o mineirão é nosso - Associação Mineira de Cronistas Esportivos
Transcrição
o mineirão é nosso - Associação Mineira de Cronistas Esportivos
1 2 3 Editorial NO PROJETO MINEIRÃO, O EMPENHO DA AMCE PARABÉNS MINEIRÃO A ideia nasceu em plena tribuna de mídia do gigante. Companheiros sugeriram: Presidente, vamos fazer uma revista homenageando os 50 anos do Mineirão? - Topei na hora. A causa era mais do que justa e eu adoro um desafio. Começamos então a formatar o projeto e correr atrás dos apoiadores. A ideia básica não era contar a história do Mineirão. Mesmo porque isto vem sendo feito com alta competência por jornalistas e escritores. Fácil encontrar livros, revistas, suplementos, álbuns e artigos sobre o tema. Nosso desejo era colher depoimentos de companheiros novos e antigos que viveram ou ainda vivem a experiência, a emoção e até mesmo o sacrifício de trabalhar dentro deste templo sagrado do futebol. EXPEDIENTE AMCE – Associação Mineira de Cronistas Esportivos – Entidade pública municipal e estadual Rua Bom Despacho, 206. Bairro Santa Tereza - Belo Horizonte / MG CEP 31010-390 www.amce.org.br / [email protected] (31) 3481-9796 / 3481-1357 / 3482-3373 Presidente: Luiz Carlos Gomes A REVISTA AMCE MINEIRÃO 50 ANOS é um produto da entidade em parceria com a Publimig Publicidade e Promoções Ltda e BAC Ltda. Jornalista Responsável Flávio Eduardo MG06903JP Fotos: Arquivo da AMCE, Osmar Ladeia, Heleno Mesquita, Luiz Carlos Alves, Ronan Ramos, Alex Lanza A tarefa não foi fácil. Muitos já deixaram a profissão, estão aposentados, sumidos ou fora da cidade. Muitos outros já estão em outro plano. Importante destacar que a história do Mineirão está umbilicalmente ligada a crônica esportiva mineira. A ideia nasceu e se transformou em realidade graças ao esforço de nobres cronistas esportivos do passado. Foram eles que pressionaram as autoridades para que o projeto saísse do papel. Foram eles que mobilizaram o povo para abraçar o sonho. O velho e saudoso Mineirão marcou uma época de ouro para o futebol de Minas. Foi palco de grandes conquistas, revelou e consagrou verdadeiros craques. Nos deu projeção nacional e internacional. A própria crônica esportiva mineira cresceu muito, em quantidade e qualidade. Agora, totalmente modernizado, mais bonito, forte e monumental, o Mineirão continua garantindo o pleno desenvolvimento do futebol mineiro. Nestes 50 anos bem vividos, o gigante guarda momentos incríveis e números impressionantes. Uma história maravilhosa que chega ao seu cinquentenário devidamente registrada pelo seu porta voz maior, o cronista esportivo. Colaboradores: Virgílio Araujo Filho, Paulo Marques, Luiz Carlos Alves, Ronan Ramos, Leo Coutinho, Daniel Seabra, Luiz Linhares, Paulo Cesar Pedrosa, Ivan Drummond, Wanderlei Lima, Gabriel Lima e Duke. O Mineirão é o nosso habitat natural, onde misturamos lazer e labor com imenso prazer. Aí está a razão da nossa singela, mas sincera homenagem. Não tem placa, troféu ou festa que substitua mensagens feitas de coração para quem a gente ama. Tiragem: 5.000 exemplares Diagramação: Daniela Ângela Impressão: Gráfica Millenium Parabéns, MINEIRÃO! Vida longa. 4 Luiz Carlos Gomes Presidente da AMCE O ambicioso projeto de construção do Mineirão contou com o apoio intenso da crônica esportiva de Minas Gerais. Entre as indecisões que o projeto arquitetônico exigia, de localização, falta de recursos e interesses políticos, cronistas esportivos empunharam a bandeira para sua realização e buscaram convencer a todos da importância da construção. A partir de 1959, uma parcela de jornalistas e radialistas passou a dedicar maior tempo para mostrar a importância da obra para o futebol mineiro. O jornalista e associado da AMCE, Benedito Adami de Carvalho, à época presidente da Federação Mineira de Futebol, começou uma campanha que ganharia adeptos e chegaria ao gabinete do governador Magalhães Pinto. O movimento entendia que o Estádio seria a redenção dos clubes mineiros e apontava os caminhos para conseguir recursos, como a Loteria do Estado. E foi conseguindo seguidores. Entre eles, o então presidente da AMCE, Jovelino Nunes, redator da Rádio Inconfidência. O movimento crescia e ganhou corpo ainda na construção do Mineirão, que via sua conclusão abalada por confrontos políticos. Quando a seleção mineira venceu o torneio nacional, os governantes sentiram o peso das ações dos jornalistas e radialistas, que cobravam um palco digno para o esporte, tamanha a comoção popular nas ruas pelo feito dos mineiros. Osvaldo Faria, ainda repórter da Rádio Itatiaia, acompanhava de perto a evolução das obras. Fazia gravações quase que diárias e eram dele as principais notícias do andamento dos trabalhos. Acompanhou, sozinho na imprensa, a festa da “cumieira” do Mineirão, um grande churrasco oferecido aos operários. Jairo Anatólio Lima, considerado à época o melhor locutor esportivo de Minas, entrou de corpo e alma na luta para a conclusão das obras do Mineirão. É dele uma das grandes participações nos debates, quando abandonou sua costumeira calma e educação para bater boca com o então presidente da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, que não via nenhuma importância na obra e previa sua transformação num elefante branco. A participação dos cronistas não parou por aí. Nos encontros em palácio ou em coletivas do governador, sempre estava presente um cronista esportivo, que fazia perguntas pertinentes à obra, mesmo sabendo dos interesses e ciúmes dos homens que comandavam as decisões políticas no estado (foto). Udenistas e pessedistas queriam o Mineirão, mas cada um da sua maneira. Para se ter noção da importância da AMCE na construção do Mineirão, entre idas e vindas do projeto na Assembleia, nossa associação participou de todos os debates. E quando a lei que gerou o Mineirão determinou uma comissão de administração, entre aqueles com direito a indicação de um membro