Reprodução Humana: a polêmica dos embriões excedentes em
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Reprodução Humana: a polêmica dos embriões excedentes em
EDNA OLIVEIRA GONÇALVES REPRODUÇÃO HUMANA: A POLÊMICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES EM FACE DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades Integradas do Brasil - Unibrasil. Orientadora: Profa. Karla Fischer CURITIBA 2010 TERMO DE APROVAÇÃO EDNA OLIVEIRA GONÇALVES REPRODUÇÃO HUMANA: A POLÊMICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES EM FACE DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Graduação em Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil, pela seguinte banca examinadora: ______________________________________________ Orientador: Profa. Karla Fischer Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades Integradas do Brasil - Unibrasil Membros: ______________________________________________ ______________________________________________ Curitiba, ___de ________de 2010. ii AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus, pela vida, por tudo que Ele fez, faz e fará infinitamente mais do que eu possa pedir ou pensar. Aos meus pais, Antonio Gonçalves e in memorian Nair de Oliveira Gonçalves, que me impulsionaram a conquistar o meu espaço. Minhas filhas: Jessica, Andrea e Renata, a razão do meu viver que me fazem feliz todos os dias; aos meus netinhos: Pablo, Vinícius Gabriel e Derick. Todos os meus parentes e amigos que sempre demonstraram entusiasmo pelo meu objetivo. Aos professores e mestres pela paciência e dedicação; ao meu professor de monografia Alexandrre Dotta, pelo profissionalismo de qualidade que conduziu o presente trabalho e a minha professora orientadora, Karla Fischer, pela disponibilidade para o meu aprimoramento e desenvolvimento do trabalho. Meus amigos de turma em especial: a Laís Zanella, Marizete Pereira e Rosi Stremel. E a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização desse sonho. iii “Um homem é verdadeiramente ético apenas quando obedece sua compulsão para ajudar toda a vida que ele é capaz de assistir, e evita ferir toda a coisa que vive.” Albert Schweitzer iv SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 1 TÉCNICA DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA............................................ 3 1.1 FERTILIZAÇÃO IN VITRO..................................................................................... 4 1.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA ............................................................. 12 1.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA ......................................................... 14 1.4 BIOÉTICA. ........................................................................................................... 17 2 O EMBRIÃO PRODUTO DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO ...................................... 23 2.1 O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES CRIOPRESERVADOS ............... 24 2.2 A PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS ............................... 28 2.3 VULNERABILIDADE DO EMBRIÃO ................................................................... 29 3 O EMBRIÃO PERANTE A ORDEM JURÍDICA ..................................................... 34 3.1 NATUREZA JURÍDICA DO EMBRIÃO................................................................. 38 3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................ 41 3.3 O DIREITO À VIDA, UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ........................................ 47 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 53 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55 v RESUMO Tendo em vista que muitos casais não conseguem ter seus filhos pelo meio natural, para combater a esterilidade e a infertilidade tanto masculina quanto feminina, a biotecnologia trouxe várias soluções nesta área. Entre essas soluções encontramos a técnica de reprodução humana assistida a fertilização in vitro, mais comumente conhecida como bebê de proveta. No presente trabalho, procura-se trazer um breve histórico da técnica, bem como, os problemas gerados em face da FIV destacandose o destino dos embriões excedentes criopreservados em laboratório e a suposta ausência de legislação para sua proteção jurídica. A polêmica que envolve o tema está concentrada ao início da vida, de quando esta se inicia, se desde sua concepção ou conforme as fases de seu desenvolvimento. Existem correntes doutrinárias que discorrem sobre o assunto dentre elas encontra-se a conceptiva e a desenvolvimentista. Pretende-se trazer os conceitos e argumentos de autores que apresentam opinião favorável e daqueles que se manifestam contra a utilização de embriões humanos. Por fim, buscar-se-á na Constituição de 1988, com base no fundamento do Estado Democrático de Direito elencado no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana; no princípio de prevalência dos direitos humanos que rege as relações internacionais da República Federativa do Brasil, art. 4º, II e no direito à vida, direito e garantia fundamental, art. 5º, caput, da carta magna o subsídio pronto e suficiente para proteção do embrião humano. vi 1 INTRODUÇÃO O mundo está em freqüente transformação. A ciência busca cada vez mais respostas a tantos problemas relacionados a área de saúde. Com o surgimento de impedimentos patológicos relativos à procriação como a esterilidade e a infertilidade, tanto masculina quanto feminina, como também, o desejo de ter filhos, a biotecnologia trouxe várias soluções e, entre estas, encontra-se a fertilização in vitro, uma técnica de reprodução humana assistida utilizada para atenuar o problema que envolve os casais que não conseguem ter seus filhos pelo modo natural e aqueles que optam por esse procedimento. Desta forma no presente trabalho pretende-se destacar a problemática que envolve o destino dos embriões excedentes originários desta técnica, ou seja, da fertilização in vitro e os posicionamentos sobre o início da vida. Jussara Maria Leal MEIRELLES, em sua obra A Vida Humana Embrionária e sua Proteção Jurídica, desperta sobre o tema destacando o nascimento de suas filhas, Cassiana e Bárbara, expõe sua preocupação quanto ao destino dos embriões que não foram utilizados: Pensei e senti para além disso: poderiam, elas mesmas, terem sido aqueles pequeninos embriões de laboratório, pelos quais aguardei tão aflita e que, infelizmente, não evoluíram no meu útero. Ao mesmo tempo em que refletia sobre tudo isso, tinha notícias a respeito do uso de embriões para fins diversos da finalidade terapêutica que inicialmente se propunha e 1 a respeito da sua pura e simples eliminação. No ordenamento jurídico pátrio, encontra-se a Lei 11.105 de 24 de março de 2005, também chamada de Lei de Biossegurança que em seu artigo 5º permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos. Em contrapartida a esta prática foi proposta pelo ex procurador da República Cláudio Fonteles, a ADIN 3510, que considera inconstitucional o artigo 5º da Lei 11105/05, a qual foi julgada improcedente pelo STF. Num primeiro momento, burcar-se-á alguns comentários sobre as técnicas de reprodução humana assistida como a inseminação artificial e a fertilização in 1 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida Humana Embrionária e sua Proteção Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 3. 2 vitro, nas suas modalidades homóloga e heteróloga, sendo dada maior ênfase as estas técnicas as quais dão origem aos embriões excedentários, objeto de estudo do presente trabalho. Por segundo, destacar a problemática quanto ao destino a ser dado a estes embriões excedentes, bem como, sua vulnerabilidade diante das diversas hipóteses encontradas aos quais eles estão sujeitos, como a clonagem, pesquisas com células-tronco embrionárias, a redução embrionária, quando estes já se encontram no útero materno, a seleção de embriões para fins de seleção genética, levando assim a eugenia, entre outras. Por fim, dentro de um contexto jurídico constitucional, buscar posicionamentos quanto a natureza jurídica do embrião, partindo do princípio constitucional e fundamento do Estado Democrático de Direito, a Dignidade da Pessoa Humana e de posicionamentos doutrinários de quando se inicia a vida biológica. 3 1 TÉCNICA DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA A técnica de reprodução humana assistida surgiu diante da impossibilidade de procriar pelo modo natural por muitos casais em decorrência destes sentirem o desejo de gerarem sua prole e terem condições materiais para isso. Dentre as técnicas de reprodução assistida destaca-se a inseminação artificial que é a técnica científica mais antiga e a fertilização in vitro.2 Inseminação artificial consiste, na introdução do esperma na cavidade uterina, por meio de um tubo, no momento que o óvulo já está maduro para fecundação.3 Esta técnica é utilizada para fertilizar a mulher com o esperma do marido ou do companheiro, previamente coletado por meio de masturbação.4 A inseminação artificial pode ser homóloga quando se utiliza do material genético do marido ou do companheiro da paciente; e a heteróloga que é realizada com esperma de um terceiro de um doador fértil.5 Quanto a fertilização in vitro , desde o século XIX, mais especificamente no ano de 1879, têm-se uma prévia demonstração das técnicas de FIV, uma prévia e digamos, frustrada demonstração, pois, na tentativa de fertilizar cobaias, o cientista Schenk, incubou elementos estranhos juntamente com espermatozóides, não obtendo, assim sucesso em sua pesquisa.6 No ano de 1890, outros cientistas, em localidades diferentes, tentaram novamente obter sucesso com a técnica da FIV. Até meados de 1944, porém, as várias tentativas foram frustradas. Neste mesmo ano de 1944 começou-se a utilizar a FIV em seres humanos. Dois cientistas, Rock e Menkin, a partir de mais de uma centena de óvulos humanos, colocados na presença de espermatozóides, obtiveram quatro embriões normais.7 2 3 4 47. 5 6 41. 7 Ibidem, p. 18. Idem. SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. A Criminalidade Genética. São Paulo: RT, 2001. p. Idem. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. São Paulo: RT, 1995. p. Idem. 4 Depois de mais de vinte anos, em 1969, Edwards e Steptoe obtiveram embriões fertilizados in vitro. Em 1971, com as pesquisas realizadas pelos ingleses, que consistia em utilizar de tratamento hormonal para estimular o crescimento dos folículos ovarianos de forma a obter diversos óvulos, representando, dessa forma, um progresso na FIV, possibilitando um maior número de óvulos fecundados, por conseguinte um maior número de gravidezes.8 1.1 FERTILIZAÇÃO IN VITRO. A procura pela FIV é produto de vários fatores, conforme pondera Jussara Maria Leal MEIRELLES, que são: de ordem biológica, médica ou psíquica e podem causar esterilidade ou a incapacidade para procriar ou por opção do casal ou até mesmo da pessoa que quer ter filhos constituindo uma família monoparental. Outros fatores também são apontados pela autora Maria Cláudia Crespo BRAUNER, como a idade da mulher que deseja engravidar, como também os fatores psicológicos resultantes do stress da vida moderna.9 As mulheres, hoje em dia, aguardam mais tempo para engravidar, tendo esse fato ligação direta com a vida profissional e com a realização afetiva.10 Dessa maneira, a primeira gravidez ocorre após os trinta anos de idade, momento em que a mulher se sente preparada para gerar filhos, não recebendo a pronta resposta de suas funções reprodutivas.11 Diante disso, uma das soluções encontradas para a satisfação do desejo da maternidade é a fertilização in vitro (FIV) ou fecundação in vitro; uma técnica capaz de reproduzir fora do útero materno um ambiente artificial como a trompa de falópio, na qual ocorrendo a fecundação naturalmente, a clivagem, prossegue até o estágio em que o embrião pode ser transferido para o útero. Inicialmente essa técnica foi indicada para mulheres que apresentavam obstrução irreversível ou ausência 8 Ibidem, p. 42. MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida... p. 17. 10 Idem. 11 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Direito, Sexualidade e Reprodução Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 58. 9 5 tubária bilateral, sendo, portanto, à época os únicos casos de indicação absoluta da FIV.12 Para uma melhor compreensão do que consiste a fecundação in vitro o autor Eduardo de Oliveira LEITE apresenta, de maneira sucinta, as etapas da técnica, quais sejam: indução da ovulação, punção folicular e cultura de óvulos, coleta e preparação do esperma e, finalmente, inseminação e cultura dos embriões. A indução da ovulação é um recurso utilizado com bastante freqüência, tendo por finalidade a superestimulação ovariana, portanto, a obtenção de mais de um folículo por ciclo, aumentando o número de folículos, aumenta-se o número de óvulos a ser coletado e por conseqüência, aumentando também o número de óvulos fertilizados.13 Com respeito a produção de óvulos por meio de estímulos hormonais, muitos são os questionamentos, em primeiro que estas novas técnicas de superestimulação estão sendo aplicadas sem que se dê o tempo necessário para sua utilização, sendo aplicada sem escrúpulo, sem os devidos deveres de cuidado, buscando-se apenas interesses médicos e das clínicas de RA, podendo provocar sérias conseqüências a vida da mulher e do feto.14 Esta indução ou superestimulação da ovulação não está livre de riscos, é uma operação que apresenta conseqüências gravosas, potencialmente mortal, fora ou durante a FIV.15 Punção folicular é um procedimento que serve para a coleta de óvulos. Anteriormente este procedimento era realizado por meio de laparotomia ou por laparoscopia.16 Na tentativa de encontrar um meio menos agressivo, hoje em dia a punção folicular é feita quase em sua totalidade por meio de controle ecográfico, ou seja, a agulha de aspiração atravessa o abdômen e a bexiga, o fundo da vagina e a uretra, onde o conteúdo dos folículos é aspirado pela seringa e imediatamente levado ao 12 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 41. Ibidem, p. 44. 