Dissertação - Cristiane Ferreira Esch
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Dissertação - Cristiane Ferreira Esch
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Instituto de Psicologia Cristiane Ferreira Esch Descortinando o Passado para Vislumbrar o Porvir: da Gestalt-Terapia à Abordagem Gestáltica no Brasil – 40 anos de histórias Rio de Janeiro 2012 Cristiane Ferreira Esch Descortinando o Passado para Vislumbrar o Porvir: da Gestalt-Terapia à Abordagem Gestáltica no Brasil – 40 anos de histórias Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História, Imaginário Social, Cultura. Orientadora: Prof. Dra. Ana Maria Jacó-Vilela Rio de Janeiro 2012 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/A E74 Esch, Cristiane Ferreira. Descortinando o passado para vislumbrar o porvir: da gestaltterapia à abordagem gestáltica no Brasil – 40 anos de histórias / Cristiane Ferreira Esch. – 2012. 206 f. Orientadora: Ana Maria Jacó-Vilela. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. 1. Gestalt-terapia – Brasil – História – Teses. I. Jacó-Vilela, Ana Maria. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título. nt CDU 159.9.019.2 Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. ________________________________ Assinatura _____________________ Data Cristiane Ferreira Esch Descortinando o Passado para Vislumbrar o Porvir: da Gestalt-Terapia à Abordagem Gestáltica no Brasil – 40 anos de histórias Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História, Imaginário Social, Cultura. Aprovada em 27 de junho de 2012 Banca Examinadora: ________________________________________ Profª. Dra. Ana Maria Jacó-Vilela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ________________________________________ Profª. Dra. Laura Cristina de Toledo Quadros Universidade do Estado do Rio de Janeiro _________________________________________ Profª. Dra. Mônica Botelho Alvim Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2012 DEDICATÓRIA A todos aqueles que acreditam que na vida o que “se vê” não é tudo o que se poderia “chegar a ver”. AGRADECIMENTOS Sobre o significado de agradecer – gratidão! E sobre a importância do significado da presença de pessoas queridas, importantes, referências em nossas vidas... São muitos os agradecimentos, e como não poderia deixar de dizer, graças a Deus, por isso. Foram muitos os bons encontros ocorridos ao longo de minha trajetória profissional, e que influenciaram em meu desenvolvimento pessoal, numa relação entre o profissional e o pessoal, a meu ver, inevitável e indissoluvelmente entrelaçadas. Portanto, desde logo esclareço que os agradecimentos explicitados aqui não se restringem a esse momento, mas se inserem no decorrer de minha vida profissional e condensam meu percurso trilhado na psicologia. Muitas destas pessoas estiveram presentes, contudo, no processo de construção desta dissertação. Algumas delas inevitavelmente estarão presentes no momento de sua defesa. Então vou começar por elas: meu profundo e sincero agradecimento a minha orientadora profª. Dra. Ana Maria Jacó-Vilela por ter sempre incentivado a realização de um mestrado e, depois, por aceitar a reinaugurar uma parceria iniciada há tempos quando eu ainda era uma bolsista de iniciação cientifica a participar de sua pesquisa em História da Psicologia no Brasil. Ao me receber como sua orientanda, posso dizer que, desta vez, aceitava também participar de um projeto que era meu, derivado de meu caminho e percurso enquanto profissional da psicologia que se filiou e abraçou a Gestalt-Terapia e a abordagem gestáltica como um dos norteadores deste caminho. À Ana ainda, continuo admirada pelo seu olhar cuidadoso ao texto, pelas suas correções a ele, pelo seu rigor e pelo seu estímulo freqüente à reflexão e crítica. Deixo registrada aqui a sensação acompanhada da constatação de que a escolha pela parceira foi acertada! E ainda a minha admiração, algumas vezes já declarada, e agora devidamente registrada nestas linhas, que faz com que eu tenha na sua pessoa, um exemplo de profissional e competência acadêmica. À Laura Quadros, por suas palavras amigas e disponibilidade demonstradas em nossos encontros “apressados” pelos corredores da UERJ. Meu agradecimento à Mônica Botelho Alvim, que se fez presente nesta trajetória desde a qualificação do projeto, trazendo contribuições importantes, que me auxiliaram a iluminar um caminho, eu diria, difícil de ser trilhado. À Eleonôra Torres Prestrelo, Teresinha Mello da Silveira e Luciana Bicalho Cavanellas profissionais que estiveram presentes desde o início de meu caminho na Gestalt-Terapia, meus mais profundos agradecimentos, principalmente por ainda se fazerem presentes, disponíveis e parceiras ao longo desta caminhada. A cada uma delas, uma menção especial: Eleonôra, por me levar uma sacola pesada de revistas de Gestalt-Terapia, que se tornaram valiosas para a realização desta dissertação; Teresinha, por sua postura franca que parece falar de uma gratidão à vida; Luciana, por me acompanhar em momentos difíceis de minha vida, permitindo a mim, “amparada” e suportada por sua mente “aberta’ e “livre” da rigidez, de preconceitos, vislumbrar possibilidades e respirar com mais frescor... Ao Luiz Lilienthal com quem tive a oportunidade e a satisfação de me encontrar neste caminho que tem na Gestalt-Terapia sua ligação. Obrigada pelo apoio, pela presença, pelo tempo dispensado a mim através de suas contribuições valiosas quando esta dissertação ainda era um pré-projeto de seleção para o mestrado. Quero aqui, estender este agradecimento a todo o quadro de professores do Instituto Gestalt São Paulo, em especial à coordenação do Instituto – Myriam Bove Fernandes e Claudia Ranaldi Nogueira – por fazerem deste um lugar tão especial e aconchegante. A estas pessoas, todas, mais algumas palavras, que sintetizam a sua importância em minha vida: pelo afeto trocado, pela riqueza das trocas, por compartilharem seus saberes e experiências, por contribuírem com minha formação, enfim, por permitirem que para além do profissional, pudesse aparecer, se fazer presente, desabrochar o jeito pessoal e único que cada um de nós possui e tem a oferecer, fazendo desta, conforme acredito, nossa melhor e maior contribuição! Ao profº Ademir Pacelli que, enquanto diretor do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro à época, recebeu-me integrou-me ao seu corpo de profissionais. Obrigada pela oportunidade, incentivo e confiança creditados. Aos meus queridos estagiários do Estágio Especializado em Gestalt-Terapia e também aos residentes do curso de Especialização em Psicologia Clínico-Institucional na Clínica Especializada em Cirurgia Cardíaca por vocês terem “acontecido” na minha vida, abrindo-me uma porta talvez ainda não pensada, ou melhor, não ousada antes, de transmissora de conhecimentos, ensinamentos, posturas, e com isso, tornaram-me responsável por contribuir com um momento tão importante da trajetória profissional, que é este da formação. A importância deste lugar e a crença de que as construções possíveis derivadas dele podem valer para uma vida inteira no percurso profissional de cada um, fizeram crescer em mim a necessidade, dessa vez, aumentada, de aprimoramento, aperfeiçoamento, capacitação e compromisso com o outro, aqui personificados pela presença de cada um de vocês que passaram e passarão pelo meu caminho. Este é sem dúvida um lugar em que, mais do que nunca, estão entrelaçados o pessoal e o profissional, e por isso, deixo registrada aqui que a presença de vocês aguçaram em mim a necessidade constante de rever, revisitar, aprimorar, em mim, o pessoal que habita o profissional. Na outra ponta, agradeço às pessoas que me permitiram aplicar meus conhecimentos profissionais, tanto no contexto da clínica, quanto no contexto hospitalar: clientes, pacientes, familiares, por me tornarem parte importante de momentos de suas vidas e por apostarem que teria como contribuir e construir possibilidades com vocês..., meu muito obrigada! Aos meus amigos nesta jornada da vida, pelos momentos de relaxamento e prazer, apoio e força nos momentos difíceis, em especial Giselaine, Cátia, Dário e Flávia. Às minhas companheiras Marcelas, tão bem vindas, chegadas por ocasião do início do curso de Mestrado em minha vida, com quem foi possível estabelecer uma relação de ajuda mútua, suporte, superação, vividos no decorrer destes poucos mais de dois anos... obrigada por suas presenças. Espero que este encontro tenha inaugurado a permanência de vocês daqui por diante em minha vida, incluindo aqui Maria, Denise, José Henrique, Filipe, Daiane, Alice, Stephanie, Mariana, Patrícia... e demais integrantes deste grande centro promotor de trabalhos, encontros, parcerias e amizades, que é o Núcleo Clio-Psyché. Ao Lauro, com quem estabeleci um belo encontro e parceria, obrigada pelo seu suporte, pelo seu coração generoso, presença, amor, compreensão, capacidade de doação... e paciência por me esperar. Aos meus amados pais, sem os quais nada disso teria sido possível. Pela sua parcela tão importante de contribuição naquilo que sou e que me tornei como fruto de seus ensinamentos, valores transmitidos, acertos e falhas neste processo de formação pessoal, minha mais profunda e terna gratidão e meu amor maior. Por me acompanharem desde sempre, pelo amor dedicados, pelas renúncias assistidas, pelas preocupações constantes, mesmo que nem sempre necessárias, por tudo mesmo, e sendo tudo, a dificuldade de colocar em palavras... à minha mãe ainda, pela comida congelada, pelo microondas, pela ida à biblioteca da PUC/RJ em busca de artigos para esta dissertação... À minha também amada irmã, com quem, por minha posição de primogênita, partilhei quase desde sempre deste lar, o que nos faz cúmplices e parceiras neste processo de diferenciar-se, constituir-se enquanto pessoa, ser e rumar para a vida, orientadas por escolhas próprias, singulares, ainda que sem dúvida, perpassadas por essas experiências vividas conjuntamente. Obrigada por dividir comigo este lugar e por ser quem é... O progresso da civilização material pode levar algumas pessoas a pensar que nada mais há a descobrir e que cada polegada do planeta é conhecida. Que erro! Tanto pelo passado e talvez ainda mais que no passado, o mundo é um mundo de segredo e um mundo de mistérios. Raymond Bernard - Encontros Com o Insólito RESUMO ESCH, Cristiane Ferreira. Descortinando o Passado para Vislumbrar o Porvir: da Gestalt-Terapia à Abordagem Gestáltica no Brasil – 40 anos de histórias. 2012. 206 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. A presente dissertação tem por objeto a história e o desenvolvimento da GestaltTerapia no Brasil. Toma como ponto de partida o resgate e a influência de seus fundadores para a edificação de sua teoria e prática, embalados pelas transformações sofridas pela psicologia no decorrer do século XX. Enfatiza o contexto americano e o período da contracultura como o momento em que a Gestalt-Terapia alcança notoriedade, e passa a ocupar um espaço junto ao leque de psicoterapias reconhecidas. Finalmente aborda sua recepção no Brasil, considerando os elementos históricos que permitiram sua chegada, sobretudo o contexto sócio-político e a situação da psicologia como ciência e profissão na década de 1970. Discorre sobre o desenvolvimento inicial desta abordagem em nosso país, apresentando os diversos momentos e fases porque passou a Gestalt-Terapia no Brasil, e ainda sobre o seu crescimento e difusão enquanto teoria e prática psicoterápicas. Utiliza-se como método a produção escrita na área, principalmente a partir da eleição de três categorias de estudo: artigos publicados em periódicos especializados em Gestalt-Terapia, artigos publicados em periódicos em geral e, finalmente, dissertações e teses produzidas sob o referencial gestáltico. Por fim, observa que o caminho trilhado pela Gestalt-Terapia levou à sua expansão para outras áreas da psicologia, em uma ampliação de seu escopo de atuação para além das fronteiras da psicologia clínica e da prática psicoterápica. Tal fato justificou a utilização corrente da expressão abordagem gestáltica como representativa dessa expansão. Conclui-se que a Gestalt-Terapia e a Abordagem Gestáltica apresentam uma proposta teórica e possibilidades de aplicação prática que permitem atender e contribuir para a psicologia na atualidade, principalmente pela possibilidade de abordar e intervir em questões sociais, na direção da construção de um mundo melhor. Palavras-chaves: Gestalt-Terapia no Brasil. Abordagem Gestáltica no Brasil. História. Produção escrita em Gestal-Terapia no Brasil. ABSTRACT This paper is about the history and development of Gestalt therapy in Brazil. It takes as its starting point the rescue and the influence of his founders for the edification of his theory and practice, enhanced by the transformations in psychology during the twentieth century. Emphasizes the American context and the period of the counterculture as the moment when the Gestalt therapy achieves notoriety, and now occupies a space next to the recognized range of psychotherapies. Finally discusses its reception in Brazil, considering the historical elements that have allowed their arrival, especially the socio-political situation and of psychology as a science and politics in the 1970s. Discusses the initial development of this approach in our country, presenting the various moments and stages of Gestalt therapy in Brazil, and on its growth and diffusion as a theory and practice psychotherapy. It is used as a method written in the production area, mainly from the election of three study categories: Articles published in journals specialized in Gestalt therapy, articles published in general journals and, finally, dissertations and theses produced under the referential of gestalt. Finally, observe that the path taken by Gestalt therapy led to its expansion to other areas of psychology, in an expansion of its scope of action beyond the boundaries of clinical psychology and psychotherapy practice. This fact justified the routine use of the term gestalt approach as representative of this expansion. It is concluded that Gestalt therapy and Gestalt approach presents a theoretical and practical possibilities that allow you to meet and contribute to psychology today, especially the possibility to address and intervene in social issues, toward building a better world . Keywords: Gestalt Therapy in Brazil. Gestalt approach in Brazil. History. writing in Gestal Therapy in Brazil. LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADRO 1 – Coleção Novas Buscas em Psicoterapia – Summus Editorial........ 84 QUADRO 2 – Livros publicados por Zahar Editores, Rio de Janeiro.................... 85 QUADRO 3 – Artigos publicados em periódicos em geral, por período de publicação....................................................................................... 112 GRÁFICO 1 – Artigos publicados por periódico..................................................... 113 GRÁFICO 2 – Periódicos que publicaram sobre Gestalt-Terapia por período....... 113 QUADRO 4 – Vinculação dos periódicos que publicaram artigos sobre GestaltTerapia............................................................................................ 114 GRÁFICO 3 – Periódicos que publicaram Gestalt................................................. 118 QUADRO 5 – Periódicos que publicaram artigos sobre Gestalt-Terapia, classificação por período................................................................ QUADRO 6 – 119 Dissertações e Teses em Gestalt-Terapia por programa de PósGraduação...................................................................................... 122 GRÁFICO 4 – Quantitativo de Dissertações e Teses por período......................... 126 GRÁFICO 5 – Programas de Pós-Graduação com Dissertações e Teses no referencial gestáltico....................................................................... 127 GRÁFICO 6 – Distribuição de Dissertações e Teses por regiões do Brasil........... 128 GRÁFICO 7 – Distribuição de Dissertações e Teses por estados brasileiros........ 129 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 14 FORMANDO A GESTALT: AS PRINCIPAIS PERSONAGENS COMO FIGURA E O CONTEXTO COMO FUNDO 29 1.1 Fritz Perls 29 1.2 Paul Goodman 36 1.3 Laura Perls 45 1.4 A emergência e o desenvolvimento inicial da Gestalt-Terapia 49 2 A GESTALT-TERAPIA NO BRASIL: RECEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO INICIAIS 2.1 62 O cenário político e sócio-econômico-cultural no Brasil nas décadas de 1950, 1960 e 1970 62 2.2 Por onde caminhou a psicologia durante este período? 70 2.3 A 2.3.1 Gestalt-Terapia chega ao Brasil: recepção, difusão e desenvolvimento iniciais 75 O primeiro momento: entusiasmo, encantamento e difusão 75 2.3.1.1 A transmissão inicial da Gestalt-Terapia realizada por brasileiros 90 2.3.2 O segundo momento: reflexão, desilusão e a busca de referenciais 93 2.3.3 O terceiro momento: rumo à produção nacional em Gestalt-Terapia 96 A CONSOLIDAÇÃO DA GESTALT-TERAPIA NO BRASIL 99 A Gestalt-Terapia em números: décadas de 1980, 1990 e 2000 102 3.1.1 O “boom” dos periódicos especializados em Gestalt-Terapia 104 3.1.2 A publicação de Gestalt-Terapia em periódicos em geral 110 3.1.3 A produção de dissertações e teses com o referencial gestáltico 120 3 3.1 4 OS RUMOS DA GESTALT-TERAPIA NO BRASIL: DA GESTALTTERAPIA À ABORDAGEM GESTÁLTICA 130 4.1 A produção em Gestalt-Terapia na década de 1990 134 4.2 A produção em Gestalt-Terapia na década de 2000 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS 154 REFERÊNCIAS 159 5 APÊNDICE 1 – Livros estrangeiros sobre Gestalt-Terapia publicados no Brasil 176 APÊNDICE 2 – Produção nacional em Gestal-Terapia – Livros 179 APÊNDICE 3 – Centros de Estudos e Institutos de Gestalt-Terapia no Brasil 183 APÊNDICE 4 – Congressos em Gestalt-Terapia 185 APÊNDICE 5 – Periódicos especializados em Gestalt-Terapia 188 APÊNDICE 6 – Artigos sobre Gestalt-Terapia publicados em periódicos em geral, por período 190 APÊNDICE 7 – Dissertações e Teses distribuídas por Programas de Pós-Graduação, por período 197 APÊNDICE 8 – Dissertações e Teses: títulos, autor, ano, programa de pós-graduação e orientador 199 14 INTRODUÇÃO A Gestalt-Terapia surge nos EUA como uma nova abordagem em psicoterapia no ano de 1951, com a publicação do livro Gestalt-Therapy: excitement and growth in the human personality, e autoria de Fritz Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline. Podese considerar, contudo, que o caminho trilhado por seu principal idealizador, Fritz Perls e por sua esposa Laura Perls, anos antes, já anunciava a possibilidade de surgimento de um novo entendimento e método para a psicoterapia. Neste sentido, é de fundamental importância a publicação por Perls do livro Ego, Hunger and Agression: a revision of Freud’s theory and method, em 1942, em que expõe suas discordâncias com a psicanálise. É na década de 1960, favorecida pelo movimento de contracultura, que a Gestalt-Terapia alcança certa notoriedade e popularidade nos EUA. Já na década de 1970 a Gestalt-Terapia chega ao Brasil em meio a um momento político conturbado que foi a ditadura militar. A proposta desta dissertação é abordar a história da Gestalt-Terapia no Brasil, desde sua recepção até os dias atuais, a partir da análise da produção escrita na área. No entanto, antes de iniciar propriamente a história da Gestalt-Terapia no Brasil, é necessário situar sua emergência no mundo, a partir da análise das condições presentes no meio científico que propiciaram a constituição de uma nova abordagem psicoterapêutica, bem como os primeiros passos percorridos por esta abordagem. A Gestalt-Terapia se constitui enquanto uma linha psicoterápica sob a influência de acontecimentos que marcaram o século XX, bem como de experiências que marcaram a vida de seu principal proponente, Fritz Perls. No que diz respeito aos personagens responsáveis pela história e construção da Gestalt-Terapia, é de fundamental importância a inclusão dos nomes de Laura Perls e Paul Goodman que, juntamente com Perls, edificaram o que veio a se denominar como Gestalt-Terapia. A ciência moderna que se originou no final do século XVI, em sua busca de uma realidade empírica objetiva, criou uma divisão entre o sujeito e o objeto, tornando o pensamento ocidental marcado pelo dualismo resultante dessas idéias. Neste modelo, 15 a psicologia, sustentada no pilar da modernidade, localiza no indivíduo o seu objeto, em uma clara separação homem/mundo. O movimento fenomenológico na filosofia, iniciado por Edmund Husserl no início do século XX, pode ser entendido como uma tentativa de restaurar a unidade entre sujeito e objeto. A fenomenologia é, sobretudo, um método alternativo ao método científico dominante: ela nem afirma nem rejeita a existência de um mundo físico “externo”, mas insiste que a investigação filosófica acesse o mundo a partir da consciência – entendida como a única forma de conhecimento. A psicologia da Gestalt, seguida pela Teoria Organísmica e pela Teoria de Campo, surgem no bojo dessas mudanças, contrapondo-se às concepções associacionista e mecanicista que predominavam no campo científico até então. A causalidade simples (causa-efeito) dá lugar à consideração do campo total. A literatura da Gestalt-Terapia aponta tradicionalmente quatro teorias de base – psicologia da Gestalt, teoria organísmica, teoria de campo, holismo – como fundamentos teóricos na constituição da abordagem. Isso significa que suas bases teóricas encontram-se assentadas entre as principais teorias totalizantes do começo do século XX. Ciornai (2009) chama a atenção para o fato destas teorias terem surgido num espaço de tempo relativamente próximo e no mesmo caldo cultural no qual Einstein se formou e gestou as sementes da física da relatividade: Alemanha, período entre guerras. Estas teorias sobre campos e totalidades nas ciências humanas, e particularmente na psicologia, foram, sem dúvida, influenciadas pelo advento da física da relatividade e da física quântica, e dispararam uma nova forma de conceber e significar o mundo, trazendo uma mudança de paradigma que até hoje se processa. Para Loffredo (1994) as contribuições teóricas presentes na Gestalt-Terapia são, em seu conjunto, uma proposta de campo, estrutural, não associacionista e holística do fenômeno psicológico. É de fundamental importância assinalar também a presença do modelo psicanalítico freudiano enquanto influência na Gestalt-Terapia, mesmo que isto ocorra, em muitos aspectos, através de sua negação, crítica e tentativa de ultrapassá-lo. Encontramos na autobiografia de Perls um comentário que ilustra tal presença: 16 Freud, suas teorias, suas influências, são importantes demais para mim. A minha admiração, perplexidade e vingatividade são muito fortes. Fico profundamente comovido pelo sofrimento e pela coragem dele. Respeito profundamente o quanto ele, praticamente sozinho, conseguiu dispondo das ferramentas inadequadas da psicologiade-associação e da filosofia mecanicista. Sou profundamente grato pelo tanto que evoluí levantando-me contra ele (PERLS, 1979, p. 51). Somadas às bases teóricas da Gestalt-Terapia, encontramos ainda pressupostos filosóficos assentados no referencial fenomenológico existencial, o que implica no fato de não podermos ver essa abordagem como pronta, e nem mesmo esperar que isso aconteça algum dia. Rehfeld (2009, p. 25) nos fala a esse respeito: “Não é essência, e sim, facticidade. É enquanto se faz que se está sendo. Seremos aquilo que viermos a ser”. Na abordagem moderna, solipsista, o eu, juntamente com a experiência interior e pessoal, era reconhecido como a única realidade. Por sua vez, os autores da primeira obra em Gestalt-Terapia fazem referência a uma outra realidade primeira: aquilo que existe é o campo. Encontramos em Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 42) a afirmação de que em toda e qualquer investigação biológica, psicológica ou sociológica temos de partir da interação entre o organismo e seu ambiente [...] Denominemos esse interagir entre organismo e ambiente em qualquer função o ‘campo organismo/ambiente’, e lembremonos de que [...] estamos nos referindo a esse campo interacional e não a um animal isolado. Outra afirmação de Perls que confirma tal posicionamento encontra-se em Fagan e Sheperd (1980, p. 49): Somos parte do universo, não distintos dele. Nós e o nosso meio somos uma só coisa. Não podemos olhar sem ter algo para onde olhar. Não podemos respirar sem ar. Não podemos viver sem ser parte da sociedade. Portanto, não podemos, certamente, observar um organismo como se ele fosse capaz de funcionar em isolamento. Desse modo, a Gestalt-Terapia toma como ponto de partida a noção de “campo organismo/ambiente” para descrever a experiência humana no mundo. A experiência é anterior ao “Organismo” e ao “Ambiente”, que são abstrações da experiência (GOODMAN, 1972 apud ROBINE 2006, p. 169). A experiência ocorre na fronteira entre o organismo e seu ambiente (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 41). 17 Através dos conceitos básicos da Gestalt-Terapia de campo, contato e fronteira de contato, é possível reconhecer a proposta fundamental dessa abordagem de criar uma linguagem que superasse o pensamento dualista, corpo-mente, sujeito-objeto, natureza-cultura e indivíduo-sociedade. O contato, que é o conceito central, desde que provê a assimilação dos recursos do meio às necessidades emergentes e, daí, crescimento, é a formação de uma figura de interesse contra um fundo ou contexto do campo organismo-meio. Ao privilegiar o contato, a perspectiva de campo rompe com a hegemonia do intrapsíquico, em que o self é concebido como fundamentalmente separado, associado a uma ótica individualista. A perspectiva de campo que embasa a Gestalt-Terapia, ao definir o self como contato, retira-o do lugar de substância para enfatizar o processo. Segundo Robine (2006, p. 33): O self não pode, portanto, ser apreendido como substantivo, como entidade, como substância, mas sim como verbo, ou melhor, como ad-vérbio, pois ele é o artesão do ato de ‘contatar’, que é a operação básica do campo. Ainda de acordo com Robine (2005), Perls, Hefferline e Goodman introduziram “uma mudança de rumo fundamental, que os coloca no coração daquilo que mais tarde será chamado pós-modernidade: eles deslocaram o self, o descentralizaram e o temporalizaram” (2005, p 108). Estando o acento posto agora na co-construção de significados na relação, observa-se a importância de contemplarmos questões como o vínculo, a solidariedade, a comunidade. Robine (2005, p. 113) diz que “se perdemos em independência, ganhamos em interdependência”. Encontramos em Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 41-43-44) a introdução do conceito de fronteira de contato: Falamos do organismo que se põe em contato com o ambiente, mas o contato é que é a realidade mais simples e primeira. [...] Quando dizemos ‘fronteira’ pensamos em uma ‘fronteira entre’, mas a fronteira – de – contato , onde a experiência tem lugar, não separa o organismo e seu ambiente; em vez disso limita o organismo, o contém e protege, ao mesmo tempo que contata o ambiente. (....) a fronteira de contato [...] não é tão parte do ‘organismo’ como é essencialmente o órgão de uma relação específica entre o organismo e ambiente. 18 O conceito de campo, por sua vez, aparece na primeira obra de Perls (2002, p. 60): A concepção de campo encontra-se em oposição direta àquela da ciência tradicional, que sempre enxergou a realidade como um conglomerado de componentes isolados – como um mundo caracterizado por inúmeras partes. Neste livro, considerado o embrião da Gestalt-Terapia, Perls propunha apenas uma revisão da psicanálise, a partir da passagem de um paradigma que preconizava o intrapsíquico para outro que tinha como centro a noção de organismo (ALVIM, 2007, p. 211). Nesta obra, lançada em 1942, Perls (2002, p. 40) declara a intenção de utilizar-se do holismo como um “instrumento intelectual” para o desenvolvimento de sua perspectiva teórica, considerando o termo “concepção de campo” como sinônimo de holismo. Data deste período o seu contato com Jan Smuts (1870-1950), autor de Holism and Evolution (1926), que Perls já conhecia desde que fora assistente de Kurt Goldstein, em 1926, em Frankfurt, Alemanha. Ao se referir ao livro de Smuts, Perls recomenda sua leitura por apresentar “um exame muito abrangente da importância das totalidades, tanto em biologia quanto em outros ramos da ciência” (PERLS, 2002, p. 63)1. É a partir da noção de ecologia de Smuts – “organismo-como-um-todo-imbricadono-ambiente” – que Perls consolida sua compreensão do organismo inseparável do mundo (ALVIM, 2007, p. 212). De acordo com Lima (2007), Smuts, em sua obra, havia feito uma séria crítica ao modelo científico que dominou o século XIX, e, para contrapor-se a esse modelo, propôs a adoção da teoria de campo como a mais adequada. O autor acreditava que só por meio do conceito de campo a visão da natureza poderia ser restituída a seu caráter fluido e maleável. Para ele, a limitação dos conceitos mecanicistas teve a função de simplificar os problemas das ciências e do pensamento da época, e, se não houvesse uma reconsideração dessa visão, a ciência continuaria tratando dos processos da natureza sob uma ótica reducionista e superficial. O holismo seria uma tendência sintética do universo em evolução pela formação de todos (wholes). A realidade é 1 Aqui é importante assinalar o contexto dessa recomendação: deriva da comparação entre o estudo da psicologia da Gestalt e a leitura do livro de Smuts. Segundo o autor, o primeiro requereria um trabalho científico extenso e experimental detalhado, o mesmo não ocorrendo com a obra de Smuts, a qual estaria ao alcance de muitas pessoas. 19 ordenada e agregadora. Até mesmo as células são sistemas ajustáveis que funcionam em um modelo de auto-organização semelhante aos sistemas sociais. Para Smuts (1996, p. 97 apud LIMA, 2007, p. 137): “Matéria e vida consistem, atômica e celularmente, de unidades estruturais ordenadamente agrupadas em conjuntos naturais que denominamos corpos ou organismos”. A partir do holismo, que considera o organismo como um todo unificado – eixo básico de suporte na Gestalt-Terapia – a velha cisão corpo-mente é, pois, considerada inadequada. Perls critica todas as posições dualistas, considerando-as tentativas de encontrar relações entre corpo e alma. Para ele, tais posições baseiam-se “numa cisão artificial que não tem existência na realidade. Elas pretendem restabelecer uma unidade que nunca deixou de existir” (PERLS, 2002, p. 68), na medida em que corpo e a alma denotam dois aspectos da mesma coisa. Loffredo (1994) relembra a sugestão de Perls, em sua última obra, de abordar a vida e o comportamento humanos considerandos-os como se constituindo por níveis de atividade (ao invés de recorrer ao insuficiente paralelismo psicofísico), o que permitiria o acesso ao ser humano como uma totalidade. Segundo Perls (1988, p. 28), o funcionamento organísmico ocorreria nas seguintes condições: [...] a atividade corporal oculta se transforma na atividade latente particular, que chamamos mental, devido a uma diminuição de intensidade. O organismo age e reage a seu meio, com maior ou menor intensidade; a medida que diminui a intensidade, o comportamento físico se transforma em comportamento mental. Quando a intensidade aumenta, o comportamento mental torna-se comportamento físico. Os conceitos “Teoria Organísmica”, “Organismo” e “Campo Organismo/Ambiente” estão entrelaçados e foram introduzidos no primeiro livro de Perls. O contato com a teoria organísmica de Kurt Goldstein, médico neuropsiquiara, foi um divisor de águas em seu trabalho, dirigindo seu interesse para o paradigma organísmico. O que a Gestalt-Terapia trouxe de Goldstein foi a visão do ser humano como um todo, como um organismo vivo no qual ocorrem processos de inter-relação entre suas partes e que está em permanente relação com o meio, tomando deste o que necessita e deixando o que não necessita, a serviço da auto-regulação. Pela auto-regulação, a 20 necessidade predominante é a que, de alguma forma, organiza nossa percepção e faz algo se transformar em figura, abrindo assim um novo ciclo de experiência. A figura emerge de um fundo, contrasta com ele e clama pela satisfação de uma necessidade. Assim, a formação de Gestalten, a aparição de necessidades, tem sua origem em um fenômeno biológico primário. Em Ego, fome e agressão, Perls argumenta que o sistema sensório-motor é dominado por uma tendência centrífuga, o que significa atribuir atividade ao organismo na direção da satisfação da necessidade dominante, uma intencionalidade que o dirige ao mundo (ALVIM, 2007, p. 212). Perls formulou o resultado desejado do processo terapêutico em termos de autoregulação, qualidade de contato e capacidade de ajustamento criativo. Foi por intermédio de Kurt Goldstein que Perls aprofundou-se na psicologia da Gestalt. Naquele seu primeiro livro, Perls recorreu aos conceitos do gestaltismo na tentativa de rever e buscar uma alternativa às suas insatisfações com o pensamento psicanalítico da época. Assim, a psicologia da Gestalt forneceu a Perls um corpo conceitual básico: todo, parte, figura, fundo, Gestalt, situação inacabada, insight, o que lhe permitiu contrapor-se ao associacionismo e ao mecanicismo que ele compreendia como a base da psicanálise freudiana da época. Ao referir-se à psicologia da Gestalt, Perls recorre a Köhler e Wertheimer (2002, p. 61) que “afirmam haver, essencialmente, uma formação abrangente – que chamam de ‘gestalt’ (formação de figura) – e que as partes isoladas são formações secundárias”. Ainda, em Ego, fome e agressão, Perls cita a definição de gestaltismo de Wertheimer: Existem totalidades cujo comportamento não é determinado por seus elementos individuais, mas onde os processos parciais são determinados pela natureza intrínseca dessas totalidades. A esperança da teoria da Gestalt é determinar a natureza de tais totalidades (WERTHEIMER apud PERLS, 2002, p. 61). Em oposição à identificação de uma cadeia causal proposta pelo associacionismo, o gestaltismo propõe o estudo do “como” se constitui um dado fenômeno: como acontecem as inter-relações entre as partes; como e em função de quê o todo se estrutura de uma determinada maneira. 21 O princípio é que o “todo” tem propriedades intrínsecas como conjunto, diferente da soma das partes que o compõem. Portanto, é o modo de organização dos fenômenos, fatos, percepções ou comportamentos que importa, uma vez que esse “todo” sempre carregará sua própria singularidade, diferente da de seus elementos individuais. Para Perls, ainda na mesma obra, interesses específicos são determinados por necessidades específicas, e aqueles são decisivos na criação da realidade subjetiva. Portanto, a realidade que importa é a realidade dos interesses. De um fundo indiferenciado, a necessidade dominante do organismo se torna figura, uma realidade subjetiva, contra um fundo indiferente. Para que o indivíduo consiga satisfazer sua necessidade ou fechar a Gestalt, ele precisa ser capaz de interagir com o meio, na criação de condições que permitam satisfazer sua necessidade, que desaparecerá tão logo tenha sido atendida. Nesse primeiro momento, Perls (2002, p. 63) faz uso dos termos contexto, campo ou totalidade como sinônimos, colocando-os em oposição a uma perspectiva isolacionista de ciência. Posteriormente, na obra de Perls, Hefferline e Goodman (1951), os autores, ao abordarem o tema “Gestalt-terapia e psicologia da Gestalt”, afirmam a especificidade da psicologia da Gestalt enquanto abordagem unitária que encara a unidade irredutível do campo sociocultural, animal e físico em toda experiência concreta: Esta é naturalmente a tese principal da psicologia da Gestalt: que se tem de respeitar a totalidade de fenômenos que surgem como todos unitários e que estes só podem ser analiticamente divididos em pedaços ao preço da aniquilação daquilo que se pretendia estudar (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997, p. 52). De acordo com Cavanellas (2007), a palavra “totalidade”, no que diz respeito à Gestalt-Terapia, vincula-se à herança recebida da psicologia da Gestalt. A autora sugere-nos caminhar um pouco para trás, com a intenção de chegar à provável nascente do sentido desta palavra. Encontraríamos então, as idéias de Franz Brentano, que influenciaram Edmund Husserl2. Brentano, em sua investigação sobre a natureza dos atos psíquicos, constatou a distinção entre fenômenos físicos e fenômenos psíquicos, relacionando estes últimos à: 2 Edmund Husserl (1859-1938), filósofo alemão, fundador da fenomenologia, método voltado à descrição e análise da consciência através do qual a filosofia tenta alcançar uma condição estritamente científica. 22 [...] experimentação de uma totalidade, que, espontaneamente, se estabelecia, antes mesmo que um ato dela se ocupasse [...] e eis aqui uma primeira formulação da noção fenomenológica de Gestalt. [...] e o rudimento programático daquilo que, na pena de Husserl, transformar-se-á em fenomenologia: descrição dessas vivências que, espontaneamente, configuram-se para nós como totalidades anteriores às partes (GRANZOTTO; GRANZOTTO apud CAVANELLAS, 2007, p. 218). Cavanellas (2007) leva-nos então à conclusão de que, tomando-se a história do nascimento do método fenomenológico (Brentano e Husserl), bem como do percurso trilhado pelos psicólogos da Gestalt, já influenciados pelos primeiros, não é difícil entender porque a palavra totalidade pode encontrar equivalência no próprio termo Gestalt: “[...] a psicologia eidética de Husserl havia legado, a saber, as essências ou intuições (de totalidades), que eles melhor preferiram tratar como estruturas objetivas chamadas Gestalten” (GRANZOTTO; GRANZOTTO apud CAVANELLAS, 2007, p. 219). O gestaltismo possibilitou a Perls contribuir para a edificação da Gestalt-Terapia, enfatizando o processo “[...] de formação figura/fundo no campo organismo/ambiente” (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997, p. 63). No prefácio do livro inicial da Gestalt-Terapia, os autores resumem essa proposta, já apresentada em Ego, fome e agressão (PERLS, 2002): [...] Na luta pela sobrevivência, a necessidade mais importante torna-se figura e organiza o comportamento do indivíduo até que seja satisfeita, depois do que ela recua para o fundo (equilíbrio temporário) e dá lugar à próxima necessidade mais importante agora. No organismo saudável, essa mudança de dominância tem melhor possibilidade de sobrevivência (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997, p. 35). Também a teoria de campo de Kurt Lewin vem sendo apontada como uma importante influência na Gestalt-Terapia, posição compartilhada por importantes autores como os franceses Serge e Anne Ginger (1995), que incluem Lewin na árvore genealógica da Gestalt-Terapia; pelo americano Yontef (1998) que afirma ser a teoria de campo o tipo de pensamento científico que melhor funciona com o restante do sistema teórico da Gestalt-Terapia; e pelos brasileiros Ponciano Ribeiro (1985) que considera a presença da teoria de campo na origem da Gestalt-Terapia e Holanda (2005), que considera a teoria de campo de Kurt Lewin como o fundamento central para construção de uma teoria da personalidade gestáltica. 23 Jean-Marie Robine (2006, p. 170), importante teórico da Gestalt-Terapia na contemporaneidade, situa a abordagem em uma perspectiva de campo. O autor afirma que, desde 1951, com a publicação do livro que inaugura a Gestalt-Terapia, os gestaltterapeutas têm buscado pensar e inscrever sua prática nessa perspectiva, e com isso, encaminham-se cada vez mais para a acentuação da dimensão interacional da abordagem. Gary Yontef, também um gestalt-terapeuta contemporâneo, tem se empenhado em estabelecer uma distinção entre o campo e a teoria do campo (YONTEF,1984a, apud ROBINE, 2006, p.182). Robine (2006) constata um relativo abandono da teoria de campo na GestaltTerapia e aponta como uma possível explicação para isso a apropriação, por parte de alguns gestalt-terapeutas, da Teoria Geral dos Sistemas, de Von Bertalanffy (1973), uma vez que o domínio de aplicação das duas é muitas vezes idêntico. De acordo com Robine (2006), a consequência imediata da aplicação da teoria de campo reside na questão do método, uma vez que a mesma tem como base a idéia de que objeto e pesquisador constituem um campo, e, dessa forma, estão submetidos à influência recíproca. Na Gestalt-Terapia, tratamos de um campo específico denominado “campo organismo/ambiente”, sendo os conceitos de contato e fronteira de contato elaborados para abordar esse campo específico (ROBINE, 2006). De acordo com Robine (2006, p. 176), “o organismo é estabelecido como princípio organizador, elemento referente; e o ambiente é a outra parte do campo, e o próprio organismo está incluído no campo”. Voltamos a afirmar que, apresentada a emergência da Gestalt-Terapia e sua situação atual, a proposta desta dissertação é abordar a história da Gestalt-Terapia no Brasil, desde sua recepção até os dias atuais, a partir da análise da produção escrita na área. A análise histórica, conforme a concebemos, envolve a consideração de fatores sociais, políticos, culturais, científicos. Assim, pretendemos a realização de uma cartografia do momento da chegada da Gestalt-Terapia ao Brasil, com a tentativa de identificar que elementos presentes neste contexto maior permitiram o surgimento, entre nós de uma nova abordagem de psicoterapia. Tal proposta, em termos gestálticos, seria equivalente a perguntar-se: qual o fundo que tornou possível o 24 surgimento desta nova figura? – no caso, a figura a que se refere é a chegada da Gestalt-Terapia no Brasil – na tentativa de descortinar possíveis significados para esta relação. Da mesma forma, no que diz respeito ao desenvolvimento da abordagem no Brasil, cabe-nos perguntar que fatores presentes contribuíram para esta trajetória? Como ocorreu o desenvolvimento e consolidação desta abordagem em nosso meio? Quais os caminhos que a abordagem seguiu no Brasil? A teoria e a prática da Gestalt-Terapia é a adotada pela autora em sua orientação profissional, acompanhado-a desde o período da graduação, por identificar nesta abordagem aquela que se apresenta com maior coerência e mais se aproxima em idéias e concepção de homem e de mundo dos referenciais que fazem parte de sua constituição enquanto pessoa. No percurso trilhado enquanto estudante e profissional, sempre lhe chamou a atenção as críticas comumente dirigidas à Gestalt-Terapia, considerada por muitos como uma abordagem inconsistente ou constituída somente por um arsenal de técnicas sem uma base teórica que lhe desse respaldo. A pergunta que se fazia, então era: o que teria gerado esta percepção? Somado a isso vinha o desconforto de tais críticas atingirem a abordagem sem uma cuidadosa análise de seu corpo teórico ou sem um esforço maior de compreender como se formou essa imagem em nosso meio. Tais questionamentos apontavam para um pensamento gestáltico, traduzido da seguinte maneira: ao retirar uma figura de seu contexto, ela perde ou seu significado é distorcido. Sendo assim, considera-se a análise histórica como ponto de partida para a retomada destas questões, na tentativa de tornar inteligível o processo por que passou a Gestalt-Terapia no Brasil. Neste particular, torna-se necessário considerar ainda o legado que nos chegou, a partir da figura de Fritz Perls, principal divulgador da abordagem. A realização da revisão de literatura aponta o interesse de estudiosos brasileiros em resgatar a história da edificação da Gestalt-Terapia, no mundo, e especificamente no Brasil, o que ocorreu, a princípio, a partir da publicação de artigos e posteriormente através de dissertações de mestrado e publicações de livros. O primeiro registro de que se tem notícia ocorreu durante o III Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, realizado em Brasília, em 1991, quando Jean Clark Juliano abordou 25 o tema que deu origem ao artigo Gestalt-Terapia: revisitando as nossas estórias (1992). Neste trabalho, além de relatar as origens históricas da Gestalt-Terapia e relacionar a gênese das idéias que estiveram presentes no início da Gestalt-Terapia com o contexto em que elas surgiram, a autora assinala o impacto que essa abordagem trouxe para o panorama geral da psicoterapia no mundo e no Brasil e informa sobre o movimento inicial da Gestalt-Terapia em nosso país. Merece destaque neste trabalho, o relevo dado à contribuição de Laura Perls na co-criação da abordagem. Walter Ferreira da Rosa Ribeiro (2007, p. 255), em palestra intitulada Recontando a nossa história, realizada no IV Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, no ano de 1993, em Recife, enaltece a importância da história ao concebê-la como “o fundo do qual emergem as noções que temos sobre a nossa identidade [daí] quanto mais elucidada, mais clareza teremos do que somos e do que pretendemos”. No referido estudo, o autor contribui para a reconstituição da história da Gestalt-Terapia através do que denomina sua pré-história, entendendo por isso, a busca das origens das idéias de Fritz e Laura Perls, e de Paul Goodman. Outra autora que tradicionalmente tem se ocupado em refletir sobre a história da Gestalt-Terapia no Brasil, ainda que mais na perspectiva de seu desenvolvimento, é Selma Ciornai, que busca em suas publicações oferecer um panorama atualizado sobre a situação da Gestalt-Terapia em nosso país. O fato de ter realizado sua formação no Instituto Gestalt de São Francisco aponta um diferencial em seus artigos, qual seja, a possibilidade de estabelecer comparações entre as diferentes formas de fazer GestaltTerapia e com isso discutir o “jeito” brasileiro de praticar a Gestalt-Terapia, contribuindo assim para a caracterização de uma Gestalt-Terapia nacional. A periodicidade de seus artigos permite ainda acompanhar as transformações porque passou a abordagem no transcurso de sua trajetória em nosso país (CIORNAI, 1991; 1995; 1996; 1998; 2007). Há ainda, no Brasil, estudiosos que procuraram analisar a história da GestaltTerapia tendo como base a sua emergência em dado momento histórico. Assim, Kiyan (1998), em dissertação de mestrado intitulada “Dentro e fora da lata do lixo: uma análise gestáltica das articulações entre a vida e a obra de Frederick Perls” 3, tendo como pano de fundo o contexto histórico-sócio-cultural em que o principal idealizador 3 A dissertação citada deu origem ao livro “E a Gestalt emerge. Vida e obra de Frederick Perls”, de autoria de Ana Maria Mezzarana Kiyan, publicado pela editora Altana, de São Paulo, em 2006. 26 da Gestalt-terapia viveu e o cenário científico em que se encontrava a psicologia à época, busca estabelecer possíveis articulações entre a vida e a obra de Fritz Perls. Sob outro viés e também fruto de uma dissertação de mestrado, Gomes (2001), em trabalho intitulado “Gestalt-Terapia – herança em re-vista”, busca através da análise histórica, resgatar as origens da Gestalt-Terapia com o objetivo de discutir o que teria contribuído para esta abordagem ser considerada pouco consistente teoricamente. A autora realiza sua investigação a partir de entrevistas com gestalt-terapeutas brasileiros. O mais recente estudo sobre a história da Gestalt-Terapia no Brasil é de autoria de Danilo Suassuna, resultado de dissertação de mestrado intitulada “História da Gestalt-Terapia no Brasil contada por seus ‘primeiros autores’: um estudo historiográfico no eixo São Paulo-Brasília”4, do ano de 2008. A investigação é conduzida a partir de depoimentos daqueles considerados como os primeiros representantes brasileiros da Gestalt-Terapia, num recorte geográfico São Paulo-Brasília. Como pôde ser verificado, estudiosos da Gestalt-Terapia têm se dedicado à temática histórica. O presente trabalho espera contribuir para a história da GestaltTerapia no Brasil, a partir do levantamento e análise de produção escrita em Gestaltterapia no Brasil. Neste sentido, serão considerados artigos em periódicos em geral e artigos publicados em periódicos específicos de Gestalt-Terapia, além de dissertações e teses sobre Gestalt-Terapia e/ou Abordagem Gestáltica. Em relação ao surgimento dos periódicos específicos de Gestalt-Terapia, pode-se verificar que foram fundamentais para a divulgação e desenvolvimento da abordagem no Brasil e, portanto, será realizado um mapeamento destes periódicos. O mesmo procedimento será adotado quanto à criação dos primeiros institutos de formação em Gestalt-Terapia no Brasil e às organizações dos congressos nacionais de Gestalt-Terapia. Dessa maneira, pretende-se trilhar o caminho da recepção, desenvolvimento e amadurecimento desta abordagem em nosso país. Procurar-se-á estabelecer articulações entre os desdobramentos sofridos pela abordagem e as demandas sociais surgidas, tendo em vista as transformações culturais e sociais pelas quais passou nosso país. Durante a 4 A dissertação citada deu origem ao livro “Histórias da Gestalt-Terapia no Brasil. Um estudo historiográfico, de autoria de Danilo Suassuna e Adriano Holanda, publicado pela editora Juruá, de Curitiba, em 2009. 