Revista Atitude Nº 09
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Revista Atitude Nº 09
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 1 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Ano V - Nº 9 - Janeiro a Junho de 2011 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. ISSN 1809-5720 A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas. É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte. Endereço para permuta: Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 Passo D’Areia - Porto Alegre - RS Tel: (51) 3361.6700 www.faculdade.dombosco.net Porto Alegre, 2011 2 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Ano V, Volume 5, número 9, jan-jun 2011 – ISSN 1809-5720 Diretor/Director Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected] Editor/Editor Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected] Comissão Editorial/Editorial Board Profa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected] Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza - [email protected] Prof. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected] Prof. Ms. Luiz Dal Molin - [email protected] Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected] Comissão Científica/Scientific Committee Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewers Prof. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS) Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália) Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR) Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP) Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ) Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS) Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS) Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS) Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS) Publicação e Organização/Organization and Publication Revista Atitude - Construindo Oportunidades Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 – Porto Alegre – RS – Brasil CEP: 90.520-280 – Tel.: (51) 3361 6700 – e-mail: [email protected] Produção Gráfica/Graphics Production Arte Brasil Publicidade R. P. Domingos Giovanini, 165 – Pq. Taquaral – Campinas – SP CEP 13087-310 – Tel: (19) 3242.7922 – Fax: (19) 3242.7077 Revisão: Cristiane Billis – MTb 26.193 Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores. 3 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 4 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Sumário Apresentação ...................................................................................................................... 7 CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ................................................................................... 9 1. Educação: da unidimensionalidade à complexidade, um desafio premente ........ 11 Marcos Sandrini 2. Sair da rua: fácil falar, difícil fazer! Um estudo sobre a Rede de Apoio Social a crianças e adolescentes em situação de rua moradia na Região Central de Porto Alegre ............................................................................................................................ 19 Cristiane Vieira Chagas, Letícia Horn Oliveira, Jacqueline Costa da Silva, Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann e Cristiane Saraiva Marins 3. Universidade, ética e direito ....................................................................................... 27 Osvaldo Biz 4. Reflexões críticas sobre o Instituto do Concubinato no Direito Brasileiro ........... 35 Roberta Drehmer de Miranda 5. Aspectos da nota promissória ................................................................................... 51 Alessandra Martins Belmiro, Caroline Silva Bianchi, Elves Luciano Ferreira de Paula, Rafael Cardoso Cazara e Tatiana Vargas Bittencourt 6. A convergência da auditoria independente brasileira aos padrões internacionais de auditoria .................................................................................................................. 61 Cláudio Morais Machado e Fernanda Pucurull 7. Diferenciação ou necessidade na Certificação ISO 9001: uma análise em duas empresas agroindustriais ........................................................................................... 79 Alexandre de Melo Abicht, Alessandra Carla Ceolin, Augusto Ormazabal de Faria Corrêa Paulo, Rodrigo Ramos Xavier Pereira e Tania Nunes da Silva CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS .............................................................................................. 91 8. Avaliação das características do Lago Guaíba realizada na ETA José Loureiro da Silva, em Porto Alegre, RS.......................................................................................... 93 Carlos Atalla Hidalgo Hijazin e Adriene Maria Sampaio Pereira 9. Comparação entre dois sistemas de energia termossolar para aquecimento da água: convencional e alternativo de baixo custo .....................................................105 Andréa Souza Castro, Aline Tonial Simões e Maiara Cecchin 10. Aplicação de testes não paramétricos e do método de Gumbel à série de cotas máximas anuais do lago Guaíba ................................................................................111 Andréa Souza Castro e Alex Soares de Mello 11. db4objects: um sistema gerenciador de banco de dados orientados a objetos ...117 Adriana Paula Zamin Scherer, Anderson Corbellini e Willian Hart Oliveira 5 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 6 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Apresentação REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades chega ao seu número 9. Há nove anos nascia a Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. O projeto vai-se solidificando... Nosso grande objetivo é construir uma Faculdade empenhada e compromissada com a defesa e promoção da vida. Em todas as páginas desta revista você encontrará uma pitada de amor pela vida. Esta Faculdade foi concebida, projetada e realizada pelos Salesianos de Dom Bosco. Presentes em 132 países do mundo, procuramos levar adiante o sonho de Dom Bosco, de construir uma sociedade mais justa e fraterna formando pessoas capazes de levar para a frente este projeto. Estamos em sintonia com as IUS – Instituições Salesianas de Educação Superior, presentes em cerca de 60 países. Neste número estão presentes todos os cinco cursos da Faculdade. O curso de Engenharia Ambiental e Sanitária está presente com três artigos. A novidade é que eles foram construídos participativamente numa interação professor-aluno. Direito também está presente com três artigos. Igualmente há a presença de acadêmicos. O curso de Ciências Contábeis está presente com um artigo abordando aspectos da nova integração com a contabilidade internacional. De Sistemas de Informação há um artigo fruto de iniciação científica com a participação de uma professora e dois acadêmicos. O curso de Administração se faz presente com um artigo de jovens professores. Também o INSAPECA (Instituto Salesiano de Pesquisa sobre a Criança e o Adolescente) apresenta um artigo com o resultado de uma pesquisa envolvendo um grupo de pesquisadores do Instituto sobre crianças e adolescentes de Porto Alegre em situação de rua. Há, igualmente, um artigo abordando aspectos da educação nos dias de hoje. Como se vê, nossa revista não é monotemática nem unidimensional. Ela aborda a realidade de diferentes ângulos numa dimensão de complexidade. Não queremos contribuir para a construção de um mundo que não é capaz de olhar a tudo e a todos numa visão de complementaridade e reciprocidade. O amor pela vida requer isto. O Sistema Educativo de Dom Bosco está focado em três palavras – Religião, Razão, Bondade. Ninguém constrói um Sistema apenas com uma dimensão da realidade e com uma visão de mundo. A unidimensionalidade mata, destrói, exclui. Razão demais, mata. Emoção demais, mata. Religião demais, mata. A Revista não só traz diversos assuntos, mas eles abordam a realidade a partir desta visão de complexidade. Para nós não é importante apenas a interdisciplinaridade, mas a transdisciplinaridade. O que adianta fazer uma leitura interdisciplinar da realidade numa visão unidimensional? Interessa-nos uma leitura interdisciplinar da realidade mas numa visão de complexidade. Agradecemos aos articulistas pela confiança e pontualidade na entrega dos artigos e aos leitores pelo apoio e incentivo. Porto Alegre, 16 de agosto de 2011. 196º Aniversário do Nascimento de Dom Bosco. 7 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 8 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Ciências Sociais e Aplicadas 9 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 10 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Educação: da unidimensionalidade à complexidade, um desafio premente Marcos Sandrini1 Resumo: Dois conceitos perpassam este artigo: pensamento forte e pensamento fraco. Estamos numa mudança de época. Talvez a maior característica desta mudança seja a passagem do pensamento forte para o pensamento fraco. Forte é o pensamento com vontade de dominação, de poder e de potência. Forte é o pensamento totalitário, que não admite o outro. Pensamento fraco não é não ter pensamento, mas significa pensar sem vontade de domínio. Na história da humanidade sempre se privilegiou um pensamento como hegemônico excluindo ou matando quem pensa diferente. No mundo ocidental o pensamento dominante é masculino, branco, adulto, ocidental e cristão. O outro é o não masculino, não adulto, não ocidental, não cristão, não branco. Talvez esteja raiando um mundo com pensamento fraco, livre de prepotências e de totalitarismos. Palavras-chave: Pensamento Forte. Pensamento Fraco. Bullying. Complexidade. Unidimensionalidade. Abstract: Two concepts are covered in this paper: strong thought and weak thought. We have been through changing times. Maybe the greatest feature of this transformation is the passage from strong thought to weak thought. Strong is the thought willing to dominate, to have power and potency. Strong is the totalitarian thought which does not admit the image of the other. Weak thought does not revolve around the absence of thought, but it means thinking without the eagerness for domain. In the history of humanity it has always been privileged a thought as hegemonic in order to exclude or kill those who think differently. In the western world the prevailing thought is male, adult, western and Christian. Keywords: Strong Thought. Weak Thought. Bullying. Complexity. Unidimensionality. A humanidade está cercada de cruzes e de sofrimentos inúteis e cruéis por todos os lados. Uma criança abandonada e violentada, um adolescente explorado por traficantes de droga, um jovem cerceado em seus sonhos e utopias, um adulto sucateado, um idoso excluído são personagens de nosso dia a dia. Conta-se que, quando Einstein visitou a Índia, encontrou-se com um Mestre de Espírito que lhe perguntou à queima-roupa: “em que sua ciência está ajudando a tirar o sofrimento do mundo?”. Independentemente da resposta do cientista, esta é a pergunta fundamental que se deve fazer a qualquer cientista e a qualquer acadêmico. De que adianta uma ciência e uma técnica se não conseguem tornar as pessoas mais felizes? Um dos grandes avanços da ciência é o reconhecimento da complexidade de tudo e de todos. A que se remonta esta palavra e ao conceito que ela indica? Seguramente se refere a duas realidades. A primeira delas é a incompletude de toda a realidade. Não há nada completo, inclusive os conceitos. Atualmente tende a se impor a palavra “complexidade”; ela designa o estudo dos Doutor em Educação pela PUC/RS. Diretor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre/RS. E-mail: [email protected] (1) 11 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 guesa (gramática, redação, literatura), língua espanhola, língua inglesa, matemática, física, química, biologia, educação física, educação artística, sociologia, filosofia, história, geografia, ensino religioso. O que se foi fazendo foi seccionar, fracionar o currículo escolar sem um diálogo interdisciplinar Reconhecer a incerteza, Cada vez mais as numa visão holística. Durante o caos e dialogar com eles pessoas, sobretudo as a semana, um desfile de dez é a primeira atitude de qualnovas gerações, estão a quinze professores passa quer cientista, sobretudo dos se convencendo de que diante de um grupo de quaprofissionais da educação. A o grande mal do mundo renta adolescentes sem uma segunda diz respeito à imposé a unidimensionalidade. visão de totalidade e de diálosibilidade de se aproximar de Olhar o mundo apenas a go científico. qualquer realidade e de qualpartir de um único ponto, Mais ainda. Em diáloquer conceito apenas com de uma única disciplina, go com um jovem calouro uma ferramenta epistemolóde uma única ciência, traz universitário perguntei-lhe gica. Daí brota a necessidaconsequências terríveis. onde fizera o ensino médio. de da interdisciplinaridade e Indicou-me uma determinada da transdisciplinaridade. É escola. Causou-me espanto tempo de humildade. A soberba científica não porque pensava tratar-se apenas de um curleva a lugar nenhum, apenas multiplica os soso pré-vestibular. Como aconteceu este ensifrimentos e as dores dos mais desvalidos. no médio? Esta escola não tem pátios, não Cada vez mais as pessoas, sobretudo tem música e canto, não tem esportes, não as novas gerações, estão se convencendo de tem laboratórios. Trata-se de um prédio de que o grande mal do mundo é a unidimensiotrês andares unicamente com salas de aula. A nalidade. Olhar o mundo apenas a partir de um imagem que me vem à mente é a de uma caúnico ponto, de uma única disciplina, de uma beça ambulante que recebe noções as mais única ciência, traz consequências terríveis. Aldiversas. De fato, todo o assim chamado conguém poderia perguntar: é possível unidimenteúdo é ministrado em dois anos. O terceiro sionalidade com tantas especialidades? Aí é ano é uma grande revisão dos dois primeiros que reside o perigo. Um paciente, por exemanos. É o assim chamado terceirão. plo, pode ser tratado por diversos profissionais Esta escola unidimensional continua pasda saúde, cada um em sua especialidade, sando ao largo da complexidade. Para refletir mas sem ter uma visão de sua complexidade. educação faz-se necessário enfrentar esta Aí o estrago pode ser maior do que se tivesquestão. Nenhuma pessoa é simples e nem se sendo tratado por apenas um profissional complicada. Nenhuma esconuma visão mais holística do la tem que simplificar e nem Visitando escolas de ensino mundo. A palavra holística, de complicar seus alunos e sua médio, qualquer gestor origem grega, significa o todo. missão. A escola é complexa de educação pode se dar Uma visão holística significa, porque a vida é complexa. conta de que submetemos então, que o todo está nas De vez em quando esnossos adolescentes e partes e a parte está no todo. cuta-se notícia de processos jovens a uma ladainha de Visitando escolas de judiciais contra pais que queensino médio, qualquer ges- disciplinas sem diálogo rem educar seus filhos apeentre si e todas ministor de educação pode se dar nas em casa. Reportagem tradas por especialistas. conta de que submetemos da Folha de São Paulo em nossos adolescentes e jovens 06/03/2010, Caderno C1, dá a uma ladainha de disciplinas a seguinte manchete: “Juiz condena pais por sem diálogo entre si e todas ministradas por educar filhos em casa.” Como subtítulo afirma: especialistas. Se não, vejamos: língua portu12 sistemas dinâmicos situados em algum ponto entre a ordem na qual nada muda, como pode ser o caso das estruturas cristalinas, e o estado de total desordem ou caos como é o caso da dispersão da fumaça (MORIN, 2003, p. 46). Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 “sentença prevê multa e fala em ‘abandono intelectual’ dos jovens de 15 e 16 anos, tirados da escola há quatro anos, em Minas”. A reportagem também afirma que este método chamado de homeschooling reúne cerca de 1 milhão de adeptos só nos EUA, embora organizações de aprendizado escolar domiciliar sugiram que o número real possa ser o dobro. Este fato nos pode levar a duas reflexões antagônicas. A primeira delas é que pela forma como a escola está organizada, e os resultados que a sociedade espera dela, pouca diferença faz aprender em casa como aprender na escola. A unidimensionalidade da escola, educando apenas a cabeça das novas gerações, é que leva muitas famílias a refletir a partir da homeschooling. A teoria da complexidade coloca em xeque este tipo de escola unidimensional. Se a escola é assim, é porque a visão que se tem de ciência é assim. Ela não é capaz, hegemonicamente, de ter uma visão mais holística da realidade. este paradigma. Num de seus escritos, relatando seu projeto missionário em relação à Patagônia, na Argentina, afirma: Trata-se de levar àqueles indígenas os nossos costumes, o nosso saber, a nossa maneira gentil de viver, entre o povo que não tem costume, está fora da lei, é ignorante das coisas mais necessárias da vida, entre um povo que jamais teria uma religião, uma literatura, uma cultura que o colocasse entre as nações mais desenvolvidas do planeta (apud BRAIDO, 1984, p. 32). Se analisarmos atentamente este texto do século XIX percebemos que se trata da aculturação dos “selvagens” entendidos como “reductio ad ecclesiam et ad vitam civilem”. Nada de bom se encontra nos outros. É preciso levar a civilização, a religião, os bons costumes, as leis, a cultura. Aqui entra fortemente a visão da histórica como progresso linear dos povos, sendo que alguns estão numa fase mais avançadas e outros precisam ser levados para este estágio de civilização para serem colocados entre os países mais desenvolvidos do mundo. Existem países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento. Todas as guerras de conquista são colocadas nesta perspectiva, neste paradigma. Há os civilizados e há os selvagens. Aliás, a história ocidental tem grande dificuldade de incluir o outro. Ele só é incluído quando há projeção e prolongamento do mesmo. A modernidade trabalha com inclusões e exclusões. É preciso sempre uma escolha e ela foi feita. Nossa sociedade é branca, ocidental, cristã, masculina e adulta. O diferente disso não existe. É importante a condenação da Idade Média. Mas também é importante uma condenação da Idade Moderna. Ambas são trevas porque unidimensionais e exterminadoras do outro, do diferente. Quem mata não é a religião, mas o excesso de religião. Quem mata não é a razão, mas o excesso de razão. Aliás, na célebre frase de Descartes – penso, logo existo – nos preocupamos sempre com o verbo penso. É importante, porém, que focalizemos o pronome. Quem pensa? Eu! Eu, A unidimensionalidade na história As idades históricas vão-se sucedendo, umas criticando as outras, uma superando as outras, mas umas fazendo as mesmas coisas que as outras. Por quê? Por causa desta unidimensionalidade. A Idade Moderna criticou fortemente a Idade Média. Superou-a? Avançou em muitos pontos, mas certamente reproduziu o que há de mais negativo naquela. A modernidade é a época da história única, dos colonialismos, dos grandes conglomerados econômicos, das nações hegemônicas com seus exércitos organizados sempre em ordem de batalha, da militarização do mundo, das nações centrais e das nações periféricas. As sociedades “centrais” do hemisfério norte se apresentam como totalidades fechadas, intolerantes e autoritárias, porque se entendem como portadoras exclusivas dos critérios do que é bom ou ruim e do que agrada ou desagrada, do que é civilizado diante da barbárie. Nesta visão, não há histórias, mas história única, linear rumo ao progresso e à civilização identificada como a dos países centrais. São João Bosco (1815-1888) também foi perpassado por este espírito e por 13 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 quem? Este eu se identifica com o europeu ilustrado. Só quem pensa, existe. Quem não pensa (como o europeu central), não existe. Isto não estaria na base do extermínio dos indígenas ou na sua redução à insignificância? Antes da chegada do europeu à América, se se perguntasse a um de seus habitantes: quem é você? Ele responderia: “eu sou uma pessoa humana?” Após a chegada do descobridor a resposta mudou: “eu sou um índio”, isto é, já não sou eu mesmo, mas tenho minha importância porque tenho minerais preciosos e terra. Hoje, após séculos de colonização, a mesma pergunta é feita e a resposta é outra: “eu sou um bugre, isto é, já não tenho mais nada, nem terra e nem minerais, sou um despojado.” Quem despojou e matou o índio da América não foi a Idade Média, mas a modernidade e seu “eu penso” que se transformou em “eu conquisto”. Idade Média e Idade Moderna têm fundamentos sólidos e únicos. Só há mudança de fundamento, unidimensional e, por isso, não consegue a inclusão do outro, de qualquer outro. síveis criticam fortemente a unidimensionalidade da civilização com a preponderância da razão, da ciência positiva e da técnica. O futuro está em risco quer pela energia nuclear, quer pela crise ecológica e social. O progresso científico e tecnológico tem condições de melhorar a vida na face da terra e cada vez mais se arma para destruir e matar. Temos futuro? Neste sentido, o importante mesmo é construir o presente, fruí-lo, saboreá-lo. A emoção é a bola da vez. Assim como a Idade Média entronizou a religião, a Idade Moderna entronizou a Razão, a nova época entroniza a emoção. Todas as unidimensionalidades matam. O novo também mata e é terrível. Também a emoção unidimensional mata. A segunda seria não mais uma troca de fundamento, mas a quebra de todo e qualquer fundamento. Não há fundamento. Cada um é seu próprio fundamento. Foge-se do fundamentalismo e se erige o relativismo mais puro, mais legítimo e mais radical. A pessoa humana é o único fundamento de si mesma. Isto é terrível, mas também é deslumbrante porque, pela primeira vez na história, o ser humano tem a vida em suas mãos. Não há mais necessidade de terceirização. Cada pessoa constrói o seu futuro a não ser com o paradigma que cria para si mesma. Não há lei divina e nem lei natural. O direito natural não existe, existe apenas o direito positivo. O jusnaturalismo é substituído pelo consenso entre os povos. Nem heteronomia, nem teonomia, mas a mais radical autonomia e autossuficiência. A terceira e última perspectiva de época seria a descoberta da dimensão perdida que, junto com as duas outras dimensões, é capaz, finalmente, de reconstituir a pessoa humana integral. Não mais a unidimensionalidade quer da razão, quer da religião, quer da emoção. Estas três dimensões juntas podem reconstruir uma pessoa mais holística, pluridimensional, complexa, aberta... Religião, razão e emoção são as dimensões da completude da pessoa humana. As encruzilhadas do novo Há autores que afirmam estarmos vivendo uma nova mudança de época. Estaria havendo uma mudança de paradigma. Estaria nascendo um novo tipo de percepção da realidade, com novos valores, novos sonhos, nova forma de organizar arquitetonicamente os conhecimentos, novo tipo de relação social, nova forma de dialogar com a natureza, novo modo de experimentar a última realidade e nova maneira de entendermo-nos a nós mesmos e de definir nosso lugar no conjunto dos seres. Esta mudança de época, que alguns chamam de pós-modernidade e outros de época sem nome, pode desembocar em três diferentes perspectivas. A primeira delas seria a recuperação da dimensão perdida, ou seja, da emoção, do sentimento, do mistério. Há acontecimentos dramáticos que marcaram a segunda metade do século passado. O maior deles foi o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945. Pessoas sen- Também a educação é holística Estas três perspectivas abrem horizontes diferentes para a educação. Tenho consciência 14 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 de que quando se fala em pós-modernidade quer-se referir, sobretudo, ao seu nível mais radical que é a quebra e a negação de qualquer fundamento. No entanto, nenhum educador pode e precisa aceitar este radicalismo. Por isso, vamos trabalhar, sobretudo com a última concepção acima explicitada, ou seja, a da descoberta da dimensão perdida. Sou relativo sem ser relativista. Tenho fundamento sem ser fundamentalista. Podemos partir de um dado religioso para nossa argumentação. Os cristãos no mundo são 33% e destes, os católicos representam 17% da população mundial. Todo cristão coloca o fundamento da sua vida em Jesus Cristo. Para ele, isto é fundamental, não é relativo. Já para um budista, por exemplo, Jesus Cristo Pensamento forte e pensamento fraco não é fundamental, não é o fundamento de sua Estas noções se devem a Gianni Vattimo, vida. Para ele, Jesus Cristo é relativo. O que filósofo italiano. Ele é considerado o filósofo do é fundamental para um, é relativo para outro pensamento fraco (pensiero debole). Por pen- e vice-versa. Isto não quer dizer proclamar o samento fraco não se deve entender um pen- relativismo e nem o fundamentalismo. Para o samento insignificante, de segunda categoria, cristão, Buda é relativo e Jesus é fundamento. sem argumentação e sem consistência. Trata- Proclamar que existe fundamento não significa -se de um pensamento sem necessariamente viver o funvontade de poder, sem vontadamentalismo. Toda sala de aula é um de de dominação. Há uma paAgora podemos voltar ao espaço de convivência lavra muito utilizada hoje que movimento homeschooling. com os diferentes. A é a metanarrativa. MetanarraNo Brasil, até hoje, pelo que escola é um ambiente de tiva é um relato, uma narração nos consta, nenhum juiz deu atitude e de socialização e abrangente, tão abrangente ganho de causa para qualnão apenas um lugar onde que não aceita outra perspecquer pai que quis educar seus se ensina conhecimentos tiva e outro paradigma que filhos em casa, sem passar gerais. Mesmo que os não seja este. Combina com pela escola. Isto é compreenpais pudessem passar a metanarrativa o pensamento sível porque a escola não é a os conteúdos em casa único, a história única, a ética continuação da família. Pelo para seus filhos, eles não não aporética e não ambivacontrário, ela é a ruptura com conseguem passar uma lente, a ciência linear. a família. As novas gerações visão plural da sociedade, Deixando de lado arguprecisam ser educadas junto mais que isto, uma vivência mentações teóricas, podecom outras crianças numa soplural da sociedade. mos nos debruçar em uma ciedade pluralista. Ela não é reflexão muito prática. Num um condomínio fechado. A esmundo em que há hegemonias econômi- cola é um desenho do que é a sociedade. Toda cas, políticas, culturais, religiosas, militares, criança precisa encontrar-se com crianças com quem garante que a visão de mundo, os pa- outras concepções de vida de todos os tipos: radigmas que contam não sejam determina- políticas, culturais, religiosas, econômicas, sodos pela força e o poderio? As ideias são ciais. Como uma criança vai ter noção de etnia compradas e são vendidas. As verdades, as se não convive com as diferentes etnias? Como consciências, as opiniões são determinadas pode ter uma noção de gênero se não convipelos poderosos do centro hegemônico. ve com o gênero diferente? O professor não Num mundo em que grande parte da popu- é um computador ambulante, ele não é uma lação mundial está em condições de misera- enciclopédia ambulante. Certamente que todo bilidade, analfabeta, subnutrida, refugiada, professor passa, transmite os assim chamados violentada por guerras colonialistas, quem é conteúdos. Uma boa escola tem que fazer isto. o eu penso de Descartes? Os letrados do No entanto, todo professor é mais que isto. Ele centro, os acadêmicos da burocracia, os é um mediador cultural. Toda sala de aula é um economistas do FMI e do Banco Mundial, os espaço de convivência com os diferentes. A esclérigos aburguesados, o aparelho militar? cola é um ambiente de atitude e de socialização 15 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 e não apenas um lugar onde se ensina conhecimentos gerais. Mesmo que os pais pudessem passar os conteúdos em casa para seus filhos, eles não conseguem passar uma visão plural da sociedade, mais que isto, uma vivência plural da sociedade. Escola é mais que um prédio de dois andares com sala de aula. Escola é mais que uma sala de aula, um computador e uma biblioteca. Por isso também é que se deve repelir a escola única. Há um pluralismo de escolas. O financiamento da educação deveria ser único. Há países que fazem assim. No Chile, por exemplo, há diversidade de escolas: tanto as mantidas pelo estado quanto as mantidas por grupos organizados. Agora, o financiamento da educação é sempre competência do estado. Todas as escolas são gratuitas, tanto as do estado quanto as dos grupos organizados. Aí, sim, há possibilidade de opção de ensino. No Brasil, infelizmente, esta realidade nos parece difícil para não dizer impossível de acontecer. Há os estatizantes que afirmam que “dinheiro público são para escolas públicas”, identificando público com estatal. Há, além disso, os privatizantes que dizem que as escolas mantidas por grupos organizados não devem receber dinheiro do Estado porque precisam inserir-se no mercado e submeter-se às suas regras. A consequência desta visão é óbvia. A escola mantida pelo poder público estatal continua não recebendo os recursos necessários destinando-se quase que exclusivamente às camadas populares, sobretudo na educação básica. Por outro lado, lançadas no mercado, as escolas mantidas por grupos organizados só podem ser frequentadas pelas classes mais abastadas ou pela sofrida classe média. Até quando esta visão deve prevalecer? Os impostos são pagos por todos os cidadãos. Portanto, onde está o cidadão aí está o estado e também os recursos do estado. Não é possível uma boa escola particular se não houver boa escola pública. desejo de não aceitar a unidimensionalidade. Não há pensamento único, cultura única, economia única, religião única, ética única. Assim caminha a humanidade. Infelizmente estas questões estão tão arraigadas na sociedade e nas pessoas que é difícil reconhecê-las presentes. A maioria das pessoas se acham isentas de preconceitos e conceitos. No entanto, até sua linguagem atraiçoa este bom desejo. Coube-me fazer uma pesquisa com dez adolescentes numa escola particular de Porto Alegre sobre a presença da violência na escola através da palavra. Dentre as muitas questões apresentadas a eles, uma delas questionava se já tinham sido vítimas de violência através da palavra por parte de colegas. Todos afirmaram que sim. Mais ainda, todos afirmaram que também tinham agredido verbalmente seus colegas de escola. Solicitamos que indicassem as palavras mais utilizadas para esta agressão verbal. Foram apresentadas 58 palavras diferentes, uma vez que cada um poderia apresentar “apenas” dez palavras. Surpreende que os adolescentes veem no corpo um elemento de discriminação. A obesidade, a altura, pequenos defeitos físicos são ressaltados. O corpo que deveria ser um elemento de agregação e de comunicação se torna elemento de discriminação. Acontece que nossa sociedade, sobretudo através dos MCS, seleciona um determinado corpo como modelo e quem não obedece a este padrão está fora de cogitação. Num país de pobres que não conseguem ter uma alimentação equilibrada e nem os cuidados mínimos com a saúde a consequência é a marginalização. Há crianças que nunca sorriem porque não podem cuidar adequadamente de seus dentes, já se dando por felizes quando não têm dores. Os portadores de necessidades especiais também são considerados anormais, excepcionais negativos. Em Porto Alegre, por exemplo, é muito comum agredir verbalmente as pessoas chamando-as de “mongolóides”. Até os pobres entram na dança da agressão. Um xingamento comum é o de “vileiro”, criminalizando a pobreza e os pobres. E o que dizer dos adolescentes homossexuais? Há A favor da diferença contra toda desigualdade Uma das consequências da assunção do pensamento fraco (pensiero debole) é o 16 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 pesquisas que afirmam que muitos deles e delas faltam com frequência às aulas porque não suportam a pressão que lhes é feita. O que está por detrás desta realidade? É o pensamento forte, o pensamento único, a visão de que a diferença se identifica com a desigualdade. Há um padrão de ser humano estandardizado e único que deve servir de metro para o julgamento das pessoas. O grande desafio para a educação é descobrir este currículo oculto verdadeiro e forte para enfrentá-lo adequadamente. Há pessoas que dizem que só a educação é capaz de salvar e desenvolver um país. Até aqui todos estão de acordo. No entanto, é importante se perguntar qual o tipo de educação necessária para um país como o Brasil que tem uma das maiores concentrações de renda do mundo. Há pessoas que tiveram acesso a todos os estudos possíveis e, no entanto, continuam defendendo uma sociedade livre sem ser justa o que, convenhamos, é uma grande impossibilidade. Pesquisa realizada pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), a pedido do Ministério da Educação, demonstrou que quanto mais preconceito e práticas discriminatórias existem em uma escola pública, pior é o desempenho de seus estudantes. Entre as experiências mais nocivas vividas por esses jovens está o bullying, que é a humilhação perante colegas por motivo de preconceito. A Folha de São Paulo de 18 de junho de 2009, C3, traz importante e ilustrativo resumo desta pesquisa. Foram entrevistadas 18.500 pessoas entre alunos, pais, diretores, professores e funcionários de 501 escolas de todo o Brasil. Entre os estudantes, participaram da pesquisa os que cursam a sétima ou oitava série do ensino fundamental, a terceira ou quarta série do ensino medido e o EJA. Do total de estudantes entrevistados, 70% têm menos de 20 anos. Esta pesquisa revela que praticamente todos os entrevistados (99,3%) têm preconceito em algum nível. Sobre contra quem eles admitem ter preconceito, os alunos por ordem de preconceito revelaram: homossexual, deficiente mental, cigano, deficiente físico; os funcionários: deficiente mental, cigano, homossexual, morador de periferia ou favela; o corpo técnico: deficiente mental, cigano, homossexual, deficiente físico e morador de periferia ou favela; pais: deficiente mental, cigano e homossexual, deficiente físico e pobre, morador de periferia ou favela e índio. Repetimos mais uma vez que, enquanto a educação não enfrentar estas questões, o que está acontecendo em nossas escolas é apenas uma transmissão de conteúdos, um verniz colorido que não penetra o âmago, a consciência e o coração das pessoas. O que mais impressiona na pesquisa é que o volume de excluídos apontados pelos pais é muito maior que o dos estudantes. Talvez esteja aí também uma mudança de rumo na convivência social rumo à inclusão. Zygmunt Bauman escreveu um livro sobre Modernidade e Ambivalência. Aí denuncia a prática do estado jardineiro. Assim como um bom jardineiro faz uma seleção das melhores mudas e elimina as ervas daninhas, o mesmo deve acontecer no cultivo dos humanos. Politicamente isto significa expurgar a ambivalência, ou seja, eliminar a diversidade. Primeiro e antes de qualquer coisa, porém, significa expurgar a ambivalência. No reino político, expurgar a ambivalência significa segregar ou deportar os estranhos, sancionar alguns poderes locais e colocar fora da lei aqueles não sancionados, preenchendo, assim, “as brechas da lei”. No reino intelectual, expurgar a ambivalência significa acima de tudo deslegitimar todos os campos de conhecimento filosoficamente incontrolados e incontroláveis. Acima de tudo, significa execrar e invalidar o “senso comum” – sejam “meras crenças”, “preconceitos”, “superstições” ou simples manifestações de “ignorância” (BAUMAN, 1999, p. 34). Morin (2003, p. 51-59) apresenta seis características do pensamento complexo. A primeira delas, e é sobre ela que queremos nos deter, é que “o estatuto semântico e epistemológico do termo ‘complexidade’ não se concretizou ainda” (p. 52). E continua: “o discurso sobre a complexidade é um discurso que se generaliza cada vez mais a partir de diferentes vias, já que existem múltiplas vias de entrada a ela” (idem, ibidem). Isto nos leva 17 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 a admitir que, hoje, se trava uma batalha entre o pensamento linear, forte, único e o pensamento complexo, fraco, plural. As questões de gênero, deficiência, étnicas, raciais e de geração fazem parte do currículo escolar. quebrar esta unidimensionalidade. O universo não é mais visto como uma máquina ou um relógio, mas como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico. O mundo está ameaçado porque a vida está ameaçada. A pessoa humana, ao mesmo tempo que é parte de todo este processo, é também estranha a ele. Ela sofre suas consequências, mas ao mesmo tempo interfere em suas causas. Dentro do princípio da retroalimentação, ela é causa e efeito, ao mesmo tempo. Sofre e faz sofrer, mas também ama e é amada. É preciso denunciar para as novas gerações o serviço de jardinagem que existe no mundo produzido pelo mito da razão, pelo pensamento forte, pela história humana linear, pela ética do contrato, da reciprocidade e do propósito... O seu contrário é que é capaz de gerar uma sociedade onde caibam todos. A unidimensionalidade é uma distorção presente no mundo e que precisa ser combatida com políticas e ações concretas e adequadas. Os problemas sociais são tão grandes que nenhuma ciência tem todos os pressupostos epistemológicos para enfrentá-los. O mesmo se diga a respeito das forças de gênero, de etnia, de geração... Concluindo A unidimensionalidade é uma distorção presente no mundo e que precisa ser combatida com políticas e ações concretas e adequadas. Os problemas sociais são tão grandes que nenhuma ciência tem todos os pressupostos epistemológicos para enfrentá-los. O mesmo se diga a respeito das forças de gênero, de etnia, de geração... O mesmo Edgar Morin (2003, p. 111) apresenta magistralmente seis princípios de esperança no meio da desesperança. São eles: princípio vital, princípio do inconcebível, princípio do improvável, princípio da toupeira, princípio de salvação e princípio antropológico. Princípio antropológico é a constatação de que o homo sapiens/demens usou até o presente uma pequena porção das possibilidades de seu espírito cérebro. Isso supõe compreender que a humanidade se encontra longe de ter esgotado suas possibilidades intelectuais, afetivas, culturais, civilizacionais, sociais e políticas. Nossa cultura atual corresponde ainda à pré-história do espírito humano e nossa civilização não ultrapassou a idade de ferro planetária (MORIN, 2003, p. 111). Referências BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível – Vol. 1: Hospitalidade: direito & dever de todos. Petrópolis: Vozes, 2005. BRAIDO, P. O projeto operacional de Dom Bosco e a utopia cristã. São Paulo: Salesiana Dom Bosco [Cadernos Salesianos, 35], 1984. A ciência moderna com sua linearidade de causa-efeito restringiu por demais as possibilidades humanas. Não resta dúvida que contribuiu sobremaneira para o progresso técnico e tecnológico. No entanto, não conseguiu criar perspectivas éticas para a humanidade, que não fossem a de dominação e de exploração em grande escala. O pensamento complexo, ao contrário, vem MORIN, E; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária – o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e a incerteza humana. São Paulo/ Brasília: Cortez/UNESCO, 2003. 18 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Sair da rua: fácil falar, difícil fazer! Um estudo sobre a Rede de Apoio Social a crianças e adolescentes em situação de rua moradia na Região Central de Porto Alegre Cristiane Vieira Chagas1 Letícia Horn Oliveira2 Jacqueline Costa da Silva3 Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann4 Cristiane Saraiva Marins5 Resumo: O artigo aborda pesquisa realizada pelo grupo de estudos do Instituto de Pesquisa a Criança e Adolescentes (INSAPECA) que investigou as estratégias da Rede de Ação Social no atendimento a crianças e adolescentes da Região Central de Porto Alegre para refletir sobre as políticas públicas de enfrentamento à questão das crianças e adolescentes em situação de rua moradia. Nos resultados qualitativos alcançados, pode-se verificar que a desestrutura familiar seguida da ausência de um adulto ou instituições significativas são pontos importantes para a saída de casa e ida para o espaço desprotegido da rua. O fator drogadição surge ou como motivo de afastamento familiar e/ou indicador de refúgio para suportar a situação de vulnerabilidade, facilitando inclusive o agregamento nas ruas. Como indicativo final, a Rede de Proteção é considerada de suma importância para os adolescentes, pois significa resgate dos vínculos fragilizados, acolhimento e esperança para as possibilidades de transformação. Palavras-chave: Adolescente. Rua moradia. Rede de Proteção. Família. Drogadição. Abstract: The article discusses the research conducted by the study group named INSAPECA that investigated the strategies of the Network of Social Action in the care of children and adolescents in the Central Region of Porto Alegre and reflect on the public policies for addressing the issue of children and adolescents Street residence. In qualitative results achieved, we can see that family dysfunction, in addition to the absence of a significant adult or institutions are important points for leaving home and going to the unprotected area of the street. The addiction factor, is either familiar ground for expulsion and / or indicator of refuge to support the life of vulnerability, including facilitating the aggregation on the streets. Finally, the Protection Network is considered very important for teenagers because it means rescuing the lost links, shelter and hope for transformation. Keywords: Teenage. Street housing. Safety Net. Family. Drug Addiction. Mestre em Educação. Coordenadora do Instituto Salesiano de Pesquisa sobre Criança e Adolescente (INSAPECA). E-mail: [email protected] Mestre em Psicologia (3) Assistente Social (4) Mestrando em Administração (5) Bacharel em Administração pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (1) (2) 19 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 tro da família e interação com outros membros” (STANHOPE, 1999, p. 492). Introdução O grupo de pesquisa do Instituto Salesiano de Pesquisa sobre a Criança e o Adolescente (INSAPECA) estudou a realidade da criança e do adolescente em situação de rua moradia, sentindo-se instigado a compreender o motivo pelo qual crianças e adolescentes permanecem nas ruas da Região Central de Porto Alegre. E ainda, conhecer e entender como se dá o funcionamento das Redes de Atendimento a esses adolescentes e jovens. Dessa maneira, investigou se há um trabalho estruturado para garantir a convivência das crianças e dos adolescentes com sua Rede Primária e buscou vivenciar o funcionamento destes processos. Nesta perspectiva, através da pesquisa, se buscou conhecer a Rede de Assistência, para entender quais as medidas necessárias para garantir uma maior transformação desta realidade e a efetiva proteção integral. Apesar dos pesquisadores saberem da profundidade e seriedade do trabalho que já vem sendo desenvolvido, entende-se que o olhar de um grupo que não está diretamente envolvido com as ações possa auxiliar ainda mais nos processos instituídos. Pensar nestas questões amplia o campo de análise e crítica social, fazendo com que se reflita como fazer para que se cumpra a normatização legal, a ética e os princípios básicos dos direitos da criança e do adolescente. Assim, diante do exposto, pergunta-se: como ocorre a recorrente permanência da situação de rua de crianças e adolescentes face à rede de apoio social existente na Região Central de Porto Alegre? Na contemporaneidade há várias definições a serem consideradas e são diversos os paradigmas que sustentam estes diferentes conceitos. As definições clássicas de família parental, nuclear e outras vêm sendo substituídas por conceitos que entendem família enquanto núcleo de convivência, não necessariamente consanguínea. “A família deve, portanto, se esforçar em estar presente em todos os momentos da vida de seus filhos. Presença que implica envolvimento, comprometimento e colaboração. Deve estar atenta a dificuldades não só cognitivas, mas também comportamentais. Deve estar pronta para intervir da melhor maneira possível, visando sempre o bem de seus filhos, mesmo que isso signifique dizer sucessivos ‘nãos’ às suas exigências. Em outros termos, a família deve ser o espaço indispensável para garantir a sobrevivência e a proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como se vêm estruturando.