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HEAD CONTROL SYSTEM · FIELDS OF THE NEPHILIM · JESS FRANCO · CANNABIS Publicação Independente, Alternativ@ e Consciente! · Distribuição Gratuita · Ano XI · Janeiro ’06 N.º 18 MÉCANOSPHÈRE · BOLT THROWER · LIGHTNING BOLT · IF LUCY FELL 2005 Certamente já notaram que a revista está maior. Finalmente pudemos concretizar uma ambição que se tornou numa necessidade e aumentámos o número de páginas. Isto deu-se por duas razões fundamentais: por um lado, a aceitação que temos vindo a ter por parte dos leitores e que se traduz na procura de espaço publicitário de várias entidades; por outro, cremos ter uma equipa cada vez mais versátil e com qualidade suficiente para dar mais e melhor em cada nova edição. E se vamos aumentar as páginas, não vamos ter apenas mais do mesmo. Vamos concretizar outros objectivos antigos, como ter artigos de cinema, bd e outros trabalhos como o Amor à Maria. Mesmo correndo o risco de ser lamechas, queria prestar aqui homenagem à nossa equipa de colaboradores, que tem sido inexcedível no seu esforço e empenho voluntário pelo projecto. Estendo a homenagem aos nossos leitores/ amigos, que nos ajudam distribuindo a revista, falando dela a mais amigos, enviando mails, mensagens de apoio em fóruns, etc. É convosco que queremos brindar na nossa festa no dia 27 de Janeiro, n’O Culto, em Cacilhas (Almada). Como disse Frank Zappa, falar sobre música é como dançar sobre arquitectura. Vamos senti-la juntos! N.º 18 Apartado 1342 · 1009-001 Lisboa [email protected] (+351)965 529 235 [JP] · (+351)914 334 924 [RA] [Selos, cheque/vale postal no nome: J.P.G.D.M. Isabel] PROMOÇÕES COM CDs OFERTA: VÊ NO SITE! UNDERWORLD 4 ÍNDICE Entulho Informativo 18 www.underworldmag.org Bom/Mau em 2005 5 Fotoreportagem 6 Tattoo & Rock Fest 7 Amor à Maria 8 Head Control System 12 Phobos Anomaly 14 Ava Inferi 15 Bolt Thrower 16 Mécanosphère 18 Fields of the Nephilim 21 Lightning Bolt 24 God Is An Astronaut 26 If Lucy Fell 28 The Toasters 30 Last Exit 31 Melt Banana 32 Autoramas 33 Mitos Urbanos: R.Crumb 34 BD: Jonathan Richman! 35 Zona Crítica: . Tubo d’Ensaio 37 Entulh’Auditivo 38 Pérolas a Porcos 39 Entulho de Marte 40 Cinema: Jess Franco 44 O DISCO DA MINHA VIDA THE RESIDENTS “Third Reich and Roll” Por: JG Thirlwell [Foetus] Quinze anos de idade, vestido descuidadamente à volta da luz quente do transistor de rádio, estranhas vozes emergem das negras profundezas das páginas amareladas de velhos jornais, parecendo Publicações 46 Conto 47 RICARDO AMORIM Editor Executivo: Joaquim Pedro [JP] ([email protected]) Editor Redactorial: Ricardo Amorim [RA] ([email protected]) Colaboradores: Afonso Cortez [AC]; a.morais; Ana Brasil [AB]; David Soares [DS]; Luís Oliveira [LO]; Lurker; Marte; Mauamor [Mau]; Miguel Arsénio [MA]; Nuno Martins [NM]; Pedro Ahmed [PA]; Pedro Nunes [PN]; Ricardo Martins [RM]; Rick Thor; Rodrigo Pereira [RP] Ilustração: Aleksandar Zograf; André Lemos; João Maio Pinto; Jucifer; Pedro Zamith; Vanessa Vaz Contribuiram também: Ana Pereira; Axima Bruta; DJ Goldenshower [DJGS]; Jorge Orfão; Marcos Farrajota; Marta Mesquita; Pedro Daniel; Pedro Homero; Pedro Moura; Sílvia Caneco Revisão Gráfica: a.morais; Marta Jacinto Logótipo Underworld: Mauamor e Joaquim Pedro Design/Grafismo: Joaquim Pedro e Mauamor Web: Gonçalo Pereira; João Cunha Tiragem: 9000 exemplares Assinaturas: 4 números = €5,00 Um abraço, Ricardo Amorim O nosso ano, a nossa realidade. ALGUNS PONTOS DE DISTRIBUIÇÃO UNDERWORLD: Porto Casa da Música; Louie Louie; Rock Music - Instrumentos Musicais; Piranha; Music Shop; Só Música; PortoWeb; Para Sempre Tattoos; Porto Rio; Maus Hábitos; Heavens Gothic Bar; Spider Tattoos; Jo Jo’s Music; Nosferatu Gothic Store; Vícios Braga Carbono; Centésima Página; Deslize; Cobra Discos; Vícios Lamego Discoteca Adrenalina Sta. Marta de Penaguião Blind and Lost Music School Vila Real Fashion Klub; Nostalgia Instrumentos Musicais Aveiro DB Música; Division House; Livraria Navio de Espelhos; Reticências; d’Orfeu (Águeda); Skinlab Tattoos & Piercings; TNT Tattoos & Piercing Coimbra DarteMusica; bar Galeria; Mystica Leiria Alquimia; Rastilho Records/ Distro Marinha Grande Centro Cooltural “OVIRUS”; Bar Operário Lisboa Ananana; Androm Gothic Store, Bad Bones Tattoos & Piercing; Carbono; Crossover Studios (Linda-a-Velha); Dark Doll Gothic Fashion; Fata Morgana; Queen Of Hearts Tattoos & Piercing; Clockwork Tattoos; Xaranga; La Diabla Tattoos & Piercing; Atomic Tattoos & Piercing; Symbiose, Bedeteca de Lisboa, Alkimia/Triparte Tattoos & Piercing; bar Souk; bar Boca do Inferno; bar Tocsin; Galeria ZDB; Mongorhead Comix; Nobre Tattoos & Piercing; Hot Flame Tattoos & Piercing; Neon Recordshop; Guardians Of Metal; Eith Tattoos & Piercing; Salão Musical de Lisboa Cascais Soul On Skin Tattoos & Piercing; Salamandra Bar; Mundo da Tattoo; Gearbox; Lotus Klub; RC Tattoos Linha Linha Sintra Bang Bang Tattoos & Piercing; Hard Core Tattoos & Piercing, Carbono Amadora; Margem Sul Floyd Studios; El Diablo/ Queen of Hearts Tattoos & Piercing (Barreiro); Dark Fashion; Caroxa Tattoos & Piercing; Bar O Culto; Impact Tattoos & Piercing; Ponto de Encontro (Cacilhas); Rock Lab Bar (Moita); Rosário Instrumentos Musicais Algarve Bad Bones Tattoos & Piercing; Rock Rarities; Marginália; Lost Sound Records Açores Poison Tattoo & Piercing (Lajes); Thrash Publishing Madeira Anatomic Tattoo & Body Piercing (Funchal); Bar Reduto OUTROS DISTRIBUIDORES: Ancient Ceremonies Magazine & Distro; Ataque Sonoro Records; Anti-Corpos D.I.Y.; Division House, Equilibrium Music/ Procon Media; Floyd Records; Dark Fashion Mail-Order; Associação Chili Com Carne; Associação Portuguesa de Satanismo; Piranha Mail-Order; Best Times Records; Rastilho Records/ Distro; Zero Work Records; Nemesis Musica; Barroselas Metal Fest/ Steel Warriors Rebellion... Évora, Viseu, Guarda, Lagos, Loulé, Beja, Porto Santo, Castelo Branco, Vigo... ETC!! uniformes de Klu Klux Klan. Era o programa de rádio do Ralph. Foi assim que conheci os The Residents, numa Austrália culturalmente faminta e geograficamente isolada, por volta de 1976. Envolvidos em mistério e mitologia, reprimindo com implosões a explosão cultural dos anos 60, através da sensibilidade dos teus piores pesadelos não realizados. Fixando a mente nos sons que surgem aos ouvidos. Sem corpo. Satélites e estalagmites. Espiam-se cientistas. Era a música que eu sempre quis ter ouvido mas que jamais fui capaz de articular. Vários anos mais tarde, David Lynch apareceu com o filme Eraserhead. Isto poderia ter sido gerado como uma longa lombriga de cabeça negra do poro imóvel dos The Residents. Reminiscência distorcida através de um espelho que distorce. Atonalidades e discórdia. A palavra “perturbante” vinha continuamente à mente e era ecstasy para este jovem rapaz. Assim o meu trabalho para casa é o seguinte: faz um favor a ti mesmo e arranja a reedição de luxo deste álbum pela Mute Records. Não faças download. Tira o raio dos teus lábios da teta digital, por momentos! Tradução: Ana Pereira Foto: Fabien Leca Bom > Crescimento do Under’ e as perspectivas para 2006 > Nick Cave. The Stooges e Einstürzende Neubauten em Portugal > Opeth “Ghost Reveries” > Jarboe “The Men” e a sua passagem por Leiria > Benfica Campeão. Mau < Xutos & Pontapés (“vou tirando fotocópias”?!?) < A febre Coldplay < Preço dos combustíveis < Os prémios MTV em Lisboa < Tops de final de ano. RICK THOR Bom > Um excelente ano de lançamentos no Metal nacional. O Underground está vivo e de boa saúde. Algumas coisas estão a mudar para melhor. Lá fora também não anda nada mal. Os Manilla Road lançaram FOTO: RICARDO AMORIM Comecei 2005 com um editorial falando das mudanças a que o Under’ tinha sido sujeito aquando da edição do número 15. Por uma simples questão aritmética – e porque tenho alternado a autoria deste espaço com o JP –, cabe-me também a mim iniciar as lides editoriais de 2006, dando-vos conta das alterações a ter lugar no presente. AFONSO CORTEZ Bom > Oneida “The Wedding” > Weird War “Illuminated by the light” > The Drones “Millers daughter” > Einstürzende Neubauten no CCB > 50 Cent “The Massacre” Mau < Fim de 91.6 < The Gift < The DT’s no Barreiro Rocks < The Hives no SuperBock SuperRock < ___________ (preencher no espaço). A. MORAIS Bom > Nevermore “This Godless Endeavor” > Crowbar “Lifesblood For The Downtrodden” > Opeth “Ghost Reveries” > The Roots e Nick Cave & The Bad Seeds (Paredes de Coura) > A organização e especialmente o cartaz do SBSR > Soraia Chaves n’O Crime do Padre Amaro. Mau < Benfica campeão < A dolorosa e lenta morte do stoner (quero os Kyuss de volta) < Beach Boys no Crato, Bonie-M e Village People no Atlântico < Transportes públicos em Lisboa < Metalcore (o novo nu-metal?!) JOAQUIM PEDRO Bom > Jarboe no Festival Fade-In em Leiria > Seminário “História da Música Experimental Portuguesa” por Rui Eduardo Paes > Privar com Magister Boyd Rice e camaradas da APS > Concertos no Hard Club [Laibach, Dio, Nile, etc.] > Cerveja Біла Ніч (White Night) a la Orange Revolution. Mau < Pessimismo/derrotismo generalista/ síndrome-da-recessão < Whisky martelado a passar por Jameson num tasco do Bairro < Simbiose não actuar no Festival Steelwarrior’s Rebellion por motivos políticos < Predominância de uma “tribo” em detrimento de outras no Tattoo & Rock Fest < 2 mortes, 1 acidente, um amigo que deixou de o ser, e a saudade de muita coisa. LUÍS OLIVEIRA Bom > Westbound Train ao vivo no Mercado da Ribeira (Lx) > Los Fastidios “Siempre on Tour” DVD > 1000 Tattoos - livro (Taschen) > Punk:Attitude DVD - Don Letts > The Business ao vivo no Anoeta (Vigo) Mau < Faltas do Luisão na pequena área < Candidatos presidenciais com mais de 80 anos < Preços dos concertos no Garage < Crise de vendas de CDs e vinil < Poucas publicações musicais alternativas nacionais. LURKER Bom > Arcturus “Sideshow Symphonies” > ASP “Aus Der Tiefe” > Opeth “Ghost Reveries” > Primordial “The Gathering Wilderness” > The Vision Bleak “Carpathia” Mau < Má organização e fraca afluência ao Festival Ilha do Ermal < Concerto de Marilyn Manson no SBSR < Falta de visão dos promotores ao não trazerem mais tournées a Portugal (várias em 2005 que só se ficaram por Espanha) < Demolição do mítico Dramático de Cascais < A imagem apaneleirada e infantil/mimada dos Metallica no DVD “Some Kind Of Monster”. MARTE Bom > Dälek “Absence” > Puppet Mastaz – “Creature Shock Radio” > General Patton vs The X-Ecutioners > Why? “Elephant Eyelash” > Portuguese Nightmare, a tribute to The Misfits. Mau < Não tenho memórias das coisas más, felizmente consigo esquecê-las com as coisas boas. Será um exercício redundante e bater no ceguinho apontar coisas como Xutos & Xutinhos & DZrt, Davides Fonsecas & Humanos, Fados neo-salazarentos disfarçados de cosmopolitismo, festivais de Verão e concertos de estádio, airplays comprados & MTV’s balofas, Blitz decadente, Mondo Chatice, música de/para telemóveis, e tudo o mais que nos tentam impingir no dia-a-dia para sermos consumidores felizes. < Esta ideia dos piores que só nos faz relembrar a Bosta de 2005 que foi igual em 2004 e será igual em 2006. O Under sabe fazer melhor! MAUAMOR Bom > Festival Barreiro Rocks 2005 > The Black Lips “Let It Bloom” > Wild Billy Childish and The Buff Medways “Medway Wheelers” > Heavy Trash “Heavy Trash” > Messer Chups “Crazy Price” Mau < O regresso dos ABBA < O Rui Veloso continuar a editar discos < The Gift < Green Day < Rock geriátrico dos Xutos & Pontapés. MIGUEL ARSÉNIO Bom > Os recorrentes sonhos com a Kelly Osbourne (nada de maldoso, Mr. Ozzy) > Horas a fio a explorar a Mula (deixei fugir o Pássaro Azul) > Paredes de Coura (obrigado, Ritmos. Haja alguém que compreenda as nossas necessidades…) > Paris Hilton (Também te amo. É preciso tirar senha?) > Borland (cinco anos da melhor colheita independente) Mau < Os contornos ridículos da devoção pelos U2 (informação útil: as gasolineiras não são parques de campismo) < “Make Believe” dos Weezer (o disco mais anedótico dos últimos anos) < A dolorosa e lenta morte do stoner (quero os verdadeiros Fu Manchu de volta) < O profundo “coma” Limp Bizkit (vendem-se bonés dos New York Yankees, chapéus da Kangol e cópias de “Results May Vary” a 5 cêntimos) < Ricardo (andas cego, Scolari). NUNO MARTINS Bom > Concerto Iggy Pop & The Stooges (SBSR) > Concerto Mephista (Jazz em Agosto) > Revista Jazz.PT > Exposição Big Bang (Centre Pompidou) > Loja Trem Azul Mau < Programa Musica no Ar (RTP1) < Desaparecimento da série “Os Sopranos” < Festa MTV Portugal < Os buracos em Lisboa < Os videos no Metro. PEDRO NUNES Bom > Akron/Family “Akron/Family” > Gang Gang Dance “God’s Money” > Capricorns “Ruder Forms Survive”.... e muitos outros discos que queria colocar aqui mas os tiranos da Under’ não deixam. > Angola vai ao Mundial – Deixem jogar o Mantorras! > O drone e o noise. Mau < Os ET’s esqueceram-se de invadir o Planeta Terra < Ainda não foi este ano que o rei José Cid ganhou juízo e lançou mais um colosso da musica portuguesa. < Não consegui emigrar < A triste campanha presidencial, onde o mais lúcido é aquele a quem chamam de mais louco < O noise e o drone. um álbum! E estão em grande forma! > O P2P > Bom porno que saiu em 2005. Como nos outros anos. > 2005 foi um ano com muito sexo, drogas e Metal... pelo menos para mim! Só que as drogas foram só álcool e na realidade foi só em quantidades moderadas. Tanto melhor! Mau < A mistura da extrema-direita com o Metal e a forma como isso se nota nos sucedâneos que passam por bares de Metal na capital. Nem tudo está a mudar para melhor, afinal. < Ainda não há uma sala decente em Lisboa para se fazerem concertos com as bandas locais de forma regular e frequente. < O estado do país, o panorama político, a falta de poder de compra, o resvalar do pântano para o abismo. < O futebol. Ainda há quem o veja. < O ano passou. Estou mais velho. E pior, os anos 80 estão ainda mais longe! AO VIVO EM FOCO FOTOREPORTAGEM O que se passa enquanto tu ficas em casa! ROCK & TATTOO Uma receita que funciona? Por Ana Brasil Depois do fracasso dos Tatuadores FOTO: CARINA MARTINS Entulho Informativo 18 Mesmo assim, o espaço do Club Lua, na Os Mata Ratos estiveram ao seu melhor nível, o público intensificou, a organização assegurou, a gente gostou. doca do Jardim do Tabaco, esteve cheio durante o último fim-de-semana de Novembro. O barulho das muitas agulhas a trabalhar em simultâneo, um som mecânico, agudo e vibrante, que o público interiorizou depressa enquanto a atenção se perdia pelos vários trabalhos de tatuagem a ser realizados. “Há visitantes muito específicos que vêm cá porque sabem que o seu tatuador está cá. Há pessoas que já vêm com marcação feita. Outros chegam, vêm os books de cada profissional, encontram um trabalho de que gostam e fazem-no. Há muita clientela de ocasião. Alguns vêm propositadamente para os concertos. Mas nota-se muita curiosidade também”, explica Emanuel. Num espectáculo direccionado para um público alternativo em que se juntam a música e a tatuagem como dois lados da mesma moeda, o show de fetiche S&M foi uma curiosidade interessante. Um espectáculo que o organizador banaliza como algo comum nas convenções de tatuagem além fronteiras. “Eu acho que este festival está a ser um exemplo para abrir mentalidades em muitas questões. Desde implementar a ideia de que é preciso que os tatuadores saiam do estúdio e mostrem trabalho, mas mesmo a nível do público e até a nível de concertos. Na sexta-feira tivemos uma banda portuguesa histórica, os Mata Ratos, que muitas vezes as pessoas apelidam de problemática. Nós conseguimos juntar uma fauna de fãs da banda aqui, num ambiente de festa”. Notoriamente satisfeito com os resultados finais, Emanuel diz que este é um espectáculo para continuar “Se as pessoas que estão cá dentro tiverem vontade, vamos fazer isto todos os anos”. 25, 26 e 27.11.05, CLUB LUA, LISBOA · FOTO: CARINA MARTINS 4. The Young Gods, 6.10.05, AULA MAGNA, LISBOA · FOTO: NUNO MARTINS FOTO: CARINA MARTINS 1. Turbonegro, 16.12.05, HARD CLUB, GAIA · FOTO: ANDRÉ SILVA 2. Jarboe, 1.11.05, TEATRO MIGUEL FRANCO, LEIRIA · FOTO: RICARDO ANTÓNIO 3. Fetish Show no Tattoo & Rock Fest, 7 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 68 UNDERWORLD de Portugal, uma associação de tatuadores que não resultou mas que representou um primeiro esforço de união profissional, e com uma legislação sobre tatuagem a ser estudada, o Tattoo & Rock Festival apareceu na altura certa. É um passo certo em direcção à valorização de um sector que, num país pequeno como é Portugal, não pára de crescer. “Há aqui estúdios que me surpreenderam muito. Pessoas de que nunca tinha ouvido falar e que têm uma qualidade espectacular. No concurso dos melhores trabalhos do dia não foi fácil conseguir eleger os três melhores trabalhos”, afirma Emanuel, um dos organizadores do festival. “Enquanto houve espaço nós aceitámos toda a gente. A partir de certa altura já não nos era possível aceitar mais ninguém. Dos estúdios que nos contactaram quinze ficaram de fora”. Ausentes ficaram alguns nomes sonantes. A falta foi sentida mas é justificada: “Por incompatibilidade de datas, a Bad Bones está presente apenas com o stand de roupa, a Bad Luck. Aconteceu o mesmo com a Bang Bang de Sintra que já tinham uma viagem marcada para outro sítio e não puderam cá vir”. Uma crónica mais extensa e ilustrada deste evento pode ser lida no nosso sítio aqui: www.underworldmag.org Castor [para os amigos] já só sabe fazer trabalhos premiados. A comprovar na Queen of Hearts. VIDAS Entra-se por um caminho estreito e lamacento. Segue-se as fitas amarelas presas nas árvores e encontra-se um garrafão branco: a marca que identifica o local combinado. O cair da noite promete auxiliar o secretismo que se pretende. Numa tenda de circo montada de propósito para o evento, Paulo é o anfitrião. É a primeira Festa da Colheita. Auto-cultivadores de todo o país reúnem-se para trocar dicas sobre as suas plantas preferidas. Paulo é o proprietário da Loja da Maria. Um negócio de growshops que começou nas Caldas da Rainha e já se alastrou para o Porto. “Uma growshop é uma loja que concentra tudo o que é necessário para fazer uma planta crescer. Não vendo só a pessoas que cultivam maria mas também a outras pessoas que cultivam coisas que nada têm a ver com droga”. Um negócio de sucesso em Espanha que se instalou em Portugal em 2003. Hoje em dia existem no Algarve, Moita, Leiria, Coimbra, Caldas da Rainha, Porto, Vila Nova de Gaia, Braga, Chaves e Lisboa. No entanto, uma grande diferença separa as legislações dos dois países ibéricos: “As lojas portuguesas não podem ser consideradas verdadeiras growshops para cultivo de cânhamo, porque não vendemos sementes. Vendemos apenas sementes para cenouras e tomates e pimentos mas não para maria”, explica Paulo. Produccion casera: o Marihuana fácil, El huerto biológico, Marihuana – Cultivo en interior, são algumas das obras expostas nas estantes da loja das Caldas. O pequeno espaço alberga uma multiplicidade de objectos que vão desde um simples par de meias até aos vaporizadores mais modernos. Paulo prefere identificar o espaço como uma loja biológica. Mas a publicidade que faz em revistas alternativas passa um conceito diferente ao mostrar uma planta de cannabis. Paulo justifica: “O que a publicidade diz é «não compres, planta a tua planta preferida». E a planta da publicidade era de facto a minha preferida! Agora até vai ter outro tipo de vegetal, para que as pessoas não pensem que só servimos quem fuma erva”. Pablo veio de Espanha há 6 anos para acompanhar a namorada que veio estudar para Coimbra. Frequentador de growshops em Espanha, cedo percebeu que Portugal seria um bom mercado. Em Junho de 2003 abriu a Cogniscitiva, a growshop do Bairro Alto. Um espaço que conjuga a venda de material para auto-cultivo com todo o tipo de produtos alimentares de origem biológica. No entanto, Pablo é peremptório ao afirmar: “ninguém vem cá para plantar tomates”. Faça você mesmo Estas lojas são frequentadas sobretudo por quem pratica o auto-cultivo do cânhamo. Apesar de, em Portugal, o método mais utilizado para o auto-cultivo ser no exterior, a chamada plantação de guerrilha, quem vai a estes espaços procura principalmente utensílios para cultivar indoor (dentro de casa): lâmpadas, ventiladores, fertilizantes, temporizadores, instrumentos de controlo da humidade e da temperatura. Produtos, na sua maioria, vindos de Holanda, Inglaterra e até da Índia, segundo os proprietários das growshops. Dentro de casa, os espaços escolhidos para o auto-cultivo desta planta são ilimitados. Tanto pode crescer numa marquise ou numa sala vazia, como dentro de um armário. “Muitas pessoas vêm cá e pensam que não têm espaço para plantar e quando dão por isso estão a plantar debaixo da cama ou junto da mesa de cabeceira”, afirma o dono da Loja da Maria. Por uma quantia que varia entre os 150 e os 250 euros, é possível adquirir o conjunto necessário para o cultivo indoor que ao fim de 3 a 4 meses dá origem a uma quantidade que varia Artes e Técnicas do Cânhamo Na tenda, o cheiro a erva vai-se tornando cada vez mais intenso. Dois rapazes vão colocando música nos momentos em que o gerador não dá o berro. Ouve-se bem alto sons próximos do reggae e do house. Iluminadas por uma única lâmpada, cerca de 30 pessoas exploram as várias maneiras de desfrutar da sua planta preferida. Ora em cachimbo, ora enrolado com ou sem tabaco, ora bebido ou vaporizado, a Festa da Colheita continua já a lua vai alta. Dias antes, o anfitrião justificava o encontro como uma forma de organizar a luta: “Vamos reunirnos em privado para discutir a maneira de não sermos tratados como uns putos que fumam charros”. Trocar informações e conselhos sobre o tratamento a dar às plantas do Cânhamo em Portugal Por Marta Mesquita Se hoje o cultivo do cânhamo é proibido em Portugal, durante séculos não o foi. Num apêndice da edição portuguesa do livro considerado a “Bíblia” dos que defendem a legalização do consumo e do cultivo da cannabis, O Rei vai Nu, a ligação de Portugal ao cultivo desta planta é justificada com vários estudos históricos. No Tratado sobre o Cânhamo publicado no século XVIII, a plantação de cânhamo-de-cannabis era considerada, desde os tempos da formação do reino de Portugal, umas das mais importantes e com maior aplicabilidade em diversas manufacturas. “Além do uso que antigamente se fazia do Canamo para teas, fios, e cordas, fabricava-se ainda grande quantidade de obras de grande consumo, como fios, redes, linhas de pescadores, e laços para caça (…)”. Mas se a plantação de cânhamo já era importante para a subsistência das populações rurais, com os Descobrimentos ganhou ainda mais destaque, devido à sua utilização na indústria naval, sobretudo com o fabrico das velas de navegação. O cultivo desta planta chegou mesmo a ser taxado em várias zonas do país. Exemplo disso é o regimento que o rei D. João IV enviou para Moncorvo, Coimbra e Santarém: “ [O cultivo de cânhamo é mandatário quer] as terras sejam minhas, ou de particulares a quem eu as tenha dado, ou próprias e patrimoniais de quaisquer dos meus vassalos, ou sejam Duques, Marqueses (…) e Cavaleiros do Hospital de São João e de nosso Jesus Cristo (…)”. O cultivo de cânhamo-de-cannabis foi até à Revolução Industrial a plantação não alimentar mais importante para a economia do país. Mas o atraso industrial de Portugal em relação a outros países e a grande mão-de-obra que a cultura do cânhamo exigia fez que a sua produção diminuísse. No princípio do século XX, o cultivo de cânhamo era praticamente inexistente. Com a II Guerra Mundial, o cultivo da cannabis é reanimado, devido aos elevados preços praticados então por outros países, que eram produtores mais competitivos mas que estavam em guerra. O regente agrícola de Salazar em 1943, Celestino Graça, defende, na colecção de livros agrícolas, A Terra e o Homem, “as óptimas condições que em Portugal existem para a cultura do cânhamo” e “os resultados económicos compensadores do trabalho que a mesma reclama”. Mas com o fim da guerra, os países produtores entram novamente no mercado e a cultura do cânhamo em Portugal volta a extinguir-se. Com a crescente difusão da cannabis como uma droga, o cultivo torna-se ilegal em 1970. Surgem vozes e campanhas anticânhamo. No início da década de 70 vários deputados consideravam a cannabis como “um flagelo capaz de subverter a família, a Nação e o Estado”. Em Junho de 1972 saem para a rua cartazes com a mensagem “Drogas-Loucura-Morte”. A geração hippie e a sua associação a esta planta faz que no Século Ilustrado de 2 de Junho de 1973, o sociólogo Fernando Pereira escreva: “A droga 9 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 8 Começaram em 2003 mas já estão disseminadas por todo o país. Fornecem todo o material necessário para se cultivar em casa e são uma bandeira contra o tráfico de cannabis. São as chamadas growshops. Por Ana Brasil* História UNDERWORLD Entulho Informativo 18 O auto-cultivo da cannabis em Portugal entre os 100 e os 400 gramas de cânhamo por cada metro quadrado plantado. No espaço europeu, o preço por grama no mercado negro pode ir de 2 a 14 euros. É difícil estabelecer o perfil do auto-cultivador. Na loja do Pablo aparece de tudo: “Vêm cá todas as pessoas, desde bófias ao resto. Advogados, médicos, putos e pais que vêm com os filhos e que depois fumam juntos”. Também são diversos os clientes da Loja da Maria: “Desde pessoas que querem plantar maria a um médico que só usa ervas para fins terapêuticos. Nesta altura do Natal há até vários pais que vêm comprar para os filhos. Ele escolhe, a mãe paga e faz aquele risinho envergonhado: «Bem, pelo, menos agora fico mais descansada porque sei que ele não anda para aí a comprar na rua»”. No entanto, para completar o ciclo há um importante elemento em falta. As sementes obtêm-se facilmente pela Internet ou através de algum conhecido que também cultive. As growshops são uma bandeira dos auto-cultivadores contra o tráfico. Defendem que a proibição da venda de sementes, que entrou em vigor no Verão de 2003, só veio restringir as opções de quem quer fugir do mercado negro. Os proprietários das growshops temem que esta postura possa ser encarada como incentivo ao consumo, que é punido legalmente. “Não assumimos uma cultura pró-cultivo ou pró-consumo, mas sim uma manifestação contra as redes de tráfico”, explica Paulo. Para o proprietário da loja das Caldas da Rainha comprar na rua significa muitas vezes adquirir um produto de baixa qualidade: “Comprar uma coisa na rua não tem nada de THC. Aquilo não é nada, é uma farsa, uma pedra da calçada. Agora, felizmente, algumas pessoas já estão informadas ou dirigem-se à loja para pedir informações para não terem de se sujeitar aos traficantes”. O THC (delta-nove tetrahidrocanabiol) é a substância activa presente na cannabis que determina a sua potência, ou seja, é o elemento que altera o estado psicológico de quem o consome. Amor à Maria [continuação] eram também alguns dos objectivos dos presentes. António, nome fictício, veio da Covilhã para realizar um workshop sobre como enraizar clones (ramo de uma planta fêmea, a única que se fuma, e que dá origem a outras plantas) num simples tupperware. “Basta pintá-lo de preto para que as raízes não apanhem luz, fazer furos nas tampas e colocar um clone em cada furo. É o método mais rápido, mais fácil e mais prático”, esclarece o orientador do workshop. António já era consumidor de haxixe e outros derivados do cânhamo antes de começar a plantar. Há 4 anos decidiu dedicar-se ao cultivo por “uma questão de qualidade e de saúde. O haxixe que se encontra nas ruas é muitas vezes adulterado. Há até quem diga que lhe adicionam doses mínimas de heroína para causar dependência”. Entulho Informativo 18 A caminho da legalização UNDERWORLD 10 “Acho arriscado estar a dar a cara pela legalização. Afinal de contas estou a trabalhar para acabar com o negócio de muita gente”. Nuno Carromeu é o responsável por uma Federação que no princípio de 2006 se dará a conhecer como um elemento de pressão pela legalização do cânhamo. Até essa data, a Federação pretende angariar 20.000 assinaturas, o suficiente não só para iniciar actividades como para ter direito a um deputado na Assembleia da República que represente os seus interesses. Um número insignificante perante aquilo que Nuno Carromeu julga ser a quantidade real de consumidores. “Portugal tem a mania de tapar o sol com a peneira. As pessoas nem imaginam o número real de consumidores. Mas são consumidores fantasma. Pessoas estabelecidas que fazem tudo pela socapa. O que se passa com o cânhamo é o que se passa com a prostituição: as pessoas que lá vão hão-de ir sempre e não deixam de lá ir por ser proibido” (ver caixa 1). Para mudar o espectro jurídico português em relação ao cânhamo, a Federação, guiando-se pelo modelo holandês, pretende que o auto-cultivo seja delimitado por controlo camarário. O consumo seria proibido a menores e não se fumaria nos locais públicos, criando-se casas próprias para o efeito. “Lutar contra o sistema não é fumar charros na via pública”. Nuno Carromeu aponta o cultivo do cânhamo como uma produção com história na indústria portuguesa (ver caixa 2) e que com a legalização poderá trazer de novo vantagens económicas para o país: “Queremos legalizar não só para consumir mas também para dar caminhos certos para as pessoas criarem novos produtos e novos rumos para as empresas”. Para o proprietário da Loja da Maria, a Federação pode ser “um veículo útil no combate à ignorância”. Em plena Festa da Colheita exemplifica com um caso que lhe é próximo: é um fenómeno cultural, (…) aparece ligada ao grupo e à festa”. Em Abril do mesmo ano dá-se o julgamento que ficou conhecido pelo “novo caso das drogas”, onde entre os arguidos por posse e consumo de cânhamo estavam várias pessoas conhecidas, como Eunice Muñoz e João Perry. Depois de condenados, as penas foram quase todas suspensas. A difusão da cannabis aumenta com os turistas, com a geração hippie e mais tarde com os militares e retornados de África. Estes últimos tiveram um papel importante na disseminação do consumo e cultivo da cannabis pelo país inteiro, trazendo liamba (como é conhecido o cânhamo nas ex-colónias) e sementes da planta que ganharam o hábito de fumar durante a Guerra Colonial, como refere a Imprensa nos anos que se seguiram à Revolução de Abril. Com este aumento do consumo e do auto-cultivo, em 1976 sai a segunda campanha anti-droga. O Ministério da Justiça divulga através da RTP imagens da folha de cannabis, cujo aspecto era então desconhecido para muitos, associada à mensagem: “Se vir esta planta, destrua-a”. Depois desta campanha foram inúmeras as denúncias feitas, dando origem à destruição de vários quintais de liamba. As denúncias fazem que o auto-cultivo diminua drasticamente. É nesta altura que o haxixe marroquino começa a ser introduzido em Portugal e se criam as redes de tráfico. Mas nas décadas de 80 e 90 é a heroína que passa a ser a droga com mais destaque e a atenção da sociedade vira-se para esta droga “pesada”. Os consumidores de erva continuam a existir mas a maior parte não se assumem, devido à ilegalidade do consumo de cannabis; são os consumidores-fantasma. Em 2001, o consumo de drogas ilícitas foi descriminalizado. Para os compiladores do apêndice d’ O Rei vai Nu, Luís Fontes e João Carvalho, “ [este] facto não veio alterar grandemente a situação no terreno em relação à cannabis, pois o costume de fumar charros já era tolerado mesmo em bares e outros locais públicos”. “Conheço um rapaz que foi apanhado com um grinder no bolso e a polícia levou-o para a esquadra como se fosse um toxicodependente. Ele é que teve de explicar ao polícia que aquilo servia para moer qualquer tipo de erva. Para além dos prejuízos que teve nesse dia continua à espera que lhe devolvam o grinder”. António, o orientador do workshop da Festa da Colheita expressa o desejo comum: ”Aquilo que quero é ter o direito de ter uma planta em casa e estar à vontade para fumar quando me apetece”. Mas a liberdade dos auto cultivadores tem contornos muito definidos. Cultivar cânhamo é um acto que pode ser considerado crime a partir do momento em que das plantas se possam extrair mais de 25 gramas no caso da erva ou 5 gramas no caso do haxixe. Lança-se a pergunta a António: E se neste momento a polícia aparecesse? O mestre do cultivo em tupperware responde, sorridente: “Iria à esquadra responder pelos 2 ou 3 gramas que tenho no bolso”. *Trabalho realizado em parceria com Marta Mesquita e Sílvia Caneco A mudança de nome de SDR para HCS implicou também uma mudança no conceito da banda. Existe uma continuidade ou foi uma ruptura total com o passado? Existe uma continuidade. A mudança de nome deveu-se à exigência em forma de ultimato de um grupo de moscovitas amotinados que alegava que SDRE eram as iniciais da sua sede recreativa e grupo cultural onde praticam as mais variadas actividades. Além disso ao ver o Kris quase mais empenhado do que eu em todo o processo resolvi dar-lhe a oportunidade de comigo idealizar um nome com o qual estivéssemos ambos confortáveis. É também uma forma de dizer “Isto não é o meu projecto, é a nossa banda.” Temos uma forma muito marital de ver as coisas. Entulho Informativo 18 Como se desenrola o processo de composição dos temas, pesando a distância física entre os dois membros? Não se desenrola. Isto é, a distância é irrelevante quando o lado musicalmente criativo é só um. Aquilo que se passou neste álbum foi uma divisão natural de departamentos de interesse. Eu tratei de tudo o que era música e moças roliças com seios grandes e bons, ele tratou de toda a área lírica baseando-se no que apontei como principais conceitos a serem explorados neste trabalho. Alguns temas acabaram por divergir para o seu próprio imaginário, o que se revelou interessante e deu um toque mais eclético ao álbum. Teve também uma parte mais activa e dedicada na área do design, tendo sido ele o responsável por dez das onze vezes que fizemos o Pedro Daniel (o nosso designer) chorar. A décima primeira fui eu. UNDERWORLD 12 HEAD CONTROL SYSTEM Não se sabendo muito bem como ou porquê, a notícia de que Daniel Cardoso (ex-Sirius) estava a trabalhar num projecto com Kristoffer Rygg (Ulver, ex-Arcturus) não só nos apanhou de surpresa, como nos deixou ansiosos por ouvir o resultado. Head Control System é muito mais do que um projecto com bons selling points e tem honras de capa nesta edição do Under’ que, em antecipação ao lançamento a 4 de Abril e em exclusivo, apresenta a entrevista com Daniel Cardoso e uma viagem guiada por Kristoffer Rygg a “Murder Nature” – um dos discos mais aguardados de 2006. Por Ricardo Amorim Mente Adentro No Under #11 publicámos a review à demo de estreia dos SinDRomE. Mais tarde dá-se a mutação para Head Control System. Fala-nos da origem do projecto. SinDRomE surgiu de um processo de mutação pessoal que culminou num cenário de inconformismo perante parâmetros previamente estabelecidos ou aos quais estava invariavelmente ligado. Foi uma espécie de necessidade de mudança aliada à vontade de dar às pessoas mais do que aquilo de que elas estariam à espera