ALÉM DA DESCRIÇÃO TÉCNICA Em defesa do Memorial de PEx
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ALÉM DA DESCRIÇÃO TÉCNICA Em defesa do Memorial de PEx
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO VIII CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação ALÉM DA DESCRIÇÃO TÉCNICA Em defesa do Memorial de PEx em Jornalismo como Articulação efetiva entre Pesquisa, Prática Profissional e Experiência Pessoal Ana Cristina Spannenberg1 [email protected] Lílian Reichert Coelho2 [email protected] RESUMO Neste texto, apresentamos a proposta de Memorial de Projeto Experimental em Jornalismo a partir de concepção que ultrapassa o mero relatório técnico. Nela, o memorial é compreendido enquanto espaço de reflexão e pesquisa, mesmo para os estudantes que optam pelo Projeto Experimental como Trabalho de Conclusão de Curso. A argumentação orienta-se pela defesa de um Memorial que contemple tanto a pesquisa quanto a exposição pessoal do estudante referente à elaboração, execução e resultados do TCC. Para isso, expomos um estudo de caso, a partir da experiência de docência e orientação dos Projetos Experimentais desenvolvidos nos últimos quatro anos, na Faculdade Social da Bahia, em Salvador-Bahia. PALAVRAS-CHAVE: jornalismo, TCC, Projeto Experimental, memorial, pesquisa na graduação. 1 Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, doutoranda em Ciências Sociais pela UFBA e professora da Faculdade Social da Bahia. 2 Jornalista, mestre em Estudos Literários pela UNESP, doutoranda em Letras pela UFBA e professora da Faculdade Social da Bahia. 2 Os cursos de formação profissional em jornalismo, desde a origem, estabeleceram evidente cisão entre a reflexão teórica e a capacitação técnica que, até hoje, tem ressonância em muitos currículos. Tal separação decorre da idéia que vincula a prática jornalística a um saber meramente técnico, marcante nas primeiras experiências de ensino superior no contexto brasileiro. Isso reverbera o que Nelson Traquina refere sobre o primeiro curso superior em Jornalismo, oferecido pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos, em 1860, que tinha “ênfase no treino da escrita e da edição” (2005, p. 84). É possível entender melhor por que ocorre tal processo se analisarmos o período e as idéias que sustentam o surgimento do ensino de Jornalismo. O jornalismo moderno, originado das transformações sofridas pela imprensa européia e estadunidense ao longo do século XIX, traz como principal característica a emergência de um novo paradigma: “informação, não propaganda” (TRAQUINA, 2005, p.34). A fim de contemplar a nova característica, era preciso demonstrar ao leitor que não havia subjetividade nos conteúdos fornecidos, mas informação. Para tanto, a atividade jornalística passou a estabelecer um conjunto de saberes específicos e regras profissionais que deviam ser cumpridas, vinculando a modalidade profissional em formação a uma técnica. Com isso, o esforço pretendia – sob a influência da Revolução Industrial e da consolidação da ciência moderna como paradigma epistemológico – aproximar o trabalho jornalístico de um método científico, a tal ponto que, “até os anos 1880, utilizavam-se na Alemanha os termos redator jornalístico e doutor com o mesmo sentido”, conforme relata Michael Kunczik (2002, p.24). É, portanto, sob tal paradigma que surgem os cursos de Jornalismo, com a finalidade básica de disseminar as referidas técnicas e treinar o jornalista, cuja atividade torna-se, a partir de então, reconhecida como categoria profissional (cf. KUNCZIK, 2002, p.16; TRAQUINA, 2005, p.122-123). Mesmo sendo a atividade orientada pelos valores modernos supracitados, nota-se que a pesquisa científica sobre a prática jornalística não era frequente nesse momento inicial. Efetivamente, como sublinha Kunczik, o olhar acadêmico só desperta 3 mais de meio século depois3. Conforme o referido autor, em 1910, durante o primeiro congresso da Sociedade Alemã de Sociologia, Max Weber propõe uma “sociologia do setor dos jornais” que teria como objetivo “estudar os efeitos destes sobre a sociedade moderna” a partir da análise de conteúdo (KUNCZIK, 2002, p.20). Também nessa