tona na tentativa desesperada de não se afogar, para não fenecer. É o caso de “I’m just wild about Harry”, canção cantada por Carmen no filme Greenwich Village (Serenata Boêmia) de 1944. Ainda que a escolha da introdução da língua portuguesa não fosse sua, e provavelmente estivesse ali como mais um elemento de exotismo, através dela Carmen levava para o “Tio Sam” aquilo que imaginava ser a “verdadeira cultura brasileira”: Oh, I'm just wild about Harry / And Harry's wild about me / The heavenly blisses of these kisses / It fills me with ecstasy / (...) Hey! I'm just wild about / Samba, batucada, carnaval e café / Por macumba, viramundo e uma figa de Guiné / And Harry's wild about / Ser uma baiana com sandália no pé / E provar um vatapá com um pouco de acarajé / The heavenly blisses of his kisses / It fills me with ecstasy / Se gosta de baiana é pra mim de colher (...) Os elementos referentes ao elogio à mestiçagem, ideal que crescia desde o princípio do século XX e se consolidava na obra Casa Grande e Senzala, de GILBERTO FREYRE (1933), marcavam a fala de Carmen Miranda nessa canção (e em outras). Em trabalho anterior (TOOGE 2009: 97) demonstrou-se que a imagem sedutora de Carmen Miranda, ícone que mais fortemente incorporou as características de sensualidade, exotismo e de “paraíso tropical” encapsuladas no mito fundador da identidade nacional brasileira (CHAUÍ 2000), reproduziu-se constantemente, influenciando a recepção de uma forte sucessora, a heroína “Gabriela” de Jorge Amado, nos Estados Unidos em 1962. Criada a aura de sedução em torno dos filmes hollywoodianos, a imagem do Brasil ficaria, por muitos anos, vinculada à imagem exótica de Carmen. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 337 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira 4. A utopia desenvolvimentista Ary Barroso, compositor/parceiro de Carmen, criou em 1939 sua “Aquarela do Brasil”, a canção de elogio à pátria e às belezas da nação, que se tornaria o marco da criação do gênero “samba exaltação”. A canção traz as marcas da ideologia da época, com o elogio ao “mulato inzoneiro”, cantado nos versos de Barroso. A terra de “samba e pandeiro” de Ary Barroso é também a “terra de nosso Senhor”, imitando o ditado popular “Deus é brasileiro”. Ary Barroso também viajou aos Estados Unidos, e sua “Aquarela do Brasil” foi tornada um “hino-nacional brasileiro” no exterior (FREIREMEDEIROS 2005: 21), principalmente após ter sido tema do filme Saludo Amigos, de Walt Disney, em 1942. Mas, a canção só ganhou letra no idioma inglês em 1957, quando Bob Russel escreveu a letra de “Brazil”. Nela, as menções à mestiçagem ou às origens africanas, como em “mulato inzoneiro”, “mãe preta” ou “rei congo”, marcas do caráter ufanista da canção, desaparecem totalmente e o tom da canção se aproxima da nova linha romântica de sucessos brasileiros nos Estados Unidos: a Bossa Nova. “Brazil / The Brazil that I knew / Where I wandered with you / Lives in my imagination. / Where the songs are passionate, / And a smile has flash in it, / And a kiss has art in it, / For you put your heart in it, / And so I dream of old Brazil / Where hearts were entertaining June, / We stood beneath an amber moon / And softly murmured “someday soon” / We kissed and clung together, / Then tomorrow was another day / The morning found me miles away / With still a million things to say / Now when twilight dims the sky above, / Recalling thrills of our love, / There’s one thing I’m certain of; / Return I will / To old Brazil.” No Brasil, músicos, artistas e público da Bossa Nova “respiraram” o TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 338 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira “oxigênio mental” 5 da política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, cuja obra musical mais representativa talvez seja a “Sinfonia da Alvorada”, encomendada pelo presidente a Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes em 1958. Nas palavras de Adriana Evaristo Borges: A princípio (...) a música bossa nova não tinha a intenção de transformar-se em objeto político, mas essa aproximação aconteceu em função de uma concordância de intenções dos produtores da bossa nova e o projeto político de JK, onde o urbano servia como referencial de modernidade. E, nesse aspecto, naquela conjuntura música e política parecem ter cumprido seu papel (BORGES 2007: 1). Os Estados Unidos ouviram muitas das canções da Bossa Nova também na voz de Sinatra. Foi paradigmático seu dueto “bilíngue” com Tom Jobim cantando a “Garota de Ipanema”, agora “Girl from Ipanema” (1963), alternando versos da letra em inglês de Norman Gilbel com os da canção em português. Segundo CHARLES A. PERRONE (2002: 17), o sucesso da canção [nos Estados Unidos] foi maior do que o alcançado por qualquer canção estrangeira. Novamente temos a imagem da mulher sensual, alegre, divertida e sedutora: “Tall and tan and young and lovely” é a garota brasileira