da minha parte. Fico feliz se desiludir umas quantas tendo em mente, porém, de que serão sempre uma minoria cinzenta e infeliz, com especial apetência para descuidar sistematicamente os hábitos de higiene. Claramente houve sempre alguma demência presente, estou longe de me considerar uma pessoa saudável, até porque me alimento da cultura South Park há alguns anos numa base regular. FOTO: PEDRO DANIEL Serão esses parâmetros previamente estabelecidos o teu trabalho em Sirius? Essencialmente todo o meu envolvimento no meio mais extremo, ou no Metal se preferirem. São raízes óbvias que não posso renegar. Mas não considero que seja um meio onde me sinta inserido actualmente. Quando as coisas deixaram de fazer sentido para mim fiz questão de me afastar, mesmo quando o futuro se apresentava algo favorável e refiro-me ao tipo de posição ou projecção que Sirius começava a ter no mercado internacional. Compreendo que as pessoas que me conheceram na altura ou que seguiam o meu trabalho se surpreendam se um dia me virem envolvido por exemplo num projecto Pop como músico ou produtor. Mas é algo que farei com todo o gosto se estiver para aí virado. Não pelo dinheiro. Nos dias que correm eu já ganho dinheiro com a música e felizmente não preciso de outra actividade paralela para viver. Mas por uma questão de satisfação pessoal, se esta passar por esse tipo de experiência. Se acreditar, ou vir potencial em algo, não vou deixar de me envolver só porque aos olhos de uma minoria não é suposto fazê-lo. E, volto a sublinhar, tenho a certeza de que por cada cem pessoas que desiluda num meio pequeno, são garantidamente mil pessoas que surpreendo pela positiva num meio maior. Com isto não estou a enaltecer particularmente as minhas qualidades como músico, estou sim a diminuir o discernimento e a capacidade de avaliação de alguns. Deixemos o passado e falemos agora da colaboração com o Kristoffer Rygg. Como é que isso surgiu? De uma forma tão simples como “Queres trabalhar comigo?” Curiosamente não o conhecia, embora já tivesse estado três vezes em solo norueguês, onde conheci toda a espécie de personagens da fauna local tão apreciada no lado mais negro do nosso burgo. Era quase dado adquirido que ele estaria demasiado ocupado para sequer atender um telefonema nosso. Estranhamente bastou um e-mail carinhoso para ele ceder à minha sedução, desprezando veementemente os bons milhares de convites diários que recebe na secretária. Provavelmente ele identificou-se com todo o conceito, com o meu olhar sonhador, e com as minhas ideias bizarras. Ou então queria apenas uma desculpa para vir passar uns dias a Portugal a comer gelados em dias solarengos. Tentando dar alguma seriedade à entrevista, antes que descambe, falanos do teu trabalho como produtor. Qual foi o teu papel na produção/ masterização deste disco e em que medida a colaboração com o Kris te ajudou, dada a sua experiência nesse campo. Desconheço honestamente a sua experiência nesse campo. Sei no entanto que ele é bom na cozinha. Todo o departamento do som ficou à minha responsabilidade. Isso inclui obviamente a composição musical, captação, execução instrumental, produção, mistura, masterização e alguma masturbação nas horas vagas... Não querendo desvalorizar o teu trabalho, que já foi reconhecido nestas páginas, ter o Kris no barco deve ter ajudado imenso a arranjar uma editora capaz de fazer um bom trabalho com este disco. Com toda a certeza, mas foi mesmo por isso que o convidei. Acho honestamente que se eu tivesse cantado teria feito um trabalho melhor, mas de- EXCLUSIVO “Murder Nature” Antevisão, por Kristoffer Rygg 01. BABY BLUE Esta música deixava-me completamente acagaçado. Pensei que seria um passeio pelo parque mas resultou numa canção do Inferno. Não só é o primeiro tema do disco, como também o primeiro tema em que comecei a gravar as vozes. Durante o processo, o Daniel estava constantemente a chatear-me sobre algum detalhe que precisava de ser alterado. Takes de último minuto foram feitos no sanatório, onde agora resido. Como podem ver, HCS deixa marcas. pois só conseguia contratos com majors e lá teria que enriquecer, encherme de luxos e mulheres, ter um caso com a Courtney Cox e ia acabar por me tornar numa pessoa vazia e fútil. Assim não, sou um artista selectivo, sério, que trabalha para sub-culturas e como tal tem um mérito extra. Ele (o Kris) oferece-me este tipo de garantias. Oferece-me mais coisas também (que podem envolver óleos aromáticos e vídeos de ginástica da Jane Fonda). Mas isto há-de mudar eventualmente. A futilidade torna-se mais atractiva aos meus olhos de dia para dia. Que opinião tens do panorama editorial actual? Achas que se nenhum de vocês tivesse um background como têm as portas se abririam? Seria mais complicado. Posso-te dizer que ainda havia pouco mais do que esboços e já uma independente dos EUA me tinha contactado a fazer perguntas sobre o projecto e a pedir som. Esta inversão do processo foi-nos extremamente favorável. Estás noutra posição para negociar quando eles te procuram a ti antes de tu os procurares a eles. E revelou-se crucial na fase de negociações. Conseguimos condições contratuais que eu nem imaginava que fossem possíveis. Ambos já ganhámos dinheiro e assegurámo-nos de que ganharíamos ainda mais no futuro. E poderemos ver HCS ao vivo? Há planos nesse sentido? Podem com toda a certeza ver HCS ao vivo, mas não necessariamente nos palcos. Podem ver-me a ir comprar pão à mercearia. Ou podem ver o Kris a levar a filha ao pediatra em Oslo. Ou podiam ver-nos ambos no jantar/ festa de Natal da VME na Noruega, que decorreu há umas semanas atrás. Em relação aos palcos nós recusamo-nos de todo a tocar ao vivo. A não ser que nos paguem muito dinheiro. E qual seria o vosso preço? Sempre algo que ronde aproximadamente dez vezes mais acima daquilo que nos poderiam pagar. Para terminar, fala-nos da colaboração que mantiveram com o Pedro Daniel da Phobos Anomaly. Foi bilateralmente positiva, suponho. Tenho que dizer que, de todos os designers debilitados de estereofonia, ele é o melhor. Pronto, de todos os designers que eu conheço, independentemente de funcionarem em mono ou em stereo, ele é o melhor. E que belo cabelo tem, não me canso de dizer. O resultado é visível. [www.headcontrolsystem.com] 06. WATERGATE Um tributo a W. Mark Felt aka Deep Throat [Garganta Funda]. Ou seria sobre a controvérsia da Linda Lovelace? De qualquer forma, este tema é sobre umas merdas que aconteceram em 1972, quatro anos antes de eu nascer, imaginem! Tem um dos riffs mais groovy de todo o álbum. 02. SKIN FLICK A canção porno, não tem nada que enganar. Vá, cantem comigo: “Pretty giiiirls...” 07. NO. SEVEN Aqui os Sete Pecados Mortais suplantam as Sete Sagradas Virtudes. ”(...) The Lambs of Sion graze on Grace and take Pride in Faith. They do not care but Lust for Justice from God (…)” e por aí adiante. E claro que não há cura. Tudo é doentio. Decidimos que deveria ser a faixa 7, somos mesmo rapazes espertos! A canção é inteiramente ditada pelo Daniel, com as suas exageradas tendências para o afecto. Uma balada melosa para enfatizar a componente lírica lame. Eu tê-la-ia destruído se tivesse tido liberdade criativa para tal. Assim como está, adoro-a. 03. MASTERPIECE [OF ART] As minhas palavras são desnecessárias, o título diz tudo. 08. KILL ME Sim, porque não o fazes? 04. BLUNT INSTRUMENTAL Enviei ao Daniel uma das minhas músicas favoritas, “All I Know Is Tonight”, do grupo norueguês Jagga Jazzist, e ele enviou-me este tema três ou quatro horas mais tarde. O homem ficou obcecado e fez esta jazzed fucked up beauty. A minha voz seria supérflua. O futuro de HCS? 09. WONDERWORLD Desilusão total. Um, dois, três agora vivemos e agora morremos, vimos e vamos... Que mundo maravilhoso... e que canção maravilhosa! 05. IT HURTS Há qualquer coisa no fraseamento desta canção que eu gosto muito. “I love to do it don’t you love me when I do it to you”. S/M – e não é abreviatura para Scientiae Magister – disfarçada de canção de amor/ fim de relação. Ou vice-versa. Há espelhos por toda a parte. 10. RAPID EYE MOVEMENT Sonhos de grandeza. A minha favorita. A única coisa de que não gosto é daquele horrível fuzz vocal. 11. FALLING ON SLEEP Está a ficar tarde. 23 Phobos Anomaly Apesar de ser já por si merecedor de referência nas nossas páginas, aproveitámos o timing da edição de “Murder Nature” e pedimos ao autor do layout do álbum que assinasse a nossa primeira capa de 2006. Claro que não resistimos a fazer algumas perguntas ao Pedro Daniel, mentor da Phobos Anomaly. Por Ricardo Amorim Fala-nos das ferramentas de trabalho que utilizas. Depois das ferramentas principais, que são a cabeça, os olhos e as mãos, utilizo um Apple Macintosh G5 e um G4, um scanner Epson e impressora Epson. Para captação fotográfica uso uma Sony digital F818 e uma F727 (para fotos ao vivo). Em termos de software, é o normal na área: Macromedia, Adobe e algum 3D. É importante perceber que as ferramentas mecânicas são apenas um veículo para auxiliar na expressão, e não devem determinar em momento algum o caminho que essa expressão deve tomar. Um projecto gráfico é feito com 85% de objectividade metodológica (saber o que se pretende desde o início, e qual a melhor forma de o conseguir) e 15% de subjectividade experimental. Que nomes poderias citar como influências para o teu trabalho em artwork musical? Consciente e objectivamente, é difícil falar em influências e, para ser honesto, acho que a palavra que melhor se adequa será referências. Actualmente grande parte dos artistas gráficos a criar imagem para bandas tem uma semente do Dave McKean na cabeça. O trabalho dele é incontornável e pode dizer-se que criou escola. Conhecer o trabalho do Travis Smith, Siro Enquanto designer profissional e, simultaneamente, um apreciador de música, que opinião tens sobre a ligação entre música e imagem? Achas que as bandas e editoras já começam a preocupar-se mais com a apresentação das suas edições ou estas continuam a ser secundárias? Depende das bandas e depende das editoras. Há uma crescente noção de que a imagem vende, e quer as bandas quer as editoras sabem que um design interessante é meio caminho andado para estabelecer o nível do produto. E claro que em Portugal anda tudo mais devagar… No meio Metal achas que neste momento existe alguma criatividade nesse campo ou é tudo reformulações e reciclagem de clichés do género? A criatividade existe, ou quando muito a vontade de o ser. Penso que muitas vezes são as próprias bandas a limitar o campo de acção. Acontece-me frequentemente ter reuniões com os músicos, e a descrição que fazem para o tipo de trabalho que pretendem é o mesmo que já ouvi nas outras bandas todas. São raras as bandas que pretendem apostar numa abordagem original, com conceitos visuais inovadores. Nem todos os géneros de Metal são propícios a um design inovador, mas se existir essa vontade por parte dos músicos, não há limites para o que se pode fazer. E em Portugal, ainda continuam a ser os “amigos das bandas com algum jeitinho” a fazer as capas ou já se começa a fazer trabalhos decentes e profissionais? Creio que ainda se podem observar os dois cenários. Já perdi uma série de trabalhos que tinham tudo para ser interessantes, porque simplesmente a banda achou que eu estava a pedir muito dinheiro e preferiram outro “profissional” mais “baratinho”. Não me considero melhor que outrem para criticar as decisões das pessoas, especialmente porque no final tudo se resume a questões de gosto pessoal. Há uma série de bons designers a trabalhar em Portugal, mas também ainda se pensa que fazer uma capa é misturar meia dúzia de plug-ins do Photoshop numa foto com flash tirada num castelo em ruínas. Mais uma vez, a questão do cliché e do fácil que se impõe. É a mentalidade tipicamente portuguesa, no seu pior. Para terminar, fala-nos do teu papel neste projecto HCS. Eu já tinha trabalhado no artwork e no site do EP de SinDRomE, “Serious Damage On Reason & Equilibrium”, e de algum modo estabelecido uma relação de amizade com o Daniel. Quando ele me informou que o próximo lançamento teria o Kris Rygg na voz, e que gostaria que fosse eu a desenvolver o grafismo, fiquei obviamente satisfeito, mas com o sentimento de que muito trabalho duro estaria para vir, o que acabou por se confirmar. Quando o Kris entrou em cena senti imediatamente que o processo inicial iria ser complicado, uma vez que a carga de pressão e responsabilidade era maior que o habitual, especialmente porque os designers da Jester Records já tinham manifestado interesse no projecto. O primeiro passo para partir o gelo foi uma sessão de fotos improvisada, e um jantar de choco frito em Setúbal. Creio que a pouco e pouco fomos desenvolvendo um método de trabalho dinâmico, e o resultado será bastante interessante. [[email protected]] AVA INFERI O Fardo e o Alívio “Desde 93/94, mesmo antes de haver o projecto e o nome Ava Inferi, o Rune [guitarrista] tinha o plano de fazer uma banda deste género.” Começa Carmen. “Na altura construiu-a com outros elementos, mas não conseguiu que o projecto tivesse pernas para andar. Depois de nos termos conhecido, resolveu dar vida nova à banda.” E conseguiu reunir as condições. Nada de surpreendente. Não fosse o facto de Rune ser norueguês e a banda ser completada com elementos portugueses. “Conhecemo-nos através de amigos em comum e, através disso, tivemos uma relação. O que faz com que estejamos mais perto um do outro, partilhemos certas opiniões e gostos, alguns deles bastante diferentes e, às vezes, isso faz com que exista uma química especial para fazer um projecto diferente, pelo menos aos nossos olhos.” Carmen não esconde emoção nas suas palavras. “Este projecto é muito profundo para nós. Tem muito sentimento. Consigo exprimir aqui muitas coisas que não conseguia antigamente.” O lineup 75% nacional, é de manter? “Os mentores da banda sou eu e o Rune. A formação que temos agora com o baixista e o baterista está a funcionar bem.” “Burdens” “Fala-nos das coisas negativas que nos podem acontecer. Às vezes temos que viver com elas quer queiramos quer não.” Ter um som próprio é importante, especialmente num projecto que dá os primeiros passos. Quisemos saber em que se diferencia este de anteriores trabalhos de Carmen, a imagem de marca dos Aenima. “Havia uma parte minha que parecia estar adormecida. Experimentei coisas diferentes daquilo a que estava habituada. É mais teatral. Exprime muitos sentimentos. É um trabalho que tem um pouco de tudo. Pode até ser difícil para as pessoas catalogarem, e isso não queremos perder.” Outra particularidade é o tema “Vultos”. “A escolha de ter sido em português partiu de todos. Torna o trabalho um bocadinho mais nacional. É bom mostrar lá fora o que se pode criar com a língua portuguesa.” Uma língua com fonética e musicalidade que nem todos ousam usar. “É bom ser divulgada. Não direi um álbum todo em português, mas nunca se sabe.” Normalmente, é difícil para um artista particularizar, mas Carmen destaca-nos outro momento especial, “Glimpse of Sanity”. “É o tema que mais demonstra a diversidade da nossa música. Tem um pouco de tudo. Loucura, tristeza, raiva e frustração. Conseguimos englobar tudo isso numa faixa.” O papel da guitarra é preponderante. “Queríamos criar contraste entre a voz, que será o lado angelical ou Ava, com um lado mais negro, a parte dos instrumentos, Inferi. Uma camada de ambiente que se pode criar com as guitarras.” Dualidade. “Melancolia... Um certo lado negro da nossa alma e, às vezes, também um lado positivo. Deixámos fluir os nossos sentimentos. É o primeiro álbum, um encontro entre as tonalidades das pessoas da banda. A capa também induz sentimentos. “Nuno Roberto [Equilibrium Music] AVA INFERI Burdens CD’06 . Season Of Mist Ava Inferi é o projecto do casal Carmen Simões e Rune Eriksen. Juntando-se dois nomes ligados a estilos musicais tão díspares como o Black Metal e o Gótico Ambiental, a curiosidade residia em saber como soaria o “filho” desta união. Como se pode ouvir em Burdens, saiu claramente à “mãe”: os sons mais calmos e melancólicos imperam, dominados por um omnipresente trabalho de guitarra do outro “progenitor”. O que mais surpreende neste trabalho é ver como Eriksen constrói melodias tipicamente Doom, arrastadas e emotivas, radicalmente afastadas do seu trabalho Black Metal. Existem passagens que soam familiares (como a abertura do disco, que é tão My Dying Bride da era The Angel And The Dark River, que a surpresa é não ouvir o Aaron cantar), mas o aspecto de destaque do disco é a sua componente instrumental: bem coadjuvada por João Ferreira no baixo e João Samora na bateria. Quanto a Carmen, a sua prestação é um sen- timento misto, algures entre o habitual registo doce e triste e o experimentalismo ritualístico teatral (com passagens que soam a Arcturus, por exemplo). Passa a ideia da tentativa de transmitir a canalização quasi-demencial de uma diva (ouso invocar nomes como Jarboe ou Diamanda Galás), mas que nem sempre resulta em termos de intensidade como desejado (soando mais a tirou a fotografia e fez a composição. O vestido branco identifica uma morte, mas não a morte em si, algo mais espiritual. Um passar para outro estágio, uma metamorfose. Estes laivos de negritude e vermelho à volta é tudo aquilo que nos faz passar por essa metamorfose. Como se fosse o nosso passado e as coisas que nos fazem sentir mal. Mas nós temos que passar por essa metamorfose. Significa também Ava Inferi. A luz e o negro em volta.” Top Room Studios Espaço na Noruega com o qual Rune estava familiarizado de trabalhos anteriores com a sua banda de Black Metal. Mas ainda assim, nem tudo correu bem. “Houve muitos problemas no estúdio. Parecia uma maldição. Aconteceram coisas que dificultaram o processo. Os computadores crashavam. A mesa de mistura deixava de funcionar. As guitarras de repente desafinavam todas. Coisas umas atrás das outras...” Fora isso, foi um processo normal. “Bateria, baixo, depois as guitarras. A seguir fui eu para a Noruega gravar finalmente as vozes. Depois foi feita a mistura.” Carmen continua. “É um estúdio no meio do bosque. É bom haver paz para gravar. Foi gratificante.” Tirando a maldição. “Sim, tirando isso.” [Risos]. Season of Mist Um dos mais respeitados nomes no que toca a Metal. Era óbvio perguntar como surge no caminho de Ava Inferi. Mais óbvia foi a resposta. “Através de Rune.” O outro projecto que o guitarrista integra tem várias edições nesta editora. “Demos-lhes a conhecer as faixas que então tínhamos, eles gostaram e fizemos um loucura do que génio). Destaque para o recurso ao português numa das faixas do disco, numa escolha acertada. Quem volta a acertar em cheio é a Season Of Mist: depois de um ano de 2005 brilhante, Burdens é uma forma particularmente agradável de arrancar com o novo ano. Ava Inferi é inquestionavelmente um nome a reter para o futuro. 3,5 Lurker contrato. Foi tão simples quanto isto.” O que tem de ser tem muita força. “Até eles estarem satisfeitos connosco, nós vamos continuando.” Na informação oficial da editora não é referido que os elementos de Ava Inferi têm ou tiveram um papel relevante noutros projectos. Uma informação que as editoras não costumam esquecer. Terá sido intencional? “É importante dar um passo em frente. Não é necessário estar a dizer que eu pertenci a três diferentes projectos musicais. Não vejo as coisas desse prisma. Prefiro que as pessoas saibam de mim agora pelos Ava Inferi e fazer valer a banda pelo que é agora.” Mas se calhar há seguidores desses projectos que se vão identificar com Ava Inferi. “As pessoas não me podem estar a julgar por aquilo que eu já fiz. Posso ter seguido uma linha Rock, gótica, seja lá que estilo for, mas o que estou a fazer agora não é igual. A Carmen agora está a fazer uma coisa diferente. É isso que eu quero transmitir às pessoas.” Então não vão haver stickers na caixa do disco. “Não, não vão.” Confirma Carmen por entre risos. Continuidade “Já estamos a trabalhar num segundo álbum. Saiu agora este, deixámo-lo um bocadinho para trás e já estamos a pensar em frente.” Produtividade é palavra de ordem. “Continuar a compor. Estamos confiantes. No próximo Verão estaremos em fase de gravações, provavelmente em França. Queremos experimentar um estúdio diferente.” E concertos? “Por enquanto não damos. Estamos a pensar em fazer uma tournée depois do segundo álbum. Na nossa maneira de ver as coisas só faz sentido fazer uma tour depois de as pessoas conhecerem o trabalho.” 15 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 14 E como surgiu a Phobos Anomaly? A Phobos nasceu da estreita relação que mantenho entre duas coisas que me dão imenso prazer: O Design e a Música. Posso dizer que a PA tomou a sua primeira forma, ainda com outro nome, nos antigos estúdios de ensaios do Floyd, no Laranjeiro. Foi inclusive ele que me apresentou aos meus primeiros clientes, e a ele devo esse facto. A partir daí foram-se estabelecendo contactos, directa ou indirectamente, e as bandas começaram a pouco e pouco a requisitar o meu trabalho. A PA acaba por ser um hobby dentro da minha actividade como designer, que habitualmente não tem nada a ver com música, e esse é o principal motivo pelo qual ainda mantenho tudo isto. Como vês a importância da música no teu trabalho? Como referi atrás, o meu trabalho e a música mantêm uma estreita relação sinérgica, íntima e indissociável. Embora o design não se possa considerar Arte, é com a Phobos que consigo pelo menos chegar perto dessa designação. Apesar do layout para um CD ser essencialmente a cara de um produto comercial que tem de vender, tem ao mesmo tempo (e sobretudo) de espelhar o conteúdo artístico criado pelos músicos, e nesse sentido, acaba por se tornar ela mesma uma forma de Arte. UNDERWORLD Entulho Informativo 18 Quando e como começou o teu trabalho como Designer/ Ilustrador? O Design Gráfico/ Ilustração tem sido a minha actividade profissional a tempo inteiro desde 1997. Nesse ano terminei a faculdade no IADE (na vertente de Design Gráfico) e a partir daí tem sido efectivamente o meu diaa-dia. Foi desde o início um percurso com um objectivo definido. Entre 97 e 2001 passei por dois ou três ateliers, e depois passei a regime de freelance, onde me mantenho até hoje. Eis outro projecto luso-norueguês, de titãs, que também nos apanha de surpresa. “Burdens” é o disco de estreia acabado de editar pela francesa Season of Mist. A vocalista Carmen Simões tomou um cafezito connosco e fez da escuridão luz. Por Joaquim Pedro Anton ou Joachim Luetke é entender a extensão da influência ou referência do Dave McKean. Não obstante, poderia nomear estes quatro senhores como as grandes referências neste campo. seguida. Mas não tocas bem todos os dias, é tão simples quanto isso. Há dias em que não estás tão bem. Qual é o vosso método de trabalho? Produzimos fragmentos para aqui ou ali, e depois eventualmente trabalhamos diariamente durante uns 14, 18 dias. Conseguem conciliar isso com uma vida profissional “regular”? Não. Para poder ter este ritmo de trabalho não podemos ter empregos. Por isso temos que estar forçosamente desempregados. O dinheiro não abunda, mas temos a liberdade necessária. Devem ter ficado muitas ideias e até temas completos de todo este tempo de criação. Sim, deixamos sempre muitas coisas de fora. Temos imensas músicas completas, apenas sem letras. Muitas estruturas rítmicas e solos. Ficaram umas 10 canções de fora. Mas não temos o hábito de reciclar material antigo, portanto ficará em arquivo. Talvez daqui a uns anos voltemos a ouvir essas coisas e quem sabe não as possamos vir a utilizar... Mas se não está neste disco também não estará no próximo. Em termos de mensagem, Those Once Loyal tem uma abordagem mais realista? Claro. Umas são sobre guerra, outras não. Valores antigos. Lealdade. Honra. Camaradagem. Provavelmente conceitos que advém da guerra, mas ainda assim positivos. Continuamos a assumir Bolt Thrower como algo positivo, mesmo cantando sobre algo como a guerra. Alguns temas são apenas histórias de soldados com quem falamos. [GUERRA] Entulho Informativo 18 Têm estado em contacto com veteranos de guerra. Nada é mais realista do que isso. Sim. Alguns são amigos. Alguns já trabalharam connosco no passado. Consideras a guerra necessária à evolução da humanidade? Boa pergunta... Não sei se é por estar tão enraizada na humanidade que é aceitável. Talvez demasiado enraizada na humanidade ao longo dos séculos. E no espírito humano. Sim. Vi no vosso website um link para o Poppy Appeal. É um memorial à Royal Legion, da Primeira Guerra Mundial. Ainda a recordam e há muita gente mais nova hoje em dia que não quer lembrar essa guerra. Mas no que toca a forças britânicas já só há quatro sobreviventes. Por isso, dentro de um ano, talvez ano e meio, ou com a passagem de dois Invernos duros, não restará nenhum sobrevivente vivo. É bom que as pessoas recordem e parem de vender e ver-se livres dos despojos e tudo o mais que as lembre deles [soldados]. E também recolhem fundos para auxiliar os veteranos de guerra. Sim, de mais guerras, obviamente. Lealdade na Batalha Será que os quase 20 anos que os Bolt Thrower levam em cima lhes retiraram ambição? Será que o regresso do vocalista Karl Willets, após cerca de 10 anos de ausência, significa que a máquina de guerra está melhor do que nunca? Por Joaquim Pedro Teremos oportunidade de o saber, agora que finalmente se preparam para actuar pela primeira vez em Portugal [no Festival Steel Warrior’s Rebellion em Abril] em suporte do seu oitavo álbum Those Once Loyal. O simpático guitarrista Gavin Ward trocou umas impressões connosco e, entre outras coisas, ficámos a saber mais sobre a postura íntegra de um dos colectivos que mais respeito merece na história do Death Metal. Bolt Thrower tem um novo disco cá fora, o Karl acaba de voltar em força, têm já imensos concertos agendados... São bons tempos para os Bolt Thrower. São sempre bons tempos para Bolt Thrower, mas sim, claro. Todos nós estamos com um bom feeling e cheios de vontade de nos fazer à estrada e dar concertos. Com tantos álbuns, quanto tempo tem a vossa actuação? Não mais de uma hora e vinte. Não queres maçar as pessoas. E nós temos um set bastante intenso. Alguns de nós não se importavam de tocar muito mais do que isso, mas não queremos aborrecer as pessoas. Que aspectos destacas neste novo trabalho? Obviamente um vocalista diferente. [risos] Aparte disso, no Valour e no Mercenary prendemo-nos muito nas guitarras e os outros instrumentos sofreram com isso. A produção desta vez beneficiou os ritmos. A bateria e o baixo estão mais definidos. No Honour, Valour, Pride por vezes os temas estão um pouco draggy [de arrastar], pois são demasiado longos. Então encurtámos um pouco os temas. Coisas simples que fazem a diferença. Quatro anos é muito tempo para preparar um álbum. Sim, claro. É o mesmo intervalo que aconteceu entre Victory e Mercenary. E, obviamente, entre Mercenary e Honour, Valour foram três anos. Mas, na verdade, nós planeamos o que fazemos. Tentamos ter uma estratégia de lançamento de dois em dois anos, mas este disco foi algo diferente. Foi reescrito, escrevemos demasiado, e só quando achámos que tínhamos algo que funcionava como um todo é que o registámos. Só quando achámos que havia realmente a necessidade de o fazer. Sem pressões. Então investiram realmente muito tempo a trabalhar o detalhe e todos os arranjos. Exactamente. Porque fazemos também tudo o resto. O management da banda, o merchandise e booking de concertos. Leva muito tempo para conseguir fazer tudo como deve ser. Este álbum foi ensaiado durante um mês, fizemos a pré-produção durante cerca de outro mês e depois gravámos quatro meses de [DEATH METAL] Parece que o old-school DM está de volta. Temos os Obituary a regressar da sepultura, o David Vincent de volta aos Morbid Angel, agora também os Gorefest... Como encaras o Death Metal nos dias de hoje? – Tu que nunca paraste. [Riso] Para ser sincero nunca me preocupou. Podia perguntar-se porque estão de volta e não permaneceram em primeiro lugar, mas também podes dizer o mesmo do Karl [garganta, em Bolt Thrower]. Desde que estejam de volta pelas razões certas... Se voltaram apenas pelo dinheiro não precisamos deles. Bolt Thrower influenciou muitas bandas. A maior parte apareceu e desapareceu. Atrevo-me mesmo a dizer que houve uma certa época em meados dos anos 90 em que muitos projectos tentaram – não sei se conscientemente ou não – ter o vosso tipo de peso e groove. Mas o som de Bolt Thrower é único. Sim... Nunca pensei realmente nisso. Nem nós em geral. No fundo, baseia-se numa coisa muito simples: killer riffs. É muito simples. Não podes ter boas canções sem eles. Por falar em riffs, muito bons riffs surgem não de origens Metal mas do Punk. Não concordas? Em parte. Mas mais do Crossover, que tem alguma sujidade mas uma abordagem Metal, permanecendo bastante simples e directo. É música boa para se tocar e não apenas para se ouvir. Por vezes, compomos riffs mais técnicos, mas a primeira coisa que fazemos é simplificar a estrutura, reduzindo-a à sua componente base, de modo a que seja melhor para nós tocarmos e também maior prazer geral ao ouvir. Por vezes, as bandas tecnicistas soam bem em disco mas ao vivo não são tão boas. [D.I.Y.] Mas além do aspecto musical, também há – não lhe chamaria uma questão ideológica, mesmo que muitos ainda sejam vegetarianos hoje em dia... [risos] Mas uma abordagem mais despojada de certos valores. Não estar na cena com uma abordagem tão mercantil, percebes? Sim, sim... Claro. Bolt Thrower permanece apaixonado. Não vemos isto como um emprego. Não gostaria. Não sei se sequer o conseguiria. Bolt Thrower é um conceito simples. Uma ideia. Estás com os teus amigos a tocar a música que gostas. É muito simples até. Isso é interessante... E até há pouco referias Bolt Thrower como sendo algo positivo. Não pude deixar de reparar em alguns aspectos da vossa postura, por exemplo ao ler os vossos comentários na Terrorizer [Magazine britânico] acerca da política de preços praticada no merchandising, nos bilhetes, e tudo isso. São preocupações que não vejo muitas bandas ter. Não têm. Mas isso é naif. Quantas pessoas vão ali estar numa noite gelada fodida à espera de pagar um preço ridículo para ir a um concerto? E o merchandise, é mais porreiro se tiveres um preço melhor. Esta recessão sente-se no mundo inteiro. A maior parte das bandas apenas se preocupa com o que recebe ao final da noite. Mas para nós conseguirmos impor a nossa política de preços, temos que encher a casa. Se isso não acontecer... talvez para a próxima o promotor não queira esse preço e prefira um preço mais elevado como as outras tours. Dá para os dois lados. Mas acho que é um bom sistema. Se a banda enche a sala todos ficam satisfeitos. Além de terem uma intervenção mais directa no booking dos vossos concertos, também são vocês quem concebe e vende o merchandising. Sim, vendemo-lo em concertos e online também. Preferes ir para casa com um disco debaixo do braço ou com o disco e uma camisola vestida? Nós também. E com a produção nas nossas mãos os custos são menores e podemos vender a um preço mais justo para todos. Isso também significa que temos maior controlo da banda e daquilo que fazemos, e impede outras pessoas de fazerem jogadas estúpidas ou coisas que nós nunca faríamos. E [com o merchandising] nós não fazemos merda ou coisas que achamos foleiras. E também é muito simples. Camisolas, vestuário e pouco mais. Não vamos fazer canecas Bolt Thrower… [risos] mesmo que consigamos vender um monte delas, seria foleiro [lame], ou isqueiros ou porta-chaves. Não queremos merdas foleiras. É então justo dizer que os Bolt Thrower são uma banda Do It Yourself. Sim... Bastante. Ninguém lixa as nossas coisas. Se alguém lixar alguma coisa seremos nós próprios, o que provavelmente é melhor. Detestaria ter um manager a fazer jogadas pela minha banda, e não saber realmente tudo o que se passa. Ser apenas um fantoche... Percebes? Estão satisfeitos com o trabalho que a Metal Blade tem desenvolvido? Por vezes as estratégias dos Bolt Thrower colidem com as das editoras, porque querem fazer algo que incremente a dimensão da banda e há coisas que não queremos fazer. Mas no que toca a promoção, que foi o motivo principal pelo qual assinámos pela Metal Blade, tem sido bem feita. Alguma distribuição não é tão boa, mas no geral as coisas não têm corrido mal. São uma boa editora! Alguns dos melhores álbuns de Death Metal de todos os tempos – os de Bolt Thrower inclusive – foram gravados pela Earache Records. Talvez o Those Once Loyal possa ser visto como um regresso a esses tempos...? Naaahh… Tempos melhores. E não falo no facto de o álbum ser melhor. São dias bem melhores porque não estamos na Earache Records. Nem nenhuma das outras bandas boas. Todos saíram da Earache por boas razões. Tiveram muito bons discos e agora estão a fazer dinheiro com catálogo antigo, mas no que toca à editora em si era provavelmente a pior, a mais merdosa. Todas as outras editoras grandes no nosso tempo começaram quando a Earache já liderava. E vejam o que aconteceu. É bem melhor estar na Metal Blade por muitas razões. [www.boltthrower.com] 17 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 16 8 Lembro-me que no final dos anos 80 as fronteiras entre o Metal e o Punk não estavam tão definidas como hoje. Haviam muitas pessoas misturadas e entre mundos. Foi desse forno surgiram alguns grandes como Napalm Death, ExNxTx, Carcass, e até bandas de Death Metal mais primordial como Malediction (UK) beberam do cálice do Punk. As fronteiras estavam mais difusas, talvez por não haverem tantas sub-categorias. Muitas bandas tocavam juntas, então não pensavas nas bandas como Death Metal ou Grind Core, tocavas com/ nelas. Eram apenas pessoas a tocar juntas. UNDERWORLD Tendo o conceito da guerra por detrás, maioritariamente, onde recolhem informação? Em livros, documentos baseados em factos reais e não em filmes, falamos com soldados, por vezes falamos de eventos a que assistimos repetidamente ao longo da história. Haverá sempre algo a ser dito sobre essa... coisa. [tom de pesar] Li algures que tu e o Barry formaram os Bolt Thrower num concerto Punk. Sim. Talvez não tão inspirados pelas bandas a actuar lá nesse momento, mas mais a pensar naquilo que gostaríamos de estar a ouvir e a fazer. Gostamos do Punk pela sua sujidade e agressão, mas precisamos da precisão do Metal. Serão sempre uma boa mistura. E duplo bombo, que era algo que as bandas Punk não utilizavam e foi logo o ponto de partida para o nosso baterista. MÉCANOSPHÈRE Corte & Costura Por Ricardo Amorim e Axima Bruta Lá fomos nós cheio de potencial, de caminhos possíveis para explorar. Portanto, a partir da ideia inicial que era no fundo a de fazer uma colagem caseira e rápida, embarcámos logo para um processo que acabou por ser muito mais complexo e demorado na sua elaboração do que nos dois discos anteriores. Teoricamente este seria o nosso disco menos produzido e acabou por ser o que necessitou mais trabalho, mais detalhes, mais pessoas envolvidas. Depois do Lugar Comum, continuámos as gravações e o trabalho no Porto, com Jonathan Saldanha