linha, o pesquisador estadunidense Walter Lippmann, em 1922, publica o livro “Opinião Pública”, no qual desenvolve um estudo das rotinas e normas que pautam a atividade jornalística (cf. KUNCZIK, 2002, p.19-20). Na contemporaneidade, observa-se que o jornalismo oferece vasta gama de possibilidades de pesquisa, mas que, ao menos em âmbito nacional, essas ainda estão prioritariamente restritas aos cursos de pós-graduação. No Brasil, o campo de pesquisa em comunicação está legitimado desde a década de 1970 – com a constituição de cursos de pós-graduação – e reconhecido como de natureza interdisciplinar (BERGER, 2002), visto que a comunicação não é entendida como ciência em patamar consensual, sendo obrigada a tomar de empréstimo conceitos e métodos de pesquisa de outras ciências sociais. E, ao concentrar-se o olhar sobre o jornalismo, a situação torna-se ainda mais complexa, pois se constitui subcampo de estudos da comunicação. Um campo em permanente tensão, porque abriga discursos e olhares diferenciados, de acadêmicos e profissionais práticos. Assim, embora tenha ingressado na universidade como atividade técnica, visando a oferecer formação exclusivamente prática, o jornalismo e seus produtos tornaram-se objetos de estudo do campo das ciências sociais pela função que desempenham na sociedade (BERGER, 2002). Tal inserção, porém, não solucionou a cisão da origem. Conforme Berger, “a divisão entre teoria e prática – professores (jornalistas) que ensinam a fazer e professores (cientistas sociais) que discorrem criticamente sobre o jornalismo, corrobora com a disputa recorrente e sempre atualizada” (2002, p.142). Pode-se perceber que essa concepção dicotômica no eixo educacional superior permanece contemporaneamente em currículos que distinguem as disciplinas teóricas das práticas, muitas vezes colocando-as como pólos opostos, não propiciando que o estudante reflita sobre sua prática cotidiana. A evidência de Vale notar que as datas citadas referem-se aos primeiros estudos sistematizados sobre o Jornalismo, embora existam registros anteriores de reflexões e comentários sobre o jornal e sua influência na sociedade – como os de Karl Marx –, para aludir a apenas um exemplo. 3 4 tal divisão ocorre nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). A maior parte dos currículos permite ao acadêmico de Jornalismo optar por desenvolver, ao final da graduação, uma Monografia, estudo teórico, ou realizar um Projeto Experimental (PEx), produto no qual ele aplica as técnicas e teorias que acumulou ao longo dos três anos e meio de curso. Entretanto, essas duas opções são também entendidas como pólos opostos: a monografia como estudo analítico sustentado por reflexão teórica e o PEx como atividade prática, acompanhada de um Memorial (também denominado relatório técnico, memória descritiva ou memória analítica). Ao engendrarmos a busca pelos motivos para a manutenção dessa separação explícita entre teoria e prática na formação do jornalista, nos deparamos com a necessidade de a academia preparar profissionais para um mercado restrito e, para tanto, precisa reproduzir em atividades laboratoriais a “realidade” das redações. A formação do jornalista deve oferecer o contato com teorias e técnicas que lhe garantam condições adequadas para exercer, junto à sociedade, a função de coletar, selecionar e apresentar, dentre o conjunto de fatos que compõem a multifacetada realidade, aqueles que são suficientemente relevantes para ganhar visibilidade nos meios de comunicação (cf. WOLF, 2003). Tal construção profissional ocorre, em grande medida, no âmbito acadêmico, especialmente no Brasil, onde o estágio profissional foi proibido desde 1969, a partir do Decreto-Lei 972 (cf. LOPES, 1989). Diante desse quadro, um dos recursos adotados pelos cursos de jornalismo para oferecer ao estudante oportunidades de experimentar as rotinas produtivas da profissão sem ferir a legislação e, ao mesmo tempo, atender às demandas dos empresários da comunicação por uma formação mais técnica e vinculada à prática profissional, foi a introdução obrigatória da disciplina Projeto Experimental em Jornalismo, regulamentada pela Resolução 03/78, artigo 