“ (KALOUSTIAN, 1988). Nesta pesquisa, percebe-se que crianças e adolescentes deixam muito cedo o convívio familiar já que este espaço apresenta-se como um lugar que carece de relações interpessoais construtivas estando impregnado de violência, drogas e trabalho infantil. “... Eu não me dou muito bem com a minha mãe... Era ruim ficar em casa...” (Adolescente 1). “... Desde pequenininho trabalhava direito, honestamente, só quando fui entrar na adolescência que foi cruel... Cortava grama, limpava a piscina, passava óleo de peroba nos móveis em uma casa que trabalhava.” (Adolescente 2). “... De casa eu saí com seis anos... Não me dou com a minha mãe... Não conheço meu pai...” (Adolescente 3). 1. Família O conceito de família, que vem se constituindo ao longo da história, nem sempre apresenta o estereótipo que hoje está estabelecido, pois esta Instituição Social já cumpriu diversos papéis. a família deverá ser encarada como um todo que integra contextos mais vastos como a comunidade em que se insere. De encontro a esta afirmação, JANOSIK e GREEN referem que a família é um “sistema de membros interdependentes que possuem dois atributos: comunidade den- São crianças e adolescentes totalmente desprotegidos, que saem de casa sem 20 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 rumo, abrigando-se ao relento e vivendo com grupos de crianças ou adultos significativos, que se tornam referência de proteção e acolhida. Para estas crianças, o espaço da rua é mais aprazível que sua casa e sua família. É um espaço que promove visibilidade e uma sensação de liberdade. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Const. Federal, art. 227). É proibido o trabalho infantil e aos adolescentes com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (ECA, art. 60). As crianças de rua estão envolvidas em sua rotina buscando meios para sobreviver. Vivem geralmente em pequenos grupos pela necessidade de segurança e aconchego. Dormem em calçadas, praças, casas abandonadas, possuem uma linguagem própria, cheia de símbolos e significados. Criam regras particulares para manutenção e proteção do seu grupo. Geralmente cometem pequenos furtos ligados a questão da sobrevivência (CUNHA, 2000, p. 27). Compreendendo e aceitando com plenitude o que nossas constituições determinam, não poderíamos deixar de considerar de que família trata a lei. Ora, trata de famílias vítimas do descaso deste estado que também não garantiu a elas os direitos previstos. Logo, estas crianças e adolescentes em situação de rua tornam-se vítimas deste sistema de forma hereditária, pois são fruto de uma família igualmente desassistida. Considerando a multiplicidade de fatores implicados neste quadro social, pode-se citar a droga como um aspecto desagregador. Os relatos dos adolescentes demonstram e comprovam: A conceituação do autor pode ser percebida através do relato de outro adolescente entrevistado, quando este descreve em detalhes sua saída para a rua: Estava com problemas na minha casa. Minha mãe bebia e meu pai batia. Então, peguei minha mochila, peguei o ônibus e fui embora. Encontrei uns guris que começaram a me perguntar quem eu era, para onde eu ia e eu falei que não sabia. Eles me convidaram para ir com eles, para a casa deles. A gente ficava na rua durante o dia e eu só puxava as bolsas. Eles roubavam. Com este dinheiro ajudava a tia a comprar comida (Adolescente 4). “Tinha muita situação ruim na minha casa quando era pequeno, minha mãe e meu pai brigavam e eu sentia aquilo ruim e não tinha como ajudar a minha mãe. E também meu padrasto tinha uma situação com a minha irmã e ela saiu de casa, daí eu senti falta dela e também saí de casa com 13 anos.” (Adolescente 4). “Quando fui procurar a minha irmã ela disse o que tu quer aqui; por que tu não volta para casa. Daí ela me levou para casa... Daí eu conversei com a minha mãe e ela não deu em mim, mas depois quando ela se chapou (álcool) e começou a encher o saco. Daí a mãe pediu para eu ir ao armazém e eu fui e não voltei.” (Adolescente 4). O fator trabalho é outro ponto que determina a situação de permanência ou moradia rua. A criança ou o adolescente que vai para a rua busca ajudar a prover melhores condições de vida para seus familiares. O menino, na ausência do pai, que muitas vezes está preso ou é desconhecido, se vê responsável em auxiliar esta mãe e os irmãos. E outras vezes é a própria família que facilita a ida das crianças para a rua, o que resulta em diminuição nos custos de manutenção do lar. Estes aspectos tão comuns na sociedade porto-alegrense e brasileira ferem a Constituição e o Estatuto da Criança e do adolescente que determinam respectivamente: A vulnerabilidade que acomete as crianças e adolescentes em situação de rua é proveniente na maior parte das vezes da falta de afeto no meio familiar. Sendo assim, as crianças acabam procurando a rua pela fal21 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 ta de perspectiva quanto às A vulnerabilidade que tência da Região Central de condições de moradia, estu- acomete as crianças e Porto Alegre: do, alimentação, lazer e pelo adolescentes em situação envolvimento com situações de rua é proveniente na “... na maioria das situações são como o tráfico de drogas, vio- maior parte das vezes crianças e adolescentes que lência doméstica (abuso físi- da falta de afeto no meio não estão na rua por acaso, tem muitas situações de violência co e sexual). familiar. Sendo assim, doméstica, de doença mental, O vínculo familiar muitas as crianças acabam de uso e tráfico dentro da famívezes não é quebrado de for- procurando a rua pela falta lia...” (Profissional 1). ma abrupta e sim de maneira de perspectiva quanto às “Então, nós já fizemos todo um gradual, pela necessidade de condições de moradia, trabalho para convencer um mepertencer a um grupo. Se a estudo, alimentação, lazer nino, todo um trabalho de concriança não consegue a dis- e pelo envolvimento com vencimento para ele sair da rua e ponibilidade de outros recur- situações como o tráfico de quando conhecemos a fundo esta sos de apoio na comunidade, drogas, violência doméstica família descobrimos que a mãe e o padrasto eram traficantes e como a escola, por exemplo, (abuso físico e sexual). usavam ele, que era menor de acaba buscando o apoio mais idade, para entregar os produtos atrativo. e ele não queria mais isto. Daí tu Portanto, o que se deve considerar é te dá conta de que como tu vai convencer uma criança a voltar para casa para ela ser que, em geral, as crianças e adolescentes traficante...” (Profissional 2). em situação de rua são privadas por longos períodos do convívio com um ambiente de 3.2. O uso da droga nas ruas: estar referência onde as relações interpessoais nas ruas muitas vezes é sinônimo de passar sejam afetivas, estáveis e de confiança. O dificuldades quanto às necessidades básipróprio Estatuto da Criança e do Adolescencas, isto é, passar fome e frio. Assim, para te assegura à criança o direito de ser criada muitas crianças e adolescentes, a droga sere educada no seio de sua família. Porém, os ve como um recurso que ameniza esta convínculos frágeis e a ausência de uma verdadição de vulnerabilidade, inclusive os encodeira família levam muitas crianças a buscarajando após usar, a furtar e se prostituir. rem o espaço da rua. 3.3 O uso da droga enquanto fator agregador: a vida nas ruas é sinônimo, em um primeiro momento, de desproteção, por isto a necessidade de um grupo de acolhida. Muitas vezes nestes grupos há o uso da droga como fator socializador e de agregamento. Considerando estes três fatores percebemos a problemática forte da drogadição como um agravante e/ou como fator que contribui para esta permanência nas ruas. A Rede de Proteção por diversas vezes citou a problemática de encaminhamento destas crianças e adolescentes para tratamento, seja em função da dificuldade do convencimento do ir tratar-se, da burocratização do sistema que exige diversas etapas anteriores à internação e a ausência de vagas nas instituições públicas ou conveniadas. Assim relatou um profissional da Rede 3. Drogadição Conforme referido na categoria anterior, a droga aparece na pesquisa como um dos fatores que levam as crianças ou adolescentes a sair de casa, ou ainda que se torna a companheira de muitos meninos e meninas neste período em que vivem nas ruas. A fim de melhor analisar a presença das drogas no contexto das ruas, dividiremos em três os motivos que levam ao consumo. 3.1 O uso da droga na família: muitas crianças entrevistadas justificam a droga como causa de sua saída de casa, já que agregado ao uso está presente a violência e o delito. Estes fatores levam a criança a recorrer às ruas como válvula de escape a esta situação de vulnerabilidade. Conforme indica um profissional que atua na Rede de Assis22 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 quando discutiu-se os desafios de buscar espaços de internação... balização seria: unir o “todo” diversificado e transformá-lo em algo “único”, massificado. “... o que as Instituições não sabem é que estas crianças em situação de rua não esperam este atendimento, elas somem, morrem ou desistem” (Profissional 3). Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de o “paradigma de simplificação” (MORIN, 2006, p.11). 4. Rede de Proteção O homem é um ser social. Desde a Pré-história à Pós-modernidade, o homem só consegue desenvolver-se enquanto ser social, na convivência com o outro. Nossos antepassados das cavernas organizavam-se em grupos, assim moravam, caçavam, alimentavam-se e, se necessário, deslocavam-se juntos para um novo território e ali iniciavam nova convivência coletiva. Em grupos, conectados, formavam uma rede de sobrevivência e, dentre outros aspectos, fortaleciam a garantia da manutenção da espécie. A vida social acaba sendo um espectro desta condição humana de coexistência, pois através da história e das sociedades percebemos evoluções e involuções que se estruturam em uma rede de relações. A sociedade atual, ao mesmo tempo em que compreende a necessidade da vida coletiva para que as ações sociais tornem-se mais eficientes e eficazes, tende a usar desta Rede de Ação como algo que massifica e uniformiza, desconsiderando as individualidades. ... o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo (unitat multiplex). Ou ele unifica abstratamente ao anular a diversidade ou, ao contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade (MORIN, 2006, p.12). Neste cenário social emergem as REDES DE AÇÃO em diversas frentes. Uma estrutura em rede (...) corresponde também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há um “chefe”, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo (WITHAKER, 1998). Corte um fio da rede elétrica, rompa o elo de uma corrente, descosture os pespontos de uma roupa, abra um buraco na trama da rede de pesca. Você terá uma pequena amostra do que significa o trabalho em rede (ou a ausência dele) (REICHEL in Türk.2001). Com o advento do Capitalismo e do Neoliberalismo, a mesma lógica de organização social que buscou a abertura das fronteiras, a socialização das culturas e a coresponsabilização dos atos sociais trouxe consigo efeitos nocivos à individualidade e a equidade. A luta por uma realidade social que consiga equilibrar os aspectos opressores da globalização, sem fechar as possibilidades abertas pela conectividade entre realidades distintas e distantes, ainda está travada. Edgar Morin com a Teoria da Complexidade traz uma reflexão instigante quanto à redução da complexidade humana, ou seja, a tendência pós-moderna em tornar aquilo que é diverso e diversificado em algo único e simples. Transpondo para questões de glo- Dançando entre a Evolução Científica e a Involução Ética, vive-se em um mundo que funciona, ou quase, através das Redes. Após o período Moderno onde se entendia que o centro de todas as respostas para a satisfação e evolução humana estaria em si próprio, a partir da própria razão pessoal, entramos em uma era pós-moderna que resgata a essência humana da ação em rede. Assim, todos os processos, hoje, buscam funcionar em rede, entrelaçando cada vez mais os fios e formando uma malha de corresponsabilidades e cointeresses. Em se tratando de Rede de Proteção podemos citar Brancher: 23 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 definidos e autorganizável; estabelece-se por relações horizontais de cooperação (COSTA et al,. 2003, p.73). Quando se fala em “Sistema de Garantia de Direitos”, melhor se tem em mente a compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços de atendimento previstos idealmente em lei, enquanto a expressão “Rede de Proteção” expressa esse mesmo sistema concretizando-se dinamicamente, na prática, por meio de um conjunto de organizações interconectadas no momento da prestação desses serviços (2000 p.131). A Rede de Proteção precisa desenvolver-se como espaço de articulação entre estes atores sociais e também de entendimento que os mesmos têm, sobre ocupar, fazer parte da rede, percebendo-se “peça” importante para as possibilidades de mudança, contribuição na realidade sociofamiliar dos atores principais, pois: Assim, a Rede de Proteção compõe uma teia que envolve Serviços Governamentais e não governamentais e Órgãos que a partir do mesmo ideário buscam garantir os direitos previstos em lei, garantindo políticas públicas e/ou medidas de proteção especial. Logo, a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente deve ser um espaço de aplicação de estratégias e instrumento profissional necessário à garantia do que confere a Constituição de 1988 em seu artigo 277, de reconhecer as crianças e os adolescentes brasileiros como sujeitos de plenos direitos. E ainda o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que contempla o sistema de garantia de direitos incorporando tanto os Direitos Universais quanto a proteção especial no caso de violação de direitos. ... para que a transferência e, consequentemente, o compartilhamento da informação e do conhecimento sejam sucesso, faça-se uso da linguagem comum, sem a qual as pessoas não se entenderão e tampouco confiarão umas nas outras, bem como a necessidade, às vezes, do contato face a face (SANTANA et al, 2005, p. 138). Neste sentido, o perfil e participação nesta Rede, a conexão entre estas relações e o conhecimento de como movimentar-se nos espaços é extremamente importante à medida que o grupo que o compõe deve oferecer confiança e não só conhecimento, pois: O conhecimento é inerente às pessoas. Consequentemente o agenciamento dos relacionamentos e a confiança entre os indivíduos nas organizações têm papel determinante (...). Para compartilhar o conhecimento pessoal, os indivíduos devem confiar que os outros estejam dispostos a ouvir e a reagir às suas ideias (SANTANA et al, 2005, p. 135). Da perspectiva organizacional, o sistema ancora-se na integração interdependente de um conjunto de atores, instrumentos e espaços institucionais (formais e informais) que contam com seus papéis e atribuições definidos no estatuto. Quanto à gestão, o sistema de garantia funda-se nos princípios da descentralização político-administrativa e da participação social na execução das ações governamentais e não-governamentais de atenção à população infanto-juvenil brasileira (AQUINO, 2007, p 328). Esse compartilhamento de conhecimento, informações e espaço, resultará em ideias e práticas que contribuirão para a construção de fluxos e processos legítimos de defesa de direitos, através do processo de instituir aprendizagem. Consequentemente, a cultura aprendida, o agir profissional, ocorrerá como engrenagem, onde uma ação tem início a partir da demanda, mas que tendo esse ponto de partida deve estar conectada a outra, até que se tenha plano traçado e executado para determinado atendimento. Muitos são os desafios para o trabalho em Rede, por isto é importante definir os princípios que qualificam os resultados desta ação. São eles: comunicação; interação; objetivo comum; dinamismo; confiança e cooperação. A rede é uma estrutura não linear, descentralizada, flexível, dinâmica, sem limites 24 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Ainda que estes espaços sejam constituídos, formados por profissionais, é imprescindível a compreensão de que o público em atendimento são crianças, adolescentes, bem como suas famílias. Desta forma, compreende-se pessoas não só “em” atendimento, mas “para” este atendimento, no que se refere à importância do perfil dos profissionais que o compõe, assim como a acolhida nos locais de atendimento. Estas pessoas, podemos entender como capital, não financeiro, mas social. O grupo de pesquisa se refere aqui, minimamente, ao processo de vinculação, tão vital aos resultados esperados dos atendimentos mas que, sem o processo de humanização, não constituirá o trabalho em Rede, tampouco de Proteção, uma vez que depende da interação de todos os atores sociais, visando contribuir para a construção de novas possibilidades de uma vida em sociedade. A Rede deve ser ainda significado de cuidado. Considera-se a Rede enquanto espaço invisível onde concretizam-se as ações, intervenções, reuniões, contatos, enfim, as relações sociais e/ou profissionais que “costuram” o fazer profissional, a conexão entre os serviços que compõem este espaço, perpassando entre os atores sociais, com um objetivo comum: defesa e garantia de direitos das crianças e dos adolescentes. soas e instituições sociais são alguns dos motivos que separadamente, ou aliados, justificam a ida às ruas. No espaço da rua, a droga é presença constante, mas a Rede de Proteção é o sinal da possibilidade da mudança. Nesta rede, através do diálogo, da escuta acolhedora, do olhar, muitos adolescentes conseguem vislumbrar uma nova realidade, senão junto a sua família pregressa, com a próxima família que irá construir. Através do estudo da formação cultural e humana é resgatada a autoestima, que leva estes jovens a pensar em futuro. Os números daqueles que entram na rede não é tão grande quanto poderia ser, mas o trabalho realizado é efetivo e eficaz. Para transformar mesmo, e evitar a instalação deste quadro, é necessário trabalhar preventivamente. Garantir a estas crianças uma família acolhedora, uma escola encantadora, que preserve a infância e seus direitos. Além, é claro, de continuar lutando por políticas públicas e por melhorias nos atendimentos públicos e conveniados de qualidade, que efetivamente resolvam situações e mudem vidas. Referências AQUINO, Luseni M.C. de. A rede de proteção a crianças e adolescentes, a medida protetora de abrigo e o direito à convivência familiar e comunitária: a experiência em nove municípios brasileiros. IPEA, Brasília, 2007. 5. Considerações Finais A recorrente permanência da situação de rua de crianças e adolescentes face à Rede de Apoio Social existente na Região Central de Porto Alegre ocorre em função de questões sociais, políticas e econômicas que ao longo da história brasileira deixam à margem as famílias pobres, bem como crianças e adolescentes de periferia. Sem o intuito de minimizar a complexidade dos fatos, podemos considerar que ocorre um ciclo de ações e reações sociais de desfavorecimento e vulnerabilidade que em muitos casos, reflete na ida de crianças e adolescentes para as ruas. Violência familiar, abuso, drogadição, trabalho infantil, poucos vínculos com pes- BRANCHER, Leoberto N. Organização e gestão do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude In: KONZEN et alii. Pela Justiça na Educação. Brasília: MEC, 2000. BRASIL 1. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. BRASIL 2. Estatuto da Criança e do Adolescente. LEI N° 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. 25 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 COSTA, Larissa et al. (Coord.). Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF-Brasil, 2003. SANTANA, Juliana Prates et al. Os adolescentes em situação de rua e as instituições de atendimento: utilizações e reconhecimento de objetivos. Lusociência, 1999. CUNHA, H. R. Que as Crianças Cantem Livres sobre os Muros. Sonho Possível 2000. STANHOPE, Marcia. Teorias e Desenvolvimento Familiar. In: STANHOPE, Marcia ; LANCASTER, Jeanette. Enfermagem Psicol. Reflex. Crit., abr., 2005, v.18, nº.1, p.134-142. KALOUSTIAN, S.M. (org.) Família Brasileira, a Base de Tudo. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 1988. TÜRCK, Maria da Graça Maurer Gomes. Rede Interna e rede social: o desafio permanente na teia das relações sociais. 2. ed. Porto Alegre/RS: Tomo, 2002. (Coleçao Amencar) MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Bertrand Brasil, 2006. 26 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Universidade, ética e direito Osvaldo Biz1 Resumo: “Não sabe direito quem só sabe Direito” é uma frase bem aceita no mundo da Academia. De fato, é preciso ter uma cultura bem fundamentada para compreender os fenômenos e as condições que ajudam a contextualizar realidades que nos afetam. Daí, a importância da Universidade, das disciplinas de humanidades, como Filosofia, Sociologia, História, e a necessidade do diálogo entre Ética e Direito. Palavras-chave: Universidade. Ética. Estado de Direito. Utopia. Abstract: “Those who only know Law do not know things the right way” is a well accepted sentence in the academic world. In fact, it is necessary to have a well-grounded culture to understand the phenomena and conditions which help contextualize realities that affect us. Hence the importance of the university, the humanities courses such as Philosophy, Sociology, History, and also the significance of a dialogue between Ethics and Law. Keywords: University. Ethics. Rule of Law. Utopia. Missão da Universidade As Universidades desempenham funções de ensino, investigação e prestação de serviços. Elas enfrentam desafios como o de detectar tendências e necessidades que surgem no interior da sociedade. Sua missão: procurar respostas; ensinar a pensar. Tendo em vista este objetivo, deve ser possível oferecer ao mundo acadêmico e à sociedade instrumentos adequados para que seja viável ampliar seus horizontes e lutar pelas transformações que o nosso país exige. Para concretizar projetos de mudanças, a Universidade não pode perder sua capacidade de questionar, de investigar, de incomodar e de criar soluções para os novos desafios de ordem tecnológica e social. Isso representa a necessidade do pluralismo de ideias, acompanhado de universalismos, solidariedade, ética, excelência, tolerância. É certo que sem pluralismo não existe o cultivo do espírito crítico. Tolerância não é indiferença. É paixão pelas ideias. Porém, não é nada fácil ser tolerante. Como aceitar ideias intoleráveis para destruir a intolerância? Quando não há respei- to pela diversidade, implanta-se a tirania. Essa foi a caminhada do Nazismo, cujas funestas consequências são do conhecimento de todos. A tolerância é fundamental no convívio social. No entanto, a intolerância continua presente no mundo, basta ver a destruição de povos, ontem e hoje, desde os indígenas até as minorias espalhadas nas diversas partes do mundo, as rivalidades entre as tribos africanas, não esquecendo os conflitos com as grandes religiões do Oriente. Ora, todos têm direito à defesa da vida e à preservação de sua cultura. A tolerância e a aceitação das diferenças são princípios de uma democracia. A liberdade de expressão é um direito. Cabe à Universidade, com sua constante interpretação e reinterpretação da sociedade, prestar um serviço valioso para a formação da consciência crítica e para a consolidação de uma Nação democrática, que conviva respeitosamente e com firmeza, que se posicione em defesa do dissenso, da tolerância e da pluralidade de informações, combatendo a uniformização. Assim o fazendo, posicionar-se-ia em favor do povo, da so- (1) Bacharel em Comunicação Social, Jornalismo. Licenciado em Filosofia, Geografia e História. Mestre em História. Doutor em Comunicação pela PUCRS. Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] 27 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 ciedade, cumprindo sua missão e dispensan- ideias. No entanto, podem ser apontadas redo a necessidade de explicar as razões de servas quanto ao trabalho de muitos deles, sua existência, justificando-se por si mesma. uma vez que, deixando de ser críticos, acaO que pode acontecer de ruim é que, bam justificando a ordem estabelecida. quando os intelectuais da Universidade, vista Inexiste um receituário acabado quando como uma instituição da sociedade, intervêm o assunto é Universidade, afirma Marcovith. somente em momentos esporádicos, sem Mas é importante que prevaleça a insistência propostas concretas e de forma mais soli- em relação aos dois eixos: missão acadêmitária do que solidária, sem questionar o po- ca e compromisso social. Estes dois preceider, os resultados acabam sendo ineficazes. tos serão sempre atuais, enquanto a UniverReforça-se, então, a cobrança da postura sidade for Universidade. dos intelectuais, uma vez que todos somos responsáveis pelo silêncio e pela indiferença Ética e Direito frente aos fatos locais. A visão de uma ética crítica e propositiva O produto pode vir do trabalho da elite, permite alguns desdobramentos. Um deles é a mas o seu uso deve estar a serviço das gran- constatação de que a realidade mostrada não des massas e dos excluídos. Em suma, ao é algo acabado, pronto, absolutizado, invariálado dos que não têm voz. vel, desenraizado do passado. Há que descarA Universidade, uma instituição originá- tar, conforme afirma Wolkmer (1996, p.139), ria da Idade Média, tanto ontem como hoje todo o extremado rigorismo que envolve a tem a mesma função, qual seja, a busca do lei como axioma acabado, porquanto esta conhecimento. Ensinar a pensar, no sentido não deve ser vista como a única e exclude indicar o que fazer com as informações, siva fonte do Direito. Crer unicamente nas uma vez que as mudanças no campo das convicções ideológicas de um leideias são as mais difíceis. gislador é esquecer que existem É sagrada a continuação da Fala-se em falta de ética. outros pressupostos, tanto ou sua tarefa em defesa do po- Mas quando nós aceitamos mais incisivos que a própria letencial sócio-político-cultural. esta disparidade social gislação formal. É profundamenA vida intelectual e a re- existente em nosso país, te incorreto prestar reverência a concentração de uma lei que já não responde a cusa para assumir ideias não esta renda, estes milhões de uma justa e ética necessidade combinam. Conforme o falesocial. compatriotas classificados cido Geógrafo Milton Santos, como miseráveis, evidenciaesse é o traço que diferencia Fala-se em falta de étio verdadeiro intelectual da- mos nosso comportamenca. Mas quando nós aceitato antiético diariamente. quele letrado que não quer mos esta disparidade social ou não pode mostrar que existente em nosso país, pensa. Não há dúvida de que será de apenas esta concentração de renda, estes milhões uma parte da classe dos intelectuais que saide compatriotas classificados como miserárão propostas de mudança. Daqueles que, veis, evidenciamos nosso comportamento através de suas pesquisas, derrubam aquilo que é aceito como obviedade, sem nenhum antiético diariamente. A ética é uma realidade aberta, sujeita questionamento. a mutações. Através do empenho, é possível Os modelos de sociedade resultaram da escrever o roteiro de nossa própria história, imposição de determinados grupos e, por isso cada um tornando-se sujeito, e não mero esmesmo, não são inexoráveis. A tendência, ao pectador. A ética, segundo Márcio Fabri dos refletir sobre a realidade, é provocar uma interAnjos (1996, p. 12), venção, ou seja, trabalhar por uma sociedade mais justa, diminuindo a desigualdade entre deve ser assumida como instância crítica e ricos e pobres. O compromisso do intelectual propositiva sobre o dever ser das relações é radicalizar a crítica, já que ele trabalha com humanas em vista de nossa plena realiza28 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 gar o outro para tomar o seu lugar. Não se pode falar em ética de relações justas se o sistema é egocêntrico e avança tendo como pressupostos práticas injustas, não dialógicas. Fabri dos Anjos (1996, p. 172) trata de uma ética emancipatória: ção como seres humanos. Entre seus critérios fundamentais está a convicção de que o outro, o semelhante humano, merece a respeitabilidade que se dá ao ‘eu’. A Ética propositiva de Fabri dos Anjos indica que as instituições humanas evoluem, não são completas, podem crescer, fazendo surgir novas exigências e desafios. Daí a importância da busca de novas atitudes. Necessário se faz, então, pesquisar a fundamentação de ações e relações, objetivando dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir humano e de suas transformações. A instância Ética, na formação social, é a libertação dessas classes populares, como afirma Timm (1999, p. 97), No panorama global, os números da pobreza socioeconômica são traduzidos em fome, precariedade de saúde, moradia e educação. De fato crescem; como cresce também a distância excludente entre ricos e pobres. A tentação será considerar os pobres cada vez mais uma massa anônima e manipulada. Mas pelo vetor da cultura, ao contrário, se encara a pobreza de forma menos massiva, considerando as diferentes capacidades de cada grupo em resistir e criar alternativas. Sem isto, empobrecemos conceitualmente ainda mais os pobres. Dessa forma, os conceitos de alteridade e gratuidade tão caros à ética de libertação ganham novos contornos pela consideração da cultura. não se trata só de um conjunto bem-acabado de preceitos utilitaristas ou de prescrições universais mais ou menos inócuas, mas fundamento último e primigênio do real. Compreender o mundo, nesse sentido, não significa embriagar-se com a potência do logos em seu desdobramento, mas sim, significa construir humanamente o próprio sentido do mundo (...). Que a oportunidade que temos para tal construção Ética – a nossa vida e o chamamento à responsabilidade pelo futuro – não seja em vão, e que a era da “igualdade” dê finalmente lugar ao tempo da dignidade da diferença ética. A ética se afina com a dialética, justamente porque esta é essencialmente crítica quanto aos pressupostos do conhecimento sobre as estruturas socioeconômicas, que marginalizam amplas camadas da sociedade. Dialética, etimologicamente, vem do grego, trazendo o sentido de dialogar, discursar, conversar, ou seja, representa uma intervenção nas ideias, em que uma proposta é defendida ou contestada. O conhecimento é alcançado através de perguntas e respostas. Essa abertura para o outro – a do diálogo – pode significar a possibilidade de mudança nas próprias convicções, resultando daí um avanço. Sem isso o conhecimento seria mumificado. De acordo com Konder (1985, p. 7): Todavia, só é possível entender a dignidade dentro de um princípio que inclua a construção histórica, o que se contrapõe a algo pronto, acabado. O caminho a ser adotado é o do diálogo, entendido não como o domínio de uma pessoa sobre a outra, mas como uma situação de igualdade, dentro de uma dimensão relacional. Aí, então, é possível falar sobre ética de relações justas, pois ninguém pode ser ético sozinho, assim como não existe uma cidadania solitária. Somos cidadãos quando em conjunto. Sob o império do Neoliberalismo, essas posturas éticas e a dimensão relacional são incompatíveis. O realce é para o individualismo e o egoísmo presentes na vida econômica e política, componentes da lógica capitalista. Vale a competitividade, o esma- Dialética era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. A dialética busca desvendar o que se esconde atrás das aparências e fenômenos. É a antítese em relação ao que está institucio29 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 nalizado, colocado e pensado como imutável, ou seja, a tese. Com a negação da afirmação chegamos à síntese, uma visão da totalidade que, pelo próprio método, está sujeita a novas transformações, já que não é uma estrutura invariante, absolutizada. A dialética é um dos métodos mais apropriados para fazer compreender a realidade histórico-social. Busca, na parte, a relação com o todo. Pergunta-se: outro Direito é possível? Sabemos da ambiguidade do Direito (Mascaro, 2003) ao mesmo tempo em que é extremamente conservador e reacionário, é também contestador e transformador. Existem muitas interpretações do e sobre o Direito, com destaque para o viés positivista e a perspectiva crítico-dialética, como alerta Wolkmer (1996, p. 126): Estado de Direito é incompatível com o Estado de miséria, uma vez que a exigência ética básica é incondicional e abrange todas as dimensões humanas. Outro aspecto inerente à instância crítica é a não aceitação da imparcialidade da Ciência, uma vez que o pesquisador não é um sujeito isento, sem ponto de vista pessoal e desligado de valores morais. A injustiça social é aceita como um parâmetro normal. Daí decorre a indiferença em relação à brutalidade do desemprego, das condições de trabalho e das demais injustiças sociais já mencionadas. Buscando um contraponto, temos o Direito Alternativo, cujo fundamento é a ética da alteridade (Wolkmer,1996). Ele se inspira na situação histórica de estruturas socioeconômicas marginalizadas até hoje. O Direito Alternativo se propõe a gerar uma prática pedagógica libertadora, a fim de emancipar os oprimidos e excluídos. Conforme Wolkmer (1996), não se trata de desconsiderar a importância da legalidade, ou de atribuir ao juiz um poder indiscriminado. Mas, antes, trata-se de visualizar o Direito como instância de construção de uma sociedade mais justa. Como, então, prestar reverência a uma lei que já não responde a uma legítima e ética liberdade social? Superar o legalismo, analisando a vida dos envolvidos nas lutas sociais, é o que pode ser chamado de Direito Vivo. É preciso transformar todo o Direito em ação, tornar a nós próprios instrumentos de ação, demarcar um novo sentido para a utopia. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos (Folha de São Paulo, 21 de maio de 2001, Caderno A, p.07) afirma que sociedades democráticas convivem com um novo fascismo, que não é um regime político, mas um sistema de relações sociais muito desiguais. Ele explica sua posição: a extrema polarização da riqueza em muitos países, e o Brasil é bom exemplo disso – está criando uma forma de convivência semelhante à produzida pelas sociedades fascistas tradicionais. A convivência com o medo e o colapso total das expectativas se traduz por uma vida sem certeza de continuidade, sem certeza de emprego, sem garantia de liberdade. Este tipo de rotina fascista, no entanto, não está sendo Certamente que o Direito na sociedade moderna está fundado na adequação com a forma burguesa de sociedade, com a culminância de um processo de produção capitalista, com a hegemonia legitimadora liberal-individualista e, finalmente, com o modelo de organização institucional de Estado burocrático-nacional. É como instrumental sociopolítico, normativo, assentado na institucionalização centralizadora do poder estatal, que o Direito moderno se impõe obrigatoriamente, materializando, coercitivamente, as condições de ação dos estratos e dos segmentos sociais. A ética no Direito depende também de outras instâncias, assinaladas nas práticas cotidianas, como sustenta Fabri dos Anjos (1996, p. 14), não são suficientes os códigos marcados pela ética. São indispensáveis também as atitudes e posturas éticas, e estas não apenas assumidas por indivíduos, mas principalmente por boas instituições, para que tenha sustentação e executoriedade das boas leis. O filósofo Manfredo de Oliveira (1995, p. 13) pergunta como podemos considerar nosso país um Estado de Direito, enquanto a violência e as arbitrariedades sistêmicas regem as relações econômicas. Para ele, o 30 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 produzida por um Estado fascista. O Estado é Além de a ética representar uma insdemocrático, em que há partidos, há assem- tância crítica, ou seja, um pensamento que bleia, há leis, há instituições públicas. Porém, reconhece que há sempre algo por fazer, existe nele uma população, cada vez maior, ela precisa ser propositiva em relação aos que não tem acesso aos seus benefícios. padrões éticos universais a serem adotados O Artigo 5º da nossa para as atitudes. É necesConstituição diz que todos Além de a ética representar sário um ethos global, um são iguais perante a lei, uma instância crítica, ou novo código que proponha, um pensamento por exemplo, passar de uma sem distinção de qualquer seja, natureza. Entretanto, Boa- que reconhece que há sociedade de exclusão para ventura Souza Santos, na sempre algo por fazer, ela uma de inclusão, pois todos abertura do II Fórum Mundial precisa ser propositiva os indicadores demonstram de Juízes, em Porto Alegre, em relação aos padrões a marginalização crescente (janeiro de 2003) alertou so- éticos universais a serem dos desfavorecidos. A ética bre a dificuldade de se fazer adotados para as atitudes. da alteridade deve ser consjustiça frente à exclusão sotruída, o que confirma a vicial. Muitos cidadãos estão são de Fabri dos Anjos como excluídos do seu direito mínimo, muitos não propositiva. No dizer de Wolkmer (1966. p. existem socialmente. Entretanto, temos uma 144), essa ética da alteridade não se prenConstituição que garante direito a todos. de a engenharias “ontológicas” e a juízos “a Trata-se do universal. A igualdade pe- priori” universais, mas reduz concepções varante a lei rompeu com a desigualdade ab- lorativas que advêm das próprias lutas, consolutista (mas impede a visão das diferenças flitos e interesses de sujeitos históricos em estruturais da sociedade). Em nosso país, permanente afirmação. que ostenta uma sociedade da opulência e De acordo com Fabri dos Anjos (1994), outra da miséria, servirá o Direito para uma pelo menos em nossa experiência da Amétransformação social em favor do oprimido? rica Latina, a vitrine da necessidade que teQuestiona Mascaro (2002, p. 12): mos de ética são os números absurdos da fome e da miséria. Mas, por mais absurdos Para o sentido comum jurídico, o direito é o que sejam os números, a ética não emerge elemento de concórdia, é o fim do conflito, porque tocamos as raias da insuportabilidae a justiça social é imparcial. De antemão é de. Em outros termos, a ética não emerge na preciso rejeitar esta frágil e tosca perspecsociedade pelo canal da indignação. Antes, tiva jurídica. O direito, em quinhentos anos parece que ela tem chance de se mostrar de Brasil, foi a forma pela qual o dominador pela verificação de que a pobreza produzida organizou a colônia para a exploração, e, depela própria ordem econômica incomoda-a pois, a forma pela qual se organizou a sociedade dos donos de escravos e, depois, a forprofundamente, ao mesmo tempo em que tal ma pela qual se organizou a sociedade dos ordem se mostra impotente para reprimi-la, exploradores sociais contra os explorados. domesticá-la ou erradicá-la. Em nossos dias, muito se fala da imporUm dos critérios da ética é reconhecer tância da ética em relação aos políticos. Pouno outro um semelhante humano, e não al- co se fala de sua falta em muitas organizações guém cuja existência é inútil ou desneces- e no modo de produção de capitalista, em que sária. A dimensão ética deve subjazer todo a corrente liberal sequer problematiza o fato projeto que visa a construção de um novo de que o econômico não pode ser pensado modelo de sociedade, não permitindo que totalmente fora da esfera ética. Isso acontece os grandes desafios do nosso tempo sejam porque, segundo Oliveira, (1995, p. 65), deixados ao sabor do livre jogo das forças do desde seu nascimento na modernidade, mercado. O econômico não pode ser pensamas sobretudo, a partir dos economistas do fora da esfera da ética. 31 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 à globalização econômica, diante do menosprezo da ética em relação a grupos humanos sem nenhuma expectativa de melhoria em sua condição econômica e social, é urgente que o Estado e a Sociedade Civil repensem suas práticas, em favor dos desafortunados. A ética é uma reflexão teórica que tem condições de gerar análise e crítica a certos fatos apresentados pela mídia, os quais reNo entanto, a economia deve estar a sultam da manifestação do ser humano, que serviço das necessidades básicas dos seres é inacabado, imperfeito, limitado, em contíhumanos. Não se trata apenas de regras téc- nua busca por mudanças. Por isso, ela pernicas para o perfeito funcionamento do sis- mite o questionamento sobre atitudes, regras tema econômico. Ora, o neoliberalismo, com e ações humanas. Isso significa também que as instituiseu efeito sedutor, com suas peculiaridades de exaltação do individualismo, com sua éti- ções humanas evoluem, não são completas, ca da eficiência, com suas ideias de que bas- podem crescer, fazendo surgir novas exigênta competir para vencer, com o livre merca- cias e desafios e, por consequência, a busca do como instituição perfeita, representando de novas atitudes. Por isso a ética não é esa solução de todos os problemas, beneficia tática, mas propositiva, assim como o direito. Necessário se faz, então, através de somente os empreendedores, os inclusos no sistema. A aceitação desta postura significa ações e relações, dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir huuma ação ética conservadora. Para Volkmer (1996, p.147), a ética mano e das suas transformações. Chegadeve se propor a gerar uma prática pedagó- mos, então, a uma ética propositiva: a prátigica libertadora capaz de emancipar os su- ca de uma ética que se compromete com o jeitos históricos oprimidos, injustiçados, ex- gênero humano, que denuncia a dominação, a manipulação travestida de propriados e excluídos. Esta A universidade deve assumir, defesa do interesse de todos. prática será possível muito dentre seus vários objetivos, A dimensão ética não é mais facilmente com base a responsabilidade social. Os pensada como algo pronto. em razões éticas do que em conhecimentos acumulados Ela está para se posicionar interesses políticos. Afinal, a por seus agentes devem sobre a evolução dos fatos. dimensão ética é a dimenser aplicados na solução À medida que a sociedade são propriamente humana dos problemas sociais. apresenta novos desafios, da existência. a ética deve buscar respostas, sem renunciar ao que é irrenunciáConclusões A universidade deve assumir, dentre vel. Certas exigências da ordem social, do seus vários objetivos, a responsabilidade so- atendimento às necessidades básicas do cial. Os conhecimentos acumulados por seus ser humano, não podem ser negociadas, agentes devem ser aplicados na solução dos ao contrário, são exigências prioritárias até problemas sociais. Não se pode permanecer mesmo para o funcionamento de uma orapenas na vertente economicista e produti- dem democrática. A economia deve estar a serviço das nevista, tendo em vista somente os problemas mundiais. A preocupação, hoje, deve voltar- cessidades básicas dos seres humanos. Não -se para os problemas nacionais e locais. Afi- se trata somente de regras técnicas para o nal, os cidadãos são mais importantes que perfeito funcionamento do sistema econômico. A aceitação desta postura significa uma os mercados. Frente ao momento histórico, em que ação ética conservadora. A ética propositiva, há destaque para o capital financeiro, frente por seu turno, significa que as instituições neoclássicos, a ciência econômica levanta a questão de articular-se, como saber, dentro do paradigma do conhecimento da modernidade, ou seja, como um conhecimento isento de valores. Daí a tese da separação entre economia e ética. A tarefa fundamental da ciência econômica é explicar o sistema econômico, abstraindo da questão ética de sua justiça ou injustiça. 32 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 humanas evoluem, que surgem novas exigências e desafios e, por isso mesmo, há a necessidade de novas atitudes. Esta constatação deixa visível a nossa incompletude, a necessidade contínua do “de vir”, na busca de um projeto comum de sociedade eticamente regulada. rência no III Fórum Social Mundial, Porto Alegre, Janeiro de 2003. Referências ANJOS, Márcio Fabri dos. LOPES, José Reinaldo de Lima (orgs). 