estava a AMCE, que indicou o associado José Flávio Dias Vieira. Esta união em torno da construção do estádio mudou também us rumos da imprensa esportiva em Minas. As emissoras de rádio passaram a dedicar mais tempo para programas esportivos. Os jornais aumentaram as editorias de es- portes, apareceram novos colunistas e os profissionais recebiam maior carinho do público. Muitos passaram a ter status de estrelas no rádio e na TV. Ganharam espaço para entrar na política e dividiam com os próprios políticos a sua popularidade. Foram inúmeros os cronistas que ganharam o estrelato entre os mais importantes do país. Alguns até conquistaram espaços em outras praças, mas a grande maioria preferia ver o sonho realizado aqui. O ex-presidente Jovelino Nunes dizia que “somente a construção do Mineirão poderá reverter um quadro comum no interior do estado. Ninguém queria saber de Cruzeiro, Atlético e América. Queria Flamengo, Botafogo, Vasco, São Paulo, Corinthians e Palmeiras. O Mineirão vai mudar esta rotina.” Em suas andanças pelo interior de Minas como funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários, hoje INSS, via isso de perto e divulgava a importância da obra de construção do Estádio. Foi um pregador. E estava coberto de razão. 5 CRONIQUÊS Cronista esportivo adora arranjar apelido e codinome pra tudo. Trave é balisa, pau, ferro, arco e poste. Campo de jogo é gramado, palco, quadrado, retângulo, círculo central e muitas outras geometrias. Outro elemento do jogo (também chamado de peleja e ludopédio), a bola tem lá suas alcunhas. Algumas pomposas, como Brazuca e Jabulani. Outras populares, como balão de couro, pelota, cabeça, esfera, côco, redonda, gorduchinha, criança e menina. Abrindo o leque, temos caneta, banheira, frango, bomba, coruja, bicicleta, bandeira, chapéu, catimba, vaca, firula, ladrão, ponte, volante, cartola, pipoca, alface, carrinho, peixinho, açougue, veneno, cera, chocolate, relâmpago e muitos outros. Só pra lembrar: nesse dicionário, tapete e tapetão são coisas totalmente diferentes. 6 7 HISTÓRIA VIVA DO ESPORTE Imagine você, com 86 anos, saúde de ferro, na ativa, memória de elefante e vontade de garoto. É ou não é o resultado do elixir da longevidade! Pois bem, esse é Leontino Coutinho, Tininho para os mais antigos, Léo Coutinho para todos nós. Natural de Curvelo, esse boleiro inveterado já viveu de tudo no futebol. Jogou, treinou, preparou, descobriu, comentou, brigou, viajou, ganhou, perdeu fez e aconteceu. Foi preparador físico campeão brasileiro com o Atlético, ajudou a Rádio Itatiaia a dar os primeiros passos, treinou o América, enfrentou Coutinho e Pelé. É o cronista mais longevo da crônica esportiva mineira, quiçá do Brasil. Uma autoridade no quesito futebol. De quebra, compôs a comissão técnica da Seleção Mineira que inaugurou o Mineirão. Gerson dos Santos foi escolhido para treinador e Paulo Benigno para preparador físico. “Foi o compadre Paulo quem me chamou. Só que ele teve um problema particular e não ficou. Então fui o preparador físico naquele jogo inesquecível. Na antevéspera da partida fizemos literalmente o reconhecimento do gramado. Aliás, fiz o primeiro gol no Mineirão. Eu também treinava os goleiros. Su- 8 bimos antes de todos. Ao começar o bate bola, fiz questão de mandar uma canhota bem forte e estufar as redes. O Buglê fez o primeiro gol oficial, mas quem colocou a bola lá dentro primeiro fui eu”. Foram jogos espetaculares, craques diversos, lances inesquecíveis, públicos maravilhosos. “Disputei mais de uma dezena de edições do Campeonato Mineiro trabalhando no Mineirão, como preparador físico e também treinador. Como cronista, participei de quase todos”. REDENÇÃO – Coutinho era sócio de uma agência de publicidade em Belo Horizonte na época em que o projeto Mineirão ganhava corpo. “Fazíamos as campanhas políticas do Jorge Carone, que também era cronista esportivo. Criamos o lema “Carone realiza mesmo”. Ele foi eleito prefeito da capital e se tornou a grande locomotiva para que o Mineirão acontecesse. É claro que houve muita gente trabalhando a favor, e contra também, mas foi o Carone quem realmente pegou o boi pelo chifre”. Leó revela que a crônica esportiva mineira, de um modo geral, abraçou a causa. “Eu estava na Itatiaia na época e o Januário Carneiro, sempre muito inteligente, botou pilha nas autoridades, já vislumbrando os benefícios que o novo estádio traria para o futebol mineiro e, por conseguinte, para nossa imprensa esportiva. O Mineirão foi a redenção do futebol mineiro”. 9 PELÉ E AS CATIVAS “Tínhamos uma grande ligação com a ASA Publicidade, empresa contratada para os trabalhos de divulgação do novo estádio. Uma das iniciativas foi a venda das cadeiras cativas, como forma de arrecadar dinheiro, inclusive depois do estádio pronto. Pelé foi escolhido como garoto propaganda. Fui um dos que recebeu o rei no aeroporto da Pampulha e o conduziu por aqui. Já no Mineirão, cheio de autoridades, a imprensa toda e os curiosos de carteirinha, Pelé sentou-se numa cadeira improvisada para gravar o comercial. Colocaram a cadeira onde hoje fica a torcida do Atlético. Só depois perceberam que o sol caía à tarde exatamente sob o olhar dos torcedores. Então mudaram as cativas para o lado oposto, onde ficaram até a última reforma do estádio. Inclusive as cabines de imprensa também ficariam do lado de lá. Por esse motivo foram construídas do lado oposto”. Pelé e Zito no Mineirão, dois anos antes da inauguração 10 O MINEIRÃO É NOSSO “Sinto falta do povão no Mineirão, daquele torcedor da geral, da galera que lotava tudo e fazia uma festa maravilhosa. Hoje elitizou. Os valores estão altíssimos. As condições de trabalho também mudaram, assim como o próprio futebol. Vi de perto os maiores craques do Brasil e do mundo jogar no Mineirão e pra mim o Reinaldo foi o maior de todos. Sou um privilegiado. Mas é fundamental ressaltar: quem promove o futebol é o cronista esportivo. Os estádios de Minas e, claro, o Mineirão, são a nossa casa sim! É o cronista quem escreve, mostra, emociona, comenta, fala mal ou bem de jogadores, estimula a torcida e fomenta a polêmica, fundamental para a temperatura do jogo e de tudo que o envolve. Tentar diminuir ou cercear a imprensa esportiva é dilapidar o próprio futebol. Nós, cronistas, precisamos nos manter fortes e atuantes”. 