Fazíamo-lo à noite», «os meus pais gritaram-me»
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Fazíamo-lo à noite», «os meus pais gritaram-me»
Era difícil superar a repressão! A minha primeira vez: «Fazíamo-lo à noite», «os meus pais gritaram-me», estava proibido». Actualizado 15 de Junho de 2013 P. J Ginés/ T. Fedótova /ReL Hoje tem mais de 30 anos, ou mais de 40, e podem falar com liberdade de como foi a sua primeira vez. Falam de como "o fizeram" às escondidas, de noite, às vezes com desconhecidos, em sítios estranhos ou na sua casa. Pelo geral fizeram-no às escondidas dos seus pais, ainda que alguns pais sabiam o que estavam fazendo os seus jovens filhos e filhas. Muitos o fizeram incitados pela sua avó! Diziam que podias infectar-te, que te prejudicaria, e de facto quase todos arrastam as consequências hoje. O risco, o temor de ser descobertos, saber que era algo proibido, que "não se podia falar disso"... Fazia correr a sangue, ou a congelava de medo. Era necessário superar a repressão. Também era excitante. Em sites como http://tikkey.livejournal.com e http://vespro.livejournal.com contam a sua primeira vez, com capítulos e versículos. A primeira vez que puderam ler a Bíblia na União Soviética, com medo de ser descobertos, com Bíblias q u ase impossíveis de conseguir, na clandestinidade e d e baixo d a repressão... Eram os anos 80, enquanto Espanha celebrava o Mundial de Futebol ou se alegrava com o anúncio das Olimpíadas de Barcelona, a época da televisão a cores. E a União Soviética, quase uma quinta parte da superfície terrestre, fazia impossível ler o livro fundacional do Ocidente. Tatiana, 49 anos: "não o tires do bolso" O meu primeiro evangelho passaram-me uns conhecidos do padre Alexander Men. Era um livrito diminuto, feito de papel de fumar. Entregaram-me como se fosse uma bomba, um folheto de ´agitprop´, o segredo mais temível. ”Não o ensines a ninguém. Não o abras no metro. Não o tires do bolso. Se te detém e preguntam onde o tiraste, contesta: ´de Mateus´." E o líamos pelas noites nas catacumbas das nossas cozinhas, e Deus caminhava pelas páginas como um vendaval. Logo detiveram a pessoa que me havia passado o Livrito, pressionaram a toda a sua família e obrigaram-na a ´arrepender-se´. Tikkey, 41 versículos!" anos: "com capítulos e Aos 16 anos emprestou-ma a minha companheira de classe, uma hippy. Era a sua relíquia familiar. Desde logo, estava louca. Coisas assim não se podiam tirar de casa, e nem falar de empresta-las a outros imprudentes! Por suposto, tive que devolver o Livrito, mas então já não me importava: já tinha segredo, o meu orgulho, a minha enorme e nova luz impossível de ocultar, pela qual merecia a pena viver. Naturalmente, antes disso acedi a “O dicionário do Ateu”. Era propaganda ateia, mas no princípio de cada entrada explicava tudo com capítulos e versículos! Depois já comentavam que tudo era ópio e mentiras desactualizadas. Andrey, 39 anos: dois meses de varredor Quando à idade de 12 anos tive que examinar-me numa academia de Artes Plásticas de cultura de conteúdo bíblico, só havia um lugar onde era possível comprar a Bíblia legalmente: no mosteiro moscovita de San Daniel, a 80 rublos. Recordo que me alistei a trabalhar de varredor, com um soldo de 30 rublos. Não sei como os professores da academia imaginavam os exames dos alunos incapazes de pagar tanto dinheiro! Na nossa classe havia uma rapariga que tinha em sua casa uma Bíblia editada antes da revolução, e reuníamonos na sua casa uns 15 para procurar citações e tomar