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Embora tenha havido significativa evolução doutrinária e jurisprudencial sobre os institutos, culminando com o advento do Código Civil de 2002 que sobrepõe o instituto do casamento sobre o concubinato e a união estável, ainda podem ser vistos e julgados, principalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que dão aos concubinos status de casados, concedendo efeitos patrimoniais próprios do direito de família, manifestamente ilegais e antijurídicos. Por meio de uma análise histórico-sociológica, o presente artigo elucida que somente o casamento constitui comunhão plena de vida, como família, sendo a união estável apenas considerada pelo Direito como equiparada ao matrimônio e, por fim, o concubinato, como situação fática antijurídica, não aceita pelo Direito, resultando tão-somente em efeitos patrimoniais cíveis, como sociedade de fato. Palavras-chave: Concubinato. União Estável. Relações Interpessoais. Direito de Família: Brasil. Abstract: This work proposes to demonstrade the absent, in the brasilian law, of a clear distinction between common-law marriage, “união estável” and marriage. Though has been an significative evolution of the doctrine and the jurisprudence about the subject, wich culminate in the begining of the 2002 Brazilian Civil Code that overrides the marriage above common-law marriage and the “stable union”, still we can see precedents, specially in the Rio Grande do Sul Court, that gives to the concubines an couple status, like marriage, and a series of family law patrimonial efects, wich are clearly ilegal and against the law. Through an historical and sociological analisis, the presente article elucidates that only marriage can make a family, and the “stable union” is only considerades by the law as treated like a marriage, and, at last, the common-law marriage, as a fatical situation against the law, and not acepted by the law, wich results only in patrimonial efects, as a common-law society. Key-words: Common law marriage. “União Estável”. Interpersonal relations. Family law: Brazil. reito, na medida em que foi no seio das relações familiares que as primeiras convenções positivas tornaram-se gerais e aplicáveis a todos, no âmbito social. O surgimento da família está intimamente ligado à religião. A preocupação com Introdução As relações humanas, no decorrer da história, sempre nos trazem surpresas e mistérios. Muito mais quando diz relação com a origem e evolução da família, ponto de partida de toda civilização política e do próprio di- (1) Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutoranda em Sociologia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Faculdade de Direito Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]. 35 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 a descendência e com a existência de uma prole definida fez com que os povos primitivos – mormente os que viveram transitoriamente uniões livres – procurassem estabelecer relações monogâmicas fixas, celebradas com ritos religiosos, que tivessem uma exterioridade duradoura e constante. Esta, portanto, é a origem da família fundada sob o casamento. Em paralelo a essas uniões duradouras constituídas por um casamento, algumas uniões, que poderíamos cunhar “extraconjugais” (que não eram, repita-se, o caso central, pois não tinham respaldo algum na religião doméstica), não tinham reconhecimento moral nem sociopolítico. A concubina era alguém subordinado ao chefe de família, mormente para manter somente relações sexuais, e não participava socialmente nem patrimonialmente do status do chefe, em igualdade com a esposa. A concubina permanecia nessa situação e assim aceitava, por circunstância cultural. Portanto, as situações sociais, do ponto de vista jurídico, sempre foram muito claras. Havia a separação nítida entre a esposa e a concubina. Por isso ser entendível que a maioria das legislações então vigentes assim disciplinassem as relações familiares fundadas no casamento e as extraconjugais, nesta se enquadrando a concubinária (livre ou impura). Contudo, podemos dizer que foi a partir das ideias renascentistas, liberais, modernas, que, em verdade, são o fundamento dos movimentos contemporâneos de liberdade moral e sexual da contemporaneidade (a partir dos anos 60 e 70), que o padrão histórico-jurídico da família fundada sob o casamento passou a ser questionado. Em primeiro lugar, pela posição tomada pela Igreja Católica no sentido de considerar como família verdadeira aquela fundada sob o casamento em seu sentido sacramental, inadmitindo, pois, a separação judicial e o divórcio. Levando em conta que há um grande número de casais autointitulados “católicos” que estavam, em verdade, buscando o divórcio por falência da relação pessoal conjugal (e, portanto, forçavam um aval da Igreja) ou que se casaram por con- veniência (e, portanto, não viam mais razão de viverem sob o mesmo teto), obviamente a posição católica foi a primeira a ser combatida e, do ponto de vista do direito positivo, foi derrotada, pois hoje a maioria das legislações estatais admite o divórcio. Em segundo lugar, as uniões livres, que assim o eram, pois havia alguma circunstância social ou legal que impedia tal relação, passaram a ser a primeira opção, já que numa sociedade de individualismo extremado e de livre concorrência, a desconfiança acaba por imperar em todas as relações pessoais. Dessa forma, houve uma gradativa alteração do próprio termo “concubinato” que, antes considerado como união livre (lícita ou ilícita) não jurídica, passa a ter relevância jurídica sob dois aspectos: quando existente entre duas pessoas, livres, desimpedidas, com relação constante e duradoura (então chamada “união estável”, união de fato que não necessita de alguma celebração especial ou rito de comunhão esponsal); e quando existente entre duas pessoas, sendo uma delas com algum impedimento decorrente de obrigação ou convenção esponsal. A primeira tem abrigo sob o direito; a segunda (o antigo concubinato impuro), o tem apenas sob o ponto de vista patrimonial, como se fosse constituída uma sociedade de fato. O presente ensaio tem por objeto trabalhar as seguintes questões: quais os efeitos do concubinato, se existente? Ou: é lícito ou em conformidade ao direito (tomado aqui também como tradição) considerar o concubinato como família? Ainda: qual o limite entre o concubinato e a união estável, e se há possibilidade de transformação do primeiro no segundo? Tais questionamentos são candentes na prática jurídica, e são vistos na jurisprudência com frequência, sendo missão do jurista delimitar devidamente os institutos, sob o ponto de vista da tradição jurídica e da lei positiva, a fim de que nem um nem outro seja esquecido ou subjugado a terceiro plano, o que levaria, sem dúvida nenhuma, a um subjetivismo ou decisionismo bem como a um relativismo extremo do próprio direito. O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira parte, abordar-se-ão algumas 36 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 noções fundamentais acerca do concubinato, seu conceito, origens e o tratamento legal disciplinado pelo sistema positivo brasileiro, mormente pelos Códigos Civis de 1916 e o atual, de 2002. Na segunda parte, analisar-se-ão alguns elementos dogmáticos e práticos da relação concubinária, a evolução normativa e jurisprudencial, buscando fixar, em conformidade com a tradição jurídica, o correto espaço e tratamento deste instituto no direito civil e familiar. rada à família formada pelo casamento (REALE, 2004), exatamente por ter características e finalidade semelhantes ao deste último. Essa definição de concubinato pôde ser vista mais nitidamente, na história do direito, com os romanos, que baseavam fundamentalmente a família sob o casamento, pois havia a preocupação de transmissão, à prole e aos demais membros da família, o encargo do culto religioso e da administração do patrimônio1. Não havia família sem casamento; as uniões livres não eram ilícitas (sob o ponto 2. Noções fundamentais acerca da de vista criminal, inclusive), desde que consrelação concubinária tituídas por pessoas livres que não estivessem em situação contrária ao direito (como o 2.1 Conceito e origens da relação adultério) ou pelo pater que quisesse manter concubinária sob sua égide mulher para manutenção de Do ponto de vista etmológico, “concu- relações transitórias (tanto no casamento binato” vem de concubans, concubantis, cum manu como sine manu). significando o que dorme ou se deita com Beviláqua faz rico comentário sobre a (RIZZARDO, 1985, p. 218). Exprime, pois, a relação entre os esponsais e os concubinos ideia de comunidade de leito. Num sentido (1905, p. 219). Nos povos antigos, a mulher comum, é a união entre um sempre fora considerada inhomem e uma mulher sem Num sentido estrito, ferior moralmente e incapaz os vínculos do matrimônio. concubinato é a união juridicamente; tinha total deEssa união pode se permanente entre um pendência para com o marimanifestar de duas formas. homem e uma mulher, com do e, na sua morte, para com Num sentido mais amplo, é características semelhantes os filhos ou outros parentes a união transitória entre um à convivência more uxório designados para sustentáhomem e uma mulher, num do casamento, só que sem o -la. Não tinha patrimônio prómesmo teto ou em tetos dife- vínculo formal deste. É uma prio e apenas administrava rentes, visando manter rela- união de fato que não visa poucas atividades do lar e ções sexuais e afetivas com tão-somente relação afetiva, cuidado e educação com os o parceiro, sem o vínculo do mas uma comunhão de vida filhos. O marido tinha o dever matrimônio – sendo estado a prolongar-se no tempo. de sustento, de afeto e, em alguns povos, até de fidelidaintermédio entre a relação de; mas também tinha o difugaz e o casamento. Num sentido estrito, concubinato é a reito de punir, sendo comum o homicídio em união permanente entre um homem e uma casos de adultério (gérmen talvez da legítimulher, com características semelhantes à ma defesa da honra). Contudo, o direito hebraico já concedia convivência more uxório do casamento, só que sem o vínculo formal deste. É uma união as raízes do tratamento entre esponsais do de fato que não visa tão-somente relação afe- Ocidente, posto que a mulher tem papel relevante e fundamental na família judaica. O tiva, efêmera a prolongar-se no tempo. Obviamente, o segundo sentido enqua- marido cerca a mulher de intensa consideradra-se ao que hoje se chama “união estável”, ção; tem o direito de cominar penas a quem considerada pelo direito como entidade equipa- a ofender fisicamente, a quem seduz uma No mesmo sentido, comentando a formação da família a partir da religião, pela celebração do casamento, o estudo de Fustel Coulanges (1998, p. 37- 52). 1 37 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 virgem, a quem maldiz sua mãe. Há reciprocidade de deveres entre o marido e a mulher, esta tendo inclusive direito à participação nos ritos familiares religiosos (ainda que em público deva comparecer à sinagoga em separado). Ainda que não exista uma igualdade plena, há, evidentemente, uma evolução no relacionamento intrínseco entre os esponsais, sendo alguns os casos de concubinatos ou relacionamentos passageiros (na Bíblia, é conhecido o exemplo de Salomão, mas pouco falado o caso de Moisés). Em Roma, as formas conjugais jurídicas do período pré-clássico (confarreatio, coemptio, usus) atribuem ao marido uma autoridade máxima (manus) sobre a mulher, considerada como filha do pater, ou marido, sem direito a patrimônio, aquisição ou venda de bens próprios. Era a regra. Com a introdução, no período clássico, do casamento livre (sine manu), ainda que mantido o direito de julgar a esposa (inclusive cominando com a morte), em situações consideradas graves como o adultério, homicídio, magia, embriaguez, o patrimônio da mulher permanecia dela, bem como sua submissão, em termos de autoridade, ao pater precedente ou primeiro; o casamento, então, era constituído sob o regime dotal; a mulher passou a ter uma individualidade maior na família, inclusive na educação dos filhos; passou a ser partícipe nos ritos religiosos familiares; participa das honras e do status social do marido. Todas as características que não eram vividas ou estendidas à concubina, considerada, faticamente, como uma serva ou escrava do pater. Do ponto de vista do cidadão romano, todos buscavam a constituição de família pelo matrimônio; alguns mantinham como concubinas normalmente servas ou escravas, e, se mulheres cidadãs romanas, apenas com fins de relações sexuais. A escolha pelo concubinato trazia problemas com relação à filiação, já que esta dependia do consentimento do pater se extraconjugal. Para evitar problemas com a filiação, a partir do Imperador Constantino, o direito procurava incentivar a transformação do concubinato em casamento, não sendo apenas uma questão de formalidade, mas sim de constituição mesma da família, sob o aspecto dos direitos e das obrigações. Foi com Justiniano que o concubinato (como união livre de fato, e não entre um homem ou mulher casado e outro ou outra livre) alcançou status jurídico, sendo reconhecido como união lícita, contudo, sem o vínculo da affectio maritalis e honor matrimonii, próprios do casamento (PETIT, 1970). No direito canônico o concubinato é definido como a relação entre o homem e mulher com vistas à constituição de relações sexuais sem o propósito de formação de uma comunidade fundada na mútua respeitabilidade exigida pelo sacramento. Não é negada a característica de estabilidade e constância, tampouco a finalidade de vida em comum; o que acentua a Igreja é a ausência do compromisso marital exigido pelo sacramento e dos requisitos intrínsecos que dele advém, como a castidade no período do namoro e do noivado. Como o critério, in casu, é religioso (e objetivo), deve-se entender a prescrição canônica sob o ponto de vista do pecado (infidelidade de um com o outro) e da elevação do casamento à categoria de sacramento (instituído por Deus, mediante Cristo, e dado pelos esponsais, perante a autoridade eclesiástica ou outra devidamente autorizada para tanto, como o diácono, que não é sacerdote)2. A prescrição canônica influenciou o direito positivo ocidental após a queda de Roma sob o ponto de vista dos requisitos para constituição da família pelo casamento. A colocação da relação concubinária como não familiar lícita, se união livre, e como ilícita, se algum dos concubinos for impedido, encontra origens na regra canônica da fidelidade e compromisso público e formal dos esponsais. De onde a ideia de consideração da união livre como sociedade de fato (já que é lícita, mas não é família) que, portanto, traz efeitos civis patrimoniais próprios deste insti- Sobre o direito canônico, e suas correspondentes regras sobre a família e o casamento, a lição de Carlos Silveira Noronha (1999, p. 58-62). 2 38 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 tuto, além da famosa “indenização por serviços prestados”. Aos poucos, alguns efeitos sucessórios foram dados, culminando com a modificação do instituto para a “união estável”, então considerada como entidade familiar equiparada à família constituída pelo casamento. cunhada “união estável” e a então concubina, o termo “companheira” – cujo sentido é elevar a posição da mulher que permanece muito tempo em estado marital com o homem, diferenciando-a daquela que permanece em estado de transitoriedade sem manter características semelhantes ao casamento. O precedente jurisprudencial que definiu 2.2 O concubinato sob a égide dos a questão foi o RE 83.930, no qual o Supremo Códigos Civis brasileiros de 1916 e 2002 Tribunal, reiterando duas decisões no mesmo Segundo Alvaro Villaça Azevedo, o con- sentido anteriores, consolidou a orientação de ceito de concubinato leva em consideração a distinguir juridicamente “concubina” de “comexistência de duas espécies dessa relação: o panheira”, esta sendo aquela que vive em conpuro e o impuro (AZEVEDO, 1987, p. 24). O vivência more uxório com o homem separado primeiro é, efetivamente, aquela relação es- judicialmente ou de fato, enquanto que aquela tável e duradoura, em que há comunhão de seria a mulher com quem o cônjuge adúltero vida e finalidade de constituição de família, tem encontros periódicos fora do lar, ainda que sem o vínculo do casamento (hoje caracteri- garanta um mínimo de sustento a ela (RIZZARzada como união estável). Portanto, trata-se DO, 1985, p. 164). de união entre solteiros, viúvos, separados juA legislação pátria tem tradição de sedicialmente e não impedidos A evolução jurisprudencial, parar o concubinato do cade nenhuma forma pelo casa- acompanhando a própria samento, tendendo a não mento ou outra relação (mes- transformação social, foi conceder efeitos jurídicos mo concubinária, também). modificando o status do àquele, nas duas modaliO segundo – impu- concubinato puro, até dades. A evolução jurispruro – advém de relação ilícita culminar na legislação dencial, acompanhando a (prescrita em lei, normal- específica que disciplina própria transformação social, mente), mormente externada a posição jurídica da foi modificando o status do pelo adultério, incestuoso ou companheira (Lei da União concubinato puro, até culmidesleal (relativamente a outra Estável) e, por fim, no Código nar na legislação específica união de fato), como de um Civil de 2002 (BRASIL, 2003). que disciplina a posição juríhomem ou mulher casado ou dica da companheira (Lei da concubinado, que mantenha, União Estável) e, por fim, no paralelamente ao seu lar, outro de fato. Para Al- Código Civil de 2002 (BRASIL, 2003). varo Villaça Azevedo, deste tipo de relação não Seguindo o histórico esboçado por Alvapode advir nenhum efeito jurídico sequer, a não ro Villaça Azevedo, observamos que as Ordeser nos casos de concubino de boa-fé, situa- nações Filipinas apenas disciplinavam a união ção, portanto, análoga ao casamento “putativo” conjugal pelo casamento, prevendo, inclusive, (AZEVEDO, 1987, p. 66). a possibilidade de reivindicação, pela esposa, Desta forma, a fim de precisar a termi- de bens que seu marido tivesse doado à sua nologia jurídica, procurou-se no direito atre- concubina, ou qualquer mulher que, esporalar o termo “concubinato” apenas às relações dicamente, manteve relações sexuais (AZEilícitas (impuro) e àquelas passageiras ou VEDO, 1987, p. 68). Os tribunais, nos casos transitórias sem vínculo marital ou com ca- de concubinato puro, chegavam a presumir racterísticas de união duradoura com comu- o casamento entre eles para, assim, dar-lhes nhão de vida, a fim de esclarecer a limitação efeitos jurídicos. de efeitos patrimoniais e pretensamente faEsta prescrição foi reproduzida na Conmiliares de tais relacionamentos. solidação das Leis Civis de Teixeira de FreiA união livre, constante, duradoura, com tas, que previa, em seu art. 147: a reivindifinalidade de comunhão de vida, passou a ser cação de bens pela mulher casada doados à 39 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 concubina; anulação das doações pela espo- nefício, desde que tenha sido mencionada sa e também por seus descendentes ou her- como beneficiária em ato solene (carteira deiros necessários; a mulher, mesmo sepa- profissional ou livro de registro de emprerada, poderá anular doações Com a inserção do gados); posteriormente, foi ou vendas fictícias feitas pelo divórcio pela Lei 6515/77, o previsto o direito ao seguro à ex-marido à concubina (AZE- concubinato puro passa a companheira, indicada pelo VEDO, 1987, p. 68). ser considerado de forma companheiro. Mais tarde, Com relação aos filhos, mais relevante pela ordem a legislação previdenciária estes eram considerados na- jurídica (inclusive para fins passou a garantir os direitos turais quando não houvesse de reconhecimento pleno de pensão por morte à comentre os pais impedimento de filhos) (BRASIL, 2003). panheira, bem como sua inpara casar. No tocante à heserção como dependente do rança, se filhos extraconjucompanheiro (AZEVEDO, gais de não nobres (peões), todos sucederão 1987, p. 79). igualmente; se filhos de nobres, apenas suCom a inserção do divórcio pela Lei cedem os “legítimos”. Assim, a legitimidade 6515/77, o concubinato puro passa a ser condizia muito mais para fins de herança do considerado de forma mais relevante pela orque por filiação, por si só, já que inclusive aí dem jurídica (inclusive para fins de reconheos filhos eram considerados naturais, mes- cimento pleno de filhos) (BRASIL, 2003). Já mo que por relação ilícita (os chamados “fi- não se tinham mais dúvidas acerca da ilicitulhos espúrios”, fruto de adultério, incesto e de do concubinato impuro; mas a discussão sacrilégio), aos quais era garantido o direito residia nas formas como o direito poderia rea alimentos e à própria investigação de pa- cepcionar esta outra espécie de concubinato ternidade. A vedação sucessória legítima era que passou a ser vivida por uma expressiva expressa, salvo a testamentária, em que os quantidade de casais. filhos espúrios poderiam ser instituídos herNa jurisprudência pátria já se reconhedeiros (RIZZARDO, 1985, p. 185). cia os efeitos jurídicos do concubinato puro, O Código Civil de 1916 não regulamen- como já fora explanado, instituindo a diferentou o concubinato, mas também não o proi- ciação entre companheira e concubina, o que biu (BRASIL, 2003). O caso exemplar era o de fato foi reconhecido pelas Leis 8971/94 e casamento e, portanto, a regulação era toda 9278/96. Mas foi com a Constituição de 1988 dirigida a este. que a dita união foi reconhecida como entiCom o acréscimo do adjetivo “comuns”, dade familiar, à luz do caput do art. 226, que a possibilidade de reivindicação de bens pela dispõe acerca da família como célula nuclear esposa permaneceu denotando que ela não da sociedade (BRASIL, 2003). podia interferir em doações de bens próprios O Código Civil de 2002, nessa mesma feitas pelo marido à concubina (AZEVEDO, linha, consagrou como família nuclear aque1987, p. 78). Outros efeitos civis permane- la formada pelo casamento, já que nesta ceram os mesmos, apenas com uma carga há, pela escolha feita entre os esponsais, maior ao concubinato adúltero, que parece a presunção da finalidade da comunhão ser a situação ventilada na maioria dos dis- plena de vida e da constituição de núcleo positivos do Código de 1916 (BRASIL, 2003). familiar, pelos filhos. Equiparado ao casaAlgumas modificações passaram a ser mento, o Código regulou a união estável (o consideradas, diante da evolução social, então concubinato puro) em seu art.1723, pela legislação posterior esparsa. Um dos considerando-a como entidade familiar e casos é a lei de acidentes do trabalho (De- outorgando-a as mesmas prerrogativas e creto-Lei 7036 de 44) que estabeleceu que deveres dos casados. Definitivamente, o a companheira mantida pela vítima tem os Código consagrou a diferença entre concumesmos direitos do cônjuge legítimo, caso binato adulterino (impuro) e união estável este não exista ou não tenha direito ao be- (concubinato puro) (BRASIL, 2003). 40 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 3. Aspectos dogmáticos e práticos da RELAÇÃO CONCUBINÁRIA Abordam-se: os efeitos do concubinato no direito pátrio atual, tanto civis quanto patrimoniais, e a posição do concubinato entre as entidades familiares. cos do concubinato puro, hoje tratado como união estável tendo, portanto, efeitos civis próprios do direito de família, e não do direito das obrigações (inclusive, sem necessidade de prova do esforço comum). A affectio societatis é elemento basilar definidor do concubinato (RIZZARDO, 1985, p. 171). Mesmo sendo a relação amorosa fruto de infidelidade e adultério de um dos concubinos (ou de ambos), não há que se negar a intenção de permanência de uma sociedade, com interesses e finalidades comuns pois, se fosse o contrário, a união seria considerada como “livre” ou passageira, sequer podendo ter algum tipo de reconhecimento jurídico válido. O concubinato que enseja efeitos civis obrigacionais é o que se mantém no tempo, apesar dos impedimentos legais existentes na relação; e se há formação mínima de patrimônio, este se divide em conformidade com a contribuição de cada um, ou, na ausência de estipulação ou em dificuldade probatória, o critério geral de metade para cada parceiro. No que se refere à posse do estado de casado, talvez seja o elemento que traz maiores discussões e dúvidas, normalmente resolvidos em consonância com o caso concreto e no conjunto probatório. Em tese, o concubinato não admite a posse do estado de casado, pois há na relação um ilícito civil, como já se disse; contudo, situações em que o concubino(a) se encontra em processo de separação de fato, ou que permanece no estado de boa-fé (sem ter o devido conhecimento dos impedimentos do outro), o status de casado pode ser reconhecido e, assim, os efeitos serão disciplinados pelo direito de família, resguardando, por óbvio, os interesses e direitos da família legítima (formada pelo casamento ou união estável). Mesmo essa orientação – hoje admitida por boa parte da jurisprudência pátria – guarda contrariedades jurídicas. Ainda que o concubino(a) esteja de boa-fé, a divisão patrimonial em conformidade com o direito de família traz dificuldades intransponíveis, como na aplicação de regime de bens ou, inclusive, em caráter sucessório. Ter-se-á, inevitavelmente, uma dupla partilha (aplicável 3.1 Efeitos civis e patrimoniais do concubinato no direito pátrio atual O artigo 1.727 do Código Civil definiu o concubinato como “as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar [...]” (BRASIL, 2003). A partir da conceituação de cada um dos institutos, percebe-se que o que separa a união estável do concubinato é a conversibilidade ou não da relação em casamento. Ora, o Código vigente manteve o direcionamento definido no Estatuto Civil anterior, no sentido de reservar ao concubinato o tratamento de sociedade de fato sem o intuito de constituir família, tendo em vista que surgiu em meio a ato ilícito grave, que é o adultério. Diante disso, a impossibilidade de conversão em casamento ou de reconhecimento de status de companheira à concubina – já que verificável, na situação concreta, os impedimentos para constituição do casamento e da união estável, previstos no Código – leva ao reconhecimento jurídico de efeitos civis patrimoniais obrigacionais, bem como dos elementos constitutivos então dispostos pela teoria geral comercial, um deles, o esforço comum na formação do patrimônio (BRASIL, 2003). Rizzardo nomina alguns elementos de identificação da sociedade de fato definida pelo concubinato: a affectio societatis (o ânimo ou intenção de associar-se); a posse do estado de casado(a); a conjugação de esforços e interesses; a notoriedade do relacionamento; a conduta dos concubinos; o dever de fidelidade; a habitação comum; a convivência more uxório; a continuidade da união; a unidade do casal; a dependência recíproca dos concubinos (RIZZARDO, 1985, 171179). Por óbvio que alguns aspectos elegidos (mormente a conjugação e comunhão de vida, a notoriedade, unidade e constância da união e a convivência more uxório) são típi41 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 à família anterior, formada pelo casamento à entidade familiar. A(O) concubina(o) que ou união estável, e o concubinato posterior), manteve relacionamento afetivo, por certo sem contar a indefinição acerca de qual re- período de tempo, com outrem em estado de gime de bens será aplicável ao concubinato, impedimento legal para contrair nova união pois não há previsão legal ou sequer contra- lícita (casamento ou união estável), e que to privado entre os concubinos que assim o tenha formado com este patrimônio em coestipule (por óbvio, pois, se existiria, em con- mum, pode ter direito à pretensão indenizaformidade com a lei civil, seria um contrato tória não só pelo período dedicado à relação típico de união estável). (eventuais trabalhos e dações concedidos No caso da sucessão, igualmente não gratuitamente neste lapso temporal) como encontraria guarida a orientação de aplicar-se também a título de danos morais (vergonha ao concubinato regras de direito de família, e humilhação sofridos), se de boa-fé e alheia pois, o direito sucessório segue regras positi- à situação de casado(a) do(a) concubino(a). vas próprias e peculiares, as quais não admiDessa forma, a honra e a dignidade petem, por exemplo, o reconhecimento de outros rante a sociedade por parte do concubino(a) herdeiros necessários, além dos previstos no de boa-fé são devidamente resgatadas e art. 1.829, nem da concubina(o) como herdei- protegidas pelo direito, sem a correspondenra testamentária, em consonância com a ve- te necessidade de ferir a legislação positiva, dação do art.1.801 (BRASIL, 2003). numa postura equivocada de eventual recoPor isso, a posição mais razoável – que nhecimento de família ou de efeitos jurídicos não fere a lei, nem o costume jurídico, e nem aplicáveis somente ao casamento e à união a situação ventilada no caso concreto – é a estável. Dita orientação deve ser seguida inde reconhecer, sempre que possível, o concu- clusive por outros ramos do direito, como o binato como sociedade de fato, cujo patrimô- previdenciário (proibição de reconhecimento nio seja dividido e resolvido em conformidade de concubina como beneficiária, ainda que com o direito das obrigações, estando neste exista jurisprudência decidindo em sentido campo os demais efeitos civis resultantes. contrário), a fim de não resultar em contrarieDentre tais efeitos cidades insanáveis em todo o vis, pode-se apontar o que Dessa forma, a honra sistema jurídico. se cunhou “remuneração” ou e dignidade perante a O direcionamento a ser indenização à concubina “por sociedade por parte do seguido, pois, deve sempre serviços prestados”. Até en- concubino(a) de boa-fé são ser o da legislação positiva, resgatadas mormente o Código Civil tão, era uma solução jurídica devidamente e protegidas pelo direito, (BRASIL, 2003). As hipótedirecionada a respeitar a lei sem a correspondente positiva civil que não previa a ses de impedimentos para o aplicação de regras do direi- necessidade de ferir a casamento – que delimitam to de família ao concubinato, legislação positiva, numa as situações de concubinapor não se tratar de relação postura equivocada de to, como o adultério – estão amorosa originária da família eventual reconhecimento de arroladas no artigo 1.521. ou ao menos lícita e legítima. família ou de efeitos jurídicos Dessa forma, percebe-se somente ao que todos os relacionamenContudo, atualmente, tais ex- aplicáveis casamento e à união estável. pressões são consideradas tos que se encaixem nas sicomo “retrógradas”, “ofensituações previstas no artigo vas”, “machistas”, preferindo-se a adoção de 1.521 podem ser considerados como concuuma terminologia mais neutra, como “esforço binato, pois assim estipulou o legislador, na comum” e “contribuição”. finalidade de resguardar a família fundada No entanto, o caráter indenizatório deve no casamento, em primeiro lugar, e na união permanecer quando a situação concreta for estável, equiparada a este. o concubinato, sendo indevido o mesmo traDesse modo, permanece, indubitaveltamento à união estável, hoje equiparada mente, no atual Código a orientação de con42 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 siderar o concubinato impuro como ilícito, cujos efeitos civis resolvem-se por meio do direito das obrigações, seguindo, como já dito, jurisprudência anterior já consolidada, bem como a tradição jurídica pátria (BRASIL, 2003). Necessário repetir que, apesar disso, outros efeitos civis foram reconhecidos pela jurisprudência, inclusive anteriores ao Código Civil atual. A primeira situação concreta reconhecida foi a separação de fato, que muitas vezes existe mesmo com o casal ainda residindo juntos. Depois, os efeitos patrimoniais foram ventilados em outros campos do direito civil, como o possessório, em que a composse da concubina foi reconhecida, mesmo em situação de adultério, devido à inexistência de direito de habitação ou propriedade da então esposa sobre o imóvel constituído individualmente pelo esposo, até porque, em verdade, o casal estava separado de fato há mais de dez anos (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 296). Os casos concretos foram aumentando e as diversidades de elementos fáticos e de circunstâncias particulares foram relativizando as prescrições legais de impedimento de constituição de nova família. In casu, as situações mais comuns eram de doações em dinheiro por parte do cônjuge adúltero à concubina; constituição de moradia e de convivência more uxório entre os concubinos; instituição de relações estáveis em concomitância ao casamento. Tais fatos contribuíram para a construção de critérios jurídicos pela jurisprudência para delimitar as situações, de modo a não interferir nem prejudicar a família legítima, então primordialmente protegida pelo direito. Malheiros e Malheiros Filho referem decisão judicial que reconheceu a validade de legado em testamento do homem casado à sua concubina, com a condição de que não prejudicasse a família legítima (acórdão nº 585026743, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 04/02/1986), em claro reconhecimento de situação fática caracterizável como união estável, e não concubinato (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 297). Em outro aresto, anulou-se a ação reivindicatória do espólio contra a compa- nheira do falecido, sob a alegação de que há distinção nítida entre concubinato e união estável, estendendo àquela os direitos inerentes à propriedade de bens móveis constituídos com o então companheiro na convivência permanente e duradoura (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 297). O direcionamento jurisprudencial, pois, parte de duas premissas: a existência de separação de fato (falência, pois, da comunhão plena de vida do casal) e a convivência estável e duradoura dos concubinos que, por essa circunstância, são reconhecidos, juridicamente, como companheiros, não incidindo os impedimentos legais previstos no Código nem a imputação de adultério. Dito critério tem por finalidade seguir a orientação finalística da lei civil de proteção à família formada pelo casamento, mas também de resguardo das situações não alheias ao direito que denotam uma quebra da situação conjugal não prevista pelo casal ao unir-se sob o mesmo teto. Isto quer dizer que tanto a tradição jurídica pátria, quanto a lei civil (pelos Códigos de 1916 e 2002), elegem a família legítima como aquela formada pelo casamento, e colocam como principal ilícito civil a infidelidade conjugal (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 299), manifestada pelo adultério, passageiro ou repetitivo (este caracterizador do concubinato). Na ocorrência de concubinato, os efeitos civis são os previstos em lei – resolvidos pelo direito das obrigações – e, nos casos de evidência de separação de fato, são equiparados ao casamento, resultando na consequente caracterização da união estável, que possui efeitos patrimoniais próprios. 3.2 Posição do concubinato entre as entidades familiares Em consonância com a lei civil, o concubinato sempre fora considerado situação contrária ao direito, cujo reconhecimento jurídico limitou-se aos efeitos patrimoniais oriundos de uma sociedade de fato. Evolução jurisprudencial, no entanto – com clara intenção de “acompanhar” ou “respaldar” costumes sociais contemporâneos, nem sempre conformes à lei e à justiça – passou 43 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 a conferir um novo status ao concubinato impuro, qual seja, o de entidade familiar, mesmo na circunstância patente e irrefutável de adultério ou infidelidade. Desde o antigo Código Civil de 1916, a hostilidade ao concubinato é notória. A possibilidade de ação reivindicatória da mulher casada em relação aos bens comuns da sociedade conjugal transferidos ao marido adúltero (ou vice-versa); da anulação de doações em caso de adultério; da proibição de legado em testamento do cônjuge infiel para seu concubino(a); são determinações legais que, como visto, foram mantidas pelo atual Código, com vistas a proteger a família formada pelo casamento ou união estável. A lei civil brasileira, pois, mantém-se na linha de severidade necessária com a infidelidade e seus efeitos (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 293). Contudo, situações como a do(a) concubino(a) de boa-fé ou de verificação de uma separação de fato do casal (mesmo que mantendo uma certa visibilidade de casamento, mormente vivendo sob o mesmo teto) levaram a jurisprudência (principalmente a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) a reconhecer efeitos civis não previstos no Código, contudo, sem elevar o concubinato à condição de família equiparada à união estável ou no mesmo patamar que o casamento. Malheiros e Malheiros Filho referem dois leading cases que iniciaram a relativização interpretativa da lei civil positiva: decisão que reconheceu a condição de seguro social a pecúlio instituído pelo cônjuge adúltero à concubina com quem conviveu por mais de vinte anos (acórdão nº 24.753, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 28/08/1975); e acórdão que definiu como legítima a indicação de concubina à condição de beneficiária de seguro de saúde, pelo cônjuge adúltero, devido ao rompimento da comunhão de vida com a então esposa e a consequente separação de fato do casal, situação que inviabiliza a caracterização do adultério (decisão nº 29.953, do 2º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 15/12/1978) (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 295). A partir dessa nova orientação, o Tribunal passou a considerar efeitos civis mais abrangentes ao concubinato impuro, desde que houvesse algum tipo de separação de fato ou rompimento da comunhão plena de vida entre o casal, e que a relação adulterina não fosse passageira ou transitória, assemelhando-se à união estável. A proteção jurisprudencial dada ao concubinato puro (união estável), construção jurídica que culminou na disciplina dada ao instituto no Código atual, visou responder a uma demanda insurgente das próprias práticas sociais, fundadas sob a relativização total do casamento e da família constituída por este. Sobre este fenômeno, acertadamente Athos Gusmão Carneiro asseverou: O que constantemente vemos na prática é o espetáculo de cônjuges voluntariamente separados e cada qual com uma nova união irregular e que somente se recordam do vínculo do seu casamento para pedir a nulidade do legado feito pelo seu cônjuge a favor da concubina que o acompanhou por longos anos e lhe prestou assistência na sua enfermidade e velhice até a morte. O legado que o testador poderia legalmente fazer a qualquer pessoa não lhe seria lícito fazê-lo em benefício de sua concubina ainda que provassem assistência e serviço de natureza não sexual; tudo em homenagem a uma pessoa voluntariamente omissa e totalmente separada do seu marido e do seu casamento (CARNEIRO apud MARENSI, 1990, p. 58). O espetáculo que fala o eminente Ministro é, exatamente, a falência dos casamentos e, quem sabe, a inaptidão dos próprios casais de assumirem compromisso importante de fidelidade e, com base nesta mútua doação, buscar uma espécie de reconciliação ou entendimento. A ordem jurídica dá especial proteção ao casamento não por ser conservadora, ou “retrógrada”, mas sim por ser o instituto que mais exige de cada cônjuge, muitas vezes renúncias e mudanças que já, de antes, um não estaria disposto a fazer pelo outro. Dessa maneira, com razão lembra Carneiro (apud MARENSI, 1990) que a prática corriqueira social são as separações de fato, 44 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 com consequentes novos relacionamentos posteriores, estes caracterizadores do concubinato puro (união estável). E é certo que vários(as) esposos(as) acabam por recordar do seu vínculo (ainda mantido “no papel”), estão desfeitos faticamente, quando afetam algum interesse jurídico particular ou quando visam algum benefício post mortem (seja por herança, seja por pensão previdenciária ou de qualquer outro seguro). O erro, pois, não está na instituição casamento, mas nas decisões humanas, que devem ser, quando preciso, devidamente corrigidas pelo Direito, o qual é, em síntese, o instrumento que mantém a ordem das relações sociais. Em outras palavras, não pode o Direito normatizar ou proteger toda e qualquer medida humana, pois assim estaria superveniente a um sociologismo que parte do pressuposto de que as decisões sociais são sempre corretas e devem seguir o seu devir “livremente”. Se assim o fosse, períodos totalitários como o nazismo alemão não deveriam ser criticados, posto que, na época, o Direito fez exatamente o que vem procurando fazer hoje, dar respaldo jurídico a toda e qualquer decisão humana – a diferença é que naquele período, a ditadura era estatal (governamental), e, hoje, a ditadura é social. Essa nova visão do Direito – que ganhou força a partir do desenvolvimento de teorias contemporâneas da interpretação jurídica – permeia o círculo dos Tribunais e das decisões judiciais. Em matéria de direito de família isso é ainda mais latente. Os juízes passaram a ser a fonte primeira das regras familiares, diante do fenômeno da judicialização, quer dizer, do aumento de demandas sociais (até então resolvidas fora do Judiciário), ensejando um afastamento da aplicação principal do Direito, que é a exercida por meio da lei. Nesse sentido, Rejane Filippi, ao comentar a união estável, chega a dizer que a tarefa de definição do instituto foi outorgada aos juízes, e não refere em nenhum momento à importância da lei escrita, a qual, primeiramente, a Constituição concede tal tarefa: que provavelmente cometeu ao Judiciário o mister de enriquecê-lo, ampliá-lo, e de todo o modo, em cada caso concreto, dizer onde está e onde não está a união estável (FILIPPI, 1991, p. 171). Ora, não visa a lei engessar a atividade jurisprudencial, ou acabar com a atividade criadora do juiz. Por óbvio que a exata caracterização e verificação, no caso concreto, da efetiva existência de união estável é tarefa dada ao juiz. No entanto, a lei tem por finalidade dar os critérios mínimos de identificação, a fim de manter a ordem predicada pelo Direito e por todo o sistema normativo. Este é o direcionamento dado pelo atual Código que, ao dar parâmetros legais acerca de elementos essenciais do que seja a união estável e do que constitui o concubinato, confere segurança jurídica ao sistema jurídico e ao próprio Judiciário na execução cotidiana da jurisdição. Portanto, as decisões judiciais devem evoluir em consonância com a realidade social, mas, ao mesmo tempo, devem preservar a lei e atualizá-la. O que se verifica, porém, a partir da Constituição de 1988, e sob a vigência do Código Civil de 2002, é que a jurisprudência passou a se orientar de forma mais agressiva, utilizando-se da interpretação jurídica para formar novo pensamento ou novas regras que, inclusive, beiram a posição contra legem. A nova hermenêutica contemporânea, amparada num critério principiológico-constitucional, transferiu ao julgador o poder de dar cabal visão não só à lei positiva, mas ao direito como um todo, alterando regras positivas claras e instituindo uma nova legislação alheia ao Código. Em matéria familiar, a jurisprudência pátria – principalmente a gaúcha – tem se direcionado neste sentido. No caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não raro se percebe orientações distintas, sobre o mesmo caso concreto, por Câmaras Cíveis diferentes, resultando numa situação jurídica absurda da chamada “sorte da distribuição”, isto é, terá “sorte” o processo distribuído para a Câmara “x” que tem tomado decisões favoráveis ao caso particular, e terá “azar” aquele que “caíra” na Câmara “y”, de orientação contrária. A toda evidência, não desejou o legislador constituinte definir a união estável, por- 45 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Mais do que isso: em matéria de direito de família – cujos fatos são extremamente sensíveis, fundamentais, tratando-se de uma família, de pessoas, de crianças, de patrimônios de uma vida inteira – essa relativização desmedida causa prejuízos irremediáveis às vidas que estão por detrás do processo judicial, bem como ao sistema jurídico como um todo, pensado pela sociedade por meio de seus representantes políticos que formulam a lei positiva. Tamanha falta de critério ocasiona a transformação do Código Civil num livro de cabeceira, o qual serve apenas de “consulta” para fundamentar uma decisão ou interpretação já tomada pelo julgador antes de estudar o que diz a lei. Dita postura fica manifesta quando o assunto é o concubinato. Decisões recentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceram ao concubinato (mesmo com a clara evidência e prova de adultério e infidelidade) o status de entidade familiar, mesmo inexistindo qualquer persecução de verificação de boa-fé por parte da concubina(o), contrariando dispositivos da lei civil (que, inclusive, prevê a possibilidade de verificação de culpa na separação se verificado ao adultério) e da própria jurisprudência anterior já consolidada, a qual sempre procurou adaptar a lei ao devir social, e não alterá-la em conformidade com este devir. Como dito, em nenhum momento os Tribunais reconheceram o concubinato como família, mas tão-somente admitiram a existência de outros efeitos civis não previstos pela lei civil. A nova jurisprudência, contudo, diz o que é família, englobando neste conceito “vazio” quaisquer relações afetivas sociais existentes, incentivando, inclusive, à formação de mais de uma família ou de famílias paralelas, claramente instituindo, contra legem e contra a consuetudo, a poligamia. É o que se verifica na decisão transcrita a seguir: namento havido com a apelante, não seria, por si só, impedimento para o reconhecimento da união estável. Não é de hoje que essa Oitava Câmara tem se manifestado favoravelmente ao reconhecimento da união estável concomitante ao casamento ou concomitante a outra união estável. [...] Então, o argumento de que a segunda união seria de natureza concubinária e que, por isso, não seria lícito o reconhecimento da união estável paralela ao casamento, “data venia”, penso que já foi superado por um significativo número de julgamentos no âmbito deste órgão fracionário3 (RIO GRANDE DO SUL, 2008c, p. 6). Note-se que os critérios até então considerados pela jurisprudência – a existência de separação de fato e a diferenciação necessária entre a união estável e o concubinato – parecem ter sido afastados pelo novo direcionamento, qual seja, de reconhecer tantas e quaisquer relações paralelas que alguém possa vir a constituir, desde que sejam “duradouras”, “públicas”, e com o “intuito de constituir família”. A lei civil, quando fala da fidelidade, reciprocidade, auxílio mútuo entre os cônjuges e companheiros, está completamente afastada pelo direcionamento jurisprudencial dantes referido, a qual admite que uma mesma pessoa possa se comprometer a ter fidelidade perante duas ou mais outras com as quais venha a constituir as “suas famílias”. Em sentido contrário, no entanto, orientam-se as decisões expostas abaixo que, por sua clareza e coerência, dispensam quaisquer comentários: O presente caso traduz aquilo que Gischkow chamou de monetarização do afeto, ou seja, a parte entrega-se em uma relação paralela ao casamento, uma verdadeira ‘relação aberta’ e, frustrada, pretende compensar-se monetariamente. [...] Admite o autor expressamente que o relacionamento havido entre Apelante e Apelada preenche os requisitos de um concubinato impuro, como se a lei civil reconhecesse e protegesse duplicidade de relações conjugais no Direito de Família. À evidência, isso tornaria ‘um nada’ a instituição oficial do [...] o fato de o varão ter mantido seu casamento em concomitância com o relacio- 3 Trecho de voto do Des. Rui Portanova nos autos da Apelação Cível nº 70024608507, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 9 out. 2008. 