14 SAUWEN, Regina Fiuza, HRYNIEWICZ, Severo. O Direito In Vitro: Da Bioética ao Biodireito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997. p. 91. 15 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 44. 16 Idem. 13 6 laboratório. É um meio menos lesivo à mulher que permitiu um resultado positivo na obtenção dos óvulos colhidos por punção.17 Da mesma forma que o óvulo precisa de um procedimento específico, faz parte de uma das etapas da FIV a preparação do esperma, que após a coleta é colocado a liquefazer-se por 20 minutos em temperatura ambiente, fazendo uma análise para a determinação do número, da mobilidade e da morfologia dos espermatozóides que devem ser extraídos do líquido seminal do qual se encontram.18 Dessa maneira, são escolhidos os mais móveis, mais aptos a fecundação, realizando uma migração ascendente destes em um meio de cultura no qual os mais móveis atingem desde logo a zona superior.19 Com um melhor aperfeiçoamento da técnica FIV, deu-se origem a várias outras, como a ZIFT (transferência intratubária de zigotos - corresponde a célula reprodutora resultante da fusão de dois gametas de sexo oposto, ovo) e a Prost – Pro núcleo stage transfer (transferência em estágio de pró-núcleo, em geral para as trompas).20 Por fim, cada óvulo é colocado em um tubo de inseminação contendo os espermatozóides, o qual é mantido em uma temperatura de 37º até o outro dia, quando se saberá se ocorreu a fecundação e se ela é normal. Dois dias após a inseminação, os embriões, dividem-se e apresentam 2, 4 ou mais células, só restando portanto, transferi-los ao útero.21 Apesar deste procedimento não oferecer complicações genéticas há o alerta de gestações gemelares ou de múltiplos. Diante da experiência que a vida pode ser gerada fora do útero, criou-se grande expectativa que acompanha todas as etapas da FIV, onde os membros da equipe envolvidos com a técnica de FIV, ficam ansiosos para olhar no microscópio se o óvulo foi fecundado ou não, considerada a fase mais excitante do programa.22 17 Ibidem, p. 45. Idem. 19 Idem. 20 SAUWEN, Regina Fiuza, HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 91. 21 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 47. 22 Idem. 18 7 Entretanto, esta técnica gera o grave problema dos embriões excedentes igualmente não resolvido, nem pela ética, nem por razoáveis propostas jurídicas.23 Os mesmos argumentos levantados contra a FIV que são quase os mesmos levantados contra a inseminação artificial heteróloga, descaracteriza a relação praticada naturalmente e que os aspectos da união e da procriação do ato sexual não deveriam ser separados, suscitando aqueles que defendem esta posição, e acreditam que estão defronte princípios morais, éticos, jurídicos e sociais, desaconselhando dessa forma seu emprego.24 Na prática desses procedimentos oberva-se que os envolvimentos éticos e os riscos apresentados; tendo em vista que não há uma legislação que imponha limitações, bem como, organize e estabeleça critérios de responsabilidades pelos desvios que podem ocorrer, no que diz respeito à vida dos sujeitos envolvidos, do homem, da mulher e da criança nascida por estas técnicas.25 Vê-se também que não é atribuído aos candidatos a este tipo de procedimento as prevenções contra os inconvenientes psicológicos que poderão surgir.26 A fertilização in vitro, necessita de um número maior de embriões, para garantir um mínimo de gravidezes. Posições contrárias a esta técnica, afirmam ser inadmissível a produção deliberada de embriões que tem um potencial de vida humana, sabendo-se que este potencial não será realizado. Porque se o número de embriões gerados é superior aos que serão transplantados, é moralmente inaceitável deixar morrer os embriões não utilizados.27 Eduardo de Oliveira LEITE pontua algumas situações, tais como: a destruição por defeito de implantação, poderia ser assimilada a um aborto? Não pareceria correto raciocinar em termos de analogia: o embrião in vitro não pode ser totalmente assimilado ao embrião in útero? A questão: que fazer de embriões in vitro?28 23 Ibidem, p. 162. Idem. 25 MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito em Discussão. et. al. (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 23. 26 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 41. 27 Ibidem, p. 163. 28 Idem. 24 8 Da mesma forma a autora Maria Cláudia Crespo BRAUNER, coloca em questionamento várias hipóteses: A questão é de saber se todo e qualquer modo de gerar, através das técnicas de reprodução assistida, devem ser permitidos? Algum limite deve ser imposto à mulher que deseja escolher a denominada “produção independente” ou recorrer à maternidade por substituição? Poderá a mulher querer gerar este filho ou pedir para outra o fazê-lo em qualquer condição, como, por exemplo, após os sessenta anos? Pode um filho ser gerado para salvar a vida de um irmão que sofra de doença genética incurável? Como conciliar 29 esses interesses sem que ocorra uma reificação da vida humana? Considera ainda a autora BRAUNER que estas práticas de reprodução humana assistida, em destaque a FIV somente devem ser permitidas para evitar a transmissão de doenças hereditárias, previnindo-se, portanto, dessa maneira, buscar o aperfeiçoamento, ou inclusão de um critério de qualidade eugênica, ou escolha de sexo do embrião, sem indicações específicas.30 A prática do pré-diagnóstico em embriões humanos, é estimulante para novos campos de pesquisa, abrindo-se oportunidades para a terapia gênica e para a manipulação pré-implantatória de embriões.31 Temos a terapia genética que tem por finalidade reparar anomalias dos genes por meio de procedimentos bioquímicos substitutivos. Entretanto, no que se refere à seleção e intervenção em pré-embriões, há autores que consideram a testagem embrionária, fetal e pós-natal caso a caso, como um direito individual, da mulher, do homem, do casal.32 Em seu artigo Em Defesa da Vida Digna o doutrinador Luís Roberto BARROSO, posiciona-se favoravelmente a intervenção em embriões, como a utilização das células-tronco embrionárias, aduz que nesse tema pode-se chegar a distintos níveis de abstração e complexidade. Por outro lado, considera que não se pode ignorar os sofrimentos das pessoas que sofrem de doenças como por exemplo, as atrofias progressivas, as distrofias musculares, entre outras, que 29 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 76. Ibidem, p. 90. 31 Ibidem, p. 91. 32 Idem. 30 9 notoriamente precisam da ajuda e empenho por parte do Estado, da sociedade e da comunidade científica.33 Ninguém poderá obrigar outra pessoa a suprir gastos emocionais e financeiros da responsabilidade de criar uma criança incapacitada para a vida autônoma e de boa qualidade, sendo justo e ético que as pessoas tenham o direito de decidir se querem ou não ter uma criança com esses problemas, tendo em vista que quase sempre os cuidados com essa criança constituem uma tarefa só da mãe, considerando que as mulheres geralmente são desamparadas pelo pai da criança e pela sociedade.34 Tem-se que as intervenções genéticas terapêuticas em embriões devem ser permitidas exigindo-se, portanto, que ocorra um aprofundamento crítico do conceito de doenças e danos genéticos que podem ocorrer se forem considerados como simples desvios da normalidade genética, atentando para o risco de passar da terapia ao eugenismo, desviando-se o objetivo de aumentar o número de pessoas normais em um processo de criar pessoas perfeitas, e o médico em um selecionador genético.35 Maria Cláudia Crespo BRAUNER, alerta de que não há necessidade de fabricarem embriões para congelar evitando-se, assim, o descarte de embriões que não são utilizados.36 Outro problema encontrado é o da gravidez múltipla e para evitá-las, entende-se que não deverá ser permitida a colocação de mais de dois embriões no útero da mulher, pois, apresenta um risco grave a saúde da mulher.37 A gravidez múltipla é considerada, uma má prática da FIV, pelos profissionais mais conscientes da área, tendo em vista que já é possível evitar-se o implante múltiplo de embriões e, portanto, viabilizar gravidezes que resultam em bebês. Os cientistas, em tese, são quem precisam de embriões e embriões. Há falta de regulamentação ética e jurídica que imponha responsabilidades a estes profissionais, inclusive da área científica. Por exemplo, uma legislação que proíba a fabricação de embriões com a finalidade de acobertar 38 insuficiências e/ou deficiências da técnica. 33 BARROSO, Luís Roberto. Em Defesa da Vida Digna: Constitucionalidade e Legitimidade das Pesquisas com Células-Tronco Embrionárias. In: SARMENTO, Daniel, PIOVESAN, Flávia. (Coods.). Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana e Eutanásia sob a Perspectiva dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 246. 34 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 91. 35 Idem. 36 Ibidem, p. 92. 37 Idem. 38 Ibidem, p. 93. 10 A prática comum da FIV tem sido a transferência de mais de um óvulo fecundado, através da estimulação hormonal, que provoca na paciente uma hiperovulação, obtendo-se, vários óvulos do mesmo ciclo menstrual.39 Esta prática de superovulação provocada por estimulação hormonal e a implantação de vários embriões no útero materno, leva a gravidez múltipla e vem sendo utilizada a redução embrionária nestes casos para se evitar este tipo de gestação.40 Por ser um mistério para os médicos, para que haja o sucesso da implantação do óvulo fecundado é comum o transplante de mais de um embrião de cada vez. Para a realização dessa prática, é necessário que se retire mais de um óvulo e, portanto, que se estimule a ovulação.41 Como conseqüência, deve-se tomar cuidado com a ocorrência de gravidezes múltiplas, que podem gerar abortos, partos precoces ou nascimentos de bebês prematuros, que são extremamente prejudiciais à saúde da gestante e também à da criança por nascer.42 Sendo assim, se vários forem os embriões obtidos por meio da fertilização, um grande impasse se apresenta: se os diversos embriões são transplantados, há a possibilidade de todos se desenvolverem, podendo ocorrer gravidez múltipla com risco de aborto, parto precoce e outras complicações no desenvolvimento e; se somente alguns dos embriões disponíveis são transplantados, seja porque os outros não se desenvolveram suficientemente ou seja porque não tenham sido transplantados apenas para evitar gravidez múltipla, e esses demais, denominados excedentes, que ficam criopreservados, é preciso que se dê algum destino.43 Pelos argumentos e problemática apresentada percebe-se que é possível, evitar a formação de embriões em números superior à demanda da pessoa ou pessoas envolvidas. Faz-se necessário que a utilização deste método seja racional a fim de evitar as gravidezes múltiplas, que representam grande risco de saúde à futura mãe e filhos, e essas cautelas serviriam a superar o problema referente aos embriões excedentários ou supranumerários e toda polêmica com relação ao destino a ser dado aos referidos embriões: se doação ou 39 Ibidem, p. 94. LEITE, Eduardo de Oliveira. et. al. (Coords.). Grandes Temas da Atualidade. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 11. 41 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 94 42 Idem.. 43 Idem. 40 11 adoção, descarte, destruição ou, ainda, material biológico disponível para experiências 44 científicas. A FIV é uma técnica de reprodução humana assistida relativamente simples sob a ótica da autora Silvia da Cunha FERNANDES: na qual o óvulo em estado maduro é retirado do ovário um pouco antes do momento em que ele seria naturalmente expelido. Depois, é colocado em tubo de ensaio e misturado ao esperma para que ocorra a fecundação. Fecundado, o óvulo é transplantado para o útero da mulher a fim de que possa se desenvolver.45 Entretanto, ainda que seja uma técnica simples, pode ocorrer o agravante da redução embrionária, quando se tem um número maior de embriões, que tem sido utilizada para evitar gestações múltiplas; todavia, vale explicitar que essa prática está proibida pela Resolução CFM n° 1.358/92, item I, n° 7, porque é considerada criminosa, pois se trata de uma forma de interrupção da gravidez, com a destruição de um ou mais embriões dentro do útero materno.46 Ao mesmo tempo em que se pretende coibir a redução embrionária seletiva e indiscriminada, deve-se cientificar os pacientes por meio de informações e esclarecimentos sobre os riscos de uma gestação múltipla, a maioria dos médicos, especialistas em reprodução humana, tentam evitar esse tipo de gravidez múltipla, havendo, inclusive, limitação legal quanto ao número de embriões que podem ser transferidos para o útero materno. Na atualidade tem-se adotada a prática de não se transferirem mais do que quatro embriões por ciclo, conforme Resolução nº 1358/92 do CFM.47 O autor Luís Roberto BARROSO, diz que é recomendável que a transferência de embriões para o útero materno seja de dois e que possa chegar a três, evitando assim as gravidezes múltiplas, sendo que os embriões excedentes deverão ser congelados.48 É dentro deste contexto, deste fato, que surge o problema dos embriões excedentes e o destino que se deve dar a eles, uma vez que parece ser moralmente 44 Idem. FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 90. 46 Ibidem, p. 91. 47 Idem. 48 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 244. 