FAMAT em Revista - Faculdade de Matemática
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FAMAT em Revista - Faculdade de Matemática
FAMAT em Revista www.famat.ufu.br Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Àf W Número 02 - Abril de 2004 e-mail: [email protected] Comitê Editorial: Edson Agustini - Famat/Ufu Walter dos Santos Motta Júnior - Famat/Ufu Antônio Carlos Nogueira - Famat/Ufu Rafael Peixoto - Petmat - Famat/Ufu Carlos Alberto da Silva Júnior - Damat - Famat/Ufu 2 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista ISSN 1806-1958 www.famat.ufu.br e-mail [email protected] Revista Cientı́fica Eletrônica Semestral da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Comitê Editorial: Edson Agustini - Famat/Ufu Walter dos Santos Motta Júnior - Famat/Ufu Antônio Carlos Nogueira - Famat/Ufu Rafael Peixoto - Petmat - Famat/Ufu Carlos Alberto da Silva Júnior - Damat - Famat/Ufu Número 02 Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 3 Editorial Os membros do comitê editorial da “FAMAT em Revista” têm o prazer de disponibilizar à comunidade acadêmica o seu segundo número. “FAMAT em Revista” é a revista eletrônica de divulgação científica da comunidade acadêmica da Faculdade de Matemática da Universidade Federal de Uberlândia, cuja finalidade é promover a circulação de idéias, estimular o estudo de matemática e despertar a curiosidade intelectual dos estudantes e de todos aqueles que se interessam pelo ensino e pelo estudo da matemática. Ela deve possibilitar a integração entre discentes e/ou docentes da Faculdade de Matemática, promovendo o enriquecimento curricular e fomentando reflexões sobre a formação de professores e de pesquisadores em matemática. Em seu primeiro número, o editorial da revista destinou-se a especificar a finalidade de cada seção e os objetivos gerais da revista, além de trazer as normas para a submissão de artigos. Nesse número, em que estão contempladas as atividades desenvolvidas durante parte do segundo semestre de 2003 e parte do primeiro semestre de 2004, restringimo-nos, portanto, a apresentar de modo sucinto as diversas contribuições e matérias que compõem cada seção. Em Artigos Completos de Iniciação Científica, contamos com quatro textos proveitosos e interessantes, sendo dois da área de matemática aplicada e dois da área de matemática pura. Em Problemas e soluções, o prof. Luiz Alberto Duran Salomão nos propõe o desafio de quatro novos e instigantes problemas matemáticos e nos apresenta uma proposta de resolução dos quatro problemas publicados no número anterior. Além disso, trazemos as vinte questões da prova classificatória do VII Curso de Especialização em Matemática da FAMAT-UFU. Na seção Eventos, complementamos a lista dos eventos a serem realizados no primeiro semestre de 2004 e confeccionamos uma outra lista compreendendo os eventos que ocorrerão no segundo semestre de 2004. Na seção Reflexões sobre o Curso de Matemática, apresentamos uma síntese do PROJETO INSTITUCIONAL DE FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO DA UFU sobre a reformulação dos cursos de licenciatura, redigida pelo prof. Walter dos Santos Motta Júnior. Na seção Em sala de aula, o prof. Jocelino Sato nos brinda com um interessante e proveitoso artigo sobre o uso de recursos computacionais no estudo de geometria. Na Iniciação Científica em Números, além de uma descrição dos atuais projetos de iniciação científica da FAMAT-UFU, apresentamos o projeto PIBEG (Programa Institucional de Bolsas de Ensino de Graduação) que visa a melhoria da qualidade da formação dos estudantes da FAMAT. Em E o meu Futuro Profissional?, uma coletânea de textos interessante e informativa sobre a crise no ensino de matemática no país leva-nos a refletir sobre a formação do professor de matemática e as suas condições de trabalho