46 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 um contrato de trabalho, nem prestação civil de trabalho na modalidade locação de serviços..., nem se cuida de uma entidade familiar. Afinal, o réu era casado e convivia com sua família. E esse fato era conhecido da autora, que fora empregada da família. [...] houve entre os litigantes o estabelecimento de um mero vínculo afetivo e sexual, relacionamento este que não apresenta qualquer conteúdo econômico, nem se confunde com uma entidade familiar5 (RIO GRANDE DO SUL, 2008a, p. 5-7, grifamos). casamento, porque qualquer relacionamento amoroso, mesmo com prostitutas, poderia ser indenizável como se tratássemos de relações de família. Podemos seguir adiante nas ‘interpretações’, mas não confundir institutos jurídicos [...] Sabemos que o casamento e a união estável têm amparo na lei e na Constituição Federal, sendo que o legislador civil distinguiu precisamente o concubinato. [...] Para o concubinato adulterino persistem algumas regras coibitórias de direitos, no plano patrimonial, em resguardo aos direitos de família constituída pelo casamento [...] Com o advento da Constituição de 1988, o relacionamento homem-mulher com partilha de bens dá-se no casamento e na união estável, mas não no concubinato, não na relação aberta ou na sociedade de fato. Eventuais considerações econômicas devem ser solvidas no plano obrigacional, não no familial. (...) o autor é casado, com casamento em plena validade e confessada quebra dos deveres matrimoniais. Assim, o reconhecimento de sua pretensão seria agressão à instituição legal do casamento. [...] O casamento, seja por contrato, seja como instituição, impõe deveres legais e responsabilidade ética não podendo descambar para o reconhecimento de relações paralelas e à margem da lei4 (RIO GRANDE DO SUL, 2008b, p. 3-5, grifamos). Tendo havido inequivocamente uma relação amorosa entre a autora e o demandado, típica de um mero concubinato, evidentemente mostra-se descabido o pedido de indenização, que carece de amparo jurídico, visto que não se pode dar mais à concubina do que teria se casada fosse, valendo lembrar que não é a esposa aquinhoada com contraprestação por serviços domésticos prestados à família e ao marido. [...] Por oportuno, vale observar que a indenização por serviços domésticos prestados era admitida na esfera da Justiça Estadual e no âmbito do Direito de Família como um artifício para se evitar injustiças contra a mulher que se dedicava a uma união livre, mas com caráter ‘more uxorio’, quando não havia as leis protetivas dessa modalidade de família, que veio a ser concebida e legalizada com o nome de união estável. [...] Trata-se aqui de uma relação eminentemente amorosa, não se cogitando de As relações familiares sempre ensejam tais discussões, e serão constantemente o foco das principais mudanças normativas e de interpretações jurídicas. Talvez por envolverem não só o amor ou “afeto” – palavra que sumariza demais o profundo sentimento que une pessoas sob a mesma família, pois o afeto não explica, em sua etimologia, as renúncias e sacrifícios que uns fazem pelos outros (pais, filhos, irmãos, netos), nem os egoísmos e ódios que possam surgir, mas só o amor e a falta de amor – mas também elementos culturais, religiosos, morais, até biológicos que inafastavelmente fazem parte das relações humanas (porque são próprios do ser humano). Ousada, nesse sentido, é a lição de Pontes de Miranda: Quem não é cônjuge não se torna cônjuge pelo fato de ser tratado como tal. Ser criado como filho não é ser filho. Ter bens em comum com o cônjuge não é estar sob o regime matrimonial da comunhão. Pode-se ser membro da família sem se viver na mesma casa e, até, sem se conhecerem os próprios irmãos. As tentativas de dilatação do círculo família fracassam sempre. Cada vez o círculo família diminui, nas relações da vida (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 80). 4. Conclusão Advogar em favor da tradição jurídica e da segurança de seus institutos, para muitos, soa a um discurso retrógrado ou, por vezes, discriminatório. O direito de ser diferente pa- Trecho do voto do Des. Alzir Felippe Schmitz, nos autos da Apelação Cível nº 70023890601, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 25 set. 2008. Trecho do voto do Des. Sérgio F. Vasconcellos Chaves, nos autos da Apelação Cível nº 70023332794, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 24 set. 2008. 4 5 47 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 rece que não é aplicável àqueles que pugnam por um respeito ao Direito e à sua história, à lei e aos seus critérios, e, no direito de família, a instituição do casamento. Tais defensores, atualmente, são os diferentes que, por ironia, não podem invocar o seu direito de ser diferente e de pensar diferente. A relativização do Direito, e de seus métodos de interpretação, levam, pois, a uma própria ditadura deste fenômeno. É válido reconhecer juridicamente todo e qualquer fato social; mas não é igualmente válido dar guarida a institutos já previstos normativamente e dogmaticamente, os quais talvez não encontrem mais adoção filial por parte da sociedade humana. Essa variabilidade jurídica – que forma os chamados “conceitos vazios” do Direito, os quais podem ser preenchidos por qualquer conteúdo e quaisquer ideologias – atinge fundamentalmente o Direito de Família. Conceitos como casamento, união estável e concubinato perdem seus critérios e referências para tornarem-se apenas parâmetros gramaticais de situações de fato muitas vezes transitórias e constantemente mutáveis. Entender os institutos jurídicos em consonância com sua tradição e história não causa uma petrificação das situações fáticas, mas sim consolidam conteúdos que, atualizando-se com a realidade, em seu devir, auxiliam o Direito a manter e estabelecer a ordem – que é sua finalidade principal. E a ordem não se separa da constância; a constância está unida à perenidade; e estas são vivas no meio social por meio da conhecida relação entre fato, valor e norma. Talvez no âmbito do Direito de Família o aspecto que tenha sofrido maiores dilacerações seja o valor. Não se compreende por valor apenas as orientações ideológicas ou religiosas, mas também as culturais e tradicionais. Igualmente, não se entende por cultura apenas aquela que se modifica com o tempo, mas da mesma forma os costumes sociais que sempre permanecem, e não tão cedo desaparecerão, pois fazem parte do próprio ser humano. Os institutos jurídicos familiares sempre serão protegidos pelo Direito, pois traduzem relações humanas que sempre existirão, principalmente o casamento. O casamento é tratado na lei civil como base para formação da família, pois o traz ínsito na sua constituição a promessa e o compromisso de direitos, deveres, mútua colaboração, doação, comunhão plena de vida e, principalmente, amor. O casal que busca casar-se deve ter plena noção do valor desse compromisso; tanto é assim que o crescimento, hoje, da opção por união estável deve-se exatamente ao ambiente de insegurança na sociedade contemporânea, em que já não se confia mais no outro ou se tem esperanças de que o mesmo irá cumprir as promessas exigidas pelo instituto matrimonial. Para tanto, propôs a lei civil, prudentemente, a conversibilidade desta união em casamento, dando a oportunidade ao casal de assumirem esse compromisso mútuo e a responsabilidade de um perante o outro talvez pelo resto de suas vidas. O concubinato, nesse sentido, não pode ser considerado família, ou entidade familiar, pois é fruto dessa quebra de confiança, de fidelidade, de comunhão plena de vida entre o casal. Pode significar, psicologicamente, uma fuga deste compromisso, ou uma falta de integridade em admitir que sua relação matrimonial passa por problemas e dificuldades. O que não pode – pois seria uma afronta ao valor jurídico presente no instituto do casamento – é ser considerado como uma relação amorosa juridicamente válida, paralela ao casamento ou união estável, pois estar-se-ia desrespeitando não só a lei civil (que também é querida pela sociedade) mas também as próprias pessoas envolvidas na situação de fato, incitando-as a permanecerem no erro ou, talvez, na inconstância de suas vidas. Referências AZEVEDO, Álvaro Villaça. Do Concubinato ao Casamento de Fato. 2. ed. Belém: CEJUP, 1987. BEVILÁQUA, Clóvis [1859-1944]. Direito da Família. 2. ed. Recife: Ramiro e Costa, 1905. BRASIL. Novo código civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estu48 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 do comparativo com o código civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 831 p. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti [1892-1979]. Tratado de Direito de Família. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2001. v. 1. COULANGES, Numa Denis Fustel de [1830-1889]. A Cidade Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1998. REALE, Miguel [1910-2006]. Cônjuges e Companheiros. [São Paulo], 2004. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/ conjcomp.htm>. Acesso em: 20 dez. 2008. FILIPPI, Rejane Brasil. O Concubinato após a Nova Constituição Federal. Revista da AJURIS. Porto Alegre, v. 18, n.51, p. 167173, mar. 1991. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 7ª Câmara Cível. Acórdão na Apelação Cível nº 70023332794. Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 24 set. 2008. Porto Alegre, 2008a. MALHEIROS, Fernando; MALHEIROS FILHO, Fernando. Aspectos do Concubinato Adulterino. Revista da AJURIS. Porto Alegre, v. 22, n. 64, p. 293-301, jul. 1995. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 8ª Câmara Cível. Acórdão na Apelação Cível nº 70023890601. Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 25 set. 2008. Porto Alegre, 2008b. MARENSI, Voltaire. Concubinato: legado e seguro de vida. Revista da AJURIS. Porto Alegre, v. 17, n. 50, p. 57-61, nov. 1990. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 8ª Câmara Cível. Acórdão na Apelação Cível nº 70024608507. Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 9 out. 2008. Porto Alegre, 2008c. NORONHA, Carlos Silveira. Fundamentos e Evolução Histórica da Família na Ordem Jurídica. Direito e Justiça: Revista da Faculdade de Direito da PUCRS. Porto Alegre, v. 21, n. 20, p. 51-76, 1999. RIZZARDO, Arnaldo. 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Neste mesmo contexto, vamos analisar as modificações desse título de crédito que estão sendo introduzidas tanto pelo legislador quanto pela própria doutrina, bem como faremos uma breve incursão nas origens e no conceito de nota promissória em seu funcionamento, salientando suas características e seus elementos. Por fim, abordaremos o entendimento jurisprudencial em relação à nota promissória em nossos tribunais. Palavras-chave: Nota Promissória. Título de Crédito. Letra de Câmbio. Endosso. Aval. Características e fundamentos. Entendimento jurisprudencial. Abstract: The purpose of this study is to analyze the historical evolution of one of the debt that is still widely used in general business law, which is called a promissory note. In this same context, let’s look at the changes that debt claim being made by both the legislature and by the doctrine itself, and will make a brief foray into the origins and the concept of promissory note and in its operation, highlighting its characteristics and its elements. Finally, we discuss the understanding of jurisprudence in relation to the promissory note in our courts. Keywords: Promissory note, negotiable instrument, bill of exchange, endorsement, approval, characteristics and fundamentals, understanding of jurisprudence. 2. Origens e Conceito 1. Introdução Este estudo apresenta importantes dados sobre a nota promissória em seus aspectos gerais, tendo como base sua origem, seu conceito, bem como seus elementos fundamentais e, ainda, o entendimento jurisprudencial dos nossos Tribunais. O estudo busca entender, em sentido lato sensu, a utilização deste título de crédito, o qual foi uma das soluções comerciais na Idade Média, como veremos a seguir. Na Idade Média, com o desenvolvimento do comércio, surge a necessidade em transitar com valores entre as cidades, já que as atividades comerciais rompem suas barreiras territoriais e com isso surge uma solução prática, ou seja, articular a circulação de valores em papel na forma de uma ordem de pagamento, a ser paga na próxima cidade descartando, assim, a possibilidade dos saques em razão das grandes distâncias percorridas Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (4) Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (5) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (1) (2) (3) 51 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 pelos comerciantes entre as cidades trazendo consigo valores pecuniários (moedas). Não obstante, outro fato relevante que impulsiona o desenvolvimento dos títulos de créditos é a diversidade de moedas cunhadas neste período e a impossibilidade de comercialização em qualquer cidade, visto sua origem. A partir de então, surge a ideia mais remota de título de crédito, uma solução para resolver estas questões comerciais, no qual um valor é emitido em uma cidade, entregue a um terceiro que, sem correr risco de saque, se desloca a outra cidade e tem sua importância restituída em espécie local, mediante a apresentação de um documento (título de crédito). A nota promissória tem sua origem praticamente no mesmo período através da Littera Cambii, que segundo o Professor Emygdio F. da Rosa Jr. (2009, p.485), tal instituto deu origem a Cautio, que era um documento emitido por um banqueiro, o qual reconhecendo a dívida que contraíra junto ao mercador em uma determinada cidade, e prometendo pagar o valor equivalente em outra cidade, a cautio é apontada pela doutrina como documento que originou esta modalidade cambial, haja vista relatos de sua prática entre negociantes ingleses do século XIV (Cf. COELHO, 2007, p. 269). Entretanto, esta modalidade cambial difere da letra de câmbio, por não ser uma ordem, mas sim uma promessa de pagamento, o qual tem em seu escopo a primazia de confiança (credere) entre as partes. A nota promissória demonstra a evolução nas atividades cambiais, a qual surge com a diversidade de situações comerciais oriundas do crescimento das cidades e das relações de consumo, ou seja, aquilo que a priori era um pagamento certo, representado na figura da Letra de Câmbio, que se personificava em uma ordem de pagamento com quantia determinada, agora dá lugar a uma promessa escrita de pagamento futuro, a qual igualmente possui uma quantia determinada e que preserva as características fundamentais dos títulos de crédito: a circulação de riquezas. Em ordem cronológica, podemos dizer que a nota promissória no Direto Brasileiro foi pouco enfatizada sob a vigência do Código Comercial de 1850, pois este se ateve a es- tipular com maior ênfase o Instituto da Letra de Câmbio, tanto que a nota promissória somente foi regulada pelo decreto 2.044/1908, o qual revogou as normas cambiais do Código Comercial disciplinando o referido instituto em seus artigos 54 e 55 deste diploma. “Art. 54. A nota promissória é uma promessa de pagamento e deve conter estes requisitos essenciais, lançados, por extenso no contexto: I - a denominação de ‘Nota Promissória’ ou termo correspondente, na língua em que for emitida; II - a soma de dinheiro a pagar; III - o nome da pessoa a quem deve ser paga; IV - a assinatura do próprio punho da emitente ou do mandatário especial. § 1º Presume-se ter o portador o mandato para inserir a data e lugar da emissão da nota promissória, que não contiver estes requisitos. § 2º Será pagável à vista a nota promissória que não indicar a época do vencimento. Será pagável no domicílio do emitente a nota promissória que não indicar o lugar do pagamento. É facultada a indicação alternativa de lugar de pagamento, tendo o portador direito de opção. § 3º Diversificando as indicações da soma do dinheiro, será considerada verdadeira a que se achar lançada por extenso no contexto. Diversificando no contexto as indicações da soma de dinheiro, o título não será nota promissória. § 4º Não será nota promissória o escrito ao qual faltar qualquer dos requisitos acima enumerados. Os requisitos essenciais são considerados lançados ao tempo da emissão da nota promissória. No caso de má-fé do portador, será admitida prova em contrário. Art. 55. A nota promissória pode ser passada: I. à vista; II. a dia certo; III. a tempo certo da data. Parágrafo único. A época do pagamento deve ser precisa e única para toda a soma devida.” No entanto, o Decreto Lei 57.663/66 promulga as Conversões para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. A nota promissória é um título autônomo que pode ser cobrado de quem deter sua posse; não causal, pois não precisa de motivos para ser emitida e livre já que não está 52 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 vinculada a nenhuma lei. Entretanto, este ins- tulos de crédito, as quais são CARTULARItituto preserva algumas particularidades es- DADE, AUTONOMIA e LITERALIDADE. pecíficas, o qual obedece aos requisitos poA cartularidade tem como caractesitivados na Lei Uniforme de Genebra (LUG), rística principal a sua existência física ou principalmente em seus artigos 75 e 76. equivalente.O título tem que existir como eleSegundo Fabio Ulhoa Coelho (Cf. COE- mento efetivo e representativo do crédito. AsLHO, 2007, p. 269), a nota promissória é uma sim, existindo a cártula, ou seja, o documenpromessa de pagamento que uma pessoa faz to impresso, existe o título de crédito, sendo em favor de outra, onde com o saque da nota vedada a sua cópia para efeito de execução promissória, surgem duas situações jurídicas da dívida. Deste conceito, decorre o axioma distintas: a situação daquele que promete jurídico de que “o que não está no título não pagar quantia determinada e a daquele que está no mundo”. se beneficia de tal promessa. A pessoa que A autonomia é o que garante a plena se encontra na primeira situação é chamada, negociabilidade dos títulos de crédito, e repela lei, de sacador, emitente ou subscritor; a presenta a independência das obrigações pessoa que se encontra na segunda posição vinculadas a um mesmo título, ou seja, com é chamada de beneficiário ou sacado. Pode- a autonomia tem-se a desvinculação do título -se dizer também que é uma promessa de de crédito em relação ao negócio jurídico que pagamento, tendo em vista motivou a sua criação, geranque o teor de seu texto traz (...) decorre o axioma do direitos autônomos tamde que “o bém no campo processual. a expressão “PAGAREI”, res- jurídico salta-se apenas que apesar que não está no título O título de crédito, mediante do verbo estar no futuro, não não está no mundo”. a sua transferência para um pode estar vinculado a uma terceiro de boa-fé, se desvincondição. cula do negócio concreto que Para Pontes de Miranda, a nota promis- o originou, como forma de protegê-lo e confesória é o título cambiário em que o tomador do rir segurança jurídica à circulação do crédito título assume, por promessa direta, isto é, de pelo título representado. fato seu, que é pagar, obrigação direta e prinA literalidade traz consigo a formalidade cipal. Por que aquele que cria nota promissó- e o rigor do que deve estar expresso no título ria é, de regra, porém não necessariamente, de crédito, pois determina o seu conteúdo e aquele que emite, chama-se-lhe emitente a sua extensão. Só tem valor jurídico o que expressão teoricamente defeituosa, mas ado- está exatamente escrito no título de crédito tada pelos textos legais e pela prática. Se o original e a extensão da obrigação por ele criador da nota promissória, depois de enchê- representada. A literalidade gera a garantia -la total ou parcialmente (nota promissória em nas obrigações, sendo que tanto o portador, brando), a guarda, e alguém, por furto, roubo quanto o devedor, não poderão exigir além ou abuso de confiança, ou qualquer outro mo- do que estiver enunciado na cártula. tivo, a lança em circulação, não se pode dizer obrigado direto e, principalmente, deve ser 4. Requisitos chamado emitente. Ele não emitiu, somente A nota promissória é um documento forcriou. De modo que, tendo-se de empregar a mal e para tanto a Lei Uniforme de Genebra, expressão usual, é o direito cambiário que nos em seu artigo 75, impõe requisitos que deobriga a esvaziá-la do seu significado léxico, vem constar neste título para que seja cone só entenderemos como designadora do que siderado nota promissória. Os requisitos não criou a nota promissória (ALMEIDA, 204). preenchidos no momento de sua criação podem, de boa-fé, serem complementados até 3. Características o momento do recebimento do crédito. São estendidas às notas promissórias No entanto, se ausentes no momenas mesmas características aplicadas aos tí- to do recebimento, a nota promissória não 53 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 vale como título de crédito. O documento de valores na nota promissória, deve prevanão será nulo, mas não terá o mesmo valor lecer o de menor quantia, de acordo com o de um título de crédito (Cf. TOMAZETTE, art. 6 e 75 da LUG. 2011). Pode-se dizer que não se trata da nulidade ou invalidade do documento, mas de C. Nome do beneficiário sua ineficácia, pois não produzirá os efeitos O nome de quem receberá a promessa de uma nota promissória. também é indispensável. É necessário idenAssim como a letra de câmbio, tais re- tificar o credor originário que poderá receber quisitos podem ser essenciais e não essen- a promessa, ou transferir o direito de recebêciais ou supríveis, como preferem alguns -la, tendo em vista que nossa legislação não autores, como veremos a admite a nota promissória ao seguir. Considera-se a cártula portador. Cabe ressaltar que válida quando constar como a nota promissória nas1.1 Requisitos essena correta denominação, ce para circular, a promessa ciais a promessa de pagar do emitente o obriga a isso Requisito essencial quantia determinada, o em relação aos que futurasignifica que não pode ser nome do beneficiário, mente se tornem titulares do substituído ou alterado por a data de emissão e a direito de crédito do título. outro semelhante. Sua pre- assinatura do emitente. sença é obrigatória para que D. Data de emissão o documento seja eficaz. De acordo com Luiz São eles elencados no artigo 75 da LUG: Emygdio F. da Rosa Jr., a data de emissão da nota promissória é essencial para que se A. Denominação: “Nota Promissópossa verificar a capacidade do emitente na ria”: art. 75, 1 - LUG data em que assumiu a obrigação, bem como A denominação “nota promissória” ou para contagem de prazos, como o vencimentermo correspondente na língua em que for to, nos casos de títulos com vencimento a emitida é requisito insubstituível ao título. certo termo da data. O mês sempre deverá Trata-se da identificação do nome do título, ser escrito por extenso enquanto o dia e o chamada de cláusula cambial, exigência dos ano podem ser mencionados por algarismos. demais títulos (Cf. COELHO, 2011). Por óbvio, tal exigência faz-se essencial para que E. Assinatura do emitente os subscritores saibam a obrigação que asA assinatura do emitente representa sumiram. a sua declaração de vontade da promessa de pagamento, sendo essa a única vontaB. Promessa de pagar determinada de essencial de tal título. Sem assinatura, quantia: art. 75, 2 - LUG a nota promissória é ineficaz, sendo ela o Conforme já exposto, em toda nota último requisito essencial da nota promispromissória deve haver a promessa de um sória. Isso porque a nota promissória não pagamento. O emitente promete ao benefici- está sujeita ao aceite e com a assinatura do ário pagar determinada quantia em determi- título, o sujeito se torna o devedor principal nado vencimento. Trata-se de uma promes- da relação. sa pura e simples, que dispensa condições e Vale também ressaltar que pode ser feiencargos. É, portanto, requisito essencial à ta a próprio punho ou por meio de procurador promessa pura e simples de pagar determi- com poderes especiais. nada quantia, que poderá ser expressa em algarismos, ou por extenso, prevendo valor Requisitos não essenciais ou supríveis certo e que em casos excepcionais previstos Requisitos não essenciais ou supríveis no decreto-lei 857/69 podem ser pagos em significam que podem ser substituídos por moeda estrangeira. Em casos de divergência outras indicações. Não quer dizer que sejam 54 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 dispensáveis, mas admitem o suprimento por outra indicação, tendo sempre uma outra alternativa. (COELHO, 2011) O avalista é responsável pelo pagamento do título da mesma forma que o avalizado, portanto, o credor quando vencer o título pode cobrar diretamente do avalista, pois são solidários para o pagamento. O Código Civil trata do aval em artigos específicos (art. 987 a 900), o artigo 898 “caput” preceitua que “o aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título”. Na hipótese do avalista quitar o débito poderá cobrar do avalizado ou daqueles que anteriormente ao seu aval haviam se obrigado pelo pagamento do título. O aval por ser autônomo, vale por si só; não tem o direito de regresso contra o sacado, pois este não aceitou o título, portanto, pagará o título, caso seja escolhido pelo credor e só poderá cobrar do sacado por indenização longe do título de crédito. Exceto no regime de separação absoluta, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, prestar aval. Essa regra é estabelecida no Código Civil no artigo 1647, inciso III. A. Local de emissão De acordo com o art. 76, 4, alínea da LUG, o local de emissão será considerado aquele indicado ao lado do nome do emitente. Não havendo o local de emissão ou o local próximo ao nome do emitente no título, o documento não é válido como título de crédito. B. Local de pagamento O local de pagamento é o local onde o emitente deve pagar a promessa feita. Trata-se também de requisito não essencial, pois se não constar a indicação do local, o pagamento pode ser feito no local onde o título foi passado. C. Vencimento: um caso a parte O vencimento é um caso a parte, pois não é requisito essencial nem não essencial, tendo em vista que ele é dispensável completamente. Não havendo indicação do pagamento, presume-se que a nota promissória é à vista. De acordo com o art. 76, II, alínea da LUG. Portanto, o título que não contiver tal informação não será considerado nulo. 5.1.1 Diferença entre o aval e a fiança O aval e a fiança, apesar de terem pontos em comum, são distintos, a seguir citamos as diferenças entre ambos: A fiança é um contrato previsto no código civil nos artigos 818 e seguintes, enquanto que o aval é uma forma de garantia própria dos títulos de crédito, a qual ocorre por meio de uma simples declaração de vontade do avalista. O aval, como regra geral, deve ser lançado diretamente no título e continua valendo mesmo sendo nula a obrigação do avalizado, exceto se houver vício de forma, já a fiança é um contrato acessório que depende para sua existência do contrato principal, desse modo, sendo nula a obrigação do afiançado, se extingue também a obrigação do fiador. O avalista se equipara ao avalizado, assim sendo o credor tem a opção de cobrar a dívida diretamente do avalista, enquanto que na fiança há o benefício de ordem, ou seja, o fiador pode exigir no caso de não cumprimento da obrigação, que o credor cobre pri- 5. Aval e endosso 5.1 Aval O aval é uma forma de garantia eminentemente cambial, que existe apenas nos títulos de crédito, inexistindo nos demais contratos. Ele é autônomo e solidário e, no momento em que uma pessoa assina o título de crédito, passa a responder solidariamente pelo seu pagamento, se não estiver dito a quem se avaliza presume-se que é o sacado e autônomo porque mesmo se a obrigação do sacador for nula, a do avalista não será, por isso é autônoma. O aval também pode ser escrito no verso do título, ou em folha anexa, devendo exprimir pelos termos “bom para aval” ou outro equivalente e assinado pelo avalista, conforme expõe Ulhoa: “O aval é a assinatura no anverso da letra que não seja do sacador e nem do sacado.” 55 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 meiro o afiançado. título fica nominal a quem o recebe. Endosso O endosso é um ato unilateral e abstrato, formal e que deve ser puro e simples. Quando há condição que fique subordinado, considera-se como não escrita. Somente quem pode endossar é o beneficiário do título, e somente o proprietário do título pode transferi-lo a terceiros, abaixo algumas diferenças acerca da Letra de Câmbio, Nota promissória e cheque e, ainda, duplicata: Letra de Câmbio: o beneficiário é o tomador (credor), a favor de quem a ordem é dada. Nota Promissória e Cheque: beneficiário endossa a terceiros. Duplicata: sacador quem pode endossar o título a terceiros. O endosso foi o que deu vida ao título de crédito, e é a forma de transferência do título pela assinatura do credor no verso do título (beneficiário-endossante). O endosso obriga o endossante, o qual responde solidariamente com outros endossantes, que por sua vez pode escolher qualquer um para executar, conforme o ART 15° da LUG, que garante ao aceite quanto o pagamento do título. Ele é autônomo, ou seja, independente entre si, conforme o princípio da autonomia das obrigações cambiais. As assinaturas continuam válidas, a despeito da possível invalidade de alguma outra obrigação contida no mesmo título. O endosso se apresenta em várias espécies, os quais são: O Endosso Translativo é pelo qual alguém transfere os direitos de crédito a um terceiro e tem como consequência que a pessoa que recebe o endosso em seu favor torna-se credor (favorecido) do título de crédito. O endosso translativo, por sua vez, pode ser de duas espécies: a) Endosso Translativo em branco: Consiste na simples assinatura do favorecido no verso do título, sem a indicação de um nome específico, de modo que o título fica “ao portador”. b) Endosso Translativo em preto: Há indicação específica de quem está endossando a quem deve ser pago, de modo que o Da Cláusula Não à Ordem Em havendo “Cláusula Não à Ordem”, o título não poderá ser endossado. A cláusula “não à ordem” impede a transferência do título à outra pessoa. O endosso ao portador discrimina, pague-se ao portador. O endosso mandato ocorre quando o credor do título o transfere não para que o endossatário torne-se proprietário do título, mas para que ele receba seu crédito pelo endossante, é como se fosse uma procuração, sendo o que o instrumento é o próprio título. A forma é a cobrança: entrega o título para que a pessoa receba por si. Deve usar as expressões “valor a cobrar”, “para cobrança”, por “procuração”; senão usar a expressão presume-se que é translativo (comum, pleno, pois transfere o título). O endossante indica o endossatário como seu procurador, subentendendo-se a outorga ao mandatário de todos os poderes para cobrança e recebimento do título Endossante (mandante) / endossatário (mandatário). Qualquer endosso posterior ao endosso-mandato, ainda que sem as expressões antes mencionadas, será considerado endosso-mandato. Portanto, não transmite a propriedade do título e nem direito dele emergente a terceiro. A 3ª alínea do art. 18 LUG deve ser lida: o mandato que resulta de um endosso-mandato não se extingue por morte ou sobrevinda incapacidade legal do mandante (e não do mandatário). O endosso caução (endosso pignoratício ou endosso garantia): o título é transferido ao endossatário apenas como garantia de alguma obrigação. O endossatário recebe, além da posse do título, todos os poderes para cobrança e recebimento do valor do título. Não se transmite a propriedade do título e nem os direitos dele emergentes, mas apenas a posse do título, para garantia do crédito do endossatário e para cobrança ou recebimento do valor (art 19º LUG): “valor em caução”, “valor em penhor”, “valor garantia”. Ademais o Decreto 2.044/1908 dispõe sobre o endosso na letra de câmbio e nota 56 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 promissória: Art. 8º - O endosso transmite a propriedade da letra de câmbio. Para a validade do endosso, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do endossador ou do mandatário especial, no verso da letra. O endossatário pode completar este endosso. Parágrafo primeiro - A cláusula “por procuração”, lançada no endosso, indica o mandato com todos os poderes, salvo o caso de restrição, que deve ser expressa no mesmo endosso. Parágrafo segundo - O endosso posterior ao vencimento da letra tem o efeito de cessão civil. Parágrafo terceiro - É vedado o endosso parcial. 2. Não havendo clareza do sentido e alcance da obrigação do garantidor (se aval ou fiança), em face da deficiência do instrumento em que assumida a obrigação, sendo que dessa circunstância resultaria exigível ou não a outorga uxória, pois o contrato foi firmado sob a égide do Código Civil de 1916, se impõe o provimento do apelo para liberar o bem penhorado, incluído no patrimônio conjugal. 3. Embargos de terceiros julgados procedentes. (TRF4 - APELAÇÃO CIVEL: AC 3942 RS 2006.71.07.003942-8) Em relação ao caso, discorre Fábio Ulhoa Coelho (1998, p. 371): “Pelo subprincípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem. Note-se que a abstração tem por pressuposto a circulação do título de crédito. Entre os sujeitos que participaram do negócio jurídico, o título não se considera desvinculado deste. (...) A abstração, então, somente se verifica se o título circula. Em outros termos, só quando é transferido para terceiros de boa-fé, opera-se o desligamento entre o documento cambial e a relação em que teve origem.” Consoante entendimento do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quanto a sua liquidez de que a nota promissória revestida de liquidez, certeza e exigibilidade, “EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA REVESTIDA DOS REQUISITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAUSA IMPEDITIVA, MODIFICATIVA OU EXTINTIVA DO DIREITO DO exequente. EMBARGOS REJEITADOS. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Estando demonstrada a existência do crédito, através da exibição de título líquido, certo e exigível, bem assim inexistindo prova de causa extintiva, modificativa ou impeditiva do direito da parte exequente, não há lugar para a acolhida dos embargos.” O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que a nota promissória “EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA REVESTIDA DOS REQUI- 6. Entendimento Jurisprudencial A nota promissória, perante a jurisprudência, tem tido vários entendimentos principalmente em relação a sua vinculação ao contrato consoante, sua liquidez, certeza e exigibilidade. Quanto à vinculação ao contrato, a justiça federal do Rio Grande do Sul entende que no sentido de que o título em execução é apenas o contrato de financiamento, na medida em que a nota promissória firmada opera na condição de garantia contratual, em que quando constatado que o título é vinculado ao contrato de mútuo, é imprestável como título executivo; e pela simples vinculação a contrato, não perde a liquidez, conforme ementa abaixo: “DIREITO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. TÍTULO DE CRÉDITO QUE INSTRUI A EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO FUNDADA EM CONTRATO BANCÁRIO. APLICABILIDADE DO CDC. FALTA DE CLAREZA DE CLÁUSULA CONTRATUAL RELATIVA À GARANTIA (SE AVAL OU FIANÇA). IMPUTABILIDADE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE REDIGIU O INSTRUMENTO.” 1. O título em execução é apenas o contrato de financiamento, na medida em que a nota promissória firmada operaria apenas como garantia contratual.Absolutamente vinculado o título de crédito ao contrato que lhe deu origem, não enseja ele execução por obrigação autônoma. 57 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 SITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAUSA IMPEDITIVA, MODIFICATIVA OU EXTINTIVA DO DIREITO DO exequente. EMBARGOS REJEITADOS. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Estando demonstrada a existência do crédito, através da exibição de título líquido, certo e exigível, bem assim inexistindo prova de causa extintiva, modificativa ou impeditiva do direito da parte exequente, não há lugar para a acolhida dos embargos.” Quanto à nota promissória emitida em branco, o TJRS entende que não importa em nulidade a emissão da nota promissória parcialmente preenchida ou em branco, pois decorre de mandato tácito e ficou comprovado que não houve preenchimento abusivo. Embargos à execução. pretensão DESCONSTITUTIVA. NOTA PROMISSÓRIA em branco. Súmula 387 STF. Não importa em nulidade a emissão de nota promissória parcialmente preenchida ou em branco, haja vista que seu preenchimento decorre de mandato tácito Não demonstrado que houve preenchimento abusivo. Ônus probatório incumbe a quem alega. Improcedência dos embargos à execução. em atividades comerciais. A partir do contexto geral abordado no presente artigo, pode-se frisar que por ser um título de crédito autônomo, pode ser cobrado por seu possuidor e tem suas características fundadas na cartularidade, autonomia e literalidade. Entende-se também que, para ser considerada como um documento válido, é necessário a correta denominação, a promessa de pagar quantia determinada, o nome do beneficiário, a data de emissão e a assinatura do emitente. Na ausência de qualquer uma destas condições, o documento não é inexistente, mas sim inválido e para tanto, não trata-se de nota promissória. Sabe-se que a nota promissória é sujeita ao aval e ao endosso. No endosso, havendo cláusula de não à ordem, não é passível de transferência a terceiro. O entendimento jurisprudencial hoje, com relação a sua vinculação ao contrato consoante sua liquidez, certeza e exigibilidade, esclarece que a simples vinculação ao contrato mútuo não exclui a sua liquidez. Ademais, por ser espécie de título de crédito, está regulada pelas mesmas normas disciplinadoras da Letra de Câmbio, ou seja, a Lei Uniforme de Genebra, introduzida em nossa legislação através do Decreto 57.633/66 subsidiado pelo Decreto 2.044/1908. Nesta lei, observa-se também o prazo para prescrição e a inexistência do aceite. O Código de Processo Civil também dispõe que se trata de título extrajudicial e que, por óbvio, a nota promissória dá o start para o início do processo de execução. A dívida prescrita relativa à nota promissória não pode ser cobrada através de ação cambial, porém, existe a possibilidade de se requerer através de ação ordinária. Diante do exposto, verifica-se a pertinência do tema, pois tal título ainda é uma solução sugestiva para determinadas relações comerciais, tendo em vista que as relações de consumo e comércio crescem progressivamente nos dias atuais. Apelo improvido A súmula 387 do Superior Tribunal Federal refere-se exatamente a esta questão da emissão da nota promissória em branco, cujo teor é o seguinte: “A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé, antes da cobrança ou do protesto.” No mais, entende-se que foi facultado ao portador preencher a nota promissória em branco posteriormente com os requisitos essenciais. 7. Considerações Finais O estudo acerca da nota promissória é de suma importância, tendo em vista que se trata de título bastante utilizado atualmente como promessa de pagamento, fruto de um vasto desenvolvimento histórico que iniciou Referências ALMEIDA, Amador Paes. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. 28. ed. 58 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 São Paulo: Saraiva, 2009. Disponível em: <http://academico.direito-rio.fgv.br/wiki/ Nota_Promiss%C3%B3ria> Acesso em: 17 jun. 2011. sória e os seus requisitos essenciais à luz da Lei Uniforme. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: <http://jus. uol.com.br/revista/texto/2846>. Acesso em: 29 maio 2011. ASCARELLI, Túlio. Direito Comercial. Mizuno. ROSA JR, Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2009. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Títulos de crédito. v. 2, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011 PEREIRA, Renato Alves. A nota promis- 59 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 60 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 A convergência da auditoria independente brasileira aos padrões internacionais de auditoria Cláudio Morais Machado1 Fernanda Pucurull2 Resumo: O presente estudo técnico tem o propósito de analisar a aplicação de padrões internacionais de auditoria aos serviços prestados por empresas brasileiras de auditoria externa independente. Para tanto são avaliadas as novas Normas Brasileiras de Contabilidade que estão alinhadas com as Normas Internacionais de Auditoria emitidas pela International Federation of Accountants – IFAC. Estas novas normas estabelecem a estrutura conceitual, critérios e procedimentos práticos da atividade de asseguração de informações contábeis. A padronização e transparência permitem aumentar a confiança dos investidores e membros da sociedade nas demonstrações contábeis das entidades, facilitando o fluxo dos negócios e o desenvolvimento econômico. Palavras-chave: Convergência. Normas de Contabilidade. Auditoria Independente. Asseguração. Relatórios. Demonstrações Contábeis. Abstract: The objective of this technical study is to analyse the application of international audit standards to the services supply from external Brazilian independent companies. To reach such objective, it was necessary to evaluate the new Brazilian Accounting standards that are in line with the International Standards on Auditing issued by the International Federation of Accountants – IFAC. These new norms establish the conceptual framework, the criteria and the procedures of practical activity assurance of accounting information. The standardization and transparency would increase the investor and other society member’s confidence in the statements of accounting entities. Such confidence is very important to improve the flow of business and economic development. Keywords: Convergence. Cccounting Standards. Independent Audit. Fastener. Reports. Financial Statements. vergência das normas brasileiras de contabilidade, incluso as de auditoria, aos padrões internacionais, por exigência dos mercados globais aos nacionais. Foi interrompido o marasmo decorrente da falta de embasamento legal para a necessária mudança e consequente evolução da contabilidade brasileira. A partir de então entraram em ação os fóruns estabelecidos pelas entidades contábeis e Introdução Em dezembro de 2007 foi promulgada a Lei 11.638, que modificou e aprimorou a Lei das Sociedades por Ações em seus capítulos que envolvem a chamada parte contábil desta que é a mais importante lei societária do País. Com estas novas disposições, há o respaldo legal e dado pontapé inicial e irreversível para o início do processo de harmonização e con- (1) Mestre em Ciências Empresariais (UFP/PT), Pós-graduado em Auditoria (FIPECAFI/USP) e Finanças (PPA/UFRGS), Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (2) Acadêmica do Curso de Ciências Contábeis da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] 61 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 pelos órgãos supervisores dos mercados brasileiros, dos quais salientamos os principais: • Comitê Gestor da Convergência no Brasil - CGC, composto pelo Conselho Federal de Contabilidade – CFC, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON, o Banco Central do Brasil – BCB e o Comissão de Valores Mobiliários – CVM, para cumprir o compromisso legalmente assumido de viabilizar o processo de convergência; e • Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, instituído e liderado pelo CFC e composto deste com o IBRACON e outras entidades representativas do meio acadêmico (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI-FEA/USP) e dos usuários da informação contábil (Associação Nacional dos Analistas e Profissionais de Investimento em Mercado de Capitais – APIMEC, Associação Brasileiras das Companhias de Capital Aberto - ABRASCA) e membros observadores convidados a CVM, o BCB, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e Secretaria da Receita Federal – SRF, voltado para a harmonização e convergência das Normas Brasileiras de Contabilidade aos IFRS: Normas Internacionais de Relatório Financeiro, emitidos pelo IASB – Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade. Naturalmente que o esforço inicial concentrou-se na parcela das novas normas de contabilidade harmonizadas aos padrões internacionais, os IFRS (Internacional Financial Repporting Standarts), necessárias ao cumprimento das novas disposições da lei societária brasileira em 2008, continuando o processo nos anos seguintes, a cargo do CPC. Em 2009 foram emitidas novas Resoluções do CFC, a partir de trabalho do CGC, a cargo do IBRACON, com o novo modelo de regulamentação para os serviços prestados pelos auditores independentes, convergida das Normas Internacionais de Auditoria da International Auditing end Assurance Standerd Board – IAASB da International Federation of Accountants – IFAC, constituído de 40 novas Normas Brasileiras de Contabilidade – NBCs, não mais restritas a auditoria das demonstrações contábeis, mas também aos demais serviços de asseguração e mesmo de outros serviços correlatos. Em 2010 e 2011, até o mês de abril, final do período considerado para este trabalho, foram aprovadas mais 5 (cinco) normas técnicas, 2 (duas) profissionais e três comunicados técnicos adaptando a emissão dos Relatórios do Auditor Independente às peculiaridades da legislação e práticas contábeis brasileiras. Este novo conjunto de normas de auditoria, ampliado para asseguração de informações contábeis e serviços correlatos é objeto de estudo realizado e deste artigo acadêmico. 1. A importância do Controle Interno e de Governança Corporativa para a Auditoria: 1.1 Introdução: inicialmente, cabe realçar a importância de estudo do Controle Interno e dos preceitos de Governança Corporativa para a evolução da auditoria nos mercados globalizados. O Controle Interno, conceituado em 1971 pelo AICPA (Instituto Americano de Contadores Públicos Certificados), como: “o controle interno compreende o plano de organização e o conjunto coordenado de métodos e medidas, adotados pela entidade, para proteger o seu patrimônio, verificar a exatidão e a fidedignidade de seus dados contábeis, promover a eficiência operacional e encorajar a adesão à política traçada pela administração.” Esta conceituação prevaleceu até 1992, quando o Comite of Sponsoring Organizations of the Tradway Commission, conhecido pela sigla “COSO”, formado pelas mais conceituadas entidades profissionais ligadas aos mercados financeiro e de capitais nos Estados Unidos da América, que substituiu, passou a emitir pronunciamentos que ampliaram substancialmente o foco contábil e de gestão empresarial do controle interno. Emitiram dois pronunciamentos que se notabilizaram como COSO I (Control Environment) e COSO II ou ERM (de Enterprice Risk Management – Integrade Framework), o pri62 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 meiro com foco contábil, por isto conhecido como COSO REPPORT e o segundo ampliando para o processo de gestão das entidades em especial no que tange aos riscos que o envolvem. O controle interno e a contabilidade passaram a ter também seu foco de forma proativa, além da tradicional visão reativa que os limitava. Ficou estabelecida a estrutura integrada de controle interno, composta de: (i) objetos de avaliação (as unidades administrativa/operacionais abrangidas); (ii) quatro (4) categorias de atividades e (iii) oito (8) elementos básicos. Notabilizou-se em uma figura tridimensional, o “cubo do COSO”, cujas dimensões compreendem as categorias de atividades de controle, os elementos ou componentes de controle e os objetos de avaliação, conforme Bergamini Junior (Revista do BNDES, V. 12, 2005): estratégia: categoria relacionada com os objetivos estratégicos da entidade, estabelecidos em seu planejamento, inclusive sobre os níveis de risco que a administração aceita assumir. - Eficiência e efetividade operacional (Operations: objetivos de desempenho ou estratégia): esta categoria está relacionada com os objetivos básicos da entidade, inclusive com os objetivos e metas de desempenho e de rentabilidade, bem como da segurança e qualidade dos ativos; - Confiança nos registros contábeis/ financeiros (Financial reporting: objetivos de informação): todas as transações devem ser registradas, todos os registros devem refletir transações reais, consignadas pelos valores e enquadramentos corretos; e - Conformidade com leis e normativos aplicáveis à entidade e a sua área de atuação.” Os oito (8) elementos inter-relacionados entre si e presentes em todo o controle interno: - Ambiente (interno) de Controle (Control Environment – COSO I): é a cultura de controle interno da entidade, onde somente é o controle efetivo, quando as pessoas conhecem as suas responsabilidades, os limites de autoridade e consciência, competência e o comprometimento de fazerem o que é certo de maneira correta. Envolve competência técnica e compromisso ético, onde a postura da alta administração, pelo exemplo, é fator determinante da criação deste valor; - Definição dos objetivos (COSO II): o ERM deve assegurar que a gerência dispõe de um processo implementado que lhe permita fixar os objetivos de forma alinhada à missão da empresa, sendo consistente com a propensão ao risco previamente definida. Devem existir antes da identificação dos eventos que possam afetar seu alcance; - Identificação dos eventos (COSO II): eventos internos e externos que afetam o cumprimento dos objetivos devem ser identificados e separados entre riscos e oportunidades, mapeados e canalizadas de volta para as estratégias gerenciais ou processos de definição de objetivos; - Avaliação de risco (COSO II): os Sistema de Estrutura Integrada - FONTE: COSO (Committe of Sponsoring Organization: apud Bergamini Junior, 2005). Dessa forma, segundo o COSO: “Controle interno é um processo desenvolvido para identificar eventos que possam afetar o desempenho da entidade, a fim de monitorar riscos e assegurar que estejam compatíveis com a propensão ao risco estabelecida, de forma a prover, com segurança razoável, o alcance dos objetivos, em especial nas seguintes categorias: - Estratégia (Strategyc) - objetivo de 63 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 riscos devem ser avaliados com base na probabilidade e no impacto e os resultados dessa avaliação devem orientar o seu gerenciamento; esses riscos devem ser avaliados como inerentes e residuais; - Respostas ao risco (COSO II): estabelecimento das regras de gerenciamento: aceitando, reduzindo, partilhando ou evitando os riscos e desenvolvendo ações para alinhar o seu gerenciamento à propensão de risco previamente explicitada; - Atividades de Controle (Control Activities – COSO I): são os procedimentos destinados à redução ou administração dos riscos (também tratados como procedimentos de controle interno). Podem ser de caráter preventivo ou detecção, ou de ambos, sendo os mais conhecidos: (i) Segregação de funções - Normatização interna - Alçadas de autoridade ou de responsabilidade (prevenção); (ii) Conciliações - Revisões de desempenho (detecção); e (iii) Segurança física e por sistemas informatizados (prevenção e detecção); - Informação e Comunicação (Information & Communication – COSO I): comunicação é o fluxo de informações dentro de uma entidade e a informação é o combustível que move as organizações e a sociedade; - O Monitoramento (Monitoring – COSO I): que é a avaliação dos controles internos ao longo do tempo, se efetivos ou não. Podem ser contínuos ou pontuais, envolvendo autoavaliações, revisões e auditoria (interna, independente, integral...). A estrutura e o processo de controle interno segundo o COSO passou a ser aceito e recomendada a sua adoção por praticamente todos os foros mundiais importantes. sociedade como um todo. A governança diz respeito a padrões de comportamento que conduzem à eficiência, ao crescimento e ao tratamento dado aos acionistas e outras partes interessadas, tendo por base princípios definidos pela ética aplicada à gestão de negócios.” Segundo Andrade e Rosseti, 3ª edição, 2010, Governança Corporativa, uma criação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE é vista, tanto para esta prestigiosa organização de origem europeia, como para o FMI, Banco Mundial e G 7, como uma sólida base para o crescimento econômico, integração global dos mercado e para o controle dos riscos dos investimentos nas empresas. A OCDE entende-a como um dos instrumentos determinantes do desenvolvimento sustentável, em suas três dimensões – a econômica, a ambiental e a social. Os Principais Valores ou Princípios da Governança Corporativa são: a) Transparência (Disclosure) b) Senso de Justiça, Equidade no Tratamento dos Sócios Minoritários (Fairness) c) Prestação de Contas (Accountability) d) Conformidade no cumprimento de Princípios e Regras (Compliance) a) Transparência (Disclosure): divulgação de informações completas nos relatórios financeiros e de tudo que seja relevante e mesmo que não seja caso de contabilização, mas que impactem os negócios e os resultados corporativos (off balance sheet), inclusive antecipado às DCs. b) Senso de Justiça, Equidade no Tratamento dos Sócios Minoritários (Fairness): • Mesmos direitos legais a todos os sócios, majoritários e minoritários. • O processo de remuneração dos Administradores deve ser aprovado pelo CA e, se por planos de stock options, a aprovação é pelos acionistas. • Vedações de favores indevidos e penalidades no caso de fraudes corporativas. c) Prestação de Contas (Accountability): responsabilidade direta dos principais executivos, diretores presidente e financeiro, na expressa divulgação de relatórios contendo que: 1.2 Governança Corporativa: possui diversas interpretações conceituais, sob diferentes óticas, das quais a referente a “Sistemas de Valores e Padrões de Comportamentos” é a que mais chama a atenção de todos: “Governança corporativa trata da justiça, da transparência e da responsabilidade das empresas, no trato de questões que envolvam os interesses do negócio e os da 64 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 • revisaram-nos e que não existem falsas declarações ou omissões relevantes; • as DCs revelam adequadamente a posição financeira, os resultados das operações e os fluxos de caixa; • os auditores independentes e o comitê de auditoria receberam todas as informações sobre deficiências, mudanças e mesmo de fraudes, se o caso; e • são adequados os controles internos existentes, dos quais são responsáveis diretos. d) Conformidade no cumprimento de Princípios e Regras (Compliance): adoção de um código de ética para a entidade, em especial para seus principais executivos, com inclusão obrigatória de regras para o conflito de interesse, divulgação de informações e cumprimento de leis e regulamentos. Embora Governança Corporativa seja uma criação da OCDE, uma organização europeia que após globalizou-se, um dos seus pontos altos, além da adoção pelos maiores fóruns econômicos mundiais, foi a sua inclusão quase plena na legislação norte-americana aprovada para fazer frente aos escândalos financeiros, pela conhecida “Lei Sarbanes-Oxley”. A Governança Corporativa entrou com muita força nos mercados brasileiros, a partir da criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e de regulamentações dos órgãos supervisores do mercado nacional, especialmente BCB e CVM, que passaram a fazer exigências de cumprimento de premissas de governança, ficando mais notabilizadas as regulamentações da BOVESPA, relativas mais especificamente ao mercado acionário, onde as empresas participantes passaram a ser enquadradas em níveis diferentes conforme as suas adesões à governança, chegando ao mais alto nível, denominado “NOVO MERCADO”, constituído das empresas que aderiram integralmente a todos os critérios de Governança Corporativa, com maior valorização de seus títulos e reconhecimento pelos investidores. As grandes empresas, mesmo as do setor público, passam a exigir “Certificação do Instituto de Governança Corporativa – IBGC” para os seus possíveis Conselheiros, tanto de Administração como Fiscal e membros do Comitê de Auditoria. Os padrões internacionais de contabilidade e auditoria não poderiam desconsiderar esta nova exigência dos mercados internacional e nacional e seus novos regulamentos estão integralmente influenciados pelos princípios de Governança Corporativa da OCDE e nova visão de controle interno baseada nos pronunciamentos do COSO 2. Auditoria: uma visão no tempo: A definição clássica de auditoria é a expressa por Arthur W.Holmes (considerado o Papa da Auditoria), em sua obra “Basic Auditing Principles”, by Richard D. Irwin, Inc, 1966, que ora é traduzida: “A auditoria é uma disciplina intelectual, baseada na lógica e que está dedicada ao estabelecimento de fatos, sendo as conclusões resultantes falsas ou verdadeiras.” A American Accounting Association (AAA), que é a entidade norte-americana que congrega os seus acadêmicos de Contabilidade, como consta em Boynton, Johnson e Kell, fls. 30, definiu auditoria de forma que teve grande aceitação, pela sua abrangência técnica e tem influenciado a emissão de normas de auditoria não só na Norte América, mas também as normas internacionais, agora adotadas no Brasil: “Auditoria é um processo sistemático, de obtenção e avaliação objetivas de evidências sobre afirmações a respeito de ações e eventos econômicos, para aquilatar o grau de correspondência entre as afirmações e critérios estabelecidos, e de comunicação dos resultados a usuários interessados.” Ainda citando Boynton, Johnson e Kell, fls. 30, faz-se os seguintes comentários acerca dos atributos desta definição marcante: - Processo sistemático: fixando ser um processo lógico, estruturado e organizado. - Obtenção e avaliação objetivas de evidências: significa exame criterioso de obtenção e avaliação das comprovações sobre o que é examinado. 65 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 - Afirmações a respeito de ações e eventos econômicos: representa o que é apresentado como informação, que é o objeto do exame, normalmente em demonstrações contábeis, relatórios, etc... - O grau de correspondência: significa o quanto as afirmações aderem aos critérios estabelecidos. - Critérios estabelecidos: são as disposições normativas pelas quais as afirmações são comparadas e julgadas. - Comunicação dos resultados: é a materialização da conclusão e opinião do auditor sobre o grau de correspondência entre as afirmações e as disposições normativas; e - Usuários interessados: são os indivíduos e entidades que utilizam os resultados da auditoria para tomarem suas decisões de caráter econômico. estruturadas segundo dispõe a Resolução 1.156/09 do CFC, que devem seguir os mesmos padrões de elaboração e estilo das normas internacionais. Compreendem o Código de Ética Profissional do Contador – CEPC, as Normas de Contabilidade, de Auditoria Independente e Asseguração, de Auditoria Interna e de Perícia. São também divididas em normas profissionais (NBC Ps) e técnicas (NBC Ts). As normas profissionais estabelecem preceitos de conduta profissional, em conformidade com o Código de Ética Profissional do Contador, e as normas técnicas são voltadas para o estabelecimento de conceitos técnicos doutrinários, de estrutura e com indicação de procedimentos técnicos a serem aplicados nas diferentes circunstâncias de trabalho em Contabilidade. Esta estrutura das Normas Brasileiras de Contabilidade, constante do quadro abaixo, é como apresentado por Longo (2011), com pequena adaptação: 3. Nova Estrutura das Normas Brasileiras de Contabilidade (e Auditoria): Segundo Longo (2011), as NBC estão (Longo, 2011, pág. 07) Assim, esta estrutura, como apresentada no quadro exposto, demonstrando as normas referidas, devidamente classificadas em normas profissionais e normas técnicas. bilidade relativas à Auditoria Independente, decorrentes do processo de convergência com as normas internacionais de auditoria da IFAC, tomaram daquelas, por tradução, a denominação de “Asseguração”, traduzida do termo em língua inglesa “assurance” que significa “dar segurança ou dar garantia”. O sentido é que os auditores independentes, organizados em firmas ou individualmente, de forma responsável, “asseguram” para usuários previstos que determinadas afirmações de responsáveis pela administração de entidades sobre determinados obje- 4. O novo conjunto de Normas Brasileiras de Contabilidade voltadas à Auditoria: As normas brasileiras relativas à auditoria independente anteriores eram um conjunto incompleto, muito singelo embora objetivo. Era incompleto por referir-se somente à auditoria de demonstrações contábeis. As novas Normas Brasileiras de Conta66 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 5. A organização do novo conjunto de Normas relativas à Auditoria e à Asseguração: Às Normas Brasileiras de Contabilidade relativas à Asseguração e Serviços Correlatos, seguem a organização das normas internacionais de auditoria da IFAC, as ISAS, e cada norma tem, normalmente, a seguinte estrutura: • INTRODUÇÃO - Alcance da norma específica - Esclarecimentos do alcance ou das características do que é tratado na norma - Objetivos gerais do auditor relativos ao alcance da norma - Definições de termos utilizados na norma • REQUISITOS de aplicação da norma • ANEXOS, ADENDOS E APÊNDICES à norma, relativos a esclarecimentos com orientações sobre a aplicação de alguns dispositivos da norma e exemplos de termos, cartas e relatórios, etc. As normas, baseadas em princípios e não em regras, são mais genéricas e abrangentes. Os esclarecimentos/orientações e exemplos que lhes são anexados e fazem parte da norma entram em detalhes quando adequado ao seu melhor entendimento, inclusive com exemplos completos de circunstâncias atinentes à contida na norma. Também contém modelos de termos e cartas entre o auditor e a administração e demais responsáveis pela governança da entidade responsável e/ou contratante da auditoria, desde a carta/contrato de aceitação do trabalho, como os meios de comunicação formais intermediários e de formação de evidências durante os trabalhos, até os de formação da opinião e relatório com a conclusão dos trabalhos de auditoria ou de revisão ou mesmo de asseguração diferente das anteriores. Estes subsídios das normas, em termos práticos, passam a ter uma “feição” de “regras”, mesmo que, em tese, sejam apenas auxiliares às normas consideradas. Como orientações e exemplos, não englobam ou exaurem todos os casos ou limitam a ação do auditor. Estes anexos são identificados pela letra A. As novas Normas Técnicas de Asseguração de Demonstrações Contábeis se orga- tos, examinadas com base em conjunto de critérios, aplicados sempre com o devido ceticismo profissional, basicamente se são adequadas ou não. Os objetos referidos podem ser constituídos na forma de demonstrações contábeis como também de outros tipos de itens como desempenho, controle e outros trabalhos, bem como considera a extensão e profundidade dos procedimentos técnicos de obtenção de evidências apropriadas e suficientes para que a conclusão possa ser de forma positiva ou não. Este gênero, “asseguração”, divide-se em três subconjuntos de normas técnicas: 1ª. Auditoria das Demonstrações Contábeis – NBC TAs: As Normas Técnicas de Auditoria (NBC TA), relativas à “asseguração razoável”, também referidas na norma como “auditoria das demonstrações contábeis”, cujos procedimentos técnicos para obtenção de evidência suficiente e apropriada, são mais extensos e aprofundados e que finaliza com conclusão na forma positiva; 2ª. Revisão das Demonstrações Contábeis – NBC TRs: As Normas Técnicas de Revisão (NBC TR), relativas à “asseguração limitada”, cujos procedimentos técnicos para obtenção de evidência suficiente e apropriadas são de inferior extensão e profundidade ao aplicado na auditoria e que finaliza com conclusão de forma negativa, Normalmente relativo a demonstrações contábeis intermediárias dentro do exercício social; 3ª. Outros Trabalhos de Asseguração – NBC TO: As Normas para Outros Trabalhos de Asseguração (NBCTO), que não sejam de auditoria ou de revisão das demonstrações contábeis. A Auditoria Independente também foi acrescida de Normas Técnicas para Serviços Correlatos – NBC TSC, referentes a Trabalhos de Execução de Procedimentos Acordados Referentes à Informação Contábil, que não sejam de asseguração, seja de auditoria ou de revisão, onde normalmente a parte responsável pela informação é a usuária interessada nos resultados. 67 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 nizam na sequência e numeração das NBCs, seguindo o modelo do IFAC, corresponde a sua ordem natural, do que é entendido como o pro- cesso de auditoria e revisão ou outros trabalhos de asseguração de informação contábil histórica, como se demonstra no quadro que segue: Segundo Longo, 2011, fl. 25: “O processo de auditoria é uma atividade contínua, não sendo possível dividi-lo em fases estanques, uma vez que existem algumas atividades que ocorrem de forma permanente ao longo de todo o trabalho de auditoria, como, por exemplo, o planejamento, que deve ser reavaliado cada vez que surge uma novidade relevante, um novo risco que não havia sido identificado, uma deficiência no controle ou uma distorção. A mesma forma com a comunicação com os responsáveis pelos órgãos de governança,... essa comunicação que começa na contratação e termina quando se encerra o trabalho de auditoria...”. Esta característica do processo de auditoria, como evidenciada por Longo (2011), realça que suas diferentes fases sejam sempre integradas e muitas vezes concomitantes, como apresentada em adaptação de fluxo apresentado pelo referido autor, como segue: 68 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 e médias firmas de auditoria (anexo 02) e as demais que substituem a anterior, sobre a Independência da firma e auditor independente. Em termos numéricos, o conjunto atual de normas profissionais alcança cerca de 200 folhas. b) Já as normas técnicas são inteiramente revogadas às anteriores, em número de 13 e emitidas 41 novas normas convergidas e 4 CT – instruções técnicas sobre elas. Este novo conjunto de normas, em termos quantitativos, alcança cerca de 1.800 folhas A4. Estas normas não mais se limitam à auditoria independente das demonstrações contábeis e contemplam um universo maior de serviços de asseguração prestados por auditores independentes e mesmo serviços correlatos, a saber: • 1 (uma) norma principal: Estrutura Conceitual para Trabalho de Asseguração, com a fundamentação teórica e conceitual dos trabalhos de asseguração; • 36 (trinta e seis) normas objetivas sobre a auditoria (asseguração razoável) de Demonstrações Contábeis; • 2 (duas) normas objetivas sobre a revisão (asseguração limitada) de demonstrações contábeis; • 1 (uma) norma teórica e objetiva sobre asseguração de informação contábil histórica que não auditoria ou revisão; • 1 (uma) norma teórica e objetiva sobre serviços correlatos prestados por auditor independente (que não de asseguração); e • 4 (quatro) Comunicados Técnicos sobre emissão de Relatórios do Auditor Independente em razão de exigências de Órgãos Supervisores (este número tende a ir aumentando conforme a necessidade). É mantido o foco contábil nas normas objetivas embora a Estrutura Conceitual deixe bem expresso que a asseguração é um processo correspondente a uma certificação que também é plenamente utilizável para outros fins como, por exemplo, a eficácia de um sistema de controles internos. 6. Comparação objetiva das normas convergidas vigentes e as anteriores: as normas convergidas e vigentes atualmente e as imediatamente anteriores podem ser buscadas diretamente no site do CFC, seguindo o caminho Vice-presidência Técnica - Normas. A simples comparação visual entre estas normas e o conhecimento do conjunto de normas anteriores compunha um volume de cerca de 250 folhas. O atual é de cerca de 2.000 folhas, já nos demonstrando que a comparação entre elas fica um tanto prejudicada, uma vez que não são uniformes. Todavia, a que se abstrair da falta de uniformidade e deixar claro alguns pontos objetivos que sobressaem na simples comparação entre estes dois conjuntos de normas, como segue: O Conjunto Anterior de Normas de Auditoria Independente: Em termos objetivos temos as seguintes observações sobre o conjunto anterior: As normas profissionais do auditor independente, que não se constituem no foco deste trabalho, eram em número de 10, com três normas principais, as relativas à Pessoa do Auditor Independente, com mais sete Instruções Técnicas sobre itens dela; a relativa à Educação Continuada e a relativa ao Exame de Qualificação técnica. Em termos quantitativos, estas normas resultavam em cerca de 70 folhas A4. a) As normas técnicas de auditoria independente, em número de 13, sendo uma única norma principal, limitada a “Auditoria das Demonstrações Contábeis” e 12 instruções técnicas sobre itens dela, somando cerca de 180 folhas A4. b) O Conjunto Atual de Normas de Auditoria Independente Em termos objetivos temos as seguintes observações sobre o conjunto atual de normas: a) As normas profissionais do auditor independente, que, repete-se, não se constituem no foco deste trabalho, são praticamente mantidas, somente uma substituída e acrescidas de três novas normas convergidas. A primeira sobre o Controle de Qualidade nas firmas de auditoria independente, inclusive com a emissão de um guia para pequenas 7. Pontos fundamentais do novo conjunto normativo da auditoria brasileira: Como se manifesta Cláudio Longo (Longo, 2011), este novo conjunto de normas se refere a um processo contínuo, que se in69 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 - relacionamento entre três partes: o auditor independente, a parte responsável (pelo objetivo, como as demonstrações contábeis) e os usuários previstos; - objeto apropriado: ou informação identificável, passível de mensuração baseada em critérios; - critérios adequados: pontos de referência, por exemplo, as NBCs ou os IFRS; - evidências apropriadas e suficientes: a base, a prova da opinião onde suficiência é a medida de quantidade e adequação de qualidade; e - relatório de asseguração escrito na forma apropriada. c) Trabalhos de Asseguração Razoável e de Asseguração Limitada São os dois tipos de trabalhos de asseguração permitidos ao auditor Independente: - De Asseguração Razoável, cuja extensão e profundidade dos procedimentos técnicos de auditoria aplicados são de forma que permita a obtenção de evidência de auditoria adequada e suficiente para o auditor dar sua opinião de forma positiva, por exemplo: “em nossa opinião, as demonstrações contábeis identificadas representam adequadamente a posição financeira e patrimonial e o desempenho...”; e - De Asseguração Limitada, da mesma forma que a anterior, mas a aplicação dos procedimentos de auditoria é em intensidade menor, obtendo o auditor evidência adequada e suficiente para expressar a sua opinião somente de forma negativa, por exemplo: “concluindo que não foram apurados casos que desmereçam as demonstrações contábeis apresentadas pela administração...”. d) Trabalhos de Asseguração de Demonstrações Contábeis permitidos ao Auditor: - De Auditoria, que é o Trabalho de Asseguração Razoável, que permita uma expressão positiva da conclusão do auditor; e - De Revisão, que é o Trabalho de Asseguração Limitada, que leva a uma forma negativa de expressão da conclusão do auditor. e) Princípios Éticos e Normas de Controle de Qualidade: Os auditores independentes subme- tegra e se entrelaça. Realce especial para quatro normas pela inovação e pelo impacto junto aos auditores independentes e usuários de auditoria independente: 1° - a da Estrutura Conceitual, por dar o embasamento teórico fundamental para a atividade; 2° - o do Controle de Qualidade para firmas de Auditores Independentes, por estabelecer um novo processo definido que empurra a atividade para a qualidade; 3° - a da Responsabilidade do auditor em relação à fraude, no contexto da auditoria das demonstrações contábeis, pela sempre atualidade do tema. 4° - a do novo Relatório do Auditor Independente, que substitui o anterior Parecer, definindo as responsabilidades das partes e apresentando maior transparência nas suas conclusões. 1ª - A Estrutura Conceitual para Trabalho de Asseguração Define e descreve os elementos e objetivos de um trabalho de asseguração, identifica os trabalhos aos quais são aplicadas as NBCs de auditoria – TA, de revisão – TR e de outros trabalhos de asseguração – TO e proporciona a orientação para os auditores independentes, usuários e outros envolvidos nestes trabalhos e dá as diretrizes básicas para todos os trabalhos de asseguração e para a emissão das demais normas. Esta Estrutura Conceitual define os pontos básicos para os Trabalhos de Asseguração os quais estarão presentes em todas as demais normas: a) Definição e objetivo do Trabalho de Asseguração “Trabalho de asseguração” significa um trabalho no qual o auditor independente expressa uma conclusão acerca do resultado da avaliação ou mensuração de determinado objeto, com base em evidências apropriadas e suficientes, de acordo com critérios aplicáveis, que lhe permitam embasar sua opinião, com finalidade de aumentar o grau de confiança de usuários previstos. b) Os Cinco (5) Elementos do Trabalho de asseguração: São eles: 70 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 tem-se às disposições do Código de Ética Profissional do Contabilista do CFC – CEPC e das demais normas profissionais. f) Condições para a Aceitação do Trabalho de Asseguração pelo Auditor O auditor somente pode aceitar um trabalho de asseguração quando possa cumprir com as exigências éticas e os requisitos de independência e competência profissional e o trabalho exigido pelas normas. g) Ceticismo profissional O auditor planeja e executa o trabalho de asseguração com atitude de ceticismo profissional, reconhecendo que podem existir circunstâncias que façam com que a informação sobre o objeto contenha distorções relevantes. h) Materialidade A materialidade é sempre importante, em especial quando o auditor determina a natureza, a época e a extensão dos procedimentos de obtenção de evidência e se a informação sobre o objeto está isenta de distorção, quando compreende e avalia quais fatores podem influenciar as decisões dos usuários previstos. i) Risco do Trabalho de Asseguração O risco do trabalho de asseguração é o risco de que o auditor expresse uma conclusão inapropriada caso a informação sobre o objeto contenha distorções relevantes. Em geral, o risco do trabalho de asseguração pode ser representado por: - o risco da informação sobre o objeto, que consiste em risco inerente que é a suscetibilidade da informação sobre o objeto a uma distorção relevante, pressupondo que não haja controles relacionados; e risco de controle que é o risco de que uma distorção relevante possa ocorrer e não ser evitada, ou detectada e corrigida, em tempo hábil por controles internos relacionados, mas que sempre existirá em decorrência das limitações inerentes ao desenho e operacionalidade; e - risco de detecção é o risco de não detectar uma distorção relevante existente. j) Natureza, época e extensão dos procedimentos de obtenção de evidência A natureza, época e a extensão dos procedimentos de obtenção de evidência são possíveis infinitas variações nos procedimentos de obtenção de evidência. Estas variações são difíceis de comunicar de forma clara e sem ambiguidade, mas cabe ao auditor tentar comunicá-las de forma clara e utilizar a forma apropriada ao trabalho realizado. k) Relatório de Asseguração O auditor apresenta relatório contendo uma conclusão que expresse a segurança obtida acerca da informação sobre o objeto. A conclusão positiva ou sem modificações do auditor pode ser redigida: - em termos da afirmação da parte responsável (por exemplo: “Em nossa opinião, a afirmação da parte responsável de que os controles internos são eficazes, em todos os aspectos relevantes, de acordo com os critérios XYZ, é adequada”); ou - diretamente em termos do objeto e dos critérios (por exemplo, “Em nossa opinião, os controles internos são eficazes, em todos os aspectos relevantes, de acordo com os critérios XYZ”). O auditor expressa uma conclusão com modificações para trabalho de asseguração quando existirem as circunstâncias que, no seu julgamento, o efeito seja ou possa ser relevante: - exista limitação no alcance do trabalho. O auditor independente expressa uma conclusão com ressalva ou uma abstenção de conclusão, se muito relevante ou disseminada seja a limitação (no segundo caso, tão relevante que não seja adequado apenas a ressalva). - os casos de conclusão com ressalva ou adversa, dependendo de quão relevante ou disseminada seja a distorção relevante que a conclusão do auditor esteja considerando. 2ª - Controle de Qualidade da Auditoria de Demonstrações Contábeis a) Sistema de controle de qualidade, objetivo e função da equipe de trabalho O sistema de controle de qualidade é de responsabilidade da firma de auditoria que tem por obrigação o estabelecer e manter para obter segurança razoável que a firma e seu pessoal cumprem com as normas profissionais e técnicas e as exigências legais e regulatórias aplicáveis e os relatórios emitidos pela firma ou pelos sócios do trabalho são apropriados nas circunstâncias. b) O sistema de controle de qualida71 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 de da firma consiste, por exemplo: - competência do pessoal por meio do seu recrutamento e treinamento formal; - independência por meio da acumulação e comunicação de informações relevantes; - manutenção de relacionamentos com clientes por meio de sistemas de aceitação e continuidade; - aderência aos requisitos legais e regulatórios aplicáveis por meio de monitoramento. c) Revisão de controle de qualidade do trabalho é um processo estabelecido para fornecer uma avaliação objetiva, na data do relatório ou anterior, dos julgamentos relevantes feitos pela equipe de trabalho e das conclusões atingidas ao elaborar o relatório, aplicável a auditoria de DCs de companhias abertas e de outros trabalhos de auditoria para os quais a firma de auditoria independente determinou a necessidade de revisão de controle de qualidade do trabalho. 3ª - Responsabilidade do auditor em relação à Fraude, no contexto da auditoria das demonstrações contábeis: a) Responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude: A principal responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude é dos responsáveis pela sua administração e sua governança. b) Responsabilidade do auditor em detectar fraudes ou erros: É inevitável o risco de que distorções relevantes podem não ser detectadas, apesar de a auditoria ser devidamente planejada e realizada de acordo com as normas de auditoria. Temos: • O risco de não ser detectada uma distorção relevante decorrente de fraude é mais alto do que o risco decorrente de erro, porque a fraude pode envolver esquemas sofisticados e cuidadosamente organizados, destinados a ocultá-la, (falsificação, omissão deliberada, falsas informações ao auditor e, se em conluio, pode levar o auditor a acreditar que a evidência é persuasiva, quando, na verdade, é falsa). • Também influi fatores como a habilidade do perpetrador, a frequência e a extensão da manipulação, o grau de conluio, a dimensão relativa dos valores individuais manipulados e a posição dos indivíduos envolvidos. É difícil para o auditor determinar se as distorções em áreas de julgamento como estimativas contábeis foram causadas por fraude ou erro. • O risco do auditor não detectar uma distorção relevante decorrente de fraude da administração é maior do que no caso de fraude cometida por empregados. c) Objetivo do Auditor Independente quanto à fraude (a) identificar e avaliar os riscos de distorção relevante nas demonstrações contábeis decorrente de fraude; (b) obter evidências de auditoria suficientes e apropriadas sobre os riscos identificados de distorção relevante decorrente de fraude, por meio da definição e implantação de respostas apropriadas; e (c) responder adequadamente face à fraude ou à suspeita de fraudes identificada. d) Respostas globais aos riscos avaliados de distorção relevante decorrente de fraude Ao determinar respostas globais para enfrentar os riscos, o auditor deve: (a) alocar e supervisionar o pessoal, levando em conta o conhecimento, a aptidão e a capacidade dos indivíduos que assumirão; (b) avaliar se a seleção e a aplicação de políticas contábeis pela entidade, em especial as relacionadas com medições subjetivas e transações complexas, podem ser indicadores de informação financeira fraudulenta decorrente de tentativa da administração de manipular os resultados; e (c) incorporar elemento de imprevisibilidade na seleção da natureza, época e extensão dos procedimentos de auditoria. 