do colectivo Soopa como produtor. Há uma ligação muito grande entre Mécanosphère, e os Soopa e “Limb Shop” reflecte esta ligação. Alias, Scott Nydegger e os Soopa produziram o álbum “United Scum Soundclash” enquanto os Mécanosphère andavam em fase de laboração inicial do principal que é o disco. O palco é uma sequela do disco. Não tem uma função “musical”. Tem uma função de amplificação e de encarnação. O que fazemos é não privilegiar o disco ou o concerto. Não há um que é subsidiário do outro. São duas linhas paralelas do nosso trabalho, da nossa actividade. O concerto para nós, tem uma função “musical” que não é apenas simbólica ou ligada à “aura” que falta ao disco-artefacto. Seja em disco ou em palco, reactivamos os nossos truques, o nosso universo sonoro, os nossos instrumentos e tentamos recriar, recomeçar o mesmo – em vez de mimetizar formas acabadas que já existem na sua forma terminada, elaborada dentro dos parâmetros da gravação. Agora sobre o aspecto editorial da coisa, este novo disco surge por uma nova editora, a Raging Planet, depois dos dois discos anteriores terem saído por duas editoras diferentes. Esperas que as coisas agora corram melhor? Eu espero que sim, mas sublinho que as coisas correram muito bem com a Loop Recordings. Pessoalmente, gostaria imenso de ter uma editora fixa que, e isto talvez fosse pedir muito, também acompanhasse o nosso ritmo de produção que, apesar de agora o “Limb Shop” ter demorado mais tempo do que estava previsto, acaba por ser de um disco por ano. Esta mudança de editora foi a Mécanosphère ou a projectos e experiências paralelas que, de uma forma ou de outra voltam ou se ramificam, esteticamente e na sua abordagem, a Mécanosphère. Mesmo antes de se formarem os Mécanosphère actuais. Sou um músico pouco disseminado e tenho apenas uma maneira de tocar, uma meia dúzia de truques, um kit instrumental reduzido que uso mais ou menos sempre da mesma maneira e para sacar dele o mesmo leque de sons, de ritmos e de orgânica. O meu trabalho é bastante obsessivo e também é muito simples, linear. E quanto às razões que me trouxeram cá, são várias, e misturam coisas pessoais com coisas musicais. Em relação ao Adolfo, conheci-o cá, em 1998, na altura da Expo’ e de um festival paralelo chamado Mergulho no Futuro. Na altura eu estava numa fase um bocado anti-Rock e muito obcecado com o Mick Harris, e ainda estou. Scorn foi para mim uma coisa muito central e metade daquilo que eu faço não é uma influência do Mick Harris mas é uma espécie de colagem ao contrário, e uma certa forma de diálogo com ele. Além disto também falamos muito. Oiço muito o que ele diz; é uma coisa muito importante para mim talvez porque o meu primeiro concerto de música electrónica foi de Scorn, em 1995. Enfim, quando encontrei o Adolfo, o Rock não me dizia nada. Depois vi os Mão Morta, projecção permanente de um state of the art, que recentemente foi Brooklyn e Providence, antes Londres, Bristol, Viena, Paris. Não tenho nada contra isso porque, se queres que te diga, acho que há muito boas bandas em Portugal mas, respondendo à tua pergunta – e quero pegar-lhe neste sentido –, falando na cena, mais do que referir nomes, acho que a cena é muito animada por uma espécie de mimetismo muito grande. Não diria que é uma cópia e nem quero entrar naquela retórica do “todos nós temos influências”, etc, e nem tenho nada contra isso mas acho estranho esta dinâmica mimética que ultrapassa a influência. É muito somático. Parece que há uma anestesia crítica, e portanto criativa, inversamente proporcional a uma postura de “bom alunos”, o que é estranho. Quando chega ao paradoxo de ser-se “bom alunos” de estéticas e projectos que nasceram precisamente do oposto, e que nasceram por sinergias que são tudo menos miméticas para com os role models e os padrões estilísticos em voga. Há qualquer coisa de somático. Da ordem do sonho e do sono ao mesmo tempo. É uma espécie de espelho e, no fundo, acaba por ser para consumo interno, o que acho muito interessante. E muito estranho também. Em vez de aproveitar e aprofundar o facto de ser um país, um contexto periférico, e inventar qualquer coisa a partir desta situação, quer-se ser americanos. Estranho. Entulho Informativo 18 ao apartamento de Benjamin Brejon para uma entrevista. Íamos desconfiados e com medo de levar com uma pedra em cima. Preocupações desnecessárias pois o senhor foi extremamente simpático e comunicativo. Também era época natalícia, o ambiente da casa acolhedor e havia bebida e nicotina à descrição – que é bem melhor que passas ou bolo-rei. O novo trabalho dos estéreo-mutantes Mécanosphère, “Limb shop” sairá com este número que agora pegam porque, apesar deste país ser fraco em sinergias, de vez em quando acontecem estas empatias que permitem quebrar a rotina. Valeu tanto a pena que acabámos por convidá-los para a primeira edição das Under’ Sessions, a ocorrer a primeira toma no já próximo dia 27 de Janeiro n’O Culto. puxa mesmo pelo Dub. Da mesma forma que o Dub destrói uma faixa mas ao mesmo tempo não estás a destruir o seu sentido, estás mesmo é a desfigurar o embrulho, a crosta usual e formal da música por detrás da qual está o som do som e o sentido do sentido. Por detrás do embrulho sonoro e temporal, a que chamamos canções ou temas, há um espaço, há uma geologia e uma térmica, detalhes escondidos no mix. E também há, por vezes, um sentido, umas quantas narrativas escondidas. O Dub enlarge details, dá espaço ao residual, dilata o tempo. A própria postura da voz do Adolfo lá dentro é bastante diferente da dos discos anteriores. A temática das letras, que aliás são muito poucas, desdobra-se nesta ideia. O Adolfo é omnipresente em “Limb Shop”. Mesmo quando estás a ouvir músicas que parecem instrumentais, muitos dos drones, dos sons, é feito a partir da voz dele, ou a voz dele está lá dentro e sai às vezes. A voz está sempre lá mas já não tem um discurso. É o fim de um discurso omnipresente nos dois últimos discos e que aqui se desfigura, chega a uma espécie de limite de sentido e passa para o lado do sonho, da reminiscência em fragmentos e estilhaços. A voz está distorcida e recortada, mesmo à antiga – como faziam na sound poetry. Isto é um piscar de olho às experiências que o pessoal da Fluxus, e também o Burroughs faziam com tape recorders. As partes mais spoken word, por exemplo UNDERWORLD 18 19 UNDERWORLD Entulho Informativo 18 Poucos meses depois de “Bailarina” surge este terceiro trabalho, que conta com a colaboração de Steve MacKay (The Stooges), entre outros músicos. Fala-nos do processo que levou a “Limb Shop”. Logo a seguir ao “Bailarina” já tínhamos a ideia de fazer este. Da mesma maneira que “Bailarina” foi concebido e gravado como sequela do primeiro disco “Mécanosphère”. Ou seja: na urgência de aprofundar, corrigir e explorar todo o leftover real ou potencial do disco anterior, no quadro de uma narrativa constante que une os álbuns e os lives uns aos outros. Cada disco sendo um novo capítulo baseado na aproveitação do leftover do anterior. Exploração das entrelinhas, dos sons, do que não deu para fazer e dizer, para explorar ou explicitar. A ideia inicial para “Limb Shop” era de juntar pedaços de sessões em estúdio, fragmentos de gravações, restos de material não utilizado. Compilar tudo muito rapidamente e fazer um disco abertamente residual, “pobre”, experimental, de colagens abruptas, ruídos, tape-loops e recortes de spoken word. A ideia amadureceu e precisávamos de um técnico de som para nos ajudar a compilar isto – e porque talvez fossem necessárias mais algumas gravações. Fomos com o Joe Fossard pelas instalações do Lugar Comum, que nos emprestou um espaço. Tocámos durante dez dias e acabámos com muito mais material ainda. Todo um material novo disco. O “USS” é um disco dadaísta, uma mistura radical de restos de free Jazz acústico com electrónica, electroacústica, música para desenhos animados estranhíssimos... Também toca lá o Steve MacKay. Para sublinhar o elo entre os dois discos, foi o Miguel Cardoso, também dos Soopa, que fez a nossa capa, com um grafismo próximo do “USS”. No final de contas, a intenção inicial do álbum não se perdeu. Só que em vez de ser uma mera colagem de coisas e restos, explora aquela ideia de “residual” em profundidade, jogando com múltiplas dimensões e níveis de escuta, de sentido, possíveis. E a nível temático, o que nos podes dizer sobre “Limb Shop”? Existe uma ligação entre essa ideia de corte e colagem de sons e o conteúdo lírico do disco? Exactamente, há uma ligação. Mas eu começaria pela música. A ideia central do álbum é a desfiguração, a mutilação, coisas que se desfazem, acidentes, restos mas também próteses, suturas, máquinas que andam sozinhas... Contrariamente aos dois discos anteriores, tentámos criar uma orgânica narrativa que envolvesse igualmente o texto e a música, fundindo-os numa coisa só. Portanto o conteúdo lírico e o som desdobramse sempre um sobre o outro. Talvez seja um disco que o segundo tema, tinha um texto inicial que era linear – a discrição de alguém a quem um bloco de pedra cai em cima do braço, perdendo os sentidos e depois só tem um coto ao acordar. Manipulámos aquilo de forma a que só no fim se perceba o que aconteceu, onde queriam chegar aquelas sílabas e sons espectrais em forma de puzzle mental e sonoro. De forma geral a voz no disco é uma voz desencarnada, ou em constante processo de desencarnação. Um resto de letra, um resíduo do Rock, do “cantor”, em via de espectralização. Indo agora para a forma como se apresentam em palco, não há uma transposição do que se ouve no disco para o palco? Não, nunca há uma transposição, que eu chamaria de analógica ou de geometria euclidear. Ou seja, fazes um disco e depois vais para o palco ou para tocá-lo certinho ou para comemorá-lo com o público – que no Rock talvez funcione assim –, ou seja, há um jogo de recognição analógico. O próprio disco não tem uma fase inicial de elaboração de canções, daí que depois não tem uma fase de transposição das mesmas para o palco. No universo Pop/Rock a coisa é diferente. Funciona em três fases que seriam: compor, gravar as composições e, por fim, a celebração geral daquilo e comemoração em palco. Neste processo há, de certa forma, um referente uma coisa completamente pacífica, isto é tudo muito mais street level do que se possa imaginar. Alias, “Limb Shop” sai pela mão de uma associação entre editoras: a Raging Planet e a Base Records. De fora parece quase uma espécie de estratégia de disseminação da banda. Uma vez que o mercado em Portugal é muito reduzido, tentam através de várias editoras editar com regularidade, o que é um feito! E a ideia é continuarmos assim mesmo e talvez lançar uns CD-Rs também entre uma coisa e outra – sub-discos se quiseres. Depois não sei se é propriamente uma estratégia de disseminação muito consciente. Acho sobretudo que reflecte o facto de sermos trans-culturais e interessados em qualquer tipo de contexto mais do que numa hipotética “identidade” sub-cultural fixa. Não há problema para nós em estarmos associados a editoras de Rock, de Hip-Hop, música experimental, conceituada ou não, para gravar um disco a sério ou para publicar um CD-R em edição limitada… Fala-nos um pouco sobre o teu background? Sabe-se pouco sobre ti e de como vieste cá parar ou como conheceste o Adolfo... Acerca do meu background, não há grande coisa para saber. O meu percurso musical é e sempre foi ligado num concerto que estava praticamente vazio, no Armazém Abel Pereira da Fonseca. Havia qualquer coisa que interrogava este folclore do Rock e foi algo que me bateu. Não era, se quiseres, “tocar Rock n’Roll”, era “jogar com a retórica do Rock”. Tocar um instrumento que seria “uma banda de Rock”. Num segundo grau, irónico sem ser uma ironia de poseurs pós-modernos tipo post-great rock and roll swindle em versão glamour-decadente. Reinvocar um lado cru e ao mesmo tempo grand guignol. Nunca me tinha passado pela cabeça trabalhar com um vocalista mas lembro-me de dizer à minha mulher nesse momento que, se alguma vez tivesse de fazer alguma coisa com um vocalista, era mesmo com aquele gajo. Agora uma pergunta que eu não gosto muito de fazer, mas que se calhar faz algum sentido fazêla a ti por teres vindo de outro país: que opinião tens sobre a cena portuguesa – se é que se pode chamar-lhe cena? Eu acho estranho ver que nós somos mais uma banda portuguesa do que muitas bandas portuguesas, porque nós estamos cá para estar cá, não é para sonhar que estamos em Nova Iorque. Há bandas que estão cá e fazem uma espécie de retro- MÉCANOSPHÈRE Limb Shop CD’06 . Raging Planet/ Base/ Fonoteca de Lisboa Neste terceiro registo dos industrialitas-dub-mutantes há duas boas notícias: 1) O carisma mediático de Adolfo Luxúria Canibal foi abafado e 2) a música encontra-se mais solta, fugindo a sete pés do formato quase-que-canção dos outros registos. A composição deste disco foi baseada na reciclagem e transfiguração das antigas sessões de gravação do álbum anterior e de novas sessões com todos os músicos que já passaram pelas fileiras mecanosféricas. Como um monstro de Frankenstein, feito de cadáveres, o disco foi composto na lógica cut n’paste, embora parta de um texto sobre um indivíduo que sobrevive à queda de uma rocha. A confusão provocada da composição é igual à confusão da própria personagem que perde um braço. O resultado pode ser discutido – nunca será uma obra unânime –, mas se ainda há aqui Dub Industrial, Hip-Hop Noise, free Rock/Jazz, pelo facto do trabalho ter sido desmembrado a banda ganhou com a soma dos seus próprios fragmentos – tal como o monstro de Frankenstein era mais forte do que um humano normal, não era? Antes havia um fio condutor de identificação imagética puxado pelos textos e voz de Adolfo, ao esquartejá-la perdeu-se a figura pública mas ficou o talento. Do pós-moderno óbvio dos primeiros registos passamos agora para uma dimensão pós-mediática, que poderá ser um novo ponto de partida sem “fantasmas canibais” a servirem de medida de crítica. 4 DJGS FIELDS OF THE NEPHILIM Uma introdução para um artigo sobre uma instituição incontornável e um nome que atingiu estatuto de mito não é algo leviano. Dos nomes que pincelaram com trevas o Rock dos anos oitenta [dito gótico] só um manteve integridade e coerência. Carl McCoy não gosta de entrevistas e muito menos de mexer no passado, mas conversou com o Underworld sem paranóias e com pistolas apontadas ao futuro. 15 anos depois de uma morte no auge. Por Joaquim Pedro “Há um lado negro que tem que ser muito forte.” Carl McCoy Ser verdadeiro “Adoro fazer o que faço e se alguma vez me comprometer de alguma forma, a magia e a essência não estarão lá.” Em inglês soa melhor, mas há pessoas que quando o dizem se sente a sua verdade. “Portanto, tenho que me manter fiel às minhas armas, para conseguir fazer aquilo que faço.” Carl continua, sem falsas pretensões. “E, em princípio, a coisa desenvolve-se, amadurece, e permite-te enveredar por caminhos diferentes e várias formas daquilo que fazes. Tem que haver sempre algo a explorar. Mas muitas pessoas são complacentes e deixam-se forçar, especialmente nesta indústria.” Estamos em 1990, os Fields of the Nephilim editam Elyzium, o seu terceiro álbum de originais, e fazem uma digressão mundial para o acompanhar. Nas teclas está o homem contratado pelos Pink Floyd, e em palco uma banda em pico de forma, longe da esterilidade. Só que debaixo de uma imagem de perfeição algo desafinava. “A banda estava a tornar-se bastante conhecida e tive medo que acabássemos por enveredar pelo caminho errado. Acho que alguns membros da banda estavam a pensar que éramos muito mais especiais do que éramos, e esqueceram-se de onde vínhamos.” Carl McCoy sacrifica então os Fields of the Nephilim em prol de uma visão que não permitiu que fosse desfocada. “Dispersei o lineup inicial da banda porque eu procurava formas, e eles prendiam-se. Eu não acho difícil manter a postura, mas torna-se difícil quando há outras pessoas envolvidas, porque as pessoas perdem completamente o rumo e conspiram.” A morte no auge merece mais respeito que um empobrecimento gradual. Ao longo dos anos, assistimos à extinção e mutação dos artistas mais relevantes da era dourada do Dark-Rock/Gothic. “Não diria terem-se vendido...” – Salvaguardei. “Eu diria.” Clarifica McCoy por entre risos. Mas a dissolução dos Fields of the Nephilim foi certamente uma decisão difícil, especialmente tendo em conta todas as agravantes que se lhe seguiram. O tempo não espera A resposta à pergunta que tanto se faz – sobre a demora –, não é complicada, mas tem vários contornos. “A principal razão teve a ver com a indústria musical me foder completamente. Isso mais do que qualquer outra coisa. Impediram-me de trabalhar.” Pode tornar-se dono de nós quem nos amarra com cordas contratuais. Mas há outras partes azedas na história. “Comecei a trabalhar [já em 1999] com um membro antigo da banda, o Tony [Pettit, baixista], e isso correu terrivelmente mal. Era apenas trabalho árduo e aborrecido. Depois a editora discográfica [Jungle Records] lançou aquilo sem eu saber. Apenas demos e coisas... E isso também me tirou algum tempo. Não é inteiramente culpa minha. Eu não tenciono trabalhar devagar. É este o tipo de coisas que se passam, por vezes, nos bastidores. É um bocado cliché antigo do Rock n’Roll.” Fields of the Nephilim [continuação] Mas voltemos atrás. Ainda há um hiato de 10 anos por compreender. 1991 é a data de edição do disco duplo ao vivo Earth Inferno, onde uma banda já separada provoca arrepios. A editora permanece a Beggars Banquet e Carl continua a trabalhar. “Após ter feito Elysium parti para o projecto Zoon.” Para evitar confusões, e também certamente devido a percorrer terrenos musicais mais obscuros e agressivos (Metal industrial), o projecto assume o nome Nefilim. Estamos em 1996. “Demorou bastante tempo e parti daí directamente para tour. A editora esteve 100% a meu lado. Deram-me apoio em dispersar a banda em primeiro lugar. Pensaram que era uma boa ideia devido ao que eu ia fazer. Mas o problema é que eles não compreendiam a cena e o que se passava lá fora.” Zoon passou algo despercebido. Talvez demasiado à frente para o seu tempo. “Não havia nada como nós na Beggars Banquet. Era uma vertente mais pesada.” Nefilim passaria por Portugal em actuação de festival, mas nem os fãs antigos de Fields nem novos fãs mais extremos aderiram como gostariam devido a mera falta de informação. “Estiveram [a editora] um passo atrás e eu não fiquei nada contente com isso. Não sabiam o que se passava no mundo. Não foi nada bom para mim e quis acabar com o contrato. Quis ir para outro lado e eles não deixaram. Puseram-me na terra do limbo por alguns anos. Esta é a história resumida.” The Nephilim, Nefilim ou Fields of the Nephilim? A dada altura surgiu no site da banda o anúncio de que o novo projecto de Carl McCoy se iria intitular The Nephilim. Mourning Sun é editado com Fields of The Nephilim na capa. Terá sido um requisito editorial como estratégia de marketing? “Nunca falei acerca disso com ninguém. Apenas acabou por acontecer assim. Sempre me referi a mim próprio como The Nephilim de qualquer forma. Tudo o que fiz sempre foi The Nephilim, isso sempre foi o lado mais Mourning Sun – O Recomeço “É uma espécie de fim do princípio, suponho. Ou o princípio do fim. [esgar de humor] Não. É um novo ciclo. É olhar para a frente. Representa como que o futuro do nosso passado, realmente. É o resultado de tudo aquilo que tenho vindo a construir até aqui. É, obviamente, um novo capítulo, mas parte do puzzle.” O processo é agora diferente. Já não há banda. Há uma mente e acessórios (mecânicos e humanos) que permitem que uma construção tome forma. “Tenho uma ideia global do resultado final. Os detalhes não são tão importantes, mas os sentimentos e o que pretendo transmitir. Deixo-me ir ao encontro disso, umas vezes encontro-me, outras vezes passa-se ao contrário.” Mourning Sun é um disco que deve ser visto como um todo, não é um disco de canções. Fields of The Nephilim sempre foi uma banda de ambientes, mas desta vez Carl levou ainda mais longe este conceito. “Realmente utilizo muitas camadas, mas é provavelmente a natureza do que sou. Tudo quanto faço tem estas camadas. Tento não fazer as coisas complicadas mas... podem ser entendidas dessa forma. Desde que o focus lá esteja é o mais importante. Normalmente tenho uma boa visualização, imagens na minha mente, e crio o meu soundtrack indo ao encontro disso.” Em Mourning Sun podemos ouvir bebés a chorar, pássaros a cantar e um sem número de outros fragmentos. As gravações foram efectuadas no estúdio portátil The Ice Cage. “Dei-lhe esse nome devido às letras de um dos meus temas. É o meu equipamento de estúdio. Basicamente são enormes rack’es de equipamento que podemos transportar. Por isso, por vezes, levamo-las para locais interessantes. Maioritariamente para efeitos de som e ambiência. Gravámos instrumentos e algumas vozes em locais interessantes. Sabes, só mesmo pelo gozo disso, em vez de estarmos confinados sempre ao mesmo ambiente de estúdio.” Sheer Faith é a entidade que continua a assumir responsabilidades no campo gráfico/visual. “Existe desde o primeiro dia, realmente. Anda de mão dada com The Nephilim. É um nome que utilizo para o meu artwork. Claro que mudou e mutou, fiz outras coisas também, mas o propósito principal foi o lado visual de Fields of the Nephilim. Tudo o que não seja musical é Sheer Faith.” 2006 “Originalmente o álbum Mourning Sun ia ser duplo. Mas achei que seria demasiado intenso para as pessoas assimilarem de uma só vez. O material resulta melhor naquela configuração.” Alguns temas ficaram de fora e não irá demorar tanto até outro disco de Fields of the Nephilim ser editado, prova- Um bar?! Já não temos em Portugal apenas o Eddie’s Bar a honrar um colectivo britânico [os Iron Maiden, no Algarve]. Não pude deixar de tentar saber as impressões de Carl McCoy sobre o facto de existir em Portugal um estabelecimento dedicado a Fields of The Nephilim, Nefilim e derivados. “Já ouvi falar. Tenho que lá ir um dia. Já lá estiveste?” A resposta foi dada com um sorriso, e Carl continua com algum agrado: “Hei-de ir a Portugal. Tenho que checar esse bar.” E a verdade teve que ser dita: “Tens mesmo. Não é uma espelunca. É um local muito interessante. Honra Fields of The Nephilim com excelente bom gosto em termos de decoração. Esta lá o chapéu, o chicote, os álbuns, posters, etc.” McCoy não conteve o entusiasmo. “Excelente! Excelente...! Tenho que fazer algumas escavações e ver se arranjo alguma coisa especial para dar ao Bar para colocarem lá. É um elogio porreiro, não é? Alguém dedicar assim um bar. Vou tentar viajar até lá um dia.” A lenda, o Homem, e a coisa gótica Fields of the Nephilim sempre teve um som, imaginário e universo únicos. Sabemos que as lendas dos Nefilim, Watchers, Elohim, inspiram o misticismo lírico de McCoy, mas o que ainda intriga muitas pessoas é a espinha dorsal do som de Fields. É difícil colocar em teorema o que toca a alma. “Hhhmmm... De onde surge... De sentimentos, não será? De uma combinação de sons e instrumentos interligados de uma forma que invoca certas emoções. O resto são pormenores. Tem mais a ver com uma combinação de ingredientes que criam o todo, e é isso que procuro alcançar. Um sentimento dentro da composição em si. Penso que tem sido sempre isso que tem estado em mim. E também uma paixão. O que faço, faço-o a sério. Acredito nisso. Se és verdadeiro transparece.” Tentei uma aproximação ao homem por detrás do conceito, e no nosso website poderá ser lida na íntegra esta conversa. Por agora, Carl é forçado a uma regressão. “Cresci. Éramos muito jovens quando começámos. Então há muitas coisas nessa altura...” Carl não completa a ideia e dispara: “Não voltaria a esse tempo. Sem dúvida prefiro ser quem sou agora, com a idade que agora tenho. Quanto mais velho ficas mais interessantes as coisas se tornam e mais força reúnes. Portanto gosto como é. Mas no que toca a mudanças, nem sei bem. Passa-se tudo muito rápido...” Admitirá McCoy a existência de uma “coisa” gótica, uma cena, um movimento, uma estética...? “Sim, claro que há. Obviamente permitiu-me editar os meus discos e ter uma espécie de suporte de uma base grande de pessoas... É apenas um termo. Uma palavra. Sinto que as pessoas e toda a subcultura em si são bastante importantes. Tudo deveria ser inserido no termo Dark-Wave. Expandiu-se também. É uma cena alternativa. As coisas mudam, os tempos mudam, as categorizações mudam, mas no que a mim diz respeito é a cena alternativa. Agora também há um lado comercial para isso. O que é algo estranho.” Será que Carl reconhece ter tido um papel importante nessa cena? “Não sei. Isso compete às pessoas julgar. Pareço obter essa reacção... Obviamente desempenhámos um papel importante. Estivemos lá no início e se calhar ajudámos a desenvolver. Fizemos coisas que mais ninguém tinha feito até então. A minha intenção sempre foi ser realmente verdadeiro. Na altura haviam já algumas bandas a começar a utilizar determinado tipo de imagem e simbolismo, mas não sabiam realmente do que se tratava. Então, quando aparecemos, levávamos a coisa muito a sério. Foram tempos muito interessantes quando começámos na verdade...” Carl meio pensativo. “Já não me lembro da pergunta.” [risos] 23 Muito da cena, mundo, ou algo assim, gótico actual possui aspectos peculiares. Como uma imagem forçada, exuberância e pose levadas ao ridículo. Há até uma espécie de culto à inversão das tendências sexuais. Em Fields of the Nephilim a postura estética sempre foi radicalmente diferente. “O cavaleiro que surge das trevas. A poeira. O nevoeiro e o fumo... Uma profundidade e gloom de abordagem mais realista. O visual meio século XIX european cowboy, muito distante dessa gayness e glam-gothic a que assistimos nos dias de hoje. Não concordas?” – Uma abordagem de forma mais mundana ao mítico cavaleiro. “Sim.” Responde Carl de imediato. “Antes de qualquer outra coisa, éramos homens. E não estávamos ali para ser parte de nada. Estávamos muito contra o lado glam das coisas quando começámos nos anos oitenta. Éramos como que a alternativa a todo esse glam, spandex... desse tipo de abordagem. Éramos o oposto, e sempre temos sido.” A frase seguinte foi proferida num tom impossível de descrever. “Há um lado negro que tem que ser muito forte.” E o resto são floreados. “Muito do que hoje vejo na cena gótica é uma espécie de retrocesso ao que se costumava designar por neo-romantismo. Provavelmente há muitas divisões e pessoas sérias no que fazem, mas também muita gente extremamente produzida e pomposa. E o mesmo em relação às bandas, claro.” [www.fields-of-the-nephilim.com] Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 22 Em 1998 houve uma reunião falhada de Fields of the Nephilim. Os irmãos Wright, guitarrista e baterista da formação de Elyzium, formam Last Rites. Tony Pettit esteve com McCoy mais um tempo, resultando daí alguns concertos em 2000 em formação mista com músicos de Nefilim, dois EP’s e um álbum inacabado editado de qualquer forma. Pettit funda, de seguida, os NFD [Noise For Destruction], e tanto nesse caso como em Last Rites, a tela é obscura, ambiental, com Rock, industrial e profundidade abissal. “Temos que assumir que a razão para o falhanço da vossa reunião não foram as típicas divergências musicais.” – Atirei eu à queima-roupa. Carl respira por um momento e responde: “Oh, não. Do meu ponto de vista foi apenas completamente aborrecido o que eles estavam a tentar fazer. Eu tinha estado fora e feito o Zoon, que era deveras intenso e extremo. Aprendi bastantes coisas. Então, quando nos reunimos, foi como regressar aos oitentas. Era apenas... estilo. Não tinha interesse para mim. Não havia a chama e o espírito... Simplesmente não estava lá. Portanto era exercício infundado. Do meu ponto de vista, não era pela razão certa.” Fallen, editado em 2001, com assinatura McCoy/Pettit, é um disco não autorizado. Uma das frustrações de um dos homens que tingiu de negro o Rock como o conhecemos. “Trabalhas arduamente em algo e depois alguém vem e faz-te isso pelas costas. Não é muito bonito. Era suposto estarmos a trabalhar juntos. Não gosto de pessoas desleais e desonestas. E isso é tudo o que poderei dizer.” De qualquer forma, Fallen é um disco com canções e ideias demoradamente trabalhadas. Será que veremos um dia este material devidamente concluído? “Não tenho motivos para voltar atrás... Há algumas canções que não saíram terminadas na versão em disco e eu depois regravei-as e terminei-as por frustração. A minha intenção era mesmo terminar e lançar... Mas a dada altura cheguei à conclusão que não valia a pena e era melhor investir o meu esforço em algo novo. Talvez haja faixas que mereçam ser ouvidas. Dou-as para qualquer coisa, meto-as de lado, não sei... Não pensei nisso.” velmente já em 2006, segundo Carl. E quanto a um novo DVD? “Há conversações sobre material visual também. Mas não quero dizer porque depois sou referido nisso e as pessoas vêm chatear-me. Mas há ideias para 2006, sim.“ Fica ainda a faltar levar Mourning Sun a palco. “Tenho que fazer isso.” Mas Carl é mais vago no que toca a quem o acompanhará. “Provavelmente será apenas uma grande bola de fumo sem ninguém lá.” Explode o riso de entrevistador e entrevistado. McCoy não é certamente um Andrew Eldritch, popstar frustrado por não conseguir deixar de ser tomado por gótico. “Tenho pessoas em mente, mas até surgir a confirmação das datas em que somos capazes de actuar e coisas assim, prefiro não mencionar. Mas iremos actuar no próximo ano, sem dúvida.” O que recordará McCoy da sua vinda a Portugal em ‘96 com Nefilim? “O cais.” O Festival realizou-se na margem do Tejo. “Partilhámos o hotel com todos os tipos de pessoas estranhas e maravilhosas. O concerto foi interessante porque haviam todos os tipos de nomes no cartaz. A reacção do público foi boa. Estavam realmente satisfeitos por nos ver. Isso fez-me sentir bem. Actuámos de dia, se bem me lembro. Isso foi muito estranho.” Os Moonspell estariam lá também e, na altura, colocou-se a hipótese de actuarem juntos. Agora acabam de assinar contrato pela mesma editora. Haverá hipótese de uma tour conjunta? “É muito cedo para dizer. Vou deixar isso com a agência. Eles são bons a conjugar calendários no que toca a concertos. A editora talvez sugira isso, não sei. Vamos ver o que nos propõem. Não sei ainda o que será. Não estou favorável a tudo o que me sugiram, mas se for algo positivo...” UNDERWORLD Entulho Informativo 18 Tentar e dispersar importante. Mas não sei... não houve um esforço consciente em fazer isso. Além do facto de uma editora ter posto cá fora um disco com o nome Fields of The Nephilim [Fallen, em 2001], o que foi bastante incorrecto. Talvez a nossa [actual] editora também tenha achado importante dar uma boa face ao nome, novamente... Não sei... mas não quero saber.” A nova editora da banda é a mesma dos portugueses Moonspell e dos nova-iorquinos Type O Negative, a alemã SPV. “A ideia original de mudar de nome [para Nefilim] foi demonstrar que eu estava a fazer uma coisa bastante diferente de Elysium. Envolvi-me com outros músicos. Era uma abordagem diferente e acabei por me esvanecer perante o meu público.” Zoon foi editado cerca de 5 anos após Elysium. “Não quis estar a vender o Zoon através da banda Fields of the Nephilim. Foi apenas por uma questão de justiça. Foi justo para com o público. Mas não foi realmente justo para mim porque olho para trás e penso: porque é que fiz aquilo? Devia ter saído com o nome Fields of the Nephilim ou The Nephilim de qualquer forma! O álbum [The] Nephilim e o álbum Elysium eram muito diferentes um do outro. O álbum Zoon é muito diferente do Elysium. Zoon foi a resposta ao Elysium. E agora Mourning Sun contém uma colecta de tudo o que fiz.” Quanto à opção pela SPV, eis o que Carl tem a dizer: “Sempre fomos licenciados por eles. Durante anos. Eu sempre me entendi bem com a empresa. Eles vieram ver-me, fizeram-me uma boa oferta. “Tens total liberdade. Faz o que quiseres, Carl. Leva o tempo que queiras. Fá-lo à tua maneira.” Tinham mesmo entusiasmo em que eu fizesse parte da equipa. Então foi porreiro. Foi uma jogada óbvia na verdade.” LIGHTNING BOLT entre si. Foram gravados em estúdios de qualidades diversas e todos pintam um retrato diferente da banda, mas o Dave é flexível e está sempre à altura do desafio (volume, abordagem e temperamento que lhe apresentamos). Além disso, ele persegue-nos por todo o lado. Não conseguimos evitá-lo! A mimese contra-natura Partilha connosco alguns detalhes relativos a títulos provisórios como “Scribblemania 2” e “Frenzy” [ambos referentes a “Hypermagic Mountain”]. São da vossa autoria? Ou constituem apenas termos aleatórios para “trabalho em progresso”? “Scribblemania 2” provém do uso que a cultura pop faz do termo “mania” (seja “wrestlemania” ou outra palavra qualquer). “Triple Mania 2” é o título de um disco de Crash Worship (uma das minhas bandas favoritas), mas nem me recordei disso até adicionar o 2 ao nosso título. O outro motivo prende-se a um comentário feito por um colega de quarto após ter escutado a primeira sessão de estúdio:”Tocam tão depressa que quase parecem estar a rabiscar por tudo o que é sítio...”