EUROPA, 1914
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EUROPA, 1914
Entre 1871 e 1914, durante a chamada belle époque, a sociedade européia, liberal e capitalista, passou por uma das fases de maior prosperidade. O desenvolvimento industrial trouxe para boa parte da população um conforto nunca antes experimentado, enquanto a ciência e a técnica abriam possibilidades inimagináveis de comunicação e transporte, com a invenção do telégrafo, do telefone e do automóvel. Entretanto, as disputas territoriais entre as potências e a má distribuição dos benefícios do progresso entre a população criavam um clima de instabilidade constante. O risco de um confronto iminente pairava no ar. Até que, em 1914, as previsões se confirmaram, com o início da "guerra que ia acabar com todas as guerras", como se costumava dizer na época. Na prática, não foi a isso que o mundo assistiu. Outro conflito, maior e ainda mais devastador, iria eclodir 25 anos depois. A expressão Grande Guerra, cunhada para o conflito que pela primeira vez na história envolveu todo o planeta, se justifica pelas proporções que o confronto alcançou, pelo aparato bélico que foi mobilizado e pela destruição devastadora que provocou. As novas armas, fruto do desenvolvimento industrial, e os métodos inéditos empregados nos combates deram aos países capitalistas o poder quase absoluto de matar e de struir. Por volta de 1914, havia motivos de sobra para o acirramento das divergências entre os países europeus. Era grande, por exemplo, a insatisfação entre as nações que tinham chegado tarde à partilha da África e da Ásia; a disputa ostensiva por novos mercados e fontes de matérias-primas envolvia muitos governos imperialistas; e as tensões nacionalistas, acumuladas durante décadas, pareciam prestes a explodir. O que estava em jogo eram interesses estratégicos para vencer a eterna competição pela hegemonia na Europa e no mundo. 1. Rivalidades imperialistas Os países europeus de industrialização mais antiga, como a Inglaterra e a França, haviam ocupado no século XIX vastas regiões de outros continentes, formando enormes impérios coloniais. Enquanto isso, a Itália e a Alemanha, cuja unificação e desenvolvimento industrial se deram tardiamente, esforçavam-se para acompanhar suas rivais na partilha da Africa e da Ásia. Insatisfeitas com a parte que lhes coube na grande divisão dos dois continentes, ambas passaram a reivindicar, por meio de pressões diplomáticas e militares, áreas do mundo colonial, desafiando a hegemonia da França e da Inglaterra. No fim do século XIX, os produtos industriais da Alemanha, unificada desde 1871, ganhavam cada vez mais os mercados tradicionalmente dominados pela Inglaterra. Ao mesmo tempo, a engenharia e a indústria navais alemãs ameaçavam a supremacia inglesa nos mares. A diplomacia alemã, por sua vez, exigia que houvesse uma nova divisão das imensas áreas coloniais, em grande parte ocupadas pelos ingleses. Para agravar a situação, em 1899 a Alemanha anunciou a construção de uma ferrovia que ligaria Berlim a Bagdá (no Iraque atual), dando acesso a uma área de influência inglesa, valorizada principalmente pela existência de jazidas de petróleo. Ainda maior e mais explosiva era a rivalidade entre a Alemanha e a França, alimentada por ressentimentos nacionalistas desencadeados pela derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Na década de 1900, os dois países travaram disputa pelo Marrocos, localizado no norte da África e rico em minérios. A Alemanha questionava o acordo firmado entre a França e a Inglaterra em 1904, segundo o qual o território do Marrocos podia ser colonizado pelos franceses, e exigia que seus direitos sobre a região fossem reconhecidos. O episódio quase levou os dois países à guerra. Um acordo, cedendo alguns territórios do Congo francês à Alemanha, porém, fez com que o governo alemão desistisse do Marrocos e acabou evitando o conflito. A disputa entre a França e a Itália pela Tunísia, no norte da África, também