45 12 inaceitável deixá-los morrer, e com a falta de legislação precisa e específica referente ao assunto torna-se mais problemática a questão dos embriões que não são utilizados a fresco e são criopreservados em temperaturas baixíssimas, a menos 196º C.49 Neste caso, são apontadas pelo menos três alternativas: os embriões excedentes poderão ser doados para outro casal, doados para pesquisa científica ou destruídos, sendo certo que as duas últimas alternativas são extremamente polêmicas e objeto de várias discussões.50 Outra possibilidade decorrente da utilização da fertilização in vitro, fazendose um breve comentário, é o aparecimento da figura da mãe gestacional, ou seja, aquela que cede seu útero para levar a cabo uma gestação no lugar da mãe biológica ou institucional. A mãe de substituição, antigamente chamada de barriga de aluguel pode ser apenas quem cede seu útero para a gestação ou pode inclusive doar seus óvulos, neste caso será mãe gestacional e biológica da criança por nascer.51 Apenas a título de informação, na fecundação in vitro podem aparecer três tipos de doadores: a doadora de óvulos, a doadora temporária de útero e doador de sêmen; isso porque essa técnica de fertilização in vitro pode ser homóloga, utilizando-se o material fertilizante do próprio casal solicitante, ou heteróloga, se feita com material genético de terceiros doadores, seja sêmen ou óvulos, o embrião gerado nesta técnica poderá ser implantado no útero da solicitante ou de terceira pessoa.52 1.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA Fertilização in vitro homóloga, é uma prática de reprodução humana assistida que se utiliza dos gametas do próprio casal. Sendo assim, os problemas quase inexistem, quanto a responsabilidade médica, do casal e quanto a própria criança nascida deste procedimento, porém, resta também para esta técnica o 49 FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p. 91. Ibidem, p. 92. 51 Idem. 52 Idem. 50 13 problema dos embriões excedentes. Sabe-se que para um resultado positivo nesse procedimento é necessário a implantação de no máximo quatro embriões no útero, conforme a Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, portanto, nem todos os embriões são transferidos para o útero, os excedentes são criopreservados.53 Na obra da autora Silvia da Cunha FERNANDES, a FIV homóloga, opera-se in vivo, ou seja, a mulher recebe inoculação de material germinativo fecundante, de seu marido ou companheiro, diretamente dentro de seu próprio corpo, sendo que a coleta desse material depende de anuência do doador, devendo este se encontrar vivo, para manifestar sua vontade, após esclarecimento.54 Geralmente, como já referido, esse tipo de fecundação não viola qualquer princípio jurídico, não restando dúvidas quanto ao vinculo de filiação, mesmo que a concepção tenha sido realizada à distância. Mas neste caso, o que se coloca em questão é a possibilidade de ocorrer a fecundação post mortem, devido ao advento da possibilidade de criopreservação de esperma, tornando possível gerar filhos mesmo após a morte do doador.55 Este fato tem gerado várias discussões no mundo jurídico quanto a legitimidade da filiação, bem como o caso de presunção de paternidade, disposto no artigo 1597, III do Código Civil de 2002.56 Cabe salientar, que o legislador no Código Civil ao admitir a inseminação artificial post mortem, gerou sérios problemas de ordem jurídica sem oferecer subsídios necessários a sua resolução. Deve-se ainda esclarecer que a clínica de reprodução assistida é mera depositária do material genético, portanto, o falecimento do depositante provoca a extinção do contrato de depósito, devendo este material ser eliminado, por ser um direito personalíssimo, não podendo ser objeto de herança, neste caso não deixando dúvida que a viúva tenha qualquer direito sobre o material depositado.57 Outro questão gerada por essa prática de FIV homóloga, está ligada a criança gerada no caso de ocorrer um erro no laboratório como troca de material 53 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 383. FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p.72. 55 Ibidem, p. 73. 56 Ibidem, p. 75. 57 Ibidem, p. 77. 54 14 genético e haja impugnação de paternidade, como fica a situação da criança? O direito ainda não encontrou uma resposta satisfatória para esse e outros tantos questionamentos envolvendo a reprodução humana, mas ainda há os problemas, diga-se ainda maiores, na técnica de FIV heteróloga que veremos a seguir.58 1.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA Nesta técnica de FIV heteróloga, a criança é nascida após fecundação in vitro: pelo esperma do marido, de um óvulo doado e implantado no útero da mulher ou; após fecundação in vitro de um óvulo estranho ao casal e de um espermatozóide igualmente estranho.59 É exatamente esta técnica de reprodução humana assistida que surge a preocupação com os embriões humanos que são criados e conservados mediante atividade médico laboratorial, cuja finalidade é possibilitar a procriação por meio artificial.60 No que corresponde a esta técnica, há questões que se tornam bastante complexas, tanto quanto a responsabilidade médica, quanto do casal, do doador e em relação à própria criança oriunda deste procedimento. A mesma problemática que envolve a FIV homóloga, também está presente na heteróloga, ligada ao 61 destino dos embriões excedentes. Na FIV heteróloga, desde que haja concordância do marido ou companheiro, o vínculo de filiação deve-se basear na relação sócio-afetiva.62 Neste caso é de grande importância o consentimento do marido ou companheiro, devendo ser expresso e inequívoco, não podendo ser substituído por nenhuma autorização judicial.63 Desta forma, não poderá o marido ou companheiro contestar a paternidade de seu filho uma vez que se lhe retira o direito de impugnar a legitimidade do filho havido, salvo se provar infidelidade da mulher e que a criança não é fruto de 58 Idem. Idem. 60 MEIRELLES, Jussara Maria Leal. A vida..., p. 18. 61 FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p.77. 62 Ibidem, p. 79. 63 Idem. 59 15 inseminação artificial, ou se não houve a autorização expressa, há possibilidade de entrar com ação negatória de paternidade.64 Muitas pessoas não concordam com a FIV heteróloga, sob os argumentos de que entendem que não poderia haver a introdução de um terceiro na relação do casal, outros até acreditam que esta introdução caracteriza adultério. Não se pode afirmar, nesta esfera, que houve adultério, pois, na inseminação artificial não existe nenhuma relação carnal entre a esposa e o doador, haja vista que a decisão de recorrer a esta técnica foi consensual pelo casal, não existindo portanto, ameaça para o casamento.65 Os doadores, por sua vez, ficam no anonimato, que é uma forma de proteção para a criança e também para os próprios envolvidos.66 No entendimento de Maria Helena DINIZ, inseminação heteróloga pode acarretar diversos problemas, conforme segue: a) pode acarretar um desequilíbrio na estrutura básica do casamento, tendo em vista que a concepção se deu sem o ato sexual entre homem e mulher; (...) omissis c) pode haver registro falso, devido o fato de que há presunção de paternidade para aquele filho concebido na constância do casamento; d) se a esposa não anuir com a doação de material genético, poderá o marido faze-lo, dando ensejo a separação judicial por injúria grave; e) se houver falta de consentimento por parte do marido, também poderá ser motivo de separação judicial com base em injúria grave; f) se houver arrependimento por uma das partes, isso poderá acarretar problemas de ordem física de psicológica na criança,que poderá ser rejeitada, abandonada ou maltratada, após o nascimento; g) argumentar que a criança não é fruto de inseminação artificial e sim de outra pessoa alegando adultério, gerando separação judicial; h) a ocorrência de paternidade incerta, negando-se ao filho seu direito à identidade, pois se houver impugnação daquela, a necessidade do anonimato do doador do material genético torna impossível sua identificação; i) a rejeição de ambas as partes, pais e filhos se este vier a saber que foi gerado por inseminação artificial heteróloga; j) a possibilidade de incesto, resultante do encobrimento da verdadeira descendência; k) pessoas não vinculadas pelo matrimônio ou união estável, poderão, utilizando-se de material genético de terceiro doador, fazer uso dessa técnica, comprometendo toda estrutura familiar da criança; l) o doador do material fertilizante poderá reclamar judicialmente a paternidade, pretendendo 67 beneficiar-se, economicamente, ao reconhecer como seu o filho, ou vice-versa. 64 Idem. Idem. 66 Idem. 67 DINIZ. Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 46665 467. 16 Apesar dos muitos apontamentos Silvia da Cunha FERNANDES, defende que é direito de todo ser humano ter filhos, não podendo ser negado este direito e que a sociedade deve ser altruísta ajudando os casais que não podem ter filhos pelo modo natural e são estéreis, a terem respeitados seus direitos à procriação, bem como, a criança gerada através dessas técnicas seu direito de ter um pai e uma mãe.68 Prossegue dizendo que a inseminação heteróloga não é como a adoção, que se encontra regulamentada, mas destaca que é um remédio eficaz, que atenua o problema referente a esterilidade do casal e suas naturais conseqüências psicológicas, sociais e porque também não dizer econômicas .69 No ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente na Constituição de 1988, está tutelado o direito ao planejamento familiar, em seu artigo 226, § 7º, que a família é a base da sociedade e o Estado tem que dar especial proteção, entre elas, as que estão fundadas no princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.70 Se este direito é assegurado pela carta magna da República Federativa do Brasil, é justo que as pessoas possam se utilizar de técnicas de reprodução humana assistida para poder gerar seus próprios filhos. Os filhos originários deste tipo de reprodução humana assistida, ou seja, a fertilização in vitro homóloga encontram amparo no Código Civil de 2002 em seu artigo 1597, IV e V que assegura a filiação aos concebidos, a qualquer tempo, por meio de reprodução humana assistida homóloga, e aqueles filhos concebidos havidos por inseminação heteróloga, desde que com consentimento do marido ou companheiro.71 68 FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p. 84. Ibidem, p. 85. 70 BRASIL. Consitituição da República Federativa do Brasi de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. 71 BRASIL. Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002: Institui o Código Civil. 69 17 1.4 BIOÉTICA. Considerando o tema apresentado, faz-se necessário alguns estudos dentro da filosofia no tocante a ética e bioética.72 Bioética, deve ser interpretada como a ética que diz respeito a vida, as influências sobre a vida, a saúde humana e sobre físico e psíquico de indivíduos ou coletividades de presentes e futuras gerações.73 Os estudos voltados para a área da saúde e da cura de doenças faz que a medicina tenha tarefas primordiais em busca de uma melhor qualidade de vida ou uma melhor performance.74 Essa busca trouxe sérios abalos no que tange ao equilíbrio entre a ética da liberdade individual e a ética das necessidades coletivas.75 Partindo-se do pressuposto de que a experiência da moralidade é de abrangência universal, todos os homens em todos os contextos sociais têm a capacidade de distinguir o bem do mal, embora a noção de bem e de mal, possa variar de um contexto para o outro. Claude Lévi-Strauss, considerado por muitos como o maior etnólogo de nosso século, chega a afirmar que só se pode falar propriamente em ser humano quando este desenvolve algum tipo de consciência moral.76 Também segundo suas conclusões, as sociedades humanas só se constituíram quando foram postas interdições sociais e a mais universal de todas é a proibição do incesto.77 Mas, se a experiência da moralidade é comum a todos os homens, em todas as sociedades, nem todos são capazes de desenvolver a crítica do conteúdo da moral. Esta tarefa cabe à Ética.78 Embora muitos empreguem indistintamente os termos Moral e Ética, no âmbito da linguagem filosófica costuma-se distinguir esses dois campos. Enquanto a moral está associada ao agir concreto, a Ética vincula-se também à teorização sobre 72 SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 3. MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito..., p. 35. 74 Ibidem, p. 32. 75 Ibidem, p. 33. 76 SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p.3. 77 Idem. 78 Idem. 73 18 os valores e sobre a vida moral. Em outras palavras: enquanto a moral envolve exclusivamente a prática, a Ética privilegia especialmente dois temas.79 O primeiro, refere-se a análise crítica dos costumes de uma determinada sociedade ou pessoa a partir de um critério para identificar o bem e o mal, o certo e o errado.80 O segundo traz a indicação dos pressupostos necessários (condições transcendentais) para que um determinado ato humano possa ser inserido no âmbito da moralidade.81 Ao abordar o primeiro aspecto, a Ética considera de que modo, nas mais diversas sociedades, os homens vivem concretamente os valores morais, apontando suas fraquezas ou enaltecendo as suas realizações. Alguns exemplos clássicos do exercício da crítica no âmbito da Ética foram Sócrates, em Atenas, Pascal, nos primórdios da modernidade, e Jaspers, no mundo contemporâneo.82 Em relação ao segundo aspecto, a Ética desenvolve uma análise sobre condições necessárias para que um ato humano qualquer possa ser introduzido no âmbito da moral ou da ética e com isso avaliado como bom ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral.83 A bioética nasce, assim, como uma resposta a desafios encontrados no corpo de uma cultura, de um paradigma do conhecimento humano e de uma civilização. Antes de tudo, é a expressão teórica da consciência moral de um novo tipo de homem no seio de uma nova cultura e civilização. Distingue-se, portanto, de uma ética estritamente profissional, pois trata da análise teórica das condições de possibilidade dos valores, normas e princípios, que procuram ordenar o avanço científico e tecnológico. O progresso científico, por outro lado, em virtude de suas aplicações tecnológicas, não se processa de forma neutra, mas, no campo da engenharia genética, envolve uma rede imensa de interesses econômicos que 84 acabam por questionar os próprios fundamentos da tradição ética ocidental. O estatuto ético do embrião humano deve ser considerado como um princípio de legalidade jurídica. Sendo que da parte da lei, deixa evidente o vinculo 79 Idem. Idem. 81 Ibidem, p. 4. 