Paparazzi – o narrador como uma câmera
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Paparazzi – o narrador como uma câmera
Paparazzi – o narrador como uma câmera Produções textuais do curso de Cinema da UFSC Marcio Markendorf (organizador) Bruna Ramos Pavesi (revisora) Número 5 Crédito da imagem: Paparazzi photographer in car, Moodboard/Corbis Universidade Federal de Santa Catarina Junho de 2012, Florianópolis. SUMÁRIO O olhar como câmera, a escrita como objetiva Marcio Markendorf O OLHAR COMO CÂMERA, A ESCRITA COMO OBJETIVA ......................... 4 MARCIO MARKENDORF .................................................................................................................................. 4 ALTERCAÇÃO NA NOITE ........................................................................... 5 CARLOS LENINE PEREIRA................................................................................................................................. 5 SEM TÍTULO .............................................................................................. 6 CINTHIA FERNANDES ...................................................................................................................................... 6 IRONIA FAMILIAR..................................................................................... 7 FELIPE SILVA RECHE ....................................................................................................................................... 7 SEM TÍTULO .............................................................................................. 8 TAMAR GEORG BENDER ................................................................................................................................. 8 DESACATO ................................................................................................. 9 LUISA NAVES ................................................................................................................................................ 9 SEM TÍTULO ............................................................................................ 10 MATEUS PATIRI...................................................................................................................................... 10 CASUALIDADES........................................................................................ 11 ANNA CASARIN E BRUNA RAMOS PAVESI ......................................................................................................... 11 TEMPO PERDIDO ..................................................................................... 12 MARIA PALOMA GOMIDE E TAISI ROCHA ........................................................................................................ 12 Criar a impressão de neutralidade. Pensar na objetiva da câmera como um meio de registro da realidade. Partindo desses pressupostos, os alunos de Expressão Escrita II (turma 2011-2) foram convidados a escrever textos com pretensões de registro do mundo, não de um modo puramente mecânico, mas expondo imagens captadas como poemas, foto-poemas, poemas-texto. Cada flash seria uma fotografia; cada fotografia seria uma linha. Os escritores lançaram mão de seu lugar de formação – o cinema – para escrever histórias marcadas por enquadramentos, movimentos de câmera e formatos próximos ao roteiro. Os textos que inspiraram as produções foram poemasreportagem de Manuel Bandeira, Rubem Fonseca, Guimarães Rosa e Jorge de Lima. Sem título Altercação na Noite Carlos Lenine Pereira Cinthia Fernandes Quatro reunidos em círculo. Discutiam. Cara de um: circunspecto. Cara de outro: agressivo, boca aberta a falar e cuspir. Cara de ainda outro: cara de nada. Cara do último: olhos vidrados no chão. Não chegavam a um acordo. Era noite na longa rua deserta. Maioria das luzes dos postes queimada. Mato e escuridão ao redor. – Aqui mesmo. Pode ser aqui mesmo – disse o circunspecto. – Não! No mar, já falei! – esbravejou o agressivo. O Sr. Nada explicou por que no mar seria perigoso. O último só fitando o chão. Mais bate-boca. Porém o tempo urgia ação. A ideia do mar acabou se impondo, apesar dos protestos da maioria. Os quatro, ainda em círculo, se abaixaram. Estava pesado. Caminharam até o carro. Abriram e fecharam o porta-malas. Depois de limpar o sangue do asfalto com seus próprios casacos, se enfiaram no Fiat de capô amassado e lanterna esquerda quebrada, aceleraram e deram o fora. Seu Alf Spence, um pequeno idoso de bengalas marrons, aposentado, de 91 anos, cuja visão não ajudava mais, mesmo com a ajuda de seus óculos redondos depositava cartas, numa quadrada e gigante caixa vermelha de rua, para a família há anos. Até que um dia uma robusta mulher ruiva toca em seu ombro e diz que aquela quadrada e gigante caixa vermelha