que caminha em direção ao mar de Ipanema, sem olhar para seu pobre apaixonado. Várias outras canções brasileiras de Bossa Nova ganharam versões em inglês, entre elas “O Barquinho”, “Desafinado”, “Samba de uma nota só”, “Corcovado” e “Chega de Saudades”. Estavam entre os “letristas” Gene Lees, Arto Lindsay, Norman Gimbel e o próprio Tom Jobim. A Bossa Nova deixou também vários “herdeiros”, sendo Bebel Gilberto, filha de João Gilberto, uma das cantoras de maior sucesso nos Estados Unidos. Entretanto, o fato mais interessante da Bossa Nova foi a canção “Mais que nada” (1963), que “alcançou na interpretação de Sérgio Mendes, o topo da lista das canções 5 A expressão “oxigênio mental” foi cunhada pelo Prof. Dr. Elias Thomé Saliba em sua obra Raízes do Riso (2002: 302). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 339 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira mais tocadas nos Estados Unidos de acordo com o ranking da BillBoard” (CHAVES 2010: 2) 6 sem nunca ter sido traduzida para o inglês. O fato demonstra mais uma vez que os “sentidos” passados pelo ritmo e pelo “clima” gerado pelas canções se sobrepunham à curiosidade do público quanto ao significado das palavras, do “idioma” cantado. Em uma pesquisa piloto do governo brasileiro, realizada em 2005, quando os entrevistados foram perguntados se o idioma era ou não uma barreira para a divulgação da música brasileira no exterior, 66,6% dos entrevistados responderam que “não”. Segundo a pesquisa, apesar do grande número de entrevistados [serem] falantes de português, “(...) as respostas (...) referem-se ao senso comum, corroborando a impressão de que o público de música brasileira e o estrangeiro têm a expectativa de ouvir os artistas cantarem em sua língua materna, ainda que não compreendam o significado das letras” 7. Essa barreira a uma maior compreensão da cultura e da língua através da “palavra cantada” teria, entretanto, novos inimigos, que nasceriam do próximo movimento musical de nossa história: a Tropicália. 5. Tropicália e a utopia antropofágica Que a música popular centralizasse as energias (...) só reafirma a força de uma tradição que possibilitou a bossa nova: a música popular brasileira tem sido, de fato, para nós como para estrangeiros, o som do Brasil do descobrimento sonhado. (...) Ela é a mais eficiente arma de afirmação da língua portuguesa no mundo, tantos insuspeitados amantes esta tem conquistado por meio da magia sonora da palavra cantada à moda brasileira, tantos insuspeitados amantes esta tem conquistado por meio da magia sonora da palavra cantada à moda brasileira. Caetano Veloso 6 A canção esteve várias vezes entre as dez mais tocada da revista Billboard, desde seu lançamento em 1967. 7 Estes dados foram gentilmente fornecidos pelo músico responsável pela pesquisa piloto, Felipe Radicetti. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 340 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira A década de 1960 também foi marcada por diferentes formas de nacionalismo, agora muito vinculadas à tensão política que resultou no golpe militar de 1964 e se expandiu com ele. Enquanto a Jovem Guarda, muito influenciada pelo rock americano, ganhava numerosos fãs no Brasil e juntavase à Bossa Nova na aceitação dos modelos externos, uma corrente de resistência representada principalmente pelo movimento estudantil também se fortalecia. Se a Guerra Fria fizera crescer a influência comunista na política brasileira, com a derrota para os militares, o nacionalismo de esquerda se tornara mais agudo e era pesada a crítica contra aqueles “coniventes com o imperialismo norte-americano”. Vivia-se o momento das canções engajadas, que precisavam driblar a rígida censura da ditadura. Já os militares incentivavam o nacionalismo “patriótico”, também rejeitando a influência externa. Em meio a tais pressões no meio artístico, os membros da futura Tropicália se rebelavam, paradoxalmente “decretando” ser “proibido proibir”. Seu ideal: “retomar a linha evolutiva da música brasileira” 8. Nas palavras de Caetano Veloso: De fato, nós tínhamos percebido que, para fazer o que acreditávamos que era necessário, tínhamos nós que livrar do Brasil tal como o conhecíamos. Tínhamos que destruir o Brasil dos nacionalistas, tínhamos que ir mais fundo e pulverizar a imagem do Brasil carioca (V ELOSO 1997: 46). Assumindo um caráter antixenofóbico, os Tropicalistas se autodenominaram neoantropofágicos e, sofrendo a influência dos poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos, buscaram unir tradição e modernidade, primitivo e tecnológico, nacional e estrangeiro. A linguagem dos Tropicalistas, à maneira oswaldiana, era telegráfica, privilegiando a 8 Para o conceito de “linha evolutiva” ver: NAPOLITANO (2007: 95-108). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 341 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira hibridação lexical. É, no entanto, a partir do exílio de Caetano e Gil, que a relação com o estrangeiro mais aparece nas canções dos dois artistas, em especial nas de Caetano. Seu álbum Transa, lançado em 1972, praticamente um álbum de exílio, traz aquela que parece ser a primeira canção do compositor direcionada ao estrangeiro: “You don’t know me”. A canção, escrita originalmente em língua inglesa, fala do desconhecimento do “outro”, da barreira que impossibilita a troca, e chega ao refrão com uma quebra tanto no ritmo quanto na linguagem: a intertextualidade se une à técnica da alternância de códigos, e ambas são utilizadas para inserir a “identidade” do interlocutor: a história de escravidão surge nas palavras “devoradas” da canção “Maria Moita” de Carlos Lyra, enquanto a religiosidade surge nos versos de “Reza” de Edu Lobo. A marca de seu próprio “Saudosismo” aparece nas rimas de sua canção homônima: You don’t know me / Bet you’ll never get to know me / You don’t know me at all / Feel so lonely / The world is spinning round slowly / There’s nothing you can show me / From behind the wall / Show me from behind the wall / Show me from behind the wall / Show me from behind the wall / Nasci lá na Bahia de mucama com feitor / O meu pai dormia em cama, minha mãe no pisador / Laia ladaia sabadana ave maria / Laia ladaia sabadana ave maria / Eu você nós dois, já temos um passado meu amor / Um violão guardado, aquela flor (…) A técnica de inserir o português estrategicamente nos refrãos das canções, buscando seduzir o ouvinte a cantar no idioma português, assim como a tentativa de inserir elementos da cultura de origem do compositor na canção elaborada em idioma estrangeiro parece ter ecoado entre vários artistas brasileiros que se apresentam fora do Brasil. Representar de forma “missionária” sua “nação”, através da tentativa de “transmitir elementos culturais”, ou seja, promover a “transculturação”: essa também parece ser a ideia que origina canções como as do grupo “Forró in the Dark”, conjunto cujo TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 342 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira nome por si só já revela a vontade de “misturar” ou “hibridizar” ritmos, línguas, canções, culturas. Gravada na voz de David Byrne, o sucesso de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, “Asa Branca”, leva o drama do migrante que foge da cruel ação da natureza, da seca nordestina, deixando lá o amor e a promessa de regresso. A versão do “Forró in the Dark” apresenta uma tentativa forte de manutenção de elementos culturais brasileiros, com a menção à festa de São João mantida no português, a exclamação “adeus Rosinha” intercalada com versos em inglês e a mesma estratégia de trazer no refrão a inversão de códigos: ASA BRANCA (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira) Quando oiei a terra ardendo ASA BRANCA (Forró in the Dark David Byrne) When I heard the land was burning Qual a fogueira de São João Like the bonfires of São João Eu preguntei a Deus do céu, ai I asked God up there in his heaven Por que tamanha judiação What is happening to us now? Que braseiro, que “fornaia” What a hellfire, what a furnace Nem um pé de “prantação” Not a tree was left alive Por farta d'água perdi meu gado And all my cattle, they laid there dying Morreu de sede meu alazão (...) And even my horse steed did not survive Inté mesmo a asa branca And the white wing dove Bateu asas do sertão has flown now, far away from this backland "Intonce" eu disse adeus Rosinha So I say now, "adeus Rosinha" Guarda contigo meu coração Know in your heart, I'll be back again “Intonce” eu disse adeus Rosinha Guarda contigo meu coração (…) “Intonce” eu disse adeus Rosinha Guarda contigo meu coração (…) Na versão inglesa de Asa Branca, a voz do sertanejo aflora e se mostra, TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 343 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira reunindo-se novamente ao ritmo ao qual pertence e cujo espaço houvera cedido. Exílio, fuga de um ambiente hostil e melancolia do regresso são temas que certamente trazem um apelo ao público internacional, já que as guerras e as disputas de terra, os diversos “exílios” e “diásporas” trazem consigo a mesma carga nostálgica. Tais características não passaram despercebidas ao produtor David Byrne. 6. Conclusão Os processos de busca de representação, construção identitária e “confrontos linguísticos” aqui descritos certamente não se esgotam aí, mas o que foi apresentado serve como base para compreender as diversas tentativas de representação da cultura brasileira vinculadas a diferentes “nacionalismos” na música brasileira. Em algumas delas, a hibridação, assim como os processos de representação e de transculturação foram mais marcantes. Mas, todas refletiram as ansiedades sociais resultantes dos acontecimentos históricos dos últimos séculos. Diferentes grupos de artistas, “mediadores culturais” ou “representantes" debateram-se, e ainda se debatem, entre sua inserção no mercado mundial e a valorização da cultura brasileira, enfrentando a ansiedade de transmitir uma identidade “desejada”, ou “imaginada” e a “imagem congelada” pelo mito fundador. Nessa constante busca de reelaboração da “identidade brasileira”, a “palavra cantada” transformou-se em um novo instrumento para desconstruir as imagens monolíticas e congeladas da “nação brasileira”. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 344 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira 7. Referências bibliográficas ANDRADE, O. Manifesto antropófago. In Obras Completas. A Utopia Antropofágica. São Paulo, Globo, 1995. ANDERSON, B. Imagined commuinities: reflections on the origin and spread of capitalism. Londres/Nova Iorque, Verso, 1991. BETHELL, L. O Brasil e a ideia de "América Latina" em perspectiva histórica. Estud. hist. (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 22, n. 44, 2009. BICCA JUNIOR, R. L. Coisas nossas: a sociedade brasileira nos sambas de Noel Rosa. – Faculdade de Letras, Porto Alegre, PUCRS, 2001. BHABHA, H. “DissemiNação: o tempo, a narrativa e as margens da nação moderna” In:___ O local da cultura. Editora UFMG, 2001. BORGES, A. E. República bossa nova: o encontro entre a música e a política (1956-1960). Revista Espaço Acadêmico, No. 76 – Set 2007. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/076/76borges.htm> . Acesso em 05/08/2011. BRESSER-PEREIRA, L. C. Nacionalismo no centro e na periferia do capitalismo, In: Revista Estudos Avançados 22 (62). São Paulo, USP, 2008. CASTRO, R. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. CHAUÍ, M. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2000. CHAVES, R. P. “País Tropical e seu mimetismo: o discurso ufanista associado a Wilson Simonal e a desinvenção Tropicalista” in Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, v. 44, n. 2, p. 293-311, 2010. CONCEIÇÃO, R. I. S. “A língua Portuguesa no Brasil: a construção de um semióforo”. In: Anais I SIMELP – Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa FFLCH/USP, 2008. FREIRE-MEDEIROS, B. O Rio de Janeiro que Hollywood Inventou. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. FREYRE, G. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Maia & Schmidt - 1933. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A Editora, Rio de Janeiro, 2006. HOBSBAWM, E. J. Nations and Nationalism Since 1780. Cambridge, Cambridge University Press, 1990. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 345 Tooge, M. D. B. – Acorde estrangeiro: representação e confrontos linguísticos na música brasileira MENDONÇA, A. R. Carmen Miranda foi a Washington, Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999. NAPOLITANO, M.; WASSERMAN, M. C. Desde que o samba é samba: a questão das origens no debate historiográfico sobre a música popular brasileira. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 20, n. 39, 2000. NICOLAU NETTO, M. Música brasileira e identidade nacional na mundialização, São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009. SAID, E. Culture and Imperialism. Edward W. Said. New York: Alfred A. Knopf, 1993. SANTOS, L. A. C. O pensamento sanitarista na Primeira República: Uma ideologia de construção da nacionalidade. In: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p.193-210, 1985. YMOCZKO, M. Enlarging Western Translation Theory: Integrating on−Western Thought about Translation SOAS, 2003. _________. “Reconceptualizing Translation Theory. Integrating Non-Western Thought about Translation”. In: Translating Others, Vol. 1. Manchester: St. Jerome Publishing, 2006, 13-32. TOTA, A. P. O imperialismo sedutor. Cia. das Letras, São Paulo, 1999. VELOSO, C. Verdade Tropical. Companhia das Letras, São Paulo, 1997. ________. “Carmen Miranda Dada” The New York Times, 1991 & Folha de S.Paulo, 22/10/1991. VIANNA, H. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Zahar/UFRJ, 1995. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 327-345 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 346 Dados dos autores Beatriz Cabral Bastos É bacharel e licenciada em Português e Literaturas Correspondentes (PUC-Rio 2003), mestre em Letras (PUC-Rio, 2010) e, atualmente, doutoranda do programa “Literatura, Cultura e Contemporaneidade” (Letras, PUC-Rio). Através da tradução dos poetas Adília Lopes e Frank O’Hara, sua pesquisa procura refletir sobre aspectos teóricos e práticos da tradução de poesia. Publicou os livros de poesia Pandora – fósforos de segurança (Azougue, 2003) e Da ilha (Editacuja, 2009), e os artigos “Poesia e tradução: sobre ‘presença’” (Revista de Letras, UNESP, 2009) e “Hilda Hilst: dois poemas, duas versões” (Tradução em Revista, 2009). Carlos Alberto Rizzi "Doutorando em Geografia Humana pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Geografia (DGEO-FFLCH-USP); mestre em Geografia Humana (DGEO-FFLCH-USP), com dissertação indicada para publicação; graduação: Geografia Urbana (DGEO-FFLCH-USP); membro desde 2008 da equipe júnior da revista franco-brasileira Confins. Diva Cardoso de Camargo Doutora em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo em 1993. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Estudos da Tradução, atuando principalmente nos seguintes temas: tradução literária, tradução juramentada, estudos da tradução baseados em corpus, linguística de corpus, e literatura brasileira traduzida. É autora da obra Metodologia de pesquisa em tradução e linguística de corpus. Cultura Acadêmica/Laboratório Editorial do IBILCE, UNESP, 2007). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 346-350 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 347 Eduardo Luis Araújo de Oliveira Batista Pós-doutorando em História da Arte (ECA-USP). Doutor em Teoria e História da Literatura (IEL-UNICAMP), com estágio no Queen Mary College, University of London. Mestre em Estudos Literários (FALE-UFMG). Bacharel em Tradução da Língua Inglesa (ICHS-UFOP). Participa do grupo de estudos “Arte e Fotografia no Brasil – séculos XIX e XX” (ECA-USP). Principais publicações: (1) Blaise Cendrars - o terceiro elemento do movimento Pau-Brasil. Itinerários, Araraquara, n. 33, p.139-156, jul./dez. 2011. (2) A recepção do Modernismo brasileiro nos EUA: um estudo das antologias de poesia brasileira editadas por Elizabeth Bishop e John Nist. Cadernos de Literatura em Tradução. São Paulo, v.11, p.71-92, 2010. Érika Nogueira de Andrade Stupiello Doutora em Estudos Linguísticos (Estudos da Tradução) pela Unesp de São José do Rio Preto. Mestre em Estudos Linguísticos pela Unesp de São José Rio Preto/SP. Professora de Prática de Tradução na Unesp de São José do Rio Preto. Pesquisadora (CNPq) membro do Grupo de Abordagens Multidisciplinares de Tradução (Multitrad ), com pesquisas sobre ferramentas de tradução, ética tradutória e localização. Possui trabalhos apresentados em eventos no Brasil e no exterior (Canadá e Alemanha). Tradutora pública e intérprete de conferências (inglês/português). Felipe Cabañas da Silva Bacharel (2008) e licenciado (2010) em geografia pela USP, é tradutor francês < > português, tendo trabalhado para a Editora Martins Fontes durante dois anos, na tradução de um Dicionário de Ciências Humanas, publicado em 2010. Atualmente, é aluno ingressante do mestrado em Geografia Humana da FFLCH/USP, onde dedica-se a pesquisas voltadas à área de geografia literária. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 346-350 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 348 Maria Emília Pereira Chanut Profa. Dra. da Área de Língua francesa do Dep. de Letras Modernas do IBILCEUNESP (S. J. do Rio Preto-SP). Graduada no curso Bach.Letras com Hab.de Tradutor, UNESP (1982). Desenvolve pesquisa em tradução especializada. Tradutora juramentada (JUCESP n.1319). Últimas publicações: Os statalismes – particularismos lexicais do francês da Suíça na tradução juramentada. Tradução & Comunicação - Revista Brasileira de Tradutores, v.22, p.91-103, 2011; A tradução juramentada de documentos suíços Resultados parciais em torno dos termos estudados. Tradterm, v. 15, p. 155-171, 2009. Maria Izabel Plath da Costa Mestra e doutoranda em Letras no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Inspetora e docente na Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. Interesse na linguagem jurídico-policial. Principais publicações: A diversidade terminológica dos partícipes nos procedimentos da Polícia Civil do Rio Grande do Sul: Cadernos do IL. n. 40. A textualidade no Termo de Declaração de inquéritos policiais de homicídio sem autoria conhecida: Cadernos do IL. n. 40. Proposta parcial de organização e análise da terminologia da polícia civil: os modus operandi furto chuca, furto descuido, furto mão grande e furto punga. Debate Terminológico. n. 06. Marly D’Amaro Blasques Tooge Tradutora pública e Intérprete Comercial do Estado de São Paulo, mestre e doutoranda na área de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês da FFLCH da USP. Autora de vários artigos sobre língua, tradução e identidade e bolsista do CNPQ, também publicou a obra Traduzindo o “Brazil”: o país mestiço de Jorge Amado (2009), lançado pela editora Humanitas com o auxílio da FAPESP, livro que resultou de sua dissertação de mestrado. Atualmente se dedica ao estudo da representação do Brasil, vinculada ao uso de idiomas no âmbito da música brasileira. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 346-350 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 349 Pedro Heliodoro Tavares Professor da Área de Alemão – Língua, Literatura e Tradução - da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Psicanálise e Psicopatologia (Université Paris VII) e Doutor em Teoria Literária (UFSC). Realizou Pós-Doutorado em Estudos da Tradução (PGET-UFSC) investigando as traduções da Obra de Sigmund Freud. Suas pesquisas e decorrentes publicações acadêmicas abordam principalmente as relações entre Letras e Psicanálise. É autor dos livros “Freud & Schnitzler” (Annablume, 2007) e “Versões de Freud” (7Letras, 2011). Reynaldo José Pagura Doutor em Letras pela USP e Mestre em Linguística Aplicada pela Brigham Young University, nos Estados Unidos. É professor do Departamento de Inglês da PUC-SP, do qual é chefe desde 2005, e do Departamento de Tradução e Interpretação, da Associação Alumni, em São Paulo. É Tradutor Juramentado do Estado de São Paulo e tradutor certificado pela American Translators Association. Tem diversas publicações na área de Estudos da Interpretação e Estudos da Tradução, em periódicos nacionais e internacionais e em anais de congressos. Ricardo Vinicius Ferraz de Souza Graduado em Letras (Português/Espanhol) pela Universidade de São Paulo. Possui experiência no ensino de inglês como língua estrangeira. Atualmente, é mestrando em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo. Áreas de interesse: teoria e prática de tradução, localização, videogames. Talita Serpa Mestranda em Estudos da Tradução pelo programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora do curso de LetrasTradutor da União das Faculdades dos Grandes Lagos–São José do Rio Preto. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 346-350 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 350 Gruaduação: Bacharelado em Letras com Habilitação para Tradução (UNESP) e Bacharelado em Ciências Sociais (UFSCar). É autora dos artigos Tradução de termos simples, expressões fixas e semifixas em ciência política e economia política: um estudo baseado em corpus (Entretextos – UEL, 2011) e A tradução para o inglês de termos e expressões em Antropologia da Civilização: traços de explicitação em duas obras de Darcy Ribeiro (Intersecções, 2012). Terezinha Rivera Trifanovas Doutoranda em Linguística Aplicada pela Unicamp. Mestre em Linguística Aplicada pela Unicamp. Especialista em Tradução pela Universidade Gama Filho. Graduada em Letras Português e Inglês (licenciatura e bacharelado) pela PUC-Campinas. Docente da Faculdade de Letras da PUC-Campinas. Artigos científicos publicados: 1) A discursivização do perfil de autonomia do aprendiz de EaD como forma de homogeneização das subjetividades; 2) Email: dispositivo sinóptico de legitimação de poder; 3) O agenciamento neoliberal na constituição das subjetividades: o professor exemplar. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 346-350 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 351 POLÍTICA EDITORIAL E NORMAS DE PUBLICAÇÃO A TradTerm acolhe estudos de caráter teórico ou aplicado, oriundos de qualquer área pertinente à tradução e à terminologia, desde que se tratem de contribuições inéditas, sob forma de artigos (máximo de 50.000 caracteres com espaços), resenhas (máximo de 10.000 caracteres com espaços), debates e outros. A critério da Comissão Editorial, poderão ser aceitas contribuições já publicadas, mas de edição esgotada. INSTRUÇÃO AOS AUTORES 1. DAS NORMAS GERAIS 1.1 A TradTerm, revista do Centro Interdepartamental de Terminologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Universidade de São Paulo, é publicada sob a orientação da Publicação, que, por sua vez, é auxiliada por um Conselho avaliação dos trabalhos submetidos para publicação. Tradução e Humanas da Comissão de Editorial na 1.2 Salvo casos excepcionais, a serem apreciados pela Comissão de Publicação, os trabalhos enviados para publicação devem ser inéditos, não sendo permitida a sua apresentação simultânea em outro periódico. A TradTerm reserva-se todos os direitos autorais sobre a sua edição das contribuições aceitas. 1.3 A TradTerm receberá para publicação trabalhos redigidos em português, inglês, francês ou espanhol. A critério da Comissão de Publicação poderão ser aceitos trabalhos em outras línguas. Colaboradores de todos os países estão convidados a submeterem trabalhos e poderão fazê-lo em versão integral bilíngue (usualmente, português/inglês ou português/francês), respeitado o limite de caracteres para cada versão. 1.4 Os trabalhos deverão ser enviados como anexo de mensagem por correio eletrônico. 1.5 A TradTerm reserva-se o direito de submeter todos os originais à apreciação da Comissão de Publicação e do Conselho Editorial, que dispõem de plena autoridade para decidir sobre a conveniência de sua aceitação, podendo, inclusive, reapresentá-los aos autores, com sugestões para que sejam feitas alterações necessárias no texto e/ou para que os textos sejam adaptados às normas editoriais da Revista. A identidade dos membros do Conselho Editorial responsáveis pelo parecer emitido para cada texto específico permanecerá em sigilo. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 352 1.6 Os conceitos emitidos nos trabalhos serão de responsabilidade exclusiva dos autores, e não refletem necessariamente a posição da Comissão de Publicação e do Conselho Editorial. 