82 Idem. 83 Idem. 84 MELLO, Celso Albuquerque. Bioética, Biodireito e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 394. 80 19 da legalidade jurídica com indicações de valores expressos pela ética da vida. Da parte ética, precisa de padrões jurídicos com relação ao bem da vida embrionária.85 Atualmente o conflito assumiu intensidade característica no âmbito da biologia, em especial nas suas mais avançadas realizações, encontradas no campo da engenharia genética.86 O avanço científico e suas aplicações tecnológicas provocaram o aparecimento de um conjunto complexo de relações sociais jurídicas, que envolve valores diferenciados na religião, cultura e política e, também, a construção de interesses econômicos com reflexos na formulação de políticas públicas.87 As questões éticas levantadas pela ciência biológica tratam atualmente, dos questionamentos feitos pela consciência do indivíduo diante dos novos conhecimentos, e, também, como esses conhecimentos materializados em tecnologias estão repercutindo na sociedade.88 Vemos, então, como a complexidade das relações estabelecidas em virtude da nova ciência e tecnologias no campo da engenharia genética, fazem com que a bioética e o biodireito, não possa ficar prisioneiro da teorização abstrata ou do voluntarismo legislativo, pois ambos são chamados a responder à indagações práticas e imediatas, que nascem de relações 89 sociais, econômicas, políticas e culturais características da civilização atual. Outras questões advindas dos avanços tecnológicos, portanto, não são apenas objeto de preocupação no campo bioético, sendo fundamental a existência de determinadas regras de comportamento que devam ser dotadas dos atributos da obrigatoriedade, da generalidade, da coercibilidade e da imperatividade, gerando, assim, normas jurídicas, na construção do biodireito, algumas cautelas se impõem.90 Não há como estabelecer regras rígidas sobre questões éticas da biotecnologia que não sejam objeto de moralidade universal, sendo que quanto àquelas que forem objeto de consenso ou de escolha, após debate plural, 85 CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Identidade e Estatuto do Embrião Humano. Atas da Terceira Assembléia da Pontifícia Academia para a Vida. [S. l.]: Edusc, 1998. p. 341. 86 Ibidem, p. 342.. 87 Idem. 88 Idem. 89 Ibidem, p. 395. 90 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 105. 20 democrático e multidisciplinar, deverão ser destacadas e regulamentadas em conformidade com as opções realizadas em consonância com os valores sociais e culturais, mas sempre passíveis de alteração diante do próprio desenvolvimento e rápido avanço das tecnologias e práticas da biologia e da medicina, daí a conveniência de nem sempre a cominação e aplicação de preceitos e sanções serem tão severas, havendo maior flexibilidade.91 Cuidando da possibilidade da existência de uma ordem jurídica fundada em valores universais no campo das ciências da vida, propicia-se uma leitura sob uma perspectiva propriamente moral dos direitos humanos, manifestando-se os valores éticos no sistema jurídico.92 Os direitos humanos representam, assim, uma forma de moralidade, com base em uma fundamentação racional de uma determinada concepção ética da pessoa humana, da sociedade e do Estado.93 A bioética, busca uma análise mais ampla que a pura resolução de conflitos éticos no campo das ciências da saúde e da vida. Essa denominação, bioética, foi adotada em 1970, a partir de elementos da doutrina, formada diante de problemas apresentados pela biomedicina deste século.94 Da bioética originou-se várias controvérsias, se a biologia deveria ter em conta e considerar a ética como pura e simplesmente a ética da vida e, portanto, pode definir-se como área de reflexão filosófica que analisa, desde as categorias de valor, dever, bondade e etc. dos atos humanos nas questões relacionadas com a vida.95 Maria Helena DINIZ em sua obra O Estado Atual do Biodireito, dispõe que a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, IX proclama a atividade científica como um dos direitos fundamentais, não significando que ela seja absoluta e não contenha qualquer limitação, pois há outros valores e bens jurídicos reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade física e psíquica, a privacidade, 91 Idem. Idem. 93 Ibidem, p. 106. 94 Idem. 95 GARCIA, Maria. Os Limites da Ciência: A Dignidade da Pessoa Humana: A Ética da Respnsabilidade. São Paulo: RT, 2004. p. 156. 92 21 entre outros, que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso da liberdade de pesquisa científica.96 Havendo conflito entre expressão da atividade científica e outro direito fundamental da pessoa humana, a solução ou o ponto de equilíbrio deverá ser o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 1º, III, CR/88. Nenhuma liberdade de investigação científica poderá ser aceita se colocar em perigo a pessoa humana e a sua dignidade.97 Isto porque esses supostos avanços exercem uma influência direta na sociedade, trazendo consigo várias conseqüências jurídicas, muita polêmica e conflitos de difícil solução, requerendo a elaboração de normas que atendam as necessidades e acima de tudo que defendam a pessoa humana de possíveis ameaças a sua dignidade.98 Vale lembrar que o princípio da vida para a máxima proteção constitucional tem sua aplicação do princípio da máxima efetividade possível. Assim o artigo 5º da CR/88, primou em seu caput por alguns direitos fundamentais, entre eles o da inviolabilidade e o direito à vida, considerado o maior dos direitos, já que é pressuposto para o exercício dos demais.99 Em consonância com o princípio fundamental da dignidade humana, é possível afirmar que os demais direitos fundamentais são aqueles necessários para uma vida digna.O direito e a ética não estão sendo eficientes em acompanhar os constantes avanços na área biotecnológica que levantam velhas discussões, paradigmas e valores tradicionais, como por exemplo, a vida e a morte. Há uma preocupação especial envolvendo ao assunto porque podem alterar substancialmente o curso da vida humana tanto presente quanto futura, merecendo atenção especial quanto a imposição de novos e mais diligentes limites éticos, morais e jurídicos, hábeis para garantir a eficácia dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.100 96 DINIZ, Maria Helena. O Estado..., p.7. Idem. 98 Ibidem, p. 39. 99 Idem. 100 MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito..., p. 33. 97 22 Há a necessidade de serem criados novos instrumentos que permitam acompanhar ou tentar acompanhar essas inovações nos campos da ciência e da tecnologia que estão a exigir uma nova conduta, um repensar sobre a ciência jurídica.101 101 DINIZ, Maria Helena. O Estado..., p. 39. 23 2 O EMBRIÃO PRODUTO DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO O termo embrião, tem um problema em sua utilização e é usado de diferentes formas. Na biologia, o óvulo fecundado chama-se zigoto, em vez de embrião. O embrião propriamente dito é o ente que se desenvolve a partir da implantação no útero até oito semanas depois da fecundação, sendo que no início da nona semana é que se começa a formar o feto conservando esta terminologia até seu nascimento.102 Embrião é também um termo utilizado tanto para pré-embrião (embrião préimplantatório ou substância embrionária humana), como para embrião (ou embrião pós-implantatório) e feto (ou nascituro).103 Por sua vez, embrião pré-implantatório ou substância embrionária humana é o produto da concepção, desde a efetiva fecundação do óvulo pelo espermatozóide, que se realiza dentro ou fora do útero materno, até o 14º dia da gestação quando se forma a estrutura básica do sistema nervoso central.104 Já por embrião, ou embrião pós-implantatório compreende-se como a fase do desenvolvimento embrionário que, continuando a fase anterior, completa-se, assinalando a origem e incremento da organogênese ou formação dos órgãos humanos, cuja duração é de aproximadamente dois meses e meio, a partir da nidação. Recebe a denominação de pós implantatório porque é a etapa onde o óvulo fecundado transcorreu os 14 dias desde a fecundação.105 O feto é a fase mais avançada do desenvolvimento embriológico, onde se pode visualizar a aparência humana, e seus órgãos, já formados, que crescem paulatinamente, preparando-se para funcionar autonomamente, após o parto. É, portanto, um embrião mais desenvolvido.106 Segundo Patrícia PRANKE, há cientistas, que consideram pré-embrião as células até o estágio de blastocisto que corresponde aos cinco primeiros dias de 102 CASABONA, Calor María Romeo. Biotecnologia, Direito e Bioética: Perspectivas em Direito Comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 177. 103 CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. CONRADO, Marcelo. O Embrião e seus Direitos. In: ____. et. al. (Orgs). Biodireito e Dignidade da Pessoa Humana: Diálogo entre a Ciência e o Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p.85. 104 SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p.59. 105 Idem. 106 Idem. 24 desenvolvimento embrionário, isto é, desde a fecundação até a implantação no útero.107 Tem-se por justificativa que a utilização do termo pré-embrião é porque inúmeros óvulos fecundados são naturalmente eliminados antes de sua implantação no útero.108 O termo embrião também seria aplicado apenas àqueles que já estivessem nidados no endométrio materno. O relatório Warnock, utiliza a denominação de préembrião até o 14º dia após a fecundação, quando começa o desenvolvimento do sistema nervoso central. Considerando esta premissa, muitos comitês éticos permitem sua pesquisa, adotando a denominação de pré-embriões para diferenciálos dos embriões, com os quais certos procedimentos não podem ser realizados.109 Por fim, há os que se posicionam de uma maneira intermediária, defendem que o pré-embrião, embora seja um organismo vivo com status especial, não possui o status de um ser humano, logo, não justifica que ele tenha direitos como uma pessoa.110 2.1 O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES CRIOPRESERVADOS As técnicas existentes hoje que são utilizadas para fecundação artificial levantam problemas éticos com relação à existência em vida e ao destino dos embriões fora do útero materno. Considerando ser uma condição anormal, produzida artificialmente, tendo legitimidade para benefício terapêutico do embrião, sendo que necessária e impossível de se conseguir de outra maneira, claro que dentro dos parâmetros estabelecidos pelo respeito pela verdade moral da procriação humana.111 Embriões originários da fertilização in vitro existem por razões que lhe são alheias, como por exemplo: satisfazer a desejos da maternidade, utilizá-los para 107 PRANKE, Patrícia. A Importância de Discutir o Uso de Células-Tronco Embrionárias para fins Terapêuticos. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S00097252004000300017&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 28 jul. 2010. 108 Idem. 109 Idem. 110 Idem. 111 CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Op. cit., p. 336. 25 pesquisa e experimentação, empregá-los como material biológico para cirurgia de transplante e produção farmacêutica.112 Dentro deste contexto, Carlos María Romeo CASABONA, aduz que nos dias atuais estamos diante de uma multiplicação das formas de agressão ao concebido, não somente ao aborto, mas aquelas estendidas ao embrião não abortivo, vulneráveis a experimentação e manipulações genéticas com a produção de embriões acima do necessário para a fertilização assistida ou para finalidades estranhas a procriação, para cosméticos industriais ou para retirada de tecidos para transplantes.113 Essas razões, salvo aquela para satisfazer a desejos da maternidade, que tem garantia constitucional, elencada no artigo 226, § 7º da CR/88, são inaceitáveis e levam ao desvio e o esvaziamento de valor da vida do embrião humano.114 A situação das vidas humanas embrionárias suscitam problemas éticos particulares com relação a criopreservação, à seleção, ao comércio e à destinação dos embriões excedentes.115 Os embriões não utilizados a fresco são criopreservados. Criopreservação é uma suspensão no desenvolvimento do embrião, mediante congelamento em nitrogênio líquido. São indivíduos humanos gerados e conservados em imobilidade biológica a temperatura muito baixas, a menos de 196º C.116 É uma interferência no ciclo natural da vida, que uma vez concebida, deve seguir seu curso natural.117 Entende-se que a continuidade de um indivíduo, temporal ou histórica, é um bem e um direito intrínseco em razão dos quais também um ser percebe a si mesmo. A idade de uma pessoa é uma coordenada da vida pessoal que a determina nas condições do tempo e do espaço. Interferir, provoca um vácuo temporal na existência de uma pessoa, que subverte a percepção e a consciência.118 112 Idem. CASABONA. Calos María Romeo. Op. cit., p. 185. 114 CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Op. cit., p. 336. 115 Ibidem, p. 337. 