criou na época outro foco de tensão. A França dominava a região desde 1881, mas a Itália não escondia seu interesse econômico no território. Tanto que os italianos se aproximaram da Alemanha, já pensando em futuras alianças na disputa colonial. Paixões nacionalistas Ao longo do século XIX, o nacionalismo constituiu grande força política na Europa, capaz de mobilizar os povos na luta pela unidade territorial e pela afirmação dos valores e tradições nacionais. Com o acirramento das disputas imperialistas, passou a ser também uma das fontes legitimadoras da guerra. O nacionalismo europeu assumiu diferentes formas, segundo a região em que se manifestou. Na França, deu origem ao revanchismo, provocado pela derrota na Guerra Franco-Prussiana. Difundido nas escolas, igrejas e na imprensa, o revanchismo francês alimentava o nacionalismo militarista e o ódio aos alemães. O pan-eslavismo russo constituiu outro fenômeno importante e surgiu do dever, assumido pelo governo russo, de proteger os povos eslavos. Como grande nação eslava, a Rússia constantemente se envolvia em conflitos com os impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano, que tinham domínios nos Bálcãs, onde se localizavam várias nações de mesma origem étnica, entre elas a Sérvia. Uma terceira forma adotada pelo nacionalismo na Europa foi o expansionismo sérvio, alimentado depois que a Rússia derrotou o Império Turco-Otomano em 1878, ano em que a Sérvia conquistou sua independência. Encravado na península balcânica, o novo país, querendo aumentar seu território, reivindicava a província da BósniaHerzegovina, então em poder do Império Austro-Húngaro. Na Alemanha, o nacionalismo se manifestou na forma de pangermanismo, corrente ideológica que lutava pela reunião dos povos europeus de origem germânica sob a liderança alemã. Um dos órgãos difusores dessa ideologia era a Liga Pangermânica, criada em 1893. Bálcãs, uma região explosiva Os Bálcãs sempre foram um barril de pólvora prestes a explodir. Na região conviviam povos de diferentes formações étnicas é religiosas em conflito permanente. Além disso, sua posição estratégica — ligando a Europa ao Oriente — tornava o território fonte de disputa entre várias potências, interessadas em dominar o Mediterrâneo oriental, uma das mais importantes rotas comerciais da época. Até o começo do século XIX, toda a península estava sob o domínio do Império Turco-Otomano. A partir de então, as nações foram conquistando, pouco a pouco, a independência: a Grécia, em 1829; a Sérvia, Montenegro e a Romênia, em 1878; a Bulgária, em 1897; e a Albânia, em 1912. O forte nacionalismo na região acabaria levando as potências européias a se enfrentarem na Primeira Guerra Mundial. 2. O atentado de Sarajevo Esse clima de exagero nacionalista e disputas imperialistas deu origem à formação de dois blocos antagônicos de nações. O primeiro a surgir foi a Tríplice Aliança, que reunia a Alemanha, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Logo depois, foi formada a Tríplice Entente, aliança militar entre a Inglaterra, a Rússia e a França. As seis maiores potências da Europa estavam, assim, prontas para a guerra. Faltava apenas um pretexto para iniciar o confronto, e este surgiu no dia 28 de junho de 1914, quando um estudante sérvio assassinou a tiros o herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando, e sua esposa, na capital da Bósnia, Sarajevo. A Áustria culpou a Sérvia pelo assassinato e exigiu providências em relação ao caso. O governo sérvio não encontrou uma saída conciliatória que acalmasse os ânimos depois do atentado, e a Áustria imediatamente declarou guerra à Sérvia. Em 30 de julho, a Rússia mobilizou suas tropas contra a Áustria, em apoio à Sérvia. Em resposta, a Alemanha entrou em guerra com a Rússia, para cumprir seus compromissos com a Áustria. No dia 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra à França e, no dia seguinte, deu início à sua ofensiva, invadindo o território da Bélgica, um país