11 EU ESTAVA LÁ GALERIA DE CRAQUES Luiz Carlos Alves Nem as irresponsáveis e repetidas entrevistas de um insano morador de Contagem, autointitulado “astrólogo”, apregoando com sistemática contundência que o novo estádio iria cair, evitaram que eu fosse à inauguração. Nem a tragédia anunciada pelo fazedor de horóscopos para moçoilas à espera de casamento, ou para venerandas senhoras à procura pelos signos de amantes mais fogosos que seus maridos, evitaram que eu fosse à inauguração. Nem o quadro macabro que o pretenso vidente pintava nas manchetes dos jornais, lidas em letras garrafais por Aldair Pinto nos informativos de toda hora da sua emisso ra, evitaram que eu fosse à inauguração. Nem o vermelho-sangue, com o qual o precursor do apocalipse esportivo banhava suas visões catastróficas e bizarras, anunciando centenas de mortos e milhares de feridos ao ruir das arquibancadas, evitou que eu fosse à inauguração do estádio. Nem eu nem os outros 73.200 pagantes evitamos ir. No entanto, poderíamos ter ido em número maior, bem maior, dezenas de 12 milhares mais, não fosse a onda criada pelo tal Saturno, codinome de um espertalhão em busca de espaço para aumentar sua cotação na bolsa esotérica. Ele falhou. Os astros não o ajudaram. Saturno e seus anéis foram recolhidos à insignificância, enquanto o estádio era elevado à potência máxima da galáxia esportiva como o “Gigante da Pampulha” e para servir às verdadeiras estrelas da bola. “Gigante da Pampulha” é jargão de cronista esportivo. Tem o jeito e a sonoridade dos locutores. Seu criador? Não importa. Sua obra ficou maior que ele próprio. Tornou-se expressão de domínio público, que antes e durante todo o período da obra eu já ouvira e tantas vezes voltaria a ouvir. Aquela expressão idiomática popular destruiu outra previsão, a de Wilson de Oliveira, eficiente descobridor de jogadores: “O estádio nunca ficará lotado. Será um elefante branco”. Me lembro bem da voz e do infeliz vaticínio. Eu estava lá. Cheguei logo depois da abertura dos portões. Radinho na mão, fone no ouvido, e uma troca incessante de sintonias. Valia a pena, porque o rádio esportivo mineiro era múltiplo, competitivo. Cada emissora pretendendo ser melhor que a outra. Informar primeiro, oferecer mais detalhes, ouvir anônimos que viravam notícia imediatamente, e entrevistar os famosos de toda hora, tudo fazia sentido. Vi o Belini, meu ídolo, zagueiro bicampeão do mundo, dar a volta olímpica vestindo o uniforme-agasalho da seleção brasileira e carregando a tocha. Vi a eterna demonstração dos cães amestrados da Polícia Militar. Vi a bola do jogo sendo jogada de um helicóptero, pois não permitiram a um paraquedista descer com ela no gramado. Eu, pré-vestibulando de medicina, torcedor de futebol e ouvinte inveterado de rádio, vibrava com a “marcha das informações” (ôpa, outro jargão) e acompanhava da arquibancada, ao lado dos tios Nélson e Emília Portela Alves, as andanças dos repórteres. Via e ouvia o Paulo Celso, na pista, à direita das cabines de rádio e TV. Ele e seu colega da Inconfidência, João Natal. Na cabine, os locutores Lucélio Gomes, Jugurta Anatólio Lima e seu irmão, Jairo, ao lado do comentarista Sérgio Ferrara. Via e ouvia Ronan Ramos, andando pra lá e pra cá, Maurílio Costa, Paulo Roberto, Dirceu Pereira, Januário Silvestre e Ely Zico de Freitas, enquanto Osvaldo Faria comentava e Emanuel Carneiro e Pinguim sustentavam as informações da retaguarda. Quem narrou foi Alberto Rodrigues. Troquei de sintonia e ouvi os vozeirões empostados de Euclides Santos e Armando Alberto e o jovem Geraldo Augusto na Guarani. Vi e ouvi os repórteres Walter Luiz, Carlos Alberto Souza e Mauro Lúcio, informando da pista e dos coredores do estádio. Busquei nova frequência no dial para ouvir, com dificuldade, a Rádio Minas, de pouca potência. Porém, virando o radinho para um lado e outro, escutei Luciano Silva, Normandes Moreira e o comentarista Carlos Dias, nome radiofônico do Carlos Gropen, e os repórteres Max Chinait e Hélio Zico. Na Jornal de Minas, Aloísio Santos e Ito Abrahão reportavam para o locutor Ilídio Costa. Aliás, os locutores eram também speakers, um anglicismo já caindo em desuso à época. Hoje eles são narradores. Eu estava lá e não podia imaginar que em apenas seis meses a bola da vida, num lance imprevisto e muito rápido, me faria um colega de todos eles. A medicina ficou para trás. O rádio me levou. Pois é! Ainda carrego na memória o toque inicial do jogo de inauguração, Seleção Mineira x River Plate: Tostão para Dirceu Lopes; e também toda a cena do gol de Buglê aos 2 minutos do segundo tempo, uma vibração jamais vista e sentida por tanta gente em Minas. Mas o estádio não caiu. Nem em 5 de setembro de 1965, nem nos demais jogos da programação de inauguração. Estou vivo para testemunhar e provar. Eu estava lá. 13 CENÁRIO DE EMOÇÕES 18 A expressão ‘época de ouro’ tornou-se sinônimo de grande fase, de plenitude em todos os sentidos. Ela veio principalmente do rádio, cujo apogeu deu-se na primeira metade do século XX, antes da chegada da tevê e, posteriormente, das mídias eletrônicas. Quem viveu não exita em afirmar que o futebol e a música foram os expoentes máximos deste período. Protagonista da imprensa esportiva em Minas quando da inauguração do Mineirão, Ronan Ramos viveu momentos inesquecíveis. “Comecei na Itatiaia, depois passei para repórter de campo da Rádio Guarani e na mesma função fui para a TV Itacolomi, fazendo parte de uma equipe maravilhosa, com