4, do Conselho Federal de Educação (cf. GOBBI, 2004). Inicialmente ligados à prática intensiva de atividades jornalísticas, em 1984 foram alterados, assumindo a função de trabalhos de áreas específicas e podendo ser desenvolvidos na modalidade de produção de bens comunicacionais ou de monografias acadêmicas (cf. GOBBI, 2004). A disciplina citada nasce com a intenção de substituir o estágio. Assim sendo, soa natural que dela decorra a elaboração de um produto jornalístico e de 5 um relatório, tal como é exigido em outros cursos que possuem estágio regulamentado. Em face disso, o relatório é comumente concebido como o relato descritivo do produto e do percurso de sua produção. Na formulação de Barros e Lehfeld, o relatório deve ter como objetivos socializar o conhecimento obtido durante o processo de pesquisa [...] retratar todas as abordagens e passos metodológicos desenvolvidos para se chegar ao final [...] servir de documentação técnico-científica para análise e avaliação [...] [e] demonstrar o desempenho do pesquisador durante o processo do estudo (2000, p.96). Acreditamos, entretanto, que, além de relatório meramente técnico, o Memorial do Projeto Experimental deve ser uma oportunidade de reflexão sobre a prática e um documento que registre o percurso de pesquisa necessário para a construção de um produto jornalístico viável. Embora tal prática ainda não seja consensual, algumas instituições têm tentado desenvolver os PEx nessa direção, acentuando com rigor a exigência de fundamentação teórica. Nesses casos, com o Memorial, é requerido do estudante que demonstre articulação entre teoria(s) aprendida(s) e capacidade investigativa, ou seja, de pesquisa. E, como resultado, exige-se o desenvolvimento de um produto que possua, simultaneamente, qualidade acadêmica e inserção no mercado, e um Memorial que articule as decisões e escolhas realizadas na construção do produto com as teorias e técnicas desenvolvidas ao longo do curso. Cremos que a proposta de adensamento de um documento que, a princípio, deveria apenas relatar uma atividade prática pode oferecer ao estudante uma formação mais rica, propiciando o desenvolvimento efetivo das habilidades necessárias não apenas à investigação jornalística – com a qual inegavelmente irá deparar-se constantemente no exercício da profissão – mas também com a investigação científica, que o fará pensar criticamente a respeito da sua prática. Além disso, os Memoriais pensados e estruturados dessa forma também podem constituir documentação vasta para compor a fortuna bibliográfica do campo de pesquisa em Jornalismo. Em que pese não ser esse o objetivo central, ao levantar dados e cruzá-los com as teorias, o estudante produz um conhecimento novo, enriquecendo a produção da área. 6 Ao seguir a proposta sugerida, o PEx adequa-se às premissas do Programa Nacional de Estímulo à Qualidade da Formação em Jornalismo4, entendendo a atividade jornalística como forma de conhecimento diretamente relacionada com a arte e a ciência e, por isso, “ [...] pode e deve perseguir um elevado grau de objetividade no registro e interpretação dos fatos sociais tendo, inclusive, a prerrogativa de amparar-se no conhecimento científico existente” (BASES, 2008). Para tanto, a formação do profissional deve considerar “a necessidade de pesquisa e experimentação de teorias e técnicas relacionadas com as linguagens e práticas aplicáveis ao exercício do jornalismo” (BASES, 2008). Abaixo, apresentamos uma proposta de estruturação para Memorial de Projeto Experimental em Jornalismo que acreditamos ultrapassar os limites do mero relato e evidenciar a imersão na pesquisa científica. O modelo exposto é executado nos Trabalhos de Conclusão de Curso que vêm sendo desenvolvidos pelo Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Faculdade Social da Bahia, localizada em Salvador (Bahia / Brasil), desde o ano de 2005. Exposição da proposta No que diz respeito à natureza, o PEx caracteriza-se como uma das disciplinas regulares da grade curricular, compreendendo carga horária de 234h/a. O percurso do Trabalho de Conclusão inicia-se no primeiro semestre, com a disciplina Iniciação à Pesquisa Científica (36h/a), que prepara o estudante para o bom desempenho nas disciplinas teóricas fundamentais, quais sejam: Teorias da Comunicação I (72h/a, segundo semestre) e II (72 h/a, terceiro semestre), Teorias do Jornalismo (72 h/a, quarto semestre) e Semiótica (72 h/a, quinto semestre). Nesse trajeto, o estudante tem a oportunidade de defrontar-se com a pesquisa científica, à medida que os docentes procuram 4 O PNQFJ é uma iniciativa da Associação Brasileira de Escolas de Comunicação (ABECOM), Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (ENECOS), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) e do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo. A íntegra do documento pode ser encontrada no endereço: http://www.fnpj.org.br/pnqfj.php 7 estimular a produção de artigos como avaliação. Sublinhe-se que a produção dos artigos é orientada passo a passo pelos professores responsáveis pelas disciplinas supracitadas. No sexto semestre de curso, o estudante aprovado nas disciplinas elencadas matricula-se em Teoria e Métodos da Pesquisa em Comunicação (36 h/a), que oferece subsídios teóricos para a confecção do préprojeto de pesquisa, realizado em Elaboração de Projetos (72 h/a, sétimo semestre). É autorizado a matricular-se no oitavo semestre, reservado à execução do TCC, somente aquele que não apresentar pendências de disciplinas obrigatórias no Histórico Escolar, podendo cursar, no máximo, duas optativas concomitantemente ao PEx. A coerência da prática acima descrita fundamenta-se na compreensão de que há um percurso lógico a ser trilhado pelo estudante de Jornalismo, a fim de construir as competências necessárias para a proposta e o desenvolvimento de um Trabalho de Conclusão de Curso afim com os desejos e a almejada projeção profissional do estudante. No entanto, trata-se de algo mais. Como coroamento de um processo que garante diploma em nível superior, cremos que o estudante apenas está apto a seguir a profissão ou a carreira acadêmica se dedicar-se, em alguma medida, à pesquisa, um dos pilares da tríade constituída pela graduação universitária, acompanhada de ensino e extensão. Evidente que, nem sempre, conseguimos desenvolver pesquisa e extensão em instituições privadas de ensino superior e, justamente por isso, consideramos necessário que o TCC reflita um processo sério de incursão pela pesquisa acadêmica5. Sabemos que tal necessidade esbarra no caráter prático, técnico, que o curso de Jornalismo assumiu e que se reflete no imaginário dos estudantes – e, infelizmente no de alguns professores –, logo, na produção de TCCs, em sua maioria, PEx. Quanto às modalidades de PEx oferecidas, o curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia apresenta as seguintes categorias: Jornalismo Impresso, cujas subcategorias contemplam: livro-reportagem e grande-reportagem (individual), jornal e revista (em grupos de, no máximo, três componentes); Radiojornalismo: programa radiofônico ou documentário radiofônico (todos em grupos); Atualmente, na Faculdade Social da Bahia estão em andamento seis Projetos de Iniciação Científica. 5 8 Telejornalismo: programa televisivo ou documentário televisivo (todos em grupos); Jornalismo Digital: sítio (em grupos); Fotografia Jornalística: fotorreportagem (individual); Assessoria de Comunicação: Plano de Comunicação (em grupos). Em que pese a diversidade de produtos jornalísticos, todos os PEx devem, obrigatoriamente, estar acompanhados de um Memorial, concebido como pesquisa, vez que a reflexão não deve estar alijada da prática jornalística, sobretudo quando situada no ambiente acadêmico. A fim de cumprir a meta proposta, julgamos pertinente que a arquitetura do Memorial apresente os seguintes itens: Introdução; Justificativa; Análise de similares (sobre tema e suporte); Revisão de literatura (sobre tema e suporte); Procedimentos Metodológicos (detalhadamente descritos e fundamentados teoricamente); Projeto editorial e/ou gráfico (a depender do produto); Pesquisa de mercado (a depender do produto) e Memória propriamente dita (relato da experiência). Tal estrutura, que pode sofrer variações de acordo com a natureza de cada projeto, foi delineada não