neutro. A violação da neutralidade belga foi o motivo alegado pela Inglaterra para declarar guerra à Alemanha, em 4 de agosto. Em Roma, o governo italiano se recusou a entrar no conflito, argumentando que seu compromisso com a Tríplice Aliança era apenas defensivo. O governo alemão planejava derrotar a França rapidamente com um ataque fulminante, para depois voltar suas forças contra a Rússia. Com isso queria evitar uma luta prolongada em duas frentes ao mesmo tempo. A ofensiva alemã, contudo, foi detida na batalha do rio Marne, em 1914. A batalha inaugurou a chamada guerra de trincheiras, na qual as forças inimigas se fixavam por longo tempo, frente a frente, em abrigos cavados na terra e protegidos por arame farpado, denominados trincheiras. A Rússia tomou a iniciativa na frente oriental, invadindo a Alemanha e a Áustria-Hungria em 15 de agosto de 1914. No início de 1915, a ofensiva foi contida pelas forças da Tríplice Aliança e, como ocorreu na frente ocidental, os exércitos inimigos foram obrigados a se imobilizar na guerra de trincheiras. Enquanto isso, no mar, a vantagem inicial dos ingleses era quebrada pela ação dos submarinos alemães. Com a intensificação da luta, outros países aderiram a um ou outro lado das forças em conflito. O Império TurcoOtomano (ainda em 1914) e a Bulgária (1915) uniram-se aos alemães na Tríplice Aliança. Do lado oposto, entraram Japão (1914), Portugal e Romênia (1916), Estados Unidos, Grécia e Brasil (1917). A Itália, que pertencia à Tríplice Aliança, entrou no conflito em 1915, ao lado dos países da Entente. Com isso, a guerra ganhou caráter realmente mundial. Os Estados Unidos entram na guerra Até o começo da guerra, os Estados Unidos cultivavam uma política isolacionista, isto é, de não-intervenção nos assuntos europeus. Essa atitude mudou em abril de 1917, quando o presidente Woodrow Wilson declarou guerra à Alemanha, depois de vários navios mercantes norte-americanos serem afundados por submarinos alemães em águas internacionais. Nesse mesmo ano, a Rússia foi abalada por duas revoluções no curto período de nove meses. Em fevereiro de 1917, uma rebelião popular derrubou o monarca russo (ou czar), que foi substituído por um governo liberalburguês. Em outubro, outra insurreição popular, liderada pelo Partido Bolchevique, mais tarde, Partido Comunista, destituiu o novo governo e instaurou a ditadura do proletariado, que tomou a decisão de firmar a paz com os alemães. O fim do conflito Depois de assinarem a paz com o governo bolchevique, os alemães concentraram suas forças na frente ocidental. A essa altura, o uso de novas armas — principalmente tanques e aviões — permitiu uma mudança radical nas táticas de combate. Introduzidos nos campos de batalha em 1916, os tanques rompiam facilmente as trincheiras, abrindo caminho para que a infantaria penetrasse em território inimigo. Em março de 1918, os alemães lançaram uma grande ofensiva na frente ocidental, utilizando aviões, tanques e canhões de longo alcance. Em junho, chegaram a 46 quilômetros de Paris, onde foram detidos pelas defesas aliadas, reforçadas então por tropas e armamentos norte-americanos. A reação aliada imprimiu à guerra nova direção. Obrigados a recuar, sob intenso fogo do inimigo, os alemães começaram a perder aliados: Bulgária, Império Turco-Otomano e Áustria, um após outro, retiraram-se da guerra. No segundo semestre de 1918, a situação militar da Alemanha tornou-se insustentável. Ao mesmo tempo, o bloqueio naval imposto pelos Aliados causava séria escassez de alimentos em território alemão, provocando manifestações de protesto em todo o país. Em novembro de 1918, a população de Berlim se sublevou contra o governo monárquico, obrigando o imperador Guilherme II a abdicar. Formou-se então um governo provisório, sob a liderança do Partido Social-Democrata (socialista moderado), que proclamou a República, conhecida como República de Weimar, e assinou um acordo de paz com os Aliados, suspendendo as