. É uma palavra engraçada (n.r.: o “scribble” tal como o “rabiscar”), mas obviamente não o suficiente. Por isso, rejeitámo-la. “Frenzy” foi o título provisório que atribuímos ao material improvisado. Existe sempre um conjunto de secções de algumas composições ou sets em que tentamos atingir o “frenesim”. Ou seja, ser tão dementes quanto possível. Entulho Informativo 18 Sentes que a aclamação generalizada de que “Wonderful Rainbow” foi alvo poderá ter suavizado, nem que seja um pouco, o vosso núcleo? A aclamação deixa-me louco. É agradável ser elogiado, mas isso não nos leva a tocar ou a sentir melhor após o breve momento de contacto com o texto ou verbalização. Sem dares por isso, encontras-te a competir com uma irrealidade escrita acerca do que estás a fazer. Posto isto, estou certo de que, se toda gente odiasse o que fazemos desde o início, sentir-me-ia desmotivado. A aclamação é uma espada de dois gumes. Pode até ser que tenha suavizado um pouco o nosso núcleo, mas não me parece que “Mountain” seja um disco mais suave. Daí que acredite que não. O mundo está mais difícil que nunca, com ou sem “Wonderful Rainbow”... UNDERWORLD 24 Um raio nunca atinge o mesmo lugar duas vezes. Provoca algum pavor esse dizer que atribui rédea solta à imprevisibilidade da natureza. A civilização desenvolveu para si recipientes onde o meio é exposto de forma ordeira e domesticada, como se tal servisse de antídoto aos receios provocados pelo ímpeto descontrolado da natureza. O Underworld convidou até ao seu domínio o exército dos doze macacos comandado por Brian Chippendale, metade dos Lightning Bolt. Por Miguel Arsénio | Ilustrações de Brian Chippendale Fala-me um pouco do percurso que separou o “Wonderful Rainbow” de “Hypermagic Mountain”. Podemos estabelecer “Mountain” como o pote de ouro (na extremidade do arco-iris)? É um daqueles discos a que só chegariam após atravessar os três anteriores? Cada disco representa o produto de tudo o que lhe é anterior… Em muitos aspectos, este poderá ter sido uma reacção aos últimos dois, “Ride The Skies” e “Wonderful Rainbow”. Discos esses que não captavam a nossa vivacidade e rapidez tal como queríamos... O “Mountain” demonstra que estamos mais calibrados e rápidos que nunca, após centenas de concertos. Os primeiros álbuns nem precisam de ser necessariamente equacionados, mas os anos de trabalho conjunto sim. Pode ser o tal pote de ouro, a conferir um sentido de oclusão a tudo o que fizemos. Retira elementos a todo o nosso percurso, sem os adulterar, mas apurando e dominando-os. Espero eu. A natureza parece ser um tema recorrente em “Rainbow” e agora em “Mountain”. Quão próximos se sentem da natureza e da sua imprevisibilidade e tragédia? Enquanto ser humano, tenho uma sola de borracha, um chão emadeirado e uma fronteira de betão que me separa da terra. A montanha mais próxima fica a duas horas daqui, mas o oceano fica próximo. Somos uma banda de cidade. Uma pequena cidade, mas ainda assim urbana. Mas creio que ao sonharmos, o façamos projectando a vastidão, e a natureza é vasta. Ao tocarmos, esforçamo-nos para que isso resulte num sonho. Almejamos a algo que ultrapasse a condição humana. Quando referes a imprevisibilidade e tragédia, isso aponta para tsunamis na Ásia ou terramotos em Caxemira. Tenho medo do poder da natureza, mas nem tudo nela é morte. É também vida, e é pura. Atendendo a que “Hypermagic Mountain” foi praticamente elaborado a partir de improvisações, acreditas que o disco possa constituir um passo em frente na emulação da experiência ao vivo ou tal contacto directo será impossível de encapsular em disco? O “Mountain” é o disco que mais se aproxima da experiência ao vivo. Podíamos ter feito melhor, mas o melhor seria sempre uma gravação do que se tinha passado. São para mim circunstâncias distintas, mas esse foi um dos objectivos: alcançar a energia de um concerto. Haverá hipótese de um dia virmos a escutar as demos de duas pistas? Referes-te às improvisações que gravámos há um ou dois anos? Acho que já deixámos empoeirar esse material!... Creio que o Brian Gibson [a outra metade dos LB] usou apenas uma ideia dessa pilha de 12 horas de fita, tendo-a aplicado à conclusão de “Dead Cowboy” [de “Hypermagic Mountain”]. Ainda existe uma série de grandes momentos nessas gravações que um dia conhecerão a luz do dia! O que vos levou a optar novamente por Daven Auchenbach como produtor do disco? O Dave é impecável, na medida em que nos escuta com a devida atenção e tenta arduamente reflectir sobre o nosso som. O gozo das improvisações conduziu-nos a um novo processo que acabou por resultar no novo disco. Metade de “Mountain” foi composto através desse modo: apenas duas pistas e faixas, como “Bizarro Bike”, em que o Dave misturava o material ao vivo. Foi divertido. É difícil julgar todo o nosso material e decidir se a relação LB/Auchenback é perfeita, já que os últimos três discos soam tão díspares Sentes que o abismo entre o mainstream e underground pode aguçar a vossa convicção? A apreciação dos fãs permite-vos uma auto-suficiência de acordo com os vossos próprios termos? Por cada pessoa que acha que devíamos tocar num palco, duas alegam que nos devemos manter ao nível do solo [um concerto tradicional de LB tem lugar ao nível do público que rodeia os músicos], mas acho que o nosso apego ao underground se deve essencialmente ao facto de que aderir ao mainstream implica abrir mão do ritmo que achas melhor para ti. Não consigo conceber uma label mais descontraída que a Load, e muitas vezes já motiva a demasiadas preocupações. Tens razão, existe um abismo negro entre os ícones de mainstream que cumprem a carreira à sua maneira, e os Lightning Bolt, que têm total poder sobre as decisões de carreira. O mergulho que conduz ao lado negro é demasiado perigoso. Mas que sei eu? O próprio Yoda, o mais sábio dos seres no sistema solar, participou num anúncio ao refrigerante Mountain Dew. Acho que o mainstream comporta um maior número de elementos destabilizantes que estabilizantes. A Load Records opera como uma família disfuncional? Quão próximos se sentem da teatrilidade de uma banda como os White Mice? Os White Mice são nossos amigos, mas, ao mesmo tempo, tão diferentes de nós... A Load é uma família disfuncional, que inclui todo o tipo de “esquizóides” que nada têm comum além da inadaptação em relação ao resto do mundo. Na digressão partilhada com os Locust e Arab on Radar, alguma vez sentiste que as bandas se alimentavam da tensão acumulada entre si? Como se um qualquer tipo de competição auxiliasse a atingir novos extremos... Referes-te à Oops Tour. Estávamos tão empenhados nessa digressão que cheguei a alinhar em brincadeiras para poder aprender algo. É óbvio que assistir ao Gabe [baterista dos Locust] a tocar todas as noites levou-me a tocar mais rapidamente. Ele é imparável! Os Arab on Radar caminharam na direcção oposta e abrandavam o ritmo noite após noite. Se acho que os Locust podem ser ainda mais extremos? Teria de escutar as gravações dos concertos para responder a isso. Todas as bandas incluídas na digressão estavam tão concentradas numa determinação específica, que duvido que alguém tenha prestado muita atenção aos parceiros. Li acerca da possibilidade do Ryan Adams convidar-vos para uma digressão. Devo entender isso com uma piada ou existe alguma veracidade nisso? Achas que se adaptariam à realidade da audiência típica do Ryan? Acho que isso era verdade, mas nunca ouvi Ryan Adams e não faço ideia de qual será a dimensão da sua audiência... Presumo que seja mais ou menos grande, à imagem de um tipo menos pop. Não sei. Acho que nos adaptaríamos confortavelmente à retrete do seu espectáculo. Geralmente achamos imensa piada e não reflectimos muito acerca de convites surgidos a partir do plano superior. Parece-me que a Liga em que os Death From Above 1979 actuam é completamente diferente da vossa. Não estás saturado da comparação? Eles actuaram no Conan O’Brien, mas suspeito que nunca deixarias o Max Weinberg [bate- rista de serviço no famoso talk show da NBC] pegar na tua bateria, certo? Essa é outra. Não escutei mais que dez segundos de Death From 1979 há alguns anos, e não faço ideia de qual será o nível de sucesso que os persegue. Nunca recebemos convites do Conan O’Brien e nunca assisti ao seu talk show. Caso o talk show fosse apresentado por Conan, o Bárbaro, eu faria tudo ao meu alcance para actuar aí. Que tipo de inspiração obtêm do Japão? Eu adoro o Japão. Mais do que a Oops Tour, o Japão é uma montra para verdadeiros extremos musicais. A proficiência é uma regra de ouro por lá. Até uma banda desajeitada é eficazmente desajeitada. Para nós, que nos dedicamos ao rock, o melhor é estarmos permanentemente em pico de forma para superar os Japoneses... És capaz de projectar mentalmente uma carreira tão longa e cimentada como a dos Sonic Youth e aplicá-la ao vosso caso? Tão longa quanto a dos Sonic Youth, não sei! Estamos juntos à 11 anos e debruçados sobre “Hypermagic Mountain”, que quase parece o nosso “Daydream Nation” (n.r.:o disco que projectou os SY para a ribalta da Geffen) por causa da sua duração. Será que um dia “cresceremos” até ao ponto que os Sonic Youth atingiram? Não faço ideia. Parece-me que ainda dispomos de algum tempo, mas não da eternidade que parece abençoá-los. Existem certos elementos directamente ligados à juventude, especialmente no caso de um baterista! Espero que continuemos por mais um tempo. Ainda há mais a fazer. Só o tempo dirá… Como é para ti recordar a sessão com John Peel? Ele teve um papel extremamente importante na divulgação e aceitação de géneros como o noise e todo um imenso underground. Que imagem guardas dele? Sinto-me extremamente grato pela oportunidade de conhecê-lo e actuar no seu programa de rádio. Foi, para mim, um dos momentos mais intensos dos últimos anos. Ele é uma pessoa insubstituível. LIGHTNING BOLT Hypermagic Mountain CD’05 . Load Records Aproveito para o caso um ensaio de Michael Stern entitulado “Making Culture into Nature”. Nesse, o autor aborda incisivamente a Cerimónia de Óscares de 1968 em que “2001 – Odisseia no Espaço” arrecadou naturalmente o galardão para Melhores Efeitos Especiais. Contudo e atendendo a que era perfeita a representação dos actores no lugar dos macacos na emblemática cena da descoberta da ciência, muitos ficaram surpresos que a obra de Kubrick não tivesse sequer sido nomeada para os prémios de Melhor Caracterização ou Melhor Guarda-Roupa. Ainda mais, quando estes foram atribuídos ao bem mais inferior “Planeta dos Macacos”. Perante tal omissão, a explicação não oficializada por parte da Academia alegava que os seus membros não tinham reparado que se tratava de humanos no lugar dos símios. A sequência ganha com isso uma releitura que a torna ainda mais sublime. Nas barbas de uma disputa capilar de proporções olímpicas, os Lightning Bolt mantêm-se fieis à noção de que terão de garantir a sobrevivência num meio hostil com a camada de pêlo de que dispõem (e não com uma que a indústria teça para eles). No seguimento de um “Wonderful Rainbow” que provocou espanto e repúdio em doses iguais, o aprofundado “Hypermagic Mountain” aplica-se destemidamente à missão de “virtualizar” em disco a singularidade sanguínea do que se sucede ao vivo (e não em palco, que é palavra tabu para os LB). As armas dessa reprodução são as mesmas mas surgem imersas num mais intenso agror: a causticidade do dueto passa a agir de acordo com uma primordialidade ainda mais cega, a mecânica do progredir frenético de “Mountain” não poupa a nada e parece não temer o absurdo (a certa altura, uma introdução quase AC/DC ganha um aspecto ameaçadoramente extraterrestre). A sensação que sobra após a escuta é a de que fomos vitimados por um atropelamento sensorial. Os discos de Lightning Bolt continuarão a conhecer uma funcionalidade subversiva enquanto os sonhos de alguns representarem os pesadelos de outros, e vice-versa. Inverter a direcção ao bestialismo parece ser a motivação por detrás de “Hypermagic Mountain” . Empenha-se em esclarecer uns tantos animais quanto ao seu lugar no meio e fazer com que os pontos de interrogação – resultantes de incómodo - se assemelhem às orelhas de um asno na cabeça de tantos outros. Para os Lightning Bolt, o mais apto é aquele que melhor convive com o ruído. “Hypermagic Mountain” constitui o trajecto de fé que separa Maomé da montanha e a montanha de Maomé. 4,4 MA GOD IS AN ASTRONAUT Os irlandeses God is An Astronaut já existem há algum tempo mas a orientação post-rock ainda é recente - comprovada pelo lançamento de “All is Violent All is Bright”. temos um dos melhores registos do ano. Melancólico e eficaz, recupera as fases luminosas e negras da vida. Por Pedro Nunes A fragilidade das coisas Entulho Informativo 18 A viagem dos astronautas UNDERWORLD 26 O post-rock é um estilo capaz de suscitar sensações demasiado reais e fortes ao ponto de marcar uma vida. Muitos de nós já sabem o que é sentir a imensidão de uma composição dos Godspeed You Black Emperor!, os ambientes marcantes dos Explosions in the Sky ou a catarse que é uma música dos Mogwai. Muitos outros nomes se escrevem nestas sensações e, por isso, não as esquecemos. Os God is An Astronaut são oriundos de Dublin e lançaram All is Violent, All is Bright, um álbum belíssimo de post-rock cheio de ambientes e melodias contagiantes. A tudo isto juntam uma intensidade capaz de alcançar o caos e mexer com o ouvinte. Torsten é uma das personagens dos God is An Astronaut e teve uma simpática conversa com a Under’. A história da banda teve o seu início em 2001 mas, como Niels e Torsten são irmãos, a essência do colectivo vem de muito antes, quando estes tocavam juntos ainda muito novos – a esta união de sangue juntou-se o baterista Lloyd e foi assim encontrada a formação ideal sob a forma de trio. Flashback de uma missão “Lançámos o primeiro álbum em 2002, chamado The End of the Beginning, que era mais à base de caixas de ritmos, loops, sequenciadores e coisas do género. Após alguma rodagem ao vivo sentimos a necessidade de no novo álbum capturar esse som que fomos desenvolvendo nos concertos de promoção.” O que se passou para que os God is An Astronaut saíssem do estúdio com um álbum mais orgânico e, sobretudo, mais intenso? Torsten relata a experiência: “Basicamente quisemos que o All is Violent, All is Bright tivesse mais emoção que o primeiro trabalho onde a nossa sonoridade actual ainda era um embrião. O processo de composição também mudou; no primeiro trabalho começávamos normalmente com um loop ou com sons da bateria e neste registo a base de partida foram as melodias que eu escrevia e que saíam da guitarra ou do piano. Quisemos que houvesse uma linha melódica a percorrer todo o álbum e que cada música se destacasse. No fundo, procurámos criar algo que daqui a 10 anos continuasse a soar muito bem. Aliás, o critério de selecção das músicas foi mesmo escolher as mais memoráveis”. Pedaços do diário A música dos God is An Astronaut conspira com o horizonte e sabe melhor quando a ouvimos a olhar pela janela, enquanto a chuva cai, e saboreamos aqueles épicos. Pegando em algo grande – o futuro deste colectivo deverá ser longo e já um novo EP estará disponível no dia 27 de Janeiro, intitulado Stillness in Chaos e lançado em Portugal mais uma vez pela Naked (NKD). “As novas composições deverão ser mais longas, mais épicas. Normalmente demoramos cerca de um ano e meio a escrever um novo trabalho, por isso deverá estar pronto em 2007. No entanto, não queremos forçar nada. Normalmente escrevemos uma música e ficamos muito excitados com ela; depois passadas 6 semanas voltamos a pegar nessa música e se continuar a seduzir-nos fica, senão deitamos fora e começamos outra coisa.” Imagens de satélite Este colectivo tem uma excelente reputação ao vivo. Para além de recriar as ambiências luz/escuridão das suas músicas, é usada uma tela onde são exibidas imagens de “assuntos sérios” num jogo de sensações que Portugal vai ter oportunidade de ver (NR.: os God is An Astronaut tocam no Porto, no dia 14 de Janeiro, sem local definido ainda e um dia antes passam pelo Santiago Alquimista, em Lisboa). O guitarrista falou-nos desses momentos: “É a tocar ao vivo que passamos mais tempo, mais até do que a gravar os álbuns. Temos a reputação de os nossos concertos terem uma carga muito visual, usamos pequenos filmes numa linha conceptual e toda a música gira em torno dessas imagens. Neste álbum temos uma música chamada “Suicide by Star” que é acerca de algumas pessoas terem fascínio pelas estrelas e pelo céu e isso despertar sentimentos tristes, terem ideias acerca de se quererem suicidar e nós tentamos trazer alguma paz a tudo isso”. “No vídeo da música “Fragile”, estamos a falar dos animais usados para testes que até a NASA utiliza... é triste a forma como o homem atraiçoou os animais. Outra música importante e que representa muito acerca do álbum é “All is Violent, All is Bright” sobre o presidente Bush. Para mim tudo o que ele está a fazer é muito mau, quase como um reviver do que foi Hitler – a forma como certos países estão a ser atacados e comandados por causa do petróleo é perigosa. Abordamos também outros temas como o cósmico, imagens do espaço, estrelas, é uma coisa bastante alucinante. Existem pequenos bons momentos que nos mostram que a vida não deve ser levada na escuridão em completa depressão e nós tentamos trazer alguma esperança, tentamos trazer um pouco de luz e sombra.” Terra comunica A amplitude sonora dos God is An Astronaut poderá bem romper com o nicho destinado aos fãs de post-rock. Bandas como os Sigur Rós têm mantido uma integridade artística exemplar e isso contrasta com o sucesso à escala mundial que o colectivo de forma envergonhada vai encarando – os God is An Astronaut ainda estão um pouco presos ao do it yourself que tem pautado toda a evolução do grupo, mas a sua sonoridade por vezes “orelhuda” promete algo maior – não que o sucesso comercial seja um objectivo. Espera-se apenas maior exposição no futuro. Quanto à arrumação da banda no presente é justo deixá-los na prateleira do post-rock e, por exemplo, dizer que têm influências de uma das bandas mais geniais dos últimos tempos: os Explosions in the Sky. “Existem muitas bandas associadas a nós porque os jornalistas assim o escrevem... quanto à comparação com os Explosions in The Sky, ainda recentemente recebi o CD deles no correio e achei a música muito bonita, apesar de achar que eles têm uma abordagem mais contida e diferente da nossa. Mas, sem dúvida, que é interessante e eu gosto deste tipo de música, mas não a vejo como uma influência directa. Eu tento buscar inspiração nas coisas deprimentes deste mundo. É isso que pomos na nossa música. Uma banda que gosto muito são os Mogwai, mas tento ouvir diferentes tipos de música. Por vezes, prefiro ouvir um disco dos AC/DC, porque coisas como os Mogwai ou Explosions in The Sky é música que mexe com o teu cérebro. Tentas perceber bastantes coisas enquanto os ouves e quando ouço os AC/DC é completamente diferente, não pensas em mais nada senão gozar a música e passar um bom bocado. Muita gente compara-nos a bandas como os Godspeed You Black Emperor! e eu nem sequer tenho algum trabalho deles. Por isso não posso dizer se estão errados ou não. Não compro muitos discos de bandas que tocam música instrumental porque há uma tendência para as coisas se tornarem similares e assim preocupo-me apenas em deitar para fora o que vai cá dentro.” A banda sonora Toda a música deste trio inspira ambientes cinematográficos – o carácter épico e ambiental de “All is Violent, All is Bright” já foi usado em séries e programas da BBC – será que é este o destino que Torsten quer para a sua música? “Eu adoraria fazer algo para filmes, como por exemplo filmes do David Lynch – para já apenas usaram pequenas partes das nossas músicas em séries sci-fi e sem a nossa directa aprovação. Aliás, isso é algo que me preocupa. Não gosto da ideia de, um dia, a minha música passar num estádio de futebol. O que eu gostava mesmo era de fazer uma banda sonora e isso era mesmo um sonho.” Assumir os controlos Existem ainda factos do passado que faltam revelar para traçar a história destes músicos – os dois irmãos sob o projecto Super AD fizeram várias remixes e algumas delas tiveram algum sucesso pelas mãos de outros artistas. O quanto este processo de descoberta das tecnologias e abordagem musical marcou a aprendizagem do grupo não sabemos, mas tudo tem uma explicação. ”Isso vem de 99 – criamos os Super AD, um projecto destinado a fazer cenas mais electrónicas – tínhamos ao dispor algum equipamento e decidimos avançar com isso. Aqui existe pouca gente disposta a fazer esse tipo de remixes de dança e como nós não temos aversão a isso fizemos alguns trabalhos. Por exemplo, fizemos uma mistura de “Smoke on The Water” que teve algum sucesso. No entanto, não devo voltar a fazer esse tipo de trabalhos, há um envolvimento exagerado da faceta comercial e o que deve passar nas rádios... o que me tenho dedicado mais a fazer agora é produzir bandas que gosto e que me transmitem boas sensações e não temos que obedecer a alguém que nos diz que temos de ser comerciais – eu acho que deve haver espaço para a chamada música comercial, mas é algo que não vai de encontro à música actual que tenho feito nos God is An Astronaut. Regresso à Terra A conversa aproximava-se do fim e não podíamos deixar em branco a curiosidade em saber qual a relação que estes músicos teriam ou não com o Metal. O interlocutor não desarmou a simpatia: “Sinceramente é algo que já não ouço. Por acaso, um dos primeiros álbuns que comprei foi o Master of Puppets dos Metallica. Aquela agressividade tem um ritmo e uma técnica óptima para ser tocada ao vivo e isso acabou por ter alguma influência em nós. A passagem da tranquilidade para a raiva é algo que aproveitamos para os vídeos, por exemplo, na música “All is Violent, All is Bright”. Quando a música se torna mais pesada surgem nos vídeos imagens sobre o Iraque e, portanto, desse ponto de vista gosto da música pesada – agora não compro discos de Metal; o mais próximo do género que comprei foi o último álbum dos Nine Inch Nails que é, provavelmente, o meu grupo favorito. Se pensares no que eles fizeram nos anos 90, têm coisas fabulosas, por exemplo, a música “Hurt” com aquela agressividade e atmosfera. Para mim o Metal é importante, mas não considerando bandas como os Korn.” Entulho Informativo 18 Rock Nervoso UNDERWORLD 28 Em pouco menos de dois anos os portugueses If Lucy Fell gravaram uma demo, editaram o longa duração “You Make Me Nervous” (edição portuguesa pela Rastilho e internacional pela Lockjaw Records) e dão dezenas de concertos pelos mais diversos locais do país. Estivemos à conversa com o baterista Hélio Morais para perceber o segredo que se esconde por detrás desta nova máquina de Rock n’Roll da zona de Queluz. FOTO: CLÁUDIA GUERREIRO IF LUCY FELL Ainda chegámos a equacionar uma segunda guitarra, mas apenas para libertar o Rui um pouco mais. A nível instrumental, na realidade, nunca sentimos falta de uma segunda guitarra, e por isso mesmo, decidimos não trazer mais ninguém para a banda. Quanto a sintetizadores, a ideia inicial do Makoto, era precisamente aproveitar a sua própria criatividade nesse campo. Acabou por não acontecer, talvez por estarmos mais virados para fazer músicas imediatas e mais directas. No entanto, desde a apresentação do nosso álbum que o Makoto tem manipulado alguns pedais ao vivo. agenciamento que peguem em projectos mais underground. Sentimos que talvez esteja na altura das massas vivas da cena musical portuguesa começarem a dar o devido valor ao que se vai passando por cá. Para além disso temos de ter consciência de que, hoje em dia, o esforço que as bandas têm que fazer para sobreviver no underground é enorme. As bandas suportam quase tudo, tanto a nível de custos, como a nível da gerência dos mais diversos aspectos da vida privada. Não é só dar uns gritos para o microfone e pronto... temos banda! No nosso caso não nos queixamos do apoio que temos tido, mas vemos boas bandas a serem diariamente digeridas por críticas absurdas com o único intuito de as diminuir, sem respeito pelo trabalho e pelo suor que a sobrevivência desse mesmos projectos envolve. Hoje em dia tenta-se ao máximo catalogar e rotular toda e qualquer banda que apareça e que desafie o estabelecido. Rock? Post-Hardcore? Indie Rock? Sentem-se confortáveis com algum destes rótulos? As pessoas têm toda a liberdade para lhe chamarem o que quiserem. Já ouvimos de tudo. Há uns tempos atrás, ouvimos uma que nos arrancou alguns sorrisos. Alguém nos catalogou como “Indie Rock acelerado e com distorção”. Mas tentando ser objectivo, acho que nos denominamos simplesmente como banda de rock. O que é que vos põe mais nervosos enquanto banda? Um eventual sucesso ou uma inesperada derrota? Nem um coisa nem outra. Sempre fomos bastante cautelosos com as nossas expectativas. Acho que nunca será uma derrota. Os momentos positivos durante este ano que está a acabar já são suficientemente fortes para podermos dizer que valeu a pena. Como disse atrás, esta banda nasceu de afectos. Os nossos melhores amigos estão nesta banda, por isso todas as pequenas vitórias têm o dobro do sabor. Quanto a possíveis derrotas, também serão sempre mais fáceis de digerir, pelas mesmas razões. Os tempos passados a tocar na garagem, por si só já são uma grande vitória. Quais as vossas principais influências, quer a nível musical, quer a nível lírico? A nível musical, todos temos influências bastante diversas. Carlos Paredes, Blood Brothers, Converge, Isis, Sonic Youth, These Arms Are Snakes, Ratos de Porão, Coltrane, Mingus, Monk... A nível lírico, acho que as situações do dia a dia e a mente distorcida do Makoto são as nossas principais influências. Para quando a internacionalização da banda? Se não me engano, há já alguns concertos agendados no Reino Unido para o próximo ano. Sim, é verdade. Vamos estar em tour pelo Reino Unido de 18 a 25 de Fevereiro. Vai ser a nossa primeira experiência no exterior, e por isso estamos bastante ansiosos. Essa é outra das razões pelas quais estamos bastante contentes com o trabalho da Lockjaw. Além de editora, têm uma agência de booking, e isso facilita-nos imenso a vida. Como surgiu esta parceria com a editora britânica Lockjaw? Quando gravámos a demo, enviámos alguns CD’s para dezenas de editoras. Algumas responderam. Como aquilo que enviámos era um EP, todas torceram o nariz quanto a uma possível edição. No entanto, houve interesse por parte de algumas em editar um possível Por Ricardo Martins álbum, entre elas a Rastilho. Foi assim que decidimos fechar-nos no estúdio a compor. Quando ficámos com o álbum nas mãos, voltámos à carga, mas desta vez anteriormente em bandas como As Good nasceram os If Lucy Fell. A entrada do Gaza (baixo) enviámos também e-mails às editoras, e aquelas que aconteceu logo no segundo ou terceiro ensaio. Ainda As Dead, Shoal e acumulas actualmente funções de responderam, foram brindadas com o mesmo. Entre elas chegámos a fazer um ensaio com a Cláudia, que toca baterista nos Linda Martini. Quem são os If Lucy Fell também nos Linda Martini. Mais tarde, em Agosto, deci- estava a Lockjaw, que foi muito rápida nas negociações e o que é que te levou a tomar parte neste projecto, e por isso foi bastante fácil chegarmos a um acordo. dimos gravar as primeiras cinco músicas com o Makoto algo diferente dos teus projectos anteriores? (voz), que acabou finalmente por se juntar à banda em Estamos muito contentes com a maneira como as coisas Este projecto nasceu literalmente de maus momentos Outubro. Nunca tivemos o intuito de fazer este ou aque- têm estado a correr até agora. que nos aconteceram no início de 2004. Eu e o Rui le tipo de som. As coisas aconteceram naturalmente. estávamos num período difícil das nossas vidas, e pasAcham que a mistura e a masterização levada a cabo sávamos tardes inteiras a dissecar o que nos ia na alma. pelos espanhóis Santi Garcia e Xavi Navarro (que conEntretanto o Rui foi pegando na guitarra de novo, e apa- Achas que o formato quarteto serve na perfeição o receram os primeiros riffs. Chegámos os dois à conclusão intuito da banda? Nunca pensaram em adicionar mais tam já com alguma experiência em bandas do género) marcou efectivamente alguma diferença? de que poderíamos fazer alguma coisa com eles, e assim uma guitarra ou por exemplo um sintetizador? Sem dúvida. Embora o Makoto esteja a ficar cada vez melhor enquanto produtor, achámos que seria bom ter alguém imparcial a fazer a mistura e a masterização. IF LUCY FELL Foi o que fizemos. A captação foi feita pelo Makoto nos You Make Me Nervous estúdios Black Sheep em Mem Martins, e depois fizemos CD’05 . Rastilho/ Recital as malas em direcção a Sant Feliu (Espanha). O Santi Não querendo cometer a injustiça da fácil rotulação, pese embora “You Make Me Nervous” já lhes tenha trazido comparações a Blood Brothers ou These Arms Are Snakes – e pode dizer-se e o Xavi têm bastantes provas dadas, por isso era um que os If Lucy Fell se encaixam neste espectro –, a verdade é que os If Lucy Fell não padecem investimento seguro da nossa parte. Ficámos bastante da obsessão pelas mudanças constantes de tempo e passeios masturbatórios pelo braço da satisfeitos com o trabalho final e esta experiência foi guitarra, seguindo uma estrutura mais coesa e memorável que não descura algum experitambém muito boa para o crescimento do Makoto enmentalismo. Este é um disco complexamente simples em vez de simplesmente complexo, o quanto produtor. Tocaste que é uma grande vantagem, ainda para mais tratando-se de uma estreia. Vem-me também à cabeça Voivod, mais talvez pelo impacto destes canadianos na música pesada do que por existir uma influência directa para os If Lucy Fell. O título da faixa de abertura, “As Simple As Giving A Name To This Song”, acaba por ser satírico à forma como os If Lucy Fell fazem música: não é física quântica, é música – e quatro amigos que se juntam numa garagem podem fazê-la bem. O disco prossegue com uma grande fluência, abrilhantado com ambientais interlúdicos ou introduções que funcionam muito bem, permitindo ao ouvinte respirar entre cada descarga e suportar melhor o álbum na totalidade – é importante ter capacidade de prender a atenção, se não ouvemse os primeiros temas e muda-se de rodela. A cereja no topo do bolo é “Escapist”, tema que encerra este trabalho da melhor forma: uma ambiciosa peça de oito minutos que parece ter vida própria, criando paisagens sonoras através da exploração de contrastes e ambientes dicotómicos e que serve quase como um resumo do disco em apenas um tema. O som tem o selo de qualidade duma masterização feita por Santi Garcia e Xavi Navarro e o artwork simples de Sérgio França tornam “You Make Me Nervous” a melhor edição de sempre da Rastilho. Para concluir, este trabalho não merecia que acabasse da forma mais previsível, dizendo que é uma das grandes surpresas do ano e que mostra uma banda muito promissora, mas acaba por ser a conclusão mais óbvia. Simplesmente um grande disco. 4,1 RA Consideram que a cena musical portuguesa tem evoluído? O que acham que ainda deveria melhorar mais: as infra-estruturas adjacentes ou as próprias bandas? Achamos que a cena musical portuguesa está a crescer a olhos vistos. Há cada vez mais bandas com qualidade igual ou superior ao que se passa lá fora. É com bastante agrado que vemos cada vez mais bandas nacionais a chegarem lá fora. No entanto temos ainda muitas falhas a nível de infra-estruturas. Ainda não há um circuito de bares suficientemente sólido em todo o país. Há também poucas editoras independentes e pessoas ligadas a O que esperam de 2006? Esperamos conseguir chegar ao maior número de pessoas possível. A nossa maior ambição é poder tocar, por isso esperamos fazê-lo o maior número de vezes possível. Esperamos também conseguir licenciar o álbum nos Estados Unidos e ir lá tocar assim que possível. O Gaza espera paz no mundo, alegria, muito amor e deixar de fumar. THE TOASTERS Curiosamente o dia em Portugal não começou muito bem, tendo havido alguns problemas com a SPA relativamente a direitos de autor, mas será que isso é comum acontecer ou é só por cá? “Só nalguns países. Normalmente, se entrego uma carta prescindindo dos direitos dizendo, ok eu não quero o dinheiro, então fica tudo bem. Mas em Espanha, Portugal e Itália…” Mais burocrático? “Porque a maior parte do dinheiro vai para o bolso…” A história da banda remonta a 1981, quando Rob Hingley assistiu a um concerto de English Beat em Roseland, diante de apenas 50 pessoas. Foi o ponto de viragem na sua vida, tendo pouco depois formado os The Toasters. O grupo seguiria a segunda vaga do Ska britânico, conhecida como Two Tone, movimento nascido em Inglaterra no final dos anos 70 com bandas como The Specials, The Selecter ou Madness. A Two Tone dava uma nova roupagem ao Ska jamaicano, misturando um pouco da música e atitude Punk. Mas se antes dos Toasters não havia uma cena Ska nos EUA, com quem tocavam e em que circuitos? “Nos primeiros tempos tocávamos com muitas bandas Punk de Low East Side como Murphys Law, Agnostic Front, Bad Brains, Cro-Mags. Tocávamos com imensas bandas Hardcore e fizemos muitas tours com Murphys Law e o Jimmy Gestapo. O começo deu-se portanto na cena Hardcore, havia matinés HxC no CBGB e depois começaram a haver mais concertos Ska e a surgir algumas bandas Ska. E desenvolveu-se assim, mas no início não havia mais nada a não sermos nós. Havia uma banda em Boston, por volta de 1985, qu e eram os Bimskalabim e costumávamos tocar muito com eles, mas já não existem.” E foi também em 1985 que a Moon Records (mais tarde Moon Ska Records), a editora dos próprios Toasters, começou a sério: “A Moon Records surgiu inicialmente em 1983 para lançar o nosso 1.