Fernando Sasso, Kafunga, Rodrigo Mineiro, Magafa e Hélio Fraga”. Ronan exalta a arte de Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Oldair, Jair Bala, Dario, Raul, Natal, Zé Carlos, Mazurkiewsk, Toninho Cerezzo, Reinaldo, Cingunegui e tantos cobras que fizeram a história do futebol mineiro e brasileiro. “O Yustrich fazia repórter tremer; Telê dava aula de futebol-arte. Tinha o Gérson dos Santos, o Marão, só fera”. Era o tempo de jogos às quartas, quintas, sábados e domingos. Tinha até rodada dupla. Conhecido como o Repórter da Camisa Amarela, Ronan Ramos lembra de “Na primeira transmissão da tevê o Sasso ficou encantado de me localizar rápido e me chamou de Repórter da Camisa Amarela. O apelido pegou e até hoje tem gente que me chama assim” uma pesquisa feita pela agência de publicidade JMM, a pedido do Banco Nacional, mostrando que o amarelo era a cor que mais se destacava quando o fundo era verde. “Na primeira transmissão da tevê o Sasso ficou encantado de me localizar rápido e me chamou de Repórter da Camisa Amarela. O apelido pegou e até hoje tem gente que me chama assim”. Ele revela um grande facilitador para conhecer cada pedaço de chão do estádio. “A mobilidade era enorme por causa do ponto eletrônico e microfone sem fio, criados especialmente por técnicos da TV Itacolomi. Num jogo fui parar na cobertura do Mineirão, perto do placar, para ter uma visão geral do espetáculo e da parte externa”. Av. Brigadeiro Eduardo Gomes, 1300 Lj. 02 - B. Glória - BH - MG 14 15 MODELO MUNDIAL R onan também atuou como Relações Públicas do Atlético, realizando eventos inusitados para os torcedores, como a descida de uma nave no Mineirão trazendo um ET que “queria conhecer esse time do outro mundo”. Uma criação sua tornou-se modelo mundial. “Ainda no Atlético, tive a ideia de colocar mascotes, crianças, entrando com os jogadores em campo, iniciando uma tradição hoje empregada por to- dos os times do mundo. No princípio foram onze crianças parecidas com os jogadores. Foi sucesso o menino louro com faixa apache igual ao excêntrico goleiro Ortiz. A resposta positiva veio imediata. No jogo seguinte apareceram cinquenta. Chegou a mil crianças; uma revolução no estádio, pois os corredores que davam acesso ao vestiário e ao túnel ficavam lotados de meninos”. O Mineirão continuou na vida do Repórter da Camisa Amarela quando passou a integrar o qua- dro de funcionários da ADEMG, com os presidentes e cronistas esportivos Afonso Celso Raso, Camil Caram e Oswaldo Nobre. “Quando inauguramos o placar eletrônico do estádio foi uma surpresa para o público de Atlético e Flamengo, o jogo do dia. Todas as luzes estavam apagadas e apareceu o placar “falando”, uma grande novidade na época. Tenho grande satisfação e gratidão por fazer parte dos 50 anos do Mineirão e pelos grandes e emocionantes momentos”. http://interpanelas.blogspot.com.br/ 16 17 ORDEM NA CASA Considerado como a Casa do Cronista Esportivo de Minas Gerais, o Mineirão teve, ao longo de seus 50 anos, a parti- 18 cipação direta da categoria em sua Administração. Durante um longo período, o cargo de presidente da Administração dos Estádios de Minas Gerais (ADEMG) era ocupado por um dos associados da AMCE. Foi assim também com a diretoria de operações. Por lá, como presidentes, passaram os companheiros Afonso Celso Raso, Osvaldo Nobre, Tancredo Naves, Erasmo Angelo e Fernando Sasso; e como diretor de operações, Dirceu Pereira, que também exerceu a função de chefe de gabinete. Mas outros cronistas também tiveram papel de relevância nestes 50 anos do Mineirão, como o companheiro Alencar da Silveira Junior, hoje deputado estadual em sua sétima legislatura, e presidente do América Futebol Clube. Frequentador da sede campestre da AMCE, como filho do cronista Alencar da Silveira, acompanhava de perto os debates dos cronistas, o papo domingueiro. Sabia de todas as dificuldades que os associados passavam para administrar o patrimônio. Como ele mesmo define, “passei a infância com o seu Waldemar, nadando na piscina de ladrilho da Ressaca”. Como deputado, foi dele a Lei Estadual que oficializou a AMCE como única entidade apta a credenciar os profissionais de imprensa para os trabalhos nas praças esportivas de Minas. Para se ter uma ideia, o credenciamento da imprensa esportiva nos dias de jogos era bastante confuso, bem como a entrada de demais autoridades no estádio. Durante anos, um pequeno portão, ao lado do hall principal, vizinho ao portão 2, servia de local para ingresso destas pessoas. O local foi conhecido como PPJ (Prostituta, Polícia e Jornalista). A mesma Lei criava o ingresso de acompanhante para o cronista esportivo. Uma conquista trabalhada em conjunto com o companheiro Afonso Alberto, que respondia pela presidência da entidade. NOSSA HISTÓRIA A famosa Lei da Carteirada veio a reboque e reduziu em muito o número de penetras nos jogos. Atendia ainda teatros e shows. No Mineirão, por exemplo, obrigou as forças públicas a enviarem para o estádio a relação dos profissionais que iriam trabalhar em tal evento. Esta Lei foi o embrião da Lei Federal 12.395, de autoria do senador Alvaro Dias, que alterou a Lei Pelé. Durante muito tempo a AMCE teve participação no borderô dos jogos, vendendo um número limitado de ingressos para acompanhantes dos cronistas. Era uma possibilidade de familiares verem de perto o trabalho do pai, filho, irmão ou mesmo de amigos. E de fãs estarem próximos de seus ídolos da imprensa esportiva num jogo de futebol. Recentemente, Alencar criou a Lei que libera no Estádio a venda de cerveja. Contestada por muitos, era um antigo desejo do torcedor. Para o deputado e cronista, o futebol e o estádio são bens do povo. “Por diversas vezes acompanhei meu pai, irmãos, amigos em jogos no Mineirão. Sempre foi um evento, um programa para toda a família. É parte da nossa história! Afinal de contas, eu também sou um cronista esportivo”. 