27 análise será considerado ainda o desenvolvimento da psicologia como profissão em nosso país, e como esta influenciou o caminhar da Gestalt-Terapia. Percursos Metodológicos O estudo tem como ponto de partida o ano de 1972, a partir da primeira publicação em Gestalt-Terapia no Brasil, intitulada “Elementos de psicoterapia gestáltica”, de autoria de Thérèse Tellegen. Isto significa que o presente trabalho pretende percorrer exatamente quarenta anos de histórias. A pesquisa realizada para a confecção da presente dissertação consistiu na busca e análise da produção escrita em Gestalt-Terapia e/ou Abordagem Gestáltica no Brasil, a partir de três fontes distintas, a saber: 1. periódicos em geral; 2. periódicos específicos de Gestalt-Terapia; 3. dissertações e teses. O acesso aos artigos sobre Gestalt-Terapia e/ou Abordagem Gestáltica em periódicos em geral ocorreu a partir da base de dados BVS Psicologia, no endereço http://www.bvs-psi.org.br/php/index.php. A partir da utilização dos termos “GestaltTerapia” e “Abordagem Gestáltica” como palavras-chaves obtiveram-se 59 títulos, distribuídos em 20 revistas. Em relação aos artigos publicados em periódicos específicos de Gestalt-Terapia, contabilizou-se 500 artigos, distribuídos em 9 revistas. Para o acesso aos títulos de dissertações e teses, consultou-se o endereço eletrônico do Portal Capes, utilizando-se os termos “Gestalt-Terapia” e “Abordagem Gestáltica” como palavras-chaves. Também se utilizou de informações encontradas em estudo já realizado sobre esta temática por Holanda e Karwowski (2004), Karwowski (2005) e Holanda (2009). Por fim, recorremos ainda seção da Revista da Abordagem Gestáltica intitulada “Dissertações e Teses”, que traz a divulgação de trabalhos de pósgraduação na área de Gestalt-Terapia e áreas afins. O critério utilizado para a inclusão dos trabalhos de pós-graduação neste estudo foi a presença em seus resumos de palavras como Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica, ou ainda a inclusão dessas 28 palavras no título ou palavras-chaves. A pesquisa resultou em 57 dissertações e 13 teses, totalizando 70 trabalhos de pós-graduação na área da Gestalt-Terapia. As relações de artigos bem como de dissertações e teses consultadas encontram-se no apêndice desta dissertação. A presente dissertação está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo será dedicado à emergência e desenvolvimento da Gestalt-Terapia, tendo como referência o contexto histórico em que esta abordagem surgiu e os principais responsáveis por sua construção. O segundo capítulo tratará da chegada da Gestalt-terapia ao Brasil, e sua difusão, sendo considerados o contexto sócio-cultural brasileiro, bem como o cenário científico que permitiu a penetração de uma nova abordagem em psicoterapia. O terceiro capítulo enfocará o grande desenvolvimento da abordagem nas décadas de 1990 e 2000, enfatizando o surgimento dos primeiros periódicos especializados na área, a realização sistemática de congressos científicos e a intensificação na produção de trabalhos. Serão apresentados dados referentes à produção em Gestalt-Terapia, a partir das três categorias eleitas para estudo nesta dissertação: artigos publicados em periódicos especializados de Gestalt-Terapia; artigos publicados em periódicos em geral; e finalmente dissertações e teses produzidos tendo a Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica como referência. O quarto capítulo realizará uma análise da produção através dos temas mais freqüentemente encontrados. Por fim, a conclusão buscará tecer considerações sobre o processo porque passou a abordagem no Brasil, tendo em vista sua história e desenvolvimento em nosso país. 29 1 FORMANDO A GESTALT: AS PRINCIPAIS PERSONAGENS COMO FIGURA E O CONTEXTO COMO FUNDO O tripé que deu sustentação para a decolagem da Gestalt-terapia é constituído pelo gênio inovador, irreverente e irrequieto de Fritz; pela paciência, capacidade de construir e cultivar amizades duradouras, de solidificar idéias, da ‘construturas de ninhos’ Laura; e pela grande capacidade teórica de Paul Goodman, homem de vasta cultura geral, verdadeiro ‘homem da Renascença’ (RIBEIRO, W., 2007). Um fato bastante conhecido no que diz respeito à história da Gestalt-Terapia é o grande impacto gerado por Fritz Perls na divulgação da abordagem, o qual obscureceu por muito tempo personalidades que ofereceram contribuições de relevo para a emergência e desenvolvimento inicial da Gestalt-Terapia. Deste modo, neste capítulo pretende-se abordar a trajetória de Perls, mas também destacar as contribuições valiosas de Laura Perls e Paul Goodman, mais recentemente considerados, ao lado de Fritz, como os principais fundadores da Gestalt-Terapia. 1.1 Fritz Perls Friedrich Salomon Perls (1983-1970), mentor da Gestalt-Terapia, nasceu em 08 de julho de 1893 na Alemanha em uma família judaica que consistia nos pais e duas irmãs mais velhas. O pai era comerciante, a mãe uma apreciadora do teatro. No período de seu nascimento, a Alemanha encontra-se fortemente organizada, a despeito da crise que assolava a Europa5, situação que se modifica tragicamente após a I Guerra Mundial, com a crise econômica pela qual passa o continente e a perda de sua hegemonia sobre o mundo. Na puberdade, Perls foi considerado um menino difícil, sendo expulso do ginásio, até ser admitido em uma escola mais liberal, onde encontrou não só aceitação, como também estímulo para seu interesse pelo teatro (TELLEGEN, 1984). Aos 16 anos chegou a fazer papéis de figurante no Teatro Real de Berlim, além de ter encontrado o diretor Max Reinhardt que, na época, imprimia maior expressividade ao estilo teatral. 5 Aqui, faz-se referência à Grande Depressão (1873-1896) que representa a primeira grande crise do capitalismo na Europa. 30 A I Grande Guerra Mundial veio encontrá-lo na faculdade, cursando medicina, ainda que seu principal interesse fosse o teatro (KIYAN, 2006). Perls obteve seu doutorado em medicina em 1920, aos 27 anos, passando a atuar desde então como neuropsiquiatra. Sempre fora um jovem rebelde, interessado e engajado nos círculos intelectuais que questionavam o establishment. Durante o tempo em que viveu em Berlim, era assíduo freqüentador dos cafés esquerdistas da boemia berlinense, onde se encontravam filósofos, poetas e artistas anarquistas da chamada contracultura (grupo Bauhaus), dissidentes da ordem estabelecida e interessados em novas formas de expressão. Foi nesse meio que veio a conhecer o filósofo expressionista Salomon Friedlander, autor do livro Creative Indifference, ensaio visando superar o dualismo kantiano, que marcaria o pensamento e a obra de Perls (CAVANELLAS, 1998). Em 1924, fez psicanálise com Karen Horney, descobrindo seu interesse pela área. Por sugestão da analista, vai para Frankfurt, onde retoma seu processo psicanalítico, dessa vez com Clara Happel que, após um ano, autorizou-o a exercer a psicanálise, encaminhando-o para Viena, a fim de iniciar sua análise didática. Durante o período em que esteve em Frankfurt, dois acontecimentos foram fundamentais para sua vida e obra. No ano de 1926, trabalhou como assistente de Kurt Godstein, no Instituto para Soldados com Lesões Cerebrais, trabalho que o influenciou profundamente, e conheceu Lore Posner, mais tarde Laura Perls, que vem a desempenhar um papel importante na construção do que mais tarde viria a ser a Gestalt-Terapia. Em Viena, inicia seu trabalho como psicanalista, realizando supervisão com Helene Deutsch, A. Hirshman, entre outros. Assistiu seminários de Otto Fenichel e Paul Federn e trabalhou num hospital psiquiátrico dirigido por Paul Schilder. De volta a Berlim, em 1928, foi novamente Karen Horney quem o orientou, desta vez para continuar sua análise com Wilhelm Reich, por quem passou a ter uma profunda admiração. Casa-se com Lore, em 1930. Sobre Reich, encontramos na autobiografia de Perls (1979, p. 54): Reich era vital, vivo, rebelde. Ávido por discutir qualquer situação, especialmente política e sexual [...] com ele, a importância dos fatos começa a definhar. O interesse nas atitudes passou mais para o primeiro plano. Seu livro, A análise do caráter, foi uma contribuição fundamental. 31 No momento em que começa a se firmar como psicanalista, a tomada de poder pelos nazistas obriga-o a fugir para Amsterdam, na Holanda. Consegue dar prosseguimento à sua capacitação em psicanálise com Karl Landauer, um analista refugiado que havia dirigido, com Frieda Fromm-Reichmann, o Instituto de Psicanálise de Frankfurt. Até que é surpreendido pela proposta e indicação de Ernest Jones6 – biógrafo de Freud – para trabalhar na África do Sul7. É assim que em 1934, Perls segue com a família, dessa vez para a África do Sul. A estadia de Perls no novo país durou 12 anos, sendo este período de sua vida de fundamental importância para o que viria a ser a Gestalt-Terapia. Fixou residência em Johanesburgo e iniciou imediatamente sua atuação como psicanalista e, junto com Lore, os preparativos para a instalação do Instituto Sul-africano de Psicanálise, o que ocorreu em 1935. Ali, travou conhecimento com o trabalho do filósofo Jan Christiaan Smuts, primeiro-ministro da África do Sul e autor da teoria holística que posteriormente viria a influenciar o seu pensamento. Em 1936, Perls participou do Congresso Internacional de Psicanálise, na Checoslováquia. Ao referir-se a este evento e à figura de Freud, escreve em sua autobiografia: “Em 1936, eu julgava já tê-lo conquistado. Não era eu a mola-mestra na criação de um dos seus institutos, e não tinha viajado 6000 quilômetros para participar de um dos seus congressos?” (PERLS, 1979, p. 60). No entanto foi justamente a participação neste Congresso que impulsionou o desligamento gradativo de Perls da psicanálise. Seu trabalho, acerca das resistências orais, encontrou uma péssima receptividade entre os psicanalistas. Outras decepções somaram-se a esta. Perls aguardava com forte expectativa o encontro com Freud (1979, p. 60-61), que resultou rápido e frio, conforme é relatado em sua autobiografia: Marquei uma hora [...] e esperei. Então uma porta abriu-se cerca de 70 centímetros, e ali estava ele, diante de meus olhos. Pareceu-me estranho que não passasse do batente da porta, mas na época eu não sabia nada sobre as fobias dele. Vim da África do Sul para dar uma palestra e para vê-lo. [ao que Freud responde]. Bem, e quando você volta? Não me recordo do resto da conversa (talvez quarenta e cinco minutos de duração). Fiquei chocado e desapontado. 6 Na ocasião, Ernest Jones era o presidente da Associação Internacional de Psicanálise, e a idéia de enviar alguém para a África do Sul era justamente a de expandir a psicanálise para este país. 7 Um esclarecimento adicional explica que Perls conseguiu a vaga porque outros terapeutas, mais renomados, não tinham interesse em deslocar-se para a África do Sul, visto que o país que mais se desenvolvia nessa época era os Estados Unidos (Suassuna e Holanda, 2009). 32 Reich, por sua vez, também presente no congresso, teve dificuldades em reconhecê-lo. Assim, em 1942, tendo como base o trabalho sobre “Resistências Orais”, publica seu primeiro livro, intitulado Ego, Hunger and Agression8, cujo subtítulo a revision of Freud’s theory and method, permite antecipar seu principal propósito. O livro contém uma série de críticas à psicanálise mas, de acordo com o próprio Perls (2002, p. 9), sua intenção era “transformar suas discordâncias em contribuições para a psicanálise da época”. Embora assinado por Perls, esse livro fora resultado da colaboração e reflexão com Laura, que inclusive escreveu dois capítulos (JULIANO, 1992). Cavanellas (1998) ressalta o agradecimento de Perls à Laura, no prólogo da primeira edição, o qual foi suprimido nas edições posteriores, que passaram a incluir uma dedicatória à memória de Max Wertheimer. Recuperado por Castenedo (1994, p. 11), o reconhecimento explícito de Fritz à contribuição de Laura é o seguinte: [...] ao escrever esta obra recebi apoio, estímulo e encorajamento de livros, amigos e professores; e sobretudo de minha esposa, Dra. Lore Perls. As conversas que tive com ela a respeito dos problemas levantados neste livro, esclareceram muitas situações; ela deu grandes contribuições a este trabalho; como por exemplo a atitude fingida [introdução de Caledonio Castenedo à edição espanhola de Viviendo en los limites]. Ego, fome e agressão se divide em três partes: na primeira, intitulada “Holismo e Psicanálise”, discute os pontos de ligação e de diferenciação entre a psicanálise e a futura Gestalt-terapia. Perls adota um enfoque holístico-semântico, aplicando conceitos da psicologia da Gestalt e de teóricos do holismo, especialmente Jan Christian Smuts e Saloman Friedlaender. Na segunda parte, denominada “Metabolismo Mental”, Perls expõe sua principal colaboração à teoria psicanalítica, sua formulação da biologia da fome e a alimentação como modelo da vida psíquica, enfatizando os mecanismos de agressão e assimilação. A terceira e última parte, “Terapia de Concentração”, destinase à exposição das propostas técnicas de Perls, baseadas na substituição do método 8 Esse livro é o último de Perls a ser publicado no Brasil, em 2002, com o título Ego, fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. Passaremos a utilizar a sigla EFA para referirmo-nos a esta obra. 33 psicanalítico de associações livres por aquele que considera o antídoto para a evitação: a concentração. Segundo Stoher (1999), os exercícios da terapia de concentração seguem o estilo reichiano desenvolvido para aumentar a percepção do momento presente na fronteira do organismo/ambiente. Em 1947, o livro foi editado em Londres. No prefácio à edição brasileira desse livro, Araújo (2002) comenta ser esta cidade, no pós-guerra, o fórum privilegiado para o pensamento psicanalítico, contando com psicanalistas renomados que vieram a constituir o sólido movimento da Escola Britânica de Psicanálise. E, o mais importante, era um ambiente everfescente no qual as idéias de Freud não constituíam uma hegemonia. No caso de Perls, o que o diferencia é que estes psicanalistas, mesmo desviando-se dos ensinamentos do mestre, mantiveram-se dentro das fronteiras da Psicanálise, enquanto Perls as ultrapassou. Em 1969 foi publicada a edição americana de seu livro, porém com um novo subtítulo: The beginning of Gestalt-therapy. Na apresentação à edição brasileira de EFA (2002, p. 9-10) encontra-se: Este livro desafia a teoria freudiana e a psicanálise a favor de um método terapêutico mais amplo que enfatiza uma abordagem prática e de contato humano na psiquiatria. Em termos leigos, através de exemplos concretos e casos clínicos, Perls explicita as bases da famosa Gestalt-terapia que ele desenvolveu. Insatisfeito com a ênfase ortodoxa colocada no inconsciente, nos instintos e na função da repressão, o autor sugere que outros elementos da personalidade humana – o instinto de fome, a agressão biológica e a necessidade de gratificação – foram subestimados. Perls parecia não ter consciência do alcance do rompimento com a teoria psicanalítica que o livro propunha, conforme fica claro em uma das passagens de sua autobiografia: O rompimento veio quando conheci Maria Bonaparte [...] Ela era amiga e discípula de Freud. Eu havia completado e mimeografado o manuscrito de Ego, Hunger and Agression e dei a ela para que lesse. Quando me devolveu o manuscrito, ela me deu o tratamento de choque que eu precisava. Disse: se você não acredita mais na teoria da libido, é melhor apresentar sua renúncia (PERLS, 1979, p. 84). É importante assinalar que, apesar da posição antagônica de Perls em relação à teoria psicanalítica, em nenhum momento o autor invalidou a contribuição da psicanálise na formação de seu pensamento. Logo no início do primeiro capítulo de EFA, Perls (2002. p. 43-44) diz: 34 Dificilmente há uma esfera da atividade humana em que a pesquisa de Freud não tenha sido criativa, ou pelo menos estimulante. Para colocar ordem nas relações entre os muitos fatos observados, ele desenvolveu uma série de teorias, que, juntas, formaram o primeiro sistema de uma psicologia genuinamente estrutural. Em 1946, com o fim da II Guerra, Perls foi para os Estados Unidos, país que o acolheu e deu sustentação à sua teoria (SUASSUNA; HOLANDA, 2009). Instalou-se em Nova York, onde, com o auxílio de Erich Fromm e Clara Thompson, reiniciou sua prática profissional como psicanalista. Tentou ingressar no Instituto Psicanalítico William White, mas não foi aceito devido à sua irreverência (KYIAN, 2006). Paralelamente à pratica de analista, Perls entrou em contato com um grupo de artistas e intelectuais de esquerda, caracterizado pela não conformidade e pela contestação da repressão, preconceito e injustiça que acreditavam estar presentes na sociedade (KYIAN, 2006). Vale lembrar as semelhanças que tal grupo guardava com o Bauhaus, freqüentado por Perls nos anos de 1920, em Berlim. Contudo, conforme assinala Tellegen (1984, p. 31) “[Em Nova York] Perls e Laura pertenciam a uma geração mais velha e, como analistas europeus, davam um certo peso ao grupo”. É neste momento da história que surge a figura do anarquista Paul Goodman – foi por intermédio dele que os Perls foram introduzidos no grupo citado – que veio a ser considerado, ao lado de Laura Perls, mentor intelectual da Gestalt-Terapia. Stoher (1999) relata que o primeiro encontro de Perls com Goodman ocorreu em 1946, quando o primeiro viera aos Estados Unidos, a principio sem a família – Laura e as crianças haviam permanecido em Joanesburgo – estudar as possibilidades de instalar-se no novo país. Encontrar Goodman fazia parte deste processo, pois Perls interessou-se muito por seu artigo sobre Reich e os neofreudianos, intitulado The political meaning of some recent revisions of Freud (1945), publicado na revista Politcs, a que teve acesso ainda na África do Sul. Escreve Stoher (1999, p. 32-33): Goodman encabeçou a lista de possíveis amigos e aliados em sua nova pátria de adoção. [No entanto, prossegue]: jamais existiram duas personalidades mais convencidas, nem sequer durante as guerras de sucessão psicanalítica, e nenhum confiou ou simpatizou jamais com o outro. Ainda assim, devem ter-se apercebido rapidamente do muito que podiam aprender com seu intercâmbio de idéias e impressões. 35 Ao que tudo indica, o elo inicial entre Perls e Goodman fora Reich. Para Perls, a principal contribuição de Reich fora ter dado um grande passo em direção a uma abordagem holística. Perls escreve sobre a couraça muscular, primeira descoberta de Reich: “[...] foi um passo importante além de Freud. Trouxe para a terra a noção abstrata da resistência. As resistências tornaram-se agora funções organismicas totais, e a resistência anal” perdeu sua preponderância e monopólio (1979, p. 55). Outra contribuição fundamental foi “o fato de agora o terapeuta entrar realmente em contato com o paciente. O ‘corpo’ ganhou seus próprios direitos” (PERLS, 1979, p. 55). O período em que Perls submeteu-se à análise com Reich foi o mesmo em que este planejava o sistema de exercícios orientados à introdução do que veio a denominar “couraça muscular”, padrões de tensão neuróticos e repressão presos em um mesmo músculo. Neste momento de transição, ainda não inventara o termo vegetoterapia, nem os exercícios eram parte de um enfoque sistemático. “Terapia de concentração” foi um dos nomes que Reich pensou, e Perls utilizou-o para a sua própria técnica durante a década de 1940, tanto que intitulou assim a terceira parte de seu livro, publicado em 1942. Posteriormente, Reich desenvolveu um meio mais direto e exclusivamente biológico para liberar a energia biológica. Em relação ao orgone, Perls (1979, p. 56) o vê como “uma invenção da fantasia de Reich, que naquela altura já tinha perdido o rumo” Também para Goodman, o orgone não possuía interesse algum (STOHER, 1997). Para ambos os criadores da Gestalt-Terapia, a obra crucial de Reich foi sua crítica a Freud, desenvolvida durante os anos 1930, que mudou a base terapêutica dos desejos reprimidos e traumas de infância para os hábitos e costumes atuais, para a persistente rigidez do paciente e seu corpo, e também para a sociedade, com ênfase nas neuroses reais mais que nas psiconeuroses (STOHER, 1999, p. 34). Talvez o mais importante para ambos, era o axioma de Reich da "auto-regulação organísmica", a idéia, conforme explicaram em seu livro e salientada por Stoher "de que não é necessário programar, estimular ou inibir deliberadamente os impulsos do apetite, a sexualidade, etc por razões de saúde ou de moral. Se estas coisas são deixadas em paz, equilibram-se sozinhas" (STOHER, 1999, 34). 36 1.2 Paul Goodman Paul Goodman (1911-1972) foi crítico social, filósofo político, poeta, romancista e dramaturgo, urbanista utópico, educador, teórico da psicologia e psicoterapeuta, tendo publicado livros em todas essas áreas. Seu livro Growing up absurd (1956) critica duramente o sistema educacional norte-americano e tornou-se muito popular nos anos cinquenta. Era um menino judeu pobre que cresceu em Manhattan. Seu pai era um negociante de antiguidades e os três primeiros filhos foram criados confortavelmente, já que a pobreza da família, no momento do nascimento de Paul, decorreu da fuga de seu pai para Buenos Aires com uma amante, deixando à sua esposa somente alguns móveis de valor para penhorar. É mais conhecido como crítico social, tendo sua crítica ao establishment sido adotada por políticos da Nova Esquerda9, durante os anos 1960, quando foi considerado um grande ideólogo dos movimentos de contracultura nos EUA. Para a Nova Esquerda, a política é feita, antes de tudo, de envolvimentos pessoais e não de idéias abstratas (PEREIRA, 1983). Já no final da década de 1960, no entanto, sua influência diminuiu; neste momento, os estudantes radicais encontravam-se frustrados e divididos entre si, e a contracultura cada vez mais envolta em uma nuvem de drogas (MILLER, [19--?]). Em 1936, inicia-se a carreira docente de Goodman, quando Richard McKeon, que havia deixado Columbia para ser reitor na Universidade de Chicago, o convidou para trabalhar com ele. No novo lugar, conheceu sua futura esposa e, três anos depois, nasceu sua filha, Susan. A despeito destes acontecimentos, manteve paralelamente uma vida homossexual, devido a qual foi “convidado” a deixar a universidade, em 1939, ocasião em que retornou a Manhattan. Sobre este momento, Stoher (1999, p. 21) 9 A Nova Esquerda é um termo utilizado para se referir aos movimentos políticos de esquerda surgidos em vários países a partir da década de 1960. Tais movimentos diferenciam-se dos movimentos esquerdistas anteriores que haviam sido mais orientados para um ativismo trabalhista e partidário, e adotam uma definição de ativismo político mais ampla, comumente chamada de ativismo social. Nos Estados Unidos, a Nova Esquerda está associada a movimentos populares e do cotidiano, como o Hippie, os de protesto à Guerra do Vietnã e pelos direitos civis, que visavam acabar com a opressão de classe, gênero sexual, raça e sexualidade. 37 comenta: “[Goodman] aceitou isto como uma oportunidade e novamente começou a considerar-se mais artista que acadêmico”. Ainda que sua carreira literária fosse promissora – tendo escrito uma nova novela, The empire city, espécie de celebração do regresso à casa e um livro de dramas Noh, no início de 1942 – acontecimentos como o bombardeio de Pearl Harbor e o ingresso dos Estados Unidos na II Guerra levaram a sociedade a dedicar-se a outras prioridades. Goodman enfrentou momentos difíceis, ficando durante um tempo literalmente “sem teto”. É neste período que se separa de sua esposa. Conseguiu um emprego em um internato progressista na periferia de Nova York, tendo sido despedido pouco tempo depois por seduzir alunos. Em 1942, no entanto, Goodman formou um novo lar com uma jovem que havia cortejado em meio a seus agitados casos homossexuais vividos com alunos do curso em que era professor. Sally Ducksten tinha pouco mais de 20 anos. Em 1947 nasceu seu segundo filho, dessa vez um menino a quem chamou Mathew. Goodman iniciou uma dolorosa exploração de sua psique em 1946, a partir de uma auto-análise, na intenção de compreender o quanto seus comportamentos, fruto de extravagâncias voluntárias e autodestrutivas, afetaram o rumo de sua vida e o quê o levara a praticá-los. Procurava soluções para seus dilemas, embora talvez tivesse se dito que estava olhando para sua herança (STOHER, 1999). Atuou na intuição obscura, mas persistente, de que, a menos que fizesse um grande esforço para mudar seu caráter, nunca seria feliz nem descobriria sua verdadeira vocação. Stoher (1999, p. 24), no trecho a seguir, oferece uma síntese do que fora a vida de Goodman até o momento: Goodman estava com 35 anos, no auge de suas faculdades criativas, apoiado por uma obra já desenvolvida. Seu centro doméstico se restaurara, talvez com menos confiança do que em sua juventude, ou que em seu primeiro casamento, mas acabou por ter uma base sólida - que duraria para o resto de sua vida. O nascimento de seu filho, Mathew, foi um evento crucial. [...] levou a um confronto repentino e surpreendente consigo mesmo, sua infância e, especialmente, a falta de um pai. Aqui estavam as mais remotas causas de seus pontos fortes e fracos, agora submetidos a questionamento. Quando da publicação do livro Gestalt-Therapy, Goodman não era terapeuta, atividade que passou a exercer depois de conhecer Perls. De acordo com Stoher (1999), o envolvimento com o que viria a ser conhecido como Gestalt-Terapia foi crucial 38 na vida de Goodman, que havia chegado a uma encruzilhada em sua vida. Nas palavras do autor: Uma década antes teve grandes expectativas como poeta, dramaturgo e novelista, e uma brilhante carreira acadêmica universitária se havia desenhado. Uma década depois seria famoso pelos livros que havia escrito e mudanças sociais. Mas em 1950 estava perdido entre estas duas carreiras. Se sentia fracassado como escritor porque ninguém queria ler a dúzia de esplendidos livros que escreveu. [...] Estava a ponto de render-se. (STOHER, 1999, p. 1). Ao que tudo indica, o cenário presente à época não era favorável às idéias de Goodman. A construção do estado moderno americano, iniciada após a I Guerra Mundial – momento em que os EUA crescem como potência hegemônica – culmina na tendência centralizadora e homogeneizadora que solapou a cultura tradicional. Principalmente após a II Guerra, observa-se a formação de uma sociedade conformista, dominada pelos meios de comunicação e incitada por novos valores consumistas. Michael Vincent Miller, eminente gestalt-terapeuta, escreve que Goodman passou a maior parte de seus dias, pelo menos até a idade de 48 anos (sendo que morreu aos 61), vivendo como um artista acadêmico pobre. Foi continuamente subestimado e incompreendido ao longo de sua carreira de trinta anos como escritor. Ao perguntar-se o que teria provocado esta trajetória, Miller ([19--?]) formula uma série de questionamentos interessantes, que permitem visualizar um retrato de Goodman e de como conduziu sua vida: Por que passou por momentos difíceis? [...] Foi muito declamatório, muito agressivo em público sobre seu anarquismo e homossexualidade, sobre sua decidida falta de reverência pela autoridade e celebridades, inclusive sobre a sua ternura e seu assombroso sentido do fracasso? (p. 1-2). Miller transpõe uma passagem de um ensaio de Goodman na revista Life, chamado The politics of being queer para traçar a imagem deste homem como alguém que se considerava uma espécie de exilado de todos os grupos, dando mostras de como Goodman sentiu seu isolamento: francamente, minha experiência de comunidade radical é que esta não tolera minha liberdade. Não obstante, sou todo para a comunidade, porque é algo humano, somente pareço condenado a ser excluído (GOODMAN apud MILLER, [19--?], p. 2). 39 Neste sentido, foram as mudanças ocorridas na sociedade americana – cujo ponto auge foi o movimento de contracultura – que permitiram a aceitação do pensamento de Goodman como uma importante contribuição que atendia aos anseios da época, conforme expõe Stoher (1999, p. 2): A história de como Goodman se converteu em uma figura pofética na história política de seu país [...] é também a história de como os Estados Unidos chegou a necessitar cada vez mais de suas críticas à cultura trivial, essa que valoriza mais o padrão de vida que sua qualidade, a riqueza vulgar do que a pobreza decente, e altas taxas de emprego e um alto produto interno bruto às custas do trabalho decente e do bem comum. Desse modo, a Gestalt-Terapia é apontada por seu biógrafo como o caminho da passagem da carreira de poeta ou novelista para o de uma figura proeminente na história sócio-politica americana. Neste particular, conforme salienta Stoher (1999), é interessante observar como sua prática como terapeuta conduziu-o a uma nova vocação, que poderia ser denominada como socioterapeuta do Estado. De acordo com Ciornai (1991b), Theodore Roszak – um dos mais conhecidos historiadores dos movimentos dos anos 1960 – em seu livro “A formação da contracultura”10, dedica o sexto capítulo a Goodman. Intitulado “A sociologia utópica de Paul Goodman”, o situa como um dos autores mais importantes e que mais influenciaram o pensamento da época. Roszak cita a contribuição de Goodman ao livro Gestalt-Therapy como sua obra mais importante. Neste trabalho, contudo, nos limitaremos a enfatizar o papel de Paul Goodman na formulação das principais idéias da Gestalt-Terapia. O interesse de Goodman pela psicoterapia começou em sua adolescência, estimulado pelo desejo de aprender. Leu Freud e seus seguidores e aos 30 anos seu pensamento estava repleto de conceitos psicanalíticos. Ao descobrir Wilhelm Reich, em 1945, entusiasmou-se com sua posição. Logo acertou sessões semanais com um aluno de Reich, Alexander Lowen, que poderia ensinar-lhe as técnicas vegetoterapêuticas básicas de Reich. No entanto, Goodman preferiu não considerar-se em tratamento com Lowen, e se recusou a colaborar com ele na realização de um trabalho seqüenciado sobre a couraça muscular. 10 Título original do livro The making of a counter culture: reflections on the technocratic society and its youthful opposition. 40 Visualizava a abordagem reichiana como um conjunto de exercícios que poderiam ser aprendidos e aplicados separadamente a problemas específicos do caráter. Considerava-os semelhantes aos exercícios de ioga, e praticou-os de modo independente, juntamente com os tradicionais métodos psicanalíticos da associação livre, a análise dos sonhos e a interpretação de recordações da infância. Tal como Freud, seu objetivo era se submeter a uma auto-análise. Faz-se necessário, neste momento, considerar em que medida o pensamento de Reich se diferenciava do que se praticava no meio psicanalítico de então, particularmente nos Estados Unidos. Por sua vez, as transformações no movimento psicanalítico estiveram relacionadas com as próprias transformações sociais no decorrer das duas grandes guerras. Assim, as idéias de Freud, atreladas e desenvolvidas em meio à cultura vienense, não resistiram às mudanças vividas pela sociedade, surgindo a necessidade de propor novos caminhos. Conforme salienta Stoher (1999), houve um grande interesse na psicanálise depois da II Guerra Mundial, especialmente entre os intelectuais norte-americanos. Uma possível explicação teria sido a imigração de muitos analistas para Nova York, no momento em que os intelectuais se encontravam desiludidos do socialismo, sua grande fé laica no pré-guerra. Além disso, era necessário enfrentar o trauma da guerra de algum modo. Neste momento, fazia-se necessário que todas as instituições realizassem uma escolha: formar parte do establishment ou rejeitá-lo, oferecendo um estilo de vida alternativo. Neofreudianos, como Erich Fromm e Karen Horney, os mais publicados e influentes da jovem geração de psicanalistas, conduziram a maioria dos analistas a desenvolver critérios de “saúde social” e promover a “adaptação” à nova cultura de massas com base na sociedade industrial. Stoher denomina este intento de “higiene social” e enfatiza a posição de Paul Goodman ao expor as repercussões políticas desta proposta no artigo já citado The political meaning of some recent revisions of Freud (1945). Goodman rejeitou as discussões sobre a democracia e o individualismo na nova ortodoxia psicanalítica e extraiu de “Medo à Liberdade”, livro popular de Erich Fromm, algumas frases que traíam as verdadeiras cores da psicologia da adaptação: "A 41 natureza irracional e desorganizada da sociedade deve ser substituída por uma economia planificada que representa os esforços combinados da sociedade. Esta deve dominar o problema social como a natureza racional tem dominado”. E por que era necessário tal sociedade racionalizada? "Somente em uma economia planificada em que a nação dominou as forças econômicas e sociais, o indivíduo pode partilhar as responsabilidades e usar a inteligência criativa no trabalho”. Primeiro, o domínio através do sistema e em seguida liberdade dentro dele. Ao que Goodman responde: "Isso é falso", acusando Fromm de stakhanovismo, a forma soviética de "trabalho simplificado" sob controle estatal. Em 1945, não houve questionamento quanto ao conceito da missão da psicanálise, cuja única finalidade, como definiu Goodman, era "o trabalho contínuo e eficiente, sem colapsos nervosos, do sistema industrial moderno, em tempos de guerra e paz" (GOODMAN, 1945 apud STOHER, 1999, p. 9). Mas voltemos a Reich. Foi exatamente contra o peso da ortodoxia neofreudiana que Goodman, em seu artigo, defendeu a obra de Reich; não propriamente sua teoria da energia orgônica, mas a psicoterapia ativista, cujo radicalismo (contraceptivos e educação sexual para a juventude trabalhadora, por exemplo) provocou sua expulsão da Associação Psicanalítica Internacional e do Partido Comunista. De acordo com Goodman, a postura de Reich se contrapunha à de Fromm: na ordem social vigente, o objetivo da psicoterapia era a recuperação da “saúde sexual” e do espírito animal” e se os alcançavam, as pessoas não seguiriam “tolerando os ofícios mecânicos e rotineiros que vinham fazendo, mas voltariam (por grandes que fossem os inconvenientes) a realizar um trabalho espontâneo e diretamente significativo”. O resultado seria “outro tipo de sociedade” (GOODMAN, 1945 apud STOHER, 1999, p. 10). Mas, por mais que se empenhasse em contrapor essas idéias às dos psicólogos da adaptação, a campanha de Goodman falhava, pois o próprio Reich queria afastar-se das controvérsias políticas na intenção de prosseguir com suas novas investigações. Além disso, as teorias de Reich sobre o fascismo e o “homem pequeno” não abordaram a crise mais profunda de meados do século XX; nenhum de seus livros ofereceu muita atenção à degradação da cultura tradicional que acompanhou, como causa e efeito, a 42 propagação da nova ordem social. Reich paralisou em sua própria confrontação com o Estado. Goodman encontrou-se pessoalmente com Reich no laboratório deste em Queens, ocasião em que Reich solicitou-lhe que deixasse de associar seu nome com o de anarquistas, como Goodman fizera em seu artigo à revista Politics (STOHER, 1999). Como observa Stoher (1999, p. 25): “como de costume, Goodman constatou que ia contra a corrente”. Quanto à psicoterapia ortodoxa, ao reconhecer o dilema da adaptação, considerou-a um problema do paciente neurótico individual, não uma crise do Estado. A Gestalt-Terapia, por sua vez, caminhou contrariamente às propostas que visavam uma adaptação ou ajustamento, considerando o conflito entre indivíduo e sociedade genuíno. Ao partir da interação e influência recíprocas do campo organismoambiente, deixa de localizar apenas no indivíduo a necessidade de mudança, lançando um olhar e considerando as exigências e imposições sociais, no jogo contínuo de forças atuantes na interação indivíduo/sociedade. A Gestalt-terapia tem como ponto central uma visão relacional da natureza humana. A experiência humana ocorre na fronteira entre o organismo e o ambiente e este campo de ação e função, além de físico, é também social, com uma história e uma cultura. Estes aspectos formam uma unidade, e não podem ser considerados isoladamente dos outros ou do todo. Nesta perspectiva, se eliminamos ou relaxamos as pressões das instituições coercitivas e as substituímos por uma comunidade cara-a-cara e solidária, o organismo individual pode curar-se, ou ao menos descobrir que sua raiva e dor são mais suportáveis. O capitulo seis do livro de Perls, Hefferline e Goodman, intitulado “A natureza humana e a antropologia da neurose” se propõe a tratar do que os autores denominaram “antropologia anormal”. Nele encontramos afirmação, que caminha na mesma direção do que vimos expondo: O problema da antropologia anormal é mostrar como o modo comum de vida de uma cultura, ou mesmo do estado humano, é neurótico e assim se tornou. É mostrar o que se ‘perdeu’ da natureza humana, e, praticamente, planejar experimentos para recuperar 43 isso (a parte terapêutica da antropologia e da sociologia é a política [...] (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 119). Em outro trecho, podemos ler: [...] se tivéssemos instituições sensatas, não haveria também nenhum neurótico. Do jeito que as coisas são, nossas instituições não são nem mesmo saudáveis de maneira “meramente” biológica, e as formas dos sintomas individuais são reações a erros sociais rígidos. Desse modo, longe de ser capaz de tomar a adequação às instituições sociais como norma grosseira, um médico tem mais probabilidade de promover a integração auto-aperfeiçoadora de um paciente se este aprender a ajustar seu ambiente a si próprio, do que se tentar aprender a se mal-ajustar à sociedade (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 117). As idéias expostas são consoantes com o princípio de auto-regulação organísmica, trazendo conseqüência para a prática psicoterapêutica. Goodman considerava fundamental a noção de comunidade para a vida humana; para o terapeuta que se encontrava frente à força do establishment, isto significava procurar reviver a comunidade cara-a-cara e recuperar valores tradicionais – tarefas tanto político-morais como médicas ou pastorais. O conceito de terapia de Goodman começou com a tomada de consciência de que a sanidade não poderia produzir-se separadamente da cultura e que, mais ainda, em nossos tempos, a própria cultura necessitava “curar-se”. Em relação ao paciente, a atitude gestáltica buscaria enfatizar sua situação de aprendiz na “arte da convivência humana”, não para a vocação terapêutica, mas para formar comunidades onde quer que se encontrasse, trabalhando com materiais comuns da experiência mais que com esquemas e protocolos. O essencial para o bem-estar humano não seria um determinado padrão de vida ou nível de educação, base industrial ou infraestrutura burocrática, mas simplesmente uma cidadania que possa confiar em sua própria iniciativa e inteligência, que não esteja subordinada a um sistema alheio à sua experiência real, mas que conheça a si mesma e seu mundo e possa atuar em seu próprio bem. Tais idéias são consoantes com o ideário anarquista e, traduzidas em termos pertinentes à psicoterapia, são a base e metas da Gestalt-Terapia. A proposta psicoterápica desenvolvida nestes termos traz implicações para sua aplicação. Assim, para Goodman, a terapia não deveria ser considerada uma intervenção de último minuto motivada pelo desespero dos indivíduos, mas um passo normal e esperado em muitas etapas do desenvolvimento social. Por isso, à diferença 44 da psicanálise tradicional, a Gestalt-terapia não associava o fim da terapia com a cura. Conforme encontramos em Stoher (1999, p. 14): Tal como o anarquista comunitário não acredita na rebelião política que se limita a derrotar um governo para substitui-lo por outro, assim o terapeuta gestáltico não espera por uma espécie de golpe de estado psíquico ou vitória revolucionária que ponha o conjunto adequado de sentimentos e comportamento ao longo da vida de uma pessoa, liquidando assim qualquer tendência neurótica recalcitrante. Em 1947, Lore Perls chega aos EUA com os filhos para reunir-se a Fritz e pouco tempo depois Goodman torna-se seu cliente de psicoterapia. Aqui, estão finalmente reunidos as três principais personalidades para o que viria a se constituir como a Gestalt-Terapia. O contato de Goodman com Lore foi muito mais importante do ponto de vista afetivo do que intelectual, ao contrário daquele estabelecido com Fritz. Conforme assinala Stoher: “Lore Perls o ensinaria outras coisas, mais no âmbito do dar e receber” (p.41). Stoher prossegue: Goodman era mais um paciente, disposto a confiar nela e esperando por algum alívio para a sua sensação de fracasso como homem e artista. Como não foi possível encontrar uma comunidade ou um público que o apoiasse, ele queria saber o que estava fazendo de errado. Se sentia “incompreendido” [Laura Perls em entrevista concedida a Stoher em 1974] (STOHER, 1999, p. 41). De acordo com o relato de Stoher, diferentemente do encontro com Alexander Lowen, em que passava grande parte de sua hora sozinho, respirando profundamente, desta vez Goodman reconheceu que ia à terapia em busca de algo mais que conhecimentos técnicos. A ligação entre os dois foi profunda e marcante, tendo Goodman chegado a expressar que era "a melhor psicoterapeuta na cidade de Nova York”. Dedicou-lhe seu livro Growing up absurd, de 1960, reconhecendo a sua contribuição para que pudesse escrevê-lo (STOHER, 1999, p. 42). 45 1.3 Laura Perls Laura Perls (1905-1990) nasceu em 05 de agosto, em Pforzheim, na Alemanha, uma pequena cidade perto de Frankfurt e da Floresta Negra. Fora a primeira filha de uma família judia de classe média alta que cultivava sua tradição. Sua mãe era uma boa pianista e aos cinco anos Lore tocava piano; aos quatorze já havia superado sua mãe nesta arte. Além de pianista, estudou dança moderna desde criança, estando durante toda a sua vida envolvida com música e dança. Profundamente comprometida com a tradição intelectual e cultural de sua época, realizou seus estudos de psicologia na Universidade de Frankfurt, no início dos anos 20, quando se envolveu com a Teoria da Gestalt e com os existencialistas, particularmente com as filosofias de Buber e Tillich. Antes, contudo, estudara Direito e Economia. Seus maiores interesses eram a Filosofia, Línguas e Psicologia. Sua tese de doutoramento foi em Psicologia da Gestalt, versando sobre a percepção visual. Sobre o período inicial de sua formação em psicologia, Laura comentou em entrevista concedida a Daniel Rosenblatt em 1984 (p. 31): Entrei diretamente através da Psicologia da Gestalt. Foi o que me fez deixar Direito e Economia. Ouvi várias conferências de Gelb enquanto estudava Direito. Era um excelente conferencista [...] Depois fiquei mais impressionada com Wertheimer e Goldstein. Gelb foi excelente como conferencista e como introdutor da Gestalt, mas foi muito difícil como orientador de minha tese. Conheceu Perls em 1926, tendo compartilhado com ele um forte compromisso com os movimentos anti-fascista, anarquista e socialista da época. Como conseqüência deste interesse, o seu nome e o de Perls entraram na “lista negra” dos nazistas (KOGAN, 1992). Já o envolvimento com a psicanálise, a vanguarda do estudo da mente daquele tempo, fora despertado por seu contato com Perls. Esteve durante um curto período em análise com Clara Happel, que também era analista de Perls. Prosseguiu sua análise com Karl Landauer, com quem permaneceu por dois anos e meio, sobre quem assim se referiu anos depois: “[...] era inteligentíssimo e muito liberal na área da psicanálise. Era 46 amigo próximo de Ferenzi e Groddeck, que já estavam na vanguarda. Mais independentes, na verdade mais ativos” (PERLS, L., 1984, p. 31). Ainda em Berlim iniciou sua prática como psicanalista, com alguns pacientes, sob supervisão de Otto Fenichel. Sua filha Renate nasceu em Berlim, em 1931, um ano após o casamento com Fritz, e o segundo filho do casal, Steve, nasceu em 1935, quando a família já estava na África do Sul. Laura compartilhou com Perls, desde o primeiro momento, a elaboração da Gestalt-Terapia; a princípio quando ainda viviam na Alemanha e estudavam psicanálise, passando pela África do Sul, onde fundaram um instituto de psicanálise e depararam-se com as insatisfações do método freudiano, o que deu lugar ao primeiro livro de Perls, EFA. Já nos Estados Unidos, esteve à frente do Instituto de GestaltTerapia de New York fundado em 1952, trabalhando incansavelmente no período de desenvolvimento inicial da Gestal-Terapia, quando era responsável por coordenar grupos de formação de novos terapeutas na abordagem. Toda esta caminhada permite que se considere Laura como co-fundadora da Gestalt-Terapia, dando a ela o merecido lugar nesta construção, juntamente com Fritz Perls e Paul Goodman. No período em que viviam na África do Sul, quando ainda se consideravam psicanalistas, as insatisfações com a psicanálise aliadas ao isolamento profissional podem ser considerados elementos importantes para o que resultaria na construção de um novo método de psicoterapia: Nós trabalhamos na África do Sul durante treze anos sem uma afiliação direta a nenhum grupo psicanalítico nem supervisão, assim podíamos fazer o que realmente gostávamos. Descobrimos que a abordagem estritamente psicanalítica era, em muitos casos, insuficiente e muitas vezes não acabava nunca. Tínhamos pessoas em tratamento durante 10 ou 12 anos e melhoravam algo, mas realmente não mudavam essencialmente. Eu pensava também que aquilo era muito chato. O que a técnica psicanalítica ortodoxa faz é evitar a confusão e a ansiedade, tanto para o terapeuta como para o cliente. O cliente fala para a parede e o terapeuta se senta atrás do cliente, nunca vêem o rosto um do outro, afinal é um contato pessoal. (PERLS, L., 1984, p. 234). O fato de ser considerada por certo tempo como “apenas” a esposa de Fritz pode ter contribuído para que Laura fosse somente posteriormente considerada como cofundadora da abordagem gestáltica. Um trecho da citada entrevista de Laura permitir avaliar esta questão quando, incitada pelo comentário do entrevistador “de alguma 47 forma você era a esposa de Fritz Perls fundamentalmente?”, responde aludindo às experiências vividas na África do Sul: Eu tive que enfrentar isso durante muitos anos. Recordo um incidente na África do Sul onde eu havia encontrado com o editor de um periódico dominical e me disse que gostaria de realizar uma entrevista comigo. Enviou um repórter e um fotógrafo e sua primeira pergunta foi: “Que sente ao ser a esposa de um psicanalista?”. Eu não poderia dizer realmente porque eu sou psicanalista também, eles rapidamente pegaram suas coisas e se foram. Era bastante duro estar casada com Fritz. Não no princípio. Não durante muitos anos. Foi realmente difícil quando chegamos aqui. [Refere-se ao período em que viveram nos Estados Unidos]. Na África do Sul ele me necessitava porque não havia ninguém com um nível suficiente para o seu trabalho e pensamento. Mais tarde houve muitas pessoas que influenciaram-no e nos nossos últimos anos vivemos separados a maioria do tempo. Na África do Sul tínhamos um nível semelhante e abordávamos nossas idéias juntos. Ele não tinha ninguém relevante com quem discutir nosso trabalho. Havia muito poucas pessoas. Havia algumas pessoas que haviam se formado com a gente, que haviam lido muito, mas não tinham experiência (PERLS, L., 1984, p. 30). Ao abordar a técnica da “Terapia de Concentração”, desenvolvida em EFA, diz que o nome fora utilizado em oposição à “Terapia de Associação”, e aproveita para desfazer a confusão muitas vezes cometida em relação ao termo continuum de consciência: [...] a gente diz que pratica o continuum de consciência, quando o que estamos fazendo exatamente é uma espécie de associação livre ou uma dissociação livre, saltando de uma coisa a outra. Agora me dou conta disto. Agora me dou conta daquilo. Realmente, o contínuo de consciência se desenvolve quando você mobiliza ou dissolve as barreiras, as tensões musculares, os bloqueios, as gestalten fixas. Você se concentra sobre as gestalten fixas e em como você as fixa (PERLS, L., 1984, p. 28). Laura acrescenta que o próprio Fritz trabalhou o continuum de consciência em seus trabalhos de demonstração e workshops na década de 1960 da maneira distorcida mencionada acima, comentando a respeito: [...] penso que é um erro e que Fritz estava muito mais analiticamente orientado do que ele podia perceber. Eu penso que a “cadeira quente”, ou “cadeira vazia”, e a direção do paciente até sua própria interpretação é uma aula de associação livre dramatizada (PERLS, L., 1984, p. 28-9). A relação entre Laura Perls e Paul Goodman foi fundamentalmente uma relação que nutriu aos dois. Laura relata em entrevista concedida a Daniel Rosenblatt em 1984 que Goodman (1994, p. 29): 48 Era um homem do renascimento, um dos poucos que havia surgido na América. As pessoas aqui não tem a bagagem que lhes permita conhecer idiomas, filosofias, diferentes formas de pensamento, arte, antropologia e música. Paul tinha tudo isso junto com um funcionamento integrado. Laura Perls (1984, p. 30) menciona a contribuição de Goodman em sua vida, principalmente quando trabalhavam juntos no Instituto de Nova York, dizendo ter obtido muito dele: “mais confiança em mim mesma e mais independência em meu próprio pensamento”. E ainda, “para mim Paul Goodman foi o mais importante, porque foi o único que me estimulou em direções nas quais não havia nunca ido antes” (PERLS, L., 1984, p. 29). Por ocasião de seu 75° aniversário, Laura recebeu o mais alto reconhecimento profissional ao ser publicado um número especial do The Gestalt Journal (1980) totalmente dedicado a ela. Em 1981, na Universidade de Frankfurt, Laura foi homenageada com o Jubiläum”, celebrando os 50 anos decorridos de seu doutoramento naquela universidade. Segundo relata Kogan (1992, p. 26), “a intenção era que fosse um evento modesto [...] Esperávamos 40 pessoas. Apareceram 500 e toda a homenagem foi transferida para uma grande sala de aula”. Até aqui podemos formar uma idéia da difusão alcançada pela Gestalt-terapia. Ao prosseguir com o depoimento, Kogan (1992, p. 26) oferece-nos a oportunidade de compreender o que deu à abordagem tal popularidade: Ao recomeçarmos, Laura, agora muito nervosa, me pediu para que segurasse sua mão [...]