2. DA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS Os textos devem ser enviados em formato eletrônico .doc, segundo as normas descritas abaixo. Os que não estiverem de acordo com a formatação não serão submetidos à avaliação dos pareceristas. Recomenda-se o uso do modelo de texto formatado disponibilizado. Casos porventura omitidos devem ser consultados nas normas ABNT NBR 6023:2002 e NBR 14724:2001. (Clique aqui para obter modelo de texto formatado) 2.1 Estrutura geral: O original deve ser apresentado na seguinte sequência: Título do trabalho (fonte Trebuchet MS 26 sem negrito ou itálico, centralizado), seguido de dois espaços, nome(s) do(s) autor(es) (Trebuchet MS 16), dois espaços, Resumo (Abstract) e Palavras-chave (Keywords) em inglês e em português (Trebuchet MS 11, separados por dois espaços), Texto (Trebuchet MS 12 – iniciado na página seguinte), Referências bibliográficas. 2.1.1 A filiação institucional e/ou atividade principal do(s) autor(es), seguida dos respectivos e-mails deve constar em nota de rodapé demarcada com asterisco junto ao nome do(s) autor(es). Para dúvidas quanto à formatação das diferentes notas de rodapé consulte aqui. 2.1.2 Caso haja Epígrafe, esta deve ser inserida entre o nome do autor e o abstract, separada dos mesmos por um espaço antes e um depois. O texto da epígrafe deve ser centralizado, fonte Trebuchet MS 10 e o nome do autor da epígrafe deve estar alinhado à direita, fonte Trebuchet MS 10. 2.2 Abstract/Resumo e Keywords/Palavras-chave: O Resumo (Abstract) não deve ultrapassar 900 caracteres com espaços, seguido de, no máximo, 6 Palavras-chave (Keywords). Devem ser apresentados em inglês (Abstract; Keywords) e português (Resumo; Palavras-chave). Em se tratando de língua diversa das mencionadas no item 1.3, o autor tem a opção de acrescentar um resumo na mesma, imediatamente após o corpo do texto e seguindo a mesma formatação dos Abstracts/Resumos. 2.3 Parágrafos e espaçamento: Pede-se que os textos sejam justificados e digitados com espaçamento 1,5 entre linhas, 3 pontos antes e 3 pontos depois. Os parágrafos devem vir assinalados com tabulação de 1,25 cm na primeira linha. A fonte a ser usada deve ser Trebuchet MS, tamanho 12 para o corpo do texto, 26 para o título principal, 16 para o nome do autor, 11 no Resumo e Abstract, 10 nas notas de rodapé. Os subtítulos devem ser TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 353 separados por um espaço dos parágrafos que os sucedem e por dois espaços dos parágrafos que os precedem. (acrescentar subtítulos com 1.2 e etcs) 2.4 As indicações bibliográficas no corpo do texto deverão resumir-se à indicação, entre parênteses, do sobrenome do autor (em Versalete), ano de publicação e página(s). Ex.: (AUBERT 2005: 61). No caso de mais de uma publicação do autor da mesma data, acrescentar à data a sequenciação alfabética (1993a, 1993b etc.). 2.5 Citações: 2.5.1 As citações que contêm até três linhas devem vir entre aspas, sem itálico, seguidas do sobrenome do autor (em Versalete), ano de publicação e página(s): PLAZA (1987: 57) afirma ainda que “por um lado, a recuperação imediata (on line) da informação em tempo real (...) modifica a nossa percepção dessa mesma informação, provocando tradução e contaminação”. 2.5.2 Com mais de 3 linhas, acrescente-se recuo de 1, 50 cm em ambas as margens, fonte Trebuchet 11, sem aspas, sem itálico, espaçamento simples, três pontos antes e três pontos depois. São seguidas do sobrenome do autor (em Versalete), ano de publicação e página(s). As citações em língua estrangeira devem vir em itálico: A identificação de sintagmas terminológicos é um dos temas mais complexos tanto para a Terminologia teórica, quanto aplicada. Esse assunto motiva a valiosa pesquisa apresentada pela autora, cuja origem vincula-se a uma experiência prática sua com o reconhecimento da terminologia de Geociências para a composição de um dicionário bilíngüe (BORGES 2001: 430). 2.5.3 Citação de citação: Nesse sentido, [...]KRIEGER (apud KRIEGER et al 2000: 144) argumenta que (...) não sendo mais facilmente identificados, como ocorria quando, ao modo das nomenclaturas, correspondiam a palavras muito distintas da comunicação ordinária e permaneciam praticamente restritos aos diferentes universos comunicacionais especializados. Hoje, os termos circulam intensamente, porque ciência e tecnologia tornaram-se objeto de interesse das pessoas (...). TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 354 2.6 Itens de destaque: Os seguintes itens devem ser observados na elaboração dos textos: • Versalete nos nomes de autores em referências e citações. O nome deve ser digitado com apenas a primeira letra em caixa alta; • itálico para palavras estrangeiras e neologismos; • itálico para títulos de obras e publicações, com apenas a primeira letra do título em caixa alta. 2.7 Notas de rodapé: Devem ser inseridas como tais e não no final do artigo. Os respectivos números de referência – sempre