4ª - Relatório do Auditor Independente a) O Relatório do Auditor Independente das Demonstrações Contábeis emitido pelo auditor é a nova denominação do anterior Parecer do Auditor Independente das Demonstrações Contábeis, que foi ampliado para melhor definir as responsabilidades tanto do próprio auditor como também da Entidade responsável pela informação, como também tornar mais claro para o usuário a opinião do auditor nele contida. b) Relatório do Auditor Independen72 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 te com opinião favorável (sem modificações): este relatório, quando de opinião favorável, passa a ter a seguinte forma ou estrutura: c) Exemplo de Relatório do Auditor Independente com opinião favorável (sem modificações) sobre auditoria de conjunto completo de demonstrações contábeis elaboradas para fins gerais pela administração da auditada, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil, como apresentado na norma. pelos auditores e que a auditoria seja planejada e executada com o objetivo de obter segurança razoável de que as demonstrações contábeis estão livres de distorção relevante. Uma auditoria envolve a execução de procedimentos selecionados para obtenção de evidência a respeito dos valores e divulgações apresentados nas demonstrações contábeis. Os procedimentos selecionados dependem do julgamento do auditor, incluindo a avaliação dos riscos de distorção relevante nas demonstrações contábeis, independentemente se causada por fraude ou erro. Nessa avaliação de riscos, o auditor considera os controles internos relevantes para a elaboração e adequada apresentação das demonstrações contábeis da Companhia para planejar os procedimentos de auditoria que são apropriados nas circunstâncias, mas não para fins de expressar uma opinião (*5) sobre a eficácia desses controles internos da Companhia. Uma auditoria inclui, também, a avaliação da adequação das práticas contábeis utilizadas e a razoabilidade das estimativas contábeis feitas pela administração, bem como a avaliação da apresentação das demonstrações contábeis tomadas em conjunto. Acreditamos que a evidência de auditoria obtida é suficiente e apropriada para fundamentar nossa opinião. Opinião Em nossa opinião, as demonstrações contábeis acima referidas apresentam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira da Entidade ABC em 31 de dezembro de 20X1, o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para o exercício findo naque- RELATÓRIO DO AUDITOR INDEPENDENTE SOBRE AS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS Destinatário apropriado Examinamos as demonstrações contábeis da Companhia ABC, que compreendem o balanço patrimonial em 31 de dezembro de 20X1 e as respectivas demonstrações do resultado, das mutações do patrimônio líquido e dos fluxos de caixa para o exercício findo naquela data, assim como o resumo das principais práticas contábeis e demais notas explicativas. Responsabilidade da administração sobre as demonstrações contábeis A administração da Companhia é responsável pela elaboração e adequada apresentação dessas demonstrações contábeis de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil e pelos controles internos que ela determinou como necessários para permitir a elaboração de demonstrações contábeis livres de distorção relevante, independentemente se causada por fraude ou erro. Responsabilidade dos auditores independentes Nossa responsabilidade é a de expressar uma opinião sobre essas demonstrações contábeis com base em nossa auditoria, conduzida de acordo com as normas brasileiras e internacionais de auditoria. Essas normas requerem o cumprimento de exigências éticas 73 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 la data, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil. Local, data do relatório, nome, registro no CRC e assinatura do auditor independente. uma opinião quando não consegue obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para suportar sua opinião e ele conclui que os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as DCs, poderiam ser relevantes e generalizadas. Também deve abster-se de expressar uma opinião quando, em circunstâncias extremamente raras envolvendo diversas incertezas, o auditor conclui que, independentemente de ter obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente sobre cada uma das incertezas, não é possível expressar uma opinião sobre as DCs devido à possível interação das incertezas e seu possível efeito cumulativo sobre essas DCs.” f) A decisão sobre que tipo de opinião modificada é apropriada depende da: natureza do assunto que deu origem à modificação, ou seja, se as DCs apresentam distorção relevante ou, no caso de impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente, podem apresentar distorção relevante; e opinião do auditor sobre a disseminação dos efeitos ou possíveis efeitos do assunto sobre as DCs. Generalizado é o termo usado, no contexto de distorções, para quantificar os efeitos disseminados de distorções sobre as DCs ou os possíveis efeitos de distorções sobre as DCs que não são detectados, se houver, devido à impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente. Efeitos generalizados sobre as DCs são aqueles que, no julgamento do auditor: - não estão restritos aos elementos, contas ou itens específicos das DCs; - se restritos, representam ou poderiam representar uma parcela substancial das DCs; - em relação às divulgações, são fundamentais para o entendimento dos usuários. g) Tabela prática sobre os tipos de opinião do Auditor: A NBC TA 705 apresenta tabela a seguir, que demonstra como a opinião do auditor sobre a natureza do assunto que gerou a modificação, e a disseminação de forma generalizada dos seus efeitos ou possíveis efeitos sobre as demonstrações contábeis, afeta o tipo de opinião a ser expressa. d) Relatórios do Auditor Independente com opinião modificada As normas traçam critérios para a formação da opinião e emissão do relatório do Auditor Independente e consideram, além do relatório favorável já demonstrado, também os com modificações na opinião do auditor. O relatório do auditor independente deve ser por escrito, e deve o auditor expressar uma opinião não modificada quando concluir que as DCs são elaboradas, em todos os aspectos relevantes, de acordo com a estrutura de relatório financeiro aplicável. Mas deve modificar a opinião no seu relatório de auditoria se: - concluir, com base em evidência de auditoria obtida, que as DCs tomadas em conjunto apresentam distorções relevantes; ou - não conseguir obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para concluir se as DCs tomadas em conjunto não apresentam distorções relevantes. e) Os tipos de opinião modificada, segundo o texto da norma NBC TA 705. “Opinião com ressalva O auditor deve expressar uma opinião com ressalva quando: (a) tendo obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente, conclui que as distorções, individualmente ou em conjunto, são relevantes, mas não generalizadas nas DCs; ou (b) não consegue obter evidência apropriada e suficiente de auditoria para suportar sua opinião, mas ele conclui que os possíveis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as DCs poderiam ser relevantes, mas não generalizados. Opinião adversa O auditor deve expressar uma opinião adversa quando, tendo obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente, conclui que as distorções, individualmente ou em conjunto, são relevantes e generalizadas para as DCs. Abstenção de opinião O auditor deve abster-se de expressar 74 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 h) Exemplos de Relatórios do Auditor Independente com Opinião Modificada: O Relatório do Auditor Independente com opinião modificada deve conter um parágrafo que forneça a descrição do assunto que deu origem à modificação, o qual deve estar colocado imediatamente antes do parágrafo da opinião, utilizando o título “Base para opinião com ressalva, ou adversa ou para abstenção de opinião”. São exemplos da NBC TA 705 dos dois parágrafos finais do relatório com opinião modificado das normas: “1º - Relatório do Auditor Independente com Opinião com Ressalva: Base para opinião com ressalva Os estoques da Companhia estão apresentados no balanço patrimonial por $ xxx. A administração não avaliou os estoques pelo menor valor entre o custo e o valor líquido de realização, mas somente pelo custo, o que representa um desvio em relação às práticas contábeis adotadas no Brasil. Os registros da Companhia indicam que se a administração tivesse avaliado os estoques pelo menor valor entre o custo e o valor líquido de realização, teria sido necessário uma provisão de $ xxx para reduzir os estoques ao valor líquido de realização. Consequentemente, o lucro líquido e o patrimônio líquido teriam sido reduzidos em $ xxx e $ xxx, respectivamente, após os efeitos tributários. Opinião com ressalva Em nossa opinião, exceto pelos efeitos do assunto descrito no parágrafo Base para opinião com ressalva, as demonstrações contábeis acima referidas apresentam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira da Companhia ABC em 31 de dezembro de 20X1, o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para o exercício findo naquela data, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil. 2º - Relatório do Auditor Independente com Opinião Adversa: Base para opinião adversa Conforme explicado na Nota X, a Companhia não consolidou as demonstrações contábeis da controlada XYZ, que foi adquirida durante 20X1, devido não ter sido possível determinar os valores justos de certos ativos e passivos relevantes dessa controlada na data da aquisição. Esse investimento, portanto, está contabilizado com base no custo. De acordo com as normas internacionais de relatório financeiro, a controlada deveria ter sido consolidada. Se a controlada XYZ tivesse sido consolidada, muitos elementos nas demonstrações contábeis teriam sido afetados de forma relevante. Os efeitos da não consolidação sobre as demonstrações contábeis não foram determinados. Opinião adversa Em nossa opinião, devido à importância do assunto discutido no parágrafo Base para opinião adversa, as demonstrações contábeis consolidadas não apresentam adequadamente a posição patrimonial e financeira consolidada da Companhia ABC e suas controladas em 31 de dezembro de 20X1, o desempenho consolidado das suas operações e os fluxos de caixa consolidados para o 75 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 exercício findo em 31 de dezembro de 20X1 de acordo com as normas internacionais de relatório financeiro. “Chamamos a atenção para a Nota X às demonstrações contábeis, que descreve a incerteza relacionada com o resultado da ação judicial movida contra a Companhia pela Empresa XYZ. Nossa opinião não contém ressalva relacionada a esse assunto.” 3º - Relatório do Auditor Independente com Abstenção da Opinião: Base para abstenção de opinião O investimento da empresa no empreendimento XYZ (localizado no País X e cujo controle é mantido de forma compartilhada) está registrado por $ xxx no balanço patrimonial da Companhia ABC, que representa mais de 90% do seu patrimônio líquido em 31 de dezembro de 20X1. Não nos foi permitido o acesso à administração e aos auditores da XYZ, incluindo a documentação de auditoria do auditor da XYZ. Consequentemente, não nos foi possível determinar se havia necessidade de ajustes em relação à participação proporcional da Companhia nos ativos da XYZ, que ela controla em conjunto, assim como sua participação proporcional nos passivos da XYZ pelos quais ela é responsável em conjunto, e sua participação proporcional nas receitas, despesas e nos elementos componentes das demonstrações das mutações do patrimônio líquido e dos fluxos de caixa do exercício findo naquela data. Abstenção de opinião Devido à relevância do assunto descrito no parágrafo Base para abstenção de opinião, não nos foi possível obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para fundamentar nossa opinião de auditoria. Consequentemente, não expressamos uma opinião sobre as demonstrações contábeis acima referidas.” i) Os Parágrafos de Ênfase e de Outros Assuntos no Relatório do Auditor Independente: Quando necessário relevante chamar a atenção dos usuários sobre assuntos relevantes contidos nas DCs para o seu melhor entendimento ou mesmo de assuntos não apresentados ou divulgados, o auditor acrescenta após o parágrafo de sua opinião, sob os títulos parágrafo de ênfase e de outros assuntos, respectivamente, para fazer a comunicação adicional de forma clara no seu relatório. É exemplos de Parágrafo de Ênfase apresentado na norma: j) Outros parágrafos específicos: As normas e comunicados técnicos apresentam diversas questões especiais que envolvem relatórios específicos, ou com a inclusão de informes ou de parágrafos específicos no relatório do auditor independente como, por exemplo, os casos que seguem: - de auditorias de DCs elaboradas de acordo com estruturas conceituais de Contabilidade para propósitos especiais; - de auditorias de quadros isolados das DCs e de elementos, contas ou itens específicos das DCs; - de Demonstrações Contábeis Condensadas; - o Relatório de Revisão dos Auditores Independentes. k) Casos específicos nos Relatórios do Auditor Independente de 31.12.2010 no Brasil: Foram emitidos Comunicados Técnicos 02, 07, 08 e 09 pelo CFC originados no IBRACON, para atender a exigências específicas da legislação societária e de regulamentação dos Órgãos Supervisores de Mercados no Brasil, especificamente BCB e SUSEP. 9. Conclusão: O exame deste processo de convergência das Normas Brasileiras de Contabilidade relativas à auditoria independente para os padrões internacionais, as Normas Internacionais de Auditoria e Asseguração emitidas pela IFAC (International Federation of Accountants), as melhores práticas internacionais em matéria regulatória da espécie é matéria muito ampla. Ressalta aos sentidos dos pesquisadores que ocorreu uma substituição de um conjunto de normas específico a um tipo de asseguração, conhecido como auditoria das demonstrações contábeis, pequeno, prático e muito objetivo, mas incompleto, por outro muito mais amplo, com base teórica, mas também prático e objetivo e bem mais completo. 76 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 O foco atual são os trabalhos de prestação de serviços de asseguração prestados por firmas de auditoria independente e não só a auditoria de demonstrações contábeis, incluindo também a revisão de demonstrações contábeis; outros trabalhos de asseguração e mesmo serviços correlatos que não de asseguração de informação contábil. Caracterizam-se por apresentar os critérios a serem observados pelos auditores nos seus trabalhos, mantendo o foco que se trata de princípios a serem seguidos nas atuações dos profissionais que mantêm a sua capacidade de julgamento para decidir. Todavia, além das normas ou princípios propriamente ditos, estas normas trazem, anexas a elas, uma série de orientações e exemplos, que facilitam substancialmente a aplicação dos princípios enfocados nas normas. Em termos de comparação das normas técnicas, somente se pode fazer alguma comparação naquilo que for atinente à auditoria das demonstrações contábeis, onde fica claro que o processo agora apresentado nas novas normas convergidas é praticamente completo, enquanto que o conjunto anterior de normas era incompleto, embora prático e objetivo. A lamentar é que este processo, pela urgência de tempo, foi pela tradução literal de normas e isto trouxe elevado prejuízo ao seu entendimento. Salta aos olhos a necessidade de que estas normas sejam reescritas na língua portuguesa falada e escrita no Brasil, muito mais rica e que facilitará o seu entendimento. Cabe ressaltar que até o término deste trabalho acadêmico, somente uma obra foi editada e disponibilizada aos profissionais e acadêmicos: Manual de Auditoria e Revisão de Demonstrações Financeiras, de autoria de Cláudio Gonçalo Longo, da FIPECAFI, pela Editora Atlas, SP, 2011. Salienta-se ainda que a referida obra, de excelente qualidade, restringe-se à auditoria e revisão das demonstrações contábeis, não abrangendo os demais trabalhos de asseguração e por serviços correlatos. Os pontos deste conjunto que foram realçados são a norma relativa à Estrutura Conceitual para Trabalho de Asseguração, que nos dá o referencial teórico que abrange, além da asseguração de informações contábeis, também sobre outros pontos de importância para a auditoria independente, de forma indireta ou mesmo direta, como a eficácia de controles internos e de gerenciamento de riscos como objeto em si de asseguração; a norma sobre o controle de qualidade: a norma sobre a responsabilidade do auditor quanto à fraude e as normas sobre o novo Relatório do Auditor Independente que substitui o anterior Parecer do Auditor Independente, bem mais transparente e compreensível, onde constam inúmeros exemplos para os mais diversos casos possíveis de ocorrência na atividade profissional. Assim, sob o ponto de vista acadêmico, é matéria nova e muito ampla para estar integralmente absorvida tanto pelos docentes como pelos discentes, devendo, pela sua complexidade e volume, bem como a exigência de profissionais preparados para atender o mercado crescente e demandante deste tipo de atividade, transformar-se em uma alternativa de especialização a ser muito procurada. Referências ATTIE, William. Auditoria, Conceitos e Aplicações. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. BERGAMINI JUNIOR, Sebastião. Controles Internos como um Instrumento de Governança Corporativa, Revista do BNDES, V. 12, N. 24. pág.149-188, dez.2005. BOYNTON, JOHNSON e KELL. William C., Raymond N. e Walter G. Auditoria. Tradução de José Evaristo dos Santos, São Paulo: Atlas, 2002. IBRACON/IASCF, Instituto dos Auditores Independentes do Brasil e Internacional Accounting Standards Commmitee Foundation. Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRSs). SP. 2008. IFAC - International Federation of Accoutants. Normas Internacionais de Auditoria. Ibracon. SP. 2007. 77 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 IUDÍCIBUS, MARTINS, GELBKE e SANTOS, Sérgio, Eliseu, Ernesto Rubens e Ariovaldo. Manual de Contabilidade Societária, Fipecafi. São Paulo: Atlas, 2010. Sites - Conselho Federal de Contabilidade: www.cfc.org.br - Conselho Regional de Contabilidade do RGS: www.crcrs.org.br - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil: www.ibracon.com.br LONGO, Claudio Gonçalo. Manual de Auditoria e Revisão de Demonstrações Financeiras. Fipecafi. São Paulo: Atlas, 2011. 78 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Diferenciação ou necessidade na Certificação ISO 9001: uma análise em duas empresas agroindustriais Alexandre de Melo Abicht1 Alessandra Carla Ceolin2 Augusto Ormazabal de Faria Corrêa Paulo3 Rodrigo Ramos Xavier Pereira4 Tania Nunes da Silva5 Resumo: O presente estudo de caso foi realizado em duas organizações agroindustriais, a AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda. e a Tecno Moageira S/A, tratando-se de um estudo de caso de natureza exploratória e descritiva, que objetivou analisar os motivos pelos quais essas organizações implementaram a certificação ISO 9001, em torno da seguinte problemática: qual o real interesse da certificação ISO 9001 nestas empresas agroindustriais? Para este artigo, a revisão da literatura abordou temas como certificação, diferenciação e competitividade, exigências legais e de mercado. Após a análise e interpretação dos dados obtidos na revisão da literatura e visitas de campo, foram delimitados os motivos que levaram à implementação da certificação ISO 9001 por essas organizações, mostrando as suas dificuldades, adaptações e benefícios que a certificação lhes proporcionou. Por fim, o estudo demonstrou que a certificação ISO 9001 não é apenas uma diferenciação de mercado mas, acima de tudo, uma necessidade vital para a sobrevivência dessas organizações, sendo que para obter êxito na sua implementação é necessário o envolvimento de todas as pessoas que as compõem. Palavras-chave: Certificação ISO. Agronegócios. Agroindústria. Qualidade. Abstract: The present case study was carried out in two organizations agroindustries, to AGCO of Brazil Commerce and Ltd Industry. and to Tecno Moageira S/TO, treating of a case study of descriptive and exploratory nature, that planned to analyze the motives by the which those organizations implemented the certification ISO 9001, around the following problematic one: Which the real interest of the certification ISO 9001 in these companies agroindustries? For this article, the revision of the literature approached subjects as certification, differentiation and competitiveness, lawful demands and of market. After analysis and interpretation of the facts obtained in the revision of the literature and visits of field, were delimited the motives that caused to the implementation of the certification ISO 9001 by those organizations, showing his difficulties, adaptations and benefits that the certification provided them. Finally, the study showed that the certification ISO 9001 is not barely a differentiation of market, but above all, a vital need for the survival of those organizations, being that for obtain success in her implementation is necessary the involvement of all the persons that compose them. Key-words: Certification ISO. Agribusiness. Agroindustry. Quality. (1) Administrador e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Professor do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e da UNISC – [email protected] (2) Analista de Sistemas e Pós-doutoranda em Agronegócios – CEPAN/UFRGS (CEPAN-UFRGS) – [email protected] (3) Advogado e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS (CEPAN-UFRGS) – [email protected] (4) Médico Veterinário e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Professor da UFPI (UFPI) - [email protected] (5) Socióloga e Doutora em Administração. Professora do PPGA-UFRGS – [email protected] 79 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Para UNIVAP (2007), a ISO é reconhecida e respeitada internacionalmente. Caso a organização possua a certificação, seus clientes terão a tranquilidade de que os produtos da empresa possuem nível de qualidade superior, o que lhe confere vantagem mercadológica. A certificação ISO 9001 demonstra que o sistema de qualidade da empresa encontra-se estruturado, conforme os padrões internacionais, ou seja, as atividades relativas à fabricação de um produto, ou realização de um serviço, submeteram-se a um rigoroso controle de qualidade, mesmo que as características do produto ou serviço não atendam o que os clientes esperam. É, também, neste contexto, que as organizações brasileiras buscam desenvolver suas competências. Um exemplo disto acontece nas organizações agroindustriais, como a AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda. e a Tecno Moageira S/A, ambas certificadas com a norma de qualidade ISO 9001. Através de uma análise exploratória e descritiva, esse artigo objetiva verificar se as organizações AGCO e Tecno Moageira implementaram a certificação ISO 9001 como uma ferramenta de diferenciação, ou se o fizeram apenas por se tratar de uma necessidade imposta pelo mercado, principalmente o internacional. Ainda, este artigo tem como objetivos específicos expor o panorama da certificação ISO 9001, avaliando sua aplicabilidade nas empresas, além de contribuir com informações e experiências para que novas organizações também possam obter essa certificação. Além desta primeira seção, a introdução, o presente artigo é composto por mais 4 (quatro) seções. Na segunda, realiza-se uma revisão da literatura sobre as certificações, em especial a ISO 9001 e seu ambiente de aplicação nas organizações, seguido por diferenciação de mercado e competitividade, exigências legais e mercadológicas. Na terceira seção está descrito o método utilizado para construção desse artigo. Na quarta seção, apresenta-se a análise e interpretação de dados, bem como os resultados obtidos. Por fim, são tecidas algumas considerações 1. Introdução Ao longo do tempo, a evolução da economia mundial vem inserindo uma série de desafios aos setores produtivos de diversas áreas. O acirramento da concorrência mundial, num mercado globalizado, cada vez mais aberto, afeta diretamente as indústrias, inclusive as agroindústrias, incluindo seus produtos e serviços. Assim, a adoção de uma norma de qualidade pode ser entendida como um diferencial, uma estratégia, uma vantagem competitiva ou simplesmente uma necessidade de mercado para a sobrevivência das organizações ou a expansão dessas. Uma das normas mais conhecidas e reconhecidas mundialmente é a ISO 9001. Perante a Internacional Organization for Standardization (ISO), aproximadamente 157 (cento e cinquenta e sete) países estão nela representados, por intermédio de associações nacionais de normalização técnica e de qualidade (ISO, 2007). O Brasil é representado através da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma não é destinada a um produto ou a uma indústria específica, objetivando orientar a adoção de sistemas de qualidade. Segundo ABNT (2007), a implantação de um sistema de gestão da qualidade representa a obtenção de uma importante ferramenta, que possibilita a otimização de diversos processos dentro da organização e evidencia, também, a preocupação com a melhoria contínua dos produtos e serviços fornecidos. É disseminado que as empresas optam pela ISO porque vislumbram inúmeras possibilidades para reduzir seus custos internos, além de satisfazer as exigências dos clientes por ser um diferencial de marketing e uma grande ferramenta gerencial. Certificar o sistema de gestão da qualidade garante uma série de benefícios à organização, como ganho de visibilidade frente ao mercado e a possibilidade de exportação para mercados mais exigentes, ou ainda, o fornecimento para clientes que objetivam comprovar a capacidade de manutenção das características dos seus produtos e serviços. 80 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 finais e apresentadas as referências que fundamentam o desenvolvimento deste estudo. apresentados pelo comprador ao fornecedor; • normas formadoras de um sistema da qualidade, onde deverão ser constituídas por um sistema próprio, sendo assim, efetuada a sua padronização e também possuindo a exigência da execução, tendo o objeto direto, não sendo constituído do produto em si; • a manutenção do sistema exige a realização de auditorias internas, necessitando uma comprovação registrada. Genericamente, a certificação ISO exige das empresas que demonstrem a sua capacidade para atender às exigências de seus clientes. No mundo inteiro, há um elevado número de órgãos de certificação do sistema da qualidade, sendo denominados como as “organizações certificadoras da ISO”. Estes órgãos são responsáveis pela auditoria do sistema de qualidade da empresa, recomendando-o para registro após aprovação. Drummond (1998) considera que a organização necessita ter capacidade para obter base nas provas satisfatórias de padrões de qualidade com o intuito de haver clareza nos: sistemas, procedimentos e métodos; sistemas de comunicação; atribuição das responsabilidades; documentação dos sistemas procedimentos; controle de documentação e procedimentos para a implementação; treinamento nas aptidões do trabalho e do gerenciamento da qualidade. O processo de implementação da certificação, muitas vezes, pode tornar-se moroso, podendo levar cerca de 2 (dois) anos para sua adaptação. Este tempo poderá ser mais longo devido à necessidade de uma mudança cultural em algumas organizações. Durante a certificação, a organização é submetida às diversas auditorias onde se verificam vários aspectos, tais como: levantamentos na organização, padronização dos procedimentos e a elaboração de manuais; ocorrência de auditorias internas e correções dos problemas apontados por ela. Por fim, ocorre a certificação baseada em diversas pré-auditorias e a auditoria final. Ressalta-se, também, que mesmo após a certificação devem ser realizadas periodicamente diversas auditorias, onde é verifica- 2. Revisão da Literatura Nesta seção é apresentada a revisão da literatura acerca do tema certificação para se analisar a importância da implementação ISO no contexto de empresas agroindustriais. 2.1. Certificação Nesta seção são apresentados alguns aspectos a respeito do histórico da certificação, em especial da ISO 9001 e de suas aplicações nas empresas. 2.1.1. Histórico da Certificação O final da década de 1980 foi marcado por diversas mudanças políticas e econômicas, principalmente em relação à abertura dos mercados. Novas organizações de origem estrangeira, com elevado avanço tecnológico, ingressaram no Brasil. Também, esta abertura proporcionou às empresas brasileiras exportarem seus produtos, sendo que para isso ocorrer, foi necessário que as conformidades de qualidade desses seguissem uma certificação internacional. Segundo ISO (2007), no início da década de 1990, a certificação ISO surgiu no Brasil como uma revolução em termos de qualidade. Pertencente a uma organização não governamental europeia, a International Organization for Standardization, sediada em Genebra, na Suíça, a ISO possui a missão de aprimorar o desempenho da normalização e das atividades relacionadas no mundo inteiro, com objetivo de facilitar a troca internacional de bens e serviços, e o desenvolvimento da cooperação nas esferas intelectual, científica e tecnológica. O termo ISO possui origem grega, sendo oriundo da palavra “igual”, devido a sua ideia de uniformidade, padrões corretos de qualidade, também tendo como objetivo a sua pronúncia idêntica em três línguas diferentes, o inglês, o francês e o russo. Umeda (1996) conceitua ISO sob três aspectos, considerando como normas organizadas: • resultados dos requisitos de qualidade 81 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 do se todos os processos estão em conformidade. Caso contrário, a certificadora poderá suspender, ou até mesmo cassar a certificação da organização aditada. controle de equipamentos de inspeção, medição e ensaios; situação de inspeção e ensaios; controle de produto não conforme; ação corretiva e ação preventiva; manuseio, armazenamento, embalagem, preservação e entrega; controle de registros de qualidade; auditorias internas da qualidade; treinamento; serviços associados; e, finalmente, técnicas estatísticas. 2.1.2. Certificação ABNT NBR ISO 9001: 2000 A série 9000 da certificação ISO surgiu em 1987, com a finalidade básica de criar padrões para práticas de qualidade, formando uma cultura de melhoria contínua em uma organização. O estabelecimento das normas constrói práticas para uma empresa atender plenamente os requisitos de qualidade do cliente. A ISO 9000 é considerada um roteiro para a seleção e o uso das demais normas desta série. A ABNT NBR ISO 9001: 2000 (ISO 9001) tem como base a qualidade, como um modelo para garantia desta no projeto, desenvolvimento, fabricação, montagem e assistência técnica. A versão atual do padrão ISO 9001 apresenta uma imensa melhoria sobre as versões anteriores. O foco agora está no controle gerencial dos processos, para que estes processos atendam às expectativas dos clientes (BVQI, 2007). A norma ISO 9001 se diferencia da ISO 9002 e 9003 devido a sua abrangência e complexidade maior. Baéz (1993, p. 195) comenta a diferenciação da 9001 com as demais, que a “abrangência das ações de administração da qualidade, que pode ser maior ou menor; as ações de controle de qualidade não são mencionadas, por supor-se especificadas em normas técnicas de produtos ou requisitos do cliente e por serem independentes da seletividade do sistema da qualidade empregado”. Esta normalização deve ser aplicada nas organizações que precisam garantir todos os fatores de sua produção, iniciando pelo projeto e finalizando na assistência técnica. Os 20 (vinte) requisitos da norma 9001, conforme ISO (2007), são: responsabilidade da administração; sistema de qualidade; análise crítica de contrato; controle de projeto; controle de documentos e dados; aquisição; controle de produto fornecido pelo cliente; identificação e rastreabilidade do produto; controle do processo; inspeção e ensaios; 2.1.3. Aplicação nas Organizações Por um longo período, antes das privatizações e da internacionalização dos mercados, a indústria metal mecânica, principalmente as que fabricavam seus produtos sob encomenda, tinham no governo seu principal cliente. Como a demanda era garantida, não houve por parte das empresas uma grande preocupação em melhorar a eficiência de seus processos produtivos, desenvolvimento de novas tecnologias e incremento em sua capacidade gerencial. A partir dos anos 1990, no início do governo Collor, foi editada a Medida Provisória (MP) 158, que associava a política industrial aos objetivos estratégicos do governo de elevação do salário real de forma sustentada e de promoção de maior abertura e desregulamentação da economia, promovendo uma ruptura da política industrial vigente nas décadas anteriores, ao deslocar seu eixo central de preocupação da expansão da capacidade produtiva para a questão da competitividade (GUIMARÃES, 1996). Com esta abertura para a competição mundial, a indústria brasileira começou a passar por um processo de reestruturação. Neste processo de reestruturação, as empresas buscaram se destacar e diferenciar de suas concorrentes. Nos últimos anos, os conceitos de gerenciamento com qualidade têm sido adotados por um número crescente de empresas, tanto de pequeno como médio e grande porte, aumentando a pressão por melhorias constantes destas empresas e de suas concorrentes. Usualmente, a exigência da certificação ISO se justifica de várias formas, tais como: melhor imagem junto aos clientes, tanto nacionais como internacionais; mais facilidade 82 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 da empresa gerenciar seu processo produtivo e administrativo, desenvolvimento de novas tecnologias; maior envolvimento de seus colaboradores nos resultados da empresa e maior comprometimento da empresa no que se refere a aspectos de questões ambientais entre outros. Bido (1999) observou que há ganhos concretos para a empresa certificada por ISO 9000 e que estes ganhos estão principalmente ligados à padronização nos processos, com uma tendência de melhoria contínua dos mesmos. De acordo com Roth (1998), a implementação do certificado ISO 9000 traz impactos e mudanças para as empresas que o adotam, e os benefícios auferidos superam as adversidades advindas com a certificação. Pode-se observar, também, que a técnica é um bom instrumento para adequação às exigências dos clientes e a pressão da concorrência. Segundo Amorin, Ramos e Gonzalez (2006), o sistema ISO 9000 contribui fortemente na satisfação do cliente em relação à qualidade, à disponibilidade e marca dos produtos e serviços ofertados. Já na opinião dos gerentes, as variáveis mais significativas são a cultura organizacional, utilização dos ativos da empresa e retorno sobre o capital empregado. cesso, com enfoque em especificações e tolerâncias, com o objetivo principal de reduzir custos. Ainda para Garvin (1992), a empresa pode tirar proveito dessas visões múltiplas, uma vez que cada definição de qualidade isoladamente possui falhas de amplitude, ou pontos cegos, e as empresas devem utilizar esta multidisciplinaridade para obter vantagem competitiva e diferenciais de mercado. Uma das exigências para as empresas deve ser o aumento da capacidade para competir. Qualquer organização, independentemente da sua área de especialização, deve construir e manter o lastro de credibilidade perante os mercados, nacional e internacional, com o oferecimento de produtos reconhecidamente de qualidade (requisitos de saída compatíveis com os de entrada) e exigência no cumprimento de contratos. Pode-se afirmar que o aumento da capacidade para competir corresponde à expansão da credibilidade da organização junto ao mercado. Lobato (2002, p. 82) afirma que “vivemos numa era de rápidas transformações e a competitividade se tornou a marca registrada nos últimos anos”. Assim, é necessário conhecer, sentir e acompanhar a dinâmica das transformações para se obter e se sustentar vantagem contínua sobre os concorrentes. De acordo com Porter (1998), as empresas, para obterem vantagem competitiva, podem focar um determinado nicho de mercado, serem líderes de custo, ou diferenciar seus produtos, sendo que uma das formas de diferenciação é a busca pela qualidade total, que tem como uma de suas ferramentas principais a certificação ISO 9001. Segundo o Diretor da Certificação de Produtos do BVQI1, Walter Laudísio, a cada novo ano, a demanda por produtos certificados vem crescendo, principalmente para aquelas empresas que pretendem exportar seus produtos. Uma observação importante é que quanto mais empresas adquirem certificações, 2.2. Diferenciação de Mercado e Competitividade Conforme Bido (1999), para se atingir as metas de qualidade e de redução de custos de produção, além de investir em tecnologia, é necessário que as empresas adotem a qualidade como estratégia de longo prazo. Para Garvin (1992), a coexistência de várias abordagens relacionadas ao conceito de qualidade permite entender os posicionamentos, muitas vezes conflitantes do pessoal de marketing, engenharia e produção, ou seja: • Marketing - com visão no cliente, tem como qualidade superior o melhor desempenho, características reforçadas e outros aperfeiçoamentos que aumentam os custos. • Engenharia e Produção - visão no pro- BVQI significa Bureau Veritas Quality International. A partir de 1º de janeiro de 2007, possui novo nome comercial “Bureau Veritas Certification”. Os certificados que foram emitidos anterior a esta data, que ainda estão ativos, continuarão válidos. 1 83 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 mais aumenta a pressão sobre as empresas que não as possuem. Dessa forma, voluntária2 ou compulsória3, as empresas estão buscando a certificação ISO 9001 por questão de competitividade, de diferencial de mercado ou por exigências de seus clientes e fornecedores. Com isso, a qualidade gerada pela certificação assumiu um importante papel, tornando-se uma ferramenta estratégica para as organizações que buscam um diferencial competitivo, por meio da demonstração da capacidade de gestão eficaz sobre os dados gerados, através da implementação de novos conceitos e princípios, e uma pró-atividade na tomada de decisões gerenciais objetivas e diferenciadas. Segundo BVQI (2007), do ponto de vista de competitividade e diferencial de mercado, pode-se afirmar que a aplicação da ISO 9001 resulta em uma maior habilidade para revisar, desafiar e mudar opiniões e decisões, com maior capacidade de identificar oportunidades de melhorias, dirigi-las e priorizá-las. Também, gerando respostas mais flexíveis e rápidas às oportunidades oferecidas pelo mercado, bem como: oportunidades internas advindas de um monitoramento estruturado de produtos e processos; maior integração e adaptação dos processos que melhor contribuem para a obtenção dos resultados desejados. plementação de um sistema de gestão da qualidade, peça fundamental para garantir o atendimento a todos os requisitos existentes e aos novos que surgem a todo o momento. Para Politec (2004) possuir certificação ISO 9001 tem sido uma obrigação posta às organizações para inscrição e participação em licitações. A entidade que representa o Brasil perante os comitês-membro da ISO é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), instituição de utilidade pública, de acordo com a Lei Federal 4.150, de 21 de novembro de 1962. A demanda por um modelo de gestão da qualidade levou as organizações a buscarem na certificação ISO 9001 a forma mais prática de se organizar e enfrentar seus desafios. Conforme INMETRO (2005), no caminho para a certificação, as organizações necessitam dos mais diversos serviços, destacando-se: serviços de treinamento, serviços de consultoria e serviços de certificação. As empresas necessitam certificar seus produtos por dois fatores principais: o primeiro é devido à avaliação de conformidade de seus produtos, que pode ser compulsória ou voluntária; o segundo fator está relacionado a barreiras técnicas comerciais4. Neste cenário, a avaliação da conformidade torna-se uma importante estratégia para assegurar ao mercado a qualidade dos bens e serviços oferecidos. Para as organizações que buscam implantar sistemas de gestão da qualidade e obter, posteriormente, a certificação ISO 9001, a adequada seleção, bem como a precisa definição da abrangência dos trabalhos a serem desenvolvidos, é a forma mais eficaz para se alcançar os objetivos pretendidos (INMETRO, 2005). Desse modo, a fim de que as empresas possam atender as exigências impostas pelo mercado, dentre alguns requisitos solicita- 2.3. Exigências de Mercado e Exigências Governamentais (Legais) O mercado globalizado, cada vez mais competitivo, tem exigido esforços constantes das organizações, estimulando-as a desenvolver estratégias mais sofisticadas para obter melhoria contínua e, assim, sobreviver à real necessidade de mudança dos clientes e/ ou à presença dos concorrentes. Além do mercado, a presença mais efetiva dos órgãos reguladores torna a im- A Avaliação de Conformidade Compulsória é obrigatória para a comercialização do produto no mercado brasileiro a partir de instrumentos legais emitidos por um organismo regulador do Governo, com o propósito de preservar a integridade do consumidor em aspectos que dizem respeito à sua saúde, segurança e ao meio ambiente (BVQI, 2007) 3 A outra modalidade de avaliação da conformidade é a voluntária, que ocorre quando um fabricante ou prestador de serviço tem como objetivo agregar valor a sua marca (BVQI, 2007). 4 Em 1986 estabeleceu-se no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) um acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT). Como uma consequência da globalização e o fortalecimento da OMC, as barreiras tarifárias vêm sendo continuamente reduzidas mundialmente e, consequentemente, o comércio entre os países é cada vez mais regulado por meio de barreiras técnicas comerciais. Um aspecto muito importante do TBT é induzir os membros da OMC a utilizarem normas internacionais como base para seus regulamentos técnicos (BVQI, 2007). 2 84 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 dos, há a necessidade de que elas adotem a ISO 9001, a qual primeiramente proporciona abertura de mercados (nacional e internacional) e, também, a capacitação para participar em concorrências e licitações. Nesse último caso, com raríssimas exceções, o contexto é definido por organizações certificadas ISO 9001. Logo, perder a certificação significa perder a capacidade para competir. A ISO 9001 foi desenvolvida como um conjunto coerente de “normas de sistema de gestão da qualidade, as quais foram projetadas para se complementarem mutuamente”. Além do comprometimento da alta administração, o sistema de gestão da qualidade, com requisitos definidos na ISO 9001, estabelece que “a organização deve continuamente melhorar a eficácia do sistema de gestão da qualidade por meio do uso da política da qualidade, objetivos da qualidade, resultados de auditorias, análise de dados, ações corretivas e análise crítica pela direção” (POLITEC, 2004). área pesquisada, visitas a web sites etc. Por conseguinte, Cervo e Bervian (2002) consideram que, para a realização dos estudos exploratórios, não há necessidade de que existam hipóteses para serem testadas, possuindo foco somente na definição dos seus objetivos e buscando informações além do assunto que está sendo estudado. Conforme Gil (1999), a pesquisa descritiva busca primordialmente descrever as características de determinada população ou fenômeno e estabelecer possíveis relações entre variáveis. Para esse autor, algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre as variáveis, pretendendo determinar a natureza desta relação. Nesse caso, há uma pesquisa descritiva aproximando-se da explicativa. Por outro lado, também de acordo com Gil (1999), há pesquisas que, embora definidas como descritivas, a partir de seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das exploratórias. Após esta primeira aproximação (pesquisa exploratória), o interesse é descrever um fato ou fenômeno. Por isso a pesquisa descritiva é um levantamento das características conhecidas, componentes do fato/fenômeno/problema. É normalmente feita na forma de levantamentos ou observações sistemáticas do fato/fenômeno/problema escolhido (SANTOS, 2000). Inclui-se, no grupo de pesquisa descritiva, as pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes e crenças de uma população a respeito de uma determinada situação, auxiliando na definição de sua natureza. Não tem compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base pata tal explicação. Uma pesquisa descritiva envolve técnicas padronizadas de coletas de dados, como questionários e observação sistemática. Segundo Santos (2000), a coleta de dados significa juntar informações necessárias ao desenvolvimento dos raciocínios previstos nos objetivos. Gil (1999) aponta que uma forma de coleta de dados pode ser através da realização de entrevistas. Para esse autor, a entrevista é uma forma de interação 3. Método Esse artigo caracteriza-se por ser um estudo de caso de natureza exploratória e descritiva, onde são analisadas duas organizações do setor agroindustrial em torno do tema certificação ISO 9001. Para Santos (2000), um estudo de caso é a seleção de um objeto de pesquisa restrito, com o objetivo de aprofundar os aspectos característicos desse, cujo objeto pode ser qualquer fato ou fenômeno individual, ou um de seus aspectos. Yin (2001) pondera, também, que um estudo de caso é uma investigação empírica acerca de um fenômeno contemporâneo dentro do contexto de realidade. E, Gil (1999) afirma que um estudo de caso pode ser utilizado tanto em pesquisas exploratórias quanto descritivas e explicativas. A pesquisa exploratória tem como principal objetivo, prover a compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador (MALHOTRA, 2001). Ainda, conforme Santos (2000), a pesquisa exploratória é quase sempre feita como levantamento bibliográfico, entrevistas com profissionais que estudam ou atuam na 85 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 4.1. AGCO A AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda. (AGCO) é uma organização multinacional que fabrica e distribui equipamentos agrícolas para o mundo inteiro, que iniciou suas atividades em 1990 e no Brasil, na cidade de Canoas, em 1996. É disposta de um pensamento inovador, possuindo um conglomerado de marcas, e tem como sua marca principal a Massey Ferguson. Possui mais de 3.600 (três mil e seiscentas) concessionárias inseridas em mais de 140 (cento e quarenta) países, que efetuam a comercialização de seus produtos. Conforme AGCO (2007), a missão da companhia é: “crescimento sustentável através do atendimento ao cliente, inovação, qualidade e comprometimento superiores”, consolidando, assim, sua constante preocupação com o aperfeiçoamento da qualidade. A AGCO foi a primeira empresa de máquinas agrícolas a obter a certificação do seu sistema de qualidade na norma ISO 9001:1994, no ano de 1994. Mantendo sua postura de pioneirismo na área de certificações, a AGCO foi certificada na ISO 9001:2000, em 2003, reformulando seus processos de gestão, tornando-se mais eficiente e reforçando seu foco no cliente (AGCO, 2007). Este certificado foi emitido pela BVQI para as plantas físicas de Canoas e Santa Rosa, ambas no estado do Rio Grande do Sul, com validade até 21 de outubro de 2008. social, um diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. Para atingir o objetivo geral desse artigo, que é verificar a razão pela qual as organizações AGCO e Tecno Moageira implementaram a certificação ISO 9001, seguiu-se as etapas descritas a seguir. Inicialmente, o presente trabalho consiste ser um estudo de caso de natureza exploratória em torno do tema certificação, abordando temas como diferenciação e competitividade, exigências de mercado e governamentais, bem como a certificação propriamente dita, especialmente a ISO 9001. Após essa etapa, realizaram-se visitas de campo em duas organizações do setor agroindustrial, a fim de realizar coleta de dados através de entrevistas. Essas entrevistas foram estruturadas com 10 (dez) questões abertas aplicadas através de um questionário às pessoas das áreas gerenciais das organizações estudadas. As visitas ocorreram no dia 31 de março de 2007. A primeira delas foi à AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda., apresentada pelos Srs. Nadir Spironel, consultor com mais de 20 (vinte) anos de serviços prestados à empresa, e Eduardo Souza Filho, gerente de marketing dessa organização. A segunda organização visitada foi a Tecno Moageira S/A, a qual foi apresentada pelo Sr. Edmundo Neves Jr., um dos diretores da organização. Outra forma de coleta de dados utilizada na realização da pesquisa foi através da visita aos web sites das organizações e materiais adicionais de apoio, fornecido pelas organizações estudadas. Por último, efetuou-se a análise e interpretação das informações obtidas de modo a obter os resultados que serviram para a construção e fechamento desse artigo, incluindo indicações para trabalhos futuros. 