. Ela falou e daí fez uma pequena demonstração. Sem ‘hotseat’. Sem catarse. Sem drama. Muitas pessoas na audiência se enfureceram e protestaram. Algumas bateram suas carteiras. Alguns se levantaram e saíram. Isto não era Gestalt-Terapia! Com poucas exceções naquele tempo, a Gestalt-Terapia na Alemanha era orientada por alguma caricatura da técnica do ‘hotseat’ de Fritz Perls. Laura foi atingida pela hostilidade, mas permaneceu digna e persistente [...] Morreu em julho de 1990, antes do seu 85° aniversário, no local onde nasceu e passou sua infância, em Pforzheim. Um ano depois da morte de Laura, The Gestalt Journal dedicou um número completo de sua revista Contact (1991) em sua memória. 49 1.4 A emergência e o desenvolvimento inicial da Gestalt-Terapia [...] É impossível deixar de se impressionar com a dimensão estética [presente no livro Gestalt-Terapia, de Perls, Hefferline e Goodman] [...] e que impregna toda sua obra, no sentido dos constantes paralelos traçados entre processos artísticos e criativos e o funcionamento saudável, entre arte e terapia [...] Se a arte tradicionalmente esteve na vanguarda dos movimentos de ruptura e transformações sociais, a Gestalt-Terapia floresceu com uma ideologia libertária no bojo dos movimentos contestatórios e visionários dos anos 60, onde [...] tanto os Perls como Goodman se encontraram fortemente engajados (CIORNAI, 1991b, p. 1-2). No período em que Perls se instala nos Estados Unidos, o capitalismo prosperava. O pós-guerra representou uma época de extremo progresso e poderio do estado americano e o país começava a se constituir no primeiro grande exemplo de uma sociedade tecnocrática, que se materializava, por exemplo, na afirmação do american way of life. Como conseqüência, os valores imperativos levavam à busca de um máximo de modernização, racionalização e planejamento, com privilegiamento dos aspectos técnico-racionais sobre os sociais e humanos, reforçando uma tendência crescente de burocratização da vida social (PEREIRA, 1983). Conforme o relato de Kiyan (2006), milhões de soldados retornaram ao país depois da guerra, e, através do acordo denominado Fair Deal e do Plano Marshall, houve implemento de indústrias e surgimento de milhares de empregos, o que fortaleceu na nação o estilo norte-americano de bem viver, o patriotismo e o sentimento hostil em relação ao comunismo. A idéia de superioridade dos norte-americanos se mantinha associada a um forte sentimento de nacionalismo e o consumismo desenfreado ajudava a criar a imagem de um paraíso. Nesse clima, e em nome da manutenção do status quo, proliferou uma postura antiesquerdista, sob o comando do general McCarthy11. Na direção contrária ao ideário americano e ao conformismo subjacente, Paul Goodman é citado por Pereira (1983), como alguém interessado em desvendar a nova realidade das sociedades tecnocratas. 11 O período que vai de 1950 a 1956 é conhecido como Macartismo. Durante esse período, todos aqueles que fossem suspeitos de simpatia com o comunismo, tornaram-se objeto de investigações, prisão, perda de emprego e, mesmo, morte. 50 Perls chegou ao país com rascunhos e anotações para a elaboração de um novo livro e o contato com Goodman lhe apontou que este poderia ser o homem a colaborar com ele nesta empreitada; afinal, ele compreendia o contexto psicanalítico e estudava com Lore, estando, portanto indicado para organizar suas idéias e preparar um manuscrito sob sua supervisão. Assim, a princípio, Goodman fora solicitado como editor – responsável por colocar em palavras a teoria da Gestalt-Terapia –, e a quantia elevada contratada, de 500 dólares, permitia estimar o trabalho de redação necessário (STOHER, 1999). Em relação à participação de Goodman no livro que lançou a abordagem, Laura Perls (1984, p. 23) afirma: “penso que a influência de Goodman foi muito importante e creio que sem ele ali não teria havido uma teoria coerente da Gestalt-Terapia”. O livro Gestalt Therapy: excitment and growth in the human personality foi publicado no ano de 1951, com tripla autoria: Fritz Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman, sendo esta data considerada o marco de início da Gestalt-Terapia. Ralph Hefferline, por sua vez, agrega-se aos dois autores, pois a esta altura, os exercícios de concentração propostos por Perls em EFA, haviam atraído seguidores, que passaram a adotá-los mais como experimentos pedagógicos do que como ferramentas terapêuticas. Assim, Elliot Shapiro, em aulas de Psicologia Anormal na Universidade de Brooklyn, e Ralph Hefferline, na Universidade de Columbia, pediam aos alunos que realizassem os exercícios de Perls e anotassem suas experiências. Este fato incentivou Perls, e Hefferline, que era seu paciente, tornou-se um colaborador. Perls desenvolveu uma nova e mais extensa série de exercícios, que Hefferline aplicou em seus alunos e, em seguida, transformou em um manuscrito. Esta seria a demonstração prática no novo livro de Perls. Vale ainda mencionar que a presença de Ralph Hefferline fora justificada por Laura Perls pela intenção de que a Gestalt tivesse alguma penetração no meio acadêmico (SUASSUNA; HOLANDA, 2009). O fato a ser salientado aqui é que Hefferline não se associou ao Instituto de Gestalt-Terapia de New York, criado pouco tempo após o lançamento do livro, não tendo participado do desenvolvimento posterior da abordagem (PERLS, L., 1977). Já havia sido assinado um contrato para o livro com um conhecido de Perls, Arthur Ceppos, da Julian Press. Como editor, Ceppos teria autoridade sobre o produto 51 final. Originalmente, os escritos de Goodman constituiriam o livro, enquanto o material de Hefferline consistiria em uma espécie de apêndice. Depois de avaliar os manuscritos, Ceppos insistiu em inverter a ordem: primeiro os exercícios práticos de Hefferline, para familiarizar o leitor com os conceitos básicos – e, assim, aproveitar a popularidade de que gozavam naqueles dias os livros do tipo "faça você mesmo" e de "auto-ajuda" (STOHER, 1999). Assim o livro foi composto por duas partes, claramente distintas, nomeadas livro um e livro dois. Aqui é interessante notar a presença do apelo comercial já no início da história da Gestalt-Terapia, a partir da inversão das partes que compunham a obra que vem lançar a nova abordagem. Houve uma reunião do grupo com o fim de estabelecer o nome da nova abordagem. Hefferline insistia em que deveriam dar o nome de “Terapia Integradora”, uma vez que se tratava basicamente de um processo de conscientização e integração de polaridades e partes alienadas de si mesmo (KYIAN, 2006). Outro nome sugerido foi “Psicanálise Existencial”, mas nesta época o Existencialismo estava bastante associado às idéias de Sartre, com uma abordagem nihilista, com a qual não se identificavam (JULIANO, 1992). Laura Perls, prevendo problemas com os gestaltistas acadêmicos, expressou sua discordância em relação ao nome Gestalt-Terapia. Ademais, acrescentou que, ao conservar alguma coisa do conceito de ‘Gestalt’ no nome, seria melhor optar por ‘Gestaltung-terapia’, porque não são as formas fixas que interessam, mas sim a Gestaltung, ou seja, a forma em movimento, a formação das formas (ROBINE, 2006). No entanto, prevaleceu o desejo de Perls de chamar a abordagem de Gestalt-Terapia, sendo interessante notar, conforme salienta Loffredo, que Perls (1994, p. 63) batizou sua cria com um nome da língua materna, intraduzível para o inglês, marca registrada de made in Germany, deixando um lembrete explícito para as gerações futuras: a Gestalt-Terapia é uma terapia européia [...] Fritz Perls (1979, p. 225) se expressa a respeito da escolha do nome da nova abordagem da seguinte forma: 52 Lore, como muitos de nossos amigos, se opôs a que eu chamasse a minha abordagem de Gestalt-Terapia. Pensei em Terapia de Concentração ou algo parecido, mas rejeitei. Isso teria significado que a minha filosofia-terapia seria eventualmente categorizada como uma entre centenas de outras, o que realmente aconteceu até certo ponto. Eu optei pela posição tudo-ou-nada. Não queria saber de meio-termo. Ou a psiquiatria americana viria a aceitar a Gestalt-Terapia como a única forma de compreensão realista e afetiva, ou ela pereceria entre os escombros da guerra civil e das bombas atômicas. Não era em vão que Lore me chamava de mistura de profeta e vagabundo. O trecho acima traz ainda a idéia de Perls sobre a importância e significado do termo Gestalt. Em outro trecho de sua autobiografia, Perls (1979, p. 64) expõe de forma bastante entusiasmada seu entendimento sobre o termo Gestalt: Será que então não existe a possibilidade de uma orientação ôntica em que Dasein – o fato e meio da nossa existência – se manifeste, compreensível sem explicações? Uma forma de ver o mundo não por intermédio da tendenciosidade de algum conceito, mas na qual possamos entender a tendenciosidade de se conceitualizar? [...] E na verdade existe! Gestalt! Como posso fazer entender que gestalt não é só mais um conceito inventado pelo homem? Como posso dizer que gestalt é – e não só para a psicologia – algo inerente à natureza? O Instituto Gestalt de New York foi fundado em 1952, por iniciativa de Perls, e lá se promoveriam cursos acerca do novo método. No entanto, pouco a pouco foi se delineando uma distância afetiva e teórica, cada vez mais acentuada, entre Perls e Laura e entre Perls e o Instituto de New York. No discurso comemorativo do 25º aniversário do Instituto, Laura Perls relembrou o momento de sua criação e seus primeiros colaboradores: Paul Goodman, Paul Weisz, Elliot Shapiro e Isadore From. Afirmou não ser fácil falar sobre o papel de Fritz Perls no desenvolvimento do Instituto, “foi a pessoa mais interessada em fundá-lo e deu as conferências introdutórias e parte das oficinas durantes vários anos” (PERLS, L., 1977, p. 40-1). E prossegue comentando: Fritz era genial por sua percepção intuitiva e seus palpites sempre misteriosamente precisos, então era necessário justificar, elaborando-os com rigor. Fritz muitas vezes não teve paciência para esse tipo de trabalho detalhado. Ele criava. Não desenvolvia nem organizava. Sem o apoio constante de amigos e meu, sem a nossa colaboração e o incentivo que lhe dávamos constantemente, Fritz não teria escrito uma única linha, e nunca teria fundado nada. No entanto, ele tinha uma personalidade carismática que fazia com que as pessoas se entusiasmassem por suas idéias e seus planos e conseguia que se ocupassem dos detalhes que a ele desagradava (PERLS, L., 1977, p. 41). 53 Foi assim também em relação à criação do Instituto. Laura declarou ter desejado manter-se afastada, sem assumir qualquer compromisso, além daqueles que já acumulava em suas diversas funções como dona de casa, mãe, avó, terapeuta. Além disso, sua experiência se restringia à terapia individual e a nova atividade exigiria o desenvolvimento de novas habilidades e competências, como o manejo de grupos. No entanto, conforme relata, apareceram quarenta pessoas para a primeira conferência que Fritz ofereceu, daí quando chegou o momento das sessões práticas, ele tomou vinte para si, tendo Laura ficado com as outras vinte. Enquanto Laura se manteve em Nova York, tendo entre suas atividades a coordenação do Instituto, Perls iniciou sua peregrinação por cidades da América do Norte para levar o mais longe possível sua nova abordagem. Transitou por Cleveland, Detroit, Miami e Toronto (Canadá), o que o levou a manter-se afastado de Nova York por um bom tempo. Essas viagens, no entanto, parecem ter tido mais importância na captação de novas informações do que propriamente na divulgação da Gestalt-Terapia. Neste período, Perls teve contato direto com Moreno, criador do psicodrama, com Charlotte Selver, representante do trabalho de consciência corporal, e estudou dialética com Arthur Ceppos (KYIAN, 2006). Por outro lado, as sementes plantadas pelo trabalho do Instituto de New York começaram a frutificar. Em um curso intensivo de dez dias de duração, três pessoas de Cleveland formaram parte da turma, e em 1953 é fundado o Instituto de Cleveland, de onde se originam profissionais que vieram a ser reconhecidos como a primeira geração de gestalt-terapeutas, dentre os quais, Erving e Miriam Polster e Joseph Zinker. Anos mais tarde, os Polster se mudaram para San Diego, na Califórnia, e surgiram mais dois grupos importantes para a Gestalt-Terapia: o de São Francisco (1967) e o de Los Angeles (1969), que irão influenciar diretamente a Gestalt-Terapia no Brasil (JULIANO, 1992). Perls, por sua vez, fixou residência em Los Angeles, no final dos anos 50, a convite de Jim Simkin, que o acolheu em sua casa. Em 1962, quando já estava com quase setenta anos, iniciou um período de viagens que se estenderia por dezoito meses, vivendo alguns meses em Israel numa aldeia de beatniks e depois no Japão, num mosteiro zen, a fim de entender melhor a doutrina (KYIAN, 2006). 54 Em 1959, Laura se afiliou à Academia Americana de Psicoterapeutas (APA), sendo convidada a participar da mesa da presidência de seu Congresso Anual, juntamente com Carl Rogers, Carl Whittaker, Drichos e Julie Nieds. Desde então, realizou por mais de dez anos oficinas de Gestalt em todos os congressos da APA. Pouco a pouco, a economia americana começou a dar sinais de retração, chegando a uma recessão, em 1958, com o objetivo de reorganizar seu parque fabril. A crise do fordismo, levando a um aumento do desemprego, e o incremento nos conflitos entre brancos e negros acabam por configurar uma nova realidade social. Nesta, nova discussão surge, sobre a posição da mulher frente a sua própria sexualidade, que ganha destaque cada vez mais acentuado. O surgimento da pílula anticoncepcional, por sua vez, contribuiu para a chamada revolução sexual. Seguiram-se a estes acontecimentos, a Guerra do Vietnã (1961-1975) que trouxe o descontentamento do povo norte-americano com o tratamento dado aos cidadãos, especialmente após o recrutamento obrigatório, que levou milhares de jovens à morte. Todos estes acontecimentos reunidos em um espaço relativamente curto de tempo provocaram profundas mudanças na sociedade americana. Na prática, o que se observa é o ascendente fenômeno da juventude como nova força, inclusive política, o que passou a ser conhecido pelo nome de contracultura. Uma das características básicas do fenômeno é se opor, de diferentes maneiras, à racionalidade ocidental e à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições da sociedade do Ocidente12. Pereira (1983. p.7-8), descreve a situação vivida durante os anos sessenta de seguinte forma: Corriam os anos 60 e um novo estilo de mobilização e contestação social, bastante diferente da prática política da esquerda tradicional, firmava-se cada vez com maior força, pegando a crítica e o próprio Sistema de surpresa e transformando a juventude, enquanto grupo, num novo foco de contestação radical [...] Falava-se no surgimento de uma nova consciência, de uma nova era, enfim, de novos tempos. Para além da superficialidade dos sinais mais evidentes do movimento – cabelos compridos, roupas coloridas, misticismo, orientalismo, um tipo de música (rock), drogas 12 Aqui, é importante esclarecer que o termo ‘contracultura’ foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas. No entanto, de forma alguma tais manifestações se limitaram a acontecer nos Estados Unidos; floresceram em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina (Luis Carlos Maciel conforme citado por Pereira, 1983, p. 13). 55 e assim por diante – vai ficando claro que havia algo a mais presente, e que se fazia mostrar por novas maneiras de pensar, modos diferentes de encarar e de se relacionar com o mundo e com as pessoas. Tratava-se de um forte espírito de contestação, de insatisfação, de experiência, de busca de uma outra realidade, de um outro modo de vida, envoltos por um forte ideal libertário. Palavras de ordem e expressões como “Paz e Amor”, “Paradise Now”, “Desbunde”, “Desrepressão”, “Revolução Individual”, “Aqui e Agora”, “É proibido proibir” etc eram significativas e pronunciadas pelos partidários do movimento. Criticava-se e rejeitava-se o predomínio da racionalidade científica, tentando-se redefinir a realidade através do desenvolvimento de formas sensoriais de percepção. Os jovens parecem viver o que William James (apud PEREIRA, 1983, p. 23) falara décadas antes: A consciência racional, como a chamamos, constitui apenas um tipo especial de consciência, enquanto a seu redor [...] jazem formas potenciais inteiramente diferentes [...] Nenhuma concepção do universo em sua totalidade que ignore essas outras formas de consciência pode ser definitiva [...] Elas impedem um fechamento prematuro de nossas contas com a realidade. Por outro lado, já desde os anos 1950 era bastante visível na sociedade americana o apelo crescente que o antiintelectualismo vinha ganhando. Um exemplo é o surgimento de toda uma tradição boêmia – aquela dos beatniks – de verdadeiros representantes de um anarquismo romântico, cujo estilo de contestação e agitação, novo e radical quando comparado à luta da esquerda tradicional, estava apoiado sobre noções e crenças tais como a da necessidade do “desengajamento em massa” ou da “inércia grupal” (PEREIRA, 1983, p. 33). Laura Perls (1977, p. 42) comenta sobre este momento e as repercussões na sociedade: No final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, o clima cultural começou a mudar. Acho que a abordagem gestáltica, especialmente o trabalho de Fritz, e o livro de Paul Goodman (Growing Up Absurd), entre outras coisas, contribuíram para este avanço humanístico. Não só em termos de terapia e educação, mas no estilo de vida da nova geração. Mas, enquanto Fritz e Paul Goodman eram magos, os seus discípulos eram muitas vezes apenas aprendizes e acabaram por não compreender os fundamentos realistas e organísmicos da Gestalt-terapia (Viviendo en los limites). 56 Dentro da história do desenvolvimento da Gestalt-terapia vai se criando uma onda de anti-intectualismo que resulta na desqualificação de qualquer discurso teórico, de modo que o que passa a ser propagado pelos novos discípulos vai exatamente na direção da simplificação e empobrecimento da Gestalt-Terapia. Ao retornar de sua viagem, Perls instalou-se, em 1964, em uma propriedade na Califórnia, conhecida como Esalen, que viria a tornar-se um centro de desenvolvimento e treinamento em Gestalt-Terapia. Inicialmente, foram propostos laboratórios de demonstração e, logo após, um programa de formação profissional em Gestalt-Terapia. Durante esse período, Perls não deixou de realizar viagens periódicas a São Francisco e Los Angeles para divulgar a Gestalt-Terapia. Em 1968, com 75 anos, Perls viu finalmente sua abordagem assumir um lugar de destaque, conforme Kyian (2006, p. 84) assinala: [...] Suas oficinas de trabalho [...] passaram a ser muito concorridas, e não raramente o número de participantes ultrapassava trezentas pessoas, muito diferente dos quatro ou cinco por oficina, como era comum até então. O estilo desenvolvido por Fritz Perls em oficinas de demonstração para profissionais durante os últimos anos de sua vida tem sido conhecido através de filmes e vídeos que foram gravados e através da transcrição dos vídeos para o livro Gestalt Therapia Verbatim13 (1969). Em 1967, Perls iniciou o livro autobiográfico In and Out the Garbage Pail14, publicado em 1969. Ainda em 1969, Gestalt-Therapy é reeditado nos Estados Unidos. Nos encontros, Perls explanava sobre os pressupostos de sua abordagem e fazia demonstrações técnicas, como por exemplo, a “cadeira vazia”. Tal fato explica a conotação que adquiriu a abordagem que passou a ser vista como uma reunião de técnicas de conscientização e de resolução de conflitos psíquicos. Perls, por sua vez, chegou a ser eleito como o “rei dos hippies” (KYIAN, 2006). Portanto, foi somente na década de 60, com a eclosão do movimento de contracultura, que a Gestalt-Terapia encontrou espaço nos Estados Unidos, como uma abordagem psicoterápica que respondia aos anseios da geração jovem americana. 13 Livro publicado no Brasil em 1977, pela Summus, sob o título “Gestalt-Terapia Explicada”. No Brasil este livro foi publicado pela Summus em 1979 sob o título Escarafunchando Fritz dentro e fora da lata de lixo. 14 57 Ciornai (1998) cita Vinacour (1995), gestalt-terapeuta argentino, na intenção de apontar a relação entre a Gestalt-Terapia e o movimento de contracultura. Vinacour, concluindo que os movimentos de contracultura apontavam para uma crise da modernidade, uma crise da razão, considera que a Gestalt-Terapia lhe deu sustento psicológico: “Nunca antes uma escola psicoterapêutica se havia identificado tanto como uma proposta de transformação social, e nunca antes uma psicoterapia foi tão identificada pelo grande público com um movimento” (VINACOUR, 1995 apud CIORNAI, 1998, p. 9). Kyian (2006, p. 80) descreve esta inter-relação no âmbito da Gestalt-Terapia da seguinte forma: A história teceu, portanto, as condições propícias para que a Gestalt-Terapia se configurasse como uma abordagem que por um lado amparava as premências da época e por outro usava-as para fazer ecoar seus pressupostos fundamentais. Assim como os jovens, [...] a Gestalt-Terapia pensava em vias de liberdade, responsabilidade, conscientização e potencialização de forças e integração. Conforme nos afirma Kyian (2006), Perls acreditava cada vez mais que a Gestalt-Terapia, antes de ser um processo psicoterapêutico, era um modo de vida, e começou então a pensar em “Gestalt na vida”, o que o levou finalmente a tentar materializar seu sonho de gerir uma sociedade na forma do Gestalt-kibutz. Com esse propósito, em 1969, comprou um velho hotel à beira do lago Cowichan, na ilha de Vancouver, e fundou o Instituto de Gestalt do Canadá, onde ele e alguns discípulos se organizaram em um modo de vida comunitário (o Gestalt-kibutz). No entanto, somente permaneceu ali por aproximadamente seis meses, partindo para novas viagens pela Europa. Ao retornar aos Estados Unidos, iria proferir uma palestra na Universidade de Illinois, Chicago, no dia 6 de março de 1970. Ao ser recebido por Bob Shapiro e Jane Levenberg, pediu para ver um médico. Foi diagnosticado com câncer no pâncreas e pedras na vesícula, vindo a óbito em 14 de março. Goodman, por sua vez, atuou como psicoterapeuta por vários anos, mas finalmente, após uma alteração nas condições legais para a prática de psicoterapia, voltou a lecionar e continuou sua carreira como escritor e crítico social. Morreu de um ataque cardíaco em 02 de agosto de 1972, quando acabara de completar 61 anos. 58 Alguns autores, entre eles, Shepard (1997) apontam o funcionamento do kibutz como um paradoxo, pois Perls, que durante toda a sua vida havia pregado a responsabilidade por si mesmo e a autonomia, concebera uma sociedade alternativa na qual a relação de dependência era por si só condição primeira de sobrevivência do projeto, o que seria, portanto, incompatível com os pressupostos de sua proposta psicoterapêutica (KYIAN, 2006). Poderíamos nos perguntar, por que e até que ponto se trata de um paradoxo? É fato que Perls, em sua teoria e prática, enfatizou a importância do auto-suporte em substituição ao suporte ambiental e utilizava-se da frustração como recurso psicoterapêutico, a fim de incentivar o auto-suporte. Na introdução de seu livro GestaltTherapy Verbatim, Perls (1977, p. 17) apresenta a “Oração da Gestalt”, entendida por muitos como uma proposta de um individualismo marcante. Diz o seguinte: Eu faço minhas coisas, você faz as suas. Não estou nesse mundo para viver de acordo com suas expectativas. E você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas Você é você, e eu sou eu. E se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, nada há a fazer. Entretanto, Perls, no ano de 1969, escreve no prefácio à edição de Ego, fome e agressão publicada pela Random House o seguinte: A probabilidade de que a terapia individual e de longa duração possam, ambas, ser obsoletas ainda não se revelou para a vasta maioria de terapeutas. Na verdade, grupos e workshops encontram crescente aceitação, mais por sua exeqüibilidade econômica do que por sua eficácia. Contudo, a sessão individual deveria ser a exceção mais do que a regra. Talvez isto soe tão herético quanto a proposição que fiz algum tempo atrás: lidar com o comportamento fora do aqui-e-agora é uma perda de tempo (PERLS, 2002, p. 36). Duas questões presentes no início da Gestalt-Terapia são de fundamental importância para a compreensão do desenvolvimento posterior dessa abordagem. A primeira refere-se à dicotomia entre teoria e prática e tem sua raiz nas formas divergentes de realizar a divulgação da nova abordagem (JULIANO, 1992; PRESTRELO, 2001). A segunda responde por uma distinção entre duas formas de entender e praticar a Gestalt-Terapia. No entanto, ambas possuem em comum o aprisionamento em posições dicotômicas. 59 Como vimos na história de Perls, este foi um grande divulgador da GestaltTerapia. Conforme ressalta Juliano (1992, p. 12), Perls está interessado em criar técnicas cada vez mais espetaculares [de modo que] aqueles que presenciavam as suas demonstrações recebiam idéias, ‘slogans’, técnicas miraculosas e a sensação de que seria possível, desta maneira, evitar o longo tempo necessário para se solidificar uma mudança. Em contrapartida, o grupo de Nova York aprofundava teórica e clinicamente o texto de Perls e Goodman, com ênfase no conceito de contato e fazia fortes críticas a Perls, entre as quais a de “haver transformado psicoterapia em teatro, de haver confundido ‘workshops’ com terapia a longo prazo [...]” (JULIANO, 1992, p. 12). Em 1977, em trabalho intitulado “Visões verdadeiras e falsas da Gestalt-Terapia”, Laura Perls inicia seu argumento comentando como erroneamente a idéia da GestaltTerapia fora resumida à prática da técnica da cadeira quente e da cadeira vazia. Ao partir deste ponto inicial, propõe-se a resgatar os conceitos básicos que, mais que técnicos, são filosóficos e estéticos. Sobre as técnicas da cadeira quente ou cadeira vazia, e sobre os trabalhos de demonstração de Fritz, Laura Perls diz: Você pode trabalhar dessa maneira com pessoas relativamente saudáveis, mas você não pode usar o método da cadeira vazia, com pessoas realmente doentes. Ele [Fritz] parou de tratar as pessoas na realidade. Nas oficinas esteve trabalhando com pessoas que eram todas profissionais, a maioria profissionais avançados que já estavam trabalhando na prática clínica por vários anos, ou tinham seus próprios analistas ou terapeutas. Ele simplesmente evitava as pessoas que sentia não estarem saudáveis [...]. Fritz tinha idéias maravilhosas, mas não paciência. (PERLS, 1984, p. 29). O resultado dos trabalhos de demonstração levou muitos terapeutas a considerar a utilização da técnica como o elemento mais importante da Gestalt-Terapia e com isso, se arvoraram a aplicá-la a todos os pacientes, sem distinção. Assim, a Gestalt-terapia se reduziu ao nível da técnica. Uma outra conseqüência, tão bem exposta por Laura Perls (1997), é que, devido às óbvias limitações desta técnica, terminou-se por fazer a combinação dela com outra técnica do arsenal psicoterapêutico que estivesse à mão. O resultado é o treinamento em sensibilidade e Gestalt, consciência corporal e Gestalt, bioenergética e Gestalt, terapias baseadas em arte e dança e Gestalt, meditação transcendental e Gestalt, Análise Transacional e Gestalt e assim por diante... 60 Essas combinações são uma indicação de que não se interpretava corretamente ou que havia uma falta de conhecimento dos conceitos básicos da Gestalt-terapia. Certamente, o esforço realizado, naquele momento, fora justamente o de desvincular a identificação da Gestalt-Terapia com uma técnica ou uma coleção de técnicas, reportando-se ao embasamento teórico e filosófico que lhe era subjacente. Em decorrência desses acontecimentos, conforme assinala Juliano (1992), estabeleceu-se a distinção entre duas formas de entender e praticar a Gestalt-Terapia: a “Gestalt da cabeça” e a “Gestalt visceral”, a última com foco na awareness do paciente. Prestrelo (2001) resgata os termos “peles-vermelhas” e “caras-pálidas”, denominação atribuída por Michael Vincent Miller, autor contemporâneo da GestaltTerapia, para retratar esta dicotomia. Curioso é que todo o esforço da Gestalt-Terapia era justamente o de romper dicotomias! Ao percorrer a história do movimento inicial que culminou com a emergência da Gestalt-Terapia, bem como seu desenvolvimento inicial, é muito evidente o enorme desejo de Perls de divulgar e fazer conhecida sua abordagem. Partindo desta constatação poderíamos nos perguntar até que ponto Perls não se aproveitou do contexto sócio-cultural para dar visibilidade a sua abordagem, ainda que não a representasse fidedignamente nestas demonstrações, isto é, ainda que não se apoiasse de forma mais consistente em seu referencial filosófico e teórico, com suas conseqüentes visões de homem e mundo? A despeito das inúmeras críticas e mal-entendidos que se seguiram aos trabalhos de demonstração de Perls, não teria ele se valido do mesmo apelo presente na edição do Gestalt-Therapy, quando o editor resolveu inverter a ordem das partes do livro, com o fim de facilitar a vendagem? Teria a Gestalt-Terapia alcançado tamanha repercussão e notoriedade, em finais da década de 1960, se não fosse o esforço de divulgação de Perls, mesmo que de forma bastante caricata e distorcida? São perguntas que, tentando construir uma história, nos sentimos compelidos a fazer. Enquanto profissional referenciada na Gestalt-Terapia, acredito ser necessário trabalhar pela integração, e não pela permanência nas extremidades... Para isso, 61 entender o momento inicial de construção desta abordagem é fundamental, tal como buscou-se realizar aqui. A seguir, abordaremos a chegada da Gestalt-Terapia no Brasil, procurando contextualizar seu surgimento a partir da consideração dos fatores presentes na realidade sócio-política brasileira, bem como as práticas e saberes psicológicos então vigentes, os quais tornaram possível que a Gestalt-terapia tivesse aceitação enquanto uma nova abordagem psicoterápica. 62 2 A GESTALT-TERAPIA NO BRASIL: RECEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO INICIAIS A Gestalt-terapia chega ao Brasil na década de 1970, juntamente com outras terapias, denominadas “alternativas”, como as psicodramáticas e as neo-reichianas, combatendo o monopólio exercido pela prática psicanalítica no âmbito da área clínica. Tais práticas ainda possuiam em comum o fato de trazerem em seu bojo uma série de críticas à sociedade de consumo (COIMBRA, 1995). Para se compreender o que tornou possível a difusão de tais práticas, especificamente a da Gestalt-Terapia, é necessário situar o contexto sócio-políticoeconômico-cultural brasileiro, bem como a situação da psicologia face a este cenário, o que passaremos a fazer neste momento. 2.1 O cenário político e sócio-econômico-cultural no Brasil nas décadas de 1950, 1960 e 1970. No decorrer da década de 1950, até 1964, ocasião do Golpe Militar, consolida-se no Brasil o populismo, caracterizado pelo desempenho político, mesmo que secundário, das massas populares15, sob o controle do governo. O populismo estava associado tanto com o aparecimento da cultura de massa como com o consumo em massa. Em uma relação dinâmica com o movimento populista, o Brasil passa por um período de transformações econômico-sociais. Assim, nos anos 1950, mais precisamente a partir do governo de Juscelino Kubitschek, houve grandes avanços na modernização, os anos 1960 dando continuidade ao “progresso”, com a expansão do capital monopolista16, através do crescimento da industrialização dominada pelo capital 15 Durante este período, o Brasil fora governado por Getúlio Vargas (1951-1954), que em 1951, voltava à presidência da República, desta vez, legitimado pelo voto popular; Juscelino Kubitschek (1956-1961); Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). 16 Pela expressão capital monopolista entende-se a terceira fase do capitalismo no Brasil. A evolução interna do capitalismo no Brasil, segundo Fernandes (1987), divide-se em três fases que têm significações diferentes. Na terceira fase denominada por esse autor de “irrupção do capitalismo monopolista”, observa-se o surgimento das grandes corporações estrangeiras, estatais ou mistas significando reorganização do mercado e do sistema de produção, evidenciando-se no fim da década de 1950 e adquirindo caráter estrutural a partir de Revolução de 1964 (conforme citado em Tolentino, 2008, p. 224). 63 estrangeiro. Verifica-se então, a acelerada urbanização e o crescente aumento das chamadas classes médias urbanas. O discurso proferido por João Goulart, em 1962, permite-nos uma aproximação com o movimento populista vivido neste período. Vamos mobilizar o povo para o desenvolvimento, de modo que ele tenha plena consciência de sua missão e sinta que os frutos do progresso lhe pertencem. Vamos construir um Brasil que, mantendo as características da sua personalidade como cultura, seja novo, justo e próspero. Vamos utilizar os valores do sufrágio universal [...] como um instrumento de compromisso para com as verdadeiras causas populares, de modo a permitir ao próprio povo não apenas a sensação mas a profunda convicção de que, com representantes autênticos dos seus anseios, ele é que, realmente governa (apud COSTA; MELLO, 1996). O governo populista/desenvolvimentista de João Goulaurt caracteriza-se pelo projeto de reformas de base e de desenvolvimento nacional. A presença no poder de forças nacionalistas, filiadas à tradição de Vargas, tornava o governo sensível às demandas populares, o que acabou favorecendo a emergência das esquerdas, notadamente do Partido Comunista. Este, na semilegalidade, desempenhava um papel de crescente importância na articulação dos setores progressistas (HOLANDA; GONÇALVES, 1984). De acordo com Coimbra (1995), os primeiros quatro anos dos anos 1960 são vividos de forma intensa por uma juventude universitária de classe média, através de vários movimentos sociais. Estudantes e intelectuais assumiam posições favoráveis às reformas estruturais, desenvolvendo uma intensa atividade de militância política e cultural. A União Nacional dos Estudantes (UNE) discutia as questões nacionais e as perspectivas de transformação que mobilizavam o país. Há uma intensa difusão de uma postura participante e conscientizadora, promovida, por exemplo, através do surgimento, em universidades de vários estados, dos CPC’s – Centro Popular de Cultura – vinculados à UNE17. A finalidade é “educar o povão através da arte”, com vistas à construção de uma cultura nacional, popular e democrática. 17 O CPC da UNE foi criado em abril de 1961 e tinha como finalidades promover atividades nos setores teatrais, cinematográficos, musicais, das artes plásticas e “... elevar o nível de conscientização das massas populares” (Coimbra, 1995, p. 4) 64 Contudo, Coimbra (1995) assinala que, em uma análise mais cuidadosa, observa-se na grande maioria dos movimentos sociais um engajamento populista, com o predomínio de uma postura paternalista e vanguardista, havendo uma clara consciência da distância entre o intelectual e o povo. Paralelamente, surgem posturas e comportamentos que recusam as normas préestabelecidas e instituídas. Podemos encontrar em Coimbra (1995, p. 5) análise que permite compreender o jogo de forças em questão e que culminam com o Golpe Militar de 1964, iniciando o período de 21 anos da República Militar: [...] o pacto populista começa a se tornar perigoso para a expansão monopolista do capital estrangeiro. Este sente no modelo político vigente no Brasil uma barreira à sua expansão. Neste quadro dá-se o golpe militar de 64, quando as forças armadas ocupam o Estado para servir a tais interesses. Para isso, e como preparação do terreno, uma intensa campanha se desenvolve desde os anos 50, por meio da qual constrói a figura do comunista como traidor da pátria. [...] Como efeito disto, semanas antes e depois do golpe de 31 de março de 1964, em muitas capitais do país, são organizadas as Marchas da Família com Deus e pela Propriedade. Multidões de senhoras e suas famílias de classe média e média alta desfilam pelas ruas do centro do Rio de Janeiro e São Paulo e, juntamente com a cúpula da Igreja Católica, denunciam a “comunização” da sociedade brasileira e exigem um governo forte. A defasagem entre a expectativa da transformação social e a realidade do desmoronamento do governo Goulart apontam, de acordo com o argumento de Holanda e Gonçalves (1984), a necessidade de reconhecer que alguma coisa andara mal nos cálculos da revolução. Assim, a preocupação em localizar e “corrigir” os possíveis enganos de 64 marcaria fortemente os rumos da militância política e cultural até o final da década de 1960. Uma análise em retrospectiva mostra que as forças de esquerda, representada primordialmente pelo PCB, acreditavam que a principal contradição a ser superada em nossa sociedade dava-se entre a nação e o imperialismo americano. Como resultado, houve uma desconsideração do jogo de forças interno: a valorização do papel ‘progressista’ da burguesia nacional e das inclinações reformistas e nacionalistas do Estado janguista levou a um predomínio dos acordos “por cima”, em detrimento da mobilização e da organização das forças populares (HOLANDA; GONÇALVES, 1984, p. 18). 65 As décadas de 1960 e 1970, por sua vez, assistem à crise política da aliança populista-desenvolvimentista no Governo Goulart – cujas propostas de reformas sociais, especialmente agrárias, motivaram a sua deposição através do Golpe Militar de 1964 (TOLENTINO, 2008). Este é o fim do período populista, com a ocupação do Estado pelas Forças Armadas. Durante o período de comando militar houve a modernização da economia brasileira, ocorrida às custas do sacrifício de setores populares e da ampliação da dependência em relação ao capital internacional. A ditadura militar silenciou os trabalhadores assalariados, que perderam o direito de reivindicar coletivamente aumento de salários, tiveram suas prerrogativas políticas retiradas e seus sindicatos, sob intervenção, foram colocados sob o controle ainda mais rígido do Ministério do Trabalho. Por sua vez, contrariamente ao que se poderia esperar, num primeiro momento (período de 1964 a 1969), a ditadura caminhou ao lado da hegemonia cultural da esquerda. Assim, não obstante as centenas de cassações, prisões e torturas, não ocorreu o impedimento da circulação das produções teóricas e culturais da esquerda. Uma diferença, contudo, se fez notar: a circulação de tais idéias foi totalmente bloqueada às classes populares, passando a realizar-se num circuito nitidamente integrado ao sistema – teatro, cinema, disco e a ser consumido por um público já convertido de intelectuais e estudantes de classe média. Os espetáculos são verdadeiros meetings onde a “intelligentzia” renova entre seus pares suas inclinações populares, anti-imperialistas, socialistas e revolucionárias (HOLANDA, 1978 apud COIMBRA, 1995, p. 8). A mobilização desse novo público, formado basicamente por estudantes e intelectuais, revelava os limites do novo quadro conjuntural e deixava entrever a formação de uma massa política que conheceria seu momento de radicalização nas passeatas de 1967/1968. Na esteira da crise de 1964 se delineou uma geração que procuraria dar um passo à frente em relação aos pressupostos da produção cultural nacionalista e engajada. O movimento tropicalista de 196818 tornou-se o veículo das primeiras 18 Os eventos fundadores do Tropicalismo são geralmente localizados em 1967, embora este movimento, assim nomeado, tenha surgido no começo de 1968. Na música - sua maior vitrine - através das inovadoras propostas de 66 manifestações contraculturais no Brasil, marcando uma ruptura com o discurso do engajamento, através de sua crítica cultural radical dentro das estruturas do consumo de massa19. Caracterizou-se assim, pela radicalização das questões colocadas pelas artes nos anos 1960, na sua interface com a vanguarda mundial e com a indústria cultural brasileira. Questões essas que confluem num ponto: a crise terminal do "nacional-popular" como eixo da cultura e da política. O que estava em jogo nas produções que se aglutinaram em torno do movimento tropicalista era “o desejo de romper com o repertório político da época, com todo um caminho da cultura brasileira diretamente comprometida com o Estado novo e com os desenvolvimentismos posteriores” (HOLANDA; GONÇALVES, 1984, p. 64). O discurso de Caetano Veloso, em 1966 (apud HOLANDA; GONÇALVES, 1984, p. 52), permite exemplificar as transformações ocorridas no processo cultural nesse período, ao dizer: “Sei que a arte que eu faço agora não pode pertencer verdadeiramente ao povo. Sei também que a Arte não salva nada nem ninguém, mas que é uma de nossas faces”. Esta é uma concepção bastante diversa daquelas que na fase Goulart povoavam manifestos e discussões, quando se pretendia a elaboração de um projeto cultural capaz de decidir um processo de transformação da estrutura social. É assim que a distância experimentada pelos tropicalistas em relação ao projeto revolucionário pré-64 estava implicada com uma “revisão do nacionalismo e da idealização populista da ‘pureza’ popular, em favor da idéia de uma cultura brasileira ‘moderna’ [...]” (HOLANDA; GONÇALVES, 1984, p. 52). Concomitantemente à intervenção cultural tropicalista, o movimento estudantil encontrou seu auge em 1967/1968. Aqui, é importante guardar as peculiaridades de Caetano e Gil, no III Festival de Música Popular da TV Record de 1967; no teatro, com as experiências seminais do Grupo Oficina, que rompiam com a linguagem do teatro tradicional, através da montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade e de Roda Viva. No cinema, acompanhando a radicalização das teses do Cinema Novo, em torno do lançamento de Terra em Transe, de Glauber Rocha. Finalmente, as experiências das artes plásticas, sobretudo as elaboradas por Hélio Oiticica, área menos reconhecida pelo grande público, apesar de ter sido o campo onde a palavra Tropicália ganhou significado inicial, adquirindo as feições gerais que mais tarde a consagrariam . (Napolitano e Villaça, 1998) 19 Embora não fosse somente o Tropicalismo. Paralelamente, deve-se ressaltar: Chico Buarque, o Teatro de Arena e Millor Fernandes, com a peça Liberdade, Liberdade (Holanda e Gonçalves, 1984). 67 cada movimento que, embora tivessem pontos de contato, não possuíam uma identificação absoluta, havendo pontos de atrito e divergência20. Contudo, o que importa enfatizar é que o governo militar de Costa e Silva (19671969) ocorreu sob a efervescência do período mais rico e conturbado do movimento estudantil. Conforme expõe Holanda e Gonçalves (1984, p. 71): [...] se a repressão política logrou os efeitos desejados ao nível da desarticulação dos movimentos populares, em relação à classe média, especialmente ao setor estudantil e intelectual, restou uma relativa margem de manobra que permitiria, com o acirramento das feições autoritárias no período de 67/68 de um expressivo movimento de massas. No debate das esquerdas, a trajetória de ascensão do movimento estudantil levou a um intenso processo de revisão, com a formação de novos grupos e organizações clandestinas, em sua maior parte originadas de dissidências do Partido Comunista. A “Esquerda Revolucionária”, como se designavam as novas organizações, lançou mão de métodos militaristas, adotando a guerrilha e as ações armadas como táticas para a eclosão de um levante de massas contra o regime de 1964. No dia 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, chegava ao auge a mobilização política contra o regime militar. Realizou-se no centro da cidade, sob a liderança do movimento estudantil, uma gigantesca manifestação que ficaria conhecida como a “Passeata dos Cem Mil”. Numa análise comparativa, Holanda e Gonçalves (1984, p. 76) apontam que “se em 64 a Família saíra às ruas para apoiar o Golpe, agora, quatro anos depois, os filhos da classe média expressavam de forma radical seu descontentamento com a ditadura que assumiu a tutela do país”. O Ato Institucional número 5 foi a resposta dada, no final de 1968, entrando em vigor a fase mais pesada da Ditadura Militar brasileira. O AI-5 definia a cessação das atividades do Congresso, outorgava direitos ilimitados ao Executivo e impunha duras regras de censura. Nas palavras de Holanda e Gonçalves (1984, p. 93-94) isto significou que 20 Assim, segundo Holanda e Gonçalves (1984), a disposição rebelde do grupo baiano (que representava o movimento tropicalista) não estava orientada apenas no sentido de uma crítica aos padrões do sistema, atingindo também a militância de esquerda, presente no meio estudantil, que segundo a percepção dos primeiros, se conduzia no campo do comportamento e das relações pessoais de forma rígida e conservadora. O evento registrado no Festival Internacional da Canção realizado em São Paulo, quando a platéia respondeu com uma sonora vaia à apresentação de É proibido proibir, por Caetano Veloso e pelos Mutantes, é bom exemplo do exposto (p. 67-68). 68 o regime implantado em 64 consegue consolidar-se, suplantando as resistências e reorganizando as formas do Estado [...] em nome do ‘desenvolvimento’ e dos ‘ideais do Ocidente’ promove-se a criminalização da atividade política, colocando-se sob suspeição[...] a própria classe média intelectualizada, notadamente o setor estudantil e as áreas a ele vinculadas através da instituição universitária – professores, pesquisadores, etc. – ou do circuito de divulgação cultural – os intelectuais e artistas comprometidos com a produção engajada de anos anteriores. No início dos anos 1970, a resistência se manifesta por meio de dois fenômenos: a luta armada contra a ditadura e os movimentos de contracultura. Duas categorias de acusação são produzidas e disseminadas nesses anos no Brasil, ligadas à juventude da época, como forma de enfraquecer e desqualificar qualquer movimento de resistência: a do subversivo e a do drogado (VELHO apud COIMBRA, 1999). O que se segue é o arrefecimento dos movimentos de resistência: os militantes ligados à luta armada são aniquilados, massacrados e o movimento contracultural, gradativamente, vai sendo integrado, anulado. Todavia, na sociedade brasileira em geral há um desinteresse pelas diferentes formas de participação e questionamento social. Conforme assinala Coimbra (1999), paralelamente à criação das categorias do subversivo e do drogado, está a construção da idéia de “crise da família”, de sua “desestruturação”. A autora segue a argumentação de Velho afirmando que: Se seus filhos, fundamentalmente os de classe média e média alta, estão se tornando ‘subversivos’ ou ‘drogados’, algo está errado. Esses filhos ‘desviantes’ e ‘diferentes’ são produzidos pelos problemas que essas famílias passam. Se algum militante é seqüestrado, torturado e assassinado; se algum hippie, após experiências com drogas, não retorna da ‘viagem’, ele e suas famílias são os responsáveis, e não o estado de terror que grassa no país. As famílias aceitam tal discurso, culpando seus filhos e culpando-se, acreditando nas suas deficiências psicológicas e morais (COIMBRA, 1990, p. 78). Economicamente, o cenário montado pelo regime merece destaque. Em 1969, sob o comando do governo Médici (1969-1973), consolida-se uma fase na economia pós-64 conhecida como o “milagre brasileiro”, tendo como principal pilar de sustentação a “[...] entrada maciça de capitais estrangeiros na forma de investimentos e de empréstimos” (RODRIGUES, 1990, apud RAMOS, 2009), que levaram a dívida externa às alturas. Neste contexto pode-se afirmar que a repressão política foi uma grande aliada do regime político aqui instalado. Os militares colocaram sobre a mesa duas 69 opções: amar o Brasil ou deixá-lo, não havendo possibilidade para contestações explícitas (RAMOS, 2009). Dessa forma, ao mesmo tempo em que tomou vulto o terrorismo de Estado, quando perseguições, seqüestros, prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos tornaram-se acontecimentos triviais, ocorre também o ‘milagre brasileiro’, quando se vende a imagem da ‘ilha de tranquilidade’, de ‘progresso’, de ‘bem-estar’, de ‘euforia’, local extremamente atraente para o capital monopolista internacional (COIMBRA, 1995, 1999). Por outro lado, a política de arrocho salarial do governo militar veio a afetar os trabalhadores urbanos, ocorrendo substancial aumento do custo de vida. Como contrapartida, a freqüente entrada de capital estrangeiro e o estímulo governamental às multinacionais fizeram com que não faltasse emprego à população de baixa renda neste momento da história recente do Brasil. Este fato a levou a simpatizar com a política econômica do governo, apesar dos baixos salários. Porém, logo o “milagre” transformou-se em uma crise econômica gritante. “A partir de 1974, “[...] o Estado passa a gerir, sob o governo Geisel, a crise que se anuncia na vida brasileira [...]” (HOLANDA; GONÇALVES, 1999 apud RAMOS, 2009). Apesar disso, enquanto a euforia do “milagre” durou, os melhores resultados que dele se podia esperar ficaram com as classes médias urbanas brasileiras, que tiveram, neste período, seus sonhos de consumo realizados, como a aquisição da casa própria, automóvel, televisão, geladeira, telefone, escola particular para seus filhos. Com a concessão facilitada de financiamentos e de empréstimos à pessoa física, a aquisição de bens de consumo conseguiu agradar grande parcela daquelas classes que viviam neste momento uma prosperidade sem precedentes. Por sua vez, tal situação evidenciava os contrastes sociais do país. De meados da década de 1970 em diante, a crise resultante do “milagre” 21 tornou-se clara o bastante para fomentar a volta dos movimentos estudantil e operário. A sociedade civil voltava a ocupar a cena social de maneira mais nítida. 