hostilidades. Terminava, assim, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Relato de um soldado O campo de batalha é terrível. Há um cheiro azedo, pesado e penetrante de cadáveres. Homens que foram mortos no último outubro estão meio afundados no pântano e nos campos de nabos em crescimento. As pernas de um soldado inglês, ainda envoltas em polainas, irrompem de uma trincheira, o corpo está empilhado com outros; um soldado apóia seu rifle sobre eles. Um pequeno veio de água corre através da trincheira, e todo mundo usa a água para beber e se lavar; é a única água disponível. Ninguém se importa com o inglês pálido que apodrece alguns passos adiante. No cemitério de Langermark, os restos de uma matança foram empilhados e os mortos ficaram acima do nível do chão. As bombas alemãs, caindo sobre o cemitério, provocaram uma horrível ressurreição. Num determinado momento, eu vi 22 cavalos mortos, ainda com os arreios. Gado e porcos jaziam em cima, meio apodrecidos. Avenidas rasgadas no solo, inúmeras crateras nas estradas e nos campos. O Tratado de Versalhes Em janeiro de 1919, teve início a Conferência de Paris, convocada para estabelecer novas condições internacionais de convivência. Dela participaram somente as nações vencedoras e os países neutros, totalizando 32 governos, mas apenas três líderes definiram os rumos do encontro: o primeiro-ministro da Inglaterra, Lloyd George, e os presidentes da França e dos Estados Unidos, Georges Clemenceau e Woodrow Wilson, respectivamente. A Conferência de Paris fixou os termos do tratado de paz a ser firmado com as nações vencidas e reformulou o mapa da Europa. Quatro antigos impérios deixaram de existir. Os impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano foram desmembrados, dando origem a diversas nações, como a Tchecoslováquia e a Iugoslávia. Além disso, a reunião aprovou a constituição da Sociedade das Nações, também chamada de Liga das Nações, proposta pelo governo norte-americano. O principal objetivo do órgão era encontrar caminhos para o convívio pacífico entre os povos do mundo. Em junho de 1919, vencedores e vencidos se reuniram nas proximidades de Paris para firmar o Tratado de Versalhes. Por imposição da França, o tratado foi assinado na Sala dos Espelhos do palácio de Versalhes, a mesma em que Bismarck havia proclamado o Segundo Reich alemão, em janeiro de 1871, após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana. Pelo acordo, a Alemanha perdeu a Alsácia-Lorena para a França e outras regiões para a Bélgica, a Tchecoslováquia e a Polônia. Além disso, foi criada uma estreita faixa de terra ligando a Polônia ao mar Báltico. Denominada corredor polonês, essa faixa atravessava o norte da Alemanha, cortando o país em duas partes. O tratado tinha também uma cláusula econômico-financeira, que obrigava a Alemanha a pagar pesada indenização em dinheiro, a título de "reparações de guerra", e a entregar parte de sua frota mercante, de suas locomotivas e de suas reservas de ouro às nações vencedoras. Uma cláusula militar proibia que o governo alemão tivesse marinha de guerra, tanques e artilharia pesada, fixando seu exército em 100 mil soldados. Semeando uma nova guerra Além de provocar incalculável destruição material, a Primeira Guerra Mundial deixou um saldo de 9 milhões de mortos na Europa. A guerra marcou também o fim da hegemonia inglesa no mundo. Embora estivesse entre as nações vencedoras, a Inglaterra perderia pouco a pouco sua supremacia para os Estados Unidos. Quanto à Alemanha, a humilhação que lhe foi imposta pelo Tratado de Versalhes seria fonte de ódios e ressentimentos entre o povo alemão. Criavase assim, nesse país, um clima propício ao despertar de sentimentos extremistas, alimentados pelo ultranacionalismo germânico e pelo espírito de revanche. Esses sentimentos seriam capitalizados pelo nazismo que, uma vez no poder, lançaria o mundo numa nova guerra mundial, muito mais destrutiva do que a anterior.
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