as notas necessárias. Laska: "convenceu-me o mapa" A minha avó ofereceu-me um Evangelho editado antes da revolução que tinha pertencido à sua mãe. Depois, uma edição moderna, um livrito diminuto, num papel finíssimo e transparente, de bolso. Tinha um mapa. Um mapa de verdade, de uma terra real! Era este mapa o que terminou de me convencer… Alumen10: "esconde-o já!" Na minha casa, até “La Bible amusante” [clássico anticlerical de 1882 de Léo Taxil] se escondia na segunda fila do armário, para que ninguém o visse. Recordo que a uns 7 anos a li, e tive que vir ao médico. Quando o via a minha avó, teve quase um ataque histérico: “Esconde-o já, ou nos tomarão por uns crentes!” Ela não queria escutar nenhum argumento, e já era 1979. Quanto medo lhes haviam metido no seu tempo… Moire Rebma: roubo massivo de bíblias Era o final dos 80, quando se celebrava o Milénio do Baptismo da Rússia, e a URSS ainda existia. Uma amiga minha, que então era ainda adolescente, trabalhava com o seu pai na gráfica estatal de “Goznak”. A gráfica acabava de receber o seu primeiro pedido de umas mil bíblias. O pedido era de um padre ortodoxo típico, com sotaina e barba. Imprimiram as bíblias, guardaram-nas no armazém... E quando chega o prazo de entrega, resulta que as Bíblias tinham desaparecido do armazém. Os chefes levaram as mãos à cabeça: um roubo! Ordenaram a impressão de outras mil bíblias. Imprimiram-nas, guardaram... E outra vez desapareceram muitas! Assim que quando veio o sacerdote, entregaram-lhe, com muitas desculpas, só 300 exemplares e explicaram-lhe a situação. O padre riu-se muito, pediu mais mil bíblias e aquelas 300 disse que as deixassem abertamente à entrada da gráfica, para que as pessoas as recolhessem “já que tinham tanta necessidade”. No final do dia não restava nem uma. Dyk de Bosch, 37 anos: numa família sem deus Não me recordo de onde nem quando apareceu um livrito do Novo Testamento em minha casa nos 90. A minha família estava muito longe da fé. O papá hoje continua declarando-se um "sem deus", porque recebeu do seu pai uma educação ateia da velha escola. A mamã era daquelas que dizem ser “crentes” só por pintar ovos na Páscoa, sem ter lido jamais a Bíblia, e sem pretender fazê-lo no futuro. Ela quase nunca tinha lido um livro, só às vezes algum jornal. Era do povoado e acreditava que ler era um passatempo para ociosos. Mas a minha avó tinha um ícone antigo. Não sei de onde tinha aparecido, mas estava colocado, visível, no seu recanto, apesar de todo o ateísmo do seu marido. Tampouco ela nunca teve uma Bíblia. Rinel, 42 anos: um inimigo, para inculparnos! A Bíblia apareceu em nossa casa como uma oferta de um inimigo. Uma pessoa de outra cidade que activamente nos odiava, nos fez chegar, através de uns conhecidos comuns, uma Bíblia de capas negras (com um propósito desconhecido, dado que costumava rir-se da religiosidade de alguém). Segundo as notas feitas nas páginas com uma letra “velha”, poderia ter pertencido à sua avó ou outra familiar de gerações anteriores. Nutuzh, 41 anos: "o meu pai enfureceuse" Primeiro eu tinha tudo isto: “O Dicionário do Ateu”, “O Livro de Cabeceira do Ateu”, Léo Taxil com a sua “La Bible amusante” (naquele tempo chamávamoslhe “León Pasquín”), e Yemelián Yaroslávskiy, o chefe da União dos Sem Deus Militantes, com a sua “Bíblia para não crentes”. A minha primeira Bíblia adquiria em finais de 1988, uma edição do Patriarcado de Moscovo dedicada ao Milénio do Baptismo da Rússia. Comprei-a por um preço assustador de 120 rublos (um soldo