21 A dívida externa brasileira pulou de 3,8 bilhões de dólares em fins de 1968 para 12,6 bilhões de dólares em fins de 1973. Além disso, a inflação, outra vilã que havia ficado à espreita durante os anos do “milagre”, voltava à tona (Ramos, 2009). 70 Tal era a conjuntura brasileira do início do governo Geisel (1974-1978): a de uma crise econômica que caminhava paralelamente ao início da chamada fase da “transição” da Ditadura Militar para a Democracia. Em 1979, João Figueiredo, que seria o último presidente militar, assumiu o governo e, diante da nova realidade econômica, social e política que o país vivia, pressionado pelos movimentos sociais, concedeu a anistia e revogou o AI-5. 2.2 Por onde caminhou a psicologia durante este período? O período histórico enfatizado neste capítulo assistiu à regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, fato que ocorreu com a Lei n° 4119 de 27 de agosto de 1962. Conforme assinala Coimbra (1999, p. 81) a regulamentação marca esse profissional como aquele que “...abranda e resolve os problemas de desajustamento”. Entretanto, é necessário frisar que o espaço psi se estruturou no Brasil a partir de uma atuação psicológica bem antes do marco da regulamentação22, assim como os primeiros cursos de psicologia surgiram em período anterior a 1962. Podemos pensar que a regulamentação da profissão de psicólogo e dos cursos de psicologia legitimou a atuação deste profissional, considerando-o necessário e, até mesmo, indispensável à sociedade. Qual seria então a função deste profissional e em que seu saber poderia contribuir para a sociedade brasileira? Mancebo (1999, p. 93) oferece algumas pistas do que permitiu a consolidação do campo de atuação do psicólogo e a proliferação dos cursos de psicologia que se seguiu à Reforma Universitária de 1968: 22 O momento em que o Brasil assiste ao início das atividades psicológicas aplicadas é justamente um período bastante significativo em termos de mudanças ao nível econômico, social, político, que seguiram e foram desencadeadas pela revolução de 1930. A atividade psicológica se insere neste contexto, voltada para a seleção e recrutamento racional, dos trabalhadores para diferentes cargos no serviço público, nas indústrias e no comércio (Mancebo, 1999). Um outro campo de atuação psi neste momento, ocorre a partir de um saber e preocupação voltados à infância, principalmente no que diz respeito ao seu desempenho escolar. O que está subjacente a esta área de atuação é fundamentalmente a visão de que a criança é o homem de amanhã, considerando ser o Brasil um país em momento de modernização e desenvolvimento. Propõe-se um diagnóstico e tratamento da população escolar, a partir da utilização de testes psicológicos de avaliação das faculdades mentais (Pinto, 2001). 71 (o) campo de formação do psicólogo, enquanto porta-de-entrada para a construção do especialista, constitui-se num território que compartilha da ‘cultura psicológica’. [...] apontando para a intensa difusão das práticas ‘psi’ nas camadas médias urbanas de nossa sociedade, após os anos 60, a partir da consolidação de um ‘ethos’ individualista e intimista, no qual os especialistas ‘psi’ são um efeito e mais um dispositivo difusor, com um grande potencial de intervenção no espaço social. Com vimos em Coimbra (1995) produz-se uma oposição, uma incompatibilidade entre os domínios público e privado; as categorias políticas são transformadas em categorias psicológicas. A disseminação dessas idéias torna, por exemplo, a militância política na década de 1970 algo extremamente negativo e combatido. O que é difundido e valorizado está relacionado à “crença de que os interesses pessoais, familiares estão acima de quaisquer outros e que não se pode e não se deve abrir mão deles” (COIMBRA, 1995, p. 35). Em outras palavras, investe-se permanentemente no domínio do privado, do familiar e o psicologismo cai como uma luva, pois “fornece uma legitimação científica à tecnologia do ajustamento” (COIMBRA, 1995, p. 35). Tudo ocorre de forma que à idéia da “família em crise” atrela-se a necessidade de especialistas competentes para cuidar dela e de seus filhos transgressores – fazendo alusão às duas categorias já citadas, a do subversivo e a do drogado, difundidas como forma de repúdio às resistências. É assim que as práticas psi durante os anos 1970 estão bastante marcadas pela ênfase no familiarismo, no privado, e no poder dos especialistas com seus discursos ‘competentes’, ‘científicos’ e ‘neutros’ (COIMBRA, 1995). Nas palavras de Coimbra (1995, p. 57-58): Os especialistas ‘psi’ tornaram-se peças fundamentais no sentido de atender a essas demandas então produzidas e que foram, por suas práticas, em muito fortalecidas. O cotidiano passou a ser psicologizado: os acontecimentos interpretados segundo o prisma psicológico-existencial, os conflitos remetidos para as esferas individual e interna. Neste contexto, verifica-se no Brasil da década de 1970 um grande avanço e expansão da psicologia23, e particularmente, da psicanálise enquanto prática clinica e de intervenção na vida sexual e familiar. 23 Em 1965, no eixo Rio-São Paulo, funcionavam seis cursos de Psicologia: três em universidades privadas e três em universidades públicas, panorama que mudará a partir do final de 1960. 72 No bojo dos movimentos contestatórios de 1968, o governo militar de Costa e Silva, como resposta ao movimento estudantil, apela, através da Reforma Universitária24, para o setor privado, como forma de resolver a chamada crise universitária. Através da ajuda técnico-financeira do governo ocorre o fortalecimento do ensino particular com a subseqüente expansão das faculdades particulares. O que se verifica a seguir é o crescimento do “mercado psicológico” a partir do florescimento assustador dos cursos de psicologia25, concomitantemente à diminuição e mesmo esvaziamento de cursos das disciplinas sociais, como História, Filosofia e Sociologia. Coimbra (1999, p. 81) expõe um retrato do que era então a psicologia produzida e praticada neste período de crescimento da disciplina no Brasil: Na graduação de Psicologia, produz-se uma ‘certa’ prática ‘psi’. Desde seu início está impressa a marca da tradição positivista; exemplos são a hegemonia do behaviorismo e de uma psicologia social que reproduz mecanicamente conceitos e técnicas de estudo de inspiração norte-americana. É o domínio da psicologia experimental positivista, com suas características de cientificidade, neutralidade, objetividade e tecnicismo. A própria psicanálise ensinada – e, em certos cursos, hegemônica – também está marcada por esse positivismo e pela ‘psicologização’ da vida social e política. Uma ‘certa’ clínica torna-se a grande demanda dos estudantes de psicologia, que sonham com seus consultórios privados; os psicanalistas são os seus modelos de referência. O atendimento privado predomina, em detrimento do trabalho em outros setores, o que atende às subjetividades dominantes forjadas ao longo dos anos anteriores e as fortalece. No que diz respeito à clínica, a prática psicanalítica era a hegemônica e se desenvolvia via “Sociedades Oficiais de Formação Analítica”, filiadas à IPA – Associação Internacional de Psicanálise26. Sobre a formação em psicanálise, Coimbra (1995b, p. 58) arremata: “somente era ‘verdadeira’, a psicanálise veiculada por essas ‘sociedades oficiais’, cuja formação dogmática e rígida era dirigida a alguns poucos com possibilidades financeiras para arcar com tão onerosa formação”. 24 De acordo com Coimbra (1995), o principal objetivo da Reforma Universitária foi diminuir e mesmo impedir a pressão exercida pela classe média para ascender socialmente via Universidade. 25 A título de ilustração, utilizamo-nos dos dados oferecidos por Coimbra (1995): em 1973, a rede privada participava com 66% das matrículas em cursos de psicologia, ao passo que as verbas governamentais diminuíam cada vez mais para as universidades públicas federais, que tiveram suas vagas limitadas. 26 A IPA – International Psychoanalitical Association – foi fundada por Freud e seus discípulos, em Londres, 1910, para organizar a formação analítica. Em São Paulo, havia uma sociedade ligada à IPA, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), tendo sido a primeira no Brasil a ser reconhecida, em 1951, no XVII Congresso Psicanalítico Internacional, em Amsterdã. No Rio de Janeiro, duas: a Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), reconhecida em 1955, no XIX Congresso Psicanalítico Internacional, em Genebra e a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), reconhecida em 1959, no XXI Congresso Psicanalítico Internacional, em Copenhague (Coimbra, 1995, p. 63). 73 Além disso, das três sociedades existentes, uma em São Paulo e duas no Rio de Janeiro, somente a de São Paulo abre a possibilidade de, além de médicos, também psicólogos e profissionais de outros cursos superiores se inscreverem para a formação analítica. Este fato levará a uma aglutinação, uma união maior entre os psicólogos do Rio de Janeiro, nos anos 1970, que desejavam adquirir o status de psicanalistas, marcando uma organização mais corporativa da classe no Rio de Janeiro. O monopólio exercido pelas sociedades que transmitem o ensino da psicanálise leva à consolidação da idéia da existência de um território onde a ‘verdade’ está presente, sendo que aqueles que não fazem parte de uma formação específica não podem a ela ter acesso, nem dizer que a exercem. Tal idéia produz e dissemina uma subjetividade, mesmo entre os psicólogos, de que, para exercerem a prática clínica, têm que se submeter à formação analítica nas Sociedades filiadas à IPA; a mesma idéia se apresenta como crença nas classes média e média alta que são os clientes e consumidores dessa psicanálise (COIMBRA, 1995). Coimbra (1995, p. 66), ao relacionar o que ocorre no campo interno da psicanálise com o contexto social e político porque passa o Brasil, onde grassa a censura e o terror nos mais variados espaços, onde os processos de ascensão social tornam-se prioritários, denuncia essa forma hegemônica de se pensar a clínica, tal qual a praticada pela psicanálise: “uma clínica que nada tem a ver com o mundo, mas com uma assepsia fastigiosa, com uma total desvinculação de qualquer tipo de implicação, de transversalidade”. A consideração da análise didática como o aspecto mais importante na formação de um analista é muito enfatizado nos anos 1970, o que faz eco e corrobora com a psicologização da vida cotidiana, a produção de subjetividades voltada para o privado, para o interior do sujeito, para o seu autoconhecimento. O elitismo associado ao status de psicanalista atrai a classe média dos anos 1970 no Brasil com seus projetos de ascensão social e, diga-se de passagem, a única a poder pagar os altos preços exigidos pelas Sociedades “oficiais” para a formação analítica. Os jovens profissionais “psi” passam a ambicionar este “lugar”. Assim, o que se observa da parte dos psicólogos é o desejo de virem a fazer parte deste círculo, e para isso, de início aceitam e até pedem a tutela dos que já obtiveram o passe – os 74 “verdadeiros” psicanalistas – e os podem iniciar. No Rio de Janeiro, apesar de serem pacientes dos psicanalistas das Sociedades ”oficiais” e de terem com eles supervisões e grupos de estudo, os psicólogos não são autorizados a se autonomearem analistas; são “psicoterapeutas de base analítica” (COIMBRA, 1995). Os psicólogos, ao organizarem seus próprios estabelecimentos27, apesar de todas as críticas que fazem às sociedades “oficiais” e à sua formação, terminarão por reproduzir em muito as instituições “verdadeira” psicanálise e formação analítica (nascida da IPA). (COIMBRA, 1999). A visão produzida e bastante enfatizada, na época, é a de que a prática psicanalítica é superior à da psicologia clínica. Enquanto a grande parcela dos psicólogos cariocas é tutelada pelos psicanalistas “oficiais”, existe uma outra, formada quase que por psicólogos também interessados na clínica, que irá se dedicar a trabalhos grupais. Há, portanto, uma busca pelas dinâmicas de grupo, sensitivity-training, “desenvolvimento interpessoal” e em algumas empresas ocorre a aplicação dos T. Group. Em São Paulo, por sua vez, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o psicodrama se configura como prática clínica, em oposição à hegemonia psicanalítica. O Instituto Sedes Sapientiae, fundado em 1975, em São Paulo, caracteriza-se por reunir muitos profissionais “psi” interessados em “outras” linhas de atuação psicoterápicas28. Sob a coordenação de Madre Cristina (1916-1997), que desde a criação do primeiro curso de psicologia clínica, ainda em 1953, já adotava a postura de abertura a diferentes perspectivas da psicologia, o Instituto Sedes Sapientiae, na figura de seus professores, esforçava-se para “adaptar suas teorias e técnicas aos clientes vítimas do período político, assim como sua preocupação em democratizar o 27 É o caso, por exemplo, da Sociedade de Psicologia Clínica, a SPC, e do Centro de Estudos de Antropologia Clínica, CESAC. A primeira, fundada em 1971, no Rio de Janeiro, se estrutura à imagem e semelhança das Sociedades “oficiais”, sendo um estabelecimento de formação exclusiva para psicólogos. Oficialmente, não faz formação analítica, mas de “base analítica”. O segundo, fundado em 1972, também no Rio de Janeiro, se vale dos mesmos moldes: o trabalho psicanalítco para os psicólogos está fora de questão. (Coimbra, 1995). 28 A fim de ilustrar a variedade dos cursos oferecidos pelo Sedes, transcrevemos a primeira divulgação dos cursos de especialização, feita em um folder, datado de 1976: psicoterapia infantil, psicoterapia de adolescente, psicoterapia de adulto (orientação psicanalítica, orientação Gestalt-Reich, orientação dinâmica), psicoterapia comportamental, psicomotricidade, psicodrama, psicoterapia familiar, psicologia do trabalho. No ano de 1978, há um aumento do número de cursos, distribuídos por vários centros. No centro de psicoterapia são mencionados cinco cursos de especialização para psicólogos e médicos: psicoterapia comportamental, psicoterapia de orientação psicanalítica, psicoterapia de orientação psicodinâmica (infantil, adolescente, adulto), psicodrama, terapia psicomotora. Como curso de aperfeiçoamento é mencionado o de psicoterapia de orientação Gestalt-Reich (Baptista, 2011). 75 atendimento psicológico para a população de baixa renda” (BAPTISTA, 2001, p. 214215). Assim, “durante os primeiros anos de funcionamento, o novo Instituto abrigou vários movimentos de defesa dos direitos humanos, desde os de resistência aos desmandos militares, até os de apoio a perseguidos e exilados” (BAPTISTA, 2011, p. 345). A atuação profissional de madre Cristina vincula a Psicologia à política, de modo que incentiva os alunos a dedicarem maior atenção aos problemas sociais e políticos. Neste sentido, ao mesmo tempo em que apoiou e deu assistência a militantes, presos políticos, torturados, parentes de perseguidos, estimulou os que trabalhavam no Sedes para que fizessem o mesmo (BAPTISTA, 2001). 2.3 A Gestalt-Terapia chega ao Brasil: recepção, difusão e desenvolvimento iniciais 2.3.1 O primeiro momento: entusiasmo, encantamento e difusão A Gestalt-Terapia chega ao Brasil em 1972 através da publicação do artigo de Thérèse Amelie Tellegen29 intitulado “Elementos de Psicoterapia Guestáltica”, no Boletim de Psicologia de São Paulo. Thérèse, por sua vez, travou contato com a Gestalt-Terapia por ocasião de uma viagem que fizera a Inglaterra, em 1972, quando participou de workshops, – sendo um deles coordenado por Silvia Peters, – promovidos pelo Instituto Tavistock30. De volta de Londres, traz a novidade na bagagem, e no mesmo ano, publica o artigo mencionado. 29 Thérèse Amelie Tellegen (1927-1988) nasceu na Holanda, onde passou toda sua infância e juventude. Formou-se em história, em 1952, na Universidade Católica de Nijmegen (Suassuna e Holanda, 2009). Ainda na Universidade, conheceu o movimento do Graal: um movimento religioso leigo de mulheres que enfatizava a partir de um intercâmbio internacional, o papel da mulher na sociedade. Preparava-se para ir à África trabalhar com mulheres de língua inglesa quando, atendendo a um apelo do grupo brasileiro, veio coordenar o Centro de Estudos do Graal em São Paulo, em 1956. No Brasil, interessou-se por psicologia, tenho se formado pela PUC em 1964 (Frazão, 2004). Aos dois dias de julho de 1988, Thérèse, que sofria de câncer, vem a falecer. 30 No artigo citado a autora fornece dados sobre o funcionamento dos grupos dos quais foi participante. Esteve presente em dois grupos, com duração de 20 horas cada, em fins de semana, e um de 8 horas em seguida num dia só. Assinala o fato de que os três monitores responsáveis pela condução dos grupos eram norte-americanos, com ampla experiência e formação nos “Encounter Centre” e “Gestalt Institutes” de Califórnia (Tellegen, 1971, p. 28). 76 Thérèse é autora ainda, além do primeiro artigo, da primeira dissertação de mestrado a abordar a Gestalt-Terapia, intitulada “Reflexões sobre o Trabalho com Grupos na Abordagem Gestáltica em Psicoterapia e Educação”, defendida na USP em 1982; e do primeiro livro escrito e editado no Brasil, “Gestalt e Grupos: Uma Perspectiva Sistêmica”, publicado pela Summus, em 1984, o qual estava diretamente relacionado à sua dissertação de mestrado. É assim, considerada uma grande pioneira da produção escrita em Gestalt-Terapia. No ano de 1982, escreveu ainda um capítulo no livro “As psicoterapias hoje”, de Ieda Porchat, intitulado “Atualidades em Gestalt-Terapia”. Lílian Frazão (2004), em artigo escrito por ocasião do falecimento de Thérèse, assim a descreve: seu espírito irrequieto levou-a sempre a procurar o novo, o que fez do pioneirismo sua marca. Apresenta resumidamente sua atuação profissional: fez estágio em Paris para aperfeiçoar-se no trabalho com grupos; participou do 1º grupo brasileiro a fazer formação em Psicodrama; trabalhou em orientação vocacional; em hospitais (Santa Casa e Hospital do Servidor Público de São Paulo); foi diretora da clínica psicológica da PUC de Campinas; fundou e trabalhou intensamente no GEPSA 31 (Grupo de Estudos de Psicologia Social e Aplicada); foi professora da PUC de Campinas, da Santa Casa, da USP e do Sedes Sapientiae. Especificamente sobre a introdução da Gestalt-terapia no Brasil, Frazão (2004, p. 2) afirma que “sem dúvida foram seus esforços, seu espírito inovador e batalhador que abriram portas e caminhos para a Gestalt-Terapia no Brasil”. Tessy Hantzschel32, também nesta direção, comenta em depoimento a Suassuna e Holanda (2009, p. 63) a respeito de Thérèse: “sempre muito ativa e interessada, logo 31 De acordo com Coimbra (1995), o Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada (GEPSA) fora criado no início dos anos 70 por psicólogos com grande influência do National Training Laboratories, centro de treinamento norteamericano de técnicas grupais, fundado pelos discípulos de K. Lewin no final dos anos 40. Tal centro torna-se o difusor, nas duas décadas seguintes, de atividades baseadas na técnica do T. Group, originada da dinâmica de grupos lewiniana, que enfatizava a Sociologia dos Grupos e não a sua psicologia; os papéis e funções do líder e dos membros e não suas personalidades individuais e desenvolvimentos pessoais. Nesses training-groups, verifica-se um treinamento das capacidades nas relações humanas, a partir da ênfase no ensino da observação da natureza de suas interações recíprocas e do processo grupal. Em São Paulo, o GEPSA adquire pouca representatividade, prestando serviços de assessoria a algumas empresas privadas. Dele sairão muitos profissionais envolvidos com as chamadas terapias “alternativas”. 32 Tessy Hantzschel, segundo Suassuna e Holanda (2009), aparece na Gestalt-Terapia desde seu inicio, em parceria com Thérèse Tellegen, com quem compartilha das mesmas raízes holandesas. Nascida em solo brasileiro, em Rio Claro, sua primeira formação é em pedagogia, na USP, e posteriormente em psicologia, pela mesma instituição. Foi professora por anos na PUCSP, onde conheceu Thérèse. Algum tempo depois de entrar em contato com a GestaltTerapia, se volta à Psicanálise (p. 51). 77 teve acesso à literatura disponível acerca da Gestalt, a respeito de Fritz Perls e do movimento californiano”. Atentando para o momento histórico em que a Gestalt-terapia chega ao Brasil, podemos considerar que esta nova abordagem encontra seu espaço, em nosso país, não somente por configurar-se como uma proposta psicoterapêutica alternativa à psicanalítica, assim como ocorreu com o psicodrama, a abordagem rogeriana, as terapias neo-reichianas. Especificamente no que diz respeito à Gestalt-Terapia, podese considerar que, tal como ocorreu nos EUA, esta abordagem respondeu, também no Brasil, aos anseios da contracultura. A Gestalt-Terapia chega, pois, ao Brasil logo após seu momento de maior repercussão nos Estados Unidos, que ocorreu entre os anos de 1966 a 1968. Conforme assinala Ciornai (1996), neste período, a Gestalt-terapia está fortemente impregnada de um cunho libertador, comum ao movimento de contracultura da época. Assim, um dos pontos de atração da Gestalt-Terapia no Brasil, nos idos de 1970 foi a compatibilidade ideológica com a resistência ao regime militar. Neste momento, é interessante lembrar a concepção de Laura Perls a respeito da Gestalt-Terapia como “um processo anarquista no sentido de que não se conforma com regras e regulamentos pré-estabelecidos. Não tenta ajustar a pessoa a um determinado sistema, mas ajustá-la ao seu próprio potencial criativo” (PERLS, L., 1984, p. 32). Enquanto proposta psicoterapêutica, a Gestalt-Terapia enfatizava alguns aspectos, que vinham ao encontro dos anseios de uma geração que combatia a intensa repressão presente na sociedade de então. Exemplificando, temos: [...] sua ênfase na possibilidade do indivíduo experimentar e fazer escolhas de formas de ser e de estar contrárias às normas e padrões sociais, [...] sua ênfase na possibilidade do indivíduo poder se libertar de suas amarras internas e de padrões de relacionamento limitadores como forma de expandir suas possibilidades de existência no mundo e [...] sua ênfase na importância da experiência direta, como caminho de crescimento e transformação (CIORNAI, 1996, p. 11). De acordo com Jean Clark Juliano (1992), o contato com a nova abordagem ocorreu a partir da necessidade de buscar referenciais para abordar os problemas de comunicação na interação entre as pessoas, preocupação central à época. Referimo- 78 nos ao início dos anos 1970, quando Juliano e Thérèse trabalhavam no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com a predominância de trabalhos grupais. Assim, de acordo com Juliano (1992), a viagem de Thérèse a Londres teve como principal objetivo a busca de maior capacitação para o trabalho com grupos. Tratava-se de uma época em que chegavam ao Brasil idéias libertárias, tanto de alguns movimentos europeus – como Summerhill, uma escola revolucionária na Inglaterra que apostava na liberdade como melhor forma de aprendizagem – quanto dos Grupos de Encontro organizados por Rogers nos Estados Unidos e sua perspectiva de crescimento pessoal com uma concepção de mudança na estrutura das relações pessoais. No artigo responsável por introduzir a Gestalt-Terapia no Brasil, Tellegen (1972, p. 28) oferece-nos informações sobre a proeminência dos trabalhos em grupos e sobre o que a levou buscar maior capacitação para este trabalho em Londres: Londres é, no momento, um ponto de encontro e de experimentação, com as mais variadas formas de trabalho em grupo, desde o T-grupo clássico até grupos de massagem, meditação oriental, exercícios bio-energéticos e respiratórios. Lá se encontram pessoas de várias partes do EEUU que mal se encontram no próprio país; lá há a confrontação com as escolas existenciais e analíticas da Europa. Experimenta-se tudo, com muita originalidade e coragem e às vezes não sem uma boa dose de temeridade, com certo desprezo de teorização, fundamentação científica e até de idoneidade profissional. Ao dizer isto não quero desmerecer um núcleo extremamente sério de pessoas, com excelente formação, no centro deste movimento todo. A autora vê tanto no crescimento dos diferentes tipos de trabalho em grupo quanto na enorme procura por esta modalidade de trabalho o “anseio existente de achar novas formas de vida e de relacionamento dentro e apesar do clima sufocante da sociedade industrial e tecnológica, desenvolvida a ponto de se tornar absurda” (TELLEGEN, 1972, p. 28-9). Ainda naquele primeiro artigo, Thérèse compartilha sua experiência como participante de grupos intensivos de sensibilização, dirigidos com base nos princípios da Gestalt-Terapia – fruto da experiência vivida – o que a levou, conforme suas próprias palavras, a tornar-se aprendiz da Gestalt-Terapia. Neste contexto, deparamo-nos com o esclarecimento da autora ao afirmar que está experimentando com elementos e 79 instrumentos da terapia gestáltica em seu trabalho, tanto em psicoterapia individual como nos grupos de sensibilização onde atua como monitora. Tellegen situa o leitor sobre suas experiências prévias com outros tipos de grupo: sócio-análise, T-grupo, grupo triádico, “encounter group”, psicodrama, para então inserir os grupos gestálticos, como uma abordagem específica. Para a autora todos estes tipos de grupo buscam o mesmo objetivo: a evolução pessoal dos seus participantes em termos de maior percepção, melhor contato e comunicação, maior flexibilidade e espontaneidade no relacionamento interpessoal (TELLEGEN, 1972, p. 28). A autora passa então a descrever o desenvolvimento de um grupo gestáltico, assinalando sua opinião de que no caso dos grupos de linha gestáltica “a prática é mais original do que a teoria” (TELLEGEN, 1972, p. 28) e de que “a originalidade da GT está em sua maneira de trabalhar” (TELLEGEN, 1972, p. 34). É digno de nota que apesar de seu comentário sobre sua posição de auto-didata, seguidas do comentário sobre a pouca literatura existente, a autora apresente um panorama e uma visão da Gestalt-Terapia muito apropriada, mencionando seus principais conceitos e fontes de influência e fazendo uso de uma bibliografia significativa33. Isto nos leva a considerar que a Gestalt-Terapia obteve uma atenta recepção por parte de Thérèse, que se incubiu então, de propagá-la e difundi-la por intermédio desta primeira publicação. Em 1973, por iniciativa de Thérèse, o Brasil recebe a visita de uma primeira profissional em Gestalt-Terapia, Silvia Peters, para um workshop, de 12 horas, que aconteceu em São Paulo, no Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada (GEPSA). Naquela ocasião, no Brasil, ninguém sabia o que era e do que se tratava a Gestalt-Terapia. Era algo totalmente novo, diferente (Frazão, 2004). Lílian Frazão (1995, p. 14), que participou deste primeiro workshop, nos relata o trabalho: 33 Sendo este o texto introdutor da Gestalt-Terapia no Brasil, não contávamos com qualquer outra referência na área. Ainda assim, Thérèse reuniu os principais livros lançados em Gestalt-Terapia, os quais, apesar de citados em português aqui, serão acompanhados do ano de sua publicação original: Ego, fome e agressão (1942), GestaltTerapia (1951), Gestalt-Terapia explicada (1969), Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo (1969) e Gestalt-Terapia, teoria, técnicas e aplicações (1970). 80 Nunca vou me esquecer daquela experiência. Éramos um grupo de aproximadamente quinze pessoas [...] Quando entramos na sala já nos espantamos com o que estava escrito na lousa: não faça perguntas, faça afirmações; use apenas o pronome ‘eu’; fique no aqui-e-agora; fale sempre no presente; seja responsável, etc. A autora salienta ainda o espanto dos participantes, frente tanto “a maneira pessoal e despojada com que a terapeuta se colocava, quanto com a rapidez e eficácia do novo método” (FRAZÃO, 1995, p. 14). Mais especificamente sobre a técnica utilizada, podemos perceber seu impacto no seguinte trecho: O workshop estava próximo do final, um bom número de pessoas havia feito trabalho individual de hot-seat com a terapeuta [...] Sentei-me na cadeira vazia, o hot-seat e, enquanto displicentemente balançava minha perna, comecei a dizer que não sabia o que queria trabalhar. Ela então me perguntou o que a minha perna estava fazendo. Respondi, um tanto atônita com a pergunta, que balançava. Ela então me pediu para intensificar aquele movimento. O que se passou a partir daí não posso contar, por duas razões: primeiro porque não conseguiria restituir aquilo que me pareceu tão intenso e profundo; e segundo, porque foi um mergulho na minha intimidade como jamais havia vivenciado em outros processos terapêuticos (FRAZÃO, 1995, p. 14-5). Em 1976, com o apoio de Madre Cristina Sodré e o patrocínio do Instituto Sedes Sapientiae, Thérèse e Tessy foram para San Diego participar do treinamento vivencial de um mês coordenado por Erving e Miriam Polster. Tessy comenta a respeito deste momento: era na Califórnia que estava brotando todo esse movimento novo do Perls via Gestalt. Então fomos pros EUA, e lá nós encontramos a turma que era a turma dos discípulos do Perls, nos anos 1970 então estava tudo bem recente (SUASSUNA; HOLANDA, p. 63). Nesta ocasião conhecem Robert Martin, do Instituto de Gestalt de Los Angeles que, a convite delas, veio ao Brasil, em dezembro de 1976, oferecer um treinamento. Juliano (1992, p. 15), uma das participantes deste trabalho, comenta: o que eu vi no trabalho do Robert Martin foi a imagem da liberdade, da permissão para ser criativo, onde o terapeuta entrava por inteiro, utilizando voz, expressão corporal, materiais variados como tinta, argila, papel, música, enfim tudo o que lhe fornecesse uma porta de entrada para o mundo interno da pessoa. De acordo com Walter Ferreira da Rosa Ribeiro, em entrevista a Suassuna e Holanda (2009, p. 64), “Bob marcou para o ano seguinte o seu retorno ao Brasil. Assim, em fevereiro de 1977 nós fomos para a Fazenda em Holambra [...] ficamos lá quinze dias com Bob Martin”. 81 Por volta desta mesma época, acontecia aquele que fora o primeiro workshop de grande grupo realizado no Brasil, em 1977, em Arcozelo (Rio de Janeiro), com Carl Rogers, John Keith Wood, Maureen Miller-O’Hara, entre outros (Suassuna e Holanda, 2009). A partir de então, destaca-se a figura de Maureen Miller, da Universidade de La Jolla, em San Diego, Califórnia, na realização de treinamentos para grupos de profissionais interessados em Gestalt-Terapia no Brasil. É importante assinalar que, favorecida pelo clima da época, Maureen havia formado grupos em diversos estados brasileiros, os quais se mantiveram de 1978 a 1981 (SILVEIRA, 1996). Segundo o depoimento de Teresinha Mello da Silveira – pioneira da GestaltTerapia no Rio de Janeiro e integrante do grupo supracitado34, – os encontros com Maureen aconteciam de seis em seis meses e duravam às vezes quatro a quinze dias. Silveira nos permite conhecer como estes profissionais – pioneiros na Gestalt-Terapia no Brasil – se articularam na intenção de conhecerem e capacitarem-se na prática desta abordagem: Nos outros meses nos reuníamos em grupos menores para trabalharmos um ao outro e para estudarmos, o pouco material que tínhamos à mão [...] O grupo era mobilizado por alguma questão ou através dos famosos exercícios gestálticos, e daí surgiam os trabalhos individuais em que éramos ora clientes ora terapeutas, discutindo-se posteriormente o que acontecia (SILVEIRA, 1996, p. 10). No Rio de Janeiro, foi, portanto, a partir da segunda metade da década de 1970 que a Gestalt-Terapia se fez presente. Silveira (2009) indica o psiquiatra Décio Casarin como pioneiro da abordagem no estado, tendo sido ele o responsável por trazer Maureen Miller para a realização dos treinamentos. A formação de Décio, por sua vez, fora realizada no Chile, com Adriana Schnacke (Nana) e Francisco Huneuus (Pancho), no período de 1975 a 1978. Assim, em seu momento inicial, a Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro encontrou duas influências: a chilena e a de Maureen Miller (Silveira, 2009). Ao recordar a introdução da Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro, Silveira (1996, p. 8) comenta que 34 Silveira (1996) relaciona os profissionais que frequentaram mais continuamente os treinamentos oferecidos por Maureen: Décio Casarin, Jane Rodrigues, Maria Alice Queirós (Lika), Maria Cristina Tsallis, Salete Cabral, Silvio Lopes e Suzana Hertlander. 82 seu início foi marcado por muita emoção, muita expressão, apresentando-se como prática psicoterápica válida, rápida e eficiente, apoiando-se no poder um tanto ilusório das ricas técnicas que se sobrepunham às pessoas do terapeuta e do cliente, mas que permitiram tivesse ela um espaço ao lado de outras abordagens já comodamente instaladas. Neste momento inicial da recepção da Gestalt-Terapia no Brasil, é importante considerar a aproximação com a abordagem rogeriana, já aparente pelo fato de Maureen Miller, profissional integrante do staff de Carl Rogers, ministrar treinamentos em Gestalt-Terapia. Como assinala Jean (apud SUASSUNA; HOLANDA, 2009, p. 61), “ela (Maureen) fazia uma coisa que denominava de Gestalt-Terapia centrada no cliente”. Assim, a história nos conta a ligação entre a teoria rogeriana e a GestaltTerapia35. Abel Guedes, em entrevista a Suassuna e Holanda (2009, p. 53) pontua que: Foi fortíssima essa ligação. [...] O que tinha de estruturado eram os rogerianos, então todo o pessoal que queria ir para a terceira força, o pessoal que pretendia uma coisa que não fosse behaviorismo e não fosse psicanálise, ia pro [movimento] rogeriano. Então nosso início é aí, tanto que num segundo momento [...] se configura o grupo dos rogerianos e o grupo dos gestaltistas [...]. A aproximação inicial entre estes dois modelos de pensamento – de um lado, a Gestalt-Terapia, de Fritz Perls, e do outro, a abordagem centrada na pessoa, de Carl Rogers, esta última introduzida no Brasil com mais de uma década de antecedência – contribuiu para que algumas gerações posteriores viessem a confundir as duas abordagens ou a sugerir, como Maureen fazia, sua junção (SUASSUNA; HOLANDA, 2009). Ainda em 1976 surgiu, no Instituto Sedes Sapientiae, o primeiro curso oficial de Gestalt-Terapia no país, intitulado Gestalt e Reich36. Thérèse e Tessy ficaram 35 É importante esclarecer que esta aproximação não acontece somente no Brasil. É comum que se associe a Gestalt-Terapia ao movimento da psicologia humanista, embora Fritz Perls nunca tenha militado nesse movimento (Ginger e Ginger, 1995, p. 93). Pode-se considerar que a proximidade temporal com que essas práticas tornaram-se populares, contribuíram para que se aglutinassem sob a designação “movimento do potencial humano”, sendo o Instituto de Esalen seu maior referencial (Coimbra, 1995). A psicologia humanista, conhecida também como “terceira força em psicologia” representou uma alternativa a dois outros movimentos muito fortes nos Estados Unidos da época, o behaviorismo de John Watson e a psicanálise, de Sigmund Freud. Foi gestada durante a década de 1930 nos EUA e teve seus primeiros trabalhos publicados a partir dos anos 1940. Entretanto, foi na década de 1950 que esse movimento obteve seu reconhecimento. Os autores apontados como iniciadores do movimento humanista em psicologia são Abraham Maslow, Gardner Murphy, Gordon W. Allport e Carl Rogers (Buys, 2008). 36 Aqui, mais uma vez observa-se a junção inicial entre Gestalt-Terapia e outra abordagem, tal como já ocorrera com a abordagem rogeriana. Uma possível explicação é o fato de tais abordagens possuírem em comum o fato de constituírem-se como uma “alternativa” à psicanálise, além do próprio desconhecimento a respeito do que as 83 responsáveis pelo conteúdo referente à Gestalt-Terapia, enquanto Godói (psiquiatra e psicodramatista) e Ana Verônica Mautner (terapeuta reichiana à época) dedicavam-se à parte de Reich (SUASSUNA; HOLANDA, 2009, p. 55, 57). Paralelamente à organização de grupos para a realização de estudos em Gestalt-Terapia, e à organização de workshops, que em seu momento inicial contavam com a presença de profissionais estrangeiros, um outro veículo de divulgação da nova abordagem que teve importância fundamental, neste primeiro momento, foram as traduções da literatura especializada e suas publicações no Brasil. O acesso a essa bibliografia teve grande influência para a construção da Gestalt-Terapia brasileira. Entra em cena mais um personagem, neste movimento inicial de recepção e difusão da Gestalt-Terapia no Brasil. Trata-se de Paulo Eliezer Ferri de Barros37, que colaborou com a tradução e publicação dos primeiros livros a respeito da nova abordagem. De acordo com Rehfeld (2007, p. 166) Paulo foi um dos introdutores da Gestalt-Terapia no Brasil. No início dos anos 1970 foi aos Estados Unidos e voltou cheio de energia, e com muito material. Distribuiu-o e, como um bom professor, entusiasmou a todos com as novas idéias. Nos Estados Unidos fez um treinamento intensivo, em Gestalt-Terapia, com John O. Stevens, no Esalen Institute, e também lá fez Bioenergética com Alan Swarts e professores do Radix Institute. Jean Clark Juliano, em entrevista a Suassuna e Holanda (2009, p. 58) afirma que Paulo “[...] foi o primeiro, antes da Thérèse [...] falou da Gestalt-Terapia primeiro e foi para Salt Lake City onde tinha a Barry Stevens e o John Stevens. A vertente do Paulo foi a do ‘Isto é Gestalt’ e ‘Não apresse o rio’. [...] quando voltou, trouxe esse material para trabalhar”. diferenciava. A propósito do curso Gestalt e Reich, Juliano afirma que “era evidente que a mistura dos dois cursos não ia dar certo” (conforme citado por Suassuna e Holanda, 2009, p. 68). 37 Paulo Barros (1946-2006) foi psicólogo, professor e escritor. Formou-se em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual lecionou por dez anos. Sua formação inicial era de orientação junguiana, e posteriormente, complementou seus estudos em Gestalt-Terapia, estudando com John Stevens e Barry Stevens (Suassuna e Holanda, 2009). Em 1985, organizou e publicou, pela editora Summus, com Ieda Porchat, “Ser Terapeuta”. Em 1994 publicou pela mesma editora, “Narciso, a Bruxa, o Terapeuta Elefante e outras Estórias Psi” e, em 2006, “Amor e Ética”. Paulo foi professor da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, da OMEC e do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sendo responsável nestas instituições, por muitos anos, pela cadeira de “Teorias e Técnicas Psicoterápicas”. Foi professor convidado no curso de Gestalt-Terapia do Instituto Sedes Sapientiae, no curso de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-SP e no Instituto de Gestalt de São Paulo. Proferiu um grande número de palestras e conferências, e conduziu Workshops nos mais diversos locais, além de ter participado também do II e III Encontros Nacionais de Gestalt-Terapia. Foi consultor e supervisor de trabalhos em consultoria empresarial (Rehfeld, 2007). 84 Paulo foi diretor da coleção “Novas Buscas em Psicoterapia”, da editora Summus, por mais de dez anos. O objetivo da coleção era trazer ao público publicações pioneiras em diferentes abordagens psicoterapêuticas. Assim, além de Gestalt-Terapia, trazia assuntos relacionados à Bioenergética e outras abordagens corporais, Psicodrama, Arteterapia, Psiconcologia e Programação Neurolingüística, entre outras. No que diz respeito às traduções e publicações especificamente em GestaltTerapia presentes nesta coleção, apresentamos no quadro 1 abaixo, os títulos, o ano de sua publicação no Brasil, seguidos do seu autor, titulo e ano de sua publicação original. Aqui, relacionamos apenas as publicações ocorridas no decorrer da década de 1970. No apêndice 1 desta dissertação encontram-se não só os demais títulos desta coleção, mas também outros livros referentes à abordagem gestáltica traduzidos e publicados no Brasil aos quais se teve acesso. Vol Título em português Ano Autor Título original Ano 1 “Tornar-se Presente: experimentos de crescimento em GestaltTerapia” “Gestalt-Terapia explicada” 1976 John O. Stevens “Awareness: exploring, experimenting, experiencing” 1971 Frederick “Gestalt Therapy Verbatim” S. Perls “Isto é Gestalt” 1977 Frederick “Gestalt is” S. Perls e outros “Não apresse o rio” (ele 1978 Barry “Don’t push the river” (it flows corre sozinho) Stevens by itself) “Escarafunchando Fritz: 1979 Frederick “In and out the garbage pail” dentro e fora da lata de Salomon lixo” Perls Quadro 1 – Coleção Novas Buscas em Psicoterapia – Summus Editoral Fonte: ESCH, 2012 1969 2 3 6 7 1977 1975 1970 1969 Além das obras acima citadas, ainda na década de 1970, a Editora Zahar, do Rio de Janeiro, foi responsável pela publicação de dois livros em Gestalt-Terapia, os quais apresentamos no quadro 2 abaixo, perfazendo um total de 7 livros traduzidos e publicados no Brasil. 85 Título em português Ano Autor Título original Ano “Gestalt Terapia, teorias, técnicas e aplicações” 1973 Joan Fagan e Irmã Lee Sheperd Frederick S. Perls “Gestalt Therapy now: theory, techiniques, applications” 1970 “A abordagem gestáltica e 1977 “The Gestalt approach & Eye testemunha ocular da Witness to Therapy” terapia” Quadro 2 – Livros Publicados por Zahar Editores, Rio de Janeiro Fonte: ESCH, 2012 1973 Assim, na década de 1970, contamos com uma única publicação nacional, já referida, de autoria de Thérèse Tellegen. As demais publicações deste período correspondem à tradução de obras estrangeiras. Neste momento, interessa-nos particularmente a análise destas primeiras publicações, na medida em que conduziram à formação do primeiro corpo de conhecimento e nos permitirão formar uma idéia sobre o que se pensava e o que se fazia em Gestalt-Terapia em sua fase inicial no Brasil. A primeira pergunta que nos fazemos é: que imagem da Gestalt-Terapia fora possível criar a partir do acesso a tais obras? Que elementos da abordagem gestáltica tais obras enfatizavam? Tais perguntas levam ao questionamento sobre qual fora a literatura de Gestalt-Terapia privilegiada para a apresentação da nova abordagem no Brasil, o que por sua vez, remete a um segundo questionamento, que diz respeito a qual literatura obtinha maior aceitação e adesão à época. A primeira obra traduzida, ”Gestalt Terapia, teorias, técnicas e aplicações”, é uma coletânea com 25 trabalhos de autores diversos. Contém 3 artigos de Fritz Perls e 1 de autoria de Laura Perls. O prefácio à edição americana caracteriza o livro como uma ampla amostragem de técnicas e aplicações, de autoria de vários terapeutas e professores e segue afirmando que o livro não proporcionará respostas completas ou finais, nem substituirá o treinamento em Gestalt-Terapia e a experiência real das técnicas Gestalt. A seguir, temos a publicação de “Tornar-se presente”, livro composto por uma série de exercícios utilizados em Gestalt-Terapia. O prefácio da edição brasileira à obra, 86 escrito por Paulo Barros, apresenta uma justificativa que aproxima a proposta técnica da Gestalt-Terapia ao clima da época, dando-nos pistas sobre o interesse em atrair estudantes e profissionais. Assim, lê-se que: Existe de fato uma busca urgente e inquieta por parte dos estudantes de Psicologia, de qualquer coisa que os aproxime um pouco mais de suas experiências. Em sua insatisfação com as orientações mais acadêmicas e conceituadas por um lado, e com as orientações mais rigorosamente científicas e técnicas por outro, existe a convicção de alguma coisa mais próxima de suas realidades existenciais que os coloque em contato com suas ilusões, anseios, preocupações e fantasias. E, existe também a certeza não explícita de que estas ilusões e fantasias são o que de humano eles carregam [...] (BARROS, 1976, p. 13). Um pouco mais à frente, encontramos a advertência quanto ao uso indiscriminado e/ou descontextualizado dos exercícios propostos: Não obstante a forma espontânea e lúdica como são apresentados e embora em toda sua variedade representem uma riqueza potencial como fonte de crescimento, estes exercícios em si são tão neutros quanto o papel [...] que constituem este livro. Podem ser divertidos e usados de forma lúdica. Podem ser perigosos, se aplicados de forma descuidada. Podem ser impessoais, se utilizados apenas como técnicas. Podem ser produtivos, se orientados com propriedade [...] (BARROS, 1976, p. 15). Na prática, o que se observou, conforme apontam Holanda e Karwowski (2004) foi que esta publicação – com ênfase primordialmente na técnica – ao anteceder uma série de reflexões teóricas, filosóficas e epistemológicas relacionadas à Gestalt-Terapia, concorreu para a construção de uma imagem de abordagem “ateórica”, ou frágil, no meio acadêmico da psicologia brasileira. Na seqüência, no ano de 1977, ocorre a publicação, pela Zahar Editores, do que foi o último livro de Fritz Perls, “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia” – escrito no período em que morou em Esalen e Cowichan, concluído postumamente para publicação. Nele, estão reunidas uma apresentação teórica da abordagem, com o título “A abordagem Gestáltica”, seguida de uma parte prática sob a denominação “Testemunha Ocular da Terapia”. Em texto de fácil leitura, traz uma primeira aproximação com os fundamentos e conceitos principais da abordagem, apontando as influências da Psicologia da Gestalt, os conceitos de homeostase, contato e fronteira de contato, bem como a presença da doutrina holística. A seguir, teve-se a publicação de “Gestalt-Terapia explicada”, também da autoria de Fritz Perls. Esta obra contém palestras em que Perls fornece, em termos simples e 87 diretos, as idéias que fundamentam seu trabalho terapêutico. A segunda parte do livro fora selecionada a partir das gravações feitas nos seminários de trabalho com sonhos, dirigidos por ele e realizados em fins de semana no Esalen Institute, entre 1966 e 1968. Sobre esta segunda parte, Tellegen (1972, p. 32) comenta consistir em “leitura fascinante”, trazendo logo em seguida o significado atribuído ao livro, que passou a ser considerado “a bíblia dos aprendizes da Gestalt-Terapia”. Ciornai (1991, p.10) contextualiza o momento de explosão da Gestalt-Terapia, em uma época de rupturas e contestações ao instituído, e resgata o comentário de Perls, na introdução deste livro, onde escreve: “há uma luta entre o fascismo e uma revolução em curso, e [...] nos cabe ajudar às pessoas a se libertarem de suas tiranias internas, a se tornarem mais reais, preparando assim o caminho para profundas mudanças sociais”. Portanto, até aqui, vemos que os livros de Gestalt-Terapia que vieram ao público brasileiro enfatizaram o aspecto técnico da abordagem, introduzindo, quando o faziam, pequenas incursões teóricas. No entanto, uma questão que emerge é se não seria exatamente este o tipo de publicação que teria aceitação e acolhida, dado o clima e as necessidades sentidas naquela época? No que diz respeito ao conhecimento que se poderia obter da Gestalt-Terapia a partir dos dois primeiros livros publicados pela Summus, Frazão (1995, p. 16) afirma que os mesmos transmitiram “uma idéia parcial da abordagem: a idéia de que consiste numa sucessão de exercícios a serem desenvolvidos com o cliente ou um conjunto de técnicas que provocam rapidamente resultados”. Este fato, juntamente com a realização de workshops por profissionais estrangeiros, no momento de recepção inicial da Gestalt-Terapia no Brasil, colaboraram para que a Gestalt-Terapia fosse conhecida predominantemente por seu manancial técnico. A respeito do impacto que estes dois livros provocou no público, Juliano (1992, p. 16-17) comenta que “muitos profissionais ficaram entusiasmados com essa leitura e se puseram a aplicar as técnicas de Gestalt em seus consultórios, com resultados desastrosos”. A seguir, teve lugar, na coleção “Novas Buscas em Psicoterapia” o livro “Isto é Gestalt” – uma compilação de John Stevens, que contava com textos de sua autoria, de 88 Fritz Perls, os quais correspondem a aproximadamente um terço do livro, e de outros autores, como Wilson Van Dusen, Stephen A. Tobin e Barry Stevens. De acordo com Frazão (1995), este livro traduz mais fielmente as idéias da Gestalt-Terapia; contudo, ele não pareceu atrair tanta atenção do público, corroborando nossa hipótese de que a época não estava “pronta” para discussões teóricas. Paulo Barros (1977, p. 9), no prefácio da edição brasileira, informa sobre a difusão da Gestalt-Terapia em território americano, contextualizando assim o surgimento desse livro, precisamente oito anos após a explosão da Gestalt-Terapia, ocorrida na Califórnia, entre 1966 e 1968: [...] outros quinze livros sobre Gestalt encontravam-se em processo de edição simultaneamente a este nos Estados Unidos. Vários troncos e ramificações expandem o movimento Gestalt em diversas direções. Há inúmeros institutos de Gestalt-Terapia espalhados por todo o país [...] Em meio ao consumo e ao modismo, está se realizando o processo de depuração e filtragem cultural do que a Gestalt tem a oferecer e qual o seu significado para a comunicação norte-americana. A respeito do movimento Gestalt que teve início no Brasil, no início da década de 1970, o autor observa: em nosso meio estamos engatinhando [...] Grupos de estudos estão em formação e começam a trocar experiências [...] Está claro que neste processo de engatinhar existirão muitos tropeços e caminhos sem saída. É impossível evitar os erros, os desvios e o modismo, sem que se caia em ortodoxias, hermetismo e outros ‘ismos’ que tolham o processo de absorção, assimilação e criação do que possa vir a ser a GestaltTerapia entre nós (BARROS, 1977, p. 9-10). Aqui, Paulo parecia antever, ou mesmo já podia estar presente em nosso meio, os mal-entendidos e distorções a respeito da Gestalt-terapia. O fato é que o caminho trilhado pela Gestalt-Terapia entre nós resultou na construção e disseminação da idéia de uma abordagem frágil, constituída por uma excessiva ênfase nas vivências e com pouca fundamentação teórica a alicerçar suas técnicas. O próximo livro a ser traduzido, “Não apresse o rio (ele corre sozinho)”, apresenta o relato de Barry Stevens sobre suas experiências no Instituto Gestalt do Canadá, o gestalt-kibuts em Cowikan, onde permaneceu durante um período de três meses em contato com Fritz Perls, em 1969. A autora descreve o convívio em comunidade, a focalização de continuum de awareness em momentos do aqui e agora, 89 e revisita, através das memórias, experiências vividas em aldeias de índios americanos (SÁ JUNIOR, 2009). O último livro a ser publicado na década de 1970 é a autobiografia de Fritz Perls, “Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo”, considerado, em seu aspecto geral, bastante confuso (GINGER; GINGER, 1995, p. 45). Portanto, das sete obras apresentadas ao público brasileiro, somente uma, “Isto é Gestalt”, apresenta mais fielmente as idéias da Gestalt-Terapia. Contudo, tal obra parece não ter encontrado a devida atenção, conforme foi assinalado por Frazão (1995). Merecem menção também as obras ”A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia” e “Teoria, Técnicas e Aplicações”, que trazem seções e capítulos que enfatizam os aspectos teóricos da abordagem. Por sua vez, os livros mais importantes foram tardiamente publicados no Brasil. Gestalt-Therapy: excitement and growth in the human personality, livro que inaugura a abordagem, em 1951, somente foi traduzido em 1997; do mesmo modo, Ego, hunger and agression: a revision of Freud’s theory and method, primeiro livro de Perls, conhecido por lançar as sementes da futura abordagem, somente veio ao público brasileiro em 2002, exatamente 60 anos após sua publicação original. Ironicamente, o primeiro livro de Perls foi exatamente o último a ser lançado no Brasil. Aqui, não podemos deixar de comentar o esclarecimento realizado por ocasião da apresentação do livro Gestalt-Therapy à edição brasileira, quando fomos então informados que as tentativas de viabilizar a edição brasileira desta obra encontraram obstáculos. Por se tratar de obra de três autores falecidos, havia a necessidade de autorização dos herdeiros, o que retardou o processo (FRAZÃO, 1997, p.7). Voltando então para a imagem e o conhecimento a respeito da Gestalt-Terapia no Brasil, em seu período inicial, Juliano (1992) informa que o desconhecimento e a distorção sobre a abordagem eram grandes, de modo que, em qualquer apresentação que se fizesse, impunha-se a tarefa de trazer a público o que a Gestalt não é. Transcrevo um trecho da autora que, embora possa provocar certa estranheza, permite elucidar a idéia que se propagava neste período inicial da abordagem no Brasil, oferecendo-nos assim um claro panorama sobre este primeiro momento da história da Gestalt-Terapia no Brasil: 90 Dizíamos a quem quisesse nos ouvir: - Não, Gestalt não é uma terapia que se faz nu na piscina; - Não, não usamos drogas para aumentar nossa ‘awareness’ cósmica; - Não, terapia de grupo não é equivalente a sexo em grupo; - Não, pegar o livro do Steven e ao acaso propor ‘exercícios’ de Gestalt, não é o que nós entendemos como Gestalt-Terapia; - Não, atuações sádicas por parte do terapeuta em relação ao seu cliente não é Gestalt, e assim por diante (JULIANO, 1992, p. 17). Dando prosseguimento aos acontecimentos que marcaram o início da GestaltTerapia no Brasil, observou-se, a partir da literatura consultada que o movimento de recepção da nova abordagem foi pouco a pouco agrupando cada vez mais profissionais interessados, que a princípio se encontravam nos workshops ministrados por profissionais estrangeiros, passando a seguir, a partir da consolidação de grupos, a se reunir para estudos autônomos e em grande parte, autodidatas. Posteriormente, foram estes pioneiros os responsáveis por ministrarem treinamento a novos interessados. Tem início então, um novo momento da Gestalt-Terapia no Brasil, caracterizado pela transmissão da abordagem, e a conseqüente formação de um outro tipo de grupo: o grupo de formação. A apresentação do que consistiu esse momento de recepção da abordagem no Brasil traz, portanto, a presença de um fato incontestável: a Gestalt-Terapia chegou em nosso país pela prática, com ênfase no aspecto vivencial e técnico. 