em ordem numérica crescente e começando pelo nº 01 – devem ser sobrescritos no texto, sem parênteses, imediatamente após a passagem a que se referem. Evite utilizar notas de rodapé para referências bibliográficas. [vide 2.1.1] 2.8 Referências bibliográficas: inseridas ao final do texto, devem listar apenas as obras citadas no corpo do texto e seguir a seguinte estrutura: 2.8.1 A primeira linha não deve apresentar recuo; já as demais devem ter um recuo de 1,5 cm da margem esquerda; 2.8.2 Livros no todo – nome do(s) autor(es) (em Versalete), título do livro (em itálico), edição (quando aplicável), local, editora, data de publicação, data da primeira edição (quando aplicável); Exemplo: JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. 19º ed. São Paulo: Cultrix, 2003 [1969]. 2.8.3 Partes de livros – nome do(s) autor(es), título do capítulo ou similar (sem destaque), a preposição "in" seguida das referências tais como indicadas em 2.8.2, com a adição dos números de páginas; Exemplo: ALBIR, A. H. A Aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos e didáticos. In: PAGANO, A.; MAGALHÃES, C.; ALVES, F. Competência e tradução. Cognição e discurso. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005: 15-57. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 355 2.8.4 Artigo de periódico - nome do(s) autor(es), título do artigo (sem destaque) seguido do nome do periódico (em itálico), volume e/ou n.°, local e data de publicação, n.os da(s) página(s). Exemplo: LUYEN, S. Onomatopeias e mímesis no mangá: a estética do som. Revista USP, n. 52, São Paulo (CCS-USP), dez/jan/fev 2001-2002, pp. 176-188. 2.9 Dados dos autores: O autor deverá enviar, em arquivo separado (formato .doc, Trebuchet 12, parágrafo 1,5, 3 pontos antes e 3 pontos depois), um currículo resumido, em que constem formação, vinculação institucional, atividade profissional e publicações mais relevantes, se houver (máximo 600 caracteres com espaço). 2.10 Documentos iconográficos (ilustrações, figuras, quadros, HQs e semelhantes) devem conter os seguintes elementos identificadores: tipo de documento, autor(es), título (ou “extraído de” quando for o caso), data e especificação do suporte. Devem ser identificados tanto em sua ocorrência no corpo do texto como nas Referências Bibliográficas. Quando necessário, podem ser acrescentados elementos complementares à referência que melhor identifiquem o documento. Exemplos: Figura 1: Extraído de GOSCINNY, R. & UDERZO, A. Asterix e a Cizânia. São Paulo: Record, 1970. p.10. Extraído de EVANGELHO DE JOÃO, Ms. Codex Sangallensis nº60, séc. VIII, pergaminho. Depositado em Sankt-Gallen, Stiftsbibliothek. 70 fls. Folio 37r. FRAIPONT, E. Amilcar II. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 nov 1998. Caderno 2, Visuais. P.D2. 1 fotografia, p&b. Foto apresentada no projeto ABRA/Coca-cola. 2.11 Documentos de acesso eletrônico: compreendem páginas de internet, bases de dados, listas de discussão, sites, arquivos em disco rígido, programas, conjuntos de programas, mensagens eletrônicas e similares. Devem incluir, quando houver, autor(es), título, versão e descrição do produto, serviço ou artigo, seguidos do endereço eletrônico. No caso de artigos, capítulos de livros ou similares, aplicam-se as mesmas normas definidas nas seções anteriores, acrescidas da indicação do endereço e, entre parênteses, a data do último acesso. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br 356 Exemplos: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Biblioteca Central. Normas.doc. Curitiba, 1998. 5 disquetes. SINCLAIR, J. Corpus and text: basic principles. In: WYNNE, M. (ed.). Developing linguistic corpora: a guide to good practice. Oxford: Oxbow Books. Pp.01-16. Disponível em: <http://ahds.ac.uk/linguistic-corpora/>. (30/10/2006). 2.12 Filmes, DVD e similares: devem conter título, nome do(s) diretor(es), produtor(es), local, produtora, data e especificação do suporte em unidades físicas. Exemplo: O AMIGO do povo. Direção e produção Jean Koudela. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 1969. 1 bobina cinematogr. (10 min): son., p&b: 16 mm. Quando necessário, acrescentam-se elementos complementares para melhor identificar o documento. Exemplo: BLADE Runner. Direção: Ridley Scott. Produção: Michael Deeley. Trilha sonora: Vangelis. Los Angeles: Warner Brothers, c1991. 1 DVD (117 min), widescreen, color. Baseado na novela “Do androids dream of eletric sheep?” de Phillip K. Dick. 2.13 Elementos de caráter misto ou de natureza indefinida: No caso de inserção de capturas de tela de programas no corpo do texto, HQs obtidos em meio eletrônico e outros elementos de natureza indefinida, os mesmos devem ser referenciados sempre que forem inseridos no texto, bem como nas Referências Bibliográficas, seguindo os parâmetros definidos nos itens 2.8, 2.10, 2.11 e 2.12. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 351-356 http://tradterm.vitis.uspnet.usp.br