mensal). A minha mãe deu-me este dinheiro, e meu pai, ao sabê-lo, enfureceu-se. Mais tarde soube que se podia comprar a mesma Bíblia na administração do nosso exarcado. Mas, para isso tinha que se dirigir uma solicitação especial ao nome do metropolita [bispo]. Por essa época também escutava emissoras cristãs de onda curta (Rádio MonteCarlo e A Voz dos Andes do longínquo Equador que, não sei porquê, se ouviam perfeitamente) e tomava notas. Aquelas notas ainda devem de estar na casa dos meus pais. Knyaz_myshkin: "O Maestro e Margarida" Nos 70, durante anos, não pude encontrar um Novo Testamento. Só conhecia os fragmentos que usa Bulgákov na variante por fascículos de “O Maestro e Margarida”. ["O Maestro", nesta novela de Mijaíl Bulgákov dos anos 30, é o Demónio, que comenta algumas passagens bíblicas, sobretudo o encontro entre Jesus e Pôncio Pilatos]. Assim tive que escrever a minha própria versão da Boa Nova até que cheguei ao original. Joni: "só Mateus 18:20" Todos estes anos acreditei que na minha casa não havia Bíblia, mas há umas semanas descobri um Novo Testamento que se utilizou para apoiar uma taça decorativa até que o resgatei. Parece mais antigo que eu, ainda que não tenha nenhuma informação de editorial: só “Mateus 18:20”. Red_kak: livros em recantos Nos 70-80, em nossa casa havia um ícone antigo na parede. Abertamente, com o direito de ser uma “antiguidade”. Enquanto tudo o “moderno” se escondia detrás de um plano de Moscovo. Os livros metiam-se nos recantos mais afastados. Uma cruz esteve todos aqueles anos cosida dentro da minha aba. Não era uma paranóia: se te acusavam de ´propaganda religiosa´ reduziam-te no escalão e despediam-te do trabalho. Para as pessoas mais activas [na sua actividade cristã], o manicómio. No colégio, se levavas uma cruzita no pescoço, os companheiros implicavam e os professores te pressionavam. Os meus parentes tentaram tirar a minha mãe a minha custód ia porque me levava a uma igreja. Na liturgia da Noite de Páscoa, homens vestidos de civil te apanhavam pelo pescoço e te arrastavam à esquadra. Odalizka, 43 anos: "impregnar-me" Em 84, emprestaram-me a Bíblia por uma só noite. Recordo como a lia freneticamente, tentando impregnar-me de tudo. Rakugan: "procurava gota a gota em livros ateus" Recordo muito bem o meu primeiro choque da primeira leitura aos 12 anos. Acaso era possível tudo aquilo? Pensava que se me ia parar o coração de assombro e felicidade. Eu também pertenço àquela geração que procurava a informação sobre o cristianismo, gota por gota, nos livros de texto do ateísmo científico e copiava o Novo Testamento nos cadernos escolares. Feliz_mencat, Coreia 39 anos: contrabando da A minha mãe trouxe uma Bíblia da Coreia, em 1988. Talvez, ali as oferecessem, e ela a trouxe para casa. A li de uma ponta à outra. Alpamare: "apanhou-o pedaço a pedaço" A única maneira de aguentar este horror é voltar uma e outra vez, com a alma, às nossas cozinhas de catacumbas. Temos que recordar os nossos livritos de orações que escrevemos à mão, os nossos cadernos gastados com vidas dos santos (um caderno assim, uma amiga minha o escondia dos seus pais ateus no interior de uma poltrona, eles encontraramno, partiram-no em pedaços, mas ela o voltou a apanhar todo, pedaço a pedaço), os primeiros rosários de plástico de Częstochowa, papel de fumar com os textos de Lewis e do metropolita Antonio. E sempre recordar o sabor do chá artesanal no grupo caseiro de leitura do Evangelho. E contá-lo aos demais. Sobretudo, aos filhos. E não zangarmonos. in