em um momento singular de nossa história. Essa coletânea propicia uma discussão interessante em nosso meio acadêmico, uma vez que estamos vivendo um processo de reformulação do Curso de Matemática. E, finalmente, na seção Merece Registro, destacamos as atividades e os fatos que mereceram destaque na FAMAT entre novembro de 2003 e março de 2004, tais como a realização da III Semana de Matemática, os alunos da FAMAT que prestaram o Provão e no qual obtiveram conceito A, os cursos de especialização da Estatística e da Matemática e os exalunos FAMAT que ingressaram em Programas de Mestrado. Esperamos que nossos leitores apreciem os trabalhos aqui publicados e lembramos que críticas e sugestões produtivas são sempre bem-vindas. Comitê Editorial 4 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 5 Índice de Seções Seção 1: Trabalhos Completos de Iniciação Cientı́fica 7 Seção 2: Problemas e Soluções 79 Seção 3: Eventos 89 Seção 4: Reflexões sobre o Curso de Matemática 93 Seção 5: Em Sala de Aula 97 Seção 6: Iniciação Cientı́fica em Números 133 Seção 7: E o meu Futuro Profissional? 139 Seção 8: Merece Registro 155 6 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG a d p Trabalhos Completos de Iniciação Científica FAPEMIG - Bolsa de Iniciação Científica e Tecnológica Institucional PETMAT - Programa Especial de Treinamento da Faculdade de Matemática PIBIC-CNPq - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Pesquisa PROMAT - Programa Institucional de Iniciação Científica e Monitoria da Faculdade de Matemática 8 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Trabalhos Completos de Iniciação Científica do Número 02 da FAMAT em Revista: Edson Agustini (coordenador da seção) Walter dos Santos Motta Júnior Antônio Carlos Nogueira FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 9 Instruções para submissão de Trabalhos A Seção de Trabalhos de Iniciação Cientı́fica visa divulgar trabalhos que estejam associados a projetos cadastrados na(o) FAPEMIG / PETMAT / PIBIC-CNPq / PROMAT e orientados por docentes da FAMAT. Trabalhos completos em nı́vel de iniciação cientı́fica dos programas acima listados submetidos para publicação na Revista Eletrônica “Famat em Revista” estarão sujeitos a apreciação pelo Comitê Editorial responsável por essa seção de artigos e, se for o caso, por consultores ad hoc ligados à área ou subárea do trabalho. Caso se faça necessário, sugestões para o aperfeiçoamento do trabalho serão dirigidas aos interessados pelo Comitê Editorial. Além da redação clara e concisa que todo trabalho submetido à boa qualidade deve possuir, pede-se evitar o estilo árido e extremamente técnico caracterı́stico de algumas publicações matemáticas, não perdendo de vista que o público-alvo ao qual se destina a revista é constituı́do por alunos de graduação. Os trabalhos submetidos até o final de um semestre letivo serão publicados na edição da revista lançada no inı́cio do semestre letivo subseqüente. Quanto às normas técnicas para submissão dos trabalhos: 1) Formato do arquivo: PDF 2) Folha: A4 3) Margens: 2,5 cm (portanto, área impressa: 16 cm x 24,7 cm) 4) Tamanho de fonte (letra): 12 pontos (exceto tı́tulos, subtı́tulos, notas de rodapé, etc, que ficam submetidos ao bom senso) 5) Orientador(es), tipo de programa e orgão de fomento (se houver) devem constar no trabalho. Envio: Por e-mail: [email protected] 10 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 11 Índice de Trabalhos Modelo Geométrico de um Robô com Estrutura Paralela 13 Rafael Gonçalves Rosa, Plı́nio José Oliveira e Sezimaria F. P. Saramago O Terceiro Problema de Hilbert 37 Fernanda Ribeiro de Moura e Luiz Alberto Duran Salomão História, Geometria e Modelagem Matemática Aprendendo Matemática com o Software Octave 41 Carlos Alberto da Silva Junior, Sandreane Poliana Silva e César