2.3.1.1 A transmissão inicial da Gestalt-Terapia realizada por brasileiros Ainda no final da década de 1970, organizaram-se os primeiros grupos visando a transmissão da Gestalt-Terapia, movimento que se avolumou e adquiriu maior consistência na década seguinte. Assim, em 1977, Walter Ribeiro, que participava do grupo inicial em São Paulo, criou um pequeno grupo de três pessoas para disseminar a Gestalt-Terapia em Brasília (JULIANO, 1992). Esse grupo se ampliou e no ano seguinte foi criado o primeiro grupo de formação, o G1, com mais ou menos vinte pessoas, no qual Walter era auxiliado por Maureen Miller. 91 Em 1984 foi criado o Centro de Estudos de Gestalt-Terapia de Brasília – CEGEST, tendo como fundadores Walter Ribeiro, Enila Chagas, Jorge Ponciano Ribeiro, Marta Carrijo, Braulina Romancini, Thales Garcia Thereza Gayoso, Zélia Rocha, Elizabeth Pinheiro, todos com formação em Gestalt-Terapia, participantes do G1. Em São Paulo, após a tentativa do curso Gestalt e Reich, o Instituto Sedes Sapientiae promoveu o primeiro curso de “Especialização na Abordagem Gestáltica”, com início em 1979 e duração de três anos. Estavam à frente deste curso Thérèse Tellegen, Jean Clark Juliano, Lílian Meyer Frazão e Abel Guedes (REVISTA DE GESTALT, n.1, 1991). Interessante registrar a respeito deste momento inicial de transmissão da abordagem o depoimento de Ari Rehfeld – que a princípio aluno da primeira turma de formação do Instituto Sedes Sapientiae passou no decorrer do curso a ocupar o lugar de professor de seus colegas de turma. Rehfeld (apud SUASSUNA; HOLANDA, 2009, p. 69) nos informa: Ainda em final de 1979 Thérèse [...] abre um livro do Perls e fala: ‘olha, tá vendo aqui? Aqui Perls está dizendo que abordagem gestáltica que é uma abordagem fenomenológico-existencial. Você vê que, veja que aqui ele fala que é uma abordagem fenomenológico-existencial ponto, e ele muda de assunto, e ele não diz por que, não fundamenta nada disso. Eu concordo com isso! Eu quero de você, que você faça isso que Perls não fez, que você fundamente, porque a abordagem gestáltica é uma abordagem fenomenológica existencial. Na mesma direção, Karwowski (2005) informa que Ari Rehfeld foi o primeiro a destacar a Fenomenologia enquanto figura de um fundo – a Gestalt-Terapia. O desenvolvimento subseqüente deste processo de fundamentação da Gestalt-Terapia no referencial fenomenológico ocorreu, nesse primeiro momento, atrelado ao Curso de Especialização em Gestalt-Terapia do Instituto Sedes Sapientiae, quando em 1981, houve um curso completo de Fenomenologia ministrado por Rehfeld. De novo, Karwowski (2005 p. 55, grifos do autor) esclarece que embora esse curso tenha aparecido no Catálogo de Cursos do Instituto Sedes com o título Introdução à Fenomenologia, seu tema era Concepção de homem, compreensão e atitude fenomenológico-existencial na Gestalt-Terapia, e seu objetivo era fundamentar fenomenologicamente, tanto em termos práticos como teóricos, os futuros profissionais de Gestalt-Terapia. 92 É ainda com Karwoswki (2005) que obtivemos informações sobre os primeiros pronunciamentos teóricos que procuraram assinalar as relações entre a fenomenologia e a Gestalt-Terapia, ocorridos de meados a final da década de 1980. A este respeito, o autor assegura que foi no I Simpósio de Psicologia Fenomenológico Experimental, ocorrido na USP em 1987, através da conferência proferida por Ari Rehfeld sob o título “Fundamentos da Gestalt-Terapia” que foi estabelecida a fundamentação fenomenológica da Gestalt-Terapia. No entanto, antes disso, Rehfeld aborda o tema no I Encontro Nacional de Gestalt-Terapeutas no Rio de Janeiro, também no ano de 1987 em conferência intitulada “Uma perspectiva fenomenológico-existencial na formação de um gestalt-terapeuta”. Também no Rio de Janeiro, no início dos anos 1980, profissionais começaram a ministrar treinamentos. Foi o caso de Teresinha Mello da Silveira, Maria Cristina Tsallis, Salete Cabral, Jane Rodrigues, Sílvio Lopes e Décio Casarin – todos profissionais que haviam participado do treinamento com Maureen Miller entre 1978 e 1981 (SILVEIRA, 1996, p. 10). Podemos considerar, com base na literatura disponível, que esta é a primeira fase da Gestalt-Terapia no Brasil. Nela, vemos configurada a recepção e difusão da Gestalt-Terapia, tal como mencionada por Suassuna e Holanda (2009) a partir do eixo geográfico que abrange os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e o Distrito Federal (mais especificamente, Brasília). Um fato localizado em meados de 1980 e ainda não mencionado é a abertura das universidades para estágios e aulas de Gestalt-Terapia. Nesse período, alguns gestaltistas que trabalhavam em universidades começaram a falar da Gestalt-Terapia em suas aulas. É o caso de Teresinha Mello, profissional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que recebia alunos do curso de graduação em Psicologia para a disciplina obrigatória Estágio Básico. Sobre a recepção dos alunos ao entrarem em contato com a Gestalt-Terapia, a autora comenta: “[...] muitos alunos [...] ficavam encantados quando ela era apresentada como uma das práticas clínicas possíveis” (MELLO, 2009, p. 193). No entanto, neste momento, na UERJ, a psicanálise era a única alternativa oferecida aos alunos para a prática clínica, e estes, ao terem acesso a 93 outras possibilidades, passaram a reivindicar o conhecimento de outras linhas de trabalho clínico. Foi então que, atendendo aos apelos dos alunos, em 1984 a UERJ abre espaço para atendimento supervisionado em Gestalt-Terapia, tornando esta universidade pioneira entre todas as universidades brasileiras. O início dos anos 1990, por sua vez, marcou a oferta da disciplina “GestaltTerapia” como disciplina eletiva do curso de graduação em Psicologia da UERJ. Posteriormente, em 1991, esta disciplina passou a ser obrigatória, fazendo parte do currículo do curso. Neste particular, novamente a UERJ desponta como pioneira, pois foi a primeira universidade no Brasil a ter a disciplina de Gestalt-Terapia como obrigatória, além da primeira universidade a abrir concurso docente para esta área, conforme ressalta Eleonora Torres Prestrelo, na posição de professora da referida disciplina (PRESTRELO, 2009). Mais recentemente, por iniciativa de Prestrelo, e como resultado da demanda de alunos do curso de psicologia da UERJ criou-se em 2007, o “Laboratório Gestáltico: perspectiva fenomenológico-existencial em clínica, pesquisa e atenção psicossocial”. As atividades desenvolvidas pelo Laboratório constituem-se, portanto, como um veículo de divulgação e fortalecimento da abordagem gestáltica. Assim, podemos ver que a Gestalt-Terapia vai se instaurando no meio acadêmico a partir de duas frentes: com a realização de trabalhos acadêmicos, através de dissertações de mestrado, a princípio, e posteriormente, teses de doutorado defendidas sob este referencial; e com a transmissão da abordagem aos alunos, primeiramente, através da oferta de estágios supervisionados sob este referencial e posteriormente através da oferta da disciplina “Gestalt-Terapia”. 2.3.2. O segundo momento: reflexão, desilusão e a busca de referenciais Em meados dos anos 80 ‘o sonho parece ter acabado’ e inicia-se um requestionar dos valores dos anos 60 [...] (CIORNAI, 1998, p. 9). Do início aos meados da década de 1980, o encantamento inicial cedeu lugar a inúmeros questionamentos advindos tanto da prática clínica (FRAZÃO, 1995) como do 94 novo lugar ocupado pelos profissionais pioneiros na Gestalt-terapia, como transmissores da abordagem (SILVEIRA, 1996). Frazão (1995, p. 18) diz sobre este novo momento da Gestalt-Terapia no Brasil: “A primeira metade dos anos 80 foi um período de resgate do pensar, em oposição ao mero sentir que caracterizou os anos 70”. É bem verdade que a Gestalt surgiu como reação ao excesso de intelectualismo da época. No entanto, passada essa fase inicial, instalou-se uma maior preocupação com a fundamentação teórica, quando também se atentou para os riscos do trabalho essencialmente técnico e sua grande chance de transformar-se em modismo. Curiosamente, muitos dos grupos praticantes da Gestalt-Terapia à época viveram esta fase de questionamento: “pensávamos ser um questionamento individual, mas anos depois, descobrimos que realmente foi uma crise que afetou um bom número de Gestalt-Terapeutas no início da década de 80” (FRAZÃO, 1995, p. 18). Um primeiro recurso empregado pelos profissionais para fazer face às dúvidas, indagações e inseguranças do momento foi buscar respostas em fontes já conhecidas: Psicanálise Freudiana, Teoria da Relação Objetal, Análise Junguiana, Bionergética, Análise Existencial etc. Conforme assinala Juliano (1992, p. 18): Nessa época, recorríamos a abordagens colaterais, importando textos de outras abordagens, acreditando que o problema da Gestalt era que não tinha teoria suficiente. Era a época em que demos espaço para o surgimento entre nós e nossos alunos, da fase Gestalt e..., com as mais variadas, improváveis e bizarras combinações [...]. Do Rio de Janeiro, Silveira (1996, p. 11) arremata: “gestalt e bioenergética, gestalt e trabalho corporal, gestalt centrada-na-pessoa. Mas o que seria a gestalt afinal?”. Entretanto, os gestalt-terapeutas buscavam refletir sobre o momento. Assim, Walter Ferreira da Rosa, já no I Encontro de Gestalt-terapeutas ocorrido no Rio de Janeiro, no ano de 1987, alertava para o fato de ser necessária cautela neste processo de realizar incursões por referenciais externos à Gestalt-Terapia, pois corremos o perigo de ingerir alimentos estranhos que possam provocar sérias ‘indigestões’, arriscando mesmo descaracterizar nossa abordagem por pertencerem a outros referenciais epistemológicos e filosóficos (apud CIORNAI, 1991, p. 9). 95 Da mesma forma, Ciornai (1996, p. 14) assinala ser “importante cuidar para não integrar à Gestalt-Terapia aspectos que lhe são incompatíveis e que perigam por descaracterizá-la”. Em 1981, foi fundado o Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo, por Thérèse Tellegen, Lílian Frazão, Abel Guedes e Jean Clark Juliano, com os objetivos de ensinar e difundir a Gestalt-Terapia. A principal motivação para a criação do Centro, de acordo com Juliano (1992, p. 17), foi “servir como ponto de referência para a comunidade, peneirando o que era saudável e honesto na prática da Gestalt daquilo que era somente caricatura [...]”. Portanto, vemos presente a preocupação dos profissionais que abraçaram a Gestalt-Terapia não só com a sua difusão simplesmente, mas com a transmissão de sua base conceitual. Todavia, o grupo começou a se deparar com a necessidade de buscar fundamentação teórica, de modo a melhor conduzir os futuros passos da abordagem no Brasil. Neste mesmo ano, como tentativa de fortalecimento da abordagem, houve uma primeira reunião de Gestalt-Terapeutas no Brasil, em Boiçucanga. Estiveram presentes profissionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, dentre os quais citamos: Bruno, Suzana Hertlander, Jane Rodrigues, Silvio Lopes, Gercilene Campos (Gercy), Decio Casarin, Walter Ribeiro, Maureen Miller, Jean Clark Juliano, Thérèse Tellegen e Lílian Frazão (SUASSUNA; HOLANDA, 2009; FRAZÃO, 1995, JULIANO, 1992). Para Walter Ribeiro, esse encontro foi uma tentativa de criação de um grupo nacional de Gestalt. Contudo, fracassou neste propósito. Este intento somente foi possível em 1987, quando o I Encontro de Gestalt-terapeutas no Rio de Janeiro: um convite à reflexão, adquiriu o status de Encontro Nacional. Com a intenção de buscar novos subsídios para fundamentar o trabalho, alguns profissionais foram para o exterior, para participar de workshops específicos. Conforme nos conta Juliano (1992, p. 18), estas viagens trouxeram, além do acesso ao material bibliográfico mais recente, “[...] a surpresa, gratificante e desalentadora ao mesmo tempo [de que] os grupos americanos e europeus estavam se debatendo com as mesmas questões”. 96 Fez parte também deste momento, o acesso aos livros Gestalt-Therapy (1951), de Perls, Hefferline e Goodman e Ego, hunger and agression (1942), de Perls, ainda não traduzidos à época. Sobre o primeiro, considerado o livro clássico da abordagem, destacamos os seguintes comentários: “começamos a estudar com avidez; texto difícil de ser metabolizado” (JULIANO, 1992, p. 17) e “[...] Walter Ribeiro veio ao Rio algumas vezes formar grupos para aprofundarmos na leitura de vários capítulos do livro” (SILVEIRA, 1996, p. 11). Considerando que o livro “Gestalt-Terapia” começara a ser conhecido justamente nesta ocasião, não surpreende que os primeiros profissionais de Gestalt-Terapia no Brasil – verdadeiros desbravadores – estivessem se ressentindo de maior fundamentação, ou mesmo, considerassem que faltava à Gestalt-Terapia esta fundamentação. Ciornai, no ano de 1991 refletia sobre esse movimento de necessidade de explicitação mais clara dos pilares teóricos que sustentavam a abordagem, de modo a se obter um respaldo mais sólido para o trabalho terapêutico. Levantava então a dúvida sobre se, de fato, as lacunas apontadas se deviam a falhas reais no arcabouço teórico gestáltico, a uma falta de atenção e leitura da literatura existente, ou ainda a ambos, considerando ser esta uma questão pendente à época. 2.3.3. O terceiro momento: rumo à produção nacional em Gestalt-Terapia A escassez de material não impediu que alguns profissionais realizassem estudos específicos com o referencial da Gestalt-Terapia, inaugurando uma fase de produções e publicações nacionais. Assim, em 1982 é defendida, na Universidade de São Paulo, a primeira dissertação de mestrado, intitulada “Reflexões sobre o trabalho com grupos na abordagem gestáltica em psicoterapia e educação”, de autoria de Thérèse Tellegen e já em 1983, Lílian Frazão também defendeu dissertação de mestrado, pela mesma universidade, intitulada “O modelo de aprendizagem experencial aplicado ao ensino de terapia de grupo”. 97 Em 1984, vem a público o primeiro livro nacional em Gestalt-Terapia, de autoria de Thérèse Tellegen. Intitulado “Gestalt e Grupos: uma perspectiva sistêmica”, esta obra fez parte da série Novas Buscas em Psicoterapia, em seu volume 22, porém com um adendo do diretor da coleção, Paulo Barros, que renomeou a coleção sob o título “Série B: Nossas Buscas”, dando assim o indicativo de um novo momento da GestaltTerapia no Brasil, marcado pelo incentivo às publicações nacionais. Nela lemos que “Nossas buscas deseja se constituir num espaço aberto a ser preenchido por publicações de autores nacionais [...] quer deter-se sobre a maneira específica como está acontecendo entre nós a psicoterapia”. Logo no ano seguinte, em 1985, a coleção publica a segunda obra brasileira, o livro de Jorge Ponciano Ribeiro, “Gestalt-Terapia: refazendo um caminho”, correspondendo ao volume 24 da coleção. Trata-se de um livro importante para a comunidade gestáltica brasileira, pois apresenta e discute as bases filosóficas e teóricas da Gestalt-Terapia. Na apresentação do livro, Ribeiro (1985) mapeia a GestaltTerapia que se desenvolveu no Brasil, ao apontar os mal entedidos e equívocos a respeito de sua proposta psicoterápica. Em suas palavras: “faltava uma unidade de pensamento que pudesse representar a Gestalt-Terapia, mal entendida e compreendida nos seus primórdios, sobretudo por seu caráter centrado no aqui-eagora, como uma teoria séria e epistemologicamente embasada”. O livro oferece, portanto, um referencial fundamental, consolidando uma estrutura teórico-filosófica, uma configuração das suas bases epistemológicas que se tornou referência na organização das formações em Gestalt-Terapia no Brasil. O referido autor, por sua vez, reúne o maior número de publicações na categoria “livros nacionais”, no referencial gestáltico. Uma relação dos livros nacionais sob a perspectiva da abordagem gestáltica pode ser consultada no apêndice 2 desta dissertação38. Consideramos estes dois acontecimentos – as primeiras dissertações e os livros nacionais – como um divisor de águas na história da Gestalt-Terapia no Brasil. Consideramos que, após o período de recepção e formação de grupos em diversos 38 Embora a produção relacionada sob a categoria “livros nacionais” na abordagem gestáltica não seja parte do eixo principal de análise desta dissertação, no decorrer deste trabalho foram realizadas algumas referências a estas obras, e por isso, decidiu-se por inclui-las no apêndice. Este, todavia, deve ser considerado como incompleto, visto não ter sido objeto de nossa investigação. 98 estados, seguiu-se um momento de maior aprofundamento, resultando nas primeiras produções em Gestalt-Terapia. 99 3 A CONSOLIDAÇÃO DA GESTALT-TERAPIA NO BRASIL Pode-se dizer que em meados dos anos 1980, e particularmente no final desta década, o movimento da Gestalt-Terapia no Brasil encontrava-se mais articulado. Observa-se uma maior organização da Gestalt-Terapia, seja através de encontros mais sistemáticos de profissionais para seminários e apresentação de trabalhos, seja pelo movimento de expansão da Gestalt-Terapia, com a formação de grupos de estudos em outros estados brasileiros, como Santa Catarina, Goiás e Paraná, os quais posteriormente deram origem aos Institutos de Gestalt-Terapia, responsáveis pela capacitação e formação na área. Por se constituírem nos primeiros institutos, fruto da expansão ocorrida a partir do eixo Rio-São Paulo-Brasília, deteremos maior atenção à sua história. Apresentamos no apêndice 3 tabela em que se pode acompanhar o surgimento de outros centros de estudos e institutos de Gestalt-Terapia no Brasil. Em 1987, durante o I Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, foi fundado o Núcleo de Estudos em Gestalt de Santa Catarina, o qual iniciou a estruturação do seu primeiro grupo de formação em 1989. Em função da ampliação dos seus objetivos e atividades, o Núcleo transformou-se em CONFIGURAÇÃO – Centro de Estudos e Atividades Gestálticas, com sede em Florianópolis/SC, no ano de 1995. Fizeram parte do grupo fundador Angela Schillings, Angelo Minieri, Aymoré Palhares Filho, Eliane de Mello Meira e Rosane Granzotto Bernardini. A história desta instituição teve início em 1982, quando um grupo de psicólogos, interessados na Gestalt-Terapia, contatou o Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo para iniciar um curso de formação nesta abordagem. Constituíram-se como o primeiro grupo de formação em Gestalt-Terapia no estado de Santa Catarina (1982/1985), tendo como coordenadores Abel Guedes, Lílian M. Frazão, Jean Clark Juliano e Therese Tellegen. A partir de 1985, parte desse grupo continuou desenvolvendo estudos sobre Gestalt-Terapia e algumas atividades com alunos de Psicologia em Florianópolis/SC (BOLETIM, out. 1997, p. 22-23). No mesmo ano de 1987, na cidade de Goiânia, foi organizado, sob a coordenação de Marisete Malaguth Mendonça e Virgínia Elizabeth Suassuna Martins 100 Costa, o primeiro grupo de estudos em Gestalt-Terapia, composto por psicólogos e estudantes de psicologia. Este foi o primeiro grupo de especialização, quando da oficialização do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia de Goiânia ITGT, em 1989. Também foi fundador do ITGT Ari Rehfeld. Desde 1995 o ITGT realiza encontros anuais, os quais deram origem à Revista do Encontro Goiano de GestaltTerapia, um importante veículo de divulgação e de estudos em Gestalt-Terapia, incentivando assim a produção na área (BOLETIM, ago. 1996, p. 34-36). No que diz respeito ao estado do Paraná, o seu Centro de Estudos de GestaltTerapia – CEG-Pr – nasceu em 1989, através de um grupo de Gestalt-Terapeutas, estimulado por Claudete Carboni de Freitas, profissional que realizou sua formação em Los Angeles (Gestalt-Institute of Los Angeles) e gradativamente foi formando novos profissionais – quase toda a equipe de professores do CEG, em sua formação original. Em 1991, por iniciativa de Alcides Inácio Junior, o Centro lançou a primeira revista de Gestalt-Terapia no Brasil, a Gestalt Terapia Jornal, veículo de divulgação de artigos científicos e assuntos da área (BOLETIM, mar. 1996, p. 25-26). Além disso, novos grupos nacionais se formaram nos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul e Espírito Santo (JULIANO, 1992). Observa-se ainda um esforço de maior intercâmbio nacional, com a organização do que fora, a princípio, denominado I Encontro de Gestalt-Terapeutas no Rio de Janeiro. O evento, ocorrido em junho de 1987, adquiriu status de I Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, devido à repercussão alcançada. O ano de 1987 foi bastante significativo para o movimento da Gestalt-Terapia no Brasil, pela série destes acontecimentos que congregou: a criação do Núcleo de Estudos em Gestalt de Santa Catarina, a formação do primeiro grupo de estudos na cidade de Goiânia – ambos iniciaram sua primeira turma de formação em GestaltTerapia no ano de 1989 – e o I Encontro de Gestalt-Terapeutas no Rio de Janeiro. Também o “I Encontro de Gestalt-Terapeutas no Rio de Janeiro: um convite à reflexão”, merece uma atenção mais detida, por inaugurar a seqüência de encontros bianuais na abordagem. A principal motivação para a realização do encontro foi a criação de um espaço de compartilhamento, na tentativa de encontrar caminhos viáveis à consolidação da corrente em nosso país, conforme relata Teresinha Mello da Silveira, 101 uma das idealizadoras do evento (1996). Além disso, o evento permitiria uma leitura, um esboço do corpo da Gestal-terapia no país. Neste sentido, não parece coincidência a grande adesão ao evento, bem como os acontecimentos que datam deste ano. A propósito, ocorreu justamente durante o Encontro a fundação do Núcleo de Estudos em Gestalt de Santa Catarina, de modo que a reunião de profissionais de vários estados parece ter concorrido para uma mobilização e catalização do movimento gestáltico no Brasil. Ao abordar os preparativos para a realização do projeto, Teresinha Mello da Silveira (1996, p. 12) recorda: O convite feito aos companheiros que viveram o movimento inicial para participar da organização não foi muito bem aceito pelos mais variados motivos. Uns temiam uma institucionalização da gestalt, alegando que o fato descaracterizaria as propostas revolucionárias da referida corrente; alguns já tinham optado por outras linhas; outros ainda preferiram contribuir de maneira diferente [...]. Para minha surpresa e enternecimento, aqueles que se mostraram mais disponíveis para colaborar foram os membros de minha primeira turma de formação e o grupo de ex-estagiários em gestaltterapia, recém-formados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que compuseram então a equipe de organização do encontro. A lembrança deste encontro é narrada da seguinte maneira por Jean Clark Juliano, registrando a magnitude deste evento para a Gestalt-Terapia no Brasil: Ainda tenho guardada a cena de abertura, quando se abriram as portas do salão. Imaginávamos a reunião de um pequeno grupo e, ao nos depararmos com a quantidade de pessoas presentes, fomos tomados por susto e alegria. Alguns ainda com sua bagagem ao lado, chegando sem aviso prévio; pessoas das mais diversas regiões do país; foi entusiasmante [...] foi então que assistimos à transição de um grupo de gestalt-terapeutas para o movimento de gestalt-terapia no Brasil” (JULIANO, 1992, p. 20, grifo meu). Ainda sobre a importância deste encontro para o reconhecimento, interação e crescimento da comunidade gestaltista brasileira, Frazão (1998, p. 50) assinala: Na época, pensava-se em reunir os gestalt-terapeutas brasileiros, que se supunha não passarem de 50 ou 60. Mas, para surpresa e alegria de todos, estiveram presentes mais de 150 pessoas! O primeiro encontro representou um marco fundamental para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil pois, se antes éramos pequenos grupos aqui e acolá, que batalhavam arduamente por realizar sua formação e aprofundar seu conhecimento prático e teórico, a realização do I Encontro demonstrou que éramos muitos e instaurou, ao nível nacional, um rico espaço de trocas e intercâmbio: do conhecimento, da experiência e das habilidades de cada um. Muitos de nós passaram a colaborar, em diferentes níveis, para a formação de Gestalt-terapeutas de outras cidades e estados. 102 Pode-se dizer que, neste momento, havia sido consolidada uma comunidade gestáltica e que o movimento de Gestalt-Terapia no Brasil estava difundido e organizado o suficiente para inaugurar uma nova etapa de sua história: os Encontros Nacionais de Gestalt-Terapia, que passaram, a partir de então, a ocorrer a cada dois anos. Ainda durante o evento, ficou acordado que São Paulo ficaria responsável por organizar o próximo encontro, que ocorreu sob a coordenação de Ari Rehfeld, Lílian Frazão e Jean Clark Juliano (JULIANO, 1992). Em consonância com o eixo geográfico em que se desenvolveu a Gestalt-Terapia em seu momento inicial, o III Encontro Nacional de Gestalt-Terapia foi organizado pelo grupo de Brasília no ano de 1991. Em 1993, por ocasião do IV Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, organizado pelo grupo de Recife, o evento foi rebatizado, ganhando um subtítulo: Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica. Este é um marco importante, pois aponta a entrada e o desenvolvimento da abordagem gestáltica, para além do espaço restrito da atuação psicoterapêutica, a partir da extensão dos conceitos gestálticos a outras áreas de atuação da psicologia. O apêndice 4 apresenta as edições dos Encontros até os dias atuais. Podemos dizer, portanto, que foram muitos os frutos colhidos pela GestaltTerapia, em decorrência daquele primeiro evento. Ainda considerando os acontecimentos que remontam a meados da década de 1980, oberva-se um gradativo aumento do número de trabalhos de pós-graduação (dissertações de mestrado); além de uma retomada de publicações em periódicos de psicologia, o que abordaremos na próxima seção desta dissertação. 3.1 A Gestalt-Terapia em números: décadas de 1980, 1990 e 2000 Se no período de 1981 a 1985 tivemos o registro de duas dissertações de mestrado na abordagem, ambas na Universidade de São Paulo, conforme já citado, o período que vai de 1986 a 1990 contou com 4 trabalhos nesta categoria, desta vez distribuídos por 4 estados distintos. Em ordem cronológica, foram eles: “Análise e 103 avaliação do processo de mudança em um grupo fechado de Gestalt-Terapia: estudo de caso”, por Márcia Maria Coutinho Lima, defendido no ano de 1988 na Universidade de Brasília; “Bases filosóficas e implicações técnicas na Gestalt-Terapia”, defendido por Rosane Carneiro Porto em 1989, na Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro; e finalmente a presença de dois trabalhos em 1990, o primeiro deles intitulado “GestaltTerapia e transferência: aquisição de conceitos na formação de psicologia”, por Sergio Zlotnic, defendido na Universidade de São Paulo; o segundo sob o título “Psicoterapia e consciência social”, defendido por Ana Maria Monte Coelho Frota na área de Educação, na Universidade Federal do Ceará. A área de Educação é, portanto, a primeira área “alheia” à psicologia a contar com trabalhos relacionados à abordagem gestáltica. Já em relação à categoria “publicação de artigos em periódicos”, somente no ano de 1986 ocorre nova publicação, tendo assim decorridos 14 anos desde a publicação do trabalho pioneiro de Thérèse. Trata-se do trabalho de autoria de Maria Rita Franco de Souza, intitulado “Uma pitadinha de Gestalt”, publicado na revista Psicologia Argumento, vinculada à Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Seguem-se a esta mais duas publicações, totalizando três produções no período que vai de 1986 a 1990. A primeira, uma publicação na revista Arquivos Brasileiros de Psicologia, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no ano de 1989, de autoria de Simone Garcia Simões sob o título “Gestaltterapia: a terapêutica da comunicação humana”; a segunda, na Revista de Psicologia Plural, da Faculdade de Ciências Humanas da FUMEC, Belo Horizonte, em 1990, de autoria de Salim Zaidam e intitulada “O conceito de doença em Gestalt-Terapia”. A década de 1990 assistiu a um crescimento na produção, tanto em relação aos artigos publicados em periódicos em geral, como em relação às dissertações e teses produzidas sob o referencial gestáltico. A propósito, data do ano de 1992 a primeira tese de doutorado sob o referencial gestáltico, de autoria de Ana Maria Loffredo, com o título “De cotovelos apoiados no pára-peito da palavra: no cenário clinico, qual é o horizonte?”. O crescimento observado se manteve no decorrer da década de 2000. Além disso, a década de 1990 assistiu ao surgimento de um novo canal de produção de conhecimentos e divulgação da Gestalt-Terapia, a saber, os periódicos especializados em Gestalt-Terapia. 104 Detalharemos neste capítulo os números relativos à produção escrita em GestaltTerapia, considerando as três fontes pesquisadas: artigos em periódicos em geral, periódicos específicos de Gestalt-Terapia, e dissertações e teses realizadas sob o referencial gestáltico. 3.1.1 O “boom” dos periódicos especializados em Gestalt-Terapia O panorama geral da Gestalt-Terapia, em finais da década de 80, é assim descrito por Silveira (1996, p. 14): “[...] começam a se multiplicar seminários e simpósios paralelos aos encontros nacionais [...], o movimento se expande e se consolida”. Uma das formas de verificar esta expansão é analisar o novo momento da Gestalt-Terapia no Brasil, representado pelo surgimento de periódicos especializados na área. A década de 1990 assistiu a uma nova fase no desenvolvimento da comunidade gestáltica. Mais que o surgimento deste canal específico de produção no seio da referida abordagem, a década de 1990 significou um verdadeiro “boom”, no que se refere a este tópico. Assim, de um total de 9 periódicos específicos em Gestalt-Terapia, aos quais tivemos acesso, 6 deles surgiram neste período. Uma observação que merece destaque é a vinculação dessas revistas: estão associadas aos centros ou institutos de Gestalt-Terapia, em sua maioria, ou, mesmo, decorrem de iniciativas individuais. Tais publicações são de fundamental importância para retratar o avanço e desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil, além de representar um marco importante no que diz respeito à produção escrita na área, que passou a ocorrer de modo mais sistemático, engrossando e incrementando sobremaneira os temas e assuntos tratados sob a perspectiva gestáltica. Abordar o surgimento de tais periódicos é referir-se, portanto, a um aspecto importante da história e desenvolvimento da história da abordagem no Brasil. O apêndice 5 apresenta os periódicos especializados em Gestalt-Terapia. 105 O ano de 1991 é o marco de surgimento destes periódicos específicos. Duas revistas têm sua origem neste ano, nos estados do Paraná e de São Paulo. O primeiro foi editado pelo Centro de Estudos de Gestalt-Terapia do Paraná – CEG-Pr com o título Gestalt Terapia Jornal e, embora tenha passado por diversas mudanças, permanece sendo editado até os dias atuais, ainda que sem uma freqüência regular. A partir da edição nº 7, de 2000, sua publicação é realizada em parceria com a Faculdade de Psicologia da Associação Catarinense de Ensino (ACE), de Joinville-SC, o que deve ter decorrido da criação de um Núcleo de Gestalt-Terapia nesta cidade, em 1998, denominado CEG-Pr – Núcleo Joinville. No ano de 2004, o periódico desvinculouse do CEG-Pr, passando sua vinculação ao Centro de Estudos de Gestalt-Terapia de Santa Catarina – CEG-SC, recém-criado, o qual incorporou o CEG-Pr - Núcleo Jonville (REVISTA GESTALT-TERAPIA JORNAL, n. 7, 8, 9). Manteve, contudo, o título original. No que diz respeito a informações pertinentes à história da Gestalt-Terapia no Brasil, encontramos na seção “Entrevista” do “Gestalt Terapia Jornal”, nº I, uma exposição de Claudete Carboni de Freitas sobre o nascimento, a criação, a importância e a posição do CEG-Pr. Na mesma seção, desta vez, no número IV, foi Jean Clark Juliano quem foi entrevistada, ocasião em que aborda a identidade do Gestaltterapeuta. Por sua vez, o Departamento de Gestalt-Terapia do Instituto Sedes Sapientie respondeu pela Revista de Gestalt, que manteve publicação anual de modo regular, até 2005, ano de sua última publicação39. O número de abertura da Revista apresentou uma homenagem à Madre Cristina Sodré Dória, por “manter no Instituto Sedes Sapientae a chama viva do compromisso com a transformação social e a terra fértil onde as sementes de diversas tendências em Psicologia e Educação puderam brotar e frutificar”. Nesta revista foram encontrados alguns trabalhos que abordavam a história da Gestalt-Terapia, e outros, especificamente, de sua história no Brasil, dentre os quais: Gestalt-Terapia hoje: resgate e expansão (CIORNAI, 1991); Gestalt-Terapia: revisitando as nossas histórias (JULIANO, 1992); Laura Perls: 1905-1990 (KOGAN, 1992); Da cultura da indiferença à uma Gestalt da esperança (CIORNAI, 1998); Gestalt-Terapia: 39 Ao que parece, houve uma exceção, visto que não se encontrou registro de publicação no ano de 1993. 106 passado, presente, futuro (FRAZÃO, 1998); A reciprocidade amorosa: leitura interpretativa da história da Gestalt-Terapia (LIMA FILHO, 2001), À memória de Miriam Polster (MILLER, 2002). O ano de 1995 contou com o surgimento de duas novas revistas na abordagem, desta vez nos estados de Goiás e Rio de Janeiro. Trata-se, respectivamente, da Revista do Encontro Goiano de Gestalt-Terapia, uma publicação vinculada ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia de Goiânia – ITGT – e da Revista Presença, vinculada à clínica Vita, de propriedade de Teresinha Mello da Silveira. A Revista do Encontro Goiano de Gestalt-Terapia visa publicar as produções científicas apresentadas nos Encontros Goianos de Gestalt-Terapia que ocorrem anualmente desde 1995. Participam dos encontros profissionais vinculados a outras abordagens psicoterapêuticas que possuem em comum com a Gestalt-Terapia o referencial fenomenológico-existencial, e por isso a revista traz publicações que contemplam esta perspectiva, não sendo específica de Gestalt-Terapia. A partir da terceira edição, o termo “Gestalt-Terapia” foi substituído e a revista passou a ser denominada “Revista do Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica”. Nesta revista, são escassos os trabalhos que enfatizam o aspecto histórico da abordagem, e quando presentes, estão relacionados à história do próprio instituto responsável pela organização do evento, ou ainda, abordam o percurso pessoal de alguns personagens, como pode ser constatado pelos títulos encontrados: Histórico do ITGT (FRANÇA, 1995); Minha, nossa história na Gestalt-Terapia (COSTA; MENDONÇA, 1995); Revivendo a história do ITGT (ANDRADE, 2004). Uma exceção é a presença, no número inaugural da Revista, do artigo intitulado Histórico da Gestalt-Terapia (BARBALHO, 1995). A Revista do Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica foi editada até 2006, ocasião do XII Encontro, quando então é renomeada como Revista da Abordagem Gestáltica, e passa a ser publicada semestralmente, modificando também sua estrutura. Em 2008, passa a ser exclusivamente eletrônica. A Revista Presença teve origem a partir de reuniões informais que eram promovidas na Clínica Vita, onde profissionais e estudantes discutiam temas relacionados à Gestalt-Terapia. A Revista surge da necessidade de intensificar as 107 trocas profissionais e de conhecer melhor o pensamento e o trabalho de cada um, no sentido da reflexão e aprofundamento a respeito da Gestalt-Terapia praticada no Brasil, assim como de divulgação do que vinha se desenvolvendo na área. Apresentava uma seção chamada “Diálogos”, onde profissionais de diferentes áreas ou abordagens contribuíam para o intercâmbio, a reflexão e o crescimento profissional. A revista teve breve existência, totalizando quatro edições entre os anos de 1995 e 1997. Consideramos representativos os seus artigos que tratam da história da abordagem no Brasil, com a presença de dois títulos bastante ilustrativos: A moderna Gestalt-Terapia do Rio de Janeiro (SILVEIRA, 1996); Em defesa da Gestalt-Terapia: revendo antigas questões (BARROSO, 1996). Por fim, o ano de 1996 assistiu ao surgimento dos dois últimos periódicos da década de 1990, ambos tendo permanecido por um curto espaço de tempo em circulação. Trata-se do Gestalt Journal do Rio de Janeiro, editado até 1998, perfazendo 3 edições e do Boletim de Gestalt-Terapia do Triângulo Mineiro, editado até 1997, com um total de 4 números. O Gestalt Journal do Rio de Janeiro estava vinculado ao Centro de Desenvolvimento de Gestalt-terapia do Estado do Rio de Janeiro (GT-Rio), associação que surgiu, de acordo com D’Acri (2010), de uma cisão entre os protagonistas que se reuniam originalmente na Clinica Vita. Assim, parte do grupo, sob a proposta de organizar eventos científicos e promover a abordagem, e ao mesmo tempo, oferecer representatividade ao movimento de desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro, funda o GT-Rio, em 1995, sob a coordenação de Sheila Orgler e Sérgio Garbati (D’ACLI, 2010). O Gestalt Journal do Rio de Janeiro possuía um forte caráter divulgativo, com uma seção intitulada “agenda”, em que havia a divulgação de diversos eventos em Gestalt-terapia. Além disso, chama a atenção a quantidade de anúncios e serviços oferecidos em suas páginas. A revista apresentou entrevistas com gestalt-terapeutas internacionais, como Cláudio Naranjo (maio 1997), o casal Polster (maio, 1997) e Richard Hycner (outubro 1998). Nenhum artigo enfocou o caráter histórico da abordagem. 108 Silvério Lúcio Karwowski, no editorial do primeiro número do Boletim de GestaltTerapia do Triângulo Mineiro, afirma que a revista pretende atuar como um instrumento de incentivo ao desenvolvimento da teoria e prática da Gestalt-Terapia. A revista apresenta um caráter divulgativo e informativo, a partir do relato de eventos acontecidos em Gestalt-Terapia, como por exemplo, congressos e seminários, e da divulgação de eventos futuros na área. A cada edição apresentava informações sobre um estabelecimento responsável por veicular a Gestalt-Terapia e por oferecer cursos de formação na área, mais conhecidos como Institutos de Gestalt-Terapia. Trouxe ainda entrevistas com Gestalt-terapeutas nacionais, entre os quais Lílian Meyer Frazão e Selma Ciornai, e gestalt-terapeutas internacionais, como Stanley Krippner (agosto, 1996) e Roger R. Wolger (maio, 1997). O artigo de Selma Ciornai intitulado “Considerando saudades: Gestalt-Terapia de antes, de hoje e de amanhã” publicado neste periódico em sua edição de 1996, representa um importante documento sobre a história da Gestalt-Terapia no Brasil, inclusive pela apresentação das diferenças entre a Gestalt-Terapia praticada entre os anos de 1978 a 1983, na Califórnia, período em que a autora viveu nesta cidade, e a Gestalt-Terapia praticada no Brasil. As reflexões da autora apontam claramente para o desenvolvimento e a prática de uma Gestalt-Terapia nacional, com suas características específicas e peculiaridades, o que a faz considerar as perdas e ganhos neste percurso. A década de 2000 trouxe três novos periódicos em Gestalt-Terapia. No ano de 2004 surgiram dois: a revista Sampa, vinculada ao Instituto Gestalt São Paulo e a revista IGT na Rede, do Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar – IGT. Além disso, acompanhando o avanço tecnológico, esta década inaugurou a fase das revistas eletrônicas em Gestalt-Terapia, representadas pela “IGT na Rede”, que já nasceu tendo no meio eletrônico sua veiculação exclusiva e a “Revista da Abordagem Gestáltica” que, como dissemos anteriormente, é publicada desde o ano de 2008 exclusivamente sob o meio eletrônico. A Revista Sampa caracteriza-se por apresentar a pluralidade e a abrangência de possibilidades de atuação da abordagem gestáltica em diferentes áreas, conforme o editorial de sua primeira publicação. É dividida em várias seções, a saber: Espaço 109 Aberto, Ensaio, Qualidade de Vida, Temas da Clínica Psicológica, Educação, Social e Comunitário, Para Refletir e Notícias. Especificamente sobre artigos que abordam a História da Gestalt-Terapia no Brasil, consideraram-se os seguintes títulos: A Gestaltterapia e a realidade acadêmica (LIMA, 2004); Homenagem a Paulo Barros – Carta a Paulo (JULIANO, 2006) e O que é Gestalt-Terapia hoje? (CIORNAI, 2007). No editorial do primeiro número da IGT na Rede, Marcelo Pinheiro, editor da revista, apresenta a proposta de sua criação: visa ampliar a possibilidade de troca de informações no âmbito da comunidade de Gestalt-Terapeutas e divulgar as contribuições dessa forma de olhar o mundo para o público em geral, promovendo a Gestalt-Terapia. Afirma ainda que a revista não se restringirá a produções de Gestaltterapeutas, o que se justifica pela crença na importância e riqueza do contato com profissionais das mais diferentes áreas do conhecimento. Além de se constituir na primeira revista virtual de Gestalt-Terapia, inova ao utilizar este veículo para apresentar uma série de entrevistas gravadas em vídeos com gestalt-terapeutas a respeito da história da Gestalt-Terapia no Brasil, dentre os quais citamos: Jean Clark Juliano, Lílian Meyer Frazão, Walter da Rosa Ribeiro, Ari Rehfeld, Antônio Elmo Martins, Décio Casarin, Elysette Lima da Silva, Jane Rodrigues, Margaret Souza de Joode, Maria Cristina Frascaroli, Silvio Lopes, Teresinha Mello da Silveira. A revista encontra-se assim afinada com a necessidade de preservar e apresentar a história da Gestalt-Terapia no Brasil, sendo parte integrante de um projeto maior de constituir um centro de desenvolvimento e transmissão de conhecimentos em Gestalt-Terapia, proposta acalentada pelo IGT. No que diz respeito à produção escrita, a Revista apresenta poucos artigos que falam mais de perto da história da abordagem, entre os quais se encontram “Pela semente, pelo fruto, pela planta, nossa gratidão...” (FRAZÃO, 2004); “Gestalt, literatura e “literatura gestáltica”: expressionismo, contracultura e narrativas autobiográficas” (SÁ JUNIOR, 2009) e “Paul Goodman e os outros caminhos da Gestalt” (SÁ JUNIOR, 2009). Finalmente, a Revista da Abordagem Gestáltica apresenta como característica a publicação de muitos trabalhos que apresentam uma orientação fenomenológica e existencial, fundamentação da Gestalt-Terapia e ponto de interlocução com algumas 110 outras abordagens que compartilham desta mesma fundamentação. Dois anos após o lançamento da revista, encontramos no editorial do v. 14, n. 1, de junho de 2008, a justificativa para o fato. Nele lê-se que a Revista tem como proposta projetar o primeiro periódico científico que pudesse acolher tanto a produção em Gestalt-Terapia e Abordagem Gestáltica, bem como ser um veículo de divulgação para a Fenomenologia e as Abordagens Humanistas. Neste sentido, a revista traz a contribuição de representantes do pensamento fenomenológico, seja a partir de elaborações teóricas dentro deste referencial filosófico, seja em suas mais diversas aplicações enquanto metodologia. A revista apresenta diversas seções, tais como: Artigos; Ensaios; Textos Clássicos; Diálogos (Im) Pertinentes; a seção Resenhas, com apresentação de livros na abordagem gestáltica; Perfil, de personagens importantes na história da Gestalt-Terapia brasileira, como Thérèse Amelie Tellegen (2006), Paulo Eliezer Ferri de Barros (2007) e Décio Casarin (2008); e finalmente a seção Dissertações e Teses, que divulga trabalhos de pós-graduação que tem foco na Gestalt-Terapia e ainda trabalhos de orientação fenomenológica em geral. Em relação a artigos que falem mais de perto sobre a história da Gestalt-Terapia registrou-se o texto de Walter Ribeiro, fruto de um trabalho originalmente apresentado no IV Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, ocorrido em Recife, em 1993 e intitulado “Gestalt-terapia no Brasil: recontando a nossa história” (RIBEIRO, 2007). O somatório total dos artigos publicados em periódicos específicos e que trazem a temática da Gestalt-Terapia resultou em 500 títulos, distribuídos pelos 9 periódicos enfatizados. Considerando-se o período de tempo destes periódicos – 20 anos – pareceu-nos revelar uma forte tendência à elaboração escrita em Gestalt-Terapia. 