apenas pela adequação do memorial às exigências do relatório de pesquisa tradicional, mas também a partir da experiência prática de orientação e produção de TCCs, ao longo de quatro anos. Por este motivo, não está alicerçada tanto em manuais de orientação de trabalhos científicos, mas no aprendizado resultante do próprio processo de pesquisa. Algumas destas etapas podem ser realizadas durante a produção do préprojeto, como a Análise de Similares, a Revisão de Literatura e a Pesquisa de Mercado. De fato, a experiência acumulada revela que, se o pré-projeto for bem conduzido, na execução do TCC o estudante pode dedicar-se quase exclusivamente ao produto, restando-lhe apenas o relato da Memória propriamente dita, pois esta depende, evidentemente, da finalização do trabalho. No entanto, o que se observa, na prática de orientação e avaliação, é a necessidade de aperfeiçoamento dos itens citados durante a execução do PEx, o que, muitas vezes, obriga o estudante a manter jornada dupla ou acarreta em deficiências no produto jornalístico experimental. Abaixo, definimos cada item e apresentamos experiências bem sucedidas em trabalhos realizados na Faculdade Social da Bahia. 9 Compreendemos por Análise de Similares o processo resultante da pesquisa de trabalhos jornalísticos anteriormente produzidos no que diz respeito ao tema e ao suporte. Em geral, é mais simples para o estudante pesquisar sobre o suporte, que lhe é familiar, pois deve ter sido estudado em uma ou mais disciplinas durante o curso. Como o tema é livre, supõe-se que seja de interesse do proponente, cujo esforço deve orientar-se na pesquisa de materiais de naturezas distintas na área escolhida. É possível que o estudante inicialmente desanime com as dificuldades, mas, comumente, está intrinsecamente motivado a persistir e a adquirir conhecimentos sobre o tema. Recomenda-se que a Análise de Similares seja realizada na etapa do pré-projeto, pois o conhecimento de obras afins auxilia no delineamento do percurso, minimizando tempo e esforço. No Memorial do livro-reportagem “Estereótipo – a imagem (des)embaçada do Engenho Velho da Federação”6, Luciana Santana Reis apresenta, como similares relativos ao tema, resultados da pesquisa em documentos históricos, jornalísticos, bibliográficos e acadêmicos. O objetivo era aprofundar os conhecimentos da então estudante sobre o referido bairro nãonobre da cidade de Salvador7 e justificar a relevância acadêmica do assunto, para além da evidente relevância social e jornalística, vez que o Engenho Velho da Federação é uma das localidades mais violentas e marginalizadas da capital baiana. Como similares do suporte, o Memorial apresenta análises de livrosreportagens que, de algum modo, abordam o tema violência como “Rota 66” e “Abusado”, de Caco Barcellos, “A sangue frio”, de Truman Capote, e “Morcegos Negros”, de Lucas Figueiredo. Além dos citados, apresenta também a análise de “Visão Inocente”, livro produzido pelo professor e jornalista soteropolitano Antonio Luiz Diniz, que trata especificamente do cotidiano dos residentes na localidade estudada. O item Revisão de Literatura também deve contemplar pesquisa relativa ao suporte e ao tema. Cremos que é a Revisão de Literatura, em consonância com a Análise de Similares, que sustenta com mais propriedade o trabalho, tanto de reflexão quanto de apuração. Com isso, intentamos afirmar que o Memorial constitui mecanismo imprescindível para a prática acadêmica e 6 7 TCC defendido em 2007, na Faculdade Social da Bahia. Vale salientar que a estudante nasceu no bairro, onde mora até hoje. 10 jornalística, pois são os conhecimentos adquiridos na construção das referidas etapas que permitirão ao estudante elaborar os Roteiros de Entrevista, necessários para a realização de PEx em qualquer suporte. Caso exemplar é o Memorial do vídeo-documentário “Antíteses da paisagem urbana – a transformação do ambiente público em espaço privado”, realizado por Cláudio Ferreira, Marcela Correia, Robert Batalha, Sidney Lins e Silvério Alves8. A fim de construir um repertório que ultrapassasse o senso comum e, dessa forma, elaborar estratégias de apuração e Roteiros de Entrevistas com