116 Idem. 117 Idem. 118 Idem. 113 26 Deter o ciclo vital de um embrião humano é uma expressão da vontade de poder, pela qual uma pessoa decide o destino de outra, que vem a ser um ente fraco e indefeso. Sua vida é “suspensa”: ela está “lá”, congelada e depositada, como um produto de consumo, junto a muitos outros, disponível em caso de necessidade. Sua dignidade se vê reduzida ao calor de uma coisa a ser usada, sujeita também a expiração, de vez que não se pode garantir a integridade física e mesmo a vitalidade de um embrião congelado em proporção direta ao tempo e à modalidade de congelamento. Assim, além de um excesso de poder, há também 119 a violência pela qual essas vidas “expiradas” e “imprestáveis” são descartadas. Surgem quanto ao destino dos embriões excedentes, questões éticas conflitantes, por causa do bem que está em questão, a vida humana, e pelo motivo de incalculáveis embriões excedentes em muitas clínicas de fertilização in vitro.120 O destino a ser dado aos embriões excedentes está ligado diretamente a extensão atribuída ao conceito de nascituro, em uma perspectiva puramente jurídica.121 É de fundamental importância que se defina se o embrião é ou não um nascituro para que a legislação alcance o embrião para proteção deste. No Código Civil em seu artigo 2º, está disposto que: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.122 Duas teorias se defrontam, na determinação do que seja “concepto”, a teoria genético desenvolvimentista e a teoria concepcionista.123 Pela teoria genético desenvolvimentista o ser humano passa por uma série de fases: que para os pesquisadores ingleses estende-se do 1º ao 14º dia (duas semanas) de gestação. O Relatório Warnock, admite o uso de embriões humanos para pesquisas, desde que com o consentimento dos pais,e com a garantia de que tais embriões serão destruídos.124 Os que aderem a esta teoria visualizam no embrião um “antes” e um “depois” na aquisição da dignidade humana, o que é inadmissível a nível jurídico. Após a fecundação, não há que se falar em antes e depois, ou seja, antes células 119 Idem. Idem. 121 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 384. 122 Idem. 123 Ibidem, p. 385. 124 Idem. 120 27 destinadas a morrer e depois células destinadas a viver e a dar lugar por si mesmas, a um ser humano se deixadas em um lugar adequado.125 Alerta que é perigosíssimo submeter o ser humano a atributos como tamanho, forma e função, dessa maneira, os adultos teriam mais direitos que as crianças e os mais inteligentes que os menos inteligentes e assim por diante.126 A teoria concepcionista, por sua vez, entende que o embrião desde a fecundação, possui algo distinto da mãe com autonomia genético-biológica que não permite vincular nenhuma mudança essencial em sua natureza até a idade adulta, colocando a salvo os óbvios atributos de tamanho e função.127 Quanto a questão da eliminação dos embriões excedentes, Jussara Maria Leal MEIRELLES, pondera que existe quem entenda que o embrião que se encontra em laboratório é nascituro e portanto merece a mesma proteção jurídica que este. Afirma que a fusão genética das células germinativas masculina e feminina constitui a primeira célula do novo ser que se forma, a proteção jurídica deve alcançar a fecundação extra-uterina, considerando dessa maneira que a fusão das células houvesse ocorrido no ventre materno.128 Outro assunto a ser abordado é a seleção dos embriões a serem implantados no útero materno e que são dispostos deles de maneira arbitrária. Não se avalia o embrião pelo seu valor intrínseco, mas pelo resultado a ser obtido dele. Seu valor está condicionado ao efeito que o técnico pretende alcançar: garantindo uma gravidez e uma avaliação qualitativa de vida pelo cliente, checando-se suas qualificações e condição de vida antes da implantação, gerando uma relação de consumo129 Saliente-se que esta prática também é utilizada, quando os embriões sobreviventes que foram implantados são numerosos ou não possuem as qualidades almejadas, procedendo-se a eliminação dos que não são viáveis.130 Dentro deste questionamento é que encontra-se a polêmica que envolve uma revisão sobre os conceitos de quando se inicia a vida. 125 Idem. Idem. 127 Idem. 128 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 62. 129 Ibidem, p. 337. 130 Ibidem 338. 126 28 2.2 A PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS Para se falar de pesquisas utilizando-se das células-tronco embrionárias, é necessário falar da lei que autorizou sua utilização, a Lei nº 11105/05, que teve iniciativa do Presidente da República Federativa do Brasil por meio da Mensagem nº 579, de 03 de outubro de 2003, levada a Câmara dos Deputados.131 Todavia, as pesquisas com células-tronco embrionárias não figuravam como parte do texto originário da Mensagem supracitada, o texto foi refeito após ampla discussão, sendo submetido a diversas audiências públicas.132 A Lei de Biossegurança nº 11105/05, exige em seu artigo 5º, que os embriões tenham resultado de tratamentos de fertilização in vitro (art. 5º, caput); que eles sejam inviáveis (art. 5º, I) ou que não tenham sido implantados no respectivo procedimento de fertilização, estando cripreservados a mais de três anos (art. 5º, II); que seus genitores dêem seu consentimento (art. 5º, § 1º) e que a pesquisa seja aprovada pelo comitê de ética da instituição (art. 5º, § 2º).133 Esta lei, proíbe a comercialização de embriões, células ou tecidos (art. 5º § 3º); a clonagem humana (art. 6ºº, IV); e a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humanao e embrião humano (art. 6º, III).134 A célula-tronco encontra sua definição como a célula que pode gerar diferentes tipos celulares e reconstituir diversos tecidos. Apresenta a capacidade de auto-renovação, capaz de gerar uma cópia idêntica a si mesma e podem ser chamadas de "adulta" e "embrionária".135 As células-tronco adultas comumente utilizadas nas clínicas de fertilização são chamadas de células-tronco hematopoéticas e suas principais fontes são a medula óssea e o sangue do cordão umbilical.136 Por sua vez, as células-tronco embrionárias, são definidas na sua origem, e são derivadas do estágio do blastocisto do embrião e é normalmente utilizada, em alguns países, a partir dos blastocistos gerados em clínicas de fertilização, sendo 131 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 241. Idem. 133 Ibidem, p. 242. 134 Ibidem, p. 243. 135 PRANKE, Patrícia. Op. cit. 136 Idem. 132 29 que o próprio casal doa, para a pesquisa com fins terapêuticos, os blastocistos não utilizados para a fertilização in vitro.137 Blastocisto corresponde às células entre o quarto e quinto dias após a fecundação, antes da implantação no útero, que ocorre a partir do sexto dia. Esse estágio precede a fase embrionária, denominada gástrula, é considerada uma célula indiferenciada da fase de mórula ou blástula de um embrião.138 As células-tronco embrionárias apresentam grande plasticidade. Esta propriedade de plasticidade refere-se à sua capacidade da célula em se transformar em diferentes tipos de tecidos, e isto se deve ao fato do blastocisto ser capaz de originar todos os órgãos do corpo humano.139 2.3 VULNERABILIDADE DO EMBRIÃO A criopreservação dos embriões tem por finalidade resguardar futuras tentativas de implantação, ou possibilitar pesquisas sobre o seu desenvolvimento a respeito de anomalias cromossômicas ou genéticas.140 Congelar embriões, embora seja um complemento útil à fertilização in vitro, reúne dois problemas.141 O primeiro se refere ao risco a que o próprio embrião está sujeito, não pela criopreservação em si, mas pela baixa temperatura a que é submetido.142 No segundo, oberva-se uma questão de fundo ético-legal, por manter o embrião vivo indefinidamente, mesmo fora do ambiente adequado, o organismo materno. Se por um lado, essa manutenção, traz a autonomia vital do novo ser, por um outro, deixa evidente a sua vulnerabilidade, condenado a uma vida indefinida ou a sua imediata destruição.143 Com relação à pesquisa, é preciso frisar que assim como os embriões são usados como objeto de estudos com finalidades a aprimorar as condições do seu desenvolvimento, ou identificar anomalias cromossômicas ou genéticas, tem-se 137 Idem. Idem. 139 Idem. 140 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 22. 141 Ibidem, p. 23. 142 Idem. 143 Idem. 138 30 sabido de sua utilização como fonte de matéria-prima para a indústria cosmética e outros fins de caráter ético duvidoso. Por exemplo: a solicitação feita por dois médicos ingleses para implantar embriões humanos em animais; como também a proposta de um australiano, de se implantar embriões em mulheres que apresentam morte cerebral, em substituição a mães de aluguel.144 A utilização indiscriminada das técnicas de engenharia genética, associadas a de FIV, assume contornos alarmantes, à medida que viabiliza mudanças biológicas antes inimagináveis, tais como: hibridação (produção de seres resultantes do cruzamento de diferentes espécies); a clonagem (produção seriada de embriões geneticamente idênticos); a escolha caprichosa de características genéticas dos seres humanos, a partenogênese.145 Nesse sentido, Paulo Vinícius Spolerder de SOUZA, declara que as novas descobertas sobre o genoma humano e a melhora das técnicas ligadas a engenharia genética e reprodução assistida estão de alguma maneira reforçando a volta do pensamento eugênico.146 Entretanto, SOUZA, diz que estas descobertas além de contribuírem para o futuro, geram também efeitos negativos levando em consideração os motivos eugênicos, que despertam preocupação, pois podem interferir, no patrimônio genético da humanidade.147 Discute-se a possibilidade de haver reservas de tecidos e órgãos de embriões, pára auxiliar o tratamento de doenças como o mal de Parkinson, bem como, estudos sobre seu valor relacionado à terapia de diabetes e imunodeficiência, porque as células fetais em relação as adultas tem seu efeito terapêutico mais rápido.148 A seleção de embriões é realizada por meio da análise do material genético do embrião; é chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD). Tem por objetivo diagnosticar precipuamente doenças genéticas. Seleção de sexo também pode ser 144 Ibidem, p. 25. Idem. 146 SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p. 56. 147 Ibidem, p. 57. 148 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida... p. 26. 145 31 realizada por este diagnóstico pré-gestacional, a fim de evitar doenças ligadas ao sexo (exemplo: hemofilia) ou escolher o sexo do bebê.149 Em que pese a avaliação genética ofereça vantagens ao casal com risco de doença genética, várias objeções éticas vêm surgindo contra o uso dessa técnica. Essas objeções éticas recaem sobre suas categorias principais, quais sejam: uma está diretamente relacionada ao ato, uma vez que a manipulação dos embriões pode acarretar lesões e morte embrionária; a outra recai sobre o problema ético maior da seleção genética, a eugenia.150 A eugenia pode ser positiva e negativa, positiva no sentido de melhorar a espécie humana, eliminando os caracteres genéticos não desejáveis, alterando-os, selecionando-os ou apenas reproduzindo-os.151 É distinta da eugenia negativa que se limita apenas a evitar ou prevenir a continuidade de fatores genéticos prejudiciais, seja por meio de uma substituição de um gene defeituoso, ou mediante o descarte físico de seus portadores, para evitar que se agrupem criando riscos na procriação.152 O que fazer com o embrião que apresenta em seu diagnóstico uma doença genética? O que fazer com os embriões que não satisfazem o sexo desejado? Eliminá-los? Usa-lo para fins de pesquisas científicas?153 O descarte embrionário é eticamente inaceitável, e o uso em pesquisa viola o código de Nuremberg.154 No ordenamento jurídico pátrio, até pouco tempo não existia uma lei que tratasse em especial de pesquisas que envolvam embriões e células-tronco, sendo que o impedimento as pesquisas com células-tronco embrionárias veio com a Lei de Biossegurança nº 8974/95, revogada pela Lei nº 11105/05, que permite a utilização.155 149 LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10. Idem. 151 SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p. 57. 152 Idem. 153 LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10. 154 Idem. 155 SANTIAGO, Robson Luiz. O Estatuto do Embrião frente à Racionalidade Humana. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito em Discussão. et. al. (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 120. 150 32 Não bastasse, existe a redução embrionária que é uma técnica onde são retirados alguns dos embriões, já transferidos, implantados no útero, com a finalidade de evitar uma gestação múltipla.156 Pode ser encarada como um mal menor, uma vez que é utilizada para garantir a sobrevida de determinados embriões e diminuir o risco materno? Ou é indefensável por desrespeitar a vida humana:? Em uma mesma situação temos uma atitude pró-vida e outra contra vida. Do ponto de vista legal tal técnica não é permitida no Brasil. O Conselho Federal de Medicina proíbe a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária, em casos de 157 gravidez múltipla decorrentes do uso de técnicas de RA. Existe a hipótese de doação de embriões para os casais inférteis, que não podem ter seus próprios embriões ou são portadores de alguma doença genética, sendo aceitável, desde que autorizados pelos pais biológicos. Cabe salientar, entretanto, que não cabe as clínicas de reprodução assistida decidirem o destino do material genético de terceiros, sem que haja consentimento.158 A seleção de sexo, desperta debates éticos em toda área da reprodução assistida, que pode ser feita por meio da separação de espermatozóides masculinos ou femininos ou pela identificação genética dos embriões através da biopsia de células embrionárias. Na primeira situação há o argumento quanto a escolha do sexo e a segunda está associada a problemática dos embriões indesejados, este tipo de seleção é justificada quando utilizada para evitar transtornos genéticos ligados ao sexo. Do ponto de vista bioético não há justificativa para se aceitar outra circunstância que não para evitar doenças genéticas hereditárias, senão estaria frente a um meio de discriminação sexual contra qualquer um dos sexos.159 Encontra-se a maternidade de substituição que consiste na transferência de embriões ao útero de uma mulher que o alugue ou empreste, ou por meio de uma inseminação artificial ou fertilização in vitro em que a mulher ponha seu óvulo, além do útero.160 Inseminação post mortem, está ligada ao congelamento de sêmen que são largamente utilizadas na prevenção da fertilidade de homens que irão se submeter a tratamento de neoplasias. Nestes casos a terapêutica pode levar à esterilidade, que 156 LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10. Ibidem, p. 11. 