3.1.2. A publicação de Gestalt-Terapia em periódicos em geral A pesquisa sobre os artigos em Gestalt-Terapia e/ou na abordagem gestáltica publicadas em periódicos em geral foi realizada a partir de pesquisa ao site 111 http://www.bvs-psi.org.br/php/index.php, da BVS Psicologia ULAPSI Brasil. A busca foi conduzida a partir de duas palavras-chave: Gestalt-Terapia e Abordagem Gestáltica. A base do Portal Nacional BVS Brasil em Saúde apresenta o seguinte descritor para a palavra-chave Gestalt-Terapia: Forma de psicoterapia que enfatiza o interjogo do organismo com o ambiente. A conscientização e o amadurecimento, assim como o desenvolvimento da auto-confiança, são básicos para esta terapia. É importante salientar que o site consultado apresenta as produções em GestaltTerapia em suas mais diversas modalidades, pois aborda livros, dissertações e teses, além de artigos. Contudo, o que se pôde constatar é que existem muito mais títulos, de modo que não se pode dizer que o site apresenta um retrato fiel da produção na área40. A análise dos títulos dos artigos resultou na identificação de 59 artigos de Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestátlica, distribuídos por diversos periódicos41. Alguns artigos que constavam da relação oferecida pela base de dados não foram considerados, por se avaliar que não enfocavam de fato a Gestalt-Terapia ou a Abordagem Gestáltica, como por exemplo, o título “interpretação e intersubjetividade: algumas considerações”, publicado na Revista Brasileira de Psicanálise v. 38 n. 2, ano 2004. Foram excluídos deste levantamento ainda os artigos de Gestalt-Terapia publicados em periódicos específicos, por fazerem parte do levantamento anterior já citado. Portanto, os 59 títulos foram selecionados dentre muitos outros, inclusive produção em língua estrangeira, que constavam da relação. Outros artigos, mesmo que apresentassem o termo gestalt, referiam-se a estudos teóricos relacionados a aspectos exclusivos da Psicologia da Gestalt, como é o caso do artigo “A relação figura fundo e as estruturas infra-lógicas na construção da identidade psicossocial de pessoas com 40 Este comentário se torna evidente quando se considera, por exemplo, os livros e dissertações e teses no referencial gestáltico. No que diz respeito aos artigos, sabe-se que o site é restrito aos periódicos que dele procuram fazer parte e aceitam suas regras, o que diminui seu alcance. 41 Alguns artigos que constavam da relação oferecida pela base de dados não foram considerados, por se avaliar que não enfocavam de fato a Gestalt-Terapia ou a Abordagem Gestáltica, como por exemplo, o título “interpretação e intersubjetividade: algumas considerações”, publicado na Revista Brasileira de Psicanálise 38 (2), ano 2004. Foram excluídos deste levantamento ainda os artigos de Gestalt-Terapia publicados em periódicos específicos, por fazerem parte do levantamento anterior já citado. Portanto, os 60 títulos foram selecionados dentre tantos outros, inclusive produção em língua estrangeira, que constavam da relação. Outros artigos, mesmo que apresentassem o termo gestalt, referiam-se a estudos teóricos relacionados a aspectos exclusivos da Psicologia da Gestalt, como é o caso do artigo “A relação figura fundo e as estruturas infra-lógicas na construção da identidade psicossocial de pessoas com transtornos severos do comportamento, de autoria de Elizabete Villibor Flory e Zélia Ramozzi-Chiarottino, publicado no Boletim de Psicologia, 2006, v. LVI, n. 125:171-187. 112 transtornos severos do comportamento”, de autoria de Elizabete Villibor Flory e Zélia Ramozzi-Chiarottino, publicado no Boletim de Psicologia, 2006, v.56, n.125, p.171-187. Realizou-se uma catalogação dos artigos encontrados, considerando o período de publicação e foi possível observar o crescimento gradativo de publicações. Além disso, considerou-se o periódico que recebeu artigos no referencial gestáltico, tendo sido possível observar que a abordagem gestáltica foi cada vez mais se disseminando a partir de publicações em periódicos variados. Os dados podem ser verificados no quadro 3 e gráficos 1 e 2 apresentados a seguir. Período De 1971 a 1975 De 1976 a 1980 De 1981 a 1985 De 1986 a 1990 Nº de Artigos 1 Distribuídos por quantas Revistas? 1 Em quais Revistas houve publicações? __ __ __ __ __ __ 3 3 Boletim de Psicologia (1) Psicologia Argumento (1) Arquivos Brasileiros de Psicologia (1) Revista de Psicologia Plural (1) De 1991 a 10 4 Revista de Psicologia Plural (5) 1995 Revista de Psicologia (Fortaleza) (2) Arquivos Brasileiros de Psicologia (2) Boletim de Psicologia (1) De 1996 a 9 6 Revista de Psicologia (Fortaleza) (1) 2000 Arquivos Brasileiros de Psicologia (2) Estudos de Psicologia (Campinas) (2) Psicologia: Ciência e Profissão (1) Psique (Belo Horizonte)(1) Revista Brasileira de enfermagem (2) De 2001 a 12 7 Estudos e Pesquisas em Psicologia (1) 2005 Psicologia Ciência e Profissão (4) NUFEN (3) Estudos de Psicologia (Campinas) (1) Arquivos Brasileiros de Psicologia (1) Viver Psicologia (1) Revista Psicologia: Organização e Trabalho (1) De 2006 a 24 9 Estudos e Pesquisas em Psicologia (16) 2010 Estudos de Psicologia (Campinas) (1) Paidéia (1) Psicologia: teoria e pesquisa (1) Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste (1) Comunicação em Ciências da Saúde (1) Psicologia em Estudo (1) Fractal (1) Contextos Clínicos (1) Quadro 3 – Artigos publicados em periódicos em geral por período de publicação Fonte: ESCH, 2012 113 Quantidade de Artigos 30 25 20 15 10 5 0 De De De De De De De De 1971 a 1976 a 1981 a 1986 a 1991 a 1996 a 2001 a 2006 a 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Gráfico 1 - Artigos publicados por período Fonte: ESCH, 2012 Quantidade de Revistas 12 10 8 6 4 2 0 De De De De De De De De 1971 a 1976 a 1981 a 1986 a 1991 a 1996 a 2001 a 2006 a 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Gráfico 2: Periódicos que publicaram sobre Gestalt-Terapia por período Fonte: ESCH, 2012 O próximo eixo de análise diz respeito aos periódicos que publicaram artigos em Gestalt-Terapia. Neste aspecto, verificou-se um total de 20 períódicos distintos, dos quais 17 são específicos de Psicologia. O levantamento encontrou ainda artigos vinculados a periódicos na área de Enfermagem (Revista Brasileira de Enfermagem que responde por dois artigos e Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, que contém um artigo) e um periódico vinculado à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, por meio da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, intitulado Comunicação em Ciências da Saúde. O quadro 4 apresentado a seguir identifica a 114 vinculação destes periódicos, assim como o número total de artigos de Gestalt-Terapia recebidos pelos mesmos, seguidos do ano de publicação. Revista Boletim de Psicologia Psicologia Argumento Arquivos Brasileiros de Psicologia Revista de Psicologia Plural Revista de Psicologia (Fortaleza) Psicologia: Ciência e Profissão Estudos de Psicologia (Campinas) Psique (Belo Horizonte) Revista Brasileira de Enfermagem Revista do NUFEN – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas Viver Psicologia Revista Psicologia: Organização e Trabalho (RPOT) Estudos e Pesquisas em Psicologia Paidéia (Ribeirão Preto) Vinculação/Origem/local Associação de Psicologia de São Paulo Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curso de Psicologia Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Ciências Humanas da Universidade FUMEC (Belo Horizonte) Universidade Federal do Ceará Conselho Federal de Psicologia Programa de PósGraduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Belo Horizonte Associação Brasileira de Enfermagem Universidade Federal do Pará – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Revista do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Quantos artigos 2 Ano de publicação 1972;1991 1 1986 6 1989;1994;1995; 1999;2000;2004 1990;1991 (4 publicações) 6 3 1993;1994;1997 5 1996;2002; 2004 (2 publicações); 2005 1998;1999;2005; 2007 4 1 2 1999 1999;2000 3 2003;2005 (2 publicações) 1 1 2004 2005 17 2005;2006; 2007 (2 publicações); 2009 (13 publicações) 2006 1 115 Psicologia: Teoria e Pesquisa Fractal: Revista de Psicologia Comunicação em Ciências da Saúde REVRENE – Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste Psicologia em Estudo Contextos Clínicos TOTAL de Ribeirão Preto Universidade de Brasileira, Instituto de Psicologia Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia. Título antigo: Revista do Departamento de Psicologia. UFF Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde. O nome antigo da revista é Revista de Saúde do Distrito Federal Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste Universidade Estadual de Maringa, Departamento de Psicologia Programa de PósGraduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinus) 20 revistas 1 2007 1 2008 1 2008 1 2008 1 2009 1 2010 59 artigos Quadro 4 – Vinculação dos periódicos que publicaram artigos sobre Gestalt-Terapia Fonte: ESCH, 2012 O Boletim de Psicologia foi o primeiro periódico a publicar artigo de GestaltTerapia, o de autoria de Tellegen, intitulado “Elementos de Psicoterapia Guestáltica” e considerado o texto responsável pela introdução da Gestalt-Terapia no Brasil. Após um longo período sem produção em periódicos, o jejum é rompido pelo artigo “Uma pitadinha de Gestalt”, publicado na Psicologia Argumento, em 1986, por Maria Rita Franco de Souza. Ainda nesta década, no ano de 1989, houve a publicação de um artigo nos Arquivos Brasileiros de Psicologia, por Simone Garcia Simões, intitulado “Gestalt-Terapia: a terapêutica da comunicação humana”. Cabe assinalar que, considerando os dados aos quais se teve acesso, os autores citados só tiveram esta produção em Gestalt-Terapia. 116 O mesmo acontece na década seguinte, com os autores que publicaram seus artigos na Psicologia Plural, nos anos de 1990 e 1991. No ano de 1990, Salim Zaidam é autor de ”O conceito de doença em Gestalt-Terapia” e publica no ano seguinte “O corpo presente em Gestalt-Terapia”. O ano de 1991 trouxe uma contribuição significativa da Psicologia Plural, com a presença de 5 artigos em Gestalt-Terapia, tendo sido a revista que mais publicou nesta década. Ao acessar a revista, verificou-se que neste ano ela foi integralmente dedicada à Gestalt-Terapia, sendo seus artigos derivados de um seminário denominado “20 anos sem Frederick Perls”. Na apresentação desta edição lê-se “o seminário foi a confirmação de uma abordagem terapêutica, que até poucos anos era considerada uma ‘psicologia alternativa’ e hoje já ocupa um espaço de relevância dentro das ciências ‘psi’” (p.1). Considerou-se curioso o fato de que, sendo esta revista uma das primeiras a publicar artigos de Gestalt, e apresentando uma produção significativa, tenha sua contribuição restrita a estes dois anos. Da mesma forma chama a atenção que seus autores não tenham sido mais encontrados em outras produções em Gestalt-Terapia. Ainda no ano de 1991, o Boletim de Psicologia publica artigo de Maria Regina de Souza Godeli, intitulado “Deflexão, deslocamento e conflito: uma comparação de conceitos”, contudo não se encontrou registro de outras produções da autora. No período de 2001 a 2005, a revista que responde por mais publicações em Gestalt-Terapia é a Psicologia: Ciência e Profissão, com 4 títulos de um total de 12 levantados neste período, seguida da Nufen, com 3 títulos, de modo que ambas concentram a maior parte da produção deste período. Por sua vez, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Viver Psicologia e Psicologia: Organização e Trabalho inauguram a produção em Gestalt, cada uma respondendo por um artigo no período. Porém, destas, apenas a primeira se manterá publicando neste referencial no período seguinte, no qual, adiantamos, alcançará lugar de destaque na produção da abordagem gestáltica. Por fim, o período de 2006 a 2010 apresenta supremacia de Estudos e Pesquisas em Psicologia, que concentra 16 títulos dos 25 catalogados no período. Isto se deveu à dedicação de um número desta revista a um dossiê sobre a abordagem gestáltica, em seu volume 9, no ano de 2009. No editorial encontramos comentário que 117 sinaliza a expansão da Gestalt-Terapia para outros contextos que não o clínico, demonstrando uma análise acurada do processo porque passou a Gestalt-Terapia em seu desenvolvimento no Brasil: A denominação deste dossiê fala de uma perspectiva de entendimento do mundo que vai além da delimitação clínica, à qual o termo está constantemente ligado, a GestaltTerapia, contendo, também, artigos que tratam da utilização dessa concepção teórica como base para a observação e o estudo de outras áreas de saber (p. 5). A exemplo do período anterior, a produção se amplia para um número expressivo de periódicos, que recebem pela primeira vez títulos no referencial gestáltico, ainda que com apenas única produção cada. O grafíco 3 apresentado abaixo identifica os periódicos que mais se destacaram em publicações em Gestalt-Terapia e/ou na abordagem gestáltica. Por sua vez, é bastante significativo o número de periódicos que contém uma única publicação, conforme pode ser observado na mesma ilustração. 118 Gráfico 3 – Periódicos que publicaram Gestalt Fonte: ESCH, 2012 O apêndice 6 traz a lista dos 59 títulos encontrados, distribuídos por período e por periódico. Apresentamos no quadro 5 abaixo o quantitativo de artigos de Gestalt-Terapia publicados em periódicos em geral, classificados por período e distribuídos por periódicos. 119 Revistas Boletim de Psicologia Psicologia Argumento Arquivos Brasileiros de Psicologia Revista de Psicologia Plural Revista de Psicologia (Fortaleza) Estudos de Psicologia (Campinas) Psicologia: Ciência e Profissão Psique (Belo Horizonte) Revista Brasileira de Enfermagem Revista do NUFEN – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas Viver Psicologia Revista Psicologia: Organização e Trabalho (RPOT) Estudos e Pesquisas em Psicologia Paidéia (Ribeirão Preto) Psicologia: Teoria e Pesquisa REVRENE - Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste Comunicação em Ciências da Saúde Psicologia em Estudo Fractal: Revista de Psicologia Contextos Clínicos Total 19711975 1 19861990 19911995 1 19962000 1 1 2 2 1 5 2 20012005 3 10 Total 2 1 6 1 6 1 3 2 1 1 4 1 4 5 1 1 2 2 3 3 1 1 1 1 1 1 20062010 9 12 16 17 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 24 1 59 Quadro 5 – Periódicos que publicaram artigos sobre Gestalt-Terapia – classificação por período Fonte: ESCH, 2012 120 3.1.3 A produção de dissertações e teses com o referencial gestáltico Considerando a produção escrita em Gestalt-Terapia, a categoria “Dissertações e Teses” já recebeu atenção em estudo de Holanda e Karwowski (2004) e Holanda (2009). Ao analisar os trabalhos mencionados, é interessante observar que ao termo “Gestalt-Terapia” que consta do título do primeiro trabalho, foi acrescentado o termo “Abordagem Gestáltica”, em sua segunda versão, observando-se mais uma vez a tendência de se estender os princípios da Gestalt-Terapia para além do âmbito clínico, o que, por sua vez, evidencia claramente o processo porque passou a Gestalt-Terapia no Brasil. Além disso, Karwowski (2005), no capítulo “Breve reconstituição histórica da Gestalt-Terapia”, apresentou a relação de dissertações e teses que abordaram a Gestalt-Terapia ou a utilizaram como referência e que foram defendidas no Brasil até o primeiro semestre de 2005. O trabalho de Holanda (2009) compreendeu os anos de 1982 – data da primeira dissertação de mestrado em Gestalt-Terapia – a 2008, e considerou as dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas por programas de pós-graduação no Brasil, e que tiveram como base de referência a Gestalt-Terapia e/ou a Abordagem Gestáltica. A pesquisa conduzida pelo autor resultou na catalogação de 51 títulos, sendo 41 trabalhos de mestrado e 10 de doutorado. Já o levantamento conduzido para a presente dissertação encontrou 70 títulos, entre os quais 57 são dissertações e 13 são teses. Os títulos foram obtidos, em sua maioria, na base Portal Capes, a partir do banco de teses que faz parte do Portal de Periódicos da Capes/MEC. Foram utilizados como palavras-chaves os termos “GestaltTerapia” e “Abordagem Gestáltica”. A busca resultou de 41 dissertações de mestrado e 10 teses de doutorado para o termo “Gestalt-Terapia”, e 13 dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado para o termo “Abordagem Gestáltica”42. O levantamento a partir da palavra-chave “abordagem gestáltica” trouxe títulos que já constavam do primeiro 42 Do levantamento efetuado com o termo “abordagem gestáltica”, dois títulos não foram considerados, pois tinham suas referências na abordagem da Psicologia da Gestalt, de modo exclusivo, e não continham qualquer relação com a Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica. Foram eles: “Repensando a percepção musical: uma proposta através da música popular brasileira” e “A relação figura-fundo e as estruturas infra-lógicas na construção da identidade psicossocial de pessoas com transtornos severos do comportamento”. 121 levantamento, tendo o somatório das duas buscas resultado em 58 títulos, entre os quais 47 dissertações de mestrado e 11 teses de doutorado. Compararando-se o levantamento obtido com os estudos anteriores citados (Holanda e Karwowski, 2004; Karwowski, 2005; Holanda, 2009), outros 11 títulos foram adicionados, sendo 9 dissertações e 2 teses43. Por outro lado, alguns títulos considerados por estes autores, foram excluídos deste levantamento 44. A seção “Dissertações e Teses” da Revista da Abordagem Gestáltica completou nosso levantamento, acrescentando-nos um título45. Assim, nossa busca finalizou com um total de 70 produções, sendo 57 dissertações de mestrado e 13 teses de doutorado. Com estes dados, procurou-se analisar algumas informações consideradas relevantes para um mapeamento da história da Gestalt-Terapia no Brasil, tendo como eixo norteador, aqui, a sua difusão por programas de Pós-Graduação, e o crescimento que a abordagem gestáltica foi gradativamente obtendo no meio acadêmico, a partir da produção progressiva e constante na área. Considerou-se ainda, os orientadores de tais trabalhos. O apêndice 7 apresenta a distribuição da produção por Programas de Pós-Graduação e ano. O Apêndice 8 apresenta, por sua vez, os títulos dos trabalhos, seus autores, ano de defesa, orientadores, divididos por períodos e por programas de Pós-Graduação. O quadro 6 abaixo, por sua vez, apresenta uma síntese das informações obtidas. 43 Foram incluídos em nosso levantamento, por apresentarem produções no referencial gestáltico, mas que não constavam do banco de teses da Capes: Tellegen (1982); Frazão (1983); Porto (1989); Quadros (1991); Kiyan (1998); Cardella (1998); Lilienthal (2004); Bonmann (2001) e Costa (2002); Fittipaldi (2007); Alvim (2007). 44 Aqui é importante esclarecer que não se considerou alguns títulos citados por estes autores, pois apesar de consistirem em trabalhos realizados por profissionais de Gestalt-Terapia, não cumpriam as exigências do presente estudo, que eram: conter em suas palavras-chaves, resumo ou título o termo Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica. Foram os casos dos trabalhos de mestrado de Moraes (1995), Silveira (1998), Pinto (2002) que tinham respectivamente os seguintes títulos: O êxtase – uma abordagem do ponto de vista da psicologia clínica e das religiões; A construção criativa na vida do casal: limites e possibilidades; Orientação sexual na escola e religião: um encontro não confessado. A tese de doutorado de Moraes (2002), “Trabalhando com os fenômenos religiosos e espirituais: uma proposta metodológica para avaliação da experiência de ampliação de consciência no processo grupal”, e a de Holanda (2002) “O resgate da fenomenologia de Husserl e a pesquisa em psicologia” também não foram computadas pelo mesmo motivo. 45 Trata-se do trabalho de Simões (2008). 122 Período Quantas dissertações? Quantas teses? Distribuídas por quantos programas? Quais programas? De 1982 a 1985 De 1986 a 1990 2 __ 1 Psicologia, Universidade de São Paulo (2) 4 __ 4 Psicologia, Universidade de São Paulo (1) Psicologia, Universidade de Brasília (1) Psicologia, Fundação Getúlio Vargas (1) Educação, Universidade Federal do Ceará (1) De 1991 a 1995 7 2 7 Psicologia, Universidade de São Paulo (2) Psicologia, Universidade de Brasília (1) Educação, Universidade Federal do Ceará (1) Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (2) Psicologia (da Saúde). Metodista de São Paulo (1) Universidade Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1) Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1) De 1996 a 2000 12 __ 9 Psicologia, Universidade de São Paulo (3) Psicologia, Universidade de Brasília (1) Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (2) Psicologia (da Saúde), Metodista de São Paulo (1) Universidade Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1) De 2001 a 2005 19 7 16 Psicologia, Universidade São Marcos, São Paulo (1) Filosofia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1) Educação. Universidade Paulista, São Paulo (1) Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo (1) Psicologia, Universidade de São Paulo (1) Psicologia, Universidade de Brasília (6) Educação. Universidade Federal do Ceará (1) Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (2) Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2) Psicologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1) 123 Comunicação Social. Pontifícia Univ. Cat. do Rio Grande do Sul (1) Psicologia (Clínica). Universidade Católica de Pernambuco (4) Ergonomia. Universidade Federal de Santa Catarina (1) Educação. Universidade Católica de Goiás (1) Psicologia (Clínica). Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1) Educação. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1) Enfermagem. Universidade Federal do Ceará (1) Psicologia. Universidade Católica de Goiás (1) Filosofia. Univ. Fed. de Santa Catarina (1) Educação. Univ. Fed. de Sta Catarina (1) De 2006 a 2010 13 4 9 Psicologia, Universidade de Brasília (3) Educação. Universidade Federal do Ceará (1) Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de SP (1) Comunicação Social. Pontifícia Univ. Cat. do Rio Grande do Sul (1) Ciências da Religião. Pontifícia Univ. Católica de São Paulo (1) Psicologia. Universidade Católica de Goiás (3) Psicologia Clínica e Social. Universidade Federal do Pará (5) Teatro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1) Educação. Universidade Federal do Espírito Santo (1) Quadro 6 – Dissertações e Teses em Gestalt-Terapia por Programa de Pós-Graduação Fonte: ESCH, 2012 Analisando cada período de tempo, observamos um crescimento progressivo e, à medida em que a produção aumenta, verifica-se também uma diversificação dos programas de pós-graduação. Assim, o primeiro período enfocado, que vai de 1982 a 1985, presencia um surgimento tímido da Gestalt-Terapia, representado por dois trabalhos produzidos na Universidade de São Paulo. O período seguinte (1986 a 1990) anuncia já uma significativa difusão, se considerarmos o registro de quatro trabalhos, distribuídos por quatro instituições distintas, e, o que é bastante elucidativo, quatro diferentes estados 124 brasileiros: Brasília, Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo. Este período marca ainda o primeiro trabalho defendido em outra área de conhecimento que não a psicologia. Estamos nos referindo ao trabalho de Ana Maria Monte Coelho Frota, “Psicoterapia e consciência social”, defendido na área da Educação, pela Universidade Federal do Ceará. Esta área, nesta instituição, manterá presença constante na produção da abordagem gestáltica, conforme pode ser observado no apêndice 7, que traz um mapa síntese da produção por períodos e por programas de Pós-Graduação. Aqui mais uma vez, observamos a presença da Gestalt-Terapia no eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Brasília, eixo a partir do qual esta abordagem conheceu sua difusão e expansão para todo o território nacional. A seguir, enfocando o período que vai de 1991 a 1995, vemos surgir as primeiras teses de doutorado no referencial gestático, nos anos de 1992 e 1993. Trata-se dos trabalhos de Ana Maria Loffredo, intitulado “De cotovelos apoiados no pára-peito da palavra: no cenário clínico, qual é o horizonte?”46, pela Universidade de São Paulo e de Wilma Lucia Castro Diniz Cardoso, sob o título “O homem e sua experiência com o abortamento provocado da parceira”, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Observa-se uma concentração de trabalhos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, embora Brasília se mantenha presente computando um trabalho no período que vai de 1991 a 1995. É importante assinalar que esta é uma tendência que se manterá no período seguinte. No decorrer da década de 1990, ainda temos registrada a presença da GestaltTerapia também nos estados do Ceará e Rio Grande do Sul. Isto nos permite dizer que, a esta altura, a abordagem gestáltica se difundira pelo meio acadêmico, se fazendo presente nas regiões sudeste, centro-oeste, nordeste e sul. O final da década de 1990 assiste a interlocução da Gestalt-Terapia com outras áreas do conhecimento, como pode ser verificado por trabalhos defendidos nas áreas da filosofia, com Cavanellas, (1998) e das Ciências da Religião, representada por Santos (1999), e ainda, expandindo a presença na área da educação, desta vez na Universidade Paulista. 46 Este trabalho dá origem ao livro “A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt-Terapia”, publicado pela Editora Escuta, em 1994. 125 Na década de 2000, a distribuição de trabalhos de pós-graduação apresentou novas tendências, a partir da proeminência alcançada pela Universidade de Brasília no que diz respeito à produção em Gestalt-Terapia, superando a região sudeste, que passa a participar com menos trabalhos. Um retrato do período indica a manutenção da produção nas regiões sul e nordeste do Brasil, além do despontar da região Norte, contribuindo com seus primeiros trabalhos. No que diz respeito ainda à concentração de trabalhos, outros centros surgem na história da abordagem, como uma quantidade significativa de trabalhos, como foi o caso do Programa de Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco, com 4 trabalhos no período de 2001 a 2005, embora não tenha ocorrido produção no período seguinte. No período que vai de 2006 a 2010, observou-se a presença de novas instituições que, acreditamos, poderão vir a revelar-se como locais promissores para o desenvolvimento de novos trabalhos no referencial gestáltico. É o caso do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Católica de Goiás, que contribuiu com três trabalhos e do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal do Pará, com 5 trabalhos. O final da década de 2000 assiste ainda ao primeiro trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. É ainda na década de 2000 que outras áreas do saber registram trabalhos no referencial gestáltico, como se pode observar pelos Programas de Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, nos anos de 2001 e 2007; Ergonomia, da Universidade Federal de Santa Catarina, no ano de 2001; Enfermagem, da Universidade Federal do Ceará, no ano de 2004; e finalmente, a área de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2007. As áreas de Educação, Filosofia e Ciências da Religião continuam produzindo trabalhos sob o referencial gestáltico. Com o objetivo de ilustrar o crescimento da produção em cada qüinqüênio citado apresentamos o gráfico 4 abaixo: 126 30 25 20 15 10 5 0 De 1981 a 1985 De 1986 a 1990 De 1991 a 1995 De 1996 a 2000 De 2001 a 2005 De 2006 a 2010 Gráfico 4 – Quantitativo de Dissertações e Teses por período Fonte: ESCH, 2012 Os dados apontam para um crescimento gradativo nos primeiros cinco períodos de tempo definidos, sendo que a produção do período de 2001 a 2005 representa o dobro da produção do período anterior, indicando este período como o mais significativo numericamente no que diz respeito aos trabalhos de pós-graduação. É neste intervalo de tempo que se concentra a maior parte das teses em Gestalt-Terapia, 7 trabalhos, de um total de 13. O período seguinte, apesar de apresentar uma diminuição, é superior ao período de 1996 a 2000, o que nos leva a considerar os anos de 2001 a 2005 como sinalizando um pico de produção de caráter atípico. No que diz respeito à distribuição dos trabalhos de pós-graduação, considerando os diversos programas de universidades nacionais, constatou-se que 27 programas acolheram trabalhos com o referencial da Gestalt-Terapia e/ou da abordagem gestáltica. O gráfico 5 abaixo oferece-nos um indicativo da quantidade de trabalhos defendidos por programas e pode ser considerado um retrato da situação atual da abordagem no meio acadêmico. 127 14 12 10 8 6 4 2 Ps ic ol og Ps Ps ia ic ,U ic ol Ps o og ni lo ic ve g i ol a. ia rs og ,U U id ia ni ad n ve C iv e lín er rs de id si ic d ad a Br ad e e as e S Fe íli oc d e a de ia Sã l. ra Ed Ps U o l do uc ni Pa ic v aç ol er R ul Ps og i ã o s o o. ic id ia de ol ad U C og ni Ja e lín ve ia Fe ne ic rs (C de a. i ro i d lín P ra ad on ic l e do a) t. Fe .U U Pa de ni ni rá v. ra ve C ld rs at Ps id o Ps ól ic ad C ic ic ol ea a e ol og d rá C og e ia at ia Sã .U ól Ps ic (d o ni a ic a Pa ve d o S C e lo rs ul aú om gi id Pe o de a. ad un rn ). U e am ic U ni C aç ni ve at bu v ão ó rs .M co lic id So a et ad de ci od Ps e al is do G ic .P ta oi ol E o ás og de nt st .U ad ia Ps Sã ,F o ni ic o un do v. ol Pa og da C R ul at ia io çã o .d .U de o o ni G Ja R ve et io ne úl rs Ps G io id iro ra ic a V nd ol de ar og ga e Fe Fi ia do s, lo de .U R so S ra io ni ul fia ld v de er .U o s Ja R id ni io ad ve ne G C r i e r s ra iê o id Sã nc nd Ed ad o ia e uc e M s do do aç ar da co Su ão E R s s .U l el ta ,S ig do ni ão iã Er ve do o. Pa go rs U R id ul no ni io ad o ve m de e ia rs Pa .U id Ja ad ul ne ni is e ve iro ta M rs , e id Sã to Ed Ps ad di o uc ic e s P t ol Fe au a aç og de lo ão de Ed ia .U Sã ra uc (C ld o ni aç lín e ve Pa ic ão S rs ul a) an .P id o .P ta ad on on C e tif at t. C íc ar U at ia n i ól na iv U ic .C En ni a ve de fe at rs rm ól G id ic Fi ag oi ad a lo ás em de so e C fia .U C at am .U ól ni Ed i v n c p er uc a iv in si er de as aç da si C ão C da de iê am .U nc de Fe pi ni ia F d n ve s ed er as Te da rs al er at id R al do ro ad el de .U ig e C ea iã ni F S ed o. an ve rá er Po rs ta al id C nt ad de at .U Ed ar e Sa ni Fe in uc v. a nt de aç C a at ra ão C ól ld at .U ic ar o a ni in Es ve de a ta rs Sã do id o ad do Pa e R Fe ul io o de de ra Ja ld ne o Es iro pí rit o S an to 0 Gráfico 5 – Programas de Pós-Graduação com Dissertações e Teses no referencial gestáltico Fonte: ESCH, 2012 Observa-se que a Universidade de Brasília concentra a maior parte dos trabalhos em Gestalt-Terapia, seguida da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A esta constatação segue a necessidade de conhecer quem são os orientadores desses trabalhos, informação que é de fundamental importância para explicar o ranking de Programas de Pós-Gradução que possuem destaque na produção no referencial gestáltico. Vemos que a Universidade de Brasília reúne a maior parte de sua produção em torno de Jorge Ponciano Ribeiro, responsável por orientar nove (9) dos doze (12) trabalhos na área. Na Universidade de São Paulo, verifica-se a que a maior parte da produção encontra-se vinculada à professora Henriette Tognetti Penha Morato, embora de modo bem mais diluído, já que a mesma é responsável por três (3), dos nove (9) trabalhos oriundos desta instituição. Encontramos o nome da profª. Henriette também vinculado à Universidade Católica de Pernambuco, com dois trabalhos. Neste caso, pode-se entender que o eixo de ligação entre esta profissional e os profissionais da abordagem gestáltica é o referencial fenomenológico adotado. Além disso, aqui podemos verificar a proximidade teórica entre a Gestalt-Terapia e a abordagem centrada na pessoa, presente desde a chegada da Gestalt-Terapia ao Brasil, como já pudemos enfatizar. Por fim, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, os trabalhos se 128 concentram em torno da professora Élida Sigelmann de forma quase absoluta já que a mesma foi a orientadora de cinco (5), dos seis (6) trabalhos produzidos. Destes três orientadores citados, apenas Jorge Ponciano Ribeiro é filiado ao referencial teórico da abordagem gestáltica, o que talvez explique o crescimento e a posição de destaque que a Universidade de Brasília foi adquirindo, principalmente na década de 2000. Na década de 2000 outros profissionais, intitulados gestaltistas, assumem a posição de orientadores, como Adriano Furtado Holanda e Adelma Pimentel, o que pode ser um indicativo de continuidade e crescimento de trabalhos no referencial gestáltico nos Programas nos quais estes professores encontram-se vinculados. Analisando neste momento a concentração de trabalhos por regiões e estados do Brasil, utilizamo-nos do gráfico 6 para apresentar a distribuição de dissertações e teses por regiões do Brasil e do gráfico 7 para apresentar a distribuição destes trabalhos por estados brasileiros. Quantidade Sudeste Centro-Oeste Nordeste Sul Norte Gráfico 6 – Distribuição de Dissertações e Teses por regiões do Brasil Fonte: ESCH, 2012 A Região Sudeste concentra 47,14 % da produção nacional, significando que praticamente a metade da totalidade dos trabalhos encontram-se nesta parte do país. Do restante da produção, observamos que recebe destaque a região Centro-Oeste, com 24,28 % da produção. A região Nordeste, por sua vez, responde por 12, 86 da produção nacional, enquanto as regiões Norte e Sul contribuem com pequena quantidade, porém equilibradas entre si, 7,14 cada. 129 No que diz respeito à concentração de trabalhos por unidades federativas, observamos a seguinte configuração: Gráfico 7 – Distribuição de Disertações e Teses por Estados brasileiros Fonte: ESCH, 2012 Os trabalhos de pós-graduação que fizeram parte deste levantamento encontram-se no apêndice 8 desta dissertação. O presente capítulo concentrou-se em apresentar a produção escrita no referencial gestáltico, a partir do surgimento de periódicos específicos em GestaltTerapia e/ou na abordagem gestáltica, dos artigos publicados em periódicos em geral e, por fim, a partir das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas sob este enfoque. No capítulo seguinte ocuparemo-nos da análise da produção escrita em GestaltTerapia e/ou na Abordagem Gestáltica, considerando as três categorias já enfatizadas aqui. Buscaremos uma análise e compreensão dessa produção no contexto da história e desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil. Além disso, consideraremos os autores desses trabalhos, buscando relacionar a sua produção por eixos temáticos, procurando considerar e relacionar esta produção a partir das categorias em questão: “periódicos específicos”, “periódicos em geral” e “dissertações e teses”. Com isso, esperamos poder identificar os rumos adotados e caminhos percorridos pela Gestalt-Terapia e Abordagem Gestáltica no Brasil. 130 4 OS RUMOS DA GESTALT-TERAPIA NO BRASIL: DA GESTALT-TERAPIA À ABORDAGEM GESTÁLTICA Anos 60 passados, a verdade é que tanto a física moderna, as filosofias orientais como a abordagem dialógica de Martin Buber [...] falam da unidade de todas as coisas, da importância de nos redescobrirmos como manifestação da energia universal, e desta forma redescobrirmos nossas ligações com os ventos, as estrelas, as marés, a natureza, estendendo nossa awareness para além de nossos limites pessoais, ampliando nosso sentido de fronteiras para onde ‘eu sou eu mas também sou tu, e tu és tu mas também sois eu’ (CIORNAI, 1991b, p. 6). Neste capítulo pretendemos analisar a produção brasileira em Gestalt-Terapia e/ou na abordagem gestáltica, considerando as três fontes eleitas para este estudo: artigos publicados em periódicos em geral, artigos publicados em periódicos específicos de Gestalt-Terapia e dissertações e teses que trazem o referencial gestáltico como foco central de seus trabalhos. Daremos ênfase às tendências temáticas verificadas e buscaremos relacionar os dados encontrados com o momento da Gestalt-Terapia no Brasil, seu desenvolvimento, bem como com as transformações e demandas no âmbito da psicologia como ciência e prática. O tão citado artigo inaugural pelo qual a Gestal-Terapia foi apresentada no Brasil, “Elementos de Psicoterapia Guestaltica” (TELLEGEN, 1972, p. 31), traz um panorama bastante claro da abordagem, conforme comentamos anteriormente. Apresenta as fontes da Gestalt-Terapia, considerando estas terem sido três, a partir das influências sofridas por Frederick Perls, considerado no artigo “o pai da técnica”: a psicanálise, Kurt Goldstein e sua visão organísmica e, por fim, a filosofia existencial, através do contato de Perls com Martin Buber e J. Tillich. Aqui, vemos, portanto, a predominância absoluta da figura de Perls como fundador da Gestalt-Terapia, além da associação com o aspecto técnico de modo exclusivo. O artigo percorre ainda alguns dos princípios básicos da Gestalt-Terapia, como a noção de funcionamento sadio do organismo, e a idéia de fluidez no processo de formação, destruição e substituição de figuras como condição necessária ao bom funcionamento organísmico. Neste contexto, aponta a awareness como elemento chave para que haja a fluidez no processo de formação e substituição de figuras e menciona a 131 definição de Perls da terapia como a “integração de atenção e awaraness” (TELLEGEN, 1972, p. 34). Para Perls, boa parte da awareness seria o resultado de uma aprendizagem, um treino de percepção, de contato com a realidade total, tanto ambiental como pessoal, razão pela qual a ênfase é colocada no COMO o paciente bloqueia essa percepção e não no POR QUE. Estando a ênfase no como, torna-se facilmente compreensível porque o trabalho da Gestalt-Terapia fosse pautado fundamentalmente no aqui e agora, focalizando os aspectos observáveis no comportamento do paciente. Na perspectiva gestáltica, amadurecer requer a transição de apoio em recursos alheios para o auto-suporte, autonomia. O termo neurose seria então o indicativo de um distúrbio evolutivo, e expressaria a maneira pela qual nos impedimos de crescer, amadurecer. Tal visão da neurose desloca-a de seu terreno habitual, médico, para o terreno educacional. Desse modo, a autora assinala e expõe os elementos básicos em GestaltTerapia (TELLEGEN, 1972, p. 36): - o pleno contato com o aqui e agora, a cada momento: awareness. - ênfase no “como” de preferência ao “por que”. Explicar pouco, interpretar nada, fazer sentir, experenciar. - fazer a pessoa assumir responsabilidade por seus gestos, sentimentos e atos, descobrir os seus próprios recursos e usá-los. Contudo, a Gestalt-Terapia, vista pelas lentes de Tellegen, enfatiza a originalidade desta abordagem mais na sua maneira de trabalhar do que nas suas bases teóricas (1972, p. 28). A autora passa a descrever como se desenvolve um grupo gestáltico. Destacamos a seguir os pontos que explicitamente chamaram sua atenção no encontro com esta abordagem, os quais ela propagou para o público a partir da publicação de seu artigo. Primeiramente, no que diz respeito à pessoa responsável pela condução do grupo, lemos: o que chama atenção é a atitude descontraída do monitor, sem a mínima tentativa de manter a distância. Ele é iniciador do trabalho grupal e esta atitude se repete várias vezes no decorrer do processo. Ele tem um papel muito ativo, mais acentuadamente no início do que depois, e se coloca dentro do grupo com seus próprios sentimentos e reações. Para quem já participou de sócio-análise ou T-grupo clássico, isto representa uma longa distância da figura do monitor ‘neutro’, e do seu silêncio irritante e 132 desesperador, principalmente na fase inicial do grupo. Aproxima-se mais da atitude do terapeuta existencial que entra na situação não com o papel e sim com sua pessoa inteira (TELLEGEN, 1972, p. 29). Seguida de sua apresentação pessoal, o monitor resume os objetivos e estabelece claramente as regras do jogo: “estamos aqui para ampliar a nossa percepção, para aprender a expressar aquilo que percebemos e sentimos e para compreender aquilo que os outros expressam” (1972, p. 29). A respeito do desenrolar do trabalho, temos que É um trabalho pessoal dentro de um grupo. Um dos participantes se propõe a ‘trabalhar’ e trabalhar significa ter um ‘encontro’ com o monitor, ou no jargão gestáltico, sentar no ‘hot seat’, no lugar quente, uma almofada na frente do terapeuta. Num certo sentido, esta pessoa se destaca do contexto grupal e se torna foco de atenção. Mais uma vez em linguagem gestáltica, o grupo se torna fundo e o que se destaca como figura é o encontro terapeuta-paciente. Durante todo esse diálogo ou encontro o grupo se mantém na posição de fundo. Há pouca participação manifesta; intervenções de participantes, quando muito prementes, não são proibidas mas certamente desencorajadas. O grupo, nesta fase, funciona como uma espécie de caixa de ressonância; cada qual lida dentro de si com as reações que a situação lhe provoca. Muitas vezes trata-se de respostas emocionais muito intensas. Quando termina o trabalho ou quando há uma ligação direta entre as comunicações da pessoa que ocupa o ‘hot seat’ e um ou mais participantes do grupo, estes passam a relatar suas reações, seus sentimentos e envolvimentos, como uma espécie de coro grego que canta as suas reações ao ‘drama’ que acabou de desenrolar. E de fato, há muitos momentos dramáticos nestes encontros do ‘hot seat’. Não que o terapeuta busque efeitos dramáticos, mas ele leva a pessoa a ir até o fim sem recusar diante de sensações de medo e angústia, sem fugir de sentimentos negativos (TELLEGEN, 1972, p. 29). Outro elemento destacado pela autora é o fato de não haver interpretação, estando o terapeuta responsável por facilitar a integração na percepção da pessoa de um comportamento dissociado, negligenciado. Os instrumentos da Gestalt-Terapia, quando bem utilizados, são concebidos como poderosos, no sentido de facilitar o contato do paciente com a situação tratada e consigo mesmo e com isso, facilitar o processo de integração. No entanto, é feito um alerta que indica a necessidade do terapeuta avaliar a recusa de um paciente para explorar certas áreas. Aqui, é feita menção à sabedoria das defesas do paciente, pautada pelo princípio da auto-regulação e, portanto, à necessidade do terapeuta respeitá-las. Por fim, a autora observa que, sob a nomenclatura de trabalho em grupo, o que se realiza de fato, é terapia individual em grupo. 133 Ciornai (1991) endossa essa posição ao afirmar que o trabalho terapêutico em grupo, tal como conheceu nos Estados Unidos, era, em sua grande maioria, do tipo hot seat, isto é, centrado no trabalho com uma pessoa dentro do grupo, sem trabalhar a dinâmica do grupo. Em outras palavras, o que se observava nos trabalhos em grupo de Gestalt era que o foco reacaía exclusivamente nos processos intrapessoais. Por sua vez, a autora pontua que, ao chegar no Brasil, em 1983, chamou sua atenção a diferença de enfoque, pois os profissionais se encontravam bastante atentos aos processos grupais, aos emergentes grupais, e a existência ou não de suporte grupal. A autora conclui que, no Brasil, processos interpessoais e grupais sempre foram uma importante parte da Gestalt-Terapia. É interessante que aqui, verificamos a tendência da Gestalt-Terapia realizada no Brasil em oferecer um olhar diferente ao que era dado nos Estados Unidos ao trabalho em grupo, sendo talvez esta primeira manifestação de uma Gestalt-Terapia com qualidades nacionais. Verificamos ainda que a aplicação da Gestalt-Terapia ao trabalho em grupos foi o ponto de atenção inicial presente nas primeiras produções em Gestalt-Terapia no Brasil. Referimo-nos às três primeiras dissertações de mestrado defendidas no Brasil, que abordavam justamente o enfoque grupal na Gestalt-Terapia (TELLEGEN, 1982; FRAZÃO, 1983; LIMA, 1988). Os próximos trabalhos a abordar esta temática foram os de Boris (1992, 1993, 1995), sendo deste autor a única dissertação de mestrado da década de 1990 a adotar o enfoque grupal como eixo principal de seu estudo. Registramos ainda a publicação de Cardoso (1999) nesta direção. A crescente produção em Gestalt-Terapia que se seguiu deu lugar a uma diversificação dos temas tratados, embora tenha sido possível delinear algumas tendências. A análise das produções nas décadas de 1990 e 2000 ocorreu a partir dos seguintes critérios: priorizaram-se as dissertações e teses como fonte primordial de análise, buscando-se verificar, dentre os autores destes trabalhos, aqueles que divulgaram seus estudos em periódicos em geral ou periódicos específicos. Procurouse ainda abordar, dentro da produção em geral levantada, as temáticas que se 134 destacavam. A produção em geral, por sua vez, foi agrupada através da organização em eixos temáticos. 4.1 A produção em Gestalt-Terapia na década de 1990 Ainda no final da década de 1980, o trabalho de Porto (1989), inaugura novo momento na Gestalt-Terapia no Brasil, ao abordar suas bases filosóficas, em trabalho intititulado “Bases filosóficas e implicações técnicas na Gestalt-Terapia”. Observa-se no decorrer da década de 1990 uma concentração de trabalhos que abordam o embasamento filosófico da Gestalt-Terapia, sendo que estes encontram-se distribuídos, em sua maioria, por duas das três fontes de estudo eleitas para esta dissertação: artigos publicados em periódicos em geral e artigos publicados em periódicos específicos. Assim, de 18 títulos registrados na década de 1990, na categoria “artigos publicados em periódicos em geral”, 5 deles versaram sobre as bases filosóficas que sustentam o referencial gestáltico e sobre as quais se ergue a Gestalt-Terapia (SAMPAIO, 1991; MOREIRA, 2004; HOLANDA, 1994; MELO, 1997; CARDOSO, 1999). Ao considerarmos os artigos publicados em periódicos específicos, encontraram-se trabalhos de (REHFELD, 1991; 1995; BARROSO, 1993; MARTINS, 1995; 1996). Ao mesmo tempo, ocorre uma outra área de concentração que explora os principais conceitos e teorias presentes no corpo da Gestalt-Terapia, sendo que aqui, encontrou-se trabalhos nas três fontes eleitas para a elaboração desta disertação, artigos publicados em periódicos em geral47 (ZAIDAM, 1990; GODELI, 1991; FERREIRA; LIMA, 1995; HOLANDA, 1998), artigos publicados em periódicos específicos de Gestalt-Terapia (BARROSO, 1996; CHAGAS, 1996; BARBALHO, 1998), e dissertações e teses (GORENSTIN, 1992; VASCONCELOS, 1994; LIMA, 1997). Vemos aqui, portanto, a mobilização da comunidade gestáltica em fundamentar sua prática a partir do embasamento filosófico e um esforço de teorização na área. Pode-se 47 Dos 18 artigos publicados em periódicos em geral, na década de 1990, 4 deles abordaram conceitos próprios da perspectiva gestáltica. 