moradores de rua de Salvador, a equipe pesquisou em livros e documentos de diversos campos teóricos, da Geografia Humana à Filosofia. A problematização sobre a ocupação e a reinvenção do espaço urbano só foi possível pela reflexão a partir da pesquisa trilhada por autores que permaneceriam desconhecidos do estudante que realizasse trabalho meramente técnico. Para além das balizas teóricas relativas ao tema, a equipe apresenta também, no Memorial, pesquisa sobre o suporte: o vídeo-documentário, que auxilia na justifica das escolhas técnicas e estéticas empreendidas. Em alguns casos, o trabalho de pesquisa para o Projeto Experimental pode ultrapassar a simples revisão de bibliografia já publicada e, até mesmo, produzir uma referência a respeito do tema, gerando, portanto, conhecimento novo. É o que ocorre, por exemplo, no memorial do radiodocumentário “Diretas Já com Vatapá”, produzido por Ana Cláudia Menezes, Jacqueline França e Verena Santana9. Em função da quase inexistência de bibliografia a respeito do movimento das Diretas Já no estado da Bahia e na cidade de Salvador, as autoras precisaram, para execução do produto proposto, desenvolver uma pesquisa historiográfica a respeito, baseada em documentação – jornais e outros periódicos da época – e no relato de atores que vivenciaram o fato. O resultado foi a construção de um registro histórico, tanto do ponto de vista jornalístico – através do áudio – quanto do ponto de vista acadêmico, pelo texto do memorial. Pelos itens Projeto editorial e/ou gráfico e Pesquisa de Mercado, compreendemos a formulação prévia da estrutura do produto jornalístico periódico, que envolve desde o público-alvo até a definição de editorias, horário de exibição (no caso de telejornalismo e radiojornalismo), elementos de 8 9 TCC defendido em 2006, na Faculdade Social da Bahia. TCC defendido em 2008, na Faculdade Social da Bahia. 11 linguagem, dentro outros aspectos. É pela pesquisa, entendida em amplo espectro – de mercado, bibliográfica, de similares –, que o estudante constitui a fundamentação da proposta. A partir da coleta baseada em procedimentos teórico-metodológicos é que terá subsídios para justificar as escolhas realizadas. Vale ressaltar que, enquanto o Projeto gráfico é uma exigência dos produtos que possuem interface gráfica (jornalismo impresso, telejornalismo, jornalismo digital e fotografia jornalística), a Pesquisa de Mercado e o Projeto Editorial são necessários para todos os produtos que estabeleçam continuidade na sua relação com os destinatários pretendidos, ou seja, que não tenham ocorrência única (como jornais, revistas, programas radiofônicos e televisivos e websites). O Memorial do programa radiofônico “Sintonia Feminina”10, realizado por Catarina Jatobá, Rita Consuelo e Yin Yee Ng Carneiro, demonstra a aplicação de 200 questionários (número advindo de amostragem nãoprobabilística por cotas). Com base nas respostas, foram definidos: duração, horário, periodicidade, conteúdo, linguagem, modalidades de participação do público. Os questionários também auxiliaram no mapeamento do perfil do público quanto a escolaridade, renda e assuntos de interesse. Além disso, o Projeto Editorial contempla as estruturas técnica e de recursos humanos necessárias, bem como a distribuição do conteúdo. Em “Sintonia Feminina”, as autoras orientaram-se pela pesquisa, cujos resultados revelaram o desejo do público em informar-se preferencialmente pelos temas educação, saúde e trabalho, estruturados no programa em diversos gêneros jornalísticos. Pelo exposto, observa-se que esta etapa da pesquisa é fundamental para o processo de PEx, pois aproxima o estudante de jornalismo de setores da sociedade com os quais, muitas vezes, não tem contato e/ou conhece apenas através de estereótipos ou, ainda, pelo senso comum. É também por intermédio de uma boa pesquisa que o estudante de Jornalismo consegue analisar a produção já existente no mercado e a refletir sobre ela. A pesquisa confere ainda caráter verdadeiramente experimental ao produto, contribuindo para o cumprimento de uma das expectativas dessa modalidade de TCC, a saber: a possibilidade de entrada independente do produto no mercado. O PEx desenvolvido por Cristielle França e Renata Portela reflete o caráter experimental do TCC pelo tratamento inovador de tema 10 TCC defendido em 2006, na Faculdade Social da Bahia. 