158 Ibidem, p. 5. 159 Idem. 160 Ibidem, p. 7 157 33 seja pelos efeitos indiretos da quimioterapia, da radioterapia ou da orquiectomia. Essa prática de inseminação post mortem ocorre quando a viúva manifesta a vontade de gerar filhos do esposo falecido.161 A clonagem é um processo que combina DNA de um organismo com o ovo de outro, criando um indivíduo geneticamente igual ao que doou o DNA. Pode ser obtido de uma célula embrionária, de uma célula especializada ou de uma célula transgenicamente modificada. Em relação ao ser humano, isso nos coloca diante de duas possibilidades: o uso da técnica para reprodução e o uso da técnica com finalidade terapêutica. 162 Como se pode observar, são múltiplas as possibilidades produzidas pela FIV e que suscitam opiniões diferentes, que precisam de amadurecimento por meio de diálogos abertos. As controvérsias ocorrem não só em meio aos filósofos, juristas e médicos, mas também em relação a líderes religiosos.163 161 Idem. Ibidem, p. 11. 163 SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 95. 162 34 3 O EMBRIÃO PERANTE A ORDEM JURÍDICA Na visão de Maria Helena DINIZ, poderia até mesmo dizer que, na vida intrauterina, encontra-se o nascituro, e na vida extra-uterina, tem o embrião, personalidade jurídica formal, no que tange aos direitos personalíssimos, melhor dizendo, aos da personalidade, tendo em vista que a pessoa tem carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente após o nascimento com vida.164 Luiz Edson FACHIN, expressa de maneira sucinta, as supostas conquistas da legislação levando em consideração as transformações da sociedade, na obra As Intermitências da Vida, a qual merece destaque quando inserida no contexto do presente trabalho no que tange as escolhas e a realização dos desejos dos pais. A vida, afinal, é uma viagem na qual embarcamos e muda para sempre ou a vida é uma viagem na qual embarcamos sempre querendo voltar atrás? Eis aí a atrativa e perigosa fimbria das coisas. Não temeu nem sucumbiu. Prosseguiu e viu a travessia, que o fez sujeito histórico. Conheceu textos e leis, a travessia do Código Civil de 1916 ao estatuto da Constituição de 1988: da filiação excluída, dos incestuosos, dos adulterinos, dos ilegítimos, a igualdade da filiação, e depois a filiação por eleição, os filhos prêt-à-porter na escolha contemporânea, e ao fim e ao cabo, ao estado jurídico dos descendentes que não são 165 filhos. “Os filhos prêt-à-porter na escolha contemporânea”166. A expressão prêt-àporter significa: pronto para levar, foi uma expressão muito utilizada no meio da alta costura pelos estilistas, no século XX. No mundo da moda a expressão se adapta como pronto para vestir, no presente trabalho como a escolha dos filhos prontos para levar, no sentido literal da expressão, o que leva “ao fim e ao cabo, ao estado jurídico dos descendentes que não são filhos”167. Para se dicutir a situação do embrião perante a ordem jurídica está o maior dos direitos fundamentais, já que pressuposto para o exercício dos demais direitos elencados no art. 5º da CR/88 é o da inviolabilidade do direito a vida que em 164 DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5. 165 FACHIN, Luiz Edson. As Intermitências da Vida. (o nascimento dos não-filhos à luz do Código Civil Brasileiro). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 21. 166 Idem. 167 Idem. 35 consonância com o princípio fundamental da dignidade humana, pode-se afirmar que os demais direitos fundamentais são aqueles necessários para uma vida digna.168 Não há disposição expressa na CR/88 em qual momento incide a inviolabilidade do direito à vida, que o constituinte de 1988 optou por não dispor. Todavia, ainda que não esteja disposto, não inviabiliza a definição do sentido e do alcance da norma, sendo necessário o auxílio de outras ciências, o que claramente se impõe aqui, já que cabe ao direito proteger a vida e não dizer quando se inicia a vida.169 É entendimento pacífico entre as ciências pertinente ao assunto de existir vida desde a concepção, trazendo a segurança necessária ao direito.170 O novo Código Civil de 2002, apresenta em seus primeiros artigos a consagração que contempla todos os homens como pessoas. Essas pessoas que em nossa vivência, de forma simples, é usada como vocábulo de ser humano; mas que no direito tem um significado próprio e particular, de modo que, ser pessoa consiste na possibilidade de ser sujeito de direito, ou seja, titular de um direito, interligado assim com um dos pólos de uma relação jurídica.171 Em se tratando de embrião, a eliminação destes torna-se um assunto angustiante não só no campo religioso, onde as dimensões são além, macro cósmicas, mas também no campo da moral e da deontologia, e no espaço do Direito, onde assusta a todos. O que temos sobre o tema, de uma forma superficial, é que não há como se utilizar da técnica de reprodução humana assistida, a fertilização in vitro, sem evitar a destruição de embriões.172 Nesta prática da fertilização in vitro, é impossível ignorar que alguns embriões são descartados depois de decorrido algum tempo sem que nada se possa fazer.173 168 DINIZ, Maria Helena. Novo..., p. 5. Idem. 170 GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional. Questões atuais. São Paulo: Elsevier, 2009. p. 18. 171 RODRIGUES, Rafael Garcia. A Pessoa e o Ser humano no Novo Código Civil. In: Parte Geral do Novo Código Civil. TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 1. 172 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os Direitos do Nascituro. Aspectos Cíveis, Criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 178. 173 Idem. 169 36 Há a necessidade de os juristas tentarem interligar a lógica e o pensamento jurídico com os resultados das experiências científicas, mais precisamente da biogenética, para, após, proporem a melhor legislação a respeito.174 O próprio Conselho Regional de Medicina, por meio de Resolução, determina que o prazo máximo de desenvolvimento que o pré-embrião pode permanecer in vitro, é de 14 dias, por considerar que nesta fase não existe nenhum esboço da estrutura nervosa daquele ser, por isso, convencionou-se chama-lo de pré-embrião.175 No que tange a este aspecto, há severas críticas quanto a fixação desses 14 dias, entretanto, é mister que se fixe um termo além do qual o embrião possa ser tratado senão como pessoa, pelo menos como vida humana em formação.176 Para tanto, o jurista deverá repensar toda a questão do nascituro e aprendelo enquanto embrião congelado, como um status jurídico novo, devendo, inclusive, resolver a questão do prazo em que poderá ser destruído.177 Sérgio Abdalla SEMIÃO, assevera que não há como afirmar que o embrião, vivendo extra-uterinamente, criopreservado em nitrogênio líquido, seja juridicamente pessoa. Se não existe pessoa, não existe sujeito de direito e assim, pelo menos, em nosso ordenamento jurídico atual, não se pode dizer que o embrião congelado tenha um direito à vida. O nascituro não tem nacionalidade enquanto estiver na condição de nascituro, enquanto não nascer com vida.178 Em contrapartida, de acordo com a teoria concepcionista, a personalidade tem início pela concepção, desde o momento em que é concebido, o nascituro é dotado de personalidade jurídica.179 Mesmo que, seja a teoria natalista que tradicionalmente prevaleça no direito brasileiro, este se deve pautar pela teoria concepcionista, que é uma tendência dominante do direito contemporâneo, reconhecendo-se a personalidade jurídica do nascituro.180 174 Idem. Idem. 176 Ibidem, p. 179. 177 Idem. 178 Idem. 179 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 57. 180 Ibidem, p. 59. 175 37 No que se refere a fecundação in vitro, faz se necessário a implantação no útero do embrião, para que ao novo ser seja concedida a condição de pessoa natural, sendo que nascituro é um termo utilizado somente quando há gravidez. O embrião congelado não é considerado nascituro, mas, deve ser protegido jurídica e eticamente como pessoa em potencial, devendo portanto, haver legislação que o proteja expressamente.181 Ressalte-se que mesmo com essa anomia, há que se buscar proteção a esses embriões mantidos criopreservados em laboratório, por serem dotados de vida. “Daí por que o seu estatuto jurídico não se deva resumir à lei strictu sensu, posto que a vida não se limita ao direito legislado sobre a vida”.182 O reconhecimento da dignidade do embrião humano é difícil, levando em consideração as propostas científicas e econômicas ligadas ao assunto. Os avanços no campo da infertilidade, foram alcançados, chegando ao embrião humano.183 No futuro, tem-se que as células-tronco, encontradas nos embriões, ofereçam a regeneração de diversos órgãos adultos doentes. Igualmente é oferecido pelo embrião, acesso à genética e, por este caminho, à cura de doenças hereditárias, e mesmo a confecção de medicamentos novos.184 São perspectivas ainda que aleatórias, trazem pressões visando o embrião humano, na proporção que é destinado à pesquisa, simplesmente material biológico.185 Indo de encontro a esta pressão encontramos a voz daqueles que vêem neste embrião, uma vida humana que se inicia, merecedora de maior proteção por ser mais frágil. Asseveram que este erro pode levar nossas sociedades a voltar atrás, principalmente no tocante ao respeito que nutrem com referência a toda vida humana e sua defesa. “O respeito a tudo que é humano é um valor-base da vida social e protege todos nós”.186 181 Ibidem, p. 61. Idem. 183 CASSIERS, Léon. Dignidade do Embrião Humano. In: SARLET, Ingo Wolfgang, LEITE, Geroge Salomão. (Orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008. p. 192-193. 184 Idem. 185 Idem. 186 Ibidem, p. 192. 182 38 O embrião fertilizado in vitro, deve ser respeitado desde sua concepção, como criança, bem como, adulto que poderá vir a ser. No momento em que não faz mais parte de um projeto parental, dando destaque aos embriões excedentários criopreservados em laboratório, os próprios pais são coniventes com a idéia de que eles sejam descongelados e após destruídos. São muito esperados ao tempo em que fazem parte do projeto de paternidade, depois que se realiza, não detém mais o estatuto humano.187 3.1 NATUREZA JURÍDICA DO EMBRIÃO Na ordem jurídica são três as soluções a respeito do problema da natureza do concebido. A primeira, diz respeito a diferenciação total entre o concebido e homem-pessoa, sendo que nesta tese, não se reconhece qualquer proteção jurídica para o concebido como sujeito de direito, logo o concebido pode ser usado licitamente para qualquer finalidade.188 Saliente-se que esta tese não é sustentada por quase ninguém, diante do reconhecimento de alguma humanidade e proteção do concebido.189 A segunda solução refere-se a similitude entre concebido e homem-pessoa, partindo do pressuposto que o concebido tem a mesma natureza que o homempessoa.190 Por sua vez, uma terceira solução considera uma difenrenciação parcial segundo a qual o concebido é ser humano mas não homem pessoa, e como tal é merecedor de tutela jurídica, esta tese é aceita pela maioria dos países.191 Na visão de Jussara Maria Leal de MEIRELLES, duas premissas devem ser, portanto, consideradas, com a finalidade de se buscar o devido amparo aos embriões humanos criados e mantidos em laboratório.192 187 Ibidem, p. 197. CASABONA, Carlos María Romeo. Op. cit., p. 186. 189 Idem. 190 Idem. 191 Idem. 192 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 88. 188 39 A primeira premissa é que se deve reconhecer que esses seres pertencem à ordem das pessoas humanas e que dessa forma representam fato novo, que ultrapassa os limites das categorias originárias do sistema clássico.193 Já a segunda premissa relaciona-se ao reconhecimento de que os embriões fecundados in vitro merecem proteção jurídica por serem extremamente próximos as pessoas humanas já nascidas.194 Essa semelhança refere-se ao fato de que todos os seres humanos nascidos foram em etapas iniciais do desenvolvimento, embriões, e sob perspectiva diversa, os embriões que atualmente são mantidos em laboratório representam seres humanos que podem a vir compor a futura geração.195 Essa proximidade é verificada em maior ou menor grau, conforme o posicionamento doutrinário assumido relativamente aos embriões in vitro. Em tal sentido, e igualmente com a finalidade de demonstrar maior ou menor valoração dos seres embrionários comparativamente às pessoas nascidas, três grandes grupos teóricos se formaram: o que vê na concepção a origem de todo ser humano e o termo inicial do necessário amparo; o que pretende analisar diferentemente a proteção, conforme as fases de desenvolvimento do novo ser que se forma e; o que vê no embrião uma pessoa humana potencial, que se apresenta com autonomia tal a lhe impor um estatuto próprio.196 Aqui, também, a repercussão apresenta complexidade na área do Direito muito grande porquanto “a possibilidade de manipular os genes pode modificar tudo: como nascemos, o que comemos, o que vestimos, como vivemos, como morremos e, inclusivamente, como nos vemos a nós próprios na relação com o nosso destino”.197 O Parlamento Europeu aprovou, em 1989, diversas resoluções sobre a manipulação genética e a fecundação artificial, sendo “proibidas todas as formas de investigação genética do embrião fora do corpo materno” e, de modo geral, 193 Idem. Idem. 195 Ibidem, p. 89. 196 Idem. 197 GARCIA, Maria. Limites..., p. 163. 