135 então pensar que a necessidade de construir um corpo de conhecimentos é uma possível explicação para o rumo das produções em Gestalt-Terapia no decorrer da década de 1990. Ainda tratando do direcionamento da produção da década de 1990, merece destaque o eixo que pretende relacionar a Gestalt-Terapia, enquanto prática psicoterápica, a uma proposta sócio-política. Neste sentido, a dissertação de mestrado de Frota (1990) inaugura este tipo de produção. Seu trabalho “Psicoterapia e consciência social”, tem o objetivo de esclarecer de que forma a psicoterapia de base humanista – onde a autora insere a Gestalt-Terapia, juntamente com a abordagem centrada na pessoa – pode ser instrumento de conscientização social e política. O trabalho pretendeu, a partir da realização de entrevistas com psicoterapeutas, captar sua visão do ato terapêutico enquanto “ato político”, ou meramente técnico-psicológico. Na mesma linha, a dissertação de mestrado de Távora (1994), sob o título “Análise teórico-prática dos limites e possibilidades de um projeto para a clínica no discurso da Gestalt-Terapia”, questiona a possibilidade de um projeto para a psicoterapia que transcenda o nível individual. Cabe mencionar que Távora apresentou diversas publicações em torno da temática de vincular a Gestalt-Terapia como prática psicoterápica a um projeto político, como se pode observar em Távora (1995, 1996, 1997). Verificou-se ainda na categoria “artigos publicados em periódicos específicos de Gestalt-Terapia” que outros autores exploraram esta temática (LILIENTHAL, 1998; MARTINS, 1998a; 1998b), evidenciando uma preocupação de estender a prática da Gestalt-Terapia ao social. Ainda neste eixo temático, alguns trabalhos, além de trazerem uma preocupação sócio-politica, se direcionam para uma aplicação prática da abordagem gestáltica à realidade social. São os casos dos trabalhos de dissertação de mestrado de Zurba (1997), intitulado “A abordagem gestáltica e construtivista na compreensão do desenvolvimento da autonomia e da subjetividade de jovens em situação de risco durante o uso do sistema hipernet” e Lilienthal (1997), “A Gestaltpedagogia sai às ruas para trabalhar com crianças e educadores de rua”. Nesta última, o autor discute sobre trabalhos em grupo, em duas perspectivas: na formação e desenvolvimento de 136 educadores de rua e na supervisão de apoio psicológico na abordagem gestáltica, além de discutir a impossibilidade de um trabalho terapêutico/pedagógico ser apolítico. O trabalho de Lilienthal (1997) merece destaque ainda por inaugurar no Brasil estudos no âmbito da Gestaltpedagogia48, definida em linhas gerais como uma abordagem pedagógica com princípios fundamentados na Gestalt-Terapia, o que equivale dizer, fundamentada na psicologia humanista e na filosofia existencial, tendo na fenomenologia sua metodologia de trabalho (LILIENTHAL, 2007). A primeira produção escrita em gestalpedagogia chegou-nos, via tradução publicada em 1984 e realizada também por Luiz Lilienthal, do livro de autoria de Olaf.Axel Burow e Karkheinz Scherpp. Considerando que a primeira edição desta obra data de 1981, vemos quão rapidamente a comunidade gestáltica brasileira teve acesso a esta literatura, o que permitiu inaugurar estudos nacionais nesta área. Pode-se dizer que a Gestaltpedagogia é a extensão e expansão mais óbvia – como se pode ver pelo próprio nome – dos princípios gestálticos a outras áreas do saber, particularmente, nesse caso, no âmbito da saúde e educação 49. Ainda se tratando de expansão, a década de 1990, além do caso já mencionado da gestalpedagogia, assistiu-se a outras produções que procuravam ampliar o escopo de aplicação da abordagem gestáltica. Assim, Ciornai (1994, 1995a, 1995b) explora a relação entre arte, criatividade, saúde e psicoterapia, o que acaba por resultar no que se convencionou chamar “arte terapia gestáltica”. Encontramos ainda os trabalhos de Ferreira (1997) e Ferreira e Sigelmann (1999), que abordaram a orientação vocacional clínica sob a perspectiva da Gestalt-Terapia. O tema da clínica também abordou o próprio processo de formação do gestalt-terapeuta, buscando assim a identidade deste profissional, em trabalho de mestrado de Cardella (1998), intitulado “A incorporação do conhecimento como criação de si mesmo na formação do gestalt-terapeuta”. Um outro eixo relaciona aspectos técnicos no trabalho em Gestalt-Terapia. Neste caso, tivemos a dissertação de mestrado que abordou o tema “sonhos”, de Lima Filho 48 A Gestaltpedagogia foi proposta inicialmente pelo russo radicado na Alemanha, Hilarion Petzold, em 1977 (Lilienthal, 2007) 49 Lilienthal (2007) informa que a Gestal-pedagogia pode ser também aplicada à prática de outras áreas como psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social, fonoaudiologia, odontologia, enfermagem e medicina, como abordagem propiciadora de aprendizagem, saúde e desenvolvimento, uma vez que tem uma função (psico)profilática. 137 (1991); e artigos que abordaram a presença do “corpo” na terapia gestáltica (ZAIDAM, 1991; NASCIMENTO, 1999). Como já observamos, o movimento de criação de periódicos específicos em Gestalt-Terapia, na década de 1990, foi de suma importância para a produção escrita na área, tendo incentivado e ampliado sobremaneira a produção em Gestalt. Neste momento, enfocaremos os estudos de Ciornai (1991, 1991b, 1996, 1998) exatamente porque os mesmos apresentam como característica geral abordar aspectos da GestaltTerapia no Brasil. Pode-se dizer que a autora, em seus estudos, procurou realizar um acompanhamento das principais tendências e caminhos tomados pela Gestalt-terapia no Brasil. Assim, seu artigo intitulado Gestalt-Terapia hoje: resgate e expansão50, Ciornai (1991) tem como proposta fazer um mapeamento das principais tendências e questões que caracterizavam aquele momento da história da Gestalt-Terapia no Brasil. É digno de registro seu comentário que aponta o desejo de “compartilhar o aonde cheguei, esperando com isto poder contribuir para um movimento nosso, de busca, encontro, e quem sabe, criação de algumas respostas” (CIORNAI, 1991, p. 9, grifos da autora). Aqui, está claramente presente a identificação da autora com uma comunidade gestaltista brasileira, que se encontrava, naquele momento, às voltas com uma série de questionamentos surgidos tanto na prática como na reflexão sobre esta prática, somada à necessidade de construir uma Gestalt-Terapia nacional. Tratava-se de um momento de resgate e explicitação das bases fundamentais da Gestalt-Terapia, ao mesmo tempo em que se tratava de um momento de expansão. Alguns pontos assinalados por Ciornai (1991) como significativos do movimento gestáltico produzido no Brasil, quando já caminhávamos para o final de década de 1980 são: a necessidade de uma explicitação mais clara dos pilares teóricos que sustentam a abordagem gestáltica; a necessidade crescente de elaboração de um pensamento diagnóstico; a ênfase no relacionamento terapeuta-cliente, surgida da crescente importância dada ao processo psicoterapêutico, diferenciando-se assim esses 50 É importante mencionar que o artigo citado foi originalmente apresentado no IV Seminário de Gestalt-Terapia de São Paulo em dezembro de 1987 e na ocasião de sua publicação pela Revista Gestalt, n. 1, 1991, a autora esclarece que conservou-o em seu formato original, sob a justificativa de considerar as questões ali levantadas ainda atuais e relevantes. 138 processos dos ‘episódios terapêuticos’ que caracterizaram a maior parte dos trabalhos gestálticos dos anos 1960. Em relação ao primeiro ponto, que caracteriza uma ênfase na importância da teoria para a prática psicoterapêutica, observamos que grande parte da produção que levantamos sobre Gestalt-Terapia no decorrer da década de 1990 esteve centrada neste aspecto, revelando que a preocupação assinalada por Ciornai estava presente na comunidade gestáltica. Sobre este movimento, Ciornai, neste texto do início da década de 1990, alerta para que não percamos de vista aquilo que chama de “epistemologia da direta experiência sensorial” (CIORNAI, 1991, p. 10) – o entendimento de que conhecimento, informação e sabedoria não são sinônimos, e que o verdadeiro saber tem que ser apreendido organismicamente. Em outras palavras, o que se está falando é da necessidade e possibilidade de se contemplar igualmente os aspectos teóricos e vivenciais, e não se resvalar para um destes pólos isoladamente, reproduzindo famosas dicotomias, tão combatidas pela Gestalt-Terapia. Certamente, a autora fala de uma preocupação de que ao se enfatizar os aspectos teóricos e o embasamento filosófico da Gestalt-Terapia, ocorra o negligenciamento de um aspecto tão rico da abordagem, seu caráter vivencial, experencial e de experimentação. Neste ponto, a autora fala ainda da necessidade de reformular o conceito de “vivência”, “comumente ‘mal’ entendido como algo que necessariamente implica em atuações de cunhos cênicos, confrontos dramáticos ou episódios de catarses emotivas” (CIORNAI, 1991, p. 11). Sugere então, em termos bem mais apropriados à visão mais apurada e menos caricatural da Gestalt-Terapia, Vivência, [como] compreendida como o envolvimento da totalidade do ser de uma pessoa, [isto é, do sensorial, cognitivo etc., e que] pode ser algo tão extremamente suave e sutil como a delicadeza do movimento de uma pluma a um levíssimo sopro de brisa, movimento este pouco ou nada ‘visível’ para eventuais ‘espectadores’, mas possivelmente muito significante para quem o experencia (CIORNAI, 1991, p. 11). No que se refere à tendência à expansão da Gestalt-Terapia, acreditamos que a análise da produção realizada acima demonstrou o que se queria dizer com o termo “expansão”. 139 Para o tratamento do segundo tópico, que aborda a necessidade da elaboração de um pensamento diagnóstico, utilizamo-nos de outro estudo da mesma autora, Ciornai (1991b), em que a situação em questão é exposta a partir do que a autora denomina “abrangência do modelo gestáltico”. Neste particular, a autora afirma vir sentindo necessidade de uma compreensão mais elaborada dos entraves e dificuldades apresentadas pelos clientes. É justamente aqui que se situa as incursões da abordagem gestáltica, na teoria das relações objetais, o que acabou por gerar discussões acaloradas no seio da comunidade gestáltica, justamente por levantar a questão da propriedade de integrar perspectivas psicanalíticas e diagnósticas em Gestalt-Terapia51. Frazão (1992), também realizou incursões na teoria das relações objetais. Partindo da reflexão sobre sua prática clínica, relata o quanto esta determinou uma busca de embasamento teórico que permitisse ao gestalt-terapeuta compreender o significado do sintoma. Propõe então os modelos mais recentes das teorias das Relações Objetais como eventuais auxiliares para a instrumentalização do pensamento diagnóstico em Gestalt-Terapia, discorrendo sobre os pontos de concordância que esta teoria relacional teria com os pressupostos básicos da Gestalt-Terapia. O assunto diagnóstico e o debate em termos de sua apropriação por profissionais da Gestalt-Terapia foi objeto de vários estudos, resultando em formulações que se tornaram referência para os Gestalt-Terapeutas. Destacam-se neste sentido, os estudos de Frazão (1991, 1992, 1995, 1996, 1997, 1999), particularmente sua proposta de “pensamento diagnóstico processual” como a formulação que melhor atende aos princípios gestálticos (FRAZÃO, 1996). Barroso (1992), por sua vez, também se dedicou a este tema, retomando a questão do diagnóstico enfocando-o sob um prisma fenomenológico existencial. No que tange a temática “diagnóstico” registrou-se também a dissertação de mestrado de Quadros (1991) sob o título “Diagnóstico em GestaltTerapia: possibilidades e limites”. 51 No que diz respeito à adoção de categorias diagnosticas, Ciornai (1991b) diz que o que dá coerência a uma postura fenomenológica é a atitude adotada pelo terapeuta, mais do que o fato dele se utilizar de “mapas” para “ler” o cliente, o que muitas vezes é necessário e crucial. Sobre a apropriação de perspectivas psicanalíticas, por sua vez, a autora busca uma aproximação de conceitos da teoria das relações objetais à Gestalt-Terapia, como o conceito de ‘outro internalizado’, de ‘partes de outro’ ou do ‘ideal do outro’, afirmando não serem estes conceitos estranhos à abordagem gestáltica. Exemplifica dizendo que quando se sugere ao cliente que atue um diálogo com a figura imaginada do pai, evidentemente não é o pai real que está em questão. 140 Vale dizer que o tema “diagnóstico” norteou a edição do V Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, ocorrido no ano de 1999, intitulado “Humanizando o diagnóstico”. Neste ponto, consideramos apropriado incluir aqui a interlocução entre a GestaltTerapia e a psiquiatria, realizada no decorrer da década de 1990 especialmente com Silva (1994, 1996) e Canedo (1996). Como vimos no capítulo 2, uma das fases do movimento inicial da Gestalt-Terapia no Brasil foi marcada pela incursão por referenciais externos. A este respeito, pudemos dar um maior desenvolvimento, neste capítulo, no que se refere à aproximação da Gestalt-Terapia com a teoria das relações objetais, filiada ao referencial neopsicanalítico. Ao analisar a produção escrita na área, contudo, observou-se que este movimento de incursão de profissionais dedicados à Gestalt-Terapia a outros referenciais teóricos, representava um outro eixo de análise. Incluem-se neste eixo as dissertações de mestrado de Zlotnic (1990) e Penteado (1998), a primeira tese de doutorado catalogada, de autoria de Loffredo (1992), além de artigos em periódicos em geral (SIMÕES, 1989; TAVARES, 1991; MORAES, 1991). Deste movimento significativo de um momento na história da Gestalt-Terapia brasileira, o que pôde ser observado é que alguns profissionais que buscaram associála a outros referenciais acabaram vinculando-se, de fato, a outros referenciais teóricos, enquanto outros, apesar de realizarem a dita incursão, mantiveram-se filiados à GestaltTerapia e buscaram a coerência destes outros referenciais com a perspectiva gestáltica. É o caso de Frazão e Ciornai, já mencionados. É o caso também do grupo coordenado por Myrian Bove Fernandes (2000), que tinha como objetivo a criação de um modelo gestáltico para a compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças, utilizando-se para isso de aproximações com a teoria do apego, elaborada por Bowlby52. A propósito, daremos destaque a alguns profissionais que foram responsáveis no Brasil, por inaugurar este campo de estudos que trata especificamente do desenvolvimento de uma clínica infantil na perspectiva gestáltica. 52 A este respeito, ver artigo intitulado “Figuras de apego: matriz dos vínculos afetivos” (Fernandes et al, 2000), publicado pela Revista de Gestalt. 141 Como aconteceu com a própria recepção da Gestalt-Terapia, e também com a gestaltpedagogia, o acesso da comunidade gestáltica brasileira à literatura referente à clinica infantil, ocorreu inicialmente via tradução de publicação estrangeira, com o livro de Violet Oaklander, “Descobrindo crianças”, publicado no Brasil no ano de 1980, como pode ser consultado no apêndice 1 desta dissertação. O que se supõe ser o primeiro livro de psicoterapia infantil nacional na abordagem gestáltica é de autoria de Cleufe Maria Perazzolo de Zorzi, intitulado “Nós, as crianças: uma abordagem gestáltica em psicologia infantil”, publicado em 1991, conforme consta do apêndice 2 desta dissertação. Não obstante o caráter pioneiro da obra, esta foi a única publicação que encontramos desta autora. Já no ano seguinte, Rosana Zanella defende a primeira dissertação de mestrado com o tema da clínica infantil na perspectiva gestática sob o título “Contatuando com figura e fundo: uma contribuição à psicoterapia de grupo infantil na abordagem gestáltica em psicoterapia”. No que diz respeito a publicações em periódicos, a comunidade gestáltica recebeu as primeiras produções, de autoria de Fernandes (1996), Fernandes e colaboradores (1998) e Costa (1995). Myrian Bove Fernandes53 apresentou artigos sob os seguintes títulos “Reflexões sobre atendimento infantil em Gestalt-Terapia”, pelo Gestalt-Terapia Jornal e “Gestalt e crianças: crescimento”, pela Revista de Gestalt; além de um trabalho em parceria com outros autores, intitulado ”Reflexões sobre o desenvolvimento da criança segundo a perspectiva da Gestalt-Terapia”, também pela Revista de Gestalt. Já Heloisa Rodrigues da Costa, em publicação da Revista Vita, escreve “Gestalt-Terapia com crianças – ampliando fronteiras”. Voltando à Ciornai, abordaremos o terceiro aspecto observado pela autora como tendência na construção de uma Gestalt-Terapia brasileira. Aqui, o foco recai sobre a ênfase dada à relação terapeuta-cliente, que passou a adotar como referência o modelo dialógico buberiano como aquele que deve caracterizar a relação terapeuta-cliente em 53 A autora apresenta ainda nesta década outras publicações, quer individuais quer em parceria com seu grupo de estudos, a saber: uma publicação na Revista do II Encontro Goiano de Gestalt-Terapia, sob o título “Trabalhos com crianças, adolescentes e famílias em Gestalt-Terapia” (1996) e “A gênese da construção da identidade e da expansão de fronteiras na criança” (Revista de Gestalt, 1998), escrito em colaboração com Claudia Ranaldi Nogueira; Eviene Abduch Lazaros; Sandra Regina Cardoso; Tereza Cristina Pedroso Ajzenberg; Claudia Magri Maffei. Publicações mais recentes respondem pelo título “A função fraterna” (2004), pela Revista Gestalt Terapia Jornal IX e “Crianças da Era de Aquárius: perspectivas de novos percursos” (2006), pela Revista Sampa GT. 142 Gestalt-Terapia. Este tema é parte, contudo, dos desdobramentos e do desenvolvimento posterior da abordagem gestaltica. Foi a partir de meados dos anos 1980 que Buber passou a ser considerado como literatura básica, e o termo “relação dialógica” passou a ser explicitado, elaborado e articulado como tal, dentro do referencial teórico gestáltico. Vemos então como a comunidade gestáltica brasileira encontrava-se afinada e “em dia” com as inovações e desenvolvimentos que sofreu a abordagem no decorrer de sua história. Neste particular, merece destaque o artigo de Holanda (1994) intitulado “Filosofia dialógica e Gestalt-Terapia”, como o primeiro trabalho brasileiro a abordar as relações entre a Gestalt-Terapia e a filosofia dialógica. É digno de nota que esta publicação tenha antecedido a tradução de obras de autores estrangeiros que se dedicavam ao tema em questão, em especial os livros de Hycner (1995) e Hycner e Jacobs (1997), conforme pode ser verificado no apêndice 1 desta dissertação. Aproveitando a tendência de reservar um olhar próprio para a relação terapêutica, Ciornai (1966, p. 12-13, grifos da autora) resgata o fato de que, ainda que a Gestalt-Terapia tenha sempre privilegiado o indivíduo “em relação” (e não o indivíduo isolado), através dos conceitos de contato, fronteiras e distúrbios de contato, e inclusive através da própria definição de self como sendo a ‘fronteira de contato em ação’, quando se olha em retrospecto o que se recolhe é que muitos trabalhos “caracterizavam-se por um trabalho muito mais do cliente dirigido pelo terapeuta, do que os trabalhos onde a relação com o terapeuta tornava-se figura, o que traz elementos importantes e valiosos para o trabalho terapêutico”. Contudo, como já observamos, no Brasil, esta tendência não pareceu triunfar, visto que a atenção aos processos grupais e as relações interpessoais constituíram-se como marcas dos trabalhos em Gestalt-Terapia. Por fim, a idéia de processo psicoterapêutico com sua ênfase no relacionamento terapeuta-cliente levou, de acordo com Ciornai (1991), a uma melhor compreensão e correção da visão caricatural e distorcida dos conceitos de awareness e aqui-e-agora, os quais muitas vezes, acabavam por centrar o fazer terapêutico exclusivamente no instante presente. Neste ponto, Ciornai (1991, p. 11-12) recorre a Gary Yontef (1979; 143 1986), autor que tem enfatizado em seus escritos que, embora awareness seja sempre aqui e agora, o objeto da awareness pode ser algo específico de outro tempo ou de outro espaço, esclarecendo que quando a awareness tem a excitação de estar em contato com o que é importante no momento para a pessoa, mesmo que seja algo de sua história, isto significa que a pessoa está centrada no presente. Vemos aqui, pois, como alguns conceitos da Gestalt-Terapia que geraram mal entendidos e distorções, inclusive comprometendo e/ou denegrindo sua imagem, foram objeto de novas formulações, num processo de desenvolvimento da própria GestaltTerapia, enquanto teoria e prática. Ainda pensando nas peculiaridades e na formação de uma Gestalt-Terapia nacional, Ciornai (1996) compara o que denomina ‘Gestalt de antes’ com a ‘Gestalt de agora’. Em suas palavras: Percebo a ‘Gestalt de antes’, que para mim foi a Gestalt que conheci na Califórnia até 83, como mais criativa, mais solta, mais espontânea, mais à vontade no uso de experimentos e recursos expressivos [...] Em contrapartida sinto a ‘Gestalt de agora’, como característica geral, mais cuidadosa e mais preocupada com o suporte para a relação terapêutica (CIORNAI, 1996, p. 10). A autora vê na Gestalt-Terapia praticada na década de 1990, no Brasil, uma preocupação com o que se denominou “relação terapêutica”, com as características que se pensavam dever acompanhá-la e norteá-la. Coloca “que este extremo cuidado [fruto da preocupação com a relação terapêutica] [...] talvez tenha trazido em seu bojo uma timidez na criatividade, soltura e espontaneidade do terapeuta” (CIORNAI, 1996, p. 10). Ainda nesta direção de realizar comparações entre a ‘Gestalt de antes’ e a ‘Gestalt de hoje’, Ciornai (1996, p. 11-12) afirma que a Gestalt de hoje caracteriza-se por conter uma atenção delicada, valiosa, e essencial aos aspectos machucados da ‘criança interna’ oculta de cada um, ou do ‘adolecente interno’ de cada um, o que não era muito presente na ‘Gestalt de antes’, e que tem possibilitado ao terapeuta acesso a espaço do universo interno dos mais recônditos [...] No Brasil, contudo, observa-se que o estilo abrasivo de alguns gestalt-terapeutas dos anos 1960 e 1970 nunca teve muito sucesso, conforme assinala Ciornai (1998). A 144 autora prossegue dizendo que, em nosso país, a preocupação em realmente estar lá com o outro, praticando inclusão, empatia, dando suporte às pessoas, de um modo gentil e afetivo, mesmo se provocativo, sempre esteve presente. Conseqüentemente, a transmissão da Gestalt-Terapia, através dos cursos de formação e grupos de estudo sempre procurou valorizar o tema da relação terapeuta-cliente. Procurando sintetizar a produção na área da Gestalt-Terapia, verificamos que, ao fim da década de 1990, além de um mergulho nas bases filosóficas e na exploração de conceitos, houve ainda a diversificação para outras sub-áreas, como a gestalpedagogia. A prática clinica, por sua vez, além da abordagem individual e em grupo, se estendeu para a psicoterapia infantil, para a arteterapia e para a orientação vocacional clínica em uma perspectiva gestáltica. Outros estudos voltaram-se para a própria formação do “gestalt-terapeuta”. 4.2 A produção em Gestalt-Terapia na década de 2000 Destaca-se, na produção da década de 2000, tanto no que diz respeito à categoria “artigos publicados em periódicos em geral” quanto à categoria “dissertações e teses”, o aumento de pelo menos 50% em cada categoria em relação à década anterior54. A análise da produção deste período seguiu o modelo já utilizado no período anterior, de organização a partir de eixos temáticos. No entanto, considerou-se aqui apenas um eixo para os trabalhos que abordavam o embasamento filosófico e as teorias e conceitos presentes na edificação da Gestalt-Terapia. No que diz respeito às dissertações e teses, tivemos trabalhos que abordaram o conceito de ajustamento criativo e sua relação com a experiência religiosa, além de trabalhos que abordaram a presença da teoria de campo na Gestalt, a psicologia da Gestat e fenomenologia, e por fim, o trabalho que enfocou o diálogo e as relações da Gestalt-Terapia com a filosofia 54 Se na década de 1990 contamos com 18 artigos publicados em periódicos em geral, na década de 2000 esse número subiu para 36 artigos. O mesmo aconteceu com a categoria dissertações e teses, que na década de 1990 havia contado com 21 produções, ao passo que na década de 2000 esse número se elevou para 45 trabalhos de pós-graduação. 145 oriental do zen-budismo55. Também a tese de Lima (2005), insere-se neste eixo, ao discutir o conceito de mudança em psicoterapia, tendo como base de questionamento sua adequação ao referencial fenomenológico-existencial da Gestalt-Terapia. Todos os trabalhos mencionados datam do ano de 2005, indicando ter sido este um ano em que a reflexão teórica dominou os estudos desta fonte de análise. Verificou-se que parte dos autores destes trabalhos foi responsável pela publicação de artigos dentro deste mesmo eixo de análise, tanto na categoria “periódicos em geral” (MÜLLERGRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2007) quanto “periódicos específicos em Gestalt” (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2004a; 2004b; LIMA, 2005; 2007; 2008), indicando com isso que vieram a divulgar seus estudos. Buscando atentar para tendências gerais da produção deste período, observouse que este foi o de consolidação da Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica no referencial fenomenológico-existencial, embora esteja presente também uma parcela de profissionais que busca a vinculação da abordagem às teorias sistêmicas. No que se refere à vinculação da Gestalt-Terapia ao referencial fenomenológicoexistencial, encontra-se no centro desta filiação o debate em torno do pensamento substancialista, que supõe uma essência, atrelada à idéia de uma subjetividade encapsulada e aprisionada em uma instância psíquica. Em outras palavras, este pensamento supõe um “lugar” no “interior” do indivíduo, que permitiria o acesso à sua “individualidade”, sua “subjetividade”. Por sua vez, o desenvolvimento conceitual da Gestalt-Terapia, a partir das noções de self processual e self construído inseriram a abordagem gestáltica no que se passou a denominar como “novos paradigmas em psicologia e psicoterapia”, tendo no referencial fenomenológico seu ponto de convergência (TÁVORA, 1999, 2005; LIMA, 2007). Ainda no que se refere à filiação da abordagem gestáltica ao referencial fenomenológico-existencial, observa-se nesta década o desenvolvimento de estudos a partir da eleição de teóricos fenomenológos, numa grande diversificação de possibilidades de articulação da Gestalt-Terapia a este referencial. Isto se justifica na 55 Respectivamente, as dissertações de mestrado intituladas “Análise de um caso a luz da teoria do ajustamento criativo da Gestalt-Terapia: a fenomenologia da experiência religiosa”, por Marco Aurélio Bilibio Carvalho; “Teoria de Campo de Kurt Lewin e a Gestalt-Terapia”, por Hugo Elídio Rodrigues; “Gênese e construção de uma ‘filosofia da Gestalt’ na Gestalt-Terapia”, por Rosane Lorena Bernardini Granzotto; e finalmente, “Ilumina-ação: diálogos entre a Gestalt-Terapia e o Zen-budismo”, por Roberto Peres Veras. 146 medida em que tanto o existencialismo como a fenomenologia não se constituem por um pensamento e metodologia homogêneos. Barroso (1996), em meados dos anos 1990, chama a atenção para o fato de que, a despeito de não haver mais dúvidas sobre a questão da Gestalt-Terapia se basear no existencialismo e que esse, por sua vez, se alimenta da fenomenologia, é necessário agora atentar para que tipo de existencialismo e fenomenologia os gestalt-terapeutas estão se referindo. Esta será, pois, uma tendência dos estudos na década de 2000. Utilizamo-nos de Barroso (1996, p. 40) para oferecer uma idéia da diversidade de leituras possíveis dentro de um panorama fenomenológico-existencial: [...] Quanto à fenomenologia, há, no mínimo, duas alternativas densas e difíceis a serem reconhecidas: a perspectiva do próprio Husserl, que não é continua e variou ao longo de sua obra e a da fenomenologia existencial, via ontologia de Heidegger ou MerleauPonty, por exemplo. Quanto ao existencialismo, apesar de certos aspectos, ou de uma atitude em comum, como a ênfase na existência, no vivido, não há “um” existencialismo, e sim “n” existencialismos diferentes, conforme a disposição do autor. Há, por exemplo, o de Kierkegaard, o de Jaspers, o de Sartre, o de Buber e de outros tantos que, como alguns desses, se exasperavam ao serem classificados como existencialistas.... Karwowski (2005, p. 66), por sua vez, faz o mesmo alerta ao afirmar que é “importante ressaltar que muitos outros filósofos após Husserl fizeram fenomenologia e cada um deles possui sua especificidade na maneira de fazer fenomenologia”. O autor menciona uma variedade de autores na extensa lista de pensadores fenomenológicoexistenciais, tais como: Kierkegaard, Rollo May, Vitor Frankl, van den Berg, Laing, Straus, Giorgi, Van Kaam, Romanyshyn, Nietzsche, Jaspers, Berdyaev, Heidegger, Buber, Scheler, Rilke, Ortega y Gassett, Gabriel Marcel, Paul Tillich, Sartre, Albert Camus, Kafka, Hesse, Merleau-Ponty, Levinas, Paul Ricouer, Gadamer, Simone de Beauvoir, Eliade, Binswanger e Medard Boss. Dentro deste amplo espectro, Alvim (2007), em tese de doutorado intitulada “Ato artístico e ato psicoterápico como experiment-ação: diálogos entre a fenomenologia de Merleau-Ponty, a arte de Lygia Clark e a Gestalt-Terapia”, utilizou-se da fenomenologia de Merleau-Ponty para referendar a teoria e a prática da Gestalt-Terapia, em estudo que buscou traçar relações entre a arte, a Gestalt-Terapia e a fenomenologia. Esta proposta está presente também em seus artigos (ALVIM, 2007; 2009), em periódicos em geral e, em periódicos específicos de Gestalt-Terapia (ALVIM, 2004; 2007). Aqui, é importante 147 mencionar o resgate da dimensão estética presente na Gestalt-Terapia realizado por esta autora, e que remonta às origens da abordagem: no livro Gestalt-Terapia, de Perls, Hefferline e Goodman há constantes paralelos entre processos artísticos e criativos e o funcionamento humano saudável, entre arte e terapia. Como dito anteriormente, alguns trabalhos buscaram relacionar a Gestalt-Terapia ao pensamento sistêmico, como foi o caso de Lima (2007) e Phillippi (2004). Esta última, em dissertação de mestrado intitulada “Co-construindo pontes entre a Gestalt-Terapia e as terapias sistêmicas construcionistas sociais: subjetividade e intersubjetividade em questão”, aponta para o fator comum entre as duas abordagens: na medida em que ambas trabalham com o ser em relação, saindo de uma perspectiva individual para uma perspectiva de ser-no-mundo. Aqui, deve-se apontar para o fato desta tendência estar presente já no texto inicial de Thérèse Tellegen, que mencionava a possibilidade e adequação da abordagem gestáltica utilizar-se da teoria sistêmica. Tellegen (1984) fizera críticas à teoria da Gestalt-Terapia considerando que o modelo organísmico da relação homem-mundo subjacente à Gestalt-Terapia não era satisfatório, do ponto de vista conceitual, para abranger as inter-relações das múltiplas dimensões sistêmicas que estão em jogo. Introduzia então a Teoria dos Sistemas – cujo início se situa na década de 1920, mas que não foi explicitada antes dos anos 1940 – como uma teoria que permite a abertura para novas possibilidades de se pensar sistematicamente56. O trabalho de Phillippi (2004), por sua vez, ao realizar um aprofundamento das questões epistemológicas, se distingue do trabalho pioneiro de Tellegen (1984). Detémse ainda sobre os temas da intersubjetividade e dos diálogos possíveis entre a fenomenologia e os construcionismos. Teresinha Melo da Silveira também buscou estabelecer a relação entre a Gestalt-Terapia e as teorias sistêmicas, em estudos que se voltaram prioritariamente para o desenvolvimento da abordagem gestáltica na área da psicoterapia de casal e família (SILVEIRA, 1995; 2001; 2005; 2007). Mais recentemente, a autora voltou sua atenção para o tema do envelhecimento humano, o que veio a gerar artigos inseridos na categoria “periódicos especifícos de Gestalt-Terapia” (SILVEIRA, 2000; 2004; 2008a; 56 Para mais detalhes sobre o tema, ver o capítulo 4 do livro “Gestalt e grupos. Uma perspectiva sistêmica”, de Tellegen (1984). 148 2008b). Por outro lado, em sua tese de doutorado dedicou-se à investigação sobre o papel dos cuidadores de familiares com síndrome demencial, focando-se na importância do desenvolvimento de grupos de suporte para os familiares cuidadores57. Também no decorrer da década de 2000 houve uma série de estudos que buscaram estabelecer pontes entre a Gestalt-Terapia e o pensamento contemporâneo. Neste sentido, a tese de doutorado de Ferreira (2002), intitulada “A fluidez do ser em Gestalt-Terapia” enfoca o aspecto processual do indivíduo. Para tanto, buscou embasamento nos novos paradigmas e nas novas teorias das ciências do século XXI, apresentando a teoria das estranhezas, de Ued Maluf (1997), como a mais apropriada. Lima (2005), por sua vez, buscou relacionar a Gestalt-Terapia com autores como Ilya Prigogine, Fritjot Capra, Edgar Morin e Zygmunt Bauman. A autora aponta para as possibilidades inerentes ao diálogo entre a Gestalt-Terapia e a teoria das estranhezas de Ued Maluf. Cabe aqui a seguinte pergunta: trata-se de novas incursões da GestaltTerapia a referenciais externos? Mais uma vez faremos uso dos estudos de Ciornai (2007) quando a autora levanta três questões a respeito do desenvolvimento e da atualidade da GestaltTerapia. Trazemos esta produção por considerá-la importante para este estudo, na medida em que reflete e aponta para os caminhos trilhados (ou não) pela GestaltTerapia no Brasil. A primeira questão refere-se à posição de destaque ocupada pela Gestalt-Terapia nos anos 1960 e 1970 – considerando aqui o momento de sua explosão “no mundo”. Questiona-se então se a Gestalt-Terapia ainda hoje ocupa uma posição de vanguarda enquanto abordagem psicoterápica. A segunda questão visa explorar se a perspectiva contemporaneidade, psicoterápica considerando os da Gestalt-Terapia graves problemas seria que valiosa à enfrentamos individualmente e enquanto comunidade humana no mundo contemporâneo. Em outras palavras, teria a Gestalt-Terapia contribuições importantes a oferecer frente às dificuldades que enfrentamos hoje? Por fim, apontando o caráter histórico das teorias psicológicas, a terceira questão vem interrogar se a visão de ser-humano que deu origem à Gestalt-Terapia nos anos 1950 e 1960 ainda é válida hoje em dia. 57 Silveira (2004): “Fomos escolhidos: um estudo sobre os cuidadores familiares principais”. 149 Trazemos tais questões por acreditar que as mesmas podem contribuir tanto para nortear como para complementar alguns aspectos de nossa análise da produção na década de 2000, além de incitar a reflexão sobre possíveis desdobramentos da teoria e prática da abordagem gestáltica. No entanto, daremos ênfase somente ao primeiro questionamento, que nos servirá para orientar a argumentação aqui proposta. Ciornai (2007) sugere que o lugar de vanguarda e de “terapia da nova era”, na atualidade, tem sido ocupado por vertentes que procuram explorar e integrar a dimensão da espiritualidade à prática clinica, no caso não como uma corrente religiosa específica, mas como algo que vai além do pessoal, e que se refere àquela dimensão humana que transcende nossa pessoalidade, nossa individualidade. No que diz respeito especificamente à Gestalt-Terapia desenvolvida no Brasil, embora não se possa dizer que esta é uma tendência, alguns estudos vêm sendo realizados nesta direção. A autora cita Jorge Ponciano Ribeiro – personagem de suma importância na construção da Gestalt-Terapia brasileira e autor com o maior número de obras publicadas, conforme pode ser verificado no apêndice 2 desta dissertação – como alguém que tem explorado esta dimensão, procurando integrá-la à abordagem gestáltica. Em outras palavras, pode-se falar que se trata de uma tentativa de adequar a Gestalt-Terapia ao novo momento histórico. Em nosso levantamento da produção em Gestalt-Terapia, realizado a partir das três fontes eleitas, foi possível encontrar artigos de Ribeiro (2005; 2007) sob este enfoque. Ainda nesta perspectiva de verificar o que se destaca e ocupa posição de vanguarda, justamente por atender e responder aos anseios e necessidades mais prementes de nossos dias, pensando prioritariamente então, em uma atenção voltada ao social, Ciornai (2007, p. 5) aponta para uma abordagem que possa “tirar a terapia dos consultórios, abrir as portas do setting terapêutico”. No caso, a autora está se referindo à proposta terapêutica tal qual é realizada pela terapia comunitária. No entanto, a meu ver, esta é uma possibilidade que está ao nosso alcance, mesmo que não no contexto ou nos moldes previstos pela terapia comunitária, mas quando consideramos que onde quer que estejamos e seja qual for o contexto em que nos encontremos, o que é importante enfatizar e priorizar são as trocas, as relações, como 150 elemento de ligação entre os homens, como elemento de suporte, na direção da valorização dos vínculos, do pertencimento, do exercício da solidariedade. Ainda que seja notório pela análise da autora e também pelo que pudemos extrair da análise da produção em Gestalt-Terapia, que a questão do social e as possibilidades de intervenção no âmbito mais amplo, não tenham obtido talvez, o espaço necessário, não tendo se constituído, portanto, em um caminho privilegiado pelos representantes desta abordagem, podemos dizer que houve um incremento maior do que o obtido na década de 1990 em relação à ampliação do setting terapêutico. Assim, verificou-se um incremento de estudos relacionados a gestalpedagogia, área que já havia realizado os seus primeiros passos na década de 1990, conforme mencionamos. Mencionamos também as dissertações de mestrado de Carvalho (2000); Bonmann (2001); Costa (2002); Oliveira (2004); além da tese de doutorado de Lilienthal (2004). Embora a tese de doutorado de Zurba (2003) não faça referência explícita ao termo Gestalt-pedagogia, incluímo-na neste eixo temático por abordar a formação de educadores e, portanto, apresentar afinidade com os demais estudos presentes neste eixo. Aqui, é importante mencionar que muitos destes estudos, ao enfocarem a realização de trabalhos em grupos que têm como objetivo a formação de educadores, possuem uma relação estrita com o social e a sua possibilidade de transformação em potencial por intermédio da educação. Pensando ainda na atenção dedicada pela abordagem gestáltica ao social, merece destaque o trabalho realizado por Cláudia Lins Cardoso 58, que aborda a atuação clinica do psicólogo, para além da psicoterapia individual realizada em consultórios, privilegiando estudos que enfatizam a expansão desta prática para o contexto comunitário, como por exemplo, através do Programa de Saúde da Família. A autora publicou artigos tanto na categoria “periódicos em geral” (CARDOSO, 2002; 2009), quanto “periódicos específicos de Gestalt-Terapia” (2001; 2004). 58 A autora em questão defendeu seu doutorado buscando abordar as possíveis contribuições da atuação do psicólogo em comunidades, em trabalho intitulado “Um estudo fenomenológico sobre a vivência de família: com a palavra, a comunidade” (2007). A referida tese não constou de nosso levantamento, por não se enquadrar nos critérios já mencionados. Contudo, a filiação da autora à abordagem gestáltica se faz notar pelos artigos que abordam a atuação do psicólogo em comunidades, adotando para tal a perspectiva gestáltica. 151 Verificamos que a expansão na década de 2000 ocorreu também no ambiente organizacional. Alvim (2000) e Xavier (2003) realizaram estudos de mestrado buscando investigar a propriedade e aplicação dos conceitos da abordagem gestáltica, levando-a ao contexto das organizações. A presente temática também se fez notar a partir de publicações, quer em “periódicos em geral”, com Alvim (2005, 2006) quer em “periódicos específicos de Gestalt-Terapia”, com Alvim (1997, 2000) e Figueiroa (2001). Sob o eixo temático denominado psicopatologia e tratamento/intervenção psicoterápica, encontramos uma diversidade de estudos, tanto no que diz respeito à teorização no âmbito da perspectiva gestáltica (TENÓRIO, 2003; CARVALHO, 2008), quanto à aplicação de recursos para o tratamento de diversos quadros patológicos e/ou psicopatológicos (PIMENTEL, 2002; IVANCKO, 2006; OLIVEIRA, 2007; MARINHO, 2007; SIMÕES, 2008; PAGANOTTO, 2010). Já em relação a questões inerentes à psicopatologia infantil foi dado destaque ao estudo da hiperatividade (ANTONY, 2002; ANTONY; RIBEIRO, 2008), tema bastante abordado na contemporaneidade. No caso de Antony (2002), trata-se de um trabalho clínico que se utiliza dos bloqueios de contato, clássicos na literatura da Gestalt-Terapia, para abordar os modos de contato presentes em crianças com diagnóstico de hiperatividade. Estão presentes ainda, o combate à medicalização, a afirmação do relacional e o manejo de educadores e pais nos contextos familiar e escolar. A abordagem do tema não pareceu, contudo, problematizar a predominância deste diagnóstico frente ao atual contexto sócio-cultural. A propósito, o tema da psicoterapia infantil foi abordado por poucos autores, tendo as produções de Antony se destacado quantitativamente, sendo que a maior parte da mesma versou sobre a questão da hiperatividade (ANTONY, 2004; 2005; 2006; ANTONY; RIBEIRO, 2005; ANTONY; DUSTI; NECES, 2006). Sheila Antony é ainda organizadora de obra que reúne uma coletânea de artigos que trata da psicoterapia infantil, conforme pode ser observado no apêndice 2 desta dissertação. O sentido atribuído à prática da psicoterapia infantil por psicoterapeutas de diferentes abordagens teóricas foi investigado na dissertação de mestrado de Costa (2003), sendo divulgado em Costa (2005). Algumas das conclusões da investigação apontaram para o pequeno número de profissionais que atua nesta especialidade e a escassez de pequisas e literatura a respeito. O desenvolvimento infantil sob a ótica da 152 Gestalt-Terapia, por sua vez, foi objeto de estudo de Brandão (2005), em artigo intitulado “Noções teóricas gerais sobre o desenvolvimento humano”, publicado pela revista Nufen. Se a década de 1990 contou com uma diversificação e uma ampliação dos princípios da Gestalt-Terapia a outras áreas, levando a abordagem a expandir-se para além das fronteiras da clinica, a década de 2000 assistiu à consolidação deste movimento. Assim, uma extensão dos princípios gestálticos a diversas áreas da psicologia, bem como a outras áreas do saber, levou à adoção do termo “Abordagem Gestáltica”, em preferência ao termo “Gestalt-Terapia” pelos estudiosos e praticantes dos princípios gestálticos seja qual for sua área de atuação. É digno de nota que Perls tenha se utilizado da expressão “abordagem gestáltica” para intitular seu último livro, ainda em 1969. Teria Perls, com sua perspicácia e genialidade, atributos já mencionados neste trabalho, antevisto o potencial da Gestalt-Terapia para abordar o homem e suas relações? Se nos reportarmos a seus escritos diríamos que sim. Aqui, lembro-me particularmente de um trecho em sua autobiografia quando expõe, de maneira um tanto entusiasmática, eu diria, que “Gestalt! Como posso fazer entender que gestalt não é só mais um conceito inventado pelo homem? Como posso dizer que gestalt é – e não só para a psicologia – algo inerente à natureza?” (PERLS, 1979, p.64). É certo que no seio da comunidade gestáltica brasileira, observamos alguns fatos indicativos dos possíveis e prováveis rumos da Gestalt-Terapia, em direção à abordagem gestáltica. Estamos nos referindo aos encontros ocorridos a cada dois anos, que receberam a denominação geral de Encontro Nacional de Gestalt-Terapia, até a sua quarta edição, no ano de 1993, quando foi rebatizado sob o título de Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica, passando a contar a partir de então com as duas designações. O mesmo ocorreu com os Encontros Goianos de Gestalt-Terapia que, após a sua segunda edição, ocorrida em 1996, passou a intitular-se “Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica”. No entanto, acredita-se que esta mudança de nomenclatura foi derivada do próprio processo porque passou a Gestalt-Terapia no Brasil que, ao ser “abraçada” por 153 profissionais, os quais se tornaram protagonistas de sua história, levaram-na a inserirse em outros contextos e áreas de atuação. 154 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O meio científico apresenta ainda dificuldades em chegar a um acordo sobre o que é científico e o que não é. As polêmicas em torno de determinadas questões perduram como se tivessem acabado de começar e os argumentos raramente se renovam. [...] Podemos pensar, portanto, que fazer ciência não é simplesmente seguir um caminho previamente estabelecido, nos moldes da história de João e Maria que deixaram um caminho de migalhas de pão para não se perderem no meio da floresta, sem prever que 59 os passarinhos os comeriam. É ir além da ‘ciência normal’ , é refletir sobre o mundo a partir de parâmetros inesperados, desestabilizar este modo normal de fazer ciência e, ainda assim, estar produzindo narrativas e conhecimentos extremamente relevantes para a compreensão das coisas do mundo vivido. Ser um pouco anárquico no pensar e no produzir conhecimento [...] A questão da cientificidade: novos paradigmas, Editorial da Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2004, n. 2. Considerando a produção escrita na área de Gestalt-Terapia, observamos um intervalo de tempo bastante expressivo entre a primeira publicação brasileira, que data do ano de 1972, de autoria de Thérèse Tellegen e uma publicação seguinte, o que ocorre em 1984, com o livro de Tellegen. Isto significa que a comunidade brasileira esteve por 12 anos sem qualquer publicação na área. É certo que conforme expusemos ao longo deste trabalho, este foi um período em que estiveram presentes diversos movimentos, articulações, encontros, reuniões de profissionais que se interessaram pela proposta da Gestalt-Terapia, talvez em uma preparação do “terreno” para o desenvolvimento subseqüente da abordagem no Brasil. Além disso, outra constatação enfatizada neste trabalho foi a de que a Gestalt-Terapia nos chegou prioritariamente pela prática, a partir de workshops vivenciais, ministrados, em um primeiro momento, por profissionais estrangeiros que vieram ao nosso país realizar as primeiras transmissões de Gestalt-Terapia. Outro meio de acesso à Gestalt-Terapia, nesse momento inicial, foi o contato com a tradução e publicação de diversas obras, ocorridas na década de 1970, conforme tivemos oportunidade do colocar. Tais obras, por sua vez, também enfatizavam o aspecto prático e vivencial da Gestalt-Terapia. Com isso, temos que foi o contato com e a partir da prática, prioritariamente, da experimentação, da experiência, viva, pulsante, sentida que tornou possível caminhar um passo adiante, e partir, então para a teorização. Em outras palavras, a Gestalt59 Para Kuhn (1978), a ‘ciência normal’ acontece nos meios acadêmicos, que partem de um paradigma estabelecido responsável por encaminhar o conhecimento cientifico para uma concepção de ‘moldura pré-estabelecida’. Assim, a ‘ciência normal’, que é a atividade na qual a maioria dos cientistas emprega a maior parte do seu tempo, “é baseada no pressuposto de que a comunidade cientifica sabe como é o mundo” e busca, vigorosa e devotamente, “forçar a natureza a esquemas conceituais fornecidos pela educação profissional (Kuhn, 1978 conforme citado por Ewald, Mancebo, Uziel e Prestrelo, editorial da Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2004, n. 2) 155 Terapia seguiu uma trilha que, tendo início na experiência vivida, sentida, culminou na possibilidade de entendimento, de atribuição de sentido e significado daquilo que se apresentava como novidade, traduzido na edificação de seu corpo teórico. É possível perceber a semelhança entre o processo porque passou a GestaltTerapia no Brasil, que foi do vivido à possibilidade de teorização, com o que sugere o método fenomenológico. Assim podemos dizer que a Gestalt-Terapia, se apresentou, de modo bastante coerente com o método que lhe subjaz. Talvez, de forma intuitiva, tenhamos percorrido esse caminho original – poderíamos dizer, não distorcido do humano? –, em que a experiência é que permite a atribuição do sentido. Ao longo desta dissertação, pudemos observar que no período em que a GestaltTerapia chega ao Brasil – início da década de 1970 – está presente no âmbito da psicologia clínica, e porque não dizer da psicologia em geral, o predomínio do atendimento clínico privado, individual, com ênfase no referencial psicanalítico. A demanda pelo profissional psi, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, por sua vez, encontra-se bastante atrelada às subjetividades produzidas – no dizer de Coimbra (1995), forjadas – no período da ditadura militar brasileira. Tratava-se, portanto, de um momento em que se cultuava a individualidade, num processo de privilegiar o “mundo interior”. Considerando o eixo Rio – São Paulo, enquanto a maioria dos psicólogos se interessa pela prática clínica, subsidiados pela psicanálise, uma outra parcela de profissionais direciona seu interesse para trabalhos grupais, ainda que no âmbito da clínica e para a prática psicodramática. Observou-se que os primeiros profissionais a se interessar pela Gestalt-Terapia encontravam-se situados neste segundo grupo, que não se constituía como hegemônico, o que, até certo ponto, justificou a utilização da nomenclatura comum de “terapias alternativas” para a caracterização de sua prática. Tratando especificamente da Gestalt-Terapia, sua proposta apresenta um caráter libertário, associado a outros componentes que vieram a ser destacados neste trabalho e que atraíram a atenção dos brasileiros pela abordagem, como o contato mais próximo e afetivo do profissional, a potência de sua técnica, a surpresa e o impacto provocados pelo processo de experimentação, além da própria novidade de sua teoria e método. 