º single e em 1985 editámos então o “Recriminations” EP que foi produzido pelo Joe Jackson e teve uma maior distribuição a nível nacional; foi o trabalho que nos proporcionou ir para a estrada e fazer tours.” Mas as coisas tomaram outras proporções. “A ideia inicial era só editar material dos Toasters, depois em 1986 lançámos uma compilação chamada “New York Beat” que incluía doze bandas Ska de Nova Iorque e tudo desenrolou-se a partir daí. Começámos a pôr cá fora bandas Ska de Nova Iorque, como os New York Citizens por exemplo, depois Let´s Go Bowling da Califórnia, Dance Hall Crashers, Hepcat, e chegou uma altura em que era uma loucura!” Além das referidas bandas, outros gigantes do Ska saíram do anonimato pelas mãos da Moon Ska Records, como os Bluebeats ou The Slackers. E o contacto com todas essas bandas mantém-se? “Com algumas sim, outras nem por isso. Algumas pessoas quando ficam famosas, o seu ego fica demasiado grande e não consegues falar com elas porque só uma pessoa cabe na sala. Portanto com algumas bandas continuo a falar e com outras já não. Na Moon Records tivemos também os dois primeiros singles dos No Doubt, tivemos muitas bandas a quem abrimos as portas.” Entretanto The Toasters continuam a crescer cada vez mais graças a excelentes álbuns de puro Two Tone, sempre enriquecidos com laivos de Ska mais tradicional, Reggae e Ragga. Discos como “Hard Band For Dead”, de 1996, espalham o nome da banda LAST EXIT A Última Fronteira Por Nuno Martins Poucas vezes a recuperação de pelos quatro cantos do universo Ska. “Don’t Let The Bastards Grind You Down” de 1997 consolida o nome da banda, levando a digressões com salas esgotadas por todo o mundo. Paralelamente alguns membros do colectivo participaram em outros importantes projectos musicais, como o saxofonista Fred Reiter nos New York Ska Jazz Ensemble, ou foram convidados para integrar grupos lendários como Johnnathan McCain – que acabou por tocar bateria nos English Beat. Para além de toda esta actividade, The Toasters abraçaram ainda diversas causas e lutas, como a “Ska Against Racism Tour” (Ska Contra o Racismo Tour), que correu 60 cidades americanas. “Essa foi uma ideia de Michael Park, da Asian Man Records, em 1999. Foi com Less Than Jake, The Toasters e Muster Plug e foi uma tour fantástica. A ideia foi alertar as pessoas para o facto de que na América, supostamente a sociedade mais moderna, ainda temos racismo no século XXI, e isso é uma merda.” E após 23 anos, mais de 10 discos, anos em digressões com milhares de concertos, o que ambicionam os Toasters para o futuro? “Os objectivos são continuar a fazer aquilo que sempre fizemos. Sempre disse que quando deixasse de me divertir iria parar. E ainda aqui estou, esta noite estou em Lisboa, cidade onde nunca estive antes, e isso para mim é muito divertido. Estar em Portugal e tocar em Lisboa é excitante e isso é bestial.” Mas não será cansativo estar constantemente em digressão? Qual será o melhor e o pior que se pode retirar daí? “O melhor é vir tocar a sítios como este, conhecer novas pessoas e dar uma olhada à cidade não sendo turista, sinto-me mais como um convidado. O pior é o tempo que perdes nas viagens, nas digressões, preferia perder esse tempo em casa, em Valência, com os meus filhos. Mas não é possível, gosto de trabalhar no duro na estrada e depois descansar em casa durante bastante tempo.” Hingley trocou a confusão de Nova Iorque pelo sossego de Valência na nossa vizinha Espanha. E será que sentiu alguma diferença na forma de sentir o Ska, dos EUA para a Europa? “É diferente e na Europa também muda de país para país. Mas eu diria que na Europa há muita gente interessada no Ska mais antigo, no Rocksteady, Trojan Records, old school Ska e essas variantes. Muitos putos nos EUA entram mais na onda do Ska-Punk e Ska-Core como Less Than Jake ou Mighty Mighty Bosstones por exemplo. Por isso têm de voltar mais atrás e descobrir Laurel Aitken, Alton Ellis, Skatalites e todas essas referências antigas.” Então farão falta bandas como Less Than Jake? Poderão levar os putos a descobrir as raízes do Ska? “Não sou eu que devo dizer aos putos o que devem fazer, mas tenho esperança que percam tempo a seguir o rasto para descobrir de onde é que essa música vem. Infelizmente acho que apenas uma pequena percentagem dos que vão a um concerto de Less Than Jake, acaba por descobrir por exemplo o Prince Buster. Mas nem que seja apenas um a descobrir, já é algo positivo.” A cruzada dos The Toasters continua, tal como novas aventuras na defesa do Ska. Apesar da Moon Ska Records ter encerrado actividade (continua a Moon Ska Europe e a Moon Ska Brasil), nasceu a Megalith Records, uma continuação da anterior editora já com diversos lançamentos de novas bandas europeias e americanas de Ska e Two Tone. Sempre em 2 tons! [www.toasters.org] [www.megalithrecords.com] um disco, há muito perdido, daqueles que se esqueceram no tempo e foram empurrados para o limbo das edições esgotadas e descatalogadas, suscita uma forte rememorização de emoções devido à real superioridade do seu conteúdo. Serve este parágrafo introdutório para inserir o móbil deste texto: a redisponibilização ao público de “Koln” (1986) do quarteto Last Exit, pela mão da excelente Unheard Music Series da editora Atavistic, cuja actividade arqueológica de detecção e edição de jóias esquecidas ou perdidas do universo da free-improv, se mantém num elevado nível. Os Last Exit nunca foram um grupo de multidões, nunca passearam pelos grandes palcos, nunca beneficiaram das parangonas da imprensa, e nunca encetaram uma via para o estrelato. Não era o seu objectivo. Contudo, poucos grupos terão ultrapassado as barreiras normativas, e abraçado uma criação musical de vanguarda, da mesma forma que os Last Exit expandiram a sua mistura altamente inflamável de free jazz e noise rock, numa atitude urgente e frenética. Mais importante ainda, os Last Exit providenciaram o léxico emotivo e o perigo da improvisação total à linguagem do Rock, e tanto acreditaram neste conceito, que a sua primeira aparição ao vivo em Zurique, em 1986, seria completamente improvisada e não ensaiada. Todos os seus concertos foram sedimentados na máxima da improvisação total, a coda da paixão e da fúria. Claro que a improvisação livre pode-se assemelhar ao caos total, para ouvidos destreinados ou sem paciência, mas os Last Exit eram mestres nos seus dotes individuais e, apesar de conceberem a música de uma forma extrema, no limite e sem rede, na borda do precipício, o abismo permaneceu o leitmotiv das explorações que o quarteto abraçou. Para muitos, a carreira do grupo permanece desconhecida ou é uma obscura, e inócua, referência de uma qualquer biografia de nomes sonantes. Redimem-se. Apesar de não ser nada fácil deixar o grupo pontapear-nos em sucessivos golpes, e mesmo sem a vocação masoquista que a maioria não suportará, está na altura de recuperar o tempo perdido para quem quiser saborear música sem compromissos, assustadora, numa boa dose de violência locomotiva onde o risco é o padrão e a ferocidade a linguagem. O grupo não se exibia na tradicional concepção dos grupos Rock. Apenas se juntavam para os concertos, quando para isso existia oportunidade. Não se preocuparam com promoção, management, ensaios, contratos. A música do grupo foi um processo comunicativo, nada narcisista, de preenchimento e desafio para as partes envolvidas. Existiram como entidade, onde o colectivo foi superior à soma das partes. E que parte! O quarteto foi fundado por quatro músicos, que interagiram num todo emocional, intelectual e musical. Bill Laswell, conhecido produtor de tudo-e-maisqualquer-coisa, desde rock, funk, jazz, ambiental ou dub-electrónica, músico e editor, era um dos consortes da secção rítmica, responsável pelas quatro cordas, num registo feérico de ritmo e noise, contrabalançando numa textura blues. O seu parceiro foi Ronald Shannon Jackson, que providenciou uma bateria percutida não regimentada pelo tempo e pela métrica. Antes, livre, tribal e ritual. Este duo encaixou na perfeição com outra dupla, visceral e explosiva: Sonny Sharrock e Peter Brötzmann. Sonny Sharrock usou e abusou da guitarra para infestar a música com uma fusão sísmica de blues, plenos de groove e textura, saturados por camadas de feedback, um arraial de efeitos, desestruturado e anti-regras, sem receio de usar o espaço para delinear uma solidez sob a selvajaria, uma musicalidade enterrada nas explosões caóticas da barragem de som do grupo. Sharrock não se distrai com tradicionais solos de guitarra, antes propulsiona uma paixão sónica, num O legado discográfico do quarteto é, à excepção de “Iron Path”, todo constituído por gravações ao vivo, o que demonstra a atitude empática intra-grupo, reflectida na mistura ascórbica e brutal destilada pelos quatro músicos. A potência do colectivo residiu na abordagem pessoal, onde nenhuma das partes se subordinava, quer ao grupo, quer ao próprio processo criativo. Cada um dos músicos tinha livre-trânsito para explodir, quando o espaço criado pela chamada e resposta interactiva dos parceiros o permitisse, e apesar dos estilhaços sónicos arremessados em todas as direcções, o grupo sempre deteve as rédeas da intuição, criando espaço de síntese, suficiente para a respiração de cada músico. Demonstrou como a forma, em relação com o conteúdo, se poderia desenvolver numa abordagem livre, na conjugação de expressões individuais e de combinações entre elas. E a variedade de expressões nunca foi um problema de comunicação, cada qual, por definição e por necessidade, eram finitas e efémeras, apenas para se reformularem e reajustarem, no todo procriado, discernindo e valorizando os diferentes vocábulos. Apesar da obscuridade, a trajectória de abordagem musical dos Last Exit, encenou um futurismo primitivo e titânico, numa essência libertária, que desbravaria terreno para outros colectivos em territórios similares, como os Ruins, Melt Banana, Vajra, Massacre, ou até God Is My Co-Pilot. Como habitualmente, a música funcionou como vaticínio de futuras possibilidades, tanto para além do horizonte das vanguardas europeia e americana, como da tradição do jazz. Infelizmente a carreira do grupo terminaria abruptamente, com a morte de Sonny Sharrock, em 1994, e quando tantas emoções fort es estariam ainda em carteira para serem, sem pudor, despejadas directamente ao público. Sem a existência destes quatro cavaleiros do apocalipse, a intensidade do noise rock entroncado na linguagem da improvisação jazz, não seria a mesma, e no magnetismo sonoro da música mais extrema subsistiria um elo perdido. 31 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 30 Uma história em dois tons FOTOS: PAULO GOMES UNDERWORLD Entulho Informativo 18 São a maior e mais importante referência da história do Ska norte-americano, e não só foram a primeira banda Ska/ Two Tone, como fundaram a Moon Records – por lá a editora pioneira do género –, ficando assim associados ao nascimento de tal fenómeno em terras do Tio Sam. Estiveram recentemente em Portugal, pela primeira vez na sua já longa carreira, tendo o Under’ aproveitado para trocar umas palavras com Rob Hingley, vocalista/guitarrista fundador e líder da banda. Por Luís Oliveira exercício impulsivo, para a misturadora de som que foi o grupo. E Peter Brötzmann? O germânico barbudo dispensa grandes apresentações. A sua gigantesca discografia fala por si. Furioso e decibélico, denso e complexo, o saxofone de Brötzmann é a transformação do sopro numa postura incendiária de subversão do tradicionalismo das regras do jazz. Aliás, depois do epigonal “Machine Gun”, de 1968, ficaria associado em definitivo como uma das grandes vozes da ruptura estética, e da reconfiguração abrasiva da linguagem do jazz de vanguarda europeu. Trabalhos e projectos como “The Chicago Octet/Tentet”, “Short Visit To Nowhere” ou “Images” (Okka Disk) do Peter Brötzmann Tentet (grande colectivo, permeável, que reagrupa alguns dos melhores improvisadores free europeus e americanos), as obras do Die Like A Dog Quartet, os inúmeros discos na FMP, “Never Too Late But Always Too Early/dedicated to Peter Kowald” , na Eremite (em trio com a pujante secção rítmica William Parker e Hamid Drake), “Sharp Knives Cut Deeper” (Splasch), com o trio de Frode Gjerstad, entre dezenas de outros discos, ilustram o compêndio do saxofonista, caracterizado pela espantosa e excitante descoberta que o jazz europeu empreendeu, em direcções autónomas da linguagem americana, e pelas tentativas, com sucesso, de manter um nível de energia fora do habitual. INSÓLITO MELT BANANA O Gato Cósmico e o Terror Sónico Por Miguel Arsénio Manda a regra que Entulho Informativo 18 ILUSTRAÇÃO: JUCIFER A vida secundária do Doreimon Há uma explicação viável para o facto de raramente ouvirmos o tilintar ao guizo preso à coleira do Doraemon – aquele gato animado completamente idiota que não consegue cumprir 5 minutos sem fazer merda. A esfera de metal não produz o som natural ao tocar no cobre simplesmente porque é no guizo que o vicioso gato oculta o pó da sua predilecção. Só um activo adulterador de comportamento justifica a invariabilidade daquele sorriso absurdamente optimista. Doraemon vive essencialmente para colmatar as carências do puto Nobi Nobita (a tipificação da criança insegura), constantemente necessitado de engenhos que restituam a ordem à instituição familiar ou que o livrem do tédio. Numa mecânica adequada às funções lúdicas do histórico “manga”, o gato cósmico não tem dificuldade em gerar as artimanhas, mas sim em encontrar uma execução para elas que não duplique o volume dos problemas existentes de início. Os sarilhos sucedem-se por força de uma coordenação disfuncional e desonrosa para com uma conduta imposta por paternalidade. Todos essas representam formas explosivas de descomprimir aquela rigidez social imposta pelo Japão. Na verdade, Doraemon não suporta a sua condição de servo ao dispor dos sonhos e caprichos da criançada. Os Melt Banana vivem bem com isso e usufruem das chagas criadas pelo fardo. Jamais deixaram de ser fulgurantes missionários do underground que transportam às costas desde há mais de 10 anos. Existe um sólido respeito (semeado por ilustres como John Zorn, Jim O’Rourke e Steve Albini) pelo desrespeitoso tratamento que os MxBx aplicam ao som, que, mesmo após ter firmado a noção de carreira, padece de uma catalogação exacta (a melodia, mesmo que profanada, impede o barrete noise de servir à banda japonesa). Os Melt Banana não carregam um albatroz moribundo ao pescoço porque desde sempre criaram os seus próprios morcegos sónicos. Tal como o Doraemon, parecem conservar a pueril noção de que a autoridade representa a ameaça e o engenho bizarro o instrumento ideal à demonstração rebelde que a contrarie. Vale tudo em ambos os casos. Existe, da parte da banda liderada por Yasuko O., um fortificante aproveitamento da vocação guerrilheira adquirida de nascença - accionada através de “splits” divididos com o melhor muco segregado pelo underground (The Locust, Discordance Axis, God Is My Co-Pilot) e por incansáveis digressões cujo tempo tratou de tornar lendárias. Quando nada há a perder numa batalha, há tudo a ganhar. O método bárbaro dos MxBx leva a que a cacofonia deixe para trás um trilho de cinzas fumegantes. Lá está, cinzas essas que Doraemon transporta ao pescoço, para inalar nos momentos aflitivos em que todas as outras soluções falharem. 13 Hedgehogs (MxBx Singles 1994-1999) CD’05 . A-Zap Para quem nunca teve paciência para assistir às mais de três horas de tédio que o “Titanic” implica, existe uma alternativa prática na web. Alguém teve a brilhante ideia de condensar em 30 segundos clássicos modernos do cinema como “Tubarão” ou “Pulp Fiction”. Em angryalien.com, é possível avaliar a condensação a micro-metragens interpretadas por uns coelhos speedados e intensificadas pela montagem frenética das mais emblemáticas cenas do filme trucidado. Muito antes de existir esse formato e numa altura em que poucos seriam os que acreditavam ser possível a experimentação sónica sem ultrapassar a marca de um minuto, os Melt Banana já gravavam faixas kamikaze que podiam servir de bandasonora a variantes compactas de filmes do Godzilla rodados nos estúdios de Toho (no Japão, pátria dos MxBx). “13 Hedgehogs” reúne faixas recolhidas a singles e splits dos MxBx durante o seu período mais abundantemente ácido (pontificado pelo determinante “Scratch or Stitch”, produzido pela mão corrosiva de Steve Albini). Serve a compilação para consagrar a banda da estridente Yasuko O. como uma daquelas entidades transversais que, com a introdução da sua arrojada ramificação noise, apurou o gosto por ruído entre os fãs de hardcore,. Além de documentar o ultra-violento impacto dos MxBx, “13 Hedgehogs” permite conhecer a superfície obscura a um planeta proibido por si só distante e ininteligível. 4,1 MA Fogo Brasileiro Da capital Brasileira chegam estes roqueiros com o seu Punk/Rock/Surf explosivo. Considerados já uma das mais importantes bandas de Rock brasileiras, têm feito os mimos dos já milhares de fãs por todo o Brasil. Depois desta febre, que já chegou também ao Japão, os Autoramas preparam-se para conquistar Portugal e a Europa... E ninguém pára os Autoramas! por Mauamor Há já muitos anos que andas nestas aventuras do Rock n’Roll, com muitos projectos e bandas. Quem são e como surgem os Autoramas? Eu tocava numa banda em Brasília, minha cidade natal, chamada Little Quail & The Mad Birds, que lançou três CDs. Além disso, compus algumas músicas que fizeram grande sucesso no Brasil para bandas como Raimundos e Ultraje À Rigor. Little Quail acabou em 1997 e mudeime para o Rio de Janeiro, onde encontrei outros amigos que formaram comigo os Autoramas. Entre eles estava o Bacalhau que havia acabado de sair de Planet Hemp. Assim começámos a fazer shows e em 2000 editámos o nosso primeiro CD. Até agora, já lançámos três álbuns e alguns singles em vinil, além de várias participações em colectâneas no Brasil e noutros países, como França e Japão. Estamos agora a gravar o nosso quarto CD. A formação dos Autoramas é Gabriel Thomaz (voz e guitarra), Selma Vieira (baixo e voz) e Bacalhau (bateria). As vossas influências do Punk/Rock e Surf norteamericano são notórias. Essa proximidade aos EUA tem muita importância para as bandas do Brasil? Acho que fazemos um som universal, que poderia ser feito em qualquer lugar do mundo. O Rock n’Roll e muitas de suas vertentes é muito forte no Brasil. Sou um coleccionador de discos, gosto muito de ouvir bandas de todas as épocas e de todos os lugares do mundo. O som que fazemos reflecte o que mais gostamos de ouvir. Vocês já ganharam alguns prémios no Brasil, inclusive o VMB 2005 com o videoclip “Você Sabe”. Esses prémios tiveram muito impacto nos Autoramas e na sua carreira? Sim, fomos a banda mais premiada dos últimos VMB da MTV brasileira. Esse é o título mais importante da música brasileira – e artistas brasileiros de todos os géneros almejam ser os mais premiados. Mas em 2005 o artista mais premiado foi uma banda independente, no caso os Autoramas, o que surpreendeu a todos, inclusive a nós mesmos. O resultado disso tudo é que temos feito muitos shows em todo o país, com muita gente a comparecer. Acabámos de voltar de uma tournée pela região amazónica, coisa que poucos artistas conseguem fazer. E como são as coisas aí no Brasil? Aqui em Portugal não se sabe muito sobre o movimento de Rock alternativo brasileiro, só aquelas coisas mais mainstream chegam cá ou então os clássicos como Ratos de Porão, Barão, Paralamas e pouco mais. Uma banda como a vossa tem muita dificuldade em sobreviver aí ou há circuito de concertos e distribuição de discos? No Brasil o Rock independente começa a colher frutos, depois de muita luta nos últimos anos. Existem bandas muito boas aqui no cenário independente como Cachorro Grande, Érika Martins & Telecats, Walverdes, Canastra. Ainda não temos uma distribuidora de discos independentes que sirva o país todo, que é muito grande. Somos uma das raras bandas que vivem só de música, apesar do trabalho extremamente profissional e bem cuidado de muitas bandas. Gostaríamos muito de fazer shows e ter nossos discos editados em Portugal e em toda a Europa e fazer com que nosso som chegue até aos vossos ouvidos. Essas bandas antigas que citaste continuam a ser muito conhecidas por aqui e a editar discos todos os anos. Mas existe toda uma nova geração por ser conhecida. Apesar de ser um país com um potencial enorme e cerca de 200 milhões de habitantes, aqui a ideia é de que o Brasil é um país com pouco poder de compra nestas coisas da cultura. Realmente grande parte da população é muito pobre e não tem poder de compra para nada... mas é um povo muito ligado à música e que se diverte muito a ir a shows. Aqui o mercado mainstream é que é muito desorganizado e parece não saber bem o que é melhor para os seus artistas... Sei que já editaram o vosso disco também no Japão e que andaram a tocar com os Guitar Wolf, tendo aliás participado na colectânea “I Love Guitar Wolf”. Como aconteceu tudo isso? Sempre gostei muito dos discos de Guitar Wolf e tivemos a oportunidade de tocar num festival na mesma noite que eles, aqui no Brasil. Eles viram o nosso show e no final da apresentação disseram que queriam levar-nos para fazer uma tournée no Japão. Foi uma óptima experiência, eles são uma banda muito grande por lá, todos os shows estavam super-lotados. O nosso CD foi lançado por lá e há sempre alguém do Japão a chamar os Autoramas para fazer alguma coisa para ser lançada naquele país. Gostei muito também de ter participado nesse tributo a Guitar Wolf, gravámos uma das nossas músicas predilectas deles, “Energy Joe”. Sempre tocámos essa música nos nossos shows. Para quando a conquista do mercado europeu, especialmente o português, visto que afinal falamos a mesma língua? Os Autoramas tem alguma distribuição europeia, como podemos adquirir aqui os vossos discos? Ainda não temos distribuição dos nossos discos na Europa, e gostaríamos muito que isso acontecesse, pois tornaria possível também uma tournée pela Europa. Seria óptimo fazer o nosso som chegar aos vossos ouvidos, estamos ansiosos para fazer shows em Portugal. Se alguém se interessar, entre em contacto connosco... [www2.uol.com.br/autoramas] 33 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 32 Entre outros hobbies doentios (que, se fossem aqui abordados, fariam deste artigo uma homenagem à memória de Sade), Steve Albini ocupa-se de importar para o país dos vaqueiros arrogantes tudo o que possa dar azo a um perigoso contágio que, vitimando os ouvidos certos, resulte em alerta vermelho para as vidas ordeiras de quem tem carro-casa-compras como regentes. Para quem não sabe, foi Albini quem moldou como barro a merda que os Nirvana haveriam de espalhar sobre “In Utero”, como quem se está a cagar para as imensuráveis expectativas que haviam resultado de “Nevermind”. O fétiche exótico havia de ser manifestado na associação mantida com K.K. Null no projecto Zeni Geva (que participou na edição do festival All Tomorrow’s Parties conduzida pelos Shellac, um dos veículos de Albini) e na mãozinha estendida aos Mogwai na gravação do épico “My Father, My King” (constante de EP de tiragem limitada que serve de complemento ao álbum “Rock Action”). Por sua vez, a vontade de ver o seu país natal ajoelhar-se perante os efeitos da epilepsia, ficara documentada na monitorização de dois cocktails molotov (“Speak Squeak Creak” e “Scratch of Stitch”) cujo impacto no meio clandestino da música foi comparável ao de Pearl Harbor na Segunda Guerra. O underground uniu-se na aclamação de uma força sobrenatural (os Melvins, Neurosis e – erm... – Slipknot atrelaram os MxBx a longas digressões) que, tal como os “gadgets” do Doraemon (aquelas helicópteros e foguetões têm qualquer coisa de primitivamente revolucionário), não encontrava um encaixe na cultura musical ocidental. É certo que há muito que o bastião “verso-coro-verso” já tinha tombado, mas cedo os MxBx revelaram capacidade de desconstruir o que restasse desse modelo e cessar a existência dos resíduos daí resultantes numa centrifugadora de esquizofrenia (onde Yasuko O. tudo embrulha num absurdo minimalista, de forma a facilitar a intervenção do ataque sónico). O baixo e a bateria espicaçam-se mutuamente com ritmos perfuradores, aquele scratch de guitarra urina ácido sobre a doçaria putrefacta cantada por Yasuko O. (Mike Muir de saias e sob o efeito de speed), possuem-se risonhos sobre uma chapa de zinco e com a vista inflamada por gás de pimenta. Steve Albini – claro está - masturba-se compulsivamente perante tudo isto. Por isso, “Speak Squeak Creak” – o primeiro disco de dimensão mundial – equivale a uma primeira orgia, onde ainda se descobrem gradualmente o uso mais proveitoso (e ofensivo para o aparelho auditivo) para os orifícios do ruído em forma de queijo suiço. “Scratch or Stitch” faz dessa promiscuidade arte e concebe o experimentalismo como intensificador para as sensações até aí provadas. Revelar muito mais sobre ambos seria prejudicial ao prazer que se obtém com a descoberta. Além disso, Melt Banana desde sempre foi sinónimo de “faça você mesmo”. Percorra você mesmo a distância que separa estes estilhaços fugazes de um enigma horrendo que o Japão vai adensando a uma proximidade incomodativa das barbas ocidentais. UNDERWORLD toda a grelha televisiva deva incluir um programa âncora, aquele cujo prisma reúna o maior número de marcas de identidade que possam hipnotizar o público. Tentaculares pontas soltas que indiciem a previsibilidade de derivativos, mas transformem-nos em produtos apetecíveis. Cabe a “Doreamon” as honras dessa posição no Canal Panda. Os Melt Banana inverteram a funcionalidade estupidificante à âncora e fizeram do underground um caldeirão de ideias capazes de singrar por ebulição. Recrutaram colectivos com a mesma convicção kamikaze face ao som e ainda hoje são um daqueles cometas tão imprevisíveis no trajecto como na cauda de nomes que trazem atrelada. A imunda óptica de Steve Albini MITOS URBANOS Robert CRUMB Entulho Informativo 18 É frequente UNDERWORLD 34 nas conversas entre bedéfilos a indignação sentida pela falta de reconhecimento da banda desenhada como uma forma de arte. Como provocação, geralmente digo que a bd merece essa falta de reconhecimento, uma vez que está atrasada pelo menos cerca de 30 anos em relação, por exemplo, às artes visuais e à literatura. Se a bd na sua génese era dirigida à burguesia oitocentista que se divertia com as sátiras e caricaturas políticas e sociais, pouco a pouco tornou-se um meio popular para classes iletradas e para crianças. E cada vez que a Censura avançava, os conteúdos da bd ficavam mais tradicionais e menos dados a renovações. Os anos 50 do século passado foram fatais para a infantilização da bd; ao que parece cada Estado tinha a sua desculpa para controlar este meio tão poderoso. Nos EUA, a “caça às bruxas” apresentou o “Comic Code”, um código de pré-censura criado pela indústria da bd após os inquéritos que visaram sobretudo as produções violentas da editora EC Comics. De agora em diante todos os comics seriam vistos pelo código antes de saírem para as ruas. Acabavam-se as mutilações e outros maus gostos das revistas da EC ou qualquer outra editora. Em França houve uma “Loi de la Jeunesse”, que também proibia uma série de temas aos jovens, e a bd sendo uma leitura de crianças e jovens não podia mostrar cabeças esquartejadas. Em Portugal, além de não poder haver jovens mais atrevidas, tinha de tratar-se de temas históriconacionalistas. Em Espanha cortavam as pistolas das bd’s de westerns: “bang!”, disparavam os caubóis em seco! Neste contexto, a bd foi colocada na prateleira da infância para daí ter sérias dificuldades em sair. Nos anos 60, entre drogas, vida comunitária e molotovs atirados à polícia, recomeça a bd adulta. O que é bd adulta? De facto “sexo & violência” podem ser considerados temas de transgressão moral mas a verdade é que também se pode tratar destes temas com a subtileza de um elefante e conseguir ser infantilizante como um Manara e outros mafiosos. É areia para os olhos. Ser adulto é fugir à dicotomia do “bom e o mau” – nesse aspecto os comics da EC também ainda não eram “adultos” pois, mesmo quando o “mal ganhava” no fim da narrativa, havia sempre um desfecho com moral. Adulto será tratar qualquer tema sem esconder a realidade – por mais que a visão do artista seja parcial e, por que não, adulterada. É política, intimidade, poesia, sinceridade e mentira de mãos dadas,... ou será tudo isto Arte? Robert Crumb (1943, EUA), por mais que seja reconhecido pelos desenhos de mulheres com pernas grossas, rabos e seios enormes, ou pelas biografias de gajos do Blues/Jazz, o tema do seu universo é a solidão. A estranha solidão do século XX. A solidão de viver numa sociedade fria como a norte-americana. A solidão de não conseguir comunicar-se num sistema cruel de valores sociais, especialmente para uma figura como a de Robert, e os seus irmãos Charles e Maxon, todos eles nerds assumidos e dissociados do mundo moderno e dos valores de consumo. Tão desfasado que era da realidade imposta que, assim que arranjou uma miúda, perdeu a virgindade e desatou a casar-se com ela. Não foi uma boa ideia. Em 1965 teve a sua pior trip de LSD (que na altura conseguia-se com facilidade) e que o levou ao desgosto sentimental, infelicidade e desespero. As trips de LSD também o levaram a exprimir o que já suspeitava e odiava na América: bonecos desengonçados (sim, tripalhocos!), fobias/traumas com o sexo e a educação católica, o racismo contra os negros latente na América – e nele próprio... Desenhou isto tudo sem saber o que desenhava. Com estes desenhos e bd’s talvez seja de se afirmar que é aqui que a “escrita automática” enquanto modelo de criação surje pela primeira vez na bd, ou então terá sido pela forma mais bem conseguida e provocante. É inédito na bd este tipo de O primeiro artista de uma arte atrasada processo e transporta-a para a modernidade da Arte; afinal, a escrita automática e os cadáveres-esquisitos já se faziam com os Dadaístas e Futuristas 30 anos antes – já perceberam onde queria chegar com a longa introdução… Em 1967, os autores Spain, S. Clay Wilson, Gilbert Shelton e Robert Williams criaram a Zap, revista de comics underground num mundo em mudança. Antes deles e depois com eles houve mais uma centena de revistas com aspecto psicadélico e temas anti-autoritários, mas Crumb (sendo um artista) conseguiu fugir à infantilização do “anti-autoritário pelo anti-autoritário”, criando uma obra mais profunda e pessoal do que a maior parte dos autores da sua geração. Daí que, apesar de Janis Joplin (para quem fez a capa de um disco) aconselhá-lo a vestir roupas mais coloridas para que arranjasse umas miúdas hippies, sempre preferiu usar roupas “caretas” dos anos 50 (com chapéu de palha e laçarote!) mas descomprometidas, ou seja, roupas que não tivessem marcas de bandas, clubes ou slogans – como quase toda a roupa que usamos. Crumb rejeitou o Rock, a Pop, a música psicadélica, todas as criações do mundo moderno por não ver nelas criações sinceras – ao contrário da inocência perdida das vozes da sua prestigiada colecção de discos de 78 rotações de Blues dos anos 20/30. Com o personagem Fritz, The Cat (não lhe falem da adaptação para cinema de animação porque a coisa não correu bem) criticou a geração “revolucionária” dos 60, apanhando os seus contra-sensos. Acabou até por rejeitar a América mudando-se, nos anos 90, para o sul de França, imediatamente antes da projecção pública que o documentário ”Crumb” (de Terry Zwigoff) lhe viria a dar. Esta capacidade de não se comprometer com o mundo capitalista, aliada à observação e um desenho virtuoso (que lembra os melhores gravadores de sempre) faz de Crumb o primeiro artista moderno da bd. Foi polémico e chamado de misógino e sexista, apesar de ter influenciado mais mulheres a fazerem bd do que qualquer outro autor, editor ou escola – que o diga a norte-americana Roberta Gregory ou a finlandesa Kati Kovács ou, ainda, a sua mulher Aline Kominsky-Crumb e o fruto de ambos, Sophie. Com Harvey Pekar (só por si mais um que merecia um “Mitos Urbanos”) desenvolveram a autobiografia na bd, outra forma inédita na história da bd! Teve os seus altos e baixos financeiros: altos porque enriqueceu com as revistas underground dos anos 60 – estas revistas criaram um sistema alternativo de distribuição nos EUA que fugia ao controlo do “Comics Code” – e baixos durante finais dos anos 70, quando os comics underground estagnaram criativa e comercialmente. E se ele e os undergrounders foram o ar fresco na bd, que abriram as “portas da percepção” para as novas gerações de autores alternativos dos anos 80 e 90, Crumb também soube inspirar-se com os seus “descendentes”. Nos anos 80 editou a revista Weirdo, fascinado pela energia dos zines Punk, onde publicou os novatos (e agora admirados) Peter Bagge e Julie Doucet. Foi no contacto das novas gerações que Crumb rejuvenesceu, ao contrário dos seus comparsas dos anos 60. Reconhecido como artista nos últimos tempos, ainda em 2005 foi-lhe dedicada uma grande exposição na Galeria de Whitechapel (Londres), e encontra-se a adaptar o “Génesis” da Bíblia – mas acreditem que isto não é atitude de quem está arrependido do que fez, tipo born again christian, mas somente porque está a ser pago pelo seu sincero trabalho. Bibliografia recomendada The Complete Crumb (17 volumes, Fantagraphics) Kafka para principiantes (Dom Quixote, 2000) com texto de David Z. Mairowitz Texto: Marcos Farrajota | Ilustração: André Lemos TUBO D’ENSAIO ARREPTÍCIOS & KARLHEINZ EP’05 . Edição de Autor Perpassa pelas quatro composições uma abnegação semi caótica, reorganizadora, sempre com um sentido, sem perder o rumo, geradora de tensão e interrogação (primeiro tema), ou uma circunspecção em singelos lamentos de um blues surrealista assente num morno timbre de guitarra, condutora da trama musical, penetrante, intenso, sedutor até (segundo tema). Há uma voz pueril que empresta fonogramas enigmáticos preenchendo o puzzle sonoro, num grau de combinação que reforça o ambiente algo quimérico. O resultado é um bloco por vezes atonal, por vezes entrosado em harmonias dissonantes sobrepostas, que repõe o fluxo de uma estrutura em mutação, bastante interessante e de resultados surpreendentes. Há uma progressão premeditada no terreno da invenção, uma deconstrução do acto musical produtora da reconstrução. A gravação é caseira, e promete desejar ouvir um próximo trabalho em condições de estúdio bem melhores, o que a acontecer, e desenvolvendo o percurso agora exposto, deixa antever boas perspectivas. Uma agradável surpresa. [[email protected]] 4 NM BANDANOS Bem-vindos à Realidade CD-Demo’04 Os BT bebem directamente as suas influências no Punk/HC tuga, fazendo lembrar as bandas do final dos 80/ início dos 90. Censurados são a referência que logo nos vem à cabeça, e para isso contribui o facto de os BT cantarem em português. Letras de contestação (com um pouco de ingenuidade pelo meio), ritmos velozes e a tentativa de mostrar algum trabalho (principalmente nas guitarras) são um bom cartão de visita, mas falta algo mais para os BT poderem deixar a sua marca. 2,5 LO O projecto a solo de Tormentor Bahamut mostra-nos uma incursão do multi-instrumentista pela paisagem sonora do Inverno, numa linha algures entre o Funeral Doom e o Black Metal de cariz atmosférico, popularizado inicialmente por Burzum e mais recentemente por Uruk-Hai ou Vinterriket (curiosamente, todos eles projectos a solo). Composto essencialmente por sons obtidos de teclados e sintetizadores, existe aqui também variedade através da participação do guitarrista de sessão Old Hermit e de ocasionais incursões vocais por parte de Tormentor. O som cru que rodeia todo este lançamento é principalmente latente nos riffs gélidos da guitarra, se bem que a deficiente produção sonora também se faça notar mais acentuadamente nessas ocasiões (sendo este o principal ponto negativo do trabalho). Um projecto deste tipo corre o risco de se tornar aborrecido se não incutir no ouvinte um profundo sentimento e ligação emocional à música, e Bahamut consegue apenas sucesso parcial nesse campo. No entanto a vertente mais Black Metal do seu som incute maior diversidade e augura boas perspectivas para o futuro. 2,5 Lurker GRIMLET No lyrics, no solos, only bullshit riffs & fun! Isto já diz muito deste trabalho. É Death Metal brutal vindo da Algéria, como poderia ser da Malásia, Indonésia, Senegal ou Ermesinde. É rápido, directo, com intros sampladas e voz à porco-na-matança. Igual a milhares de outras bandas mas duvido que o queiram de outra forma. A cover de Impetigo seleccionada é a “Boneyard” mas poderia ser uma de Carcass, Repulsion ou Gut que o efeito seria exactamente o mesmo. Espero que os Carnavage se divirtam a tocar pois duvido que consigam divertir mais alguém. 1 RA Darkness Shrouds The Hidden EP’05 . Edição de Autor Confesso que a primeira vez que vi estes figueirenses ao vivo não fiquei impressionado. No entanto, depois de ouvir este EP de estreia alterei a minha opinião. Antes de mais, a qualidade global deste trabalho. Não só o disco em si, mas o cuidado colocado no material promocional, o bom gosto de incluir um vídeo como bónus e toda a envolvente profissional presente neste lançamento próprio. Com uma produção bem acima da média, os Grimlet apresentam uma mescla de Death/Black Metal com laivos progressivos e momentos avant garde, recurso a teclados q.b. e samples bem enquadrados que introduzem uma camada adicional no seu som. Há muitos elementos interligados que compõe uma textura multi-dimensional que dificilmente se apreenderá à primeira audição, o que nos leva a pressionar play novamente quando a rodela de plástico acaba de girar. Existem ainda pormenores a limar, como algumas passagens que soam claramente fora do contexto ou quebras demasiado acentuadas no fluxo global do disco, mas é sem dúvida uma estreia bastante promissora para os Grimlet. 