19 20 21 O MINEIRÃO O Daniel Seabra Mineirão sempre foi chamado de palco, não é mesmo? Certo. E os protagonistas, normalmente, estão com a bola nos pés e fazendo a alegria das torcidas. Mas e quando o assunto é música? Aí o Gigante da Pampulha, mais uma vez, não fica para trás. Desde sua inauguração, o estádio sempre encantou a todos por sua imponência, recebendo grandes clássico e jogos memoráveis. Mas somente depois de quase 20 anos, em 1983, o Mineirão foi usado pela primeira vez para um grande show. E coube à banda norte-americana Kiss, um dos grandes fenômenos mundiais da música (e do marketing) abrir as portas do estádio para milhares de espectadores, a maioria cabeludos, com camisas pretas e com os dedos em forma de chifre (o malocchio, introduzido no rock por Ronnie James Dio). E este foi o pontapé inicial para que grandes nomes se apresentassem no Gigante. O que, aliás, era uma das carências de Belo Horizonte. A capital mineira já mostrava um número expressivo de habitantes. Porém, os locais destinados aos shows de maior volume não pareciam acompanhar os dados. O Mineirão então passou a ser usado para festivais, abrindo as portas para que os mineiros recebessem, por exemplo, nomes de peso do rock nacional, Fonte: perfilbhz.wordpress.com 22 É SHOW o chamado BRock, nos anos 80. Na primeira edição do festival, no mesmo ano, ainda chamado de Rock Brasil, subiram ao palco do Gigante cantores e bandas como Lulu Santos, Marina, Herva Doce, 14 Bis, Blitz, Rádio Táxi, Ritchie, Kid Abelha, Barão Vermelho, entre outros. O festival teve outras edições, no Mineirinho e no Independência, mas coube ao Mineirão ter a honra de receber o primeiro. Pronto! Não tinha mais jeito, a porta foi aberta. Ou melhor, escancarada. Agora estava provado que o Mineirão poderia, sim, receber eventos de grande porte. O festival voltou a ocorrer no estádio em 2001 (Ira!, Nenhum de Nós, Live e Soul Asylum, e outros), em 2002 (Engenheiros do Hawaii, Sepultura e Skank, e outros), em 2005 (Pato Fu, Skank, O Rappa, Capital Inicial, e outros), em 2006 (New Order, Black Eyed Peas, Nando Reis, e outros) e em 2007 (Fresno, NX Zero, Biquini Cavadão, e outros). Mas não só o pop-rock tinha espaço. De 2005 a 2010, e depois em 2013, foi a vez de o axé invadir o estádio, e por lá passaram grandes nomes do estilo. Em 2006, os mexicanos do RBD levaram cerca de 17 mil pessoas, a maioria delas adolescentes, à loucura. Outro grande nome a lotar o estádio foi o Skank. Os mineiros gravaram um dvd no local, no último evento antes da reforma. Segundo os próprios músicos, este foi o ponto alto da carreira da banda. “A realização de um sonho”, revelou o tecladista Henrique Portugal. A banda ainda utilizou, como pano de fundo do clipe de sua música É uma partida de futebol, um clássico entre Atlético e Cruzeiro (1 a 1), realizado no estádio, em 16 de março de 1997. Ainda no rol de nomes internacionais, passaram pelo estádio grandes cantores, três deles em 2013. Em março, quem bateu ponto foi sir Elton John, que emocionou um estádio lotado. Dois meses depois, ninguém menos que Paul McCartney veio falar uai, encantando a todos com os clássicos dos Beatles e mostrando sua simpatia característica. E em setembro, coube a Beyoncé lotar o Gigante. Mas a entrada do Mineirão na lista de locais para grandes nomes trouxe, na esteira, outro grande espaço para shows. Pela esplanada do estádio, do lado de fora, já estiveram nomes mundialmente concorridos. O primeiro deles, em 2013, foi o Black Sabbath, que com sua formação quase original (só não veio o baterista Bill Ward), mostrou estar em plena forma. No ano seguinte ocorreu o festival Planeta Brasil, que teve como grande atração o Guns N’Roses. Ainda em 2014, o festival Circuito Banco do Brasil contou com apresentações de Linkin Park, Panic! At The Disco, Titãs e Nação Zumbi. Em 2015, foi a vez de Dave Grohl e o Foo Fighters encherem o local. Ainda no mesmo ano, quem tomou conta da esplanada foram os sertanejos, com César Menotti e Fabiano e outros fazendo a festa dos amantes do estilo. Como já está confirmada a apresentação dos norte-americanos do Pearl Jam dentro do estádio, em 20 de novembro, ao que parece os bons ventos continuam soprando para os lados mineiros, quando o assunto é música. 23 TROPEIRO E MINEIRÃO: BODAS DE OURO Dizem que ir ao Mineirão e não comer o tropeiro é o mesmo que ir à Bahia e não comer acarajé. O prato, da tradição mineira, ganhou destaque na gastronomia dos campos de futebol do Brasil. Não existe um torcedor que vai ao Mineirão que não provou da tentação. O prato faz parte do cardápio do Estádio quase no mesmo período de sua existência. Ao longo dos anos ele foi melhorado, ganhando status culinário e modernizado na forma de servi-lo. Ainda na década de 60, o tropeirão era servido em pratinhos de papelão, sem acompanhamento. Era o feijão com farinha e seus apetrechos. Que o diga Fernando Luiz da Silva, o Fernandão (foto), 24 que ajudava o pai, seu Agrícola Rocha, um dos permissionários de bares do estádio. “O Mineirão chegou a ter 68 bares funcionando em dia de jogos. Eu transportava o gelo. Buscava longe e trazia no carrinho. O tropeiro, criado por Luiz Molinari, era servido como em aniversário, no pratinho de papelão e com aqueles garfinhos de plástico. Era só o feijão mesmo. A saída já era grande.” Com o passar do tempo, Fernandão ganhou do pai a missão de tornar conta de dois bares na geral. Aqueles que davam área para o fosso. Fernandão introduziu outro item no seu cardápio: o pão com salame. “Em dias de jogos, a gente vendia 1.800 sanduíches. Era uma coisa simples e prática. Torcedor da geral queria cerveja e pão com salame. E saía satisfeito”. Mas o tropeiro ainda era o carro chefe dos bares. Foi ganhando acompanhamentos. Primeiro o arroz, depois os chamados tropicos: linguiça, pernil, a couve ... e por fim o ovo, que deixou de ser feito junto com o feijão e passou