156 Todos estes elementos concorreram para a atenção dirigida à Gestalt-Terapia, em seu momento inicial no Brasil, em um período em que possivelmente, a sociedade e os profissionais psi estivessem em busca de possibilidades outras, que não aquelas já estabelecidas e praticadas. Uma característica marcante observada no momento inicial da Gestalt-Terapia no Brasil foi a ênfase dada aos trabalhos grupais, de modo que as primeiras produções escritas na área, dizem respeito a tais práticas (TELLEGEN, 1982; FRAZÃO, 1983; LIMA, 1988). No entanto, esta é uma tendência que não se mantém. Elencamos possíveis motivos para compreender o fato em questão, buscando compreender assim os futuros caminhos trilhados pela Gestalt-Terapia no Brasil. Em primeiro lugar, como foi observado, um momento importante da GestaltTerapia no Brasil, foi o confronto com a necessidade de oferecer maior fundamentação e explicitar as bases teóricas e filosóficas da Gestalt-Terapia, ao mesmo tempo em que se ocupou da exploração de conceitos próprios da abordagem, em uma preocupação de oferecer coerência ao arcabouço teórico que lhe oferecia sustentação. Desse modo, a necessidade de erguer um corpo de conhecimentos é uma possível explicação para o rumo seguinte das produções em Gestalt-Terapia e por isso, a comunidade gestáltica concentrou seus esforços nesta direção. Por outro lado, ao analisar a produção na área, observou-se que muitos dos trabalhos que se seguiram, priorizaram a prática clínica individual. Apesar de adotar como ponto de partida que os princípios da Gestalt-Terapia são mais condizentes com uma abordagem interpessoal e relacional – pois seus conceitos mais básicos falam do indivíduo como um ser-em-relação, um ser-no-mundp – a constatação acima nos levou ao seguinte questionamento: acaso a tendência observada na psicologia de então não teria acabado por “varrer” também a Gestalt-Terapia, localizando-a como uma prática clínica, e neste particular, notadamente individual e, com foco no intrapsíquico? Assim, a Gestalt-Terapia acabou por se restringir ao trabalho com as relações mais próximas ao indivíduo e seu mundo interno, posição corroborada também por Ciornai (1998). Ciornai (2007, p. 4) expõe a este respeito que De certa forma abandonamos o projeto ‘sócio-lógico’ da Gestalt e nos voltamos quase que exclusivamente para o ‘psico-lógico’, isto é, para processos individuais de auto- 157 conhecimento, para os meandros da interioridade e da intimidade psíquica de cada um, para a preocupação com o diagnóstico e patologias. A partir do exposto, julgamos necessário reforçar que, embora a Gestalt-Terapia traga em seu bojo uma preocupação política e social, presente de forma acentuada nos escritos dos fundadores desta abordagem psicoterápica, a mesma preocupação não esteve presente, ao menos de forma marcante, nos escritos das décadas de 1980 e 1990 em nosso país. Neste sentido, ao abordar a relação da Gestalt-Terapia com o social na abertura do VI Encontro Nacional de Gestalt-Terapia e III Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica, realizado em Florianópolis, em 1997, Luiz Lilienthal parte da constatação de que este é um assunto pouco explorado pelos profissionais da Gestalt até o momento. Buscando uma possível explicação para a predominância do modelo individual da prática psicoterapêutica, ao mesmo tempo em que vislumbra e anseia por mudanças no fazer profissional que abarquem a questão social, diz: As questões do homem contemporâneo mudaram, conseqüentemente as práticas psicoterapêuticas também estão tendo que mudar sua ótica individualizada – e o Zeitgeist individualista dos últimos tempos é talvez o grande responsável pela não leitura dos conteúdos sociais da Gestalt – para uma ótica mais social que contemple essas novas questões do homem com respostas igualmente novas [...]. Vejo a Gestalt como um excelente e fascinante instrumento para pensar o indivíduo e a questão social (LILIENTHAL, 1998, p. 40). Como se apontou acima, este caminho talvez tenha sido o necessário, face à mobilização da comunidade gestáltica em erguer um corpo de conhecimentos próprios, com o objetivo de oferecer fundamento à prática psicoterápica. Podemos ainda pensar este caminho como aquele que foi possível, considerando o momento histórico da psicologia em nosso país e as forças presentes no campo. No entanto, não nos eximimos de questionar: seria o movimento mais óbvio da abordagem gestáltica sua aplicação a grupos, sua aplicação a comunidades, tal como anunciado pelos primeiros trabalhos? Teria os praticantes da Gestalt-Terapia se esquivado dessa direção ou contrariado seus princípios? Aqui, o interesse não é passar a impressão de defesa de uma única modalidade de aplicação da Gestalt-Terapia e/ou abordagem gestáltica – a abordagem exclusiva a grupos humanos. Isto tampouco seria possível pois, ainda que estejamos trabalhando 158 “apenas” com o indivíduo, o mesmo é sempre considerado em seu meio e em interação. Assim, o exposto aqui possui mais familiaridade com um tipo de apelo: uma tentativa de propagar em nossas ações, atuações e aplicações profissionais os princípios gestálticos, tão ricos e profícuos na abordagem do humano. Além disso, é claro que também a psicologia, hoje, se encontra em um outro momento de sua história. Observamos uma expansão da psicologia, com uma diversidade de áreas de atuação, especializações. Podemos pensar então que a expansão da Gestalt-Terapia em direção à abordagem gestáltica seguiu a tendência da própria psicologia de ampliar seu espaço de atuação e estender-se a outros contextos? Se caminhamos seguindo esta hipótese, considera-se importante que, para além de remar junto à “maré”, se concretize uma verdadeira atenção ao social, expectativa acalentada pelo desejo de viver, construir, habitar um mundo melhor. Se a teorização em Gestalt-Terapia avançou pela ênfase na fundamentação desta teoria, um novo rumo poderia bem ser o de priorizar a intervenção em trabalhos sociais, com a ênfase em sua aplicação a grupos humanos... A expansão ocorrida na Gestalt-Terapia se encarregaria assim, de levar a estes contextos este modo de olhar, entender e praticar o que se preconiza pela abordagem gestáltica, a saber: a necessidade de atender e responder aos anseios mais prementes de nossos dias – a possibilidade de abarcar a realidade social e dedicar-lhe um olhar prioritário, oferecer-lhe um serviço e uma assistência que priorize o contato humano, com as conseqüentes trocas advindas dele, a convivência, os laços, a co-construção de sentidos, que reconheça e enalteça a criatividade, incentive a espontaneidade, valorize a experiência vivida... Finalizo com um trecho, que a meu ver, fala bem próximo daquilo que buscamos enfatizar nesses últimos comentários. O ser humano é uma parte do todo a que chamamos universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele concebe a si mesmo, as suas idéias e sentimentos como algo separado de todo o resto - numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e reserva a nossa afeição a algumas poucas pessoas mais próximas de nós. Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá atingir completamente este objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior (Albert Einstein). 159 REFERÊNCIAS ALVIM, Mônica Botelho; RIBEIRO, Jorge Ponciano. Saúde e doença nas organizações. Revista do III Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, [S. l.], 1997. ALVIM, Mônica Botelho. Contato e cultura organizacional: ensaio para um modelo psicológico de análise organizacional na perspectiva da abordagem gestáltica. 2000. 263 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, Brasilia, DF, 2000. ALVIM, Mônica Botelho. 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TENÓRIO, Carlene Maria Dias. Os Transtornos da Personalidade Histriônica e Obsessiva-Compulsiva na Perspectiva da Gestalt Terapia e da Teoria de Fairbairn. 2003. 291 p. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 2003. TOLENTINO, Marlucia Araújo. As reformas no Brasil: do capitalismo dependente à “nova dependência” do capital globalizado. CSOnline: Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 2, v. 5, pp. 222-241, dez. 2008. VASCONCELOS, Carlene Maria Dias de. Os distúrbios da fronteira de contato: um estudo teórico-empírico em Gestalt-Terapia. 1994. 181 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 1994. VERAS, Roberto Peres. Ilumina-ação: diálogos entre a Gestalt-Terapia e o Zenbudismo. 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. XAVIER, Carla Sabrina Antloga. Estilo de contato da organização com o funcionário e prazer e sofrimento no trabalho: estudo de caso em uma empresa de material de construção no Distrito Federal. 2003. 132 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 2003. ZAIDAM, Salim. O conceito de doença em Gestalt-Terapia. Revista de Psicologia Plural, Belo Horizonte, n. 1, p. 17-19, abr. 1990. ZAIDAM, Salim. O corpo presente em Gestalt-Terapia. Revista de Psicologia Plural, Belo Horizonte, n. 2, p. 13-17, mar. 1991. ZLOTNIC, Sergio. Gestalt-Terapia e tranferência: aquisição de conceitos na formação de psicologia. 1990. 120 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Universidade de São Paulo, 1990. ZURBA, Magda do Canto. Modos de subjetivação e produção de conhecimento na vida cotidiana: um estudo na Vila Cachoeira. 2003. 158 p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. 176 APÊNDICE 1 – Livros Estrangeiros sobre Gestalt-Terapia publicados no Brasil Autor Título original Ano “Gestalt Therapy now: theory, techiniques, applications” “Awareness: exploring, experimenting, experiencing” 1970 “Gestalt Terapia, teorias, técnicas e aplicações” 1973 1971 1976 CNBP, v. 1 “Gestalt Therapy Verbatim” “Gestalt is” 1969 “Tornar-se Presente: experimentos de crescimento em Gestalt-Terapia” “Gestalt-Terapia explicada” “Isto é Gestalt” 1977 CNBP, v. 2 CNBP, v. 3 “The Gestalt approach & Eye Witness to Therapy” Barry Stevens “Don’t push the river” (it flows by itself) Frederick “In and out the Salomon garbage pail” Perls Erving Polster Gestalt therapy e Miriam integrated Poster Violet “Windows to our Oaklander children” 1973 “A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia” “Não apresse o rio” (ele corre sozinho) 1977 1978 CNBP, v. 6 “Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo” Gestalt-Terapia integrada 1979 CNBP, v. 7 1980 CNBP, v. 12 Olaf-Axel Burow 1981 “Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescente” “GestaltPedagogia: um caminho para a escola e a educação” 1985 CNBE Joan Fagan e Irmã Lee Sheperd John O. Stevens Frederick S. Perls Frederick S. Perls e outros Frederick S. Perls Lernziel: Menschlichkeit Gestaltpädagogik – eine chance für schule und erziehung 1975 1970 1969 1973 1978 Título em português Ano 1977 Obs. 1979 177 (Cont.) APÊNDICE 1 Autor Richard Hycner Serge Ginger e Anne Ginger Richard Hycner e Lynne Jacobs Gary M. Yontef Janie Rhyne Joseph C. Zinker Título original Ano Título em português Ano Between person and person – toward a dialogical psychotherapy La Gestalt – une thérapie du contact 1991 De pessoa a pessoa. Psicoterapia dialógica Gestalt: uma terapia do contato 1995 Relação e cura em Gestalt-Terapia 1997 Processo, diálogo e awareness. Ensaios em Gestalt-Terapia 1998 Arte e Gestalt: padrões que convergem A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem gestáltica com casais, famílias e sistemas íntimos Terapia Gestáltica e a inversão da queda Gestalt, mitos e transcendência O self desdobrado. Perspectiva de campo em GestaltTerapia Processo criativo em Gestalt-Terapia Gestalt: a arte do contato. Nova abordagem otimista das relações humanas 2000 1987 The healing 1995 relationship in gestalt therapy Awareness, 1993 dialogue & process. Essays on Gestalt Therapy The Gestalt art 1996 experience In search of good form: GestaltTherapy with couples and families 1998 Alejandro Spangenberg Alejandro Spangenberg Jean-Marie Robine Gestalt-thérapie Joseph Zinker Creative process in Gestalt Therapy Serge Ginger La Gestalt: l’art du contact 1977 1995 Obs. 1995 2001 2004 2005 2006 2007 2007 CNBP, V. 61 178 (Cont.) APÊNDICE 1 Autor Título original Alejandro Spangenberg Ano Título em português Gestalt-Terapia, um 2007 caminho de volta para casa CNBP – Coleção Novas Buscas em Psicoterapia CNBE – Coleção Novas Buscas em Educação Fonte: Seleção feita pela autora Ano Obs. 179 APÊNDICE 2 – Produção Nacional em Gestalt-Terapia – Livros Livro Gestalt e Grupos: uma perspectiva sistêmica Gestalt-Terapia: refazendo um caminho Nós, as crianças: uma abordagem gestáltica em psicologia infantil Gestalt-Terapia – o processo grupal: uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística Terra e ouro são iguais: percepção em psicoterapia gestaltista Narciso, a bruxa, o terapeuta elefante e outras histórias psi A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt-Terapia Gestalt-terapia, Psicodrama e terapias Neo-reichianas no Brasil – 25 anos depois O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica Existência→Essência. Desafios teóricos e práticos das psicoterapias relacionais A arte de restaurar histórias: o diálogo criativo no caminho pessoal Gestalt-Terapia de curta duração Introdução à Gestalt-Terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica E a Gestalt Emerge: Vida e Obra de Frederick Perls Gestalt e Sonhos A construção do psicoterapeuta – uma abordagem gestáltica Psicodiagnóstico em Gestalt-terapia Percursos em arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia Autor Therese Amelie Tellegen Jorge Ponciano Ribeiro Ceufe Maria Perazzolo De Zorzi Jorge Ponciano Ribeiro Ano 1984 Editora Summus 1985 Summus 1991 Manole 1993 Summus Vera Felicidade de Almeida Campos Paulo Barros 1993 Jorge Zahar 1994 Summus Ana Maria Loffredo Selma Ciornai (Org.) 1994 Escuta 1995 Ágora Jorge Ponciano 1997 Ribeiro Walter Ferreira da 1998 Rosa Ribeiro Summus Jean Clark Juliano Jorge Ponciano Ribeiro Hugo Elídio Rodrigues 1999 Summus 1999 Summus 2000 Vozes Ana Maria Mezzarana Kiyan Alberto Pereira Lima Filho Beatriz Helena Paranhos Cardella Adelma Pimentel Selma Ciornai (Org.) 2001 Altana 2002 Summus 2002 Summus 2003 2004 Summus Summus Obs. CNBP, vol 22 CNBP, vol 24 CNBP, vol 50 Summus 2ª edição CNBP, vol 62 180 (Cont.) APÊNDICE 2 Livro Percursos em arteterapia: ateliê terapêutico, arteterapia no trabalho comunitário, trabalho plástico e linguagem expressiva, arteterapia e história da arte Uma visão fenomenológica do luto: um estudo sobre as perdas no desenvolvimento humano Percursos em arteterapia: arteterapia e educação, arteterapia e saúde Gestalt-terapia e contemporaneidade: contribuições para uma construção epistemológica da teoria e da prática gestáltica Do self e da ipseidade: uma proposta conceitual em GestaltTerapia Ensaios em Gestalt-Terapia Gestalt-terapia fenomenológicoexistencial Gestalt e Gênero: configurações do masculino e feminino na contemporaneidade Suicídio e psicoterapia: uma visão gestáltica Gestalt-Terapia e Fenomenologia: Considerações sobre o método fenomenológico em Gestalt-Terapia Cinema e ajustamentos criativos: iluminando gestalticamente o escurinho do cinema Vade-Mécum de Gestalt-Terapia: conceitos básicos Amor e ética Gestalt Terapia com Crianças: Teoria e Prática Autor Selma Ciornai (Org.) Ano 2004 Editora Summus Karina Okajima Fukumitsu 2004 Livro Pleno Selma Ciornai (Org.) 2005 Summus Adriano F. Holanda e Nilton Julio de Faria (Orgs.) Jorge Ponciano Ribeiro 2005 Livro Pleno 2005 Summus Afonso H. L. da Fonseca Afonso H. L. da Fonseca Lílian M. Frazão e Sergio Lizias C. de O. Rocha Karina O. Fukumitsu Silvério Karwowski 2005 Pedang* 2005 Pedang* 2005 Livro Pleno 2005 Livro Pleno Livro Pleno Hugo Ramón B. Oddone; Cristiane Calvo; Maria Rosália do Nascimento Jorge Ponciano Ribeiro Paulo Barros Luciana Aguiar 2005 Livro Pleno 2006 Summus 2006 2007 Summus Livro Pleno 2005 Obs. CNBP, vol 63 CNBP, vol 64 181 (Cont.) APÊNDICE 2 Livro Expandindo Fronteiras: Gestalt Terapia Aplicada em Vários Contextos Transtornos alimentares: uma visão gestáltica Ruídos: contato, luz, liberdade: um jeito gestáltico de falar do espaço e do tempo vividos Dicionário de Gestalt Terapia Gestaltês Fenomenologia e Gestalt-Terapia Contato Morte, suicídio e luto – Estudos Gestálticos Manual Prático de Psicoterapia Gestalt Holismo, ecologia e espiritualidade: caminhos de uma Gestalt plena Psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica: elementos para a prática clínica. Gestalt Terapia: Encontros Experiência de adoecimento e morte: diálogos entre a pesquisa e a Gestalt-Terapia Histórias da Gestalt-Terapia no Brasil – um estudo historiográfico A vida, o tempo, a psicoterapia A clínica gestáltica com crianças: caminhos de crescimento Autor Karina O. Fukumitsu; Hugo Ramón B. Oddone (Orgs.) Karina O. Fukumitsu; Hugo Ramón B. Oddone (Orgs.) Jorge Ponciano Ribeiro Ano 2007 Editora Livro Pleno 2007 Livro Pleno 2006 Summus Gladys D’acri; Patrícia Lima; Sheila Orgler Marcos José Müller-Granzotto e Rosane Lorena Müller-Granzotto Décio Casarin Karina O. Fukumitsu; Hugo Ramón B. Oddone (Orgs.) Angeles Martin 2007 Summus 2007 Summus 2007 2008 Revinter Livro Pleno 2008 Vozes Jorge Ponciano Ribeiro Ênio Brito Pinto 2009 Summus 2009 Summus Ênio Brito Pinto (Org.) 2009 Joanneliese de Lucas Freitas 2009 Instituto Gestalt de São Paulo Juruá Danilo Suassuna e Adriano Holanda Jean C. Juliano Sheila Antony (Org.) 2009 Juruá 2010 2010 Summus Summus Obs. Série GestaltTerapia 2ª edição 182 (Cont.) APÊNDICE 2 Livro Transtornos alimentares na adolescência: depoimentos das adolescentes, Gestalt-Terapia e pesquisa Autor Arlene Leite Nunes Ano 2010 Editora Juruá Obs. * Programa de Publicação do Laboratório Experimental de Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico-Existencial, Maceió. CNBP – Coleção Novas Buscas em Psicoterapia 183 APÊNDICE 3 – Centros de Estudos e Institutos de Gestalt-Terapia no Brasil inaugurados até 1999 Nome Instituto Sedes Sapientiae Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo Centro de Estudos de Gestalt-Terapia de Brasília – CEGEST – Brasília Núcleo de Estudos de Gestalt de Santa Catarina ↓ Ano 1977 1981 1984 http://www.cegest.org.br 1987 Originou-se com a criação do Núcleo de Estudos de Gestalt de Santa Catarina, em 1987, cuja primeira turma de formação em Gestalt-Terapia foi em 1989. Em 1995, o Núcleo foi transformado na CONFIGURAÇÃO – Centro de Estudos e Atividades Gestálticas. http://www.gestalt.com.br Configuração – 1995 Centro de Estudos e Atividades Gestálticas – Florianópolis Instituto de 1989 Treinamento e Pesquisa em GestaltTerapia de Goiânia – ITGT Centro de Estudos de Gestalt-Terapia do Paraná – CEGPR ↓ Instituto Paranaense de Gestalt Claudete Carboni Observações Fundado em 1977, iniciou a primeira turma de GestaltTerapia em 1979 1989 2003 Em 1987, sob a coordenação de Marisete e Virgínia, organizou-se o primeiro grupo de estudos em Gestaltterapia, composto por psicólogos e estudantes de psicologia. No momento da oficialização do ITGT, em 1989, este constituiu-se como o primeiro grupo de especialização do Instituto. Realização de Encontros anuais, o primeiro acontecendo em 1995. Nasceu em 1989 através de um grupo de GestaltTerapeutas cuja precursora foi Claudete Carboni de Freitas. Em 2003, o CEG/PR passa por uma reestruturação e transforma-se no Instituto Paranaense de Gestalt Claudete Carboni, como uma homenagem a sua fundadora e uma das precursoras da GT no Paraná. Desta forma, o GEG/PR deixa de existir e o IPG passa a ser sua entidade sucessora. 184 (Cont.) APÊNDICE 3 Nome Instituto Gestalt do Ceará Centro de Desenvolvimento de Gestalt-Terapia do Rio de Janeiro – GTRio Centro de GestaltTerapia Sandra Salomão Ano 1995 Dialógico – Núcleo de Gestalt-Terapia 1995 Observações www.gestaltce.com.br 1995 Entre 1999 e 2000, sem condições de manutenção, a associação deixa de existir. 1988 Duas vezes por ano, o Centro realiza jornadas e já recebeu convidados internacionais de referência, como Lynne Jacobs, PhD – EUA, Paolo Quattrini, PhD – Itália, Richard Hycner, PhD – EUA, Joseph Zinker, PhD –EUA, Claudio Naranjo, PhD – Espanha, Joel Latner, Phd – EUA, Anna Ravena, PhD – Itália, Alejandro Spangerberg - Uruguai e Erving Polster, Phd – EUA. http://www.centrodegestaltterapia.com.br Tem como missão a expansão, desenvolvimento e sedimentação da Gestalt-Terapia enquanto abordagem psicoterápica, através da transmissão de conhecimento teórico e prático para estudantes e profissionais de Psicologia e da prestação de serviços para a comunidade e público leigo em geral. http://www.dialogico.com.br Visa o desenvolvimento prático/conceitual da GestaltTerapia, através do desenvolvimento e incentivo a pesquisadores, do intercâmbio com gestalt-terapeutas e institutos nacionais e internacionais de Gestaltterapia e do treinamento e aperfeiçoamento de gestaltterapeutas Núcleo de Reflexão e 1996 Pesquisa em GestaltTerapia do Triângulo Mineiro 185 APÊNDICE 4 – Congressos em Gestalt-Terapia Ano Local Congresso/Tema I Encontro Nacional de Gestalt-terapia Um convite à reflexão II Encontro Nacional de Gestalt-terapia Org./ Resp. Teresinha Melo, Sandra Salomão e outros Ari Rehfeld, Jean C. Juliano e Lílian Frazão 1987 Rio de Janeiro 1989 Caxambu, Minas Gerais 1991 Brasília III Encontro Nacional de Gestalt-terapia Walter Ribeiro Grupo CEGEST 1993 Recife IV Encontro Nacional de Gestalt-terapia e I Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica Sérgio Buarque 1995 Vitória Antonio Elmo Martins e outros 1997 Florianópolis 1999 Goiânia V Encontro Nacional de Gestalt-terapia e II Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica - A Gestalt que fazemos no Brasil de hoje VI Encontro Nacional de Gestalt-terapia e III Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica Expandindo fronteiras VII Encontro Nacional de Gestalt-terapia e IV Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica - A abordagem gestáltica, ecologia humana e o terceiro milênio Configuração ITGT Observações Presença de 190 participantes. Organizado pelo grupo de São Paulo, tendo ocorrido em Caxambu. 476 participantes. Presença de Richard Hycner. 586 inscrições Os encontros nacionais em Gestalt-Terapia receberam um subtítulo: Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica, em uma espécie de rebatizado. 186 (Cont.) APÊNDICE 4 Ano Local 2000 Rio de Janeiro 2001 Fortaleza 2003 Gramado 2005 Uberlândia - MG 2007 Rio de Janeiro 2009 Vitória Congresso/Tema VII Congresso Internacional de Gestalt-terapia - A Gestalt de todo o mundo V Congresso e VIII Encontro Nacional de Gestalt-terapia Formação, construção e desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil VI Congresso e IX Encontro Nacional de Gestalt-terapia - A estética das relações humanas no século XXI: que história estamos desenhando para os relacionamentos futuros? VII Congresso e X Encontro Nacional de Gestalt-terapia – “Subjetivação na Contemporaneidade: Malogro e Transcendência." VIII Congresso e XI Encontro Nacional de Gestalt-terapia - “A Evolução da GestaltTerapia Brasileira. 20 anos de Encontros. E agora?” IX Congresso e XII Encontro Nacional de Gestalt-terapia - “A gestalt-terapia, a contemporaneidade e suas implicações sociais” Org./ Resp. Representantes de todos os congressos nacionais já realizados Instituto Gestalt do Ceará Instituto de Gestalt do Rio Grande do Sul Alethéia – Centro de Desenvolvimento em Psicologia Observações É criada a Associação Brasileira de Gestalt-Terapia (ABG) 187 Ano Local Congresso/Tema 2011 São Paulo X Congresso e XIII Encontro Nacional de Gestalt-terapia Org./ Resp. Observações 188 APÊNDICE 5 – Periódicos especializados em Gestalt-Terapia Título Revista Gestalt Terapia Jornal Local Paraná ↓ Santa Catarina Revista de Gestalt São Paulo Revista do Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica Goiânia Presença – Revista Vita de Gestalt Terapia Rio de Janeiro Vinculação Centro de Estudos de Gestalt-Terapia do Paraná – CEG-Pr ↓ Centro de Estudos de Gestalt-Terapia de Santa Catarina Editores Alcides Ignácio Júnior Qtd art./ediç. 33 artigos, em 10 edições Observações A Revista GestaltTerapia X é totalmente dedicada ao tema Casal e Família no enfoque gestáltico. Editada atualmente. Myrian Bove Fernandes; Maria Regina de Souza Godeli; Miriam Cristina Basaglia; Maria do Carmo Rodrigues Zanetta; Rosana Zanella Instituto de Marisete Malaguth Treinamento e Mendonça e Virginia E. Pesquisa em Gestalt- Suassuna M. Costa Terapia de Goiânia ITGT 97 artigos, em 14 edições Última edição em 2005. Vita Clínica de Psicologia 27 artigos, em 4 edições Departamento de Gestalt-Terapia do Instituto Sedes Sapientiae Heloísa Rodrigues da Costa; Luciana B. Cavanellas; Marcia Siveira; Teresinha Mello da Silveira 169 artigos, Última edição em em 12 edições 2006. Teve breve existência. 189 (Cont.) APÊNDICE 5 Título Gestalt Journal do Rio de Janeiro Local Rio de Janeiro Boletim de Gestalt-Terapia do Triângulo Mineiro Revista Sampa GT Uberlândia - Minas Gerais Karwowski & Associados Ltda. São Paulo Instituto Gestalt de São Paulo IGT na Rede Rio de Janeiro Revista da Abordagem Gestáltica Goiânia Vinculação Centro de Desenvolvimento de Gestalt-Terapia do Rio de Janeiro – GTRio Editores Beatriz Torres Gorenstin; Carla Alegria; Rosa Cavalcante; Sergio Garbati Gorenstin, Adauto Henrique Gomes; Eliana Bosco; Lúcio Correia de Melo, Pierre Ferraz Silvério Lucio Karwowski Qtd art./ediç. 16 artigos, em 3 edições Observações Teve breve existência. 7 artigos, em 4 edições Teve breve existência. Ênio Brito Pinto, Jean Clark Juliano, Myrian Bove Fernandes e Paulo Barros Marcelo Pinheiro da Silva 43 artigos, em 4 edições Editada atualmente. 71 artigos, em 14 edições Publicada semestralmente por meio eletrônico. 37 artigos, em 10 edições Publicada semestralmente. A partir de 2008 a revista é exclusivamente eletrônica. Instituto de GestaltTerapia e Atendimento Familiar – IGT Instituto de Adriano Furtado Treinamento e Holanda Pesquisa em GestaltTerapia de Goiânia – ITGT 190 APÊNDICE 6 – Artigos sobre Gestalt-Terapia publicados em periódicos em geral, por período Período Nº de Periódico Título/Autores/Ano Art. 1972 1 Boletim de Psicologia (1) Elementos de psicoterapia guestáltica – TELLEGEN, Thèrese A. (1972) 1986 a 3 Psicologia Argumento (1) Uma pitadinha de Gestalt – SOUZA, Maria Rita Franco de (1986) Arquivos Brasileiros de Gestalterapia: a terapêutica da comunicação humana – SIMÕES, Psicologia (1) Simone Garcia (1989) Revista de Psicologia Plural (1) O conceito de doença em Gestalt-Terapia – ZAIDAM, Salim (1990) Revista de Psicologia Plural (5) Fundamentos Filosóficos – SAMPAIO, Tadeu Otávio Sales (1991) 1990 1991 a 10 O insight nosso de cada dia – SOUZA, Geraldo Eustáquio de (1991) 1995 O corpo presente em Gestalt-Terapia – ZAIDAM, Salim (1991) Gestalt-Terapia numa perspectiva sistêmica – TAVARES, Gláucia Resende (1991) Jung e Perls: reflexos dos tipos psicológicos na psicologia analítica e na Gestalt – MORAES, Suzana Paiva (1991) Crises e conseqüências das práticas grupais em Gestalt-Terapia: a Revista de Psicologia (Fortaleza) mediação indivíduo-sociedade nos grupos gestálticos como (2) processo sócio-pedagógico de cooperação – BORIS, Georges Daniel Janja Bloc (1993) 191 Fundamentos filosóficos das psicoterapias de base humanista – MOREIRA, Virgínia (1994) Arquivos Brasileiros de Filosofia dialógica e Gestalt-Terapia – HOLANDA, Adriano Furtado Psicologia (2) (1994) Polaridades em Gestalt-Terapia como mosaico de isomorfos nãotriviais da teoria das estranhezas – FERREIRA, Ieda Botelho e LIMA, Patricia Valle de Albuquerque (1995) Boletim de Psicologia (1) Deflexão, deslocamento e conflito: uma comparação de conceitos – GODELI, Maria Regina C. de Souza (1991) 1996 a 2000 9 Revista de Psicologia (Fortaleza) Revisitando o método fenomenológico: o intervalo entre as (1) reduções – MELO, Leoni F. de (1997) Arquivos Brasileiros de A orientação clínica em Gestalt-Terapia para um mundo em Psicologia (2) transformação – FERREIRA, Ieda Botelho e SIGELMANN, Élida (1999) A comunicação clínica em Gestalt-terapia – FERREIRA, Ieda Botelho (2000) Estudos de Psicologia Saúde e doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos – (Campinas) (2) HOLANDA, Adriano Furtado (1998) Psicoterapia de grupo com pacientes diabéticos e hipertensos em centros de saúde pública – CARDOSO, Cláudia Lins (1999) Psicologia Ciência e Profissão Atendimento a pacientes psicóticos – uma experiência em (1) processo – CANEDO, Ingrid Robinson (1996) 192 Psique (Belo Horizonte) (1) Aspectos filosóficos, teóricos e metodológicos da Gestalt-Terapia – CARDOSO, Claudia Lins (1999) Revista Brasileira de A provocação poética dos elementos materiais: novas categorias Enfermagem (2) de análise na abordagem sócio-poética – TAVARES, Claudia e SOBRAL, Vera (1999) Repensando a formação do enfermeiro e investindo na pessoa: algumas contribuições da abordagem gestáltica – ESPERIDIÃO, Elizabeth; MUNARI, Denize D. (2000) 2001 a 2005 12 Estudos e Pesquisas em A Gestalt-Terapia terá a ousadia de desenvolver seu paradigma Psicologia (1) pós-moderno? – ROBINE, Jean-Marie (2005) Psicologia Ciência e Profissão A inserção do psicólogo no Programa de Saúde da Família – (4) CARDOSO, Cláudia Lins (2002) Fenomenologia do onírico: a Gestalt-Teraia e a daseinsanálise – SANTOS, Ívena Pérola do Amaral (2004) Produção acadêmica em Gestalt-Terapia no Brasil: análise de mestrados e doutorados – HOLANDA, Adriano Furtado e KARWOWSKI, Silvério Lucio (2004) Hiperatividade: doença ou essência, um enfoque da GestaltTerapia – ANTONY, Sheila e RIBEIRO, Jorge Ponciano (2005) Revista do NUFEN (3) A história da Gestalt-Terapia em Belém do Pará – PIMENTEL, Adelma (2003) Noções teóricas gerais sobre o desenvolvimento humano – 193 BRANDÃO, Fabiola (2005) Reflexões sobre o processo terapêutico de Ângela – GARCIA, Mariana Gaspar (2005) Estudos de Psicologia A prática da psicoterapia infantil na visão de terapeutas nas (Campinas) (1) seguintes abordagens: psicodrama, Gestalt-Terapia e centrada na pessoa – COSTA, Maria Ivone Marchi e DIAS, Cristina Maria Souza Brito (2005) Arquivos Brasileiros de Neutralidade na relação terapêutica – reflexões a partir da Psicologia (1) abordagem gestáltica – SAMPAIO, Mariana Miranda Autran (2004) Viver Psicologia (1) Presença tímida no contexto acadêmico: um levantamento realizado por gestalt-terapeutas revela o grande interesse e o conhecimento limitado sobre esta teoria – CAVALCANTE, Gisa; MATTOS, Joana, MATTOS, Juliana, AGUIAR, Luciana, BORGES, Luciana (2004) 2006 a 2010 24 Revista Psicologia: Organização Contato, self e cultura organizacional: uma abordagem gestáltica – e Trabalho (rPOT) (1) ALVIM, Monica Botelho e RIBEIRO, Jorge Ponciano (2005) Estudos e Pesquisas em A relação do homem com o trabalho na contemporaneidade: uma Psicologia (16) visão crítica fundamentada na Gestalt-Terapia – ALVIM, Monica Botelho (2006) 194 Perls leitor de Freud, Goldstein e Fridlaender e os primeiros ensaios em direção a uma psicoterapia gestaltica – MÜLLERGRANZOTTO, Marcos José e MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena (2007) Experiência estética e corporeidade: fragmentos de um diálogo entre Gestalt-terapia, arte e fenomenologia – ALVIM, Mônica Botelho (2007) Le champ organisme-environnement: em arrière-plan du concept – ROBINE, Jean-Marie (2009) Gestal’terapia: metodológica da atualização performática improvisativa da performação figura e fundo, performática da forma, performática da ação, do contato, performática da atualização – FONSECA, Afonso Henrique Lisboa da (2009) O lugar da experiment-ação no trabalho clínico em Gestalt-Terapia – ALVIM, Monica Botelho e RIBEIRO, Jorge Ponciano (2009) Um olhar fenomenológico sobre a questão da saúde e da doença: a cura do ponto de vista da Gestalt-Terapia – GALLI, Loeci Maria Pagano (2009) A experiência emocional atualizadora em Gestalt-Terapia de curta duração – PINTO, Enio Brito (2009) Criatividade na Gestalt-Terapia – LIMA, Patrícia Valle de Albuquerque (2009) 195 Gestalt-Terapia e abordagem gestáltica no Brasil: análise de mestrados e doutorados (1982-2008) – HOLANDA, Adriano Furtado Holanda (2009) Grupos terapêuticos na abordagem gestáltica: uma proposta de atuação clínica em comunidades – CARDOSO, Claudia Lins (2009) Palhaços: uma possível reflexão para a Gestalt-Terapia – TSALLIS, Alexandra C. (2009) A Gestalt-Terapia na universidade: da f(ô)rma à boa forma – SOARES, Luciana Loyola Madeira (2009) Intimidade: o incomum lugar comum num universo de alheios – CAVANELLAS, Luciana Bicalho (2009) O cuidado na saúde e na doença: uma perspectiva gestáltica – FUKUMITSU, Karina Okajima; CAVALCANTE, Flaviana e BORGES, Marcelo (2009) Os ajustamentos criativos da criança em sofrimento: uma compreensão da Gestalt-Terapia sobre as principais psicopatologias da infância – ANTONY, Sheila Maria da Rocha (2009) Estudos de Psicologia Um estudo comparativo da freqüência de verbalização empática (Campinas) (1) entre psicoterapeutas de diferentes abordagens teóricas – FALCONE, Eliane Mary de Oliveira; GIL, Débora Barbosa; FERREIRA, Maria Cristina (2007) 196 Paidéia (1) Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola – DUSTI, Miriam Lucia Herrera Masotti; NECES, Marisa Maria Brito da Justa; ANTONY, Sheila (2006) Psicologia: Teoria e Pesquisa (1) A resistência olha a resistência – RIBEIRO, Jorge Ponciano (2007) REVRENE (1) Grupo terapêutico com mulheres com transtornos de ansiedade: avaliação pela Escala de Ansiedade de Hamilton – SOUZA, Ângela Maria Alves; FRAGA, Maria de Nazaré de Oliveira; MORAES, Leila Memória Paiva; GARCIA, Maria Lucia Pinheiro; MOURA, Karl Dmitri Ramos; ALMEIDA, Paulo Cesar de (2008) Comunicação em Ciências da Compreendendo a hiperatividade: uma visão da Gestalt-Terapia – Saúde (1) ANTONY, Sheila Maria da Rocha e RIBEIRO, Jorge Ponciano (2008) Psicologia em Estudo (1) Hermenêutica gestáltica de uma violência sexual intrafamiliar – PIMENTEL, Adelma do Socorro Gonçalves e ARAÚJO, Lucivaldo da Silva (2009) Fractal (1) Gestalt-Terapia e terapia sistêmica: o corpo em psicoterapia – GURGEL, Marilia Toscano de Araujo (2008) Contextos Clínicos (1) Três perspectivas em psicoterapia infantil: existencial, não diretiva e Gestalt-terapia – MATTAR, Cristine Monteiro (2010) 197 APÊNDICE 7 – Dissertações e Teses distribuídas por Programas de Pós-Graduação, por período Programa Psicologia, Universidade de São Paulo Psicologia, Universidade de Brasília Psicologia, Fundação Getúlio Vargas, RJ Educação. Universidade Federal do Ceará Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro Psicologia (da Saúde). Universidade Metodista de São Paulo Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Psicologia Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Psicologia. Universidade São Marcos, SP Filosofia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro Educação. Universidade Paulista, SP Ciências da Religião. Universidade Metodista de São Paulo Comunicação Social. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Psicologia (Clínica). Universidade Católica de Pernambuco Ergonomia. Universidade Federal de Santa Catarina Educação. Universidade Católica de Goiás Psicologia (Clínica). Pontifícia Universidade Católica de Campinas Educação. Pontifícia Universidade Católica de Campinas 1981 a 1985 2 1986 a 1990 1 1 1 1 1991a 1995 2 1 1 2 1 1996 a 2000 3 1 2001a 2005 2006 a 2010 1 6 3 1 2 1 1 2 1 1 1 2 1 Total 9 12 1 4 6 2 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 4 4 1 1 1 1 1 1 1 1 198 Enfermagem. Universidade Federal do Ceará Psicologia. Universidade Católica de Goiás Filosofia. Universidade Federal de Santa Catarina Educação. Universidade Federal de Santa Catarina Ciências da Religião. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Psicologia Clínica e Social. Universidade Federal do Pará Teatro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Educação. Universidade Federal do Espírito Santo Total 27 Programas de Pós-Graduação 1 1 1 1 2 4 9 (7M, 2D) 12 26 (19M, 7D) 1 1 4 1 1 1 5 5 1 1 1 1 17 (13M, 4D) 17 (13M, 4D) 3 199 APÊNDICE 8 – Dissertações e Teses: Título, Autor, Ano, Programa de Pós-Graduação e Orientador Período De 1981 a 1985 Títulos, Autor, Instituição, Orientador Reflexões Sobre Trabalho com Grupos na Abordagem Gestáltica em Psicoterapia e Educação TELLEGEN, Thérèse A. (1982), Psicologia, Universidade de São Paulo → Therezinha Moreira Leite O modelo de aprendizagem experiencial aplicado ao ensino de terapia de grupo – FRAZÃO, Lilian Meyer (1983), Psicologia, Universidade de São Paulo → Nilce Pinheiro Mejias De 1986 a 1990 Análise e Avaliação do Processo de Mudança em um Grupo Fechado de Gestalt-Terapia: Estudo de Caso – LIMA, Márcia Maria Coutinho (1988), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Bases Filosóficas e Implicações Técnicas na Gestalt-Terapia – PORTO, Rosane Carneiro (1989), Psicologia, Fundação Getúlio Vargas → Franco Lo Presti Seminério Gestalt-terapia e transferência: aquisição de conceitos na formação de psicologia – ZLOTNIC, Sergio (1990), Psicologia, Universidade de São Paulo → Norberto de Abreu e Silva Neto Psicoterapia e consciência social – FROTA, Ana Maria Monte Coelho (1990), Educação, Universidade Federal do Ceará → Maria Susana Vasconcelos Jimenez De 1991 a 1995 Estudo sobre o método de experimentos com sonhos na concepção de Frederick Perls – LIMA FILHO, Alberto Pereira (1991), Psicologia, Universidade de São Paulo → Therezinha Moreira Leite Diagnóstico em Gestalt-Terapia: Possibilidades e Limites – QUADROS, Laura Cristina de Toledo (1991), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Elida Sigelmann De cotovelos apoiados no para-peito da palavra: no cenário clínico, qual é o horizonte?* – LOFFREDO, Ana Maria (1992), Psicologia, Universidade de São Paulo → Norberto Abreu e Silva Neto O processo de cooperação na psicoterapia de grupo em Gestalt-terapia – BORIS, Georges Daniel Janja 200 Bloc (1992), Educação, Universidade Federal do Ceará → Maria Suzana Vasconcelos Jimenez Uma Contribuição ao Conceito de Auto-Regulação Psicológica na Gestalt-Terapia – Para Além da Homeostase - GORENSTIN, Sergio Garbati (1992), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Elida Sigelmann Contatuando com figura e fundo: uma contribuição a psicoterapia de grupo infantil na abordagem gestáltica em psicoterapia – ZANELLA, Rosana (1992), Psicologia da Saúde, Universidade Metodista → Eda Marconi Custódio O homem e sua experiência com o abortamento provocado da parceira* – CARDOSO, Wilma Lucia Castro Diniz (1993), Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo → Mathilde Neder Os Distúrbios da Fronteira de Contato – um Estudo Teórico e Empírico em Gestalt-terapia – VASCONCELOS, Carlene Maria Dias de (1994), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Psicoterapia e Individualismo: Análise Teórico-Prática dos Limites e Possibilidades de um Projeto Para a Clínica no Discurso da Gestalt-Terapia – TÁVORA, Claudia Baptista (1994), Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro → Luiz Felipe Baeta Neves Flores De 1996 a 2000 A Gestaltpedagogia sai às ruas para trabalhar com crianças e educadores de rua – LILIENTHAL, Luiz Alfredo (1997), Psicologia, Universidade de São Paulo → Henriette Tognetti Penha Morato A Orientação Vocacional Clínica Por um Mundo em Transformação – um enfoque gestáltico – FERREIRA, Ieda Boteho (1997), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Elida Sigelmann Repensando o Campo Teórico da Gestalt-Terapia – LIMA, Patrícia Valle de Albuquerque (1997), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Elida Sigelmann Interrupção do processo psicoterapêutico: uma abordagem gestáltica – BAFFILE, Stelamaris Nani (1997), 201 Psicologia da Saúde, Universidade Metodista → Marilia Martins Vizzotto A Abordagem Gestáltica e Construtivista na Compreensão do Desenvolvimento da Autonomia e da Subjetividade de Jovens em Situação de Risco durante o Uso do Sistema Hipernet – ZURBA, Magda do Canto (1997), Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul → Léa da Cruz Fagundes O conceito de inconsciente na Gestalt-Terapia – PENTEADO, Carlos Alberto da Silva (1998), Psicologia, Universidade de São Paulo → Ana Maria Loffredo Dentro e fora da lata de lixo: uma análise gestáltica das articulações entre a vida e obra de Frederick Perls – KIYAN, Ana Maria Mezzarana (1998), Psicologia, Universidade São Marcos → Mitsuko Aparecida Makino Antunes A Gestalt-terapia no envio da modernidade: teoria e técnica na confrontação da dor – CAVANELLAS, Luciana Bicalho (1998), Filosofia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro → Telma Apparecida Donzelli A incorporação do conhecimento como criação de si mesmo na formação do gestalt-terapeuta – CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos (1998), Educação, Universidade Paulista → Christina Menna Barreto Cupertino Psicologia e Religião: Corpo e Crescimento Espiritual na Concepção dos Bispos Metodistas - SANTOS, Luis Carlos Nunes (1999), Ciências da Religião, Universidade Metodista → Jaci Correia Marschin Consciência e educação: oficinas criativas na formação de educadores - CARVALHO, Clara Paulina Coelho (2000), Psicologia, Universidade de São Paulo → Henriette Tognetti Penha Morato Contato e cultura organizacional: ensaio para um modelo psicológico de análise organizacional na perspectiva da abordagem gestáltica – ALVIM, Mônica Botelho (2000), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro 202 De 2001 a 2005 Intimidade e experiência amorosa: do campo psicoterapêutico ao campo da cultura - um ensaio de apreensão teórica – CARVALHO, Márcia Teresa Portela de (2001), Psicologia, Universidade de Brasília → Terezinha de Camargo Viana Psicogênese da Masculinidade: uma Leitura Gestáltica Sobre a Construção da Identidade do Gênero Masculino em Diversas Teorias e sua Importância Para a Escola – ROCHA, Sergio Lizias Costa de Oliveira (2001), Educação, Universidade Federal do Ceará → Sílvia Helena Vieira Cruz Autoconhecimento Como Habilidade Profissional Para as Relações Públicas: um Enfoque da GestaltTerapia – GALLI, Loeci Maria Pagano (2001), Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul → Roberto José Porto Simões Gestalt-terapia: herança em re-vista - Gomes, Patrícia Wallerstein (2001), Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco → Henriette Tognetti Penha Morato e Marígia Ana de Moura Viana O uso da Gestaltpedagogia no desenvolvimento das inteligências múltiplas aplicada no processo de ensino-aprendizagem – BONMANN, R. D. (2001), Ergonomia, Universidade Federal de Santa Catarina → Vânia Ribas Ulbricht A Criança Hiperativa Como uma Totalidade em Ação: uma Visão Gestáltica Segundo a Teoria do Contato – LIMA, Sheila Antony de Souza (2002), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro A Fluidez do Ser em Gestalt-Terapia* – FERREIRA, Ieda Botelho (2002), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Ued Martins Manjud Maluf O Psicodiagnóstico em Gestalt-Terapia* – PIMENTEL, Adelma (2002), Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo → Marilia Ancona Lopez Grisi A Relação Professor-Aluno a Partir da Gestaltpedagogia: a Vivência da Intersubjetividade como um Elemento Significativo Para a Aprendizagem – COSTA, Virginia Elizabeth Suassuna Martins (2002), 203 Educação, Universidade Católica de Goiás → Marilia Gouveia de Miranda O Método Fenomenológico na Gestalt-Terapia Segundo Formadores de Gestalt-terapeutas KARWOWSKI, Silvério Lucio (2002), Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de Campinas → Elisa Médici Pizao Yoshida Estilo de contato da organização com o funcionário e prazer e sofrimento no trabalho: estudo de caso em uma empresa de material de construção no Distrito Federal – XAVIER, Carla Sabrina Antloga (2003), Psicologia, Universidade de Brasília → Ana Magnólia Bezerra Mendes Os Transtornos da Personalidade Histriônica e Obsessiva-Compulsiva na Perspectiva da Gestalt Terapia e da Teoria de Fairbairn* – TENÓRIO, Carlene Maria Dias (2003), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro A experiência de mulheres abusadas sexualmente na infância por familiares ou parentes próximos – TINÔCO, Adriana Martins (2003), Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco → Albenise de Oliveira Lima A prática da psicoterapia infantil a partir do referencial teórico do psicodrama, Gestalt-Terapia e abordagem centrada na pessoa, sob as óticas de Oaklander, Bermudez, Ferrari e Axline – COSTA, Maria Ivone Marchi (2003), Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco → Cristina Maria de Souza Brito Dias Modos de subjetivação e produção de conhecimento na vida cotidiana: um estudo na Vila Cachoeira* – ZURBA, Magda do Canto (2003), Educação, Universidade Federal de Santa Catarina → Maristela Fantin Educa-São: uma possibilidade de atenção em ação* – LILIENTHAL, Luiz Alfredo (2004), Psicologia, Universidade de São Paulo → Henriette Tognetti Penha Morato Co-construindo Pontes entre a Gestalt-Terapia e as Terapias Sistêmicas Construtivistas Construcionistas Sociais: Subjetividade e Intersubjetividade em Questão – PHILLIPPI, Miriam May (2004), Psicologia, 204 Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Entre a ação clínica, a técnica e a ética da precariedade: da Gestalt-Terapia à fenomenologia existencial – CANEDO, Maria de Fátima Mendonça (2004), Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco → Henriette Tognetti Penha Morato A construção da relação professor-aluno em uma universidade da terceira idade – OLIVEIRA, Valter Roberto de (2004), Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas → Maria Eugenia de Lima e Montes Castanho Coordenação de Grupo: Espaço de Florescimento* – SOUZA, Ângela Maria Alves e (2004), Enfermagem, Universidade Federal do Ceará → Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Análise de um caso a luz da teoria do ajustamento criativo da Gestalt-terapia: fenomenologia da experiência religiosa – CARVALHO, Marco Aurélio Bilibio (2005), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Psicoterapia e mudança - uma reflexão* – LIMA, Patrícia Valle de Albuquerque (2005), Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro → Elida Sigelmann Ilumina-ação: diálogos entre a Gestalt-terapia e o Zen-Budismo – VERAS, Roberto Peres (2005), Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo → Marilia Ancona Lopez Grisi Teoria de Campo de Kurt Lewin e a Gestalt-Terapia - Rodrigues, Hugo Elídio (2005), Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro → Helmuth Ricardo Krüger Subjetividade e Linguagem: A fenomenologia da experiência dialógica poética subjetivante de Adoniran Barbosa – LUPPI, Marcio (2005), Psicologia, Universidade Católica de Goiás → Saturnino Pesquero Ramon Gênese e construção de uma "Filosofia da Gestalt" na Gestalt-Terapia – GRANZOTTO, Rosane Lorena Bernardini (2005), Filosofia, Universidade Federal de Santa Catarina → Marco Antonio Franciotti 205 De 2006 a Uma compreensão psicossomática do órgão de choque através do trabalho com polaridades - IVANCKO, 2010 Silvia Martins (2006), Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo → Esdras Guerreiro Vasconcelos Construindo uma cultura de paz: a abordagem gestáltica como um instrumento - FITTIPALDI, Adriana Quintas (2007), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Ato artístico e ato psicoterápico como experiment-ação: diálogos entre a fenomenologia de Merleau-Ponty, a arte de Lygia Clark e a Gestalt-Terapia* – ALVIM, Mônica Botelho (2007), Psicologia, Universidade de Brasília → Jorge Ponciano Ribeiro Comunicação Contemporânea: uma visão da Fenomenologia, Gestaltterapia e da Hermenêutica* – GALLI, Loeci Maria Pagano (2007), Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul → Maria Beatriz Furtado Rahde Gestalt-terapia de curta duração para clérigos católicos: elementos para a prática clínica* – PINTO, Ênio Brito (2007), Ciências da Religião, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo → João Edenio Reis Valle A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-Terapia – ANDRADE, Celana Cardoso (2007), Psicologia, Universidade Católica de Goiás → Adriano Furtado Holanda Um estudo crítico das psicoterapias fenomenológico-existenciais: terapia centrada na pessoa e Gestaltterapia – BEZERRA, Márcia Elena Soares (2007), Psicologia Clínica e Social, Universidade Federal do Pará → Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel Hermenêutica gestáltica do abuso sexual para uma adolescente – ARAÚJO, Lucivaldo da Silva (2007), Psicologia Clínica e Social, Universidade Federal do Pará → Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel Tecendo saberes: fenomenologia do tratamento da dependência química – OLIVEIRA, Ingrid Bergma da Silva (2007), Psicologia Clínica e Social, Universidade Federal do Pará → Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel 206 Um estudo sobre o papel do jogo teatral como elemento auxiliar para o tratamento de toxicômanos – MARINHO, Fabiana Drumond (2007), Teatro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro → José Luiz Ligiéro Coelho A intervenção precoce nos ajustamentos do tipo psicótico e a clínica gestáltica: ensaios preliminares – CARVALHO, Lílian Cherulli de (2008), Psicologia, Universidade de Brasília → Ileno Izidio da Costa História da Gestalt-terapia no Brasil contada por seus “primeiros atores”: um estudo historiográfico no eixo São Paulo-Brasília - COSTA, Danilo Suassuna Martins (2008), Psicologia, Universidade Católica de Goiás → Adriano Furtado Holanda A fenomenologia das vivências arquetípicas estimuladas pelas pranchas de Rorschach – REIS, Marisete Malagute Mendonça dos (2008), Psicologia, Universidade Católica de Goiás → Saturnino Pesquero Ramon Contribuições da arteterapia no cuidado com mulheres em tratamento do câncer de mama – SIMÕES, Érica de Nazaré Marçal Elmescany (2008), Psicologia Clínica e Social, Universidade Federal do Pará → Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel O jogo da compreensão de gênero na educação infantil: um diálogo hermenêutico do pesquisador com diversos horizontes de sentidos* – ROCHA, Sergio Lizias Costa de Oliveira (2009), Educação, Universidade Federal do Ceará → Sylvie Ghislaine Delacours Soares Lins (In) visíveis seqüelas: violência psicológica contra a mulher sob o enfoque Gestáltico – FERREIRA, Wanderléa Nazaré Bandeira (2010), Psicologia Clínica e Social, Universidade Federal do Pará → Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel A arteterapia (re)significando a vida, da mente vazia às idéias coloridas: uma experiência de educação emocional e de reabilitação psicossocial com pacientes mentais por meio das linguagens visuais – PAGANOTTO, Glícia Conceição Manso (2010), Educação, Universidade Federal do Espírito Santo → César Pereira Costa