4.2. Tecno Moageira A Tecno Moageira S/A iniciou suas atividades em 1966. É uma empresa de cunho familiar, tendo como objetivo principal a produção de máquinas e equipamentos para moinhos e silos de cereais. Entretanto, atua como fornecedora de equipamentos para movimentação e preparo de granéis sólidos em geral: cimento, minérios, cereais, farelos e outros mais. Durante anos, esta organização atuou exclusivamente no mercado nacional, porém há alguns anos iniciou a sua expansão ao mercado internacional. Para atender principalmente as exigências internacionais, a Tecno Moageira implementou um setor de 4. Visita de Campo Nesta seção são apresentadas informações sobre as empresas AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda e Tecno Moageira S/A. 86 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 eletroeletrônico, atuando nas áreas de distribuição de energia elétrica, além de controle, supervisão e automatização industrial. Para a TECNO (2007), sua missão é a de “fornecer soluções mecatrônicas de baixo impacto ambiental e com valor superior percebido, para movimentação e preparo de granéis sólidos”. A organização é regida pela política de qualidade: “atender às necessidades e expectativas de nossos clientes, colaboradores, acionistas e comunidade, através de inovações e melhoria contínua de nossos processos, produtos e serviços.” A Tecno Moageira foi certificada na ISO 9001 em 15 de janeiro de 2007 pela certificadora DQS do Brasil Ltda., sendo a homologação realizada pela The International Certification Network (IQN). A organização pretende consolidar esta norma, antes de buscar novas certificações. nização ainda não se sinta tão exigida no que diz respeito à certificação, demonstra bastante interesse nos benefícios que essa têm trazido, principalmente no que tange a facilidade de verificação dos métodos nos seus processos produtivos. No curto prazo, essa organização não almeja implementar novas normas ISO, mas está motivada à consolidação desta, antes de buscar novas certificações. O segundo ponto analisado foi verificar como ocorreu o processo de implementação das normas de certificação ISO 9001 nas duas organizações. No caso da Tecno Moageira, houve uma reestruturação prévia dos processos internos de produção, uma vez que a maioria dos seus colaboradores detinha larga experiência nas atividades desenvolvidas e sentia-se motivada a cooperar em benefício da implementação da ISO. Em vista disso, a organização sentiu-se segura a dar início ao processo de certificação, o qual foi conquistado em janeiro de 2007. Com o intuito de consolidar esta certificação, todos os processos encontram-se disponíveis aos colaboradores através de material impresso exposto nas instalações físicas da organização. Ao que se refere à AGCO, a certificação ISO 9001 foi uma inovação previamente apresentada a seus colaboradores, através de palestras motivacionais, de reuniões de trabalho, da realização de cursos com compensação de carga horária, além do uso de ferramentas como intranet para divulgação do projeto e motivação de seus colaboradores, com o objetivo de reduzir o impacto da implementação de uma norma de qualidade, a qual altera os principais processos das empresas, além da cultura e do clima organizacional. Outra metodologia utilizada foi através da inserção de multiplicadores5 nas equipes de trabalho e da verificação periódica de resultados, com o intuito de minimizar a resistência à mudança evitando a rejeição e conquistando a cooperação dos colaboradores. Outro ponto analisado, o terceiro, diz respeito ao método de escolha de fornecedores 5. Análise e Interpretação das Informações O primeiro ponto observado foi verificar a real necessidade de obtenção de certificação ISO 9001 e se essa estaria acompanhada de outras certificações. Ambas as organizações afirmaram que a adequação às normas de certificação originou-se das exigências de mercado, principalmente do internacional, a fim de garantir processos de produção mais adequados à exportação e conquista de novos mercados. A AGCO possui uma série de certificações, inclusive outras normas ISO. Essa organização foi pioneira em seu setor e aproveitou-se do fechamento de uma de suas fábricas na Inglaterra, que teve parte de seus equipamentos e sua produção transferidos para a planta de canoas, para reorganizar-se e instituir a ISO 9001, em 1994. Como estratégia de aprimoramento contínuo, a AGCO entende que a certificação é de suma importância, uma vez que pretende manter e conquistar novas certificações. Já para a Tecno Moageira, a conquista da ISO 9001 é mais recente. Embora a orga- Multiplicadores são colaboradores das organizações que realizam cursos e que têm experiência e conhecimento acerca de um determinado tema e que são escolhidos para repassarem este conhecimento aos demais colegas da organização. 5 87 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 e parceiros. Nesse, observou-se um consenso entre as duas organizações em optar por empresas certificadas e, apesar de não ser uma exigência formal, esse fator é relevante na seleção de novos fornecedores. Porém, o fato do mercado apresentar um número limitado dessas empresas reduz a possibilidade de abastecer-se apenas de produtos oriundos de fornecedores com certificação. Em continuidade, o quarto ponto analisou os efeitos positivos percebidos em decorrência da implementação da ISO. Constatou-se em ambas as organizações, segundo os colaboradores entrevistados, que a implementação da ISO 9001 proporcionou inúmeros benefícios, quais sejam, maior qualidade e confiança percebidas pelos clientes em seus produtos e, em consequência disso, maior satisfação e fidelidade dos mesmos; produção mais focada na demanda, o que garantiu redução de estoques e melhor customização, conforme o perfil de seus consumidores. Os entrevistados relataram, ainda, que houve melhorias consideráveis no processo produtivo, principalmente no que diz respeito à comunicação e no controle do sistema, diminuição no desperdício de materiais na produção e aproveitamento inadequado dos recursos humanos e, por fim, um aperfeiçoamento no pós-venda através do sistema de rastreabilidade de peças e produtos. O quinto e último ponto analisado procurou resgatar a experiência das organizações pesquisadas no que diz respeito à necessidade e tramitação do processo de certificação ISO 9001, como referencial às outras organizações que almejam obter esse tipo de certificação. Nesse sentido, foi reportado por essas organizações que é fundamental obter algum tipo de certificação, que a ISO 9001 tem se mostrado muito mais uma necessidade que um diferencial competitivo, pois para se inserir, se manter e buscar novos mercados, esta certificação é cada vez mais exigida, principalmente para a organização que deseja exportar. Os entrevistados também recomendaram às empresas, que pretendem obter a ISO 9001, a necessidade de um bom plane- jamento, pois o processo é bastante complexo e não permite margens para erros ou amadorismos, buscando apoio junto a seus colaboradores, envolvendo-os, motivando-os e apresentando os resultados conquistados. 6. Considerações finais Ao final da elaboração deste trabalho, pôde-se fazer algumas considerações a respeito dos principais objetivos e vantagens da certificação ISO 9001. Na análise dos resultados desse artigo, observou-se que a certificação ISO 9001 tem atingido de forma considerável sua finalidade proposta. Isso foi comprovado pelo referencial teórico, onde se verificou que vários textos corroboram com a ideia de que a certificação ISO 9001 traz retornos positivos para as organizações. Essa constatação ocorreu, também, por meio de entrevistas e visitas técnicas. Observou-se que a adoção da ISO 9001 não é encarada somente como um diferencial de mercado, mas também, como um item fundamental para a sobrevivência das organizações e conquista de novos mercados. Com relação ao projeto de implementação da certificação ISO 9001 por parte da AGCO e Tecno Moageira, constatou-se a preocupação em envolver seus colaboradores. Isso não é um elemento totalmente novo, uma vez que a literatura menciona que a área de recursos humanos é uma das mais importantes no ambiente organizacional. Contudo, cabe ressaltar a extrema importância de dispor de pessoas motivadas que se sintam parte importante do processo. Foi o que se observou em ambas as organizações. Para ter sucesso na implementação da ISO 9001, certamente são necessárias pessoas experientes, bem instruídas e informadas, identificadas com a organização e, principalmente, motivadas em buscar novos espaços e conquistas. Outra análise interessante refere-se ao fato das organizações pesquisadas não exigirem, ou ao menos, incentivarem, com mais afinco, que seus fornecedores possuam certificação ISO 9001. Desse modo, entende-se que uma empresa operando com processos de montagem pode ter a qualidade de seu pro88 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 duto final comprometida, uma vez que alguns desses fornecedores não são certificados. No mesmo sentindo, e de acordo com a revisão literária anteriormente citada, observou-se que quanto mais empresas obtiverem certificações de qualidade ISO, mais aumentará a pressão sobre aquelas que não as possuírem. Somando-se a isso, os entrevistados afirmaram que a certificação ISO será um requisito fundamental para aquelas organizações que pretendam fazer parte do mercado global e que, futuramente, seus parceiros e fornecedores também deveriam adequar-se às normas de qualidade. Na presente pesquisa utilizou-se, principalmente, as percepções dos entrevistados das organizações analisadas quanto aos resultados e benefícios da implementação ISO 9001. Não há novidade no que se refere ao mercado externo em relação às exigências dos clientes internacionais quanto à certificação ISO 9001. No entanto, é necessário verificar junto aos clientes do mercado nacional, tanto pessoas físicas como jurídicas, quais as impressões sobre esta certificação, qual seu entendimento sobre o assunto e até que ponto considera-se parâmetro fundamental, para a decisão de adquirir equipamentos produzidos por estas empresas. Esta é uma das sugestões para futuros trabalhos. Outra sugestão destina-se às organizações que desejam implementar a ISO 9001. Deve-se elaborar um planejamento para certificação bastante minucioso, envolvendo seus colaboradores desde o início do processo, que esteja contemplado na estratégia geral dessas organizações. Poucos foram os trabalhos encontrados que avaliam os benefícios ou impactos produzidos pela certificação em empresas agroindustriais. Este é um tema que ainda pode ser muito explorado, tanto na visão dos clientes – pessoas físicas ou jurídicas –, nacionais ou internacionais, como na visão de seus gestores. AGCO, AGCO DO BRASIL COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. Disponível em: <http://www. agco.com.br/>. Acesso em: 10 de abr. 2007. AMORIN, C. G.; RAMOS, R. E. B.; GONZALES, M. O. A. A contribuição do ISO 9000 para o desempenho estratégico: um estudo de empresas brasileiras do setor químico. Revista Gestão Industrial, Paraná: Universidade Tecnológica Federal do Paraná, vol 2. n. 4, p 26-37., 2006. BÁEZ, V. E.; SANCHES, A.; LOURO, M.; MITTELDORF, M. ISO Série 9000: autoavaliação. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1993. BIDO, Diógenes de Souza. Implementação de Sistemas de Qualidade para a busca de certificação em pequenas e médias empresas do ramo automotivo. Dissertação de Mestrado. 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O controle de qualidade do manancial (Lago Guaíba) foi realizado a montante da ETA José Loureiro da Silva (JLS), projetada pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) no município de Porto Alegre, RS; o mesmo se justifica por vários motivos, entre eles destacam-se a caracterização da bacia hidrográfica e o controle dos níveis de toxidez que venham a afetar a população ou os seres aquáticos. O objetivo deste artigo é mostrar que os parâmetros de qualidade físicos, químicos e microbiológicos do manancial estudados podem ser avaliados de forma inter-relacionada; além de servir para verificação de suas condições sanitárias na década passada. Dessa forma pode-se verificar se o Lago Guaíba sofreu autodepuração ao longo dos anos, melhorando suas condições naturais ou se o mesmo encontra-se atualmente em estado de maior eutrofização. Os resultados encontrados mostraram que os parâmetros de qualidade do manancial apresentaram uma relação entre eles e serviram para classificação do manancial levando-se em consideração a Resolução CONAMA 357/2005 e a Deliberação Normativa COPAM 010/86. O manancial não se enquadrou como utilizável para fins de potabilização em alguns meses do ano, pois os valores médios mensais de OD; cor e coliformes totais estiveram fora das especificações exigidas. Foram constatados adequados apenas os parâmetros médios mensais pH, turbidez e cianobactérias, que estiveram dentro do limite da legislação vigente. Palavras-chave: Tratamento de água. Lago Guaíba. Parâmetros físico-químicos. Parâmetros microbiológicos. Abstract: A water treatment plant (WTP) has for objective to condition the characteristics of rude water, that is, water as found in the nature, in order to meet the necessary quality for a particular use. The quality control of the source (Guaíba Lake) was carried out upstream of the WTP Jose Loureiro da Silva (JLS), designed by the Municipal Department of Water and Sewerage (DMAE) in the city of Porto Alegre, RS; the same it is justified for several reasons among them they are distinguished it characterization of the hidrographic basin and the control of the toxidez levels that come to affect the aquatic population or beings. The objective of this article is to show that the physical, chemical and microbiological parameters of quality of the source studied can be evaluated of interrelated form; beyond serving for verification of its sanitary conditions in the last decade; of this form it can be verified if the Guaíba Lake suffered depuration throughout the years, improving its natural conditions or if the same it meets currently in state of increased eutrophication. The joined results had shown that the parameters (1) Graduado em Engenharia Química pela PUC/RS. Mestre em Engenharia pela UFRGS. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected] (2) Graduada em Engenharia Química pela PUC/RS. Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS. Gerente de projetos no Departamento Municipal de Águas e Esgoto de Porto Alegre – DMAE (1984-1987). Atualmente é professora da PUC/ RS. E-mail: [email protected] 93 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 of quality of the source had presented a relation between them and had served for classification of the source taking into account Resolution CONAMA 357/2005 and Normative Deliberation COPAM 010/86. The source did not fit as usable for the purpose of potabilization in some months, because the monthly mean values of OD, color and total coliforms were out of demanded specifications. It has been found only suitable parameters monthly average pH, turbidity and cyanobacteria, which were within the limits of current legislation. Key-words: Treatment of water. Guaíba Lake. Physicochemical parameters. Microbiological parameters. ponto de vista operacional em suas unidades de tratamento quanto do ponto de vista econômico, é necessário controlar a poluição dos mananciais. De acordo com Batalha (1977), o manancial somente deverá ser classificado como potabilizável se o controle físico, químico, bacteriológico e hidrobiológico efetuado mostrar que a água do manancial pretendido se enquadra nos padrões fixados e se a inspeção in loco da bacia hidrográfica do manancial mostrar que não existem fontes poluidoras capazes de comprometer a eficácia do tratamento convencional da água e, por extensão, a saúde da população. A esta inspeção visual denomina-se comumente inspeção sanitária. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo avaliar as características do manancial (Lago Guaíba). O Lago Guaíba é um manancial superficial de 496m2 de extensão formado pelo Rio Jacuí (84,6%), Sinos (7,5%), Caí (5,2%) e Gravataí (2,7%), recebendo também as águas dos arroios situados às suas margens; sua bacia hidrográfica abrange uma área de 2.323,66 km2. Nela está inserida uma população de 1.104.908 habitantes, com uma densidade populacional de 475,5 habitantes por km2 (Rossato e Martins, 2001). A avaliação das características do manancial foi realizada na Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS) através da análise de parâmetros como matéria orgânica, temperatura, turbidez, cor, pH, oxigênio dissolvido (OD) coliformes totais, cianobactérias, clorofíceas, diatomáceas, protozoários e rotíferos. Introdução A avaliação das características dos mananciais deve ser considerada como um fator essencial no desenvolvimento das ações dos serviços de abastecimento de água, quer público ou privado, de maneira que a água distribuída aos usuários tenha os padrões de qualidade determinados pela legislação vigente do país. De acordo com Di Bernardo et. al. (1999), a proteção dos mananciais é invariavelmente o melhor método para assegurar a qualidade da água. O controle de qualidade dos mananciais vem sendo cada vez mais exigido devido ao crescente aumento populacional e ao rápido comprometimento dos mesmos, provocado pelo fenômeno de poluição hídrica. Entende-se por poluição de recursos hídricos qualquer atividade humana que altere as condições naturais das águas superficiais ou subterrâneas (Branco,1986). Estas atividades incluem, além da irrigação e da utilização doméstica, a navegação, a recreação, o turismo, a produção de hidroeletricidade, a mineração e os processos industriais. No Brasil, grande parte da água bruta utilizada para abastecimento público é captada de mananciais superficiais e bombeada através de elevatórias e redes adutoras até as Estações de Tratamento de Água (ETAs) onde são adicionados produtos químicos para o seu tratamento. Para o atendimento da Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde, que trata do controle e vigilância da qualidade da água para o consumo humano e seu padrão de potabilidade no Brasil, é necessário o controle da vazão de água bruta e da eficiência das unidades componentes da Estação de Tratamento de Água. Dessa forma, para uma ETA funcionar de maneira correta, não acarretando problemas tanto do 1. Caracterização da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS) O trabalho foi conduzido na Estação de 94 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 A coleta, acondicionamento e conservação das amostras, assim como as análises, foram realizados conforme métodos especificados em “Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater”, editado pela “American Public Health Association” (Macêdo, 2001). Os valores obtidos das características analisadas foram comparados com os valores preconizados pela Resolução CONAMA 357/2005 e pela Deliberação Normativa COPAM 010/86 com o objetivo de verificar se os parâmetros estão dentro dos padrões aceitáveis pelas legislações mencionadas. Tratamento de Água José Loureiro da Silva, (ETA-JLS) (Figura 1) (Figura 2) localizada à margem direita do Lago Guaíba no Bairro Menino Deus, no município de Porto Alegre a 30º 3’ 41.57” de latitude sul, 51º 13’ 25.04” longitude oeste. A ETA-JLS entrou em operação efetiva em 1968, e possui capacidade de recalque de água bruta de 3200 litros de água por segundo, o que representa uma carga de 276.480 m³ por dia. A captação da água bruta para ETA-JLS é realizada pela Estação de Bombeamento de Água Bruta (EBAB) Menino Deus sendo realizada por dois dutos de concreto de 1.700 mm de diâmetro e de 448m de extensão. O sistema de tratamento de água é do tipo convencional. O fluxograma do processo é apresentado na Figura 2. 3. Parâmetros microbiológicos A coleta para a análise de coliformes totais do manancial foi realizada manualmente em frascos de vidro borosilicato âmbar com tampa esmerilhada de 500 ml esterilizados previamente em autoclave e com proteção do gargalo e da tampa com envoltório de papel. As amostras foram acondicionadas em recipiente térmico com gelo a temperatura 4 ºC (prazo até 24 horas), e encaminhadas para o Laboratório de Bacteriologia da ETA-JLS. Para as análises hidrobiológicas, os frascos eram igualmente de vidro borosilicato âmbar de boca larga, porém de 1000 ml. Para a quantificação de coliformes totais na água bruta, foi empregado o método de fermentação em tubos múltiplos e o resultado foi expresso em org/100 ml. De acordo com a Portaria nº 518/2004 de 25 de março, do Ministério da Saúde, os coliformes totais (bactérias do grupo coliforme) são bacilos gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, oxidase-negativos, capazes de se desenvolver na presença de sais biliares ou agentes tensoativos que fermentam a lactose com produção de ácido, gás e aldeído a 35,0 ± 0,5 ºC em 24-48 horas, e que podem apresentar atividade da enzima ß-galactosidase. A maioria das bactérias do grupo coliforme pertence aos gêneros Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e Enterobacter, embora vários outros gêneros e espécies pertençam ao grupo. Os microorganismos planctônicos avaliados para água bruta no Laboratório de Hidrobiologia da ETA-JLS e utilizados neste 2. Análises físicas e químicas do afluente As amostras simples de água bruta foram coletadas manualmente a montante da ETA-JLS, durante os meses de janeiro a dezembro de 1993. As amostras de água bruta foram conservadas em frascos de vidro âmbar de 1000 ml para a análise turbidez; matéria orgânica, cor, pH. Para análise de OD, os frascos eram de vidro borossilicato com tampa esmerilhada e estreita (pontiaguda), com selo d’água. Após a coleta das amostras, as mesmas foram encaminhadas para o Laboratório de Análises Físico-Químicas da ETA-JLS. Os parâmetros físicos- químicos utilizados na avaliação deste trabalho foram: temperatura, turbidez, cor, matéria orgânica, pH e OD. LAGO GUAÍBA ETA JLS Figura 1 – Mapa de localização da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Google Maps (2011) 95 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 trabalho foram as cianobactérias, clorofíceas e diatomáceas (fitoplâncton) e protozoários e rotíferos (zooplâncton). No Brasil, a presença, em seus mananciais, de microalgas e cianobactérias é um grave problema enfrentado pelas ETAs que utilizam a tecnologia de tratamento convencional ou filtração direta. Ou seja, dependendo da espécie e do número de indivíduos, há a redução da duração das carreiras de filtração, comprometendo seriamente a qualidade da água produzida, principalmente devido à liberação de metabólicos. Atualmente são conhecidos aproximadamente 150 gêneros de cianobactérias, sendo que 46 espécies já foram identificadas como potencialmente tóxicas a vertebrados. (Cunha et. al, 2003). Os valores de OD encontrados nestes meses foram inferiores ao limite estipulado pela Resolução CONAMA 357/2005 (OD≥4 mg/LO2). 4. Resultados e Discussão De acordo a parâmetros médios mensais de qualidade avaliados para o manancial na ETA-JLS verifica-se que a qualidade da água do Lago Guaíba está bastante alterada, isto pode ser estimado pelos altos valores médios mensais de matéria orgânica (Figura 3); valores acima de 3 mg/L indicam poluição orgânica (AEPAN-ONG., 2010) e pela variação média anual de OD o qual não apresentou em alguns meses do ano (janeiro e novembro) índice satisfatório para o abastecimento para o consumo humano, como observa-se na Figura 4. Figura 3 – Valores médios mensais de Matéria Orgânica durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) O OD é um parâmetro químico necessário na respiração dos microorganismos aeróbios bem como outras formas de vida. De acordo com Sperling (2005), o OD tem sido utilizado tradicionalmente para a determinação do grau de poluição e de autodepuração em cursos d’água. A concentração de OD ao nível do mar, na temperatura de 20 ºC, é de 9,2 mg/LO2. Os valores de OD inferiores ao valor de saturação podem indicar a presença de matéria orgânica e, valores superiores, a existência de crescimento anormal de algas (Weibull, 2001). Von Sperling (2005) afirma que: [...] com o OD em torno de 4-5 mg/L morrem os peixes mais exigentes; com o OD igual a 2 mg/L praticamente todos os peixes estão mortos; com OD igual a 0 mg/L tem-se condições de anaerobiose (VON SPERLING, 2005, p. 39). Figura 2 – Fluxograma do processo convencional de tratamento de água da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). 96 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 encanamentos. De acordo com Azevedo (1987), se o pH da água for inferior a 4,5 significa que a água contém ácidos minerais fortes, não havendo ácido carbônico (H2CO3) e se o pH da água for superior a 9,0 significa que contém hidróxidos, para tais condições considera-se a água imprópria para fins de potabilização. De acordo com Sperling (2005), os processos de oxidação biológica normalmente tendem a reduzir o pH. Figura 4 – Valores médios mensais de OD durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) A cor de uma amostra de água está associada ao grau de redução de intensidade que a luz sofre ao atravessá-la, devido à presença de sólidos dissolvidos, principalmente material em estado coloidal orgânico e inorgânico (CETESB, 2010). O método de avaliação da unidade de cor é o da comparação com o padrão de cobalto-platina. Os resultados se expressam convencionalmente em mg Pt/L. Pela legislação federal em vigor, a resolução do CONAMA/357 (Art. 16), o valor máximo permissível de cor em uma amostra de água que venha a ser utilizada para consumo humano após tratamento convencional ou avançado é de 75 mg Pt/L. Apenas nos meses de abril e outubro, o parâmetro físico cor obedeceu a legislação federal. Os valores médios encontrados nestes meses foram respectivamente 68 mg Pt/L e 40 mg Pt/L (Figura 5). Os valores médios mensais mais elevados deste parâmetro posicionaram-se entre 153 mg Pt/L no mês de junho e 155 mg Pt/L em julho (Figura 5). Pode-se observar que os valores médios de matéria orgânica apresentaram-se mais elevados (7,8 mg/L) no mesmo período (Figura 3). O pH constitui-se também em padrão de classificação dos corpos d’água. O pH da água não deve ser muito ácido para evitar a corrosão de tubulações, nem muito básico, para evitar a deposição de partículas que podem entupir os Figura 5 – Valores médios mensais de cor durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) A legislação federal estabelece uma faixa de pH entre 6 a 9 para águas destinadas ao consumo humano, mesmos limites impostos pela Deliberação Normativa COPAM 010/86. Assim, a variação média mensal de pH do manancial esteve dentro do limite da legislação vigente. Figura 6 – Valores médios mensais de pH durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) 97 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 A temperatura desempenha um papel principal de controle no meio aquático, condicionado as influências de uma série de variáveis físico-químicas. De acordo com que afirma a CETESB (2010): A elevação da temperatura em um corpo d’água geralmente é provocada por despejos industriais (indústrias canavieiras por exemplo) e usinas termoelétricas. (CETESB, 2010, p.2). Os valores médios mensais registrados para a temperatura do afluente a montante da ETA-JLS variaram de 14,9 °C a 27,5 °C como apresentada na Figura 8. De acordo com DMAE/ CESB (1981), a temperatura apresenta uma relação inversa em relação à solubilidade do oxigênio nas águas doces a pressão normal (760mmHg). Esta afirmação pode ser confirmada observando-se os gráficos das Figuras 4 e 7 que apresentaram relação inversa. Não existe padrão de temperatura para classificação dos corpos d’água na Resolução CONAMA 357/2005, apenas padrão de lançamento de efluentes de acordo com o Art.34, §4° dessa resolução: Figura 7 – Valores médios mensais de temperatura durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) A Resolução CONAMA 357/2005 estabelece o valor de turbidez de até 100UNT para águas doces destinadas ao consumo humano após tratamento convencional ou avançado; acima deste valor o corpo d’água é classificado como Classe 4 (águas destinadas à navegação e harmonia paisagística) não podendo ser utilizado portanto para este fim. A variação média mensal de turbidez do manancial esteve dentro do limite para consumo humano após tratamento simplificado nos meses de janeiro a novembro (turbidez até 40 UNT) e tratamento convencional (turbidez até 100 UNT) no mês de dezembro de acordo com a legislação vigente. “Condições de lançamento de efluentes: (...) II - temperatura: inferior a 40 °C, sendo que a variação de temperatura do corpo receptor não deverá exceder a 3 ºC na zona de mistura;” Dessa forma verifica-se que temperaturas acima de 40 ºC em corpos d’água alteram a natureza dos mesmos constituindo-se assim em um indicador de poluição das águas. De acordo com Branco (1986), a faixa de temperatura usual em águas superficiais é de 4 a 30 °C. Os valores médios mensais registrados para a temperatura do manancial variaram diretamente com as estações do ano, atingindo os níveis mais baixos nos meses de junho a setembro, ou seja, no inverno austral. A turbidez impede a penetração da luz nas camadas mais profundas de um corpo d’água inibindo o crescimento das plantas. O estado de uma água túrbida é decorrente da presença de sólidos em suspensão finamente divididos em estado coloidal tais como partículas inorgânicas e de detritos orgânicos, bactérias e plâncton em geral (CETESB, 2010). Figura 8 – Valores médios mensais de turbidez durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) 98 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Há vários organismos cuja presença num manancial hídrico indica uma forma qualquer de poluição. Usa-se adotar os organismos do grupo coliforme como indicadores de poluição. As bactérias coliformes são típicas do intestino do homem e de outros animais de sangue quente (mamíferos em geral), e, justamente por estarem sempre presentes no excremento humano (100 a 400 bilhões de coliformes por habitante ao dia) e serem de simples determinação, são adotadas como referência para indicar e medir a grandeza da poluição (Almeida, 2005). A densidade média de coliformes totais no afluente da ETA-JLS oscilou entre 15.497 org/100 ml em outubro a 34.919 org/100 ml em janeiro. De acordo à Deliberação Normativa COPAM 010/86 para os mananciais do sistema público de abastecimento recomenda-se que a densidade dos coliformes totais não exceda a média mensal de 20.000 org/100 ml em 80% ou mais de 5 amostras mensais colhidas em qualquer mês. Observando a Figura 9 verifica-se que apenas nos meses de fevereiro, março e outubro o Lago Guaíba se enquadrou dentro da legislação servindo como água para abastecimento público, após tratamento convencional ou avançado (Classe 3). Este resultado deve ser motivo de preocupação uma vez que os municípios de Porto Alegre, Eldorado do Sul, Guaíba, Barra do Ribeiro; Viamão, Canoas, Sentinela do Sul, Tapes, Triunfo, Nova Santa Rita, Mariana Pimentel, Sertão de Santana, Barão do Triunfo e Cerro Grande do Sul fazem a captação da água do manancial para o consumo humano e ao longo do lago inúmeros pescadores consomem peixes e têm contato com a água. Figura 9 – Valores médios mensais de Coliformes Totais durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) O grupo das cianofíceas ou cianobactérias pertencem ao fitoplâncton e é o mais problemático em mananciais do ponto de vista sanitário. As cianobactérias são organismos procariotos, ou seja, com características de bactérias, porém com um sistema fotossintetizante semelhante ao das algas (vegetais), daí a dupla denominação. Este grupo tem capacidade de crescimento nos mais diversos ambientes, porém ocorre preferencialmente em pH variando entre 6,0 e 9,0, temperatura entre 15 e 30 °C (valores ótimos acima de 25 °C) e alta concentração de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo (CETESB, 2005). Em um estudo realizado por Tucci (2003), altas florações de cianobactérias, mais especificamente florações de Cylindrospermopsis raciborskii, foram registradas, em altos valores médios de temperatura da água, turbidez e pH. Os valores médios registrados para as cinobactérias do afluente a montante da ETA-JLS variaram de 45 cel/L a 7509 cel/L como apresentada na Figura 11. O mês que apresentou maior floração de cianobactérias foi dezembro; neste mês a temperatura da água, a turbidez e o pH foram favoráveis para o crescimento destes microorganismos. Pela legislação federal em vigor, a resolução do CONAMA/357 (artigo 16), a densidade de cianobactérias é padrão de classificação dos corpos d’água e estabelece o limite de 100.000 cel/ml; para águas Classe 3. Como podemos 99 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 observar no gráfico da Figura 10, a variação média mensal de cianobactérias do manancial esteve dentro do limite da legislação vigente. De acordo com que afirma a CETESB (2010): A comunidade fitoplanctônica pode ser utilizada como indicadora da qualidade da água, principalmente em reservatórios e a análise de sua estrutura permite avaliar alguns efeitos decorrentes de alterações ambientais (CETESB, 2010, p.10). cial, clorofíceas e diatomáceas, 48516 org/L e 169274 org/L, ambos no mês de setembro neste mês. Foram verificados odores na água, principalmente devido à melosira (diatomácea), portanto não cumprindo a legislação vigente. Os valores médios mensais mais baixos encontrados para as clorofíceas e diatomáceas foram respectivamente 1026 org/L e 12783 org/L. Verifica-se que existe uma correlação entre estes microorganismos, conforme mostra a Figura 11. A queda do fitoplâncton, incluindo as cianobactérias (Figura 10), no mês de julho, pode ser explicada pela diminuição da temperatura do manancial (diminuição da incidência de luz para o desenvolvimento hidrobiológico). De acordo com que afirma a CETESB (2010): A comunidade zooplactônica é formada por animais microscópicos que vivem em suspensão, sendo protozoários, rotíferos, cladóceros e copépodes os grupos dominantes de água doce. (CETESB, 2010, p.10). Figura 10 – Valores médios mensais de Cianobactérias durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) O zooplâncton vem sendo avaliado como indicador da qualidade da água de lagos e reservatórios em diversos países e, apesar de existirem algumas propostas de índices para esta comunidade, a maioria deles não é diretamente aplicável nos ambientes aquáticos tropicais, onde as espécies exibem diferentes sensibilidade e ocorrência (CETESB, 2010). O fitoplâncton em número elevado em mananciais causa redução da vazão de água tratada, aumento de consumo de água para lavagem dos filtros, paralisações temporárias e, dependendo das espécies de algas, influencia no odor e no sabor da água; sendo necessário a utilização de carvão ativado, ou um outro oxidante forte como ozônio, permanganato de potássio ou dióxido de cloro (Hijazin, 1993). A legislação CONAMA 357/2005 não determina concentrações limites para diatomáceas e clorofíceas em corpos d’água; no entanto estabelece parâmeFigura 11 - Comparação dos resultros para substâncias que conferem gosto ou tados das análises de Clorofíceas e Diaodor (Art.16). Estes devem estar virtualmente tomáceas durante os meses de janeiro a ausentes para águas doces potabilizáveis, ou dezembro de 1993, a montante da Estação seja, Classes Especial 1, 2 ou 3. Os valores mé- de Tratamento de Água José Loureiro da dios mensais mais altos foram registrados para Silva (ETA-JLS). os microorganismos fitoplanctônicos do mananFonte: Hijazin e Pereira (1993) 100 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Os potenciais riscos à saúde humana decorrentes da presença dos protozoários na água de abastecimento tiveram sua expressão na Portaria Nº 518/2004, que estabelece os padrões de potabilidade da água. Nesse instrumento, a turbidez é parâmetro de natureza sanitária, assumindo-se que baixa turbidez, por um lado, propicia maior eficiência da desinfecção na eliminação de bactérias e vírus e, por outro, é indicativa da remoção de oocistos de protozoários pela filtração. São recomendados reduzidos valores (0,5 UNT) para água filtrada, “com vistas a assegurar a adequada eficiência de remoção de enterovírus, cistos de Giardia spp e oocistos de Cryptosporidium sp” em instalações compostas por filtros rápidos. Os rotíferos são largamente utilizados na agricultura como alimento para formas jovens de peixes e crustáceos e destacam-se também como bioindicadores das condições tróficas das águas; a função detritívora de muitas de suas espécies tem papel depurador fundamental em ambientes submetidos à poluição orgânica, sendo seus principais alimentos bactérias, ciliados e algas. Também existem espécies parasitas e comensais (Júnior, 2007). Os valores médios mensais mais altos registrados para os protozoários e rotíferos foram, respectivamente, 87263 org/L (mês de maio) e 8883 org/L (mês de outubro) conforme mostra a Figura 12. O alto valor médio da matéria orgânica encontrado no mês de maio (Figura 3) evidencia um maior lançamento de esgotos acarretando uma alta na quantidade de protozoários neste mês. Os maiores valores médios mensais de rotíferos, no mês de outubro, coincidem com os menores valores médios de coliformes totais (Figura 9), o que evidencia uma melhora na qualidade do manancial e comprova a sua utilização como bioindicador de corpos d’agua. Figura 12 – Comparação dos resultados das análises de Protozoários e Rotíferos durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS). Fonte: Hijazin e Pereira (1993) Conclusão Da análise dos resultados obtidos durante os meses de janeiro a dezembro deste trabalho, pode-se concluir que as análises físicas, químicas e microbiológicas do Lago Guaíba, realizadas na ETA-JLS, apresentaram uma relação entre elas. Os valores de OD; cor e coliformes totais do manancial estiveram fora das especificações, em alguns meses, dos padrões de classificação dos corpos d’água previsto pela Resolução CONAMA 357/2005; ou seja o manancial não se enquadrou como utilizável para fins de potabilização. Em relação à matéria orgânica do Lago Guaíba, verificou-se que seus níveis estão bem elevados, indicando poluição orgânica ao longo de todos os meses estudados. Os resultados encontrados de pH e turbidez e cianofíceas estiveram dentro do limite da Resolução CONAMA nº 357/2005. A temperatura do manancial esteve dentro dos limites usuais encontrados em águas superficiais. Os altos níveis de coliformes totais encontrados principalmente durante os meses de janeiro, junho a setembro, novembro e dezembro indicam que o Lago Guaíba se encontra com a qualidade comprometida devido ao lançamento de esgotos, sem o tratamento adequado em termos de matéria orgânica. O estudo das comunidades fitoplanctônicas e zooplanctônicas foram úteis como indicadoras da qualidade da água e monitoramento dos processos de eutrofização do manacial. 101 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Referências AEPAN-ONG. – Associação Estrelense de Proteção ao Ambiente Natural. Rio Taquari – Fenômeno de Eutrofização pode se repetir. 2010. Disponível em: <http://estrela-rs-aepan. blogspot.com/2010/11/rio-taquari-fenomeno-da-eutrofizacao.html> Acesso em: 27 jan. 2011. ALMEIDA, R.A.; ALMEIDA, N.A.M. Remoção de Coliformes do Esgoto por meio de Espécies Vegetais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 07, n.3, p. 308-318, 2005. 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O sol é uma fonte de energia renovável e seu aproveitamento tanto como fonte de calor quanto de produção de energia elétrica é uma das alternativas mais promissoras para enfrentarmos os problemas energéticos. O objetivo deste estudo é comparar o rendimento de dois sistemas de energia termossolar para aquecimento da água, sendo um modelo convencional encontrado no mercado e outro modelo de baixo custo feito de materiais alternativos. Pretende-se desenvolver uma metodologia de cálculo para dimensionar todo o sistema alternativo e assim estimular o uso de energia solar para aquecimento da água. Palavras-chave: Energia solar. Aquecimento da água. Rendimento. Abstract: For the consumption patterns of today’s society be supplied, there is need for increased production of various consumer goods, natural resources and energy production. Fossil fuels are nonrenewable, and its burning cause significant impacts on the environment, releasing gases that enhance the greenhouse effect and may be causing the phenomenon known as global warming. The sun is a renewable energy source and its use both as a source of heat and light is one of the most promising alternatives to the energy problems we face. The aim of this study is to compare the efficiency in two thermo power systems for water heating, one of them conventional model found in the market and other low-cost model made of alternative materials. Aim is to develop a methodology for calculating any alternative system size and thus stimulate the use of solar energy for water heating. Key-words: Solar energy. Water heating. Efficiency. Introdução O crescimento populacional, unido ao estilo de vida que incentiva cada vez mais o consumo de produtos industrializados, pode ser a raiz dos problemas ambientais globais. Para que padrões de consumo sejam satisfeitos, exige-se uma maior produção de diferentes bens e, como consequência disso, (1) Engenheira Agrícola, professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] (2) Acadêmica do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: ts_aline@yahoo. com.br (3) Acadêmica do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: mai_cecchin@ hotmail.com 105 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 temos uma exploração dos recursos naturais e necessidade de produção de energia. O uso de energias pós-revolução industrial através da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) é a principal causa do aumento da concentração de Gases do Efeito Estufa (GEEs) na atmosfera observado no século XX e início do século XXI (ESPARTA, 2008). Esses combustíveis fazem parte das energias chamadas não renováveis e, conforme Santos (2004), sua queima causa impactos ambientais, como o aumento as concentrações de Dióxido de Carbono (CO2), Monóxido de Carbono (CO), Dióxido de Enxofre (SO2) etc. Os gases que ficam acumulados na atmosfera impedem que o planeta perca calor pela radiação infravermelha, ocorrendo uma potencialização do efeito estufa e uma desestabilização do equilíbrio energético no planeta. Assim, pode surgir o fenômeno conhecido mundialmente como aquecimento global. Em 2000, o setor energético global era responsável por aproximadamente 60% do total das emissões mundiais de GEEs, conforme tabela I (ESPARTA, 2008). Tabela 1: Emissões mundiais de gases de efeito estufa em 2000. *MtCO2e - tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente. Fonte: ESPARTA, 2008, p. 20. As preocupações causadas pela queima dos combustíveis fósseis estão estimulando cada vez mais o uso de outras formas de energia. O estudo de tecnologias que utilizam fontes renováveis e limpas surge como uma necessidade para quem preocupa-se em estar preparado para o futuro panorama de utilização de recursos energéticos no planeta (SANTOS, 2004). O sol é uma fonte de energia renovável e seu aproveitamento tanto como fonte de calor quanto de eletricidade é uma das alternativas mais promissoras para enfrentarmos os problemas energéticos. Como os recursos naturais encontram-se escassos, e os impactos ambientais são cada vez mais uma preocupação global, deve ser incentivada a utilização de fontes energéticas sustentáveis, bem como pesquisas que contemplem este tema. O objetivo deste estudo é comparar a eficiência de dois sistemas de energia termossolar, sendo um modelo convencional encontrado no comércio e outro modelo de baixo custo construído com materiais alternativos. Energia Solar A utilização de recursos renováveis proporciona grandes vantagens para um mundo carente de energia, oferecendo alternativas principalmente para países emergentes, cujas taxas de desenvolvimento econômico são seriamente comprometidas pelos altos custos energéticos. O potencial gerado por tais recursos é imenso. Diariamente, a Terra recebe muitas vezes mais energia do Sol do que a consumida sob todas as outras formas (HINRICHS et al., 2010). Ainda, segundo Hinrichs et al. (2010), atualmente nos setores residencial e comercial o aquecimento solar é basicamente utilizado em piscinas e para obtenção de água quente doméstica. A comercialização de tais sistemas cresce lentamente e de maneira constante, pelo menos 5% ao ano. Os autores também afirmam que o Brasil apresenta menores necessidades de aquecimento do que países do hemisfério norte. Entretanto, em razão de uma distribuição de renda desigual, apenas um pequeno número de residências e edifícios comerciais e industriais 106 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 utiliza sistemas solares de aquecimento que usem a água quente doméstica para substituir chuveiros, torneiras elétricas e aquecedores. Um número ainda menor dispõe de sistemas solares passivos1 de aquecimento e resfriamento de ambientes. Conforme Lafay (2005), o sistema passivo direto é o mais comumente utilizado no Brasil, devido à sua simplicidade, uma vez que a água para consumo é aquecida diretamente no coletor. Segundo Krenzinger (2008), o Brasil é um país apto a receber sistemas de conversão de energia solar, sendo que uma média anual entre 4,7 e 5,7 kWh/m² abrange a quase totalidade do território. Ainda segundo o autor, existem consideráveis diferenças no que diz respeito à quantidade de energia captada entre a região sul e norte. Entretanto a radiação solar coletada por mais tempo durante o verão na região sul compensa essa diferença na média anual. Coletores solares para aquecimento de água, por exemplo, permitem gerar calor de forma limpa, com baixos custos operacionais, facilidade e rapidez de instalação (SILVA e SANTOS, 2007). Estes equipamentos captam a energia irradiada pelo sol e convertem esta em calor útil. Os sistemas de aquecimento de água que utilizam energia solar são constituídos por coletores solares, reservatórios térmicos, reservatórios de água, fonte auxiliar de energia e tubulações (LAFAY, 2005). Os coletores solares planos são normalmente utilizados em aplicações que requerem um fornecimento de energia que atinja temperaturas de até 100°C. Na figura 1 podemos observar um modelo deste tipo de coletor. Já o esquema de funcionamento é mostrado na figura 2. Neste sistema uma parte da radiação que incide no coletor atravessa a cobertura, enquanto que a restante é refletida. A placa absorvedora, de cor preta, é composta de material com boa condução de calor, que absorve a maior parte da radiação que atravessou a cobertura. A energia absor- vida pela placa é removida pelo fluido que escoa no interior dos tubos que estão em contato térmico com a placa. O movimento do fluido no interior dos tubos se dá por sistema de termossifão2, indo até um reservatório térmico (boiler) onde que a água é armazenada (LAFAY, 2005). Figura 1 – Coletor solar para aquecimento de água. Fonte: http://www.soletrol.com.br Figura 2 – Esquema de um sistema convencional. Fonte: www.poniwas.com Quando a circulação se dá por termossifão, o sistema é classificado como passivo, e quando a circulação se dá por bombeamento, o sistema é classificado como ativo. Fonte: LAFAY, 2005, p.22. A água aquecida fica com massa específica mais baixa e ocupa posições mais elevadas no circuito hidráulico. Este gradiente de temperaturas e gradiente de massas específicas causam circulação natural através dos coletores. Fonte: LAFAY, 2005, p. 22. 