3,5 Lurker HIPNOID Chaos CD’05 . Edição de Autor Quando vi a banda desenhada que acompanha o CD, a profusão de sangue e tripas fez-me pensar que teria entre mãos uma banda de Grindcore ou algo assim. No entanto, não era de todo o caso – os Hipnoid tocam um Metal genérico mas agradável, não muito fácil de classificar – talvez um Thrash ligeiro, o que até acentua o facto de a voz por vezes lembrar a do James Hetfield, como em “Fake”, uma música que inclui partes cantadas em po rtuguês. A produção é bastante limpa e todos os instrumentos se ouvem nitidamente, mas poderia ser um pouco mais pesada. As faixas são variadas, e por vezes aproximam-se um pouco de um Thrashcore americano, ou mesmo de uma versão um pouco mais leve de Pantera. O CD inclui também dois videoclips e o anterior trabalho da banda em mp3, “Mankind”. Ficamos a aguardar o terceiro álbum, que os brasileiros tencionam gravar este ano. 3,5 Rick KARSERON Krux Krucis . CD-Demo’05 Os Karseron são um caso de perseverança face à IMAGEM: DVDs LOS FASTIDIOS TRADUÇÃO: DEJAN BOGOSAVLJEVIC e ANA MORAIS On the road… Siempre Tour! DVD’05 . Mad Butcher/ KOB Records Este DVD documenta três anos (2003-05) em que os italianos Los Fastidios estiveram em constantes tours por toda a Europa. Com uma qualidade notável, este DVD retrata bem a vida de um dos melhores grupos da cena Streetpunk actual. São apresentadas três secções: On the road (documentário com imagens na estrada, palco, backstage, estúdio); On stage (com dois concertos, em Praga e Milão); e Videoclips (com todos os videoclips da carreira dos Los Fastidios). De realçar as peripécias do documentário com as desventuras que uma banda se arrisca a passar, como o inevitável acidente com a carrinha, ou o telemóvel que cai dentro do buraco do esgoto. Algo que também não passa despercebido é o videoclip “Animal Liberation” com imagens verdadeiramente chocantes de testes e mau tratos em animais. Siempre contra!! 4,3 CARNAVAGE . Carnival Of Carnage DIARRHOEA . Shits For You Esta diarreia vem da República Checa, país que para além de exportar futebolistas e pornografia, tem também boas propostas dentro do Death/Grind. Mas ao contrário do nome, esta merda não é totalmente líquida e já mostra uma solidez assinalável para uma demo. Não ficam nada atrás de centenas de álbuns de Death Metal que se editam todos os anos e ainda têm a vantagem de, devido aos seus quinze minutos, não durar tempo suficiente para chatear seja quem for. Isto é aquilo a que eu chamaria de uma boa demo se tivesse uma apresentação decente, mas como só recebemos uma fotocópia não sei o que dizer. Cheira-me que um álbum estará para breve. 2,7 RA [www.dungeonsrecords.cjb.net] adversidade. Activos desde 1992 e com algum nome no meio nacional, devido sobretudo a uma certa regularidade de prestações ao vivo, está no entanto ainda por lançar um primeiro registo condigno; à demo ainda em cassete e à compilação que fizeram para comemorar a década de existência, junta-se agora este “Krux Krucis”, um CD-R com fins meramente promocionais. A falta de baterista e teclista é a causa do emprego de meios electrónicos na gravação destas músicas (e também nos concertos). No entanto, apesar de ser este um lançamento de transição em direcção a um futuro álbum, o resultado demonstra a capacidade e a experiência do grupo. O som pauta-se cada vez mais por um Death Doom melódico, com teclados e algumas vocalizações femininas, que tanto se exprime em momentos lentos ao estilo de bandas como Anathema como acelera para um Death aguerrido, mas sempre bastante intenso. 3,5 Rick em Portugal também temos uma banda chamada Loosers...»; «Exactamente, são eles», responde o Jelle; «Não, não... não percebes, em Portugal também temos uma banda com esse nome»; «Sim, sim, são eles!» insiste Jelle. E eram. Investigações mais tarde, descobri que os Loosers andam a (auto)editar uma série de CD-Rs (e também o recente segundo disco que só saiu em vinilo) provando que são mais do que uns fashionvictims-do-pós-electro-revival-new-wave-do-pessoalixo-do-Bairro-Alto. Ao que parece nestas edições tem havido menos Rock rotulável e mais experiências sónico-tribais na linhagem Glenn Branca e acólitos. Interessante. Especialmente a capa em serigrafia do Jelle! [www.freewebs.com/rubyredlabel] 3,6 Marte MUITAS MAIS REVIEWS, SEMPRE ACTUALIZADAS ONLINE EM: www.underworldmag.org THE LOOSERS iiii CD-R’05 . Ruby Red Mundo pequeno: está um gajo em Antuérpia (Bélgica) a falar com o camarada Jelle Crama [www.jellecrama.tk] e a trocar galhardetes, quando o tipo me passa um CD-R embalado numa capa no formato de álbum em vinilo de uns tais... Loosers. «Ah! Que engraçado, lá TESTAMENT Live in London DVD’05 . Eagle Vision/ Edel Se há banda que não precisava disto, essa banda são os Testament. Isto porque o seu último trabalho de originais, “The Gathering”, está ao nível dos seus melhores momentos e não guarda um olhar nostálgico sobre os tempos áureos do Thrash da Bay Area. Apesar de ainda não terem caído no ridículo dos Anthrax (paz à sua alma), aproximam-se rapidamente disso. Já houve um “First Strike Still Deadly” que resultou bem, mas agora não vejo sentido nesta reunião, que não seja a celebração do regresso dos Testament após a grave doença de Chuck Billy. E neste DVD podemos ver como ele está contente por estar de volta, saudável e sem falhar uma nota no seu air guitar. O alinhamento é composto por temas dos cinco primeiros álbuns (como é óbvio) e alguns deles são bastante dispensáveis – porquê “Let Go Of My World” ou “Sins Of Omission”? A energia está lá e hinos como “Over The Wall”, “Into The Pit” ou “Disciples Of The Watch” são imortais, mas por vezes isto parece mais uma reunião de veteranos de guerra que recordam histórias das trincheiras. Alex Skolnick está numa só de se divertir umas noites porque isto já não é, definitivamente, a cena dele, e o baterista John Tempesta (também dos White Zombie) tem que tocar metade do set porque Louie Clemente não aguenta o concerto inteiro. É uma edição porreira para fãs, que coleccionam tudo e até fazem filmagens das férias em Santiago de Compostela para mostrar aos amigos e familiares lá em casa. 2,8 RA 37 Entulho Informativo 18 BARAFUNDA TOTAL CD-Demo’05 Esta nova banda portuguesa toca um Death Metal sujo, agressivo, e oldschool. A técnica pode não ser muito apurada mas presumo que o objectivo da banda também não passe por aí. O resultado é incisivo e brutal. A música não abusa da velocidade e por vezes arrasta-se como uma corrente enferrujada pelo crânio purulento de um estropiado semi-digerido. As vocalizações lembram-me os dois primeiros álbuns de Carcass. E para já, com estes dois primeiros temas, não há muito mais a dizer. Gostei do que ouvi e falta agora ver se a banda conseguirá evoluir para algo em que brilhe uma qualquer fagulha que os distinga dos demais. 3,6 Rick UNDERWORLD Justiça das Ruas . CD-Demo’05 Voltemos aos anos 80, mais concretamente à costa californiana. “Thrashin’”? Camisas de flanela? Bandanas? Lembram-se de isso tudo, correcto? Cryptic Slaughter, Suicidal Tendencies, D.R.I., Accüsed são também nomes de referência, certo? Então e se de repente quatro brasileiros voltassem numa máquina do tempo a essa mesma era, como soaria? Simples: Bandanos – músicas rápidas e muito curtas, num cruzamento extremamente eficaz entre Hardcore, Metal e Punk. Ou seja, simples crossover Thrash da velha escola. Abundam aqui vocalizações gritadas, riffs rápidos e agressivos q.b., uma percussão bastante eficiente, uma gravação crua mas audível e títulos sarcásticos como “Óscar de Melhor Ator”, “Te Amo, Porra!” e “Enfia No Cú a Sua Teoria”. Tempo de duração: sete minutos. Magnífica demo de estreia para este quarteto de São Paulo, formado no ano de 2002, e que conta nas suas fileiras com membros de ilustres bandas Hardcore / Punk locais como os Questions, os Point Of No Return ou os Rot. Selo de aprovação validado. 3,6 RM BAHAMUT . Hidden Theory BLOODREALM SOM: CDs/ Vinil ENTULH’AUDITIVO, por Ricardo Amorim CD’05 . Fat Wreck / Rastilho Ao contrário da maioria das bandas do catálogo da Fat, os Against Me não fazem neste álbum o típico Punk Rock de três-acordes-e-pontapé-na-bola, e tentaram dar a volta à questão fazendo exactamente o oposto. As músicas são mais longas que o habitual em álbuns deste género, as melodias mais trabalhadas. O problema é que isso nem sempre resulta bem. Em Searching for a Former Clarity, os Against Me soam a uma mistura de Pixies com Violent Femmes (devidamente actualizada para os nossos dias), com a voz de Tom Gabel a fazer lembrar algo entre Tim Armstrong e Shane McGowan, mas em nítida fora de forma, ou talvez demasiado bêbados. É daqueles álbuns que entretém e surpreende, mas que nem por isso cativa particularmente quem o ouve. Falta-lhe carisma, soa a requentado, e após cinco ou seis músicas, quase todas com títulos mais interessantes do que elas próprias, torna-se mesmo chato. Sem ser uma perda de tempo, está longe de ser um excelente registo. 1,5 RP ATARAXIA/ AUTUNNA ET SA ROSE Odos Eis Ouranon – La Via Verso il Cielo 2xCD’05 . Equilibrium Music A Equilibrium fornece-nos com este disco duplo o registo ao vivo das actuações de Ataraxia em St. Ruffino (Fev’05) e de Autunna et sa Rose na igreja de St. Michele (Mai’03), com a particularidade de serem ambas performances acústicas. A metade de Ataraxia, denominada “Strange Lights”, não é surpresa: fantástica! Aliada à (habitual) excelente prestação vocal de Francesca temos magia nas notas debitadas pela guitarra clássica, piano, flauta e diferentes percussões. O material aqui apresentado é muito mais do que o típico alinhamento ao vivo, incluindose duas faixas inéditas (“Strange Lights” e “Seas Of The Moon”) adicionando interesse e relevância à já inusitada qualidade sonora que estes italianos nos habituaram ao longo da sua carreira. Infelizmente, a outra metade não é tão boa. Os Autunna et sa Rose apresentam em “Logos” uma textura sonora muito mais reduzida, baseada apenas em piano, violoncelo e voz, afastando-se do padrão Neo-Clássico / Medieval dos Ataraxia para se centrarem numa abordagem algures entre o classicismo puro e a teatralidade. O que não é mau, não fosse o facto de daí não resultar um equilíbrio com o outro disco. Salvam-se as prestações operáticas da soprano e as também duas faixas inéditas num conjunto que, a meio da sua duração, começa a tornarse algo enfadonho. Dúvidas não hajam que estamos perante (mais) uma proposta de grande qualidade, que fará as delícias dos amantes do género, apenas penalizada pela falta de algum equilíbrio qualitativo entre as prestações apresentadas. 3,5 Lurker BEECHER This Elegy, His Autopsy CD’05 . Earache/ Megamúsica Imaginem uma montanha russa repleta de loopings, túneis estreitos, descidas a pique, algumas pausas para recuperar o fôlego, para no final chegarmos a um porto seguro, onde tudo faz efectivamente sentido. Este é o sentimento que se tem após ouvir o novo álbum dos britânicos Beecher, intitulado “This Elegy, His Autopsy”. Os riffs de guitarra vagueiam entre por entre o ultra-técnico, o absurdamente simples e o Rock mais progressivo. Temos ainda tempo para alguma electrónica, títulos eloquentes como “It’s Good Weather For Black Leather” e um layout que à priori poderia assemelhar-se mais a um disco de música de dança, do que a outra coisa qualquer. Provocação intencional? Não tenham dúvidas. O caos habita neste registo de forma surpreendentemente equilibrada. A atitude Punk do quinteto misturase sempre de forma harmoniosa com a diversidade final encontrada no disco, chegando mesmo a confundir o ouvinte. Não há aqui qualquer intenção de recorrer a plágios estagnados ou quaisquer outros vícios. Pelo contrário: há referências que serviram como catalisador para atingir um fim deveras refrescante. E também não vale a pena utilizar aqui o termo metalcore. Não faz qualquer sentido. Trunfos pesadíssimos como a editora Earache e a produção de Kurt Ballou (Converge) servem como testemunhas a um dos mais refrescantes discos de música pesada editados este ano. 4 RM CAPRICORNS Ruder Forms Survive CD 2005 · Rise Above / Recital A identidade deste colectivo revela membros de bandas como Iron Monkey, Orange Goblin entre outros. A estas coordenadas junta-se a presença de Eugene Robinson dos Oxbow que canta no único tema vocalizado – “The First Broken Promise” – numa interpretação completamente inflamada e demente. Este trabalho foi gravado em poucos dias num antigo estúdio de rádio no centro de Berlim onde no passado alguns discursos em pleno ambiente de genocídio teriam sido feitos – sendo certo que este período negro foi relembrado pelo colectivo. Musicalmente temos metal instrumental devedor do sludge, cadências negras com riffs triunfantes e ritmos balançados num êxtase bem stoner. Ainda se ouve a beleza do post-rock mas para quê mais rótulos quando temos guitarras “enormes”? Bandas como os Unsane, Pelican ou uns Neurosis instrumentais podem servir de referência para aqueles que ainda não estão convencidos. As dinâmicas ora contemplativas ora mais violentas ostentadas por riffs criados pelos catedráticos na matéria agarram-nos até ao fim. Terminada a viagem sem precisarem de grandes ornamentações e com as mesmas armas do Punk rock ficamos com um marco para o futuro. 4,7 PN CRYPTOPSY Once Was Not CD’05 . Century Media/ Edel As cinco razões porque “Once Was Not” é uma desilusão: 1) Faltam grandes temas a este disco. Apesar da complexidade técnica, os Cryptopsy sempre fizeram canções. Aqui temos “Carrionshine”, “Angelskingarden” e pouco mais. O resto soa a material excedentário. 2) “Once Was Not” é um workshop de bateria disfarçado de álbum. Engana bem, mas não deixa de ser um disfarce. 3) Lord Worm não traz a demência e insanidade que incutiu a “None So Vile”. Soa a um vocalista saído de qualquer banda de Black Metal alemã que tenha gravado uma demo por volta de 1995. Em “Endless Cemetery” ouvimo-lo com voz à Dani Filth e “The Pestilence That Walketh In Darkness [Psalm 91: 5-8]” é o pior e mais irritante tema da carreira dos Cryptopsy, muito por sua culpa também. 4) O abandono do guitarrista Jon Levasseur foi um sério revés. Apesar de ainda ter contribuído na composição, fazem falta os seus dez anos de Cryptopsy que ajudaram, e muito, a moldar a sonoridade da banda. 5) A produção é esquisita. Bem sabemos que Flo Mounier é um baterista de outro mundo mas a bateria não precisava de estar tão alta. Onde estão as guitarras, meus amigos? Tem que haver um pouco de equilíbrio. Resumindo, “Once Was Not” é o reflexo da instabilidade vivida no seio da banda desde o último disco e da evidente pressa que houve em deitar um álbum cá para fora. Ao contrário do que sempre aconteceu com os Cryptopsy, o novo trabalho não é um reflexo de um momento no percurso criativo da banda, pois existiu uma evidente quebra, mas apenas um pretexto para voltar à estrada e recuperar o tempo perdido. 3 RA DELIRIOUS Made for the Violent Age CD’06 . Armageddon Music/ Recital O novo álbum dos Delirious inscreve-se sobretudo num Thrash germânico não muito diferente do que os Destruction andam a fazer. Aliás, as referências são obviamente os anos oitenta, e é curioso como as vocalizações de Markus Bednarek são versáteis – por vezes soa ao Chuck Billy dos Testament; por vezes a Goddess of Desire. Com treze faixas há lugar para muita coisa, e de facto os Delirious tentam demonstrar que têm capacidade para variar bastante. Há uma balada e uma faixa instrumental acústica, mas onde a banda realmente brilha é no Thrash pesado à alemã, como na fantástica “Blood Begins to Freeze”. O CD acaba com uma cover de ‘In-a-gadda-da-vida’, mas mais parece estarem a seguir a versão popularizada pelos Slayer que a original dos Iron Butterfly. O cômputo geral é muito positivo! Um óptimo álbum de Thrash autêntico como hoje muito poucos são ainda capazes de fazer. 4,2 Rick DIRTY THREE Cinder CD 2005 . Touch & Go Este trio Australiano tem como timoneiro, há mais de uma década, Warren Ellis membro da trupe Nick Cave & The Bad Seeds. Warren e os seus dois comparsas dos Dirty Three têm construído um legado exemplar sem nunca precisarem de emergir à conta de referências e quem anda atento ao post-Rock já deve ter ouvido falar neles. Do conjunto de temas instrumentais temos a excepção com a participação de Chan Marshall também conhecida como Cat Power (novo trabalho “The Greatest” a sair no inicio de 2006) que co-escreve a musica “Great Waves” e Sally Timms dos The Mekons outra ajuda em “Feral”. Quanto à música, o violino é o instrumento em destaque, ao jeito duns Rachel’s, revelando a faceta clássica de Warren. O romantismo do violino “ilumina” tudo o resto que perfaz um arrebatamento sonoro que vai da celebração gipsy de “The Zither Player” aos aromas celtas e à redenção de Nick Cave, ou melhor, à parte sonora dos Bad Seeds esperando aquela grande voz cavernosa. “Too Soon, Too Late” é imaginário western como só Morricone soube criar. “Last Dance” uma despedida entristecida pelas parcas notas do piano permitindo uma janela aberta para o sonho... 4,3 PN THE DRONES The Miller’s Daughter CD’05 . Bang!recs/ Munster Records Rui Pereira, filho de portugueses, nascido durante a guerra em Moçambique, imigrou para Austrália. Aí aprendeu a tocar guitarra e fugiu de Perth numa carrinha com outro membro desta banda e dois cães. Estacionaram em Sidney em trailer-parks durante semanas, onde estiveram entretidos a ver lutas e tiroteios de vagabundos. Com os danos mentais sofridos por tudo isto, quando finalmente arranjam um apartamento, onde vivem com mais catorze pessoas, decidem formar uma banda, os The Drones. Com dois álbuns aclamados, este CD. consiste em trabalhos dessas sessões de estúdio que não foram incluídos em nenhum deles. Mas que podiam ter sido ou este ser tratado com mais um álbum e não algo à margem. À semelhança de quase tudo o que vem, ou chega, daquele continente é um Rock sujo influenciado pelo blues, escuro, violento, visceral com álcool e muitos demónios, mas à procura de algo de belo ou poético ou de um exorcismo. Não muito longe dos seus conterrâneos, Nick Cave & The Bad Seeds, mas sem o lado carismático e religioso, estão também perto dos Beasts of Bourbon e dos Scientists. Uma banda a ter em atenção. 4,1 AC EPHEL DUATH Pain Necessary to Know CD’05 . Earache/ Megamúsica Numa era em que já (quase) tudo foi inventado, o que nos resta? A desconstrução. Apreciar telas sonoras pelas cores e texturas em vez de exclusivamente pelas formas e pela estética. Esquizofrenia é a primeira palavra que surge. Descrições são sempre difíceis e subjectivas. Compêndios e teses escrevem-se em torno de coisas muito mais lineares do que isto apenas pela diferença que invocam, mas para facilitar uma localização... atira para dentro de um caldeirão Zorn, Primus, Dillinger Escape Plan (com quem Ephel fez tour), Coltrane, e até Neurosis (sem crescendos porque não conseguiria ser frenético)... e a ideia será ligeiramente aproximada – após trituração prolongada. Como instrumentistas Ephel Duath são gigantes. Mas a sua tusa não é criar canções estruturadas de modo convencional. Isso seria simples demais (e se calhar até lhes enchia os bolsos). Não... eles colam fragmentos. Harmonias geniais, contratempos elaborados, leads psicóticos, raspas e migalhas de instrumentos que se calhar nem eles recordam (claro que é duvidável...) e, numa espécie de caos organizado, com mil-e-uma viragens bruscas e esgares de voz ácida, desafiar o ouvinte a acompanhar o seu exercício canibalístico. Contar que isto já foi um colectivo de Black Metal ninguém acredita. Deitaram fora a métrica convencional e todas as noções elementares. Agora resta-nos interpretar o trabalho do trio italiano como um mero exercício estilístico ou um acto artístico de escalão superior. Pode ser bastante estimulante ou extremamente irritante, parte do ouvinte mais que do ente criador. Benvindos à música pós-contemporânea! E dá vontade de tornar porque não molesta tanto com violência gratuita como Dillinger, por isso 4,5 JP FILII NIGRANTIUM INFERNALIUM Fellatrix Discordia Pantokrator CD’05 • Procon Media/ EQM Outra longa espera que valeu a pena é este fornicador disco. O herético Heavy Metal sodomita de freiras e virgens castas que os Filhos da Negritude Infernal invocam é algo único, e merece ser experienciado (fustigado?) na pele antes de se assumir qualquer tipo de conclusão. É uma banda bastante satírica, fálica até. Com traços únicos, onde se destaca desde logo a voz inflamada de Belathauzer. Também um certo backto-basics em termos de raiz Metal, tendo ao mesmo tempo algo que talvez possamos designar por avant garde. Certamente Celtic Frost teve a sua responsabilidade. Sente-se nas cordas direccionantes, e até poesia em francês por aqui passa. A participação de Catarina Raposo, vocalista dos acústicos Dwelling, também resultou bem – como algodão doce no meio de malaguetas perversas. Cheiros de Blues, blasts destroçantes, riffs que realmente induzem o mais paralítico ao headbanging, e leads que racham o vidro espesso dos óculos de qualquer eclesiástico de província. É um disco com riqueza e carácter. Interessante e certamente divertido, especialmente num palco perto de si. Além de uma produção competente, o pacote também ajuda a tornar o produto apetecível e digno de investimento. Respeitem a cona, ela jamais esquece! 3,8 JP FREEDOOM Shut Up and Take the Pain CD’05 . Puta Punx Disorganisation Após “Still Remain” [ver Under #16], as expectativas com os Freedoom cresceram, mas infelizmente “Shut Up…” não é um passo à frente em termos de evolução musical, apenas um passo ao lado, visto não trazer nada de especial nem acrescentar nada que já não se tivesse ouvido no anterior trabalho. Pelo contrário, por vezes parece que a banda perdeu um pouco a força que mostrou em “Still Remain”. A identidade continua a mesma: Punk-as-Fuck com dois dedos em riste, muito na onda de bandas como The Casualties, The Bristles ou The Pist. Up the Punx! 3 LO GAMMA RAY Majestic CD’05 . Mayan Records/ Recital Apôs quatro anos de silêncio, apenas quebrados por um disco ao vivo e por algumas actuações nalguns festivais, os Gamma Ray voltam ao activo com novo álbum. Liderados pelo carismático Kai Hansen, era com alguma expectativa que se aguardava por este trabalho. Talvez por isso me tenha desiludido com “Majestic”. Não porque seja um mau disco, até porque Kai Hansen já provou ao longo da sua carreira que desconhece o significado da palavra mediocridade, mas apenas porque o álbum me soa pouco inspirado e oferece mais do mesmo. Um exemplo flagrante verifica-se logo na primeira faixa “My Temple” com alguns riffs roubados a “Sabbath Bloody Sabbath”. Os primeiros acordes de “Hell Is Thy Home” são uma cópia chapada da “Leather Rebel” de Priest. Mesmo outras faixas fazem lembrar músicas dos próprios Gamma Ray. Tendo sido ao longo dos tempos um inovador, Kai Hansen, não precisava de recorrer a esta fórmula já gasta que nada traz de novo. 2,8 PA HEMATOMA For Yours We Wait CD’05 . Musicactiva Em “For Yours We Wait” os Hematoma apresentamnos um Thrash Metal old-school, coeso e bem tocado, com tentativas de fugir aos clichés do género. Nem sempre a tentativa resulta, já que por mais de uma vez ficamos com a sensação de estar a ouvir algum b-side perdido das gravações dos Metallica ao longo destas cinco faixas. E é aqui que reside o principal ponto fraco do álbum: apesar de contar com riffs poderosos (boa prestação de Tiago Estrada na sua guitarra ritmo) e uma secção rítmica competente, PÉROLAS A PORCOS [Outras formas, outros cheiros, pelos ouvidos de um leigo.] por Joaquim Pedro Talvez por ser um curioso de coisas e, em virtude do interesse e do acaso, descobridor de muitas [tanto belíssimas como coprofágicas - de merda, mesmo] resolvi trazer desta forma mais uma lufada de ar fresco a estas páginas, que de ar intestinal estamos já todos fartos. Ao dar de caras com Asas Sobre o Mundo, disco em vinil de Carlos Paredes editado em 1989 do qual eu fabulosamente consegui uma cópia deselegante em CD-R [mas necessária dada a raridade do mesmo], o meu bom amigo Xico na Neon Records [não, não passo a publicidade - é bom ir a lojas onde nos tratam pelo nome e nos levam ao que nós queremos, a arte não pertence a cadeias impessoais de consumo em massa!] reparou no meu entusiasmo e conduziu-me a uma porta dos fundos onde se avolumavam contentores de delícias inacreditáveis. Foi dali que do recanto mais sombrio e ermo surgiu... ANTÓNIO VICTORINO D’ALMEIDA CARLOS PAREDES “Invenções Livres” LP 1986 . Polygram O estilo de Paredes é inconfundível, vai muito além da personalidade intrínseca da própria guitarra portuguesa [que alguns cretinos consideram instrumento exclusivo do fado], e todas as palavras serão poucas para definir a pessoa e a importância que teve [e sempre terá] para a cultura portuguesa; do Maestro António Victorino d’Almeida reconhece-se também relevância no panorama da música e da comunicação, figura repleta de personalidade e alguma excentricidade, com os seus rasgos de graça televisionável [sou erudito mas quero ser popular], e até os genes transmitidos que podemos visionar em filmes, mas confesso ser desconhecedor da obra per se. Improviso + Paredes + Guitarra portuguesa + Piano = Tive que investir nesta obra. Lado A: Improviso 1 Logo ao escutar os primeiros acordes melancólicos crepitarem nas unhas e cordas de Paredes contive a respiração. Victorino funde-se momentos após. E a partir daí ambos brilham, tendo espaço para incursões e momentos seus, partindo acto-continuo para novo encontro, nova combinação, novo crescendo, numa montanha de vales sinuosos e florestas imensas, ou uma carícia no mansinho dobrar da onda que vai graciosamente abrangendo cada vez mais espaço, até dar-mos pelos nossos pés, joelhos, cintura... cobertos, mergulhados. Catarse estranha e deliciosa esta. Selvagem por vezes. O génio dos mestres ultrapassa o mero exercício. Por vezes passeiam afastados, noutras as cordas do piano fundem-se quase em uníssono com as cordas da guitarra, a cadência de ambos é a mesma... e a magia a acontecer, só para nós. Lado B: Improviso 2 (a); (b); (c) A intensidade assume proporções realmente selvagens. António Victorino soltou o turbilhão que há em si, Paredes dialogou com a tempestade. Em (a) o termo é abrupto e dá ideia de premeditado. Não sei o tempo exacto dos improvisos, este ronda os 5 minutos, em contraposição ao Improviso 1 que ocupa o lado A do LP na totalidade. Murmúrio que leva ao enlace insano. Bruscas viragens, silêncios cortantes, imprevisibilidade total. A fase (c) do Improviso 2, e fecho do disco contém alguns dos momentos mais intimistas presentes na obra, até que finalmente o fecho surge numa melancolia triste, descida de um crescendo rítmico atroz. Hoje, agora e aqui, assim, para mim, amanhã, noutra parte, sem chuva, com ventos, sempre diferentemente, na diferença de um disco com vida própria. Um mundo à espera de ser desvendado, no fundilho de um baú esquecido. Eis mais um momento histórico digno de figurar na colecção de qualquer amante de música contemporânea. Infelizmente, como já referi, o espólio discográfico de Paredes não é (todo ele) de fácil aquisição. Este monstro que improvisou com grandes (jazz - Charlie Haden; poesia - Manuel Alegre), merece trato maior = justiça. Quanto ao Maestro engraçado da têvê, aqui reina com o génio pelo qual deve ser encarado: musicólogo de alma própria e riqueza inesgotável. E finalmente... Será que um disco de música improvisada, merecerá a mesma vontade de audição repetida que música composta em formato alinhado de canção? Claro que dependerá da fonte emissora (compositor) e receptora (ouvinte), mas neste caso sim, e se calhar mais ainda, porque a configuração é sempre algo interpretável e apreciável de uma nova forma a cada audição. Claro que Paredes e Victorino são instrumentistas de um nível quase sobre-humano. Esta amálgama de fluidez instintiva é agregada com extrema elegância e, em laivos que saem exclusivamente da sua reflexão sensorial não-premeditada, temos uma riqueza de componentes de colocar qualquer virtuoso boquiaberto. Lida-se essencialmente com sensações e movimentos naturais. Só os calhordas exercitam a música - a arte é feita para conduzir (sensações) e não para ser conduzida (música morta). . 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Outra editora importantíssima é a Relapse que, embora tenha tido bons discos em 2005, espero que tenha um ano melhor e pare de chatear-nos com coisas como estes Relapse Singles Series Vol. 5 [Relapse], que deviam estar disponíveis como downloads gratuitos no seu site. O quinto volume contém “Disadvantage Of Surprise” dos Candiru (estilo Godflesh da era “Streetcleaner” mas longe da genialidade destes), “Mortal Massacre” dos Mortician (que não fazem melhor que isto desde 1992), “Wanderland” dos Afflicted (Death sueco de terceira categoria) e “Mourning in the Winter Solstice” dos Mythic (Death/ Doom à anos 90 feito por três gajas, que devia ficar no esquecimento). Referência ainda para o melhor disco dos Soilent Green que é agora reeditado com o EP que o precedeu. Sewn Mouth Secrets + A String Of Lies [Relapse] é um bom pretexto para quem ainda não o tinha. Só para contrariar, o JP diz que não ficou insatisfeito com as reedições de Samael, Ceremony of Opposites [Century Media/Recital] e The Gathering, Mandylion [Century Media/Recital], discos que já estavam gastos por 10 anos de uso. E se no primeiro caso há “apenas” como bónus Rebellion, o MCD com uma das melhores covers alguma vez feitas a Alice Cooper, no caso dos The Gathering pode dizer-se que justiça foi feita. Em 1995 o CD tinha listados 10 temas e um autocolante foleiro avisava que só 8 constavam da rodela. Desta feita a edição é dupla e o segundo disco contém 7 temas inéditos. Na mesma editora, mais para facturar com um disco de Black Metal alemão a que vale a pena dar uma escutada. Seance [Century Media/ Recital] é o título e a nova contratação chama-se Dark Fortress. Basta dizer que o vocalista se aproxima do original timbre de Attila em “De Mysteriis Dom Sathanas”, indo muito além disso, e fazendo-se acompanhar por um colectivo competente e criativo. Quanto a mais edições recentes, destacaria os para mim desconhecidos Test Switch Isolator com Let’s Dance [Casket Records/ Recital]. Uma banda inglesa com grande sentido de musicalidade e que conjuga bem diversos estilos. Desde o obrigatório Metalcore, passando pelo Death, Grind ou Indie Rock. Tentam ser extravagantes, sem nunca realmente o serem mas fogem ao convencional e marcam pontos com isso. The Masquerade [Massacre/ Sound Riot] é o primeiro trabalho dos Chain Collector, uma banda high profile da cena escandinava, com elementos que já passaram por In the Woods, Green Carnation ou Carpathian Forest. É Death melódico, com refrões de voz limpa mas não daquela forma irritante da moda dos In Flames. Há aqui qualquer coisa além do som de Gotemburgo que vale a pena investigar. De quem já se ouve falar é dos Hurtlocker, que têm em Fear In A Handful Of Dust [Napalm Records/ Recital] uma poderosa estreia. É Death Metal à americana, sem rodeios mas com voz mais na onda actual do Metalcore. Resulta bem e é uma excelente estreia mas tem aquele problema... cada vez que mudamos de faixa, parece que continuamos a ouvir a anterior. Ainda assim, do melhor que nos tem chegado. O press release de When Everything Falls [Abacus/ Recital] dos Haste The Day diz que eles têm algo novo e refrescante para oferecer à redundante cena do “metallic hardcore”. Diz que quando dermos por nós vamos estar a cantar os memoráveis refrões, carregados de energia positiva. Estranho... não reparei em nada de novo ou minimamente refrescante, tão pouco trauteei qualquer um dos refrões. Certamente que o problema é meu e não deles. A Becoming The Archetype já achei alguma piada mas Terminate Damnation [Abacus/ Recital], apesar de ser bem pesado, não foge muito aos clichés do género. As bandas são tantas e tão parecidas que mesmo que apareça uma realmente boa, a saturação impede-nos de lhes dar o valor merecido. O que não é certamente o caso dos Emery, que além de terem um nome parecido com o de um professor meu no liceu, soam a banda de putos de liceu. O disco deles chama-se The Question [Abacus/ Recital] e é uma zurrapa Emo a evitar. O amigo Luís Oliveira [LO] contribuiu para este Entulho com a reedição do primeiro trabalho dos Rise Against, The Unraveling [Fat Wreck/ Rastilho], originalmente editado em 2000. Apresenta um Hardcore musculado, com influências de bandas Hardcore old school e Straight Edge, produção cuidada e bons temas com uma qualidade homogénea. Weaselmania [Fat Wreck/ Rastilho] faz uma retrospectiva do percurso dos Screeching Weasel desde 1987. São quinze anos dedicados ao Punk Rock, em forma de 34 temas que percorrem todo os álbuns. O booklet traz textos de elementos da banda bem como várias fotos, cartazes antigos, as capas e informações de todos os álbuns, tornando esta colectânea um delicioso documento histórico. As Mercenárias foram a primeira banda Punk totalmente feminina do Brasil. O Começo do Fim do Mundo [Soul Jazz Records/ Sabotage] regista temas dos dois discos (“Cadê as Armas” e “Thrashland”) e mostra um pós Punk inteligente, com uns toques de New Wave, numa espécie de cruzamento de Nina Hagen com The Slits. As Mercenárias abriram o seu espaço no meio underground, mas foi quando saltaram para o mainstream que deixaram cair a bandeira que durante largos anos carregaram. Onde é que eu já vi este filme? O maluco do Marte recebeu Trophy [Neurot/ Sabotage] dos Made Out of Babies. Consta que tem uma nota de imprensa a tentar impressionar com nomes sonantes: Jesus Lizard, Alejandro Jodorowsky, Babes In Toyland... “Mas para quê?”, pergunta ele. “Por que não dizem logo que estamos perante Daisy Chainsaw goes to America?”, é que simplificava a coisa. Mas a questão coloca-se, é mau? “Não, tem os seus momentos.” A Neurot (editora dos Neurosis) estará a começar a vender-se? Ah, e antes que me esqueça... chegou-nos Numbers From The Beast [Restless/ Edel], um tributo a Iron Maiden com tipos de bandas como Foreigner, Testament, Motörhead ou Dio. Não ouvi o disco mas prometo fazer um leilão com ele e reverter a receita para uma instituição de solidariedade a designar. Searching for a Former Clarity UNDERWORLD Entulho Informativo 18 A catrefada de reedições tem sido tamanha que já estou a ponderar mudar o AGAINST ME Crime And Dissonance IN FLAMES Come Clarity CD’06 . Nuclear Blast/ Recital Mais um prego no caixão. Não percebo a cena dos In Flames, uma banda pilar da segunda vaga do Death sueco que se torna seguidora das modas americanas e anda a fazer discos para tocar no Ozzfest. Longe de mim criticar as suas ambições, pois as rendas na Suécia devem ser caras e têm de ser pagas mas não precisavam de se comprometer tanto. Atentemos no seu percurso desde ‘97: depois de “Whoracle” (quanto a mim, o melhor momento dos In Flames) seguiu-se um sólido “Colony”, sucedendo-lhe a sua segunda parte mais desinspirada, “Clayman”. Da mesma forma que ao polémico “Reroute to Remain” (pelas suas inclinações nu-metal) seguiu-se uma entediante sequela na forma de “Soundtrack To Your Escape”. Onde é que isto nos deixa em 2006? Um regresso à agressividade e ao twin-guitar attack mas que soa tão a falso como morangos no Inverno. A desinspiração é imensa... parece que estiveram a tirar apontamentos no Ozzfest para decidir que tipo de disco deveriam fazer. E depois há aqueles refrões à Bon Jovi, que têm um efeito próximo do que é conhecer uma mulher linda num bar e depois vir a descobrir que é um homem – porque até há músicas porreiras, até serem estragadas a meio. Se em “Dead End” têm Lisa Miskovsky como convidada, por que não metê-la a cantar todos os refrões em vez de estar o Anders a fazer voz de gaja? Até os melhores discos de In Flames têm temas só para encher espaço, por isso pode ser que estes discos sejam também para encher. Sinceramente, couldn’t care less. 2 RA ENTULHO DE MARTE “Ainda tenho um sonho ou dois” – Pop Dell’Arte É um dado adquirido que são as câmaras municipais que fazem mexer a música urbana/popular portuguesa. A principal razão desta afirmação deve ao facto de serem as autarquias que compram os espectáculos das bandas – só assim é que os Da Weasel ou a Ágata ganham à volta de três mil contos ou mais (em Euros dá...) por espectáculo. Curiosidade: muitas vezes são feitos espectáculos em grandes salas como os Coliseus ou o Pavilhão Atlântico, não para que eles dêem lucro imediato aos seus promotores, mas justamente para servirem de consagração popular dos artistas para depois, com lucro, vender às “terrinhas” – porque como se sabe os balofos das câmaras não percebem nada de música, só sabem que o povão curte fogo de artifício e que o bom artista tem de ser esplendoroso. É por isso que só no Verão, nas festinhas da aldeia, se fazem concertos de coisas como EZ Special e as suas músicas de telemóvel. Durante o resto do ano, com sorte há um concurso de Música Moderna Portuguesa (um domínio anacrónico que já devia ter sido saneado) ou, pior, os horripilantes unpluggeds. Mais alguma coisa? Não, mas há excepções: Braga. O lobby Mão Morta tem conseguido que a Câmara de Braga edite desde 1988 uma antologia que “fotografe” os vários momentos das bandas da cidade. Intitulada de À Sombra de Deus, saiu em 2004 o 3º volume após um interregno de dez anos. É realmente algo inédito este tipo de registo por um período tão alargado – embora falte um volume que colmatasse o hiato entre 1994 e 2004 para percebermos a evolução das bandas de Braga e da música urbana portuguesa. Se nos CD’05 . Alternative Tentacles/ Sabotage Ao segundo álbum, a estranheza dissipa-se perante a colaboração que une em profano matrimónio os Melvins e Jello Biafra – duas incorruptíveis instituições do Rock de esfíncter apontado a tudo o que tem pernas e aspira a lugar na ribalta. Os Jelvins (como alguém já tratou de baptizá-los) de “Sieg Howdy!” soam mais a colectivo do que a projecto de ocasião, assumem de vez o épico electrocutado por mais de 5 minutos como registo de marca, mas anulam cada um dos seus trunfos com um passo em falso. Elixires e antídotos emparelham-se no seguinte esquema: “Voted Off The Island” cumpre o seu propósito incendiário na forma ao agir como hino bastardo para quem odeia reality shows, enquanto “Wholly Bun Bull” denuncia redondamente a guitarra de Buzz Osbourne (ao ponto de soar desenquadrada); a versão actualizada do clássico “California Über Alles” faz incisiva paródia de Arnold Schwarzenegger mas não ombreia sequer os joelhos calejados do original; os 27 minutos de material original eclipsam por completo os 17 que ficam reservados a remisturas a cargo de Dälek (ainda em quarentena “Absence”) e Al Jourgensen (evocativa dos tempos LARD – projecto que unia o insano cérebro dos Ministry à carnificina vocálica de Biafra). Los Angeles ainda é cidade regida a ferro e fogo. A turba piromaníaca agradece novas da cidade, embora não deixe de lamentar as dimensões diminutas da fogueira que se salta num passo longo. 