194 40 sucedem-se as proibições salvo para finalidades terapêuticas, isto é, em vantagem do próprio embrião.198 Pode-se constatatar que daí em diante multiplicam-se os problemas levantados pelo desenvolvimento das pesquisas: inseminação artificial post-mortem, mães portadoras, maternidade sub-rogada ou de aluguel, anonimato do doador, escolha do sexo e, ainda, a clonagem.199 A razão desta grande polêmica é que tais pesquisas fazem uso de embriões humanos, o quê, segundo aqueles que opinam contrariamente a esta possibilidade terapêutica, seria a utilização da vida humana, ou a potencialidade desta, como mero material de pesquisa. Para estes a vida inicia-se no momento da fecundação e destruir um embrião é pôr fim a 200 uma vida humana. A questão é abrangente e envolve debates não apenas na área jurídica, mas também na ciência, na política, na religião, na filosofia e em outras áreas do conhecimento humano. O problema concentra-se, na interrogação de se saber se é lícito utilizar embriões humanos em pesquisas genéticas.201 Tais circunstâncias leva o direito, agora, a pronunciar-se a respeito de um dos assuntos sobre o qual mais se tem refletido durante toda a história da civilização: quando começa a vida biologica? Se anteriormente esta problemática pretendia apenas satisfazer a necessidade do ser humano de encontrar respostas a todas as questões que lhe são apresentadas, agora a resposta que se busca requer conseqüências práticas que irão refletir na própria vida do ser humano, podendo mudar até mesmo o destino de sua existência.202 O ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança 11105/07, que em síntese permite a pesquisa com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510.203 O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 29 de maio de 2008 que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a 198 Ibidem, p. 164. Ibidem, p. 168-169. 200 CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. CONRADO, Marcelo. Op. cit., p. 81. 201 Idem. 202 Idem. 203 Idem. 199 41 dignidade da pessoa humana. Esses argumentos foram útil, de violação ao direito da vida e da dignidade da pessoa humana foram utilizados pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3510) ajuizada com o intuito de impedir essa linha de estudo científico.204 Dos onze ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal, seis deles, que significa a maioria da Corte, entenderam que o artigo 5º da Lei de Biossegurança não merece reparo, são eles: dos ministros Carlos Ayres Britto, relator da matéria, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello.205 Para os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes consideraram que a lei é constitucional, porém, houve pretensão que o Tribunal declarasse, em sua decisão, a necessidade de que as pesquisas fossem fiscalizadas por um controle rigoroso do ponto de vista ético por um órgão central, no caso, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Onde essa questão provocou um caloroso debate ao final do julgamento não sendo acolhida pela Corte.206 Os outros três ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Eros Grau posicionaram no sentido de que as pesquisas poderiam ser realizadas, entretanto, somente se os embriões ainda viáveis não fossem destruídos para a retirada das células-tronco. Esses ministros fizeram, em seus votos, várias outras ressalvas para a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no país.207 3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O vocábulo dignidade, tem origem no substantivo dignitas. 204 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF Libera Pesquisas com Células Tronco Embrionárias. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=89917>. Acesso em: 25 ago. 2010. 205 Idem. 206 Idem. 207 Idem. 42 É entendido como mérito, prestígio, consideração, excelência, sendo aplicado para determinar e qualificar o que é digno e que merece reverência ou respeito.208 No curso da história o ser humano em face das sucessivas agressões perpetradas à sua pessoa, seja contra sua integridade física ou psíquica, já se encontra aviltado. Os tempos atuais são constituídos por dias conturbados. A violência à pessoa acontecem num continuar desgastantes. A sociedade almeja que o ser humano seja respeitado em seus direitos e valores. 209 O art. 1º, inc. III da Constituição Federal de 1988, dispõe que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.210 A Revolução Francesa de 1789 por meio de ideais centrados nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade consagrou uma das mais valiosas conquistas no campos dos direitos que é à tutela do homem, ao engrandecer os valores fundamentais do ser humano.211 Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, resgatou e enalteceu a dignidade das pessoas, corrompida em dois conflitos bélicos mundiais.212 Entretanto, as mais significativas são aquelas representadas pela inserção nas Constituições de vários Estados dos princípios alusivos à dignidade da pessoa humana e, a contemplação dos direitos da personalidade nos ordenamentos civis.213 O Conceito de dignidade extrapola o próprio significado porque se encontra impregnado no ser humano. As pessoas já nascem com esse conceito, que se encontra imanente do espírito. Somos revestidos de dignidade por ocasião do nosso nascimento e, até mesmo antes dele. No primeiro momento da vida ele é inerente ao nosso direito à vida e respeito ao corpo. No segundo momento, na fase de consciência, ele se localiza no respeito aos direitos presentes nos elementos estruturais presentes na personalidade. O famoso axioma romano neminem laedere já representava, em sua época um notório reconhecimento dos direitos da personalidade. Ao retratar um dever de não ofender e nem lesionar a pessoa na sua 208 SCALQUETTE, Ana Cláudia S. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 303. 209 Idem.. 210 Idem. 211 Ibidem, p. 23 212 Idem. 213 Idem.. 43 expressão corporal e psíquica, o mandamento reconhecia a existência de uma aura de dignidade que sempre envolveu o ser humano. O vultus da figura humana nasceu com esse valor, porque desde os primórdios dos tempos, o homem foi criado à imagem e semelhança 214 do criador. Considerando este contexto, não nos é lícito fixar limites aos nossos semelhantes por consequência de sua condição atual ou devir. A integridade do ser se manifesta no momento da vida, seja ela em que estágio estiver – de consciência, de semi-inconsciência ou de absoluta falta de consciência. Se pensarmos de outra forma, o ordenamento jurídico não garantiria direitos aos incapazes, pelo contrário, protege de forma integral os direitos dos tutelados e curatelados.215 A maior dignidade do ser humano, fundamento constitucional da dignidade da pessoa, está ligada no direito à vida que se trata de um bem maior, posto que, sem vida não há dignidade.216 Como norma fundamental do Estado Democrático Brasileiro, a dignidade da pessoa humana é um dos valores mais importantes que integram a personalidade dos indivíduosna. Este fundamento, não engloba apenas um estado de espírito da pessoa, senão uma consideração de vida na sociedade em suas mais diversas atividades. “O homem não pode viver sem dignidade no meio social, na família e, no trabalho”.217 O imenso valor da dignidade é que ela não pode ser valorada em preço ou equivalente, “No mundo axiológico não se qualificam valores, eles constituem pontos referenciais para os seres humanos se conduzirem no plano da existência – seja no mundo físico ou no interior”. É um princípio que deve ser observado por todo ordenamento jurídico por tratar-se do centro gravitacional de um sistema de valores e das necessidades presentes na vida em sociedade.218 Por esse motivo é inaceitável um ordenamento jurídico que não tome como norma fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana. Considerando que toda ordem normativa é direcionada à organizar a vida social, com o intuito de 214 Idem. Ibidem, p. 24. 216 Idem. 217 Ibidem, p. 25. 218 Ibidem, p. 26. 215 44 assegurar aos seus cidadãos uma vida regulada por respeito aos valores de seus pares.219 O Código Civil Brasileiro de 2002, a exemplo dos Código Civil italiano, português, alemão e outros, dispõe em sua parte geral, no capítulo II, nos arts. 11 a 21, dos direitos da personalidade, uma garantia ampla e irrestrita aos direitos da pessoa.220 Nosso legislador determinou as regras que estabeleceram parâmetros, que conferem valor à dignidade das pessoas, na medida em que definiu os fatos que possam importar diminuição da integridade física ou psíquica das pessoas.221 Está disposto no artigo 11 do CC, que os direitos da personalidade não podem sofrer limitação voluntária, sendo que o estatuto civil brasileiro assinalou uma idéia vasta desses direitos. Não dá para imaginar que esse direito-valor e fundamental da pessoa humana, pudesse sofrer limitação em seu exercício; “ele é pleno e infinito em sua dimensão, se considerarmos que os princípios que conferem valor e sentido à vida humana não podem ser erigidos à condição de cláusulas fechadas”. É um valor fonte que foi fundado com o fim de conferir causa à existência humana em todas as suas dimensões – “especialmente em sua condição primeira ou de nascituro”.222 O maior dos direitos fundamentais elencado no art. 5º da CR/88 é o da inviolabilidade do direito a vida que em consonância com o princípio fundamental da dignidade humana, pode-se afirmar que os demais direitos fundamentais são aqueles necessários para uma vida digna.223 Não há disposição expressa na CR/88 em qual momento incide a inviolabilidade do direito à vida, que o constituinte de 1988 optou por não dispor. Todavia, ainda que não esteja disposto, não inviabiliza a definição do sentido e do alcance da norma, sendo necessário o auxílio de outras ciências, o que claramente se impõe aqui, já que cabe ao direito proteger a vida e não dizer quando se inicia a vida.224 219 Idem. Idem. 221 Ibidem, p. 29. 222 Ibidem, p. 30. 223 GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 18. 224 Idem. 220 45 É entendimento pacífico entre as ciências pertinentes ao assunto de existir vida desde a concepção, trazendo a segurança necessária ao direito.225 Centrada na defesa da dignidade da vida como bem supremo a merecer o respeito e consideração dos seres humanos a nova ordem jurídica confere irrestrita proteção aos direitos do concebido.226 Para o dicionário Houaiss, vida “é o conjunto de atividades e funções orgânicas que constituem a qualidade que distingue o corpo vivo do morto”. Mas, o que diferencia a vida física da vida jurídica, quanto ao nascituro, é que o nascituro, na condição de ser em estado de pulsação, mesmo antes de nascer, encontra-se inserido no mundo dos demais seres vivos e, portanto, merecedor de tutela da ordem normativa.227 “O novo conceito de direito à vida é amplo e irrestrito, posto que se refere aos seres vivos de um modo geral, que possuem especial proteção no ordenamento jurídico”.228 Há que haver uma mudança dos paradigmas e revisão de todas as categorias e conceitos jurídicos, bem como, a necessidade de elaborar um novo direito civil, tendo o indivíduo, o ser humano como o centro referencial do ordenamento.229 Personalidade civil é entendida, de um determinado indivíduo poder atuar no cenário jurídico, ou seja, para ser pessoa não é necessário ter direitos, mas sim poder a vir te-los.230 A expressão, poder a vir te-los, implica a preservação de um direito potencial, ou seja, de um direito existente por ocasião da concepção, em face da exata e precisa interpretação prescrita na parte final do art. 2º do Código Civil de 2002. Essa personalidade fictícia, na expressão de alguns doutrinadores encarna a idéia de um conteúdo de direitos presentes 231 no nascituro logo após a concepção. A dignidade da pessoa humana é um princípio, portanto, não é mais um Direito Constitucional, mas um princípio constitucional fundamental do Estado 225 Idem. REIS, Clayton. Os Novos Princípios que Tutelam a Dignidade do Nascituro. In: CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. et. al. (Orgs.). Biodireito e ignidade da Pessoa Humana. Diálogo entre a Ciência e o Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 34. 227 Idem.. 228 Ibidem, p. 35. 229 Idem. 230 RODRIGUES, Rafael Garcia. Op. cit., p. 2. 231 REIS, Clayton. Op. cit., p. 35. 226 46 Democrático de Direito e do qual se extrai outros direitos. É um referencial constitucional unificador dos direitos fundamentais adstritos à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que devem garantir a subsistência das pessoas, protegendoas de violações evitáveis na esfera social”.232 Vale mencionar que, num estágio mais avançado, Ingo Wolfgang SARLET discorre sobre “Algumas notas sobre a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida geral”.233 A relevância do princípio da dignidade humana pode ser apontada como o fato de ser possível afirmar tratar-se do maior dos direitos e não do direito à vida. O entendimento majoritário ainda é no sentido da superioridade do direito à vida, sob o fundamento de que não há dignidade sem vida. Mas, quando se constata ser perfeitamente defensável a dignidade do morto, pode-se falar em dignidade mesmo quando não há mais vida. Mas, frente a tal argumento pode-se afirmar que houve vida e são seus efeitos que perduram além dela. Não é objetivo adentrar em tal celeuma neste estudo. Importa ressalta que onde há vida deve ter aplicabilidade o princípio da dignidade humana, já que inerente a todo ser humano. Ou não? Conforme Uadi Lammêgo BULOS: “Sem a proteção incondicional do direito à vida, os fundamentos da República Federativa do Brasil não se realizam. Daí a Constituição proteger todas as formas de vida, inclusive a uterina (precedente: TJSP, 234 CDCCP, 4:299-302)”. Certamente o concepto ainda não goza de condições para o exercício de muitos direitos, mas isso não retira dele a titularidade dos direitos necessários para seu desenvolvimento e nascimento com dignidade.235 Considerar outro momento inicial para a tutela constitucional do direito à vida – e vida com dignidade -, que não a concepção, não é uma interpretação adequada porque além de desconsiderar a realidade advinda de comprovação médica, não concedeu a máxima efetividade possível ao comando constitucional.236 Ressalte-se de início, que a idéia do valor que está intrínseco da pessoa humana relaciona-se já com fundamento no pensamento clássico e no ideário cristão.237 No antigo e no novo testamento pode-se encontrar citações de que o ser humano é feito imagem e semelhança de Deus.238 232 GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 20. Ibidem, p. 21. 