12 recorrente nos programas de rádio soteropolitanos: música. O recorte temático do piloto, pagode baiano, cujo título é “Quebra tudo, ordinária!”11, problematiza o referido estilo musical, de alto consumo pelas camadas populares e geralmente concebido com preconceito pelos públicos A e B e por setores da mídia hegemônica. A concepção do produto resultou da aplicação de 300 questionários (alcançado por amostragem não-probabilística por intencionalidade) em três das maiores estações de transbordo da cidade, com o objetivo de aferir o perfil do público e, a partir daí, delinear seus gostos e desejos no que tange ao consumo de música. Consideramos fundamental o item Memória, cujo título pode variar de acordo com as instruções de cada orientador. Concebe-se como Memória, Diário ou Relato de Experiência, a narrativa pessoal do processo de construção do PEx. Se individual, a Memória relata com detalhes os procedimentos adotados, os reveses, as vivências pessoais do estudante durante a execução do TCC. Se coletivo, solicita-se que cada integrante da equipe ofereça a Memória particular e que o grupo apresente a Memória da experiência tal como coletivamente vivida. Nesta etapa, o estudante tem possibilidades de ultrapassar os aspectos científicos propriamente ditos e mostrar seu envolvimento subjetivo com a temática e com o processo. O Memorial da revista para a melhor idade “Longevidade”12, apresentado por Vanina Sá, Larissa Julião, Maiana Brito, Silvanete Castor e Ceila Matos, demonstra o que afirmamos acima, pelo depoimento de Vanina: Depois de duas semanas ligando e indo à Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso, conseguimos marcar a entrevista com a delegada. (...) O mais interessante de ter ido à Delegacia foi presenciar uma realidade que não se adequa à proposta da Longevidade. Numa dessas tardes em que ficamos esperando uma brecha para entrevista, uma velhinha foi denunciar o próprio filho por maus-tratos. Foi terrível presenciar o constrangimento e a humilhação que é a denúncia em casos como esse. Aliás, faço até uma crítica à estrutura da delegacia, uma vez que as denúncias são feitas numa sala de espera e todos ali presenciam a reclamação que está sendo feita; falta, portanto, privacidade (2006). O trecho permite ao leitor observar os sentimentos da estudante como ser humano, os procedimentos de pesquisa e entrevista jornalísticas adotados por 11 12 TCC defendido em 2008, na Faculdade Social da Bahia. TCC defendido em 2006, na Faculdade Social da Bahia. 13 ela e também a consciência cidadã, que não advém apenas do senso comum, mas reflete posicionamento oriundo, em grande parte, da Revisão de Literatura e da Análise de Similares, previamente realizadas. À guisa de conclusão Concebendo-se os parâmetros adotados pelo curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia como estudo de caso, espera-se ter demonstrado a importância de rigor na construção do Memorial dos Trabalhos de Conclusão de curso na modalidade Projetos Experimentais em Jornalismo. Salientamos que a observação dos critérios acima expostos permite que o PEx seja, de fato, resultado de trabalho de pesquisa, não se constituindo apenas como relatório técnico. Reiteramos que o Memorial do PEx, tanto quanto o trabalho monográfico, se estruturados de acordo com os critérios acima apontados, pode constituir documentação relevante no que tange à ampliação do campo de pesquisa em Jornalismo. O referido pode se concretizar pelo fato de que, ao realizar levantamento de dados e articulá-los com as teorias estudadas ao longo do curso e durante a execução do TCC, o estudante pode fazer circular um produto inovador, realmente experimental, além do próprio documento que o fundamenta, enriquecendo a produção da área. REFERÊNCIAS BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de Metodologia Científica – Um guia para a iniciação científica. 2.ed. São Paulo : Makron Books, 2000. 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