a ser servido solto. Ganhou até apelido dos torcedores: zoiudo. O prato também cresceu, passou do pratinho de papelão para um verdadeiro marmitex. A família de Eliane Assis dirigiu o famoso Bar 13 por muitos anos e introduziu o molho de tomate ao tropeiro. “A gente achava o prato muito seco. Meu pai fazia um molho de cachorro quente muito gostoso e decidimos coloca-lo sobre a couve crua. Também resolvemos servir o ovo separado, para dar opção ao cliente. Parece que deu certo”, afirma aos risos. O Bar 13 também servia os funcionários do Mineirão. Pela sua localização, começava a trabalhar mais cedo para atender o quadro móvel, policiais e profissionais de imprensa, o que ajudou muito a divulgar a atração. Hoje a gastronomia do Mineirão ganhou outros ares, mas mantém o sabor de 40, 50 anos atrás. Treze dos 58 bares existentes no estádio servem o tropeiro, todos em marmita de isopor. Na reabertura do Mineirão para a Copa do Mundo de 2014, os debates em torno do menu foram muitos, com apenas um consenso: o tropeiro. Sônia Maria da Costa administra cinco bates no Setor Amarelo, com mais de 60 funcionários. Antes da reforma, trabalhou por 25 anos no Mineirão e afirma que não existe tropeiro melhor do que o servido no estádio em dias de jogos. Quem comanda o bar da imprensa é a Dona Marlene, esposa do Fernandão. É lá que a crônica esportiva se reúne para a maior resenha do Brasil. 25 RESENHA SABOROSA Quem vem de fora delira. Muitos levam o tropeirão para casa, pra atender encomendas ou pro almoço do dia seguinte. Certa feita, uma empresa fez sua festa de fim de ano na área do Mineirinho. Como atração, contratou alguns permis- 26 sionários de bar que cuidaram do buffet da festa. O prato principal: tropeiro servido à moda do Mineirão, inclusive a embalagem. Sucesso total! Por muitos anos, o tropeirão e diversas outras guloseimas foram servidas nas barracas no entorno do estádio. Uma verdadeira feira de alimentação, com espetinhos, sanduíches, tortas, tropeiro, pipoca, milho verde e os acompanhamentos líquidos. Há um sinal verde da Prefeitura em andamento para o retorno dos ambulantes. Pra dar água na boca do torcedor. 27 MINEIRINHO, DO SONHO À REALIDADE Ivan Drummond Era o ao de 1965. Um menino acompanha seu pai, jornalista, na inauguração do Mineirão. Era o dia 5 de setembro. Mas a partir daquele dia, uma ideia parecia tomar conta de um grupo, de seu pai e os amigos deste. “Ainda falta alguma coisa. Além do estádio de futebol, temos de ter um ginásio para que nossas equipes de futebol de salão, vôlei e basquete, fortes no cenário nacional, possam ganhar ainda mais força, possam evoluir ainda mais”. Esse era, na maneira de pensar do menino, o que os mais velhos queriam dizer. E ele tinha apenas sete anos. Pois o sonho do menino não era 28 só a partir daquele momento. Desde a idealização do Mineirão, que a construção de um Palácio, dos Esportes, era motivo de luta. Leis estaduais, de 12 de agosto de 1959, 27 de novembro de 1962, dois de julho de 1964 e 8 de julho de 1965, estabeleciam conceitos jurídicos para a criação de um ginásio poliesportivo. Seria um espaço em que o Viajantes (hoje Recreativo), Olympico, Atlético, Itacolomi, nossas potências no futebol de salão, com craques como Dawson, Mosquito, Spencer, Hervê, Beto Bom de Bola, Piau, Minhoca, dentre tantos outros, pudessem desfilar a sua arte no esporte da bola pesada. Ou Marta Miraglia, Eliane, Juraci Raso, Lia de Freitas, Leonésia, Elói, Luiz Eymard, Mário Marcos, Sérgio Bruno, Fernando Pavan, pudessem cravar suas bolas na quadra adversária. E ainda no basquete, Ísio Dufles, Edu, Coqueiro, Zé Ernesto, João Marcos, Rubinho, Luiz Carlos Drummond, Chicão, Ravengar, do Ginástico, Israeli Blas, Betinho, Marcos Renato, José Amado, Armando Galizzi, Kouros Monadjemi, do Minas. Nenhum deles tinha um espaço à altura de sua categoria. O menino crescia e, em 1974, vê o Ginásio, tão sonhado, começar DE GERAÇÃO A GERAÇÃO a se tornar realidade. O trabalho é lento, até que Afonso Celso Raso assume a presidência da Ademg. Ele era um daqueles sonhadores, que em 1965 queriam a construção do espaço para o esporte especializado mineiro. Ainda em sua gestão à frente do órgão, o poliesportivo se torna realidade, em 1979. E na inauguração, uma homenagem a um daqueles que lutaram pelo ginásio: o pai daquele menino. Uma lei projetada pelo então deputado estadual Ademir Lucas, do MBD, propõe que o ginásio leve o nome do cronista esportivo, do jornalista e cronis- ta esportivo: Felipe Drummond. Pois essa lei é aprovada e entra para a história como única unanimidade na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Pois o menino cresceu. Jogou futebol de salão algumas vezes naquele espaço. Chegou a marcar um gol. Saiu doido, comemorando sem parar o feito. E ele se torna jornalista. E lá, vê o esporte mineiro e brasileiro avançar. Nesse espaço, Minas Gerais e Belo Horizonte entram no cenário esportivo mundial, fora o futebol. São três recordes mundiais. Dois deles, no vôlei. O primeiro, em 1994, Quando o Brasil derrotou a China por 3 a 0, pelas quartas-de-final do Campeonato Mundial feminino. Eram 26.500 torcedores. No ano seguinte, no masculino, pela Liga Mundial, o Brasil perderia para a Itália, 3 a 2, diante de 26 mil. E, 1999, a vez do recorde mundial no futsal, quando o Atlético conquistou o título brasileiro (Liga Nacional de Futsal), pela segunda vez, com 26.657 fanáticos nas arquibancadas. E tudo isso, com aquele mesmo menino, já grande, trabalhando como cronista esportivo, no espaço que leva o nome de seu pai. 29 O DONO DA BOLA Aquele cronista esportivo que começou a usar essa expressão para se referir a quem de fato manda num time foi sábio. Afinal, por mais importante que seja o atleta, o técnico, a torcida ou até mesmo o árbitro em um jogo de futebol, somente uma personagem tem a atenção plena das pessoas: a bola. O time de craques da AMCE: Luiz Carlos Alves, Orlando José, Vilibaldo Alves, Martins, Warley, Romeu Araújo e o campeão brasileiro de seleções, Amaury Horta. Agachados: Ronan Ramos, Carlyle, Afonso Celso Raso, Aloísio Martins, Erasmo Angelo e o dono da bola,Tarcisio Cruz. 30 31 DE TRIVELA Ela é a protagonista! Sem ela não tem jogo. Se bem tratada, retribui com mansidão. Caso contrário, bate no agressor sem piedade. Redondinha, bonitinha, rechonchuda... maravilhosa essa bola. É para ela que olhamos, é com ela dentro do gol que nós sonhamos. Ser o dono da bola, na pelada ou na final de Copa, significa ser “o cara”. Os tempos podem ter mudado, o futebol pode ter evoluído, mas uma coisa nunca vai mudar: todos querem ser o dono da bola. A bola rolando macia na grama do Mineirão é uma imagem que muitos já viram. Porém, ela se torna especial para a família de Tarcísio Rodrigues Cruz, um dos mais renomados fabricantes de bolas do Brasil. Nascido e criado em Belo Horizonte, o patriarca Tarcísio sempre foi ligado ao futebol. “Sou um apaixonado pelo esporte. Joguei muitos anos nos campos de várzea de BH. Numa dessas, eu e um colega tivemos a ideia de começar a fazer nossas próprias bolas”. O Mineirão estava recém inaugurado e a concorrência local era pequena. Nos fundos de uma casa no bairro Padre Eustáquio nascia a lendária bola Equipe, que por muitos anos fizeram a alegria do mundo do futebol no Mineirão e muitos outros estádios, profissio- 32 nais e amadores. Como todo começo, as dificuldades eram muitas. Tarcísio lembra que as bolas eram fabricadas de couro natural, sem nenhuma tecnologia. “Não havia preocupação quanto a bola encharcar ou aumentar de tamanho. Era uma bola muito dura. Em tempos de chuva era quase impossível terminar uma partida pelo tanto que retia água e aumentava de peso. Uma bola, nessas condições, chegava a ter 300 gramas a mais no peso”. O fabricante de bolas conta que sua produção ganhou mercado “Anteriormente eram bolas costuradas à mão. Hoje o processo mais usado é o de fusão a quente, com materiais externos de ponta e com camadas que deixam a bola muito mais macia” rapidamente, devido ao relacionamento direto com os clientes. “Fizemos contrato com a Federação Mineira de Futebol e nossa bola passou a ser a mais usada no Mineirão, tanto em competições nacionais quanto internacionais. A primeira vez foi num domingo de clássico entre Atlético e Amé- rica, pelo Campeonato Mineiro, em 1971. Na Libertadores de 1976 o Cruzeiro venceu aqui jogando com a nossa bola, feita em Belo Horizonte”. A família de Tarcísio atualmente fabrica as bolas Trivella, com grande rotatividade em Minas e no Brasil. Para o filho Tarcisinho, chegar em qualquer campo ou estádio e ver a Trivella rolando e fazendo a alegria de todos é sua maior satisfação. “Bola, pra nós, é saúde, alegria, família, paixão. Cresci vendo e ajudando meus pais nesse negócio e pude acompanhar a evolução das bolas de futebol. Mudou muito. É praticamente outro produto, mas com a mesma essência”. Segundo ele, a maior evolução está no processo de montagem. “Anteriormente eram bolas costuradas à mão. Hoje o processo mais usado é o de fusão a quente, com materiais externos de ponta e com camadas que deixam a bola muito mais macia”. Nesse processo de fabricação as bolas ficam perfeitas em qualquer condição climática, são 100% impermeáveis. “Nossa empresa e outras no mercado já realizam testes em bolas com chip e GPS. Quem sabe, num futuro próximo, tenhamos bolas que possam ajudar o esporte”. mude sua vida! 33 TODOS OS CAMINHOS LEVAM AO ESTÁDIO A distância e o deslocamento sempre foram peculiaridades do futebol no continente Brasil. Até no futebol amador tem viagem mais longa e complicada que na Liga dos Campeões. Imagina fazer isso uma, duas, três, até quatro vezes por semana, o calendário inteiro, por mais de 30 anos seguidos! Pois essa é a realidade de vários profissionais da imprensa do nosso interior mineiro, em todos os seus módulos. Eles rasgam o estado escoltando as delegações para verdadeiras epopeias pelos rincões da bola. Que o diga a turma da Rádio Teófilo Otoni, distante 450 km de Belo Horizonte, uma das mais longevas e pioneiras. Atualmente, cerca de 12 emissoras do interior mineiro cobrem religiosamente os jogos de Atlético e Cruzeiro em BH. A mais antiga delas trabalhando e viajando ininterruptamente é a Rádio Itabira. Quem comanda o esporte na emissora é o cronista Luiz Linhares. “Comecei como comentarista na Rádio Itabira em 1986. Também fui repórter e há muitos anos me fixei como narrador. Ano que vem completo 30 anos de estrada, literalmente”. Linhares lembra que as viagens sempre fizeram parte do trabalho no departamento de Esportes da emissora, devido à participação ativa do Valério nos campeonatos mineiros. “Além do Valério, cobrimos todos os jogos de Cruzeiro e Atlético, ao vivo, em BH. A Rádio Itabira é a única do interior do estado a se manter presente nestes jogos por tal período de forma constante”. VIAGEM – Para o cronista, qualquer viagem sempre será cansativa, desgastante e ao mesmo tempo prazerosa. “São outras praças, muitas vezes com uma cultura nova e coisas diferentes para conhecer e aprender. Sempre busco planeja-las de maneira a contribuir com o trabalho a ser feito e um bom período de descanso. O fato do Mineirão ficar a pouco mais de 100 quilômetros facilita o deslocamento. Perigos fazem parte do dia a dia”. 