234 Idem. 235 Idem. 236 Idem. 237 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 2 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 29. 233 47 O ser humano e não só os cristãos são dotados de valores próprios que lhe são inerentes, não podendo serem transformados em instrumentos ou objetos. Na antiguidade clássica, o pensamento filosófico e político, colocava a dignidade vinculada ao cargo social que a pessoa ocupava.239 No pensamento estóico, a dignidade era valorada como a qualidade que, por ser intrínseca ao ser humano, o diferenciava das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade.240 Argumente-se que tal proteção da vida humana em geral, em última análise, constitui exigência da vida humana e vida humana com dignidade. “De qualquer modo, incensurável, isto sim, é a permanência da concepção Kantiana no sentido de que a dignidade da pessoa humana, esta (pessoa) considerada como fim e não como meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano”.241 Dessa maneira, a dignidade visivelmente não existe apenas onde é reconhecida pelo direito e na medida em que este a reconhece, ela já existe anteriormente, e o direito exerce função crucial na sua proteção e promoção, uma vez que cuida do próprio valor e da natureza do ser humano como tal.242 3.3 O DIREITO À VIDA, UMA VISÃO CONSTITUCIONAL “Consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo.”243 Somente pela morte espontânea e inevitável o direito a vida poderá ser interrompido em seu processo vital. Estar vivo e existir é o movimento espontâneo contrário ao estado de morte. Tendo em vista o direito à vida é que a legislação penal pune as formas de interrupção violenta do processo vital. 244 238 Idem. Ibidem, p. 30. 240 Ibidem, p. 31. 241 Ibidem, p. 35. 242 Ibidem, p. 42. 243 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 198. 244 Idem. 239 48 A concepção não é um amontoado de células indiferenciadas, como se tratando de coisas ou de células outras que não aquelas que se desenvolverão até alcançar condições para gozar a vida extra uterina, é vida humana em seu momento inicial e assim deve ser considerada. O embrião não deve de ser visto como uma coisa, e sim para todos os efeitos ser tido como uma pessoa em potencial, portanto, já tem a tutela dos direitos fundamentais, a começar pelo nascimento. Trata-se de vida intra-uterina que, com o nascimento, passará a ser vida extra uterina, como todos nós fomos e somos.245 A vida se inicia com a concepção, o que pode ocorrer naturalmente ou até mesmo de forma assistida mediante fecundação fora do útero (in vitro). Durante o período da vida intra-uterina o ser humano aguarda condições próprias para viver fora do útero, o que, com os avanços tecnológicos, pode ocorrer cada vez mais cedo.246 Há notícia, neste sentido, de nascimento de bebês com menos de 500 gramas. O termo final para a vida iniciada com a concepção é a morte. No período entre a concepção e a morte, o ser humano está em constante desenvolvimento em vários aspectos.247 Quando o entendimento no sentido de que a vida humana tem início quando se iniciam as atividades eletro encefálicas, não se harmoniza com a proteção constitucional à vida, já que exclui a fase entre a concepção e o início de tais atividades, durante a qual já há um ser individualizado, já há vida. Tal entendimento, portanto, restringe o direito fundamental.248 A inviolabilidade do direito à vida alcança todas as fases da vida, se quais podem ser representadas, ainda que sumariamente, por duas grandes fases, cada qual com suas subfases. São elas: (1) intra-uterina, com toas as etapas pelas quais passa o concepto (zigoto, embrião e feto); (2) com todas as etapas após o nascimento (recém-nascido, criança, adolescente, adulto e, enfim, o idoso). O tempo a vencer cada uma dessas fases, embora estimativas, como sabemos, é totalmente imprevisível. Não há nem ao menos garantia de que todas serão vencidas, mas os 245 GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 21. Ibidem, p. 22. 247 Idem. 248 Idem. 246 49 esforços para tanto devem ser, na mesma intensidade, para todas essas fases, desde a concepção.249 Levando a matéria e discussão para o Direito Constitucional, José Afonso da SILVA, adverte podendo dessa maneira ingressar no campo da metafísica; reconhecendo, todavia, que “alguma palavra há de ser dita sobre esse ser que é objeto de direito fundamental”; prossegue o autor: Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante autoatividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (...) transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida (...) A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos matérias (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais) (...) Por isso que ela constitui a fonte primária de todos os outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direito. No conteúdo de seu conceito envolvem o direito à dignidade da pessoa humana (...) o direito à privacidade (...) o direito à integridade físico-corporal, o direito à 250 integridade moral e, especialmente, o direito à existência. Dentro deste contexto, com as lições supracitadas pode-se entender que a proteção constitucional do direito à vida incide desde a concepção, momento a partir do qual já há vida e, portanto, a Constituição a protege. Vale salientar que com a aplicação do princípio da máxima efetividade ao comando constitucional, tal entendimento traz mais garantias. Sobre isso leciona CANOTILHO: Esse princípio, também designado por princípio da eficiência ou principio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional dever ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja legada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça 251 maior eficácia aos direitos fundamentais). Sendo assim, se a Constituição implicitamente declara a inviolabilidade do direito à vida, mas não dispôs isso expressamente, ou seja, qual o momento inicial da proteção, aplicando-se o princípio da máxima efetividade a tal comando, resta 249 Idem. SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 200–201. 251 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2001. p. 1197. 250 50 demonstrado que o momento inicial é a concepção, pois a partir de então já se tem a individualidade inerente ao ser humano.252 Não fosse assim, mais do que negar a máxima efetividade possível ao comando constitucional estar-se-ia na pretensão de se colocar no lugar do Poder Constituinte Originário, já que nem ao Poder Constituinte Reformador cabe restringir o direito à vida. Tal impedimento impõe-se ao interprete, sobretudo para evitar uma interpretação restritiva do maior dos direitos fundamentais, o que seria uma afronta ao princípio da proibição do retrocesso e à própria historicidade dos direitos fundamentais.253 A aplicação do princípio da máxima efetividade não se confunde com a interpretação extensiva. Não se trata de estender ao concepto o direito à vida que já está no comando constitucional. Logo, onde há vida humana há tutela constitucional. Veja que, a utilização do princípio da máxima efetividade não se faz livremente, porque pautada na objetividade, no mais, coaduna-se com uma das peculiaridades da norma constitucional que é o caráter aberto e sua atualização.254 “Com isso, é preciso salientar que o princípio da dignidade humana e aplica ao concepto e, portanto, não basta lhe assegurar, nessa fase peculiar de seu desenvolvimento, a inviolabilidade de sua vida no sentido de mera existência enquanto aguarda o seu nascimento, mas sim que lhe seja assegurada uma vida intra-uterina digna.”255 Em linhas gerais sobre a dignidade, Ana Paula de BARCELLOS nos ensina que: O sistema constitucional introduzido pela Carta de 1988 sobre a dignidade é bastante complexo, tanto porque especialmente disperso ao longo de todo o texto, como também porque a Constituição, partindo do princípio mais fundamental exposto no art. 1º, lll, (“A República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: (...) lll – a dignidade da pessoa humana;”), vai utilizar na construção desse quadro temático várias modalidades de normas 256 jurídicas, a saber: princípios, subprincípios de variados níveis de determinação e regras. 252 GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 20. Idem. 254 Idem. 255 Idem. 255 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 148. 256 Idem. 253 51 Alexandre de MORAES, invoca a Constituição da República, que garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...) a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade. Entretanto, vale salientar que o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, considerando que é o primeiro para a existência de todos os demais.257 Cabe ao Estado assegurar o direito à vida, proclamado na Constituição da República, em dois sentidos, um relacionado ao direito de continuar vivo e o segundo de ter vida digna quanto a subsistência.258 Entretanto, o início da mais preciosa garantia individual deverá ser dada pelo profissional em biologia, o biólogo, cabendo ao jurista, dar o enquadramento legal. Do ponto de vista científico a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Com a nidação, ou seja implantação do óvulo no útero, inicia-se a vida viável.259 O embrião ou feto, constitui um ser individualizado, com uma carga genética própria, diferente de seus pais, e não há exatidão em afirmar que a vida do embrião ou do feto está vinculada a vida da mãe.260 Ressalte-se que a Constituição da República tutela a vida de forma geral, inclusive, a uterina.261 A vida sempre será objeto de estudo, de investigação. O sistema internacional de direitos humanos, surgiu após 2ª Guerra Mundial, quando houve a necessidade de reconstrução dos direitros humanos e tem como marco a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Foi a partir dessa declaração que surgiou muitos tratados internacionais.262 No âmbito internacional, a proteção do direito à vida é desde a concepção, assegurada pela Convenção Americana dos Direitos Humanos na cidade de São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969 que em seu artigo 4º dispõe sobre o direito à vida e no item 1 assegura que este direito deve ser protegido pela lei, em 257 30. 258 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. Ibidem, p. 31. Idem. 260 Idem. 261 Idem. 262 GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 32. 259 52 geral desde a sua concepção, não podendo ninguém ser privado da vida arbritrariamente.263 O Brasil em setembro de 1992, ratificou o tratado internacional da Concenção Americana de Direitos Humanos e por meio do Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, decreta que a Convenção Americana dos Direitos Humanos deverá ser cumprida integralmente como nela de contém.264 Logo, tendo em vista estas considerações encontra-se na Constituição de 1988, no fundamento do Estado Democrático de Direito elencado no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana; no princípio de prevalência dos direitos humanos que rege as relações internacionais da República Federativa do Brasil, art. 4º, II e no direito à vida, direito e garantia fundamental, art. 5º, caput, da carta magna o subsídio pronto e suficiente para proteção do embrião humano. 263 Idem. São José da Costa Rica. Convenção Americana de Direitos Humanos: Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 15 set. 2010. 264 53 CONCLUSÃO Conclui-se após a realização do presente trabalho frente a exposições dos autores no tocante a fertilização in vitro e os embriões excedentários que, o que se critica não é a sua prática, visando o fim para a qual foi criada, mas como está sendo praticada. A questão dos embriões excedentes está diretamente ligada a expectativa dos casais de obterem seus próprios filhos e a economia, pois, para atenderem a esta expectativa as clínicas de reprodução assistida utilizam-se de métodos, neste caso, da superovulação, para garantir o sucesso da implantação e assim o desejo satisfeito de seu “cliente paciente”, gerando assim os embriões excedentes não utilizados no procedimento. Não se trata de tolher o direito dos casais de terem seus próprios filhos, mesmo porque a CR/88 garante o avanço da ciência e o planejamento familiar; mas sim de se adotar procedimentos adequados que não violem a existência humana. Houve apontamentos relevantes quanto a existência de tratamentos sem a utilização de embriões humanos. Quanto a pesquisa com células-tronco embrionárias, para fins de curar pessoas portadoras de doenças degenerativas, também foram apontados meios pelos quais os embriões não são utilizados, como por exemplo a utilização de células-tronco adultas encontradas na medula óssea e no sangue do cordão umbilical. Mas a realidade é que a prática utilizada da superovulação pelas clínicas de Reprodução Humana Assistida, acaba gerando os embriões excedentes que serão criopreservados, congelados em nitrogênio líquido a baixíssimas temperaturas, a menos de 196º C. Vale salientar que antes da Lei de Biossegurança, o Conselho Regional de Medicina proibia expressamente a utilização de embriões humanos para pesquisa. Ressalte-se que os próprios profissionais da área que deveriam serem os primeiros a concordarem com tal situação, por terem capacidade técnica, foram terminantemente contra esta prática, pressupondo que há vida humana desde a concepção. No tocante a suposta falta de legislação, da necessidade de leis que protejam diretamente o embrião, uma leirura da CR/88 e o Pacto de São José da 54 Costa Rica, não há que se falar em falta de legislação. A vida é um bem jurídico protegido mundialmente, não é necessário o conhecimento de se saber quando ela se inicia, até porque tudo tem sua origem, trazendo vários assuntos polêmicos, mas que se dê a vida a devida proteção. 55 REFERÊNCIAS BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 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