não era do correio, e, sim, um container que também era gigante e vermelho, de cocô de cachorro. A família alemã dele já o tinha dado por caduco, pois ele dizia que mandava aquelas cartas de papel envelhecido, que nunca chegavam. Ironia Familiar Sem título Felipe Silva Reche Tamar Georg Bender Carmona tinha 44 anos de idade, era arquiteta e decoradora, rica, morava bem, comia bem, tinha três filhos, Pedro e Mateus, de 14 e 11 anos, respectivamente, e Alice, de 7 anos. Carmona estava planejando um luxuoso resort, com vista para uma linda praia, cuja ala infantil era decorada de acordo com os gostos de seus três filhos. Nessa época da vida, Carmona vivia para o resort e os filhos, para os filhos e o resort, até que, em um dia de sol, em meio ao expediente, a ala infantil do resort desabou, tirando a vida de Carmona e dos seus filhos. Última chamada para os passageiros do voo pra Manaus. Dia ensolarado sem nuvens. E não parava de entrar gente, e bagagem de mão, e criança naquele avião. Fechada a entrada, manobras feitas, já tinha autorização para decolar vinte e dois chapéus, e catorze chupetas, e vinte e quatro bonés, e trezentas e tantas escovas de dente, e bolsas, e celulares, e anéis (de compromisso ou não), e chinelos, e canetas, e absorventes. Mesmo pesada, a máquina de voar não parava de buscar o céu. Um barulho esquisito, notou o piloto; Para logo em seguida quem ficou lá embaixo ver uma explosão de malas, livros, meias, uma carta de amor, RGs, CPFs e até um CD dos Rolling Stones. Sem título Mateus Patiri Desacato Luisa Naves Duas crianças morreram em um incêndio na Zona Norte de São Paulo Prédios altos e céu escuro testemunharam o momento O incêndio foi extinto às 2 horas da manhã pelo Corpo de Bombeiros E agora os moradores observam os corpos sendo levados Alguns, até mesmo, com um leve sorriso no rosto. Começo da história. Um pequeno exemplo de exemplo mal dado. A câmera registra as palavras como imagens, ou potências de imagem, blocos de imagem, organizadas em um espaço físico fictício, construído dentro dos limites físicos da caixa craniana, mas que flui através dela por ser antimatéria, por meio da imaginação, com efeito de construção: construção de cenário, de personagens, de seus caminhos, de suas trilhas e suas tramas, do formato de sua cama... Nota. Plano aberto. Faz sol, está claro, é dia. (Câmera em plano aberto, vemos ao fundo, da esquerda pra direita, armário, janela, as cortinas meio abertas, cama. Personagem principal na cama. Mesinha em frente ao armário, de forma que se aproxime da câmera; e escrivaninha em frente à cama, também se aproximando. Chão de azulejo branco.) (...) Começo de dia Plano poético de intrusão. O sol não bate de frente com a janela, e a claridade só sussurra que o novo dia já chegou. Alguns pássaros ajudam, e o personagem principal, que já havia acordado, se espreguiça, limpa as remelas e senta. A cama baixa; sentado como índio, mantém os pés no chão. Temos a cabeceira da cama e o lado direito dela em contato com a parede toda branca cheia de recortes e colagens. Há um All Star vermelho pendurado na parede da cabeceira. O calendário, embaixo do tênis marca a última quarta de novembro. Ainda sentado, acende o cachimbo que se encontra no criado mudo, localizado do outro lado da cama (o esquerdo), mas usa primeiro com o pé direito para dar impulso no chão. Se levanta e traça um caminho em diagonal até a cozinha, onde prepara e passa um café sem açúcar. “Hum”. Toma o café na varanda. Levanta. Deixa a louça na pia e pega um pedaço de chocolate; flocos. Escova os dentes, tira o pijama, arruma algumas coisas, troca de roupa. Pé direito; pé esquerdo. Olha o relógio. Olha no espelho. Tudo em ordem. Deixa um bilhete – ‘tem comida na geladeira’. Abre a porta. Fecha a porta. “Tum”. Plano aberto do quarto vazio. Fade out. Casualidades Anna Casarin e Bruna Ramos Pavesi O primeiro apareceu há quatro anos. Flutuava no litoral de Vancouver. Rostos assustados. Gritos de horror. Depois o segundo, o terceiro e o quarto. Moradores já não se importam. Hoje chegou o décimo primeiro pé, não vieram mais. “Alguém deve estar manco”. Tempo Perdido Maria Paloma Gomide e Taisi Rocha Um túnel de luz. Frio. Escovar os dentes... 53 dias da vida. Vovô Inácio, desaparecido na guerra, ainda com seu uniforme rasgado, me observava da porta do banheiro. Amarrar os sapatos... 6 dias da vida. Junto com vovô, Amanda me observava, ainda aparentando seus 6 anos. Preparar um café... 35 dias da vida. Meu Rafael sentado à mesa, ainda com a mesma roupa do acidente. Mastigar a comida... 140 dias da vida. Me vejo pálida sobre a mesa fria. Meu sangue, já ralo, pela terceira vez naquela semana, colore a bolsa plástica de vermelho. Ontem os 30 dólares foram comida... Hoje seriam o preço da minha passagem para casa.