34 Sobre a família e os finais de semana ocupados, Luiz Linhares encara com naturalidade. “Tenho quase 28 anos de casado e 30 de rádio. Quando o relacionamento com minha esposa começou eu já encontrava cobria futebol pelo rádio.Há compreensão e, em cada ação uma reação. O radialista esportivo é como um garçom, um cantor, profissões que se fazem ao lazer do outro. Conversando, a gente combina bem”. VOZ INTERIOR O que faz Linhares e essa turma do interior de Minas continuar viajando e cobrindo os jogos no Mineirão é o prazer, o gostar do que faz. Para ele é uma grande satisfação estar presente em grandes jogos e ver de perto as transformações do futebol e seu grande palco em Minas. “Inegavelmente, o Mineirão tornou-se uma super arena multiuso, uma casa de espetáculo sem igual. Nós, profissionais de imprensa, já tivemos condições melhores de trabalho, mas vamos nos adaptando e buscando nosso espaço. A turma do interior vem ganhando mais voz, temos ótimos profissionais surgindo, galgando seu espaço, se fazendo ouvir. Com mais união e iguais condições oferecidas pelas arenas, as coisas poderão andar mais rápido e melhor”. Para o cronista de Itabira fica difícil enumerar lembranças marcantes ao longo deste período de vários jogos fantásticos e conquistas maiúsculas. “Para o bem do novo Mineirão, espero urgentemente que mais e mais conquistas apareçam, para apagar um pouco a memória do 7 a 1”. 35 O MOMENTO MÁGICO A fotografia é um momento mágico. Assim como o rádio, carrega consigo a imaginação. Detalha um instante único de um movimento de sincronia entre os atores e o observador, no caso, o fotógrafo. O futebol sempre foi uma mina abundante de recursos para imagens históricas, engraçadas, polêmicas, emocionantes. Ainda que os vídeos e animações tenham chegado para ficar, a fotografia ainda é marca registrada do mundo da bola. Aos 77 anos e em pela atividade, 60 deles dedicados à arte de fotografar, quem mais viveu esse ambiente em Minas e no Brasil é Heleno Gouveia de Mesquita. Frequentador assíduo dos estádios, Heleno recorda os primeiros flashs do Gigante de Pampulha. “Usávamos máquinas Rolleicord, de poucos recursos, com filmes de 12 fotos. Tínhamos que entregar oito ao jornal. Mas no corte perdíamos as quatro restantes. No esporte a gente fazia uns dez filmes seguidos e aí não perdia nada. Não tinha zoom e as fotos eram melhores que as de hoje. Tínhamos mais ângulo, porque entrávamos em campo”. Os jornais impressos tinham grande penetração popular e as fotos eram disputadíssimas. Heleno trabalhou em diversos deles; e foi pelo Diário de Minas que fotografou a inauguração do Mineirão. “Trabalhava na seção Social e cobri a inauguração. Comprei o ingresso para guardar e o tenho até hoje. Trabalhei antes do jogo e assisti à partida da arquibancada. Tirei muitas fotos do público, da chegada ao estádio, das arquibancadas cheias. Fiz fotos da arquibancada inteira em blocos. Como se fosse um lego. Ficou espetacular”. O fotógrafo revela que o relacionamento com os protagonistas do jogo é amistoso, apesar de algumas divergências. “Tem jogador que não entende o processo. Eu ganho algum dinheiro, porque vivo disso, mas o atleta ganha prestígio, ganha a eternidade no coração e na imagem do torcedor. Alguns reclamam, mas a maioria é gente boa”. A modernidade popularizou a produção de imagens e o profissional sabe disso. “Hoje qualquer celular tira foto. Todo mundo é fotógrafo de plantão. Mas o que vai definir a grande foto é a paciência e a precisão. Por isso ainda trabalho com o foco manual. É igual bang bang. Tem que saber a hora certa de apertar o gatilho”, explica GALO NA VEIA Na visão de Heleno Mesquita, o jogo de inauguração do Mineirão foi mais uma festa do que uma grande euforia. “Não foi aquela empolgação típica do futebol. O bicho pegou mesmo quando surgiu a rivalidade do Atlético com o Cruzeiro. Já no primeiro clássico teve o caso do pênalti marcado 36 O PRIMEIRO BANDEIRÃO pelo Juan de La Passion Artez e depois a expulsão do time inteiro do Galo. Eu estava dentro do campo. A gente entrava no gramado a toda hora. Numa dessa então, dava até palpite (risos). A partir desse clássico começou a rivalidade e o Mineirão ganhava sua alma de gigante”. E foi trabalhando para o Clube Atlético Mineiro que Heleno se realizou. “Fui diretor do acervo fotográfico e fotógrafo oficial por mais de 40 anos. Sou uma enciclopédia viva do clube. Em 1965 passei uma semana picando papel preto e branco para um clássico. Arranjei papel preto nas lojas de fotografia. Também foi minha a primeira bandeira usada nas arquibancadas do Mineirão. Tinha seis metros de comprimento e foi autografada pelos jogadores da época. Na frente branca era um galo pisando do Mineirão, escrito O Rei do Terreiro. O verso era preto, com o escudo do Galo e os dizeres: O Mais Querido. O bambu foi presente do Monsenhor Juvenal e era uma forquilha usada em andor nas procissões religiosas. A estreia do bandeirão e o papel picado foram no mesmo jogo. Uma festa inesquecível. Quase perfeita, não fosse o placar: Cruzeiro 4 a 1”. Fotos de brigas, uma senhora ajudando uma criança a fazer xixi, gols, frangos, quedas, duelos, teve de tudo. Tombos de todo jeito correndo atrás do melhor ângulo. Consta até uma queda no fosso. “Tirei uma foto do goleiro Carlos fazendo uma defesa, uma ponte. Atrás, no antigo placar eletrônico, estava o nome dele, bem nítido. Ele ficou doido. Mandou fazer um pôster enorme. Coisa que só a fotografia oferece”. XARÁ DE FREITAS – Heleno é natural de Juiz de Fora e torcedor do Vasco na adolescência. Foi inúmeras vezes ao Maracanã. “Vi três jogos da Copa de 50, inclusive a final. Ia a São Paulo com frequência ver os grandes jogos. E aqui no Mineirão não foi diferente”. E tem grandes lembranças de um xará muito famoso. “Minha família é de São João Nepomuceno, terra do Heleno de Freitas. Sou afilhado de batismo da Dona Miquinha, mãe dele, que era nossa vizinha. Eu ia para o Rio carregar jornal para o Heleno de Freitas, que não gostava de sujar as mãos com o papel. Era vaidoso mesmo, namorador; e jogava muito. Estava ao lado dele, num restaurante em Copacabana, quando um patrocinador do Botafogo chegou com uma moto Haley Daividson, novinha, para o Heleno de Freitas. Ele me disse pra eu subir na garupa e dar uma volta com ele. Subi na hora. Ele ligou a moto e arrancou com tudo... e eu sobrei no chão. Pena que ninguém fotografou”. 37 38 39 40