3,7 MA KK NULL Kosmo Incognita EP’05 . Thisco / Fonoteca de Lisboa Esta é a segunda investida da Thisco em Japanoise - a primeira recorda-se foi ainda este ano com “Dust of Dreams” do mestre Merzbow - e como tem sido hábito no seu catálogo, eis mais EP de cerca de 20 minutos de edição limitada (200 cópias) estreando em Portugal o KK Null, músico Rock dos monstruosos Zeni Geva e compositor Noise. É como “noiser” que o apanhamos a esmigalhar o cérebro do ouvinte dado à massa sonora pesada e dinâmica que imprime nesta peça intitulada “Kosmo Incognita”. Sorrateiramente, KK Null vai oscilando os sons e acrescentando elementos LURKER OF CHALICE Lurker Of Chalice CD 2005 · Southern Lord / Sabotage A par dos Xasthur, os Leviathan são um dos nomes mais injustamente esquecidos no universo metálico. Wrest é a mente por detrás deste último nome e criou os Lurker Of Chalice para talvez num único tomo mostrar toda a sua força criativa – todos os instrumentos foram tocados por este perverso. O ambiente geral do álbum reflecte uma aura maquinal, um vácuo que nos absorve para ambientes sufocantes. riffs laminados e algum post-Rock mostram que o Black Metal pode ser mais que surripiar os Darkthrone. Temos o Drone como sinónimo de “vazio” perturbador. Os temas são maioritariamente instrumentais – as poucas vozes evocam o desespero e por vezes em registo spoken word dizem aquilo que não queremos ouvir. A produção não exige muito senão cuspir uma camada negra e atmosférica bem necro. Se existe funeral Doom que este seja o marco do funeral Black! 4,8 PN M.A.D / D.F.C. Split CD’05 . Anti-Corpos DIY Duelo Luso-Brasileiro com empate técnico neste split entre os brasileiros D.F.C e os tugas M.A.D. No canto canarinho os DFC levam tudo à frente com o seu Hardcore/Punk sempre a abrir, típico das bandas sulamericanas, deixando surpreendidos quem ainda não conhecia o novo som da banda. Grande evolução desde os primeiros álbuns bastante toscos, excelentes letras e trinta e três músicas em pouco mais de vinte minutos! 3,3 No mesmo tempo disponível os MAD entregamnos oito temas, alguns dos quais verdadeiros clássicos da banda, como “Acção Directa” ou “Paz Atómica”, havendo espaço ainda para a nova “Tudo o que me importa” numa onda mais Rock n’Roll. Praticando Punk Rock clássico com a voz inconfundível de Miguel, os MAD são uma banda veterana e de referência que já merecia este registo há mais tempo. 3,3 LO que deviam ter ficado no pub irlandês ou no bar brasileiro é bom ouvir alguma barulheira! Até porque a tendência de “banda do barzinho” vai continuar. Destaques para Mão Morta com um tema apunkalhado à la Sex Pistols, Mécanosphère com um tema Dub/Industrial interessante, Phi, VortexSoundTech ambos na onda fria-dançante Electro/EBM, Wave Simulator (electrónico ambiental) e Zero (Hip-Hop mediano). Temas todos eles inéditos. Um documento importante para quem gosta de música portuguesa, seja lá o que isso queira dizer. Paredes. A autarquia editou em 2005 o CD Caixa de Música para – e passo a citar – “criar condições para o desenvolvimento das capacidades artísticas da comunidade musical de Paredes”. E sabem que mais? Bom trabalho, não só pelo primeiros volumes a tendência era “cinzenta”, herança do Rock profissionalismo, a vontade de divulgar realmente a música do urbano-depressivo dos anos 80, quando entramos no 3º volume concelho (podem sacar as músicas todas online) e, se acima somos confrontados com Alt.country, Funk, Metal, Electrónica, Rock, Hip-Hop! Repetindo o que já tinha dito no Under’ #13, quan- falava das colectâneas de música portuguesa serem ecléticas, do escrevi sobre a colectânea Div3rgências (Independent; 2004), então esta é o cúmulo! Tem pontos de afinidade com o último é engraçado que as colectâneas de música portuguesa são de “um volume do “À Sombra...”: é composto por catorze projectos ecletismo desarmante”, quase que vocacionadas para os verdadei- (seleccionados de 24 candidatos) e encontramos também bandinhas dos bares de alterna ou de betos com as suas vocaros amantes de música – embora neste caso seja, pela negativa, listas armadas em Divas-Blues/Jazz/Bossa Nova ou tipos que um misto do “nacional-porreirismo” e, pela positiva, a ausência de fronteiras de géneros (um tipo que gosta de música portuguesa deviam ser expatriados para o Festival da Eurovisão e, quando tanto ouve Zeca Afonso como Peste & Sida, vá-se lá saber porquê). pensamos que vai ser (outra vez) tudo assim também, aparece uma faixa de Metal, dos Clinger, a salvar a coisa mesmo que E por isso mesmo, quando se ouve este volume, apercebemo-nos a banda seja safra 1997, região demarcada Coal Chamber. O de que estamos perante uma “salada de frutas” de catorze faixas disco anda em Turbo passando por poderosos exercícios electrotodas elas diferentes, em qualidade e género, que se consegue acústicos (Drumming), música tradicional (Grupo de Música ouvir sem enjoar – regra de ouro para qualquer colectânea. O Antiga), poesia tresloucada (1 – Poesia e Percurssão – um alinhamento de faixas é pela ordem alfabética dos projectos: nome a reter, suponho), ressaca MMP (Fé de Sábio, Nado Vivo começa com o André Leite e acaba nos Zero, assumindo desde – os nomes não enganam, não é?), Funk fatelo, Britpop e o início a abertura do espaço para “tudo e todos”. A primeira banda catano. Tudo isto com algum interesse. Bom trabalho do Pelouro que se destaca é Demon Dagger que pratica Metal pesadão, não da Juventude, esperemos que não se fique só por aqui. propriamente muito bom, mas depois de passar por duas faixas THE MAHARAJAS A Third Opinion CD’05 . Low Impact Finalmente o terceiro disco desta magnífica banda nórdica, este “A Third Opinion” não deixa absolutamente nada a desejar ao seu anterior longa duração “Unrelated Statement”. Aqui encontramos mais uma vez todas as influência do Rock’n’Roll feito entre 1950 e 2005. Este disco é uma apurada mistura entre Garage Rock, Pubrock, pop, punk-rock e é um manifesto de boa música intemporal. Os The Maharajas já receberam incontestáveis atenções em todo o mundo, o seu primeiro disco tem lincenças de edição quase em todas as partes do globo. Little Steven (actor na série The Sopranos e guitarista da E-Street Band ) aponta os The Maharajas como a sua actual banda preferida, não esuqecer que Little Steven é um dos mais importantes Radialistas de Rock dos E.U.A . A Third Opinion traz-nos catorze canções com muito estilo, glamour e feeling como poucos conseguem produzir, um autêntico K.O! 5 Mau MATA RATOS Festa Tribal 2xCD’05 . Rastilho Eles merecem. Vinte e três anos de carreira não são brincadeira nenhuma. Primeiro disco: vinte temas ao vivo bem captados em Martingança no Rastilho Fest 2, com clássicos antigos e modernos. Segundo disco: interactivo com biografia, discografia, lista de todos os concertos (com imagens de cartazes), imensas fotos, todos os músicos que passaram pelos Mata (com datas e fotos!), vídeos de “O Gangue das Batinas” e “Deus, Pátria & Família”, letras de muitas músicas e ainda, em áudio normal, mais seis temas e duas intros fantásticas registadas ao vivo na festa de lançamento de “És Um Homem ou És Um Rato” na Ericeira. Uma apresentação mais do que cuidada, ilustrações género bd no interior, testemunhos de várias pessoas, e formidável também o interface gráfico do conteúdo multimédia. Tudo isto a um preço justo vem tornar o investimento mais interessante. Um grande lançamento de uma incontornável banda. Pelo já dito e nada mais do que isso: obrigatório a qualquer apreciador. 4,6 JP THE MOON AND THE NIGHTSPIRIT Of Dreams Forgotten and Fables Untold CD’05 . Equilibrium Music Esta rodela de plástico encerra no seu seio muitas e agradáveis surpresas. Desde logo, a frágil beleza de nove composições, enquadradas na vertente mais atmosférica do Medieval Folk. Somos transportados pela máquina do tempo até quando os jograis calcorreavam as nossas aldeias, com uma dose equilibrada de folclore Húngaro para temperar o deleite auditivo. De realçar também a brilhante prestação de Mihaly Szabo nas cordas, transmitindo uma aura etérea e mágica. Claro que todas as rosas têm os seus espinhos. Uma das principais referências no som dos TMatN é Hagalaz’ Runedance, e o registo vocal de Agnes Toth é muitas vezes demasiado semelhante ao de Andrea Haugen. A nível de alinhamento do disco, a faixa “Echo Of Atlantis” (uma das mais melancólicas deste trabalho) não me soa muito bem onde está colocada, ficando a sensação que já ouvimos as duas últimas músicas em qualquer outro lado neste disco. Seria talvez uma melhor opção para fechar o álbum. Mas não são mais do que pormenores, já que a doce fragrância desta rosa suplanta em muito qualquer espinho que possa ter. Um belíssimo primeiro trabalho que auspicia o melhor para o futuro. 4 Lurker MUNICIPAL WASTE Hazardous Mutation CD ’05 . Earache/ Megamúsica Antes de colocar este CD na aparelhagem não fazia ideia da bomba que iria ouvir. Sendo uma banda desconhecida, visto ser o primeiro álbum para uma editora fiquei agradavelmente surpreendido com o Thrashcore/ Crossover old school que estes americanos praticam, uma espécie de fusão de D.R.I. e Anthrax (de “Fistful Of Metal” e “Spreading The Disease”). Ao longo de curtos vinte e seis minutos, é impossível ficar indiferente a este “Hazardous Mutation” sendo mesmo o ouvinte impelido para um furioso headbanging do princípio ao fim. Riffs demolidores e contagiantes, constantes mudanças de ritmo, agressividade, energia, e principalmente atitude... muita atitude. Sem dúvida um álbum essencial para qualquer fã de bandas como Nuclear Assault, Sacred Reich, S.O.D. e as já mencionadas D.R.I. e Anthrax. 4,5 PA Lisboa. Há muito que a Fonoteca Municipal de Lisboa (a única no país, enquanto equipamento isolado) deixou de ser apenas uma “biblioteca de registos fonográficos” para passar a vários programas de divulgação musical, entre eles o apoio à edição, sendo o caso mais óbvio o da Thisco (ver Entulho de Marte in Under’ #14) – que desde a sua fundação, em 2002, tem recebido o merecido apoio. Já tinha visto outras edições apoiadas pela Fonoteca mas aquelas às quais tive acesso auditivo são as recentes colectâneas da N_Records e da Base Recordings, nomeadamente com Portugal: a new sound portrait e Base One: Paradox City. A primeira foi lançada em Paris, em Junho de 2005, durante o Festival Português – organizado pela Associação Ópio, a mesma que produz o Festival Número e a revista Número –, e serve para promover a “nova música portuguesa” no estrangeiro, ou pelo menos em França. Constituído quase na essência por temas já editados da autoria de Stealing Orchestra, Kubik (os nossos pontas-de-lança Plunderphonics), Wraygunn (que teve o seu último álbum editado em França), Shhh... [um grande tema electrónico editado em Portugal, originalmente também numa colectânea: Thiscology (Thisco; 2003)], Mécanosphère (curioso: eis uma banda que funciona bem com temas isolados, ao contrário dos seus saturantes álbuns – ver Entulho de Marte in Under’ #14), X-Wife... tem também alguns temas inéditos dos Lolly and Brains (Electro/Rock à espera do segundo álbum), Outersites (a boa surpresa electrónica do disco), Loosers com uma faixa ao vivo, @c (experimental-noise)... Vómito nº1 para os Nicorette – ainda se lembram das bandas de bar de alterna? Por que raio é que há tantas bandas de chill-hop com gajas vocalistas? Não podíamos ter ficado pelas Três Tristes Tigres? Desagrado (pessoal) para mais uma coisa ou outra mas ficam aqui na essência as coordenadas sónicas de “Portugal New Millenium” para o mundo do novo milénio, faltando estranha- EARTH Hex; Or Printing In The Infernal Method CD’05 . Southern Lord/ Sabotage O regresso de uma banda lendária dos anos 90 que estimulou o famoso Drone Metal que tanto se fala nos dias de hoje. Um regresso cinematográfico em que o Doom da banda é abandonado para o “Gótico Americano” – o quadro de Grant Wood (1891-1942) – ou se preferirem para o “Dead Man” de Jim Jarmush - um dos filmes mais bonitos de sempre, se me permitirem o aparte. Aliás, o que temos aqui é a continuação do que Neil Young fez na banda sonora do filme: Drone-Country. Por isso fãs de (Dark) Americana eis aqui um bom disco, mórbido e desértico como é regra. Metaleiros pouco encontrarão algo que vos interesse. Gajos que pensam que os Dead Combo são fixes podem encontrar aqui algo melhor. Fãs de Earth antigo talvez venham a gostar da mudança. Quem gostar da ideia de um mash-up entre Ry Cooder e primórdios de Black Sabbath este é o disco. 4 Marte SUNN 0))) Black One CD’05 . Southern Lord/ Sabotage Bandas com nomes bizarros há muitas, mas bandas com um som bizarro não há tantas. Sunn 0))) alia as duas coisas, um nome gráfico e uma sonoridade que é um pesadelo. Rotulá-los de Experimental Metal ou Drone Metal será supérfluo embora simpatize com a ideia de Nerd Atonal Doom Metal. Ao ritmo de um álbum por ano, conquistando cada vez mais admiradores (pelo menos na imprensa), os Sunn 0))) avançam para um novo ciclo de gravações após o “White 1” e “White 2”. Trata-se de um ciclo negro de uma banda que mais parece uma espécie de “se Stockhausen fosse metálico fazia isto”, só que se antes o ciclo White só provocava um ambiente irritante, agora a irritação abraça o medo, que aliás está logo estampado na capa: um desenho detalhado de uma árvore numa floresta negra mas também parece um anjo esventrado numa floresta com raízes por todo o lado em que os nós dos troncos parecem olhos de carneiros mal mortos... Ok, ok, já chega! Não aconselho ouvir este disco em fase de sonolência pois são ainda desconhecidos os psico-traumas que poderão surgir – o meu terapeuta ainda não determinou os efeitos mas ordenou-me afastar-me do disco. Convidados desta: Oren Ambarchi, Wrest (Leviathan/ Lurker of Chalice/ Twilight), Malefic (Xasthur, Twilight) e John Wiese (Bastard Noise). De salientar que Malefic gravou a sua participação vocal dentro de um caixão colocado num Cadillac carro funerário. Não sei que espécie de tarado é que se lembra deste tipo de coisas nem sei que espécie de tarado quererá ouvir isto. Respect!! 4,1 Marte ORGASMO CD’05 . Vida / Som livre Com um nome destes – um bocado incómodo, tentem perguntar no quiosque do bairro pelo CD dos Orgasmo – ao menos devia ser uma bomba! Este orgasmo é daqueles de punheta antes de adormecer. Não é aquele orgasmo-mamute quando um tipo entra noutra dimensão mental de excitação e quando se vêem é uma enxurrada de energia que percorre o corpo inteiro até ficamos felizes da vida e cairmos para o mundo dos sonhos. Ainda assim há razão de existência para este quarteto mente Hip-Hop – e se isto foi para França, o segundo maior país produtor deste género de música... A Base é uma nova editora (legalmente é também uma associação) que lança a sua segunda colectânea, na qual expõe uma música electrónica burguesa, elegante e cool. O que não é propriamente mau, claro que não, até porque a qualidade dos projectos neste disco estão a um nível bastante bom. O que se ouve são manobras de Jazz electrónico encharcadas de técnicas Dub vindo do eixo germânico da segunda metade da década de 90 – Viena e os seus Meisters. Há também post-EBM (Com.Gen) e uns cheiros industriais em Mílanó e Beast-Box (claro, Benjamin Brejon dos Méchanosphère faz parte do projecto!). Mas, no fundo, o desporto radical deste disco será “surfar no sofá”: Papercutz, Bullet, Coden, Arkham Hi*Fi, Pitch Boys, Badlobster, Rui Canelas, entre outros. Para um público crescidinho. Por fim, não queria deixar de referir mais colectâneas que saíram nos últimos meses, mas sem apoios institucionais: Portuguese Nightmare, A Tribute To The Misfits da Raging Planet que, ao que parece, é a primeira edição de artistas portugueses a realizarem tributo a uma banda estrangeira (grande disco! crítica algures neste número), e as duas “revisões da matéria dada”, Can take you anywhere you want (comemorativa dos cinco anos de existência da editora Bor Land, crítica algures neste número), que pode ser descarregado no site da editora, e 2001-2005 Mixtape, “uma viagem pela história da Loop”, que pode ser adquirido na compra de qualquer disco desta editora de Hip-Hop. Base [www.basept.org] Caixa de Música [www.paredes-caixademusica.com] Loop [www.looprecordings.com] N_Records [www.numerofestival.com] “ À Sombra de Deus” distribuição via Cobra [www.cobradiscos.org] que não é novato nestas andanças das bandas – há aqui sobreposições de projectos e convites de elementos de outras bandas como Carbon H e Slamo. Penetrando nos cosmos do psicadelismo, via Rock e alternando pelo Funk, algumas vezes ao ritmo Drum n’Bass & Breakbeats, esta cópula de estilos é excitante mas a tesão não é (ainda) total. Algumas partes fazem lembrar vagamente os The Music, entre outras coisas perdidas na memória, mas com identidade em construção ficando a expectativa que bastará no próximo registo lubrificar a máquina e... Schuap, schuap! Devo referir (pela negativa) a discrepância de registos gráficos entre a capa (departamento de aerógrafo anos 70/80’s) divertida pelo kitsch assumido e os desenhos toscos na faixa multimédia e na impressão do CD (para fazer tosco é necessário também ter dom artístico), o que não se percebe bem onde querem ir no que diz respeito à imagem da banda: brincalhões com suor de Red Hot Chili Peppers ou bedum dos Fúria do Açúcar? 3,9 Marte PENNYWISE The Fuse CD’05 . Epitaph/ Edel É, de longe, o álbum mais pesado da carreira dos rapazes de Hermosa Beach. The Fuse tem guitarradas do Hardcore mais duro, linhas de baixo menos trabalhadas mas mais vincadas e imponentes e a bateria roça a perfeição. São uns Pennywise que, lentamente, vão recuperando a forma dos anos 90. Músicas bem balanceadas, com vida e com o regressado ritmo de demolição da secção rítmica. “Disconnect” é o primeiro single. Bem escolhido, não por esta ser a melhor música do disco, mas sim porque é a melhor música para efectuar a transição entre este álbum e o passado recente da banda, fazendo-a sem levantar ondas, mas a nota máxima deste The Fuse pertence a “Fox Tv! – excelente riff, excelente refrão, batida alucinante, baixo consistente e letra perfeita. Existe uma melhoria abismal, comparativamente aos últimos dois álbuns da banda. “The Fuse” devolve-nos uns Pennywise revigorados e revigorantes, em nítida curva ascendente. São, sem dúvida, uma das dez maiores referências do Punk Rock dos últimos vinte anos. 3,7 RP PRINCE WADADA Entendimento CD’05 . Matarroa/ SóHipHop Reggae em Portugal teve um álbum - foi a estreia dos Kussondulola há dez anos com “Tá-se Bem” (EMI) que fizeram o feito único, num país resistente às contami- 41 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 40 é inevitável sentir que já se ouviu isto em qualquer lado. Principalmente quando as duas guitarras se acompanham, em alguns breaks e contratempos, o ocasional interlúdio melódico, mesmo no som da tarola (não foi por acaso que escolheram Tommy Newton para a masterização). Mas existem muitos momentos positivos a registar. Mesmo nas comparações feitas existe sempre a aura de músicas bem conseguidas e bem tocadas. Uma referência para a voz de Tiago Estrada: ou se ama ou se odeia, e pessoalmente não morro de amores por ela. Uma palavra final para o conteúdo multimédia que acompanha o lançamento, uma mais-valia que acrescenta algo à já de si agradável proposta. 3 Lurker Sieg Howdy! novos fazendo com que a peça cresça e pouco a pouco deixe se ser óbvia. Um Jam de Electrónica toda lixada que perdura 13 minutos amaldiçoados. Depois de uns minutos relaxados – tipo sci-fi-chillout – volta a drones industriais em crescendo até acabar abruptamente aos 19m48s. Um cosmos que se descobre brutalmente. 3,7 Marte UNDERWORLD Entulho Informativo 18 CD’05 . Ipecac / Sabotage Não será totalmente surpreendente que esta edição seja da responsabilidade da Ipecac, já que ao escutar as peças musicais deste duplo “Crime And Dissonance”, torna-se mais claro que uma das influências de Mike Patton, nos territórios mais experimentais e subjectivos, se deve a Ennio Morricone. Todos nós já ouvimos dezenas de clássicos musicais, sobretudo os orelhudos dos western spaghetti de Sérgio Leone, entre outras referências do cinema mais irascível e iconoclasta dos anos 1970. Mas, o compositor italiano tem a sua música disseminada por cerca de 500 (!) filmes, desde 1962 até aos dias de hoje. Lembram-se de “Espaço 1999” (1975), “Era uma vez no Oeste” (1968) ou “Por um punhado de dólares” (1964)? Contudo, na maioria dos casos, já não será tão conhecida a autoria dos temas, nomeadamente na extensa produção de Ennio Morricone, responsável por muitas melodias na sonorização de filmes de série B, westerns sujos, terror psicótico, e toda uma panóplia de cinema de autor. A presente edição disponibiliza 29 raros e remotos temas, compostos entre 1969 e 1974, composições do bizarro cosmos sonoro do compositor. Há estranhas experimentações electrónicas, pesadelos tonificados, jornadas acústicas, fôlegos paisagísticos, psicadelismo excitado, jogos harmónicos viciosos. No seu conjunto, assemelha-se a um compêndio musical para as mais incómodas patologias psicossociais. A transposição cinematográfica, provavelmente nunca a veremos, mas os pedaços de som aqui criteriosamente executados, valem por si mesmo, não necessitando de qualquer suporte visual. 4 NM JELLO BIAFRA & THE MELVINS www.underworldmag.org . MUITAS MAIS REVIEWS ONLINE: www.underworldmag.org ENNIO MORRICONE nações culturais, de misturar em português e crioulo, música negra jamaicana e música negra africana. Depois disso, o Reggae tem vivido popularidade mas foram poucos os produtos (trans?)nacionais que se destacaram com pinta: os Kussondulola foram-se abaixo, os dissidentes pouco adiantaram ao trabalho feito (ex.: Mercado Negro) e as bandas que circulam nos bares (sobretudo no Verão) parecem ser o que são, ou seja, bandas de bar de betos brancos que tocam os instrumentos com um vocalista negro sem nunca chegar a um groove genuíno! Ícone underground dos sound-systems e com este terceiro álbum, Prince Wadada rompe com a tradição HipHop do catálogo da Matarroa mas não parte a loiça toda. Temos um álbum bem executado, equilibrado no Reggae e no Dancehall que ainda salta para um Military Metal Style em “Um Minuto”, relaxa num Dub Blues africano em “Rei” e eSKApa para o frenesim em “Thanks & Praises”. As letras são o típico rasta-rústico sobre Liberdade e os direitos do Homem, apesar da vocalização Raggamuffim (que Wadada é príncipe), nunca deixamos de sentir que temos uma versão portuguesa de um Beenie Man porque Wadada não é capaz de criar um discurso próprio mesmo cantando em Português. Por estar completamente apoiado em modelos “Jah” existentes, quando ouvimos “Saudade da Mamã” sabemos que aquilo soa a uma pieguice caricatural. Ainda assim, este poderá ser um disco que poderá apanhar muita gente a curtir – se exceptuarmos a faixa chic-freak com a Marta Ren e se fosse Verão. 3,9 Marte PROPAGANDHI Entulho Informativo 18 Potemkin City Limits UNDERWORLD 42 CD’05 . Fat Wreck/ Rastilho Está de volta o power-trio canadiano, e este regresso foi feito da melhor maneira, com um disco esforçado e cheio de alma. “Potemkin City Limits” continua o trabalho produzido em “Today´s Empire, Tomorrow´s Ashes”, seguindo a linha evolutiva e excelentemente trabalhada, algo a que os Propagandhi nos foram habituando, dando a continuidade esperada ao trabalho feito até aqui. Pesadinho este álbum, a roçar o Hardcore várias vezes, com variações melódicas fantásticas, e mudanças de ritmo audazes e bem conseguidas. “A Speculated Fiction” e “Fixed Frequencies” chegam-nos em velocidade vertiginosa, fazem mesmo lembrar os Strung Out, e a partir daí, deparamo-nos com um desenrolar de perfeccionismo em forma de música, adornado com letras cheias de significado e intenção, apontando e acertando sempre no bullseye de todos os alvos em mira. Passaram cerca de dez anos entre o primeiro “How to Clean Everything” este “Potemkin City Limits”, as diferenças entre um e o outro são abismais e… ainda bem! 3,5 RP PUBLIC ENEMY New Whirl Odor CD’05 (+DVD) . SLAMjamz/ NTM Este é o oitavo álbum dos “Laibach do Rap” – ninguém se lembrou desta! Um álbum já considerado pela crítica como um disco sem inspiração… mas como assim? São os Public Enemy! Estamos em 2005 e não há espaço mediático nem para polémicas nem para critica social na ponta da língua, tudo isso está acabado. O HipHop que os Public Enemy projectaram ao longo da sua carreira – eles e muitos artistas negros foram censurados ou proibidos de passar na rádio ou TV – foi substituído pelo individualismo e materialismo alicerçado e projectado por uma MTV estúpida e estupidificante. A batalha dos PE é a de ainda ter alguma voz no meio de uma cena que não querem parentes “pobres” a criticá-los. Os PE são dos poucos (como os Dälek) que tem a integridade artística, a militância DIY, que continuam a ser barulhentos e sujos, que se atiram a pequenas deambulações musicais e que, sem papas na língua, cospem letras intervencionistas. Sim, este álbum não vai ter airplay nem vai ficar nas listas dos melhores discos de 2005 (até porque foi editado pela sua própria editora, a indie SLAMjamz)… mas são os Public Enemy! A catinga de uns PE envelhecidos continua a ser melhor que muita merda que anda por ai, seja Rock seja HipHop. Há qualquer coisa de estranho neste álbum que passa pela auto-referência e auto-reflexão da banda. Se juntarmos ao facto que na mesma altura é editado um best of pela (sua antiga casa) Def Jam diremos que “New Whirl Odor” poderá um ponto de partida para próximas acções e edições. Até lá «Check What You’re Listening To». 3,8 Marte V/A - Portuguese Nightmare, a tribute to the Misfits JESU Jesu CD’05 . Hydra Head Justin Broadrick é o Parker Lewis do quadrante mais obscuro do círculo musical - aquele que engloba uma facção por si só avessa a considerações superficiais dos grandes meios. Assim como o Parker Lewis sempre arranjava engenhosas formas de ultrapassar as condicionantes impostas pelo meio estudantil (a temível reitora e Kubiac, à cabeça), Justin Broadrick encontra meios imprevisíveis de se reinventar sem alienar a admiração a quem lhe segue os passos. Alguém que conta em currículo com a participação enquanto guitarrista no seminal “Scum” de Napalm Death, um respeitável nicho autónomo de Metal sob o desígnio de Godflesh e outros tantos projectos mantidos com Kevin Martin (génio de equivalente calibre), tem direito a caminhar sobre a água e mijar sobre ela se quiser. Broadrick é um semi-deus. “Jesu” é o seu primeiro opus pós-milenar e alínea em itálico ardente num currículo que permanece em aberto. Contemplar o infinito é coisa para amadores. “Jesu” é destemido ao ponto de fazer embater o seu colossal peso contra o infinito, até ao segundo obter um fluído que sacie a sede vampírica ao primeiro. Uma ameaça cósmica abate-se sobre o universo Marvel e os únicos heróis disponíveis para confrontá-la são os vilões (riffs que espumam pela boca e uma secção rítmica com a dimensão mítica do Adasmator). As asas angélicas dos Sigur Rós ganham um aspecto escamado e, em 74 minutos, aquele impenetrável icebergue passa à condição de oceano envolto por onde navega a nau assombrada “Jesu”. Eis o clarão sonoro que Truman Burbank (Jim Carrey em “Truman Show”) encontra na borda do horizonte em vez do grandioso estúdio televisivo. Neste disco, Broadrick reivindicou para si a habilidade conferida a Moisés e voltou a separar as águas – abrindo caminho para aquele que será certamente um dos melhores discos de 2005. 4,7 MA SLIPKNOT 9.0 : Live 2xCD’05 . Roadrunner/ Universal Slipknot no Underworld? Os deuses devem estar loucos! Embora se amealhem opiniões diversas, adversas, e até radicais, há pelo menos três coisas que têm que ser reconhecidas a este colectivo: 1) Identidade: são caraças, mas são componente de um universo próprio e reconhecível. Se alguns vendem com a sua imagem bonita mais uns discos, os Slipknot só mesmo com o seu ar grotesco. 2) Agressividade: agora que o Nu-Metal está morto, os poucos que lhe sobrevivem e ainda tentam espernear com força passam para o lado da Pop e não funciona ou voltam-se para o peso, mas são como o vento e esquecem-se; outros continuam a viagem num comboio menos mainstream e ao menos preservam alguma essência. É básico e cíclico. E quanto aos Slipknot? Mantiveram-na (a agressividade) e mantiveram-se. 3) Coerência: talvez a componente mais importante e que mais respeito merece. Vejamos as coisas pelo que realmente são: estamos em 2005 e a semi-major Roadrunner edita um duplo CD ao vivo de uma banda originária de um estilo apelativo a malta adolescente de quinze anos e que agora entra nos vintes. Pelos vistos alguns ainda os acompanham... A faceta live deste colectivo é algo que bastante privilegiam, este lançamento de qualidade fez justiça a isso. Som em condições com o desenrolar próprio da banda em palco, com os bidões (com que um deles faz macacadas rítmicas), os tiques de comunicação do vocalista, o solo excêntrico do baterista patrocinado, etc e tal... e o ambiente circundante. São 24 temas que agradarão ao adepto, sem surpreender. 3,5 JP THERIOMORPHIC Enter the Mighty Theriomorphic CD’05 . Exorcize Music Rebenta de forma furiosa o “Death Almighty”, de uma banda que finalmente vê justiça feita a trabalho realizado há longo tempo. Vontade e força transpiram por todos os poros, num disco com composições de qualidade, mas que deve ser também visto como a conclusão de um capítulo. Dupla de guitarras do melhor que o Death português já viu, uma carga rítmica demolidora e um rugido quase inacreditável, isto numa produção sem paneleirices, onde tudo está onde se quer e o tiro sai certeiro. A base dominante permanece à escola At The Gates, com lances de guitarra fluentes (que muitos tentam mas nota-se sempre artrose, não me lixem!), e alguns escapes melódicos a injectar harmonia e equilíbrio a temas que funcionam de forma dinâmica e não apenas em descarga. Mas por mais perícia e intensidade que surjam, as composições mereciam evoluir para algo superior, ainda mais identificativo, talvez até menos datado. Há banda para mais, e eles sabem-no. “Death Almighty” é ainda assim um disco impossível de não agradar ao apreciador de Death Metal. Regressa para nova toma sem dificuldade e honra um dos colectivos mais activos e empenhados de sempre no nosso underground. O próximo capítulo será o decisivo em termos de internacionalização, há razões para confiar. 3,6 JP UNERASE Own Universe CD’05 . Edição de Autor Os Unerase chegam-nos da Ucrânia e tocam um power-thrash bem ao jeito duns Machine Head. Outras comparações podem ser feitas com os nossos The Temple ou com os Static-X – os ritmos intrincados e um jogo de vozes ora agrestes ora mais melódicas. Optando por uma sonoridade tantas vezes emulada este colectivo demonstra um excelente domínio técnico dos instrumentos principalmente as guitarras que sacam riffs, solos e harmónicos magníficos lembrando o legado deixado pelo Dimebag Darrell. As descargas rápidas e pesadas certamente influenciadas pelos tempos áureos da Bay Area (Testament...) dão origem a refrões para cantar de peito cheio. Os Unerase não se deixam alienar e vão injectando várias quebras rítmicas e passagens calmas algumas com paladar étnico para tornar o álbum mais apelativo. De qualquer forma não pensem que vão encontrar aqui algo de inovador mas perante música intensa e honesta como esta temos de nos deixar render e trocar as teorias pelo headbanging. [http://unerase.utm.in.ua] 3,8 PN LAGWAGON Resolve CD’05 . Fat Wreck/ Rastilho Se Joey Cape tivesse escrito 12 canções para os Bad Astronaut e, à última hora, decidido gravar essas mesmas com os Lagwagon, o resultado seria Resolve. E o resultado, além de surpreendente, é fantástico. Compreensivelmente, e totalmente, dedicado a Derrick Plourde, baterista da banda até Hoss e falecido em Março passado, Resolve é, de longe, o álbum mais intimista e profundo deste quinteto. As melodias catchy continuam por lá, só que desta vez em toada mais triste, misturadas com as habituais sequencias de power chords e de riffs musculados. A dar o toque final a tudo isto, um Joey Cape em excelente forma, quer no capítulo da composição, quer no que a vozes diz respeito. Introduzem neste álbum um elemento novo, a guitarra acústica ( o cheirinho no início de “Never Stops” do anterior “Blaze” não é significativo), e ganham espaço de manobra para novos voos com isso. Sem a morte de Derrick, este seria, certamente, um disco diferente, mas independentemente disso, Resolve é, sem dúvida, um dos melhores álbuns de Punk de 2005. 