1 2 107 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 Coletor Solar de Baixo Custo Existem programas e movimentos que incentivam a utilização de sistemas solares de aquecimento, como a Sociedade do Sol3, que disponibiliza em seu site um projeto de aquecedor solar de baixo custo. Esses aquecedores têm a mesma função dos coletores tradicionais (aquecer água), mas caracterizam-se por serem mais simples, sem cobertura de vidro, mais econômicos, não esquentando a água tanto quanto o coletor solar tradicional. Isto traz três vantagens: reduz as perdas térmicas de todo o circuito de circulação de água, diminui o perigo de a água quente ferir crianças, permite o uso dos dutos de água tradicionais da casa brasileira (PVC - Policloreto de Vinila) para a água quente (Sociedade do Sol, 2011). O chuveiro então pode ser utilizado como aquecedor de apoio para os dias em que o tempo não permitir elevar a água até a temperatura desejada de banho, e isto a um custo praticamente nulo, pois ele já é parte integrante do lar brasileiro (SOCIEDADE DO SOL, 2011). Levando-se em conta que a participação dos chuveiros na demanda em horário de pico varia em torno de 25%, chegando a atingir em alguns lugares os valores de 50% (TOLMASQUIM, 2003), o aquecedor solar de baixo custo se mostra como uma eficiente alternativa energética e econômica para a população brasileira. Na figura 3 podemos visualizar o esquema que representa um modelo de Aquecedor Solar de Baixo Custo (ASBC). Figura 3 – Esquema de um sistema alternativo. Fonte: http://www.sociedadedosol.org.br/ Metodologia Um sistema de Aquecedor Solar de Baixo Custo foi construído em uma propriedade rural do interior da cidade de Ibiaçá, localizada na região norte do Rio Grande do Sul. O aquecedor solar construído é do tipo sistema passivo direto. Nele a água é aquecida diretamente pelos painéis solares – construídos de Policloreto de Vinila (PVC) pintados com tinta preta fosca – e sua circulação é realizada por termossifão. A água quente obtida através do coletor é direcionada para o reservatório e posteriormente encaminhada ao chuveiro. A dimensão total dos painéis solares é de aproximadamente 2,3 m² e foi baseada no manual da Sociedade do Sol (2011). Para verificação do dimensionamento da área e rendimento das placas, foram pesquisados dados de radiação média do mês mais frio de 2010 na região de lagoa Vermelha/ RS4, disponíveis no site do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET. Foi realizado o cálculo de dimensionamento de uma placa convencional. A área de placas obtidas neste cálculo foi comparada com a área de placas construídas no coletor solar alternativo. Para tal, foram utilizados os seguintes dados: • volume de reservatório: 310 L, • tempo de funcionamento do coletor: 8 horas/dia, • calor específico da água: 1kcal/kg°C, • temperatura de entrada da água no reservatório: 10 °C, • temperatura da saída da água no reservatório: 50 °C, • mês mais frio do ano de 2010: junho, • radiação média incidente no mês de junho de 2010: 2484,72 kcal/m²/dia. A seguir, constam as equações utilizadas para o cálculo do dimensionamento dos sistemas: a) Área da placa convencional para os dados de junho de 2010. Para o referido cálculo, foram utilizadas fórmulas estudadas por Cruz (2009): http://www.sociedadedosol.org.br/ A cidade de Ibiaçá não possui estação meteorológica. Foi utilizada a estação de Lagoa Vermelha, por ser a cidade mais próxima com estação meteorológica. 3 4 108 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 la que ainda está sendo pesquisada, com base em estudos anteriores sobre o assunto. Onde: Ac = área da placa coletora Ir = radiação incidente junho 2010 Ir = 2484,72 kcal/m² (radiação média incidente – junho/2010) nt = eficiência para um determinado tempo t nt = 50%5 Qu = energia total útil transferida ao fluido Sendo: Onde: Resultados Preliminares Até o momento já foi realizada a montagem do coletor solar de baixo custo, bem como o cálculo da área da placa convencional utilizando-se dados de radiação de junho de 2010. Para tal período, a área da placa convencional calculada foi de 9,98 m². Com esse valor será possível verificar se a área de placa construída com materiais alternativos satisfaz a condição de projeto, já que de acordo com os cálculos a área de placa convencional deveria ser aproximadamente quatro vezes maior que a construída com materiais de baixo custo. Figura 4 – Coletor solar construído com materiais alternativos. b) Eficiência da placa alternativa Para o cálculo da eficiência da placa alternativa, estão sendo medidas desde janeiro de 2011 as temperaturas da água do reservatório em três horários do dia. Após a coleta desses valores até julho de 2011, poderá ser atribuída a eficiência da placa alternativa para este período. O cálculo dessa eficiência será realizado utilizando-se fórmu5 Figura 5 – Coletor solar construído com materiais alternativos. Considerações Finais Espera-se que resultados obtidos ao término da pesquisa incentivem projetos de Conforme SIQUEIRA, 2009; CRUZ, 2009. 109 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 aproveitamento de energia termossolar visando o aquecimento de água nos diversos ramos da engenharia. Além disso, busca-se apresentar uma alternativa mais barata, tecnologicamente viável e eficiente de aquecimento de água. Referências Aquecedores de água Soletrol. Disponível em: <http://www.soletrol.com.br/>. Acesso em: 18 maio 2011. CRUZ, Guillermo Fernando Hovermann da. Estudo da utilização da energia solar no RS. Porto Alegre: UFRGS, 2009. Trabalho de conclusão (Escola de Engenharia) Curso de Engenharia Elétrica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. ESPARTA, A. R. J. (2008). 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A aplicação deste teste demonstrou que a hipótese nula de que os valores são homogêneos é aceitável com o valor da estatística T= -1,7098. O teste de Spearman demonstrou que a hipótese nula de que a série é estacionária não é aceitável, uma vez que T=2,2798. Da aplicação do método de Gumbel resultou que o tempo de retorno do maior valor da série (4,75 m, referente ao evento da Grande Enchente de 1941) é maior que 1.500 anos com risco permissível de 3,20% para um período de 50 anos. Palavras-chave: Homogeneidade. Independência. Estacionariedade, Tempo de retorno. Abstract: The aim of this work is to check the randomness, homogeneity and stationarity of the annual maximum gauge height series of the Guaíba Lake, using non-parametric tests with significance level equal to 5%. Besides that, the recurrence interval was determined for the highest value starting from 1906 through Gumbel distribution. As for the null hypothesis that the values are random, Wald-Wolfowitz test demonstrates that this hypothesis is acceptable, because the statistical test value is T=1,0168. Aiming to check the homogeneity of the series was used the methodology proposed by Mann and Whitney. The application of this test proves that the values of the series are homogeneous given that the statistical test value is T=-1,7098. Spearman test demonstrates that the null hypothesis of stationary series is unacceptable because T=2,2798. From application of the Gumbel method has resulted the recurrence interval of the highest value of the series (4,75 m concerning the Great Flood of 1941) is greater than 1500 years and the hydrologic risk of failure equal to 3,20% for a 50 years period. Keywords: Homogeneity. Randomness. Stationarity. Recurrence Interval. (1) Engenheira Agrícola, Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] (2) Acadêmico do Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: alex_s_mello@ hotmail.com 111 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 1. Introdução Uma série hidrológica pode incluir todas as observações coletadas em um determinado intervalo de tempo ou apenas algumas observações quando, nesse caso, trata-se de uma série reduzida. Uma série de valores máximos anuais é um exemplo de série reduzida. A previsão meteorológica não possibilita a determinação da precipitação (e, consequentemente, da vazão e da cota associada) com muita antecedência, sendo que a previsão de longo prazo é estatística (TUCCI, 2002). A qualidade dos resultados obtidos pelo ajuste de uma distribuição estatística dependerá de alguns atributos inerentes aos dados selecionados para esse fim. Segundo Naghettini e Pinto (2007), alguns dos atributos desejáveis em uma série hidrológica reduzida para aplicações estatísticas são a independência entre os dados amostrais, homogeneidade e estacionariedade. Homogeneidade define-se como a manutenção do padrão de variabilidade dos valores em torno de seu valor médio. Como afirmam Lira e Silva (2003), uma série é composta por dados homogêneos se o seu regime hidrológico não é perturbado por influências naturais ou artificiais. Isto implica que os dados da amostra em qualquer período registrado pertencem à mesma população ou distribuição estatística. Ainda segundo estes pesquisadores, vários aspectos contribuem para a não homogeneidade das séries, tais como modificações naturais (catástrofes ou variações climáticas, por exemplo) e influências antrópicas. Os testes estatísticos verificam a não homogeneidade das séries; entre eles, os testes não paramétricos são mais convenientes, pois apresentam algumas vantagens sobre os testes paramétricos (LIRA; SILVA, 2003). A maior vantagem reside no fato de que testes não paramétricos podem ser aplicados mesmo quando a distribuição dos dados não é conhecida, uma vez que não há a necessidade de que os valores da variável estudada tenham distribuição normal ou aproximadamente normal. Afirmar que os dados amostrais são independentes significa, basicamente, “que nenhuma observação presente na amostra pode influenciar a ocorrência, ou a não ocorrência, de qualquer outra observação seguinte” (NAGHETTINI; PINTO, 2007). O termo estacionariedade está associado a uma série de dados cujo comportamento probabilístico não varia com o tempo. Como afirmam Naghettini e Pinto (2007): “Os tipos de não estacionariedades incluem tendências, ‘saltos’ e ciclos, ao longo do tempo. Em um contexto hidrológico, os ‘saltos’ estão relacionados a alterações bruscas em uma bacia ou trecho fluvial, tais como, por exemplo, a construção de barragens. Os ciclos, por sua vez, podem estar relacionados a flutuações climáticas de longo período, sendo de difícil detecção. As tendências temporais, em geral, estão associadas a alterações graduais que se processam na bacia, tais como, por exemplo, uma evolução temporal lenta da urbanização de uma certa área geográfica.” É possível, através de uma distribuição estatística adequada, determinar o tempo de retorno de uma variável hidrológica, fazendo uso de uma série que possua os atributos citados anteriormente e que seja representativa do universo total de observações possíveis (população amostral). Segundo Castro (2006, apud SILVEIRA, 2004), tempo de retorno é definido como o número médio de anos o qual se espera que o evento analisado seja igualado ou superado. O tempo de retorno é fundamental em uma obra hidráulica, pois definirá o risco de uma falha admissível. Para o caso do lago Guaíba, as variações dos níveis e as suas probabilidades de ocorrência estão em função de uma série de fatores intervenientes. Estes determinarão a formação da onda de cheia e a maior ou menor dificuldade de escoamento para a laguna dos Patos. Como destacado por Guerra [200-], 112 “os ventos predominantes na região conferem ao Lago um regime hidrológico atípico. É comum a ocorrência de “vazões negativas” (o escoamento se dá no sentido inverso - de jusante para montante) com reflexos nos seus afluentes, especialmente nos rios Gravataí, Sinos e Caí, elevan- Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 do o tempo de residência das águas que afluem ao Guaíba.” No entanto, é conveniente ressaltar que a intensidade da onda de cheia também está associada a precipitações extraordinárias e às condições do solo (maior ou menor capacidade de infiltração, que por sua vez está relacionada com o número de dias sem chuva anteriores ao evento da precipitação). Outro fator agravante é a chegada, simultânea ou não, das ondas de cheia dos afluentes do Guaíba, já que o lago é o exutório das bacias que compõem a Região Hidrográfica do Guaíba (Alto Jacuí, Vacacaí, Pardo-Pardinho, Baixo-Jacuí, Taquarí, Caí, Sinos e Gravataí). Segundo Brasil (1968), a descarga do lago Guaíba é fortemente influenciada pelos estrangulamentos da Ponta da Cadeia e de Itapuã e depende do nível da laguna dos Patos, bem como da intensidade do vento sul, que age represando as águas do Guaíba. O objetivo do presente artigo é avaliar a série hidrológica dos máximos anuais do lago Guaíba de acordo com sua homogeneidade, independência e estacionariedade através de testes não paramétricos. Além disso, determinar o tempo de retorno e o risco permissível associados à maior cota da série através da distribuição de Gumbel. 2. Dados hidrológicos Os dados utilizados compreendem os máximos anuais observados no lago Guaíba durante o período de 1899 a 2009, com falha no ano de 1934. De acordo com Brasil (1968), o conjunto das leituras linimétricas realizadas no período de 1899 a 1936 foi cedido pelo arquivo do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, extinto em 1975 com a criação da Empresa de Portos do Brasil – PORTOBRÁS. Neste período as leituras eram realizadas pela Secretaria de Obras Públicas. Ainda segundo Brasil (1968), a partir de 1936 as leituras foram realizadas pela Diretoria de Navegação Fluvial. Os dados referentes ao período 1942-2009 foram obtidos junto a Superintendência de Portos e Hidrovias. Todos os dados foram obtidos por medições linimétricas feitas no posto da Praça da Harmonia, cujo “zero” relativo está 29 cm acima do nível médio do mar (BRASIL, 1968) medido pelo marégrafo de Torres. Nesse ponto há divergências, pois segundo SPH [200-], o zero da régua linimétrica da Praça da Harmonia está a 23,72 cm abaixo do nível do mar. No entanto, as cotas utilizadas neste artigo não sofreram adição de constante corretiva, tomando como referência o zero da própria régua. 3. Testes estatísticos utilizados Para verificar a independência entre os valores da série foi aplicado o teste de Wald-Wolfowitz. A dependência está fortemente associada ao tempo; quanto menor o intervalo de tempo considerado entre as observações, maior será a dependência verificada entre elas. A independência varia com o intervalo de tempo que separa as observações consecutivas da série hidrológica: fraca, para vazões médias diárias, e forte ou total, para vazões médias (ou máximas, ou mínimas) anuais. A fim de determinar se a série apresenta homogeneidade aplicou-se o teste de Mann-Whitney. Segundo Naghettini e Pinto (2007), esse teste determina, a um nível significância adotado, se os valores que compõem a população pertencem a uma única e idêntica população. Em outras palavras, o teste verifica se valores (no caso, os máximos anuais) estariam ou não associados a condições climáticas ordinárias. O teste não paramétrico de Spearman verifica a estacionariedade da série de dados. Uma série hidrológica é estacionária se, excluídas as flutuações aleatórias, as observações da amostra não variam em relação à cronologia de suas ocorrências. O termo não estacionariedade é usado para uma série temporal em que o comportamento da probabilidade da série varia com o tempo (LIRA; SILVA, 2003 apud HAAN, 1977, p. 277). 4. Distribuição Gumbel Segundo Ferraz et al.(1998, apud TUCCI, 1993), as principais distribuições de probabilidade que se adaptam à análise de eventos extremos com a finalidade de determinar o período de recorrência são: Log Normal, Pearson tipo III e Gumbel. Neste trabalho foi 113 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 utilizado o método de Gumbel, onde a função cumulativa de probabilidade é dada por: em que P(X≥X0) denota a probabilidade de que um determinado evento seja maior ou igual ao evento em análise. A variável reduzida y é calculada por: Os parâmetros α e μ são parâmetros da distribuição obtidos com base na média e desvio-padrão dos valores da série. Definem-se por em que s é o desvio padrão da série de dados e é a média. 5. Resultados e discussões No tocante à aplicação dos testes não paramétricos à série de dados é importante ressaltar que, por se tratar de testes bilaterais, a decisão de rejeitar a hipótese nula será válida quando o módulo do valor da estatística do teste ultrapassar o valor z da Distribuição Normal correspondente a um nível de significância pré-estabelecido. Para este trabalho foi adotado nível de significância igual a 5% na aplicação de todos os testes (z=1,96). Partindo da hipótese nula de que valores anuais de máximos são independentes, a aplicação do teste Wald-Wolfowitz corroborou esta hipótese, já que o valor da estatística do teste foi T= 1,0168. Para a aplicação do teste de Mann-Whitney se fez necessário dividir a série de dados em duas subamostras. A primeira subamostra compreende os valores entre 1899 e 1954 e a segunda subamostra, os demais valores. Os valores são ordenados de acordo com a sua posição na amostra completa. O teste de Mann-Whitney se baseia na ideia intuitiva de que caso as duas subamostras não forem homogêneas, os elementos da primeira apresentarão ordens de classificação consistentemente mais baixas (ou mais altas), em relação às ordens de classificação correspondentes à segunda subamostra (NAGHETTINI; PINTO, 2007). Este teste demonstrou que a hipótese nula de que os valores são homogêneos é aceitável com o valor da estatística T= -1,7098. O teste de Spearman demonstrou que a hipótese nula de que a série é estacionária não é aceitável, uma vez que T=2,2798. Isto pode ser estar associado ao processo de urbanização acelerado no município de Porto Alegre, que apresentou um aumento de 46% na ocupação urbana a partir da década de 70. Este processo acarreta a geração de grandes áreas impermeáveis que interferem nas condições naturais de escoamento e infiltração. Também é possível citar como alteração relevante a implantação do sistema Salto no rio Caí, um dos afluentes do lago Guaíba. Segundo FEPAM (1998), o sistema é constituído por quatro usinas hidrelétricas (PCHs) e três barragens de acumulação para transposição de água para o rio dos Sinos (transposição mínima de 2,1 m3/s). Através da determinação da probabilidade de recorrência da maior cota foi possível determinar o tempo de retorno associado ao valor máximo da série e, assim, determinar o respectivo risco permissível. Define-se risco permissível como a probabilidade de um evento ser igualado ou ultrapassado em um período de n anos. Segundo Tucci (1993), este conceito leva em conta que uma obra projetada para um tempo de retorno T está exposta anualmente a uma probabilidade 1/T de falhar, ou seja, o risco de um evento extremo vir a ocorrer em um período de n anos é maior do que a sua probabilidade de ocorrência em um ano isoladamente. Matematicamente é definido como segue A maior cota da série de dados, correspondente a Grande Enchente de 1941, apresentou risco permissível de 13,36% para um período de 50 anos no ano de sua ocorrência. Relativamente, verificou-se tempo de recorrência baixo neste ano, devido às con- 114 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 dições atípicas observadas. Segundo Assis (1960), naquele ano a precipitação em todo o Estado foi realmente abundante, sendo de 2200 mm a média geral sobre todo o território. A maior precipitação ocorreu em Canela, que registrou 3013 mm. Para o ano de 2009, o risco permissível é de 3,20% considerando igual período. Na tabela 1 constam os tempos de recorrência para a maior cota da série (4,75 m) a partir de 1906. Tabela 1 – Cotas máximas da série e tempos de retorno da maior cota A Figura 1 apresenta o ajuste da distribuição Gumbel à série de cotas máximas observadas para o lago Guaíba. Figura 1 – Ajuste da distribuição Gumbel às cotas máximas do lago Guaíba. Elaborado pelo autor. 6. Conclusões Através da determinação da probabilidade de ocorrência da cota máxima da série de dados foi possível determinar os tempos de recorrência ano a ano e, deste modo, determinar o risco permissível. Para o ano de 2009, que reflete as condições hidrológicas atuais, o risco permissível para a maior cota da série (4,75 m) é baixo, mas não nulo. Além disso, cotas maiores que 1,85 m (considerada a cota de cheia do lago Guaíba) podem oca115 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 sionar prejuízos socioeconômicos nas regiões mais vulneráveis da cidade, o que demonstra a importância do Sistema de Proteção Contras as Cheias, do qual o Muro da Mauá faz parte, sendo ele peça-chave para a prevenção de novas enchentes no município de Porto Alegre. Da aplicação dos testes não paramétricos, os resultados demonstram que as observações anuais são independentes, tal como sugerido na literatura e ratificado pela aplicação do teste de Wald-Wolfowitz. Os resultados também indicam que todos os valores da série pertencem a uma única e idêntica população, ou seja, a série é homogênea, tal como foi demonstrado pela aplicação do teste de Mann-Whitney. Quanto à estacionariedade da série, a aplicação do teste de Spearman demonstrou que a hipótese nula (série estacionária) não pôde ser aceita, o que indica que os valores não são invariantes no que tange à cronologia de suas ocorrências. A não estacionariedade da série pode estar associada às alterações bruscas que a bacia sofreu ao longo do tempo, como a urbanização e a construção de barragens. Agradecimentos Os autores agradecem ao Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen e à Superintendência de Portos e Hidrovias pelo relevante apoio na obtenção dos dados e pesquisa bibliográfica. Referências ASSIS, Kleber Borges de. O rio que não é rio. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1960. BRASIL. Departamento Nacional de Obras de Saneamento. (1968). 15. Dfos. Estudo de viabilidade técnico-econômica das obras de defesa de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo contra inundações. Porto Alegre: DNOS. CASTRO, Andréa Souza; AVRUCH, Goldenfum, Joel. Comparação entre o tempo de retorno da precipitação máxima e o tempo de retorno da vazão gerada pelo evento. In: CONGRESO INTERAMERICANO DE INGENIERÍA SANITARIA Y AMBIENTAL, 2006, Punta del Este, Anais... Montevideo: AIDIS, 2006. p.1-8. FEPAM. Qualidade Ambiental: Região Hidrográfica Do Guaíba. Disponível em: <http://www.fepam.rs.gov.br/qualidade/qualidade_cai/cai.asp>. Acesso em: 04 nov. 2010. FERRAZ, F.F. et al. (1998). Previsão de áreas inundadas na cidade de Piracicaba (SP) através de sistema de informações geográficas (SIG). RBRH – Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v.3, n.3, p. 17-27, Jul-Set, 1998. GUERRA, Teresinha. O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba. [200-]. Dísponivel em: <http://www. ecologia.ufrgs.br/ecologia/ea/comite_lago_ guaiba.pdf>. Acesso em: 12 out 2010. LIRA, Gustavo Arruda Ramalho; SILVA, Tarciso Cabral da. Análise dos escoamentos superficial e de base na bacia do rio Gramame quanto a sua estacionariedade e possíveis causas antropogênicas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 2003, Joinville. Anais... Joinville, ABES, 2003, p. 1-17. NAGHETTINI, Mauro; PINTO, Éber José de Andrade. Hidrologia estatística. Belo Horizonte: CPRM, 2007. SPH. Hidrovias: níveis dos rios. [200-]. Dísponivel em: <http://www.sph.rs.gov.br/ sph_2006/contcon/hidrovias/hidroviarias_ niveis_rios.php>. Acesso em: 23 jun 2011. TUCCI, Carlos Eduardo M. (Org.). Hidrologia: ciência e aplicação. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ABRH, 1993. TUCCI, Carlos Eduardo M. Regionalização de vazões. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. 116 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 db4objects: um sistema gerenciador de banco de dados orientados a objetos Anderson Corbellini1 William Hart Oliveira2 Adriana Paula Zamin Scherer3 Resumo: Os bancos de dados orientados a objeto começaram a ser desenvolvidos para atender a uma necessidade relacionada ao armazenamento de tipos de dados cada vez mais complexos, com difícil representação no modelo relacional. Esse artigo tem o intuito de prover uma visão geral do Banco de Dados db4objects (db4o - Database for Objects) explicitando suas diversas funcionalidades. Palavras-chave: Banco de dados orientados a objetos. db4o. Abstract: The databases object-oriented development started to attend a need related to storage of data types increasingly complex, with representation in the relational model difficult. This article aims to provide an overview of Database db4objects (db4o - Database for Objects) showing its various features. Keywords: Object-oriented database systems. db4o. Introdução O termo Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados Orientados a Objetos (SGBDOO) surgiu por volta do ano de 1985, embora a evolução das primeiras pesquisas nessa área tenha começado um pouco mais cedo, em meados de 1970. O primeiro SGBDOO apareceu em 1990 e cresceu de um conceito de persistência em linguagens orientadas a objetos, isto é, uma espécie de memória persistente, de acordo com Date (2000). Em um segundo momento, surgiram os bancos de dados orientados a objetos escritos totalmente em uma linguagem orientada a objetos e, entre eles, está o db4o. O projeto db4o foi iniciado em 2000, por Carl Rosenberger, e comercializado em 2001. Logo após, cerca de 100 clientes comerciais pilotos e usuários da comunidade apoiaram fortemente o db4o que foi implementado com sucesso em algumas aplicações de missão crítica antes mesmo do seu lançamento comercial, ocorrido em 2004 pela recém criada empresa privada Db4objects Inc (db4o: Java & .net object database: company Information, 2010). Em dezembro de 2008, a Versant Corporation adquiriu os ativos de negócio do Banco de Dados Orientado a Objeto (BDOO) db4o. Atualmente, usuários e clientes do db4o estão presentes em mais de 170 diferentes países, e ele também está inserido em grandes empresas, tais como a Boeing, a BMW, a Bosch, a Intel e a Seagate. O objetivo deste artigo é prover uma visão geral sobre o BDOO db4o. Para tanto, além desta introdução, o texto está distribuído da seguinte forma: na seção 2 serão abordadas as suas principais características; na seção 3 serão apresentadas algumas aplicações e casos de sucessos de empresas que utilizaram o db4o, destacando alguns benefícios descobertos por elas. Por fim, na seção 4 serão apresentadas as considerações finais acerca deste banco de dados. Acadêmico do curso de Sistemas de Informação da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] Acadêmico do curso de Sistemas de Informação da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] Mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS - Brasil. E-mail: [email protected] (1) (2) (3) 117 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 2. Características Db4o é um banco de dados orientado a objetos que foi projetado para aplicações do tipo embarcada em equipamentos e dispositivos, para softwares de prateleira executados tanto em desktop como em dispositivos móveis, em sistemas de controle de tempo real ou ainda, simplesmente, em sistemas do tipo cliente-servidor, este abordado com mais detalhes em seguida. É escrito em Java e .NET e fornece as respectivas Applications Programming Interfaces (APIs), sendo compatível com qualquer sistema operacional que suporta estas linguagens, possibilitando aos desenvolvedores reduzir o tempo e custo do projeto, alcançando excelentes níveis de desempenho. Este artigo apresenta os exemplos de códigos da versão para a linguagem Java. Em Java é possível utilizar em JSE, JEE, JME com reflexão, Servlets e Java WebStart. Já para .NET, são suportadas as plataformas: .Net 1.X, 2.0, CompactFramework, Windows Mobile 5.0 e Mono. A distribuição completa do db4o é disponibilizada sob duas formas de licença: a de código aberto, licença General Public License (GPL), que possibilita download gratuito, avaliação e uso em projetos compatíveis com a licença; e a comercial de runtime para empresas que desejam embutir o db4o em suas aplicações comerciais não GPL (db4o – informações do produto, 2010). O db4o é um banco de dados de objeto puro e nativo. Segundo Paterson et al. (2006), o db4o armazena objetos de modo direto, sem precisar mudar suas características, algo incomparável com o modelo de dados relacional que necessita construir uma tabela identificando os dados. A diferença entre o armazenamento relacional e o armazenamento de objetos do db4o está apresentada na Figura 1. Figura 1 – Armazenamento de objetos em Banco de Dados Relacional e no Banco de Dados db4o. Fonte: Machado (2010) Este BDOO possui vantagens em relação aos bancos de dados relacionais, tais como: oferece rapidez em inserções e consultas; utiliza pouco recurso computacional; não possui nenhuma linha de código para CRUD (Create, Read, Update e Delete); tem fácil aprendizado e utilização; acesso direto ao banco de dados sem precisar utilizar o Mapeamento Objeto-Relacional e é uma única biblioteca de desenvolvimento (.jar/. dll) que se integra facilmente às aplicações e executa de forma altamente confiável e escalável as tarefas de persistência com apenas uma linha de código, não importando a complexidade das estruturas (db4o – informações do produto, 2010). Na Figura 2 é exibido um exemplo que mostra a abertura do banco de dados e como persistir um objeto. Figura 2 – Abrindo o arquivo do banco de dados – db4o.yap – e gravando o objeto equip. 2.1. Detalhando o DB4O O db4o permite o armazenamento das mais complexas estruturas de objetos com extrema facilidade, pois ele foi desenvolvido para atuar onde os bancos de dados relacionais falham: eliminando ferramentas e códigos para o mapeamento objeto-relacional; ganhando tempo e reduzindo custos para o desenvolvimento de softwares; provendo administração zero, uma vez que alterações no modelo não tem impacto no banco, já que este é apenas um reservatório de objetos. Além disso, oferece uma grande quantidade de funcionalidades exclusivas e orientadas a objeto e incentiva os benefícios das linguagens orientadas a objeto com: replicação, queries e a GUI ObjectManager, utilizada para mostrar arquivos da base de objetos (Paterson et al., 2006). Ainda de acordo com Paterson et al., (2006), as queries para acesso aos objetos 118 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 armazenados no banco de dados podem ser construídas de três formas distintas: a) Native Query (NQ): É criada através de um método que passa uma instância da classe requerida como parâmetro, além de uma restrição sobre um ou mais atributos, como em um comando SQL, e retorna uma expressão booleana. O resultado é uma list que contém todos os objetos da classe escolhida para todos os retornos da expressão que forem true. A Figura 3 apresenta um exemplo de NQ. um gráfico SODA. Na Figura 5 encontra-se um exemplo de SODA. Figura 5 – Exemplo de SODA Figura 3 – Exemplo de NQ b) Query by Example (QBE): Para utilizar a metodologia QBE, é necessário criar uma instância da classe que irá ser pesquisada. Assim, os atributos que serão utilizados como cláusula na pesquisa devem ser informados dentro da instância criada e, através destes, o db4o pesquisará na base por objetos com os valores definidos e os retornará em uma collection ou list. Na Figura 4 pode ser visto um exemplo de QBE. Figura 4 – Exemplo de QBE c) Simple Object Data Acess (SODA): é um recurso avançado do db4o. A idéia básica é montar uma query através de um gráfico, formado por nodos que representam classes ou atributos classes. A performance não é afetada, pois a SODA é baseada em native query e esta pode ser traduzida, ou não, em Acerca do armazenamento dos dados, pode-se afirmar que ele é feito através de um ou mais arquivos persistidos de forma binária. Há a possibilidade de inserir senha e de criptografar as informações no banco de dados, caso seja de interesse do usuário. O algoritmo utilizado é o XTEA (eXtend Tiny Encryption Algorithm) com chave de até 128 bits. A capacidade máxima de um arquivo de objetos é de 254 gigabytes. Quando este limite é alcançado, o próprio db4o cria outro arquivo binário e os gerencia (Paterson et al., 2006). Além do suporte a transações ACID (Atomicidade, Consistência, Integridade e Durabilidade), é possível controlar o início e fim das sessões através dos comandos Commit e Rollback. Outras funcionalidades importantes são: a fácil manipulação do arquivo de BD (criar, abrir, fechar e apagar) e operações CRUD (Create, Retrieve, Update e Delete) diretamente nos objetos. Em uma aplicação cliente/servidor, o controle de concorrência do db4o é realizado por níveis de isolamento, ou seja, restringindo o acesso a entidades que estão sendo atualizadas. Os níveis de isolamento são classificados em: read uncommitted, read committed, repeteable read e serializable. O db4o assume que as transações, por default, são read committed. 119 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 O db4o fornece suporte a índices. Estes são organizados em b-trees e aumentam significativamente a performance na manipulação dos objetos. Em apenas uma linha de comando é possível criar ou desfazer um índice (Paterson et al., 2006) e, para isto, basta escolher uma propriedade da classe e o índice é criado, como mostra o exemplo na Figura 6. Figura 6 – Criação de índice na Classe Equipamento no campo Codigo Para retirar o índice, basta mudar o parâmetro da função Indexed para false, conforme pode ser visto no exemplo da Figura 7. Estes arquivos são salvos em um diretório “blob\”, dentro da pasta padrão do db4o e são acessados através de uma thread assíncrona (Paterson et al., 2006). De acordo com Paterson et al. (2006), o db4o possui um controle de espaço livre no banco, mantendo um registro de um objeto que foi excluído, para que este espaço possa ser reaproveitado por outro objeto a ser inserido futuramente. Existem dois tipos de controle de espaço livre: a) IndexSystem: O controle do freespace não é perdido caso o sistema fique fora do ar. Isso acontece porque a cada commit o índice é atualizado, o que pode ocasionar certa lentidão. Para ativar o IndexSystem utiliza-se o comando que pode ser visto na Figura 8. Figura 8 – Ativação do controle de espaço livre no banco através do tipo IndexSystem Figura 7 – Eliminação de índice na Classe Equipamento no campo Código O db4o disponibiliza um controle de replicação de objetos. Para isso, é preciso haver garantia da unicidade de um objeto e o db4o se utiliza do UUID (Unique Universal IDs) que é um dispositivo que fornece uma chave única para uma instância de objeto. Pode ser aplicado de forma global ou para uma classe individualmente. Por padrão, este dispositivo não está habilitado devido ao espaço utilizado no armazenamento e a diminuição do desempenho para a manutenção deste índice (Paterson et al., 2006). A refatoração (refactoring) é automatizada, de modo que, se um update é aplicado na base, o versionamento de esquemas gerencia automaticamente as mudanças sem a necessidade de processos de conversão. Assim, adicionar novas funcionalidades ao sistema é algo natural, aumentando o desempenho do desenvolvimento do software. Vários são os tipos suportados que vão desde arrays multidimensionais de objetos, até campos blob, sendo que estes são armazenados fora do arquivo do banco de dados. b) RamSystem: Este método de controle armazena as informações de espaço livre na memória RAM, mas não garante a sua integridade caso haja uma queda no sistema. Outra desvantagem é o consumo de RAM que se torna bastante superior. Entretanto, possui um desempenho melhor se comparado ao IndexSystem. A ativação do controle RamSystem é feita através do comando que pode ser visto na Figura 9. Figura 9 – Ativação do controle de espaço livre no banco através do tipo RamSystem 3. Principais Aplicações e Casos de Sucesso Conforme já foi mencionado anteriormente, o db4o incorpora seus produtos em várias companhias líderes mundiais, como a BMW, Boeing, Bosch, IBM, e Indra Sistemas, entre outras. Todos os clientes da db4objetcs 120 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 têm algo em comum, eles contam com o código aberto de banco de dados orientados a objetos para cortar custos de desenvolvimento e ajudá-los a entregar seus produtos ao mercado mais rapidamente. Uma das mais bem sucedidas montadoras do mundo, a BMW, utiliza o db4o como instrumento central de persistência para armazenar os sistemas de protocolo e dados de configuração do cliente e um dos critérios mais importantes para a seleção do db4O, para esta aplicação, foi sua baixa necessidade de administração (DB4O:: java & .net object database:: customers and partners, 2010). Para a Boeing, o db4o foi selecionado para o projeto P-8A Multi-Mission Maritime Aircraft, um antissubmarino de guerra de longo alcance com inteligência de vigilância e reconhecimento de aeronaves desenvolvido para a Marinha dos Estados Unidos (P8A overview, 2010). Conforme DB4O:: java & .net object database: customers and partners (2010), o db4o oferece vantagens de administração de banco de dados significativamente mais baixas e uma melhor produtividade no desenvolvimento, assim reduzindo os custos operacionais. A Sigpack Systems AG, uma empresa Bosch, que é líder mundial em tecnologia de embalagem totalmente automatizada, depende do db4o para a configuração da linha de robôs Delta XR31. Antigamente a equipe de desenvolvedores passava horas configurando os robôs, um após o outro e, hoje, eles podem configurar, de maneira centralizada, uma linha inteira de robôs, ocasionando um salto de produtividade significativa para a empresa. Os principais critérios de seleção do db4o para a Bosch Sigpack Systems AG foram o alto desempenho permitindo a gestão de um grande número de objetos, cerca de 39.000, a confiabilidade comprovada e a facilidade de uso (DB4O success story – Bosh Sigpack, 2010). A empresa Indra Sistemas é líder espanhola em Tecnologia de Informação e Sistemas de Defesa e foi a pioneira na utilização do db4o para banco de objetos de missão crítica, a prova de falhas e em tempo real. Com o ganho do contrato, para construir os centros de controle do sistema espanhol de trens bala AVE foi utilizada para a base de dados o db4o, juntamente com os sistemas integrados de controle dos trens de alta velocidade (IRC), desenvolvido totalmente em Java. O IRC foi desenvolvido com objetivo de integrar informações e controle de cada elemento que forma uma linha ferroviária desde a geração offline dos planos operacionais até o controle total em tempo real. A arquitetura utilizada no IRC está dividida em três áreas: rede em tempo real, rede em tempo real aproximado, rede corporativa (Intranet e Internet), em que o db4o gerencia as três camadas do sistema. O framework do Sistema IRC é formado por mais de 30.000 objetos em memória e 30 classes, com 80 terabytes de informações que casualmente circulam para a base relacional Oracle do sistema corporativo. Com a velocidade do db4o é possível ao sistema processar mais de 200.000 objetos por segundo, mas os benefícios mais importantes são a capacidade de consultar diretamente os objetos, sem necessidade de transformá-los e o ambiente de administração zero que é indispensável para sistemas de tempo real (DB4O success story – Indra Sistemas, 2010). 4. Considerações Finais Através deste estudo, pode-se afirmar que o db4o fornece elementos suficientes e necessários para o desenvolvimento de sistemas usando como mecanismo de persistência um banco de dados orientado a objetos. Por se tratar de uma nova tecnologia, o mercado mostra-se receoso, pois o modelo relacional ainda é extremamente empregado e domina as aplicações atuais. Migrar de uma tecnologia consolidada no mercado para outra que está se difundindo gera dúvidas. No entanto, à medida que a complexidade do desenvolvimento e manutenção dos sistemas for aumentando, as empresas terão que buscar novas alternativas que supram suas necessidades. Neste contexto, é que o db4o tem suas vantagens. Referências Date, C. J. Introdução a sistemas de bancos de dados / C. J. Date; tradução [da 121 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011 7. Ed. Americana] Vandenberg Dantas de Souza, Plublicare Consultoria e Serviços. – Rio de Janeiro: Campus, 2000. DB4O – INFORMAÇÕES DO PRODUTO. db4o – Banco de objetos de código aberto. Disponível em: <http://www.db4o. com/portugues/db4o%20Product%20Inform ation%20 V5.0(Portuguese).pdf>. Acesso em: 31 jul. 2010. DB4O:: JAVA & .NET OBJECT DATABASE:: COMPANY INFORMATION. Company Information. Disponível em: <http:// www.db 4o.com/about/company/>. Acesso em: 31 jul. 2010. DB4O:: JAVA & .NET OBJECT DATABASE:: CUSTOMERS AND PARTNERS. Customers and Partners. 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