4,2 RP AIS REVIEWS ONLINE: www.underworldmag.org CD’05 . Raging Planet Não contem comigo para falar de discos que servem para fazer guita à pala de nomes famosos por parte de bandas obscuras. E é o caso deste disco? Por um lado acho que o sistema “associação a nome famoso para promover os que não são” é o que se passa por aqui mas por outro há aqui um estranho magnetismo, tão estranho como era o dos Misfits – uma banda medíocre mas com um carisma tão forte que se tornaram incontornáveis. E é o que se passa aqui, as bandas portuguesas são o que são (médias ou boas mas nunca brilhantes) mas conseguiram apanhar o brilho maléfico dos Misfits cada uma ao seu género: Core diversificado (Easyway, Simbiose, Day of the Dead), Metal pesadão (Decayed, Grog), Rock variado (The Temple, Capitão Fantasma, No-Counts D.O.M.), Nu-Goth (Cinemuerte, [f.e.v.e.r.]),... colocando a compilação numa confortável situação de que é possível unir (quase) todas tribos num bom disco. Destaco Mata-Ratos e Dead Combo (apesar de não gostar das bandas) por terem tido os tomates de fazer as versões em português (“Sementes do ódio”, “Hate Breeders” no original) e em instrumental (“Angelfuck”), respectivamente. Outro destaque para D’Evil Leech Project (uma violência de Extreme Metal!) e TwentyInchBurial – sem dúvida a banda com o binómio groove/peso mais equilibrado na cena Metalcore portuguesa e a confirmar que versões é com eles! Resta saber quem são os psicadélicos Octopus in the Fisherman’s Style – já que não se canta em português ao menos que se brinque com a língua inglesa... 4,2 Marte WHY? Elephant Eyelash CD’05 . Anticon/ Sabotage Why? ou Beck? Ou Eels? Não soa o tema “Sanddollars” a “Jo-jo’s Jacket” de Stephen Malkmus? Why? com este recente álbum deu uma reviravolta incrível – aliás, meses antes da saída deste álbum ele(s) já tinha(m) dado a dica com o EP “Sanddollars”? Então isto é indie-rock ou indie-rap? Não devia estar na prateleira do Hip-Hop visto que é da Anticon? Alguém que arranje nomes para as prateleiras, por mim, sei o que está aqui: boa música. Muito boa! Complexa e inteligente que parece estupidamente fácil. Viciante e humana como já não se ouve há muitos anos após a exploração industrial de mil e uma banhadas (pre)formatadas de college rock, indie-rock, post-rock. Neste mastodonte somos constantemente desafiados a ouvir excertos de coros que até lembram Beach Boys, samples DIY que acompanham guitarras acústicas que criam momentos mágicos refresh em linha directa aos Beatles, épicos lo-fi de Amor/Morte em formato cut & paste... e se este artigo parece demasiado name-dropping então saltemos para as letras que dizem coisas fabulosas como «Your face never forgets a cry / like trace remnants of acid in your spine» (em “Waterfalls”, não é lindo!?) ou «Rain is millions of tiny speach bubbles unused» em “Speech Bubbles” que (ainda) conclui com «Rain is confession weather, and we became booths of prayer if we let us». Este Inverno já tenho o disco para me fazer companhia, Deus (a gatinha cá de casa) não me liga nenhuma... 4,6 Marte ZOOTIC/ SANNYASIN Split CD’05 . Regulator!/ Anti-Corpos Após sucessivos adiamentos, finalmente saiu este split. Lançamento bastante aguardado, visto que se tratam de duas bandas que fazem uma abordagem ao PunkRock bastante descomplexada e com bastante personalidade. Infelizmente, este lançamento marca também o fim de ambas as bandas. Os Zootic marcam presença com quatro temas, mais próximos da demo “Viver um Pouco Melhor” que do anterior álbum. As três diferentes vozes angustiadas e a guitarra nervosa lembram um pouco as bandas francesas do final dos anos 80 que juntavam ao Punk um lado bastante sombrio, desconcertante e imprevisível. 3,9 Quanto aos cinco temas de Sannyasin, são uma continuação do que foi “For Those Who Crucify Us” (foram aliás regravados duas músicas dessa demo). Hardcore bastante maduro, com uma atitude muito Punk Rock in your face. As melodias das guitarras cruzam-se com a raiva cuspida pelo vocalista Rodrigo, sempre com um balanço estonteante. Este registo marca também um último e eterno adeus a Rodrigo, que nos deixou antes do seu tempo. 4,1 LO . 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O argumento foi escrito na noite anterior ao início das filmagens, entregue ao pequeno-almoço, e traduzido pelo actor Jack Taylor para as línguas necessárias. Para este filme Jess teve Cartas de Amor de Uma Freira Outro dos filmes que realizou em Portugal, cerca de uma década depois, foi o controverso “Cartas de Amor de uma Freira Portuguesa”, que inclui Ana Zanatti num dos papéis principais, e Herman José, Víctor de Sousa, Nicolau Breyner e outros, como secundários. Filmado em Cascais, Sintra e no Mosteiro dos Jerónimos, conta a história de uma jovem que, separada do namorado e encerrada num convento, é obrigada a entrar em actos sexuais e rituais pouco católicos com padres e freiras. Esta foi uma produção maior para Jess: “O produtor era alemão. Eu tinha um contrato para fazer dois filmes, um de baixo orçamento e outro com maior orçamento. O maior foi “Cartas de Amor...”. Estava com medo que o produtor não o aceitasse devido à ultima cena, em que foram necessários cem portugueses, e porque no filme todo só usamos três ou quatro actores alemães.” Outra curiosidade em relação a este filme é o facto da maioria dos actores se terem tornado dos mais importantes nas décadas seguintes. “Conhecia-os a todos. Costumava passear por aqui, por Lisboa, ia ao teatro muitas vezes, ver espectáculos... sabia quais eram os actores que eram bons. É uma pena que muitos deles já tenham morrido. Não gosto de fazer castings. É ridículo pôr uma pessoa à frente de uma câmara e dizer-lhe para fazer isto ou aquilo. Mesmo Orson Wells só entrou em castings duas vezes na vida e foi mau nos dois.” Menino Jesus, Orson Wells, Christopher Lee A relação de Jess Franco com Orson Wells leva-nos ao princípio da sua carreira: “Desde os nove anos que comecei a ver cinema a partir de outro ponto de vista, e decidi que era o que queria fazer.” Sem dinheiro e a escrever literatura de cordel, depois de um curso de Direito e de Filosofia “decidi ir para a escola de cinema, e aí não aprendi nada!” É com desdém que se refere várias vezes a esses tempos, no princípio da sua carreira, quando trabalhava com realizadores da nova vaga espanhola – que estavam mais interessados em passar mensagens políticas, perdendo-se, segundo Jess, toda a espontaneidade. Foi então que decidiu seguir o seu caminho e realizar o seu primeiro filme, em 1959, intitulado “Tenemos 18 años”. Foi imediatamente censurado, mas seria no seu “Awful Dr. Orloff”, o primeiro filme de terror espanhol, que a demência começaria a tomar forma, e talvez por aí tenha atraído a atenção de outro grande amaldiçoado do cinema, Orson Wells. Perdido e apaixonado por Espanha, Wells contrata Franco após ver um filme deste. Jess seria realizador da segunda unidade no “Campanadas a Medianoche”, iniciando-se uma forte amizade entre ambos que, apesar de curta, marcaria no realizador espanhol uma influência para o resto da sua vida. Franco homenageálo-ia em filmes como “Camino Solitário” e “Sinner”. Mas Orson Wells não foi a única celebridade com quem trabalhou. Muitas podem estar esquecidas, mas outras ganham ainda mais notoriedade, como Christopher Lee. “Eu adoro-o agora. Quando fiz o primeiro filme com ele, ele era um bocado estranho, como os actores da escola de teatro. Mas quando foi para os EUA ganhou muitas qualidades, maturidade. Agora é um grande actor. Porque ele na altura não gostava do que fazia, dos papéis de Drácula. Apenas os aceitava pelo dinheiro. Também adorei trabalhar com Klaus Kinski.” Quando fala de alguém que admira Jess Franco não poupa elogios, sobretudo quando se trata de uma mulher. Fala de todos e tudo com paixão, especialmente de cinema, em que o seu amor e dedicação abrange todos os géneros e eras, “Dos clássicos adoro Orson Wells, John Ford, Howard Hawks”, mostrando ter não só um conhecimento enciclopédico do que se fez mas também do que se faz actualmente. “Do cinema moderno gosto muito do Quentin Tarantino.” E quando questionado acerca de filmes recentes, como por exemplo “A Guerra dos Mundos”, revela mais uma vez o seu olhar atento e crítico: “Os últimos de Spielberg são muito bem feitos, uma técnica excelente, edição excelente, fotografia... John Williams é dos meus compositores preferidos, mas os actores... não sinto nada quando aqueles actores representam. E não gosto de computadores, também não sinto nada. Para mim o cinema é uma questão de sentimentos e alma, e eu não sinto a alma dos actores do cinema moderno. Às vezes os actores não são bons mas conseguem dar algo, um cunho pessoal. Onde estão os olhos dos actores feitos em computador? Na minha opinião o mais importante em cinema são os olhos.” Atmosferas púbicas A visão muito pessoal do que é ou deve ser o cinema é transposta por Franco para as suas obras e, por isso, ver um filme dele é uma experiência e tanto. Para muitos é uma má experiência. Tudo é demasiado único, pessoal. Porque está-se à espera de um argumento e ele ultrapassa isso, não de uma forma intelectual, mas de uma forma exploradora e acho que com equipas pequenas com pessoas inteligentes, amigáveis, tens mais sorte. Claro que estou a falar de produções normais. Nas grandes como “Macbeth” é preciso mais gente. Mas por exemplo em “Snakewoman” éramos oito.” O que não deixa de ser intrigante é como consegue produzir os seus filmes. De onde vem o dinheiro, especialmente tendo em conta que os filmes hoje em dia muito dificilmente passam numa sala de cinema? Numa altura da sua vida era então o seu amigo Harry Allan Towers, que passava metade do tempo a financiar filmes e outra metade preso. Noutras alturas eram outros milionários ou loucos ou simplesmente a providência; certa altura, quando já ninguém o financiava, foi-lhe oferecido um bilhete de lotaria que viria a ser premiado. Hoje em dia, com o crescer do interesse pelos seus filmes e com o mercado do DVD a abrir novas portas, há quem volte novamente a investir nele. “Os meus filmes não são caros de produzir. Agora recebo dinheiro de um produtor independente em Nova Iorque, um amigo meu. Ele adorava os meus filmes e começou a desenhar bandas desenhadas a partir deles. Um dia conhecemo-nos e começámos a trabalhar juntos. Este é um deles, o outro é um produtor espanhol. Não sou um homem que queira enriquecer, só quero viver uma vida normal e trabalhar nos meus filmes para que sejam o melhor possível.” O Ultimato de Franco Incansável, grande conversador e surpreendentemente lúcido, o tio Jess termina quase em jeito de ultimato: “FAZER! O importante é fazer. Agora é possível fazer cinema com pouco dinheiro. É possível se tiveres pica, tiveres ideias e acreditares. Não está bem, repetes. Perdi cinco anos da minha vida numa escola de cinema. No primeiro dia de trabalho em cinema profissional trabalhei como último ajudante de produção. Filmámos toda a noite num teatro e quando cheguei a casa apercebi-me que não sabia nada sobre este ofício. Só comecei a aprender naquele dia, porque estava a FAZER. Nada de teorias.” “O cinema é uma bela mistura de som e imagem.” Foi a componente musical uma das principais causas pelo ressurgimento do interesse nas películas de Jess Franco, depois do seu declínio nos anos 70 e 80 devido à indústria pornográfica. As suas bandas sonoras foram redescobertas e reeditadas nos últimos anos, sobretudo depois de Quentin Tarantino ter usado a música do filme de culto “Vampiros Lesbos” em “Jackie Brown”. Destaca-se sobretudo a colaboração com o músico italiano Bruno Nicolai. “Conheci-o há bastante tempo, antes do meu primeiro filme em Itália. Na altura ele era só um pianista de Jazz, mas passados seis meses tive a oportunidade de filmar em Itália e pude escolhê-lo para compor a banda sonora. A sua música é fantástica. Em “Lucky, The Inscrutable”, uma espécie de filme cartoon, de espiões, completamente louco, Bruno Nicolai fez o seu estilo de Jazz louco e sem instrumentos: só voz, a capella. Lindo,maravilhoso! Acabámos grandes amigos e quando morei em Roma, perto dele, fazíamos música juntos. Ele telefonavame a meio da noite “vem fazer a terceira voz do saxofone”, etc. Os músicos de Jazz têm uma coisa que os outros não têm, a liberdade.” Não só amante de Jazz (muitos dos pseudónimos por ele utilizados são nomes de músicos de Jazz falecidos), este senhor mostra mais uma vez estar atento ao que se passa hoje em dia e entre risos comenta: “Não gosto de música pós-clássica, odeio compositores alemães que têm a mania que são importantes e génios... gosto de Jazz moderno. Hoje em dia há muita música no mundo, muita gente a produzir, mas o problema é a audiência... e também odeio a Pop moderna”, e faz uma batida repetitiva com a boca. Apesar disso, mesmo não gostando de Hip-Hop, colaborou no álbum do grupo espanhol Hablando en Plata. “Mas posso dar-te um exemplo... adoro Iron Maiden. Ouviste o ultimo trabalho deles? Maravilhoso, fantástico, com força, óptimo para cinema! Eles vão fazer a música do meu próximo filme.” 45 Entulho Informativo 18 UNDERWORLD 44 o seu maior orçamento até então, mas foi-lhe retirado passados poucos dias, já a meio das filmagens em Portugal. Isto obrigou-o a oferecer, com o pouco dinheiro que restava, uma passagem a um amigo milionário para que este viesse da Suiça a Portugal assistir às filmagens, e assim se entusiasmasse e entrasse com o resto do dinheiro necessário para terminá-lo. Assim aconteceu, e acabou também por apaixonar-se pela actriz principal, Janyne Reynaud, fazendo com o que o marido da mesma e actor no filme tivesse que ficar calado para receberem o dinheiro. Posteriormente, o milionário levou o filme com ele, o que por um lado foi positivo, pois através dos seus contactos espalhou-o por toda a América, exibido-o em inúmeros festivais e lançando a controvérsia. O dinheiro também foi uma das razões que o levou a filmar em Portugal e “mesmo que não fosse pelo dinheiro em si, porque não o recebia de qualquer maneira (aqui, em Espanha ou em qualquer outro lado), mas porque aqui as coisas eram mais baratas e fáceis de arranjar. O único problema era se quisesse um actor tinha de mandar vir de fora.” do séc. XIX.” Por que continua a fazê-los? “Preciso de fazê-los. Preciso de estar neste mundo, neste negócio, é a única coisa que eu realmente amo na minha vida.” Por isso continua a rodálos, tentando aperfeiçoar, e talvez por isto as histórias e personagens sejam recorrentes. Imparável, Jess Franco tem mais dois filmes. “Um é de terror, “A casa junto ao cemitério”, e é baseado numa novela gótica. O outro é uma versão nova de Macbeth, um Macbeth passado nos tempos modernos misturado com os antigos. É sobre uma equipa de jovens a preparar Macbeth para o teatro. É real. Cinquenta por cento é repetição e ensaios, e depois entramos na história.” E mais uma vez olha para Portugal e critica: “O problema em Portugal é que vocês têm que trabalhar mais, fazer mais filmes...”, e bate com a mão na mesa, “e expo-los. Quando vês as pessoas em Espanha, eles têm orgulho na merda que fazem... Vocês são muito melhores em Portugal. Mas têm de crescer, e vocês são capazes. Eu não acredito, EU SEI! Há vinte anos trabalhei com a Tobis e com a Ulisseia. A Ulisseia fez-me dois filmes fantásticos, muito artesanais mas muito cuidados. Em Espanha já encontrei bocados de sanduíche nos negativos.” Outra das sensações que se fica enquanto se fala com Jesus Franco é que é mais do que um mero realizador. Tem um conhecimento de todos os processos até chegar ao produto final, e com a experiência descobriu o seu método de trabalho. “Prefiro muito mais equipas pequenas, porque se perde a ideia de que se está a fazer um filme. Passa a ser um grupo de amigos a fazer um bom trabalho porque gostam do que estão a fazer e por isso o filme sai melhor. Para fazer um bom filme é necessário estares em paz contigo mesmo e com a equipa à tua volta. É muito importante ter uma equipa pequena, com pessoas espertas, amantes do cinema. Se há dois estúpidos a dizer “já são 5 horas” eu digo “são 5 horas, e depois?”, “Agora temos de parar de filmar imediatamente.” “Imediatamente!? Mas eu estou a filmar, vou demorar mais 10 minutos ou o que for necessário!” Por isso é que UNDERWORLD Entulho Informativo 18 Desta vez veio a Portugal apresentar em primeira mão o seu novo filme, “Snake Woman”, assim como o “D. Quixote de Orson Wells”, no qual assinou a edição e pós-produção. Mas não foi a primeira vez que Jess Franco por cá passou. Na realidade, já cá filmou mais de uma dezena de filmes, e mostra-se um profundo conhecedor do nosso país, cultura e submundo. “Frankenstein vs. Drácula”, “Voodoo Passion” e “Os Demónios” são apenas alguns dos títulos que realizou por cá. “A primeira vez que vim a Lisboa foi com um filme que não realizei, “Missio a Lisboa”, uma co-produção entre uma pequena companhia americana e uma italiana. Foi o meu primeiro trabalho como produtor.” Isto passou-se em 1965 e a partir daí apaixonou-se pelo país: “Tenho duas razões para gostar de Portugal. Por um lado amo o país, por outro foi aqui que encontrei uma compreensão que não conseguia encontrar em Espanha. Eu sei que a censura aqui era forte, apertada, mas muito menos que em Espanha. Sabes, coisas normais que podia fazer aqui não podia fazer em Espanha, porque era necessário permissão para a mais pequena coisa que quisesse filmar. Em Portugal também, mas era mais fácil de arranjar. Além disso Portugal é bem mais bonito para filmar do que Espanha.” Claro que a noção de “coisas normais” para Jess Franco é questionável, tendo em conta que os seus filmes centram-se sobretudo em aspectos do ser humano considerados tabu: sexo, morte e medos que tomam forma num misto de terror e erotismo, naquilo que foi designado por Eurosleaze – é raro o filme de Franco que não tenha uma cena de striptease e que não explore fetiches. Por tudo isto foi considerado pelo Vaticano como um dos dois realizadores mais perigosos do mundo, ao lado de Luís Buñuel. obsessiva e sobretudo humana. “Neste último filme a história que conto não é uma história, é uma atmosfera. Cada dia interessam-me mais as atmosferas, as personagens, mas... é o mundo entre a realidade e a ficção que não se entende bem... Creio que sempre que consegues criar uma atmosfera interessante, que o público reaja como tu pensas, isso é positivo. Ter de explicar cada vez menos que “Joanita estava casada com Pepito e viviam juntos lá no bairro, etc etc.” Faz-se o que se sente. Os diálogos são muito importantes mas eu prefiro diálogos naturais. Não gosto de diálogos muito literários. Prefiro pessoas a falar, porque as conversas normais, naturais, são muito melhores. Mas mesmo assim prefiro quando a música faz os diálogos.” Quando se lhe pergunta se se considera uma influência ou referência para gerações seguintes, ri-se: “Espero que sim. Talvez por causa da maneira como eu faço os meus filmes. Ou devido ao facto das novas gerações estarem fartas de filosofias e de coisas estúpidas. Eles gostam de filmes, gostam de ver acção, coisas a mexer-se, coisas com piada.” A reacção dos críticos é precisamente a contrária, e é considerado um dos piores realizadores de sempre. Queixam-se do ritmo dos filmes, da técnica, dos constantes e obsessivos zooms púbicos, da qualidade dos actores. Sendo ele uma pessoa tão atenta e crítica e tendo em conta a resposta de críticos e da indústria em geral, é impossível não deixar de lhe perguntar o que acha dos seus próprios filmes. “Odeio-os. Gosto de algumas partes. Mas nunca estão bons o suficiente.” Quem os vê acaba por sentir isso no intercalar de partes de grande beleza e técnica inigualáveis, com partes de diálogos intermináveis, em que ambos parecem ser sintomas do que o realizador está a passar. Dá o exemplo do seu último filme, “Snakewoman”: “Gosto dele HOJE. Porque acho que fiz algo diferente, dei um passo em frente. O que tento é trazer algo mais aos meus filmes. Porque estou farto de fazer sempre as mesmas histórias. Se é sobre sexo é sobre sexo, se é terror ou thriller, é sempre a mesma história, copiadas das histórias David Soares AS TREVAS FANTÁSTICAS Polvo . 2005 Infelizmente o que salta desde logo ao pegar neste livro é a péssima edição da Polvo – conhecida pelo design gráfico mais horroroso de Portugal. Preço que David Soares terá de pagar porque desistiu da sua editora, a Círculo de Abuso, em que controlava (bem) a sua produção editorial. Soares é conhecido na área da bd (argumentista, desenhador e ensaísta) e da literatura fantástica, sendo este livro o seu segundo como escritor literário e também o segundo de contos. São cinco desta vez e todos com características diferentes. Em comum têm o facto da escrita de David Soares estar acessível, tendo largado a sua prosa Death Metal (cheia, barulhenta e demasiada adjectivada) que o caracterizava antes. Isto é um elogio e uma vantagem. Em contrapartida, há textos com alguma confusão literária ainda por resolver, nomeadamente em “O Bezoar”, um conto necro-capilar, em que os fait divers da descrição de uma receita culinária ou os pensamentos de uma personagem a atingir o orgasmo destoam do resto da escrita num efeito negativo. Soares não controla este estilo para brincar com a cacofonia ou para jogos oulipoanos como Rafael Dionísio e George Perec dominam, respectivamente. O conto mais conseguido, de um excelente ritmo narrativo, é “Pela mão de um vampiro”, sobre dois vampiros, um editor de livros e outro escritor. Os outros pontuam-se pela imaginação fértil, softgore e sexuada de Soares. Alguns contos desiludem porque há boas ideias que acabam por não ser exploradas até ao fim ou como nós e só nós, os leitores-vítimas, desejaríamos – é o caso de “No vale, a Igreja”, passado nos tempos da peste negra. Após a leitura do livro ficamos com a capa toda aberta... pela baixa qualidade da edição! 3,7 Marte DIY: THE RISE OF LO-FI CULTURE Amy Spencer Marion Boyars . 2005 Um miminho de livro para quem gosta da cultura Do It Yourself. Não que o livro seja revelador de ideias novas ou tenha uma análise aprofundada sobre o assunto. No que o livro é bom é em conseguir fazer os links de vários movimentos artísticos contemporâneos: do Dada às Raves, passando pelos fanzines, beatniks, hippies, mail-art, Fluxus, o jornalismo radical dos anos 60, Situacionismo e claro, ao Punk, à sua ressaca pós-Punk, New Wave, No Wave e apropriações: Grunge, Homocore/Queercore, Riot Grrrl. Divide-se em três partes: a primeira dedicada à revolução dos zines, a segunda à história da edição DIY e a terceira à música. Não deixa de fazer menção a outros conceitos como as rádios-piratas, ao DTP (Desktop Publishing, ou seja, à edição informática, seja para edição papel, blogs, páginas web, download), ou ainda ao “novo artesanato” (crafting – que já chegou a Portugal sob a designação das “tricotadeiras”). Informação completa na essência, com poucos erros que só cromos como eu poderão detectar, este livro é porreiro para assentar ideias sobre o que é (foi e tem sido) a edição alternativa. Para quem edita ou apenas lê este Entulho, é um livro obrigatório!! 4 Marte Riot-Kids Zine #10 Junho‘05 Em Portugal já lá vai o tempo em que a febre dos fanzines passou por cá (no início dos 90 principalmente). A verdade é que aquelas folhas fotocopiadas deixam saudades e na altura, ainda sem a facilidade da internet, não havia melhor alternativa para as novidades correrem no mundo underground. Se por cá já é difícil encontrar, no país ao lado ainda as há aos pontapés. Riot-Kids é uma delas, neste caso mais orientada para a corrente Oi!/Streetpunk. Neste número encontramos entrevistas a Youngang (Itália), Generation 69 (Singapura), Blisterhead (Finlândia), The Adicts (Uk), The CONTO Prowlers (Canadá) e Reazione (Itália). Um interessante mas pobre artigo sobre os Cobra (primeira banda Oi! do Japão) também pode ser encontrado, para além das normais reviews e algumas notícias. 2,9 LO F. Paul Wilson THE KEEP Tor Books . 2000 “The Keep”, de Francis Paul Wilson, conta a história de um destacamento militar alemão enviado até Dinu Pass, na Roménia, durante a Segunda Grande Guerra, para recuperar uma antiga fortificação. A construção de pequenas dimensões encontra-se enquistada na face montanhosa que lhe oferece permanente abrigo do sol. O exército começa a explorar a sua moradia temporária e dois recrutas acabam por mexer em algo que não deveria ser perturbado. O início de “The Keep” não é muito sólido, mas é emocionante e os seus panoramas desconsolados prometem ser cenário de horrores tremendos. A prosa de Wilson é competente sem ser demasiado simples, mas, igualmente, sem o brilho de originalidade que cunha os opúsculos dos autores mais talentosos (fez-me lembrar um Caleb Carr para os leitores que pensam). O leitor atento do género reconhecerá referências subtis (e outras nem tanto) a obras de autores como Lovecraft, Bloch e Howard e existem segmentos de horror verdadeiramente eficazes. Contudo, Wilson não parece dominar os seus talentos narrativos da melhor maneira e para tornar coxa cada cena brilhante que surge diante dos nossos olhos aparecem outras duas que são quase ridículas. Imaginem que estão a ver um filme de horror rigoroso realizado por John McTiernan (à la “Nomads”) e, de repente, é Sam Raimi quem ocupa o lugar vago atrás da câmara trazendo consigo um esgrouviamento visual total. Este desequilíbrio é quase fatal. Mas não vou ser demasiado duro com “The Keep”... Afinal, este é um livro de horror com nazis, vampiros e mortosvivos! Zieg Heil, sangue, suspense. Isto é totalmente OTT! Série-Z no seu “melhor”, muito mais eficaz que “Ilsa, the She-Wolf of the SS”. Este é o livro que vocês querem ler! 3 DS Terra Esta Adormecia a madrugada debaixo dos lençóis do amanhecer, quando os primeiros passos se fazem sentir no húmido cascalho que reveste o antigo caminho do monte. O Padre Viga, como era conhecido na Benevolência, trilhava a sua rotina diária em direcção à única igreja existente num raio de 100 Km. Vigiado pelo olhar nocturno dos predadores da floresta, calmamente inspirava o ar recémnascido, enquanto fazia contas a mais uma jornada de trabalho para o Senhor todo-poderoso sempre ausente, porém mais procurado que o leite do dia. Ao contrário do leiteiro, cuja missão era alimentar barrigas, o Padre Viga passava a vida a tapar os buracos das almas que o solicitavam num ritmo constante e repetitivo. Via-se como um curador, que não passava receitas, apenas apontava os caminhos. Os habitantes deste local, os Benevolentes, sofriam e muito de um mal: o de só conseguirem praticar o bem, apesar de não pensarem da mesma forma. Estas características davam azo a conflitos nada fáceis de resolver e que por norma iam sempre parar à velha igreja. Um caso representativo destas relações sócio-familiares foi o casamento da filha descendente da família Não Quero o Bem com o filho da família Quero o Mal. A festa foi impecável, o casal Bem Mal entregou-se exemplarmente à união de facto, para gáudio de todos os convidados. Contudo, não podia deixar de haver uma polémica para manchar a celebração deste típico povo. Aconteceu que o tributo pedido à família do noivo foi de dez cabeças de gado, porém num enorme gesto de generosidade, aquela ofereceu vinte. Estava lançada a dúvida maior, a sensação desconfortável de insegurança, já que é de desconfiar quando a oferta é maior que o pedido inicial. Bem vindos à Benevolência, onde quem só o bem faz parece mal. Entretanto quem não se esqueceu de marcar presença à porta da igreja, ainda não eram sete da manhã, foram as mães do mais recente casal, os Bem Mal. Lá estavam a D. Arrependida e D. Afectiva e muito havia para conversar, porque as coisas entre elas andavam envoltas de uma neblina turbulenta, fosse o casamento dos filhos, a prenda ou as conversas de rua, enfim assuntos que exigiam a máxima delicadeza. Passavam dois minutos da hora quando os seus olhos veneraram os pés do Padre Viga e em simultâneo o portão corria ruidosamente pela calha metálica ferrugenta. Após entrarem e sem que cruzassem olhares, cada uma delas sentou-se na primeira fila em frente do altar. O Padre, esse permanecia em silêncio, a sua tranquilidade era realmente divina. Com um movimento autoritário indicou o caminho para o confessionário, as suas regras ditavam que a primeira a entrar fosse a queixosa, a D. Arrependida. A cortina correu e os dois instalados estavam preparados para dialogar. Padre Viga (PV)- Bom dia, D. Arrependida. D. Arrependida (DA)– Bom dia Sr. Padre. PV – Diga-me, o que é que a traz por cá? DA – Sabe, o tributo oferecido à minha filha não caiu bem. Acho que eles se Mo Hayder TOKYO Bantam Press . 2004 Os livros escritos por Mo Hayder encontram-se compartimentados num nicho exótico, escavado entre o romance thriller e a literatura light – porque se a sua prosa económica se apresenta intransigente, também não deixa de primar por um carácter despreocupado que intenta ser cool. É uma voz autoral segura, mas algo imatura. Contudo, Hayder nunca ofende a inteligência do leitor e isso, observado na actual oferta de propostas que o mercado literário coloca à nossa disposição, é meritório. Mas de que género de literatura light estou a falar? É que esta autora escreve sobre assassinos em série, pedófilos e necrófilos norteados por um comportamento bárbaro que se aproxima do impublicável (seja lá isso o que for). O seu romance de estreia, “Birdman”, encontra-se disponível numa versão portuguesa editada pela Presença, sob o título (arrepiante!…) de “Os Pássaros da Morte”, e, à altura da publicação desta crítica, já poderão encontrar uma edição portuguesa de “Tokyo”, sob a chancela da Gótica. “Tokyo” é um exemplo perfeito de que a literatura mainstream editada lá fora tem mais nutrientes que aquela escrita cá dentro. Porque, assim como assim, o reflexo luso do segmento de leitores que lêem Mo Hayder (ou Thomas Harris e Michael Marshall) na sua coutada original não possui hábitos de leitura. Em suma: está bem escrito, toca em todos os botões certos para manipular as nossas mais envergonhadas emoções e as personagens são interessantes. Para quem apenas contactou com a cultura japonesa através dos soníferos Pokémons, e outras bichezas do mesmo género, ou acredita que o execrável “Lost in Translation” contém, efectivamente, uma boa história, este romance sobre as diabruras de guerra que os japoneses cometeram em Nanking no final da terceira década do século XX terá o efeito de um pontapé no estômago. 3 DS acham melhores que nós. Se não, por que outra razão o fariam? PV – Olhe, tenho a certeza que o fizeram com a maior e a melhor das intenções e não vou convencêla que possa ter havido outro motivo. Até porque ninguém seria capaz de cometer uma maldade entre nós. E disso tenho a certeza. DA – Acha mesmo? PV – Sem dúvida alguma. PV – Sugiro que faça o seguinte, vá à fonte do Santo e beba um copo daquela água milagrosa. Depois vá para casa e descanse sobre o assunto. DA – Obrigado, assim o farei. E assim foi, ao abandonar o cubíJOÃO M AIO PIN TO culo fitou a D. Afectiva e enquanto da sua cabeça saíam as maiores barbaridades contra aquela barata recheada de podridão, a sua boca proferiu as seguintes palavras: “Ficamos muito sensibilizados pela oferenda, mas como retribuição gostaria de convidá-los para jantar lá em casa, aceita?” Levantando-se, a D. Afectiva pensou que seria desta que ia esganar este trapo velho e peçonhento, mas sem deixar cair o sorriso hipócrita respondeu que teria o maior prazer em honrar o convite. E assim se despediram. Em seguida, sentou-se no lugar outrora aquecido pela sua serpenteante vizinha. De igual forma, o Padre Viga iniciou a conversa com um seco bom dia, como que a dar a entender que não queria perder o seu tempo com miudezas. - Eu esmago aquela víbora, disse D. Afectiva (DA). PV – Calma, calma, estamos num local sagrado. Porquê tanto rancor? DA – Porque me apeteceu. Eu nunca gostei daquela tipa e agora que a tenho que aturar ainda gosto menos. PV – Mas isso não faz qualquer sentido!? DA – E não tem que fazer. Há coisas que não se explicam, simplesmente acontecem! PV – Então de que forma a posso ajudar? DA – Não pode. PV – Mas se não posso, por que é que veio até cá? DA – Pela água, Sr. Padre, pela água. PV – O quê? Pela água? Mas do que é que está a falar? DA – A água da fonte faz-me bem, alivia-me as dores nos rins. Um silêncio profundo invadiu o Padre, encostando-o ao abismo da frustração. DA – Posso lá ir? PV – Pode sim, claro que pode, mas antes de ir responda-me, o que tenciona fazer nesta situação? DA – Nada, absolutamente nada. Aconteceu, não é verdade? Como tal, também vai terminar a seu tempo. Até lá, vamos continuar a fazer o nosso papel. Completamente arrasado, o Padre Viga pediu à D. Afectiva para ir até à fonte e sair da igreja o mais rápido possível. O silêncio abraçou-o novamente, não o largando durante alguns minutos, até que os raios de sol o fizeram levantar e caminhar pelo altar em direcção à água do Santo. Aqui lavou a sua cara e urinou no seu interior. E assim se vive em Benevolência!!! Pedro Pedra escondeu-se nas manhãs de sol, por entre a sombra das nuvens. tornava o olhar pelo nome Cila. pedinchava galões ou meias de leite. comia torradas a acompanhar. passando um polícia amarfanhava o guardanapo ou gritava ‘’filho da puta’’, se estivesse para aí virada. sentou-se nas escadas dos Inglesinhos e abandonou-se admirando a chuva. [http://correspondencia.blogs.simplesnet.pt] LIVROS & PUBLICAÇÕES vasculhava o lixo. conhecia os haveres de muitos. as tristezas embrulhadas em papel de alumínio. as mágoas em película transparente. e embrutecia no silêncio. os amigos ainda lembram o dia em que se esqueceram dela. era seu costume ouvir as conversas, encostava-se às janelas dos rés-do-chão e sabia, para depois contar às paredes. num outro dia, haveria de dar uma palavra a essas almas. Cila teve o sonho de ser mãe. não conheceu nenhum homem capaz. frequentava tascas onde os homens iam beber copos de três e petiscar moelas. era lá que se apaixonava. sentia as entranhas preenchidas em bancos de jardim. morreu num suspiro. jm