G. de Almeida Algumas Noções Topológicas Associadas ao Cı́rculo Marcelo Gonçalves Oliveira Vieira e Walter dos Santos Motta Júnior 55 12 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 13 Modelo Geométrico de um Robô com Estrutura Paralela Rafael Gonçalves Rosa* *Universidade Federal de Uberlândia Campus Santa Mônica Av. João Naves de Ávila, 2160 Uberlândia (MG) – Brasil. e-mail: [email protected] Plínio José Oliveira** Sezimaria F. P. Saramago * **Universidade Federal de Goiás Campus de Catalão Av. Dr. Lamartine Pinto de Avelar, nº 1120 Catalão (GO) – Brasil.. e-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Um robô é dito manipulador serial se sua estrutura cinemática toma a forma de uma cadeia aberta, se a estrutura cinemática possui formato fechado ele é chamado manipulador paralelo. A maioria dos robôs industriais é serial, no entanto, os robôs paralelos apresentam algumas vantagens, tais como: maior resistência a esforços externos, exatidão de posicionamento, capacidade de carga maior e podem ser operados a altas velocidades e acelerações. Assim os robôs com estrutura paralela têm sido extensivamente estudados nos últimos anos para possibilitar sua utilização nas mais diversas aplicações industriais, como exemplo: empacotamento, montagem, processos de separação, simulação de movimentos, máquinas de moer e bases de máquinas-ferramenta. No Laboratório de Robótica e Mecatrônica em Cassino, Itália, foi criado um mecanismo paralelo moderno com três graus de liberdade (gdl), chamado CaPaMan ( Cassino Parallel Manipulator). Figura 1. Mecanismo de quatro barras do CaPaMan. O CaPaMan é composto de uma plataforma fixa (PF) e uma móvel (PM) as quais são conectadas entre si por três pernas, cada uma das quais fixadas à PF através de um mecanismo articulado de quatro barras, os quais se mantém sempre no plano vertical e possuem juntas rotacionais. O mecanismo de quatro barras, representado na Fig.1 é composto por: 1-base; 2manivela de entrada; 3-biela; 4-manivela de saída. Os centros das bases destes mecanismos estão dispostos nos vértices de um triângulo eqüilátero na PF, de modo que os planos que os contém, formam entre si ângulos de 120o ; atribuindo desta forma propriedades de simetria ao manipulador. As barras de ligações (conectoras) entre as pernas dos mecanismos de quatro 14 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 barras e a PM são constituídas por duas juntas; uma esférica conectando a extremidade superior da barra à PM nos respectivos Hi e a outra prismática, a qual é fixada no ponto médio e numa posição transversal à biela do mecanismo de quatro barras. Figura 2. Arquitetura da estrutura paralela CaPaMan Os principais parâmetros dimensionais do CaPaMan conforme pode ser visto na Fig.2 são: ai comprimento das bases dos mecanismos de quatro barras; mi comprimento das manivelas de entrada; ci comprimento das bielas; di comprimento das manivelas de saída; hi comprimento das barras conectoras; o raio da PM é dado por rP , distância do centro P da PM às juntas esféricas Hi ; o raio da PF é dado por rB, distância do centro O da PF aos pontos médios Oi das bases ai; Si são as coordenadas dos deslocamentos das juntas prismática; os ângulos δ i, são os ângulo de rotações estruturais entre OX1 e OXi bem como entre PH1 e PHi; as variáveis cinemáticas são os ângulos de entrada α i formados entre as bases e manivelas de entrada dos mecanismos de quatro barras (considerando em todos os parâmetros que i= 1,2,3). Para descrever o comportamento cinemático e dinâmico do CaPaMan considera-se dois sistemas: Um sistema inercial OXYZ é fixado à plataforma fixa (PF), a origem O é o centro da PF e o outro PXP YP ZP é atado à plataforma móvel (PM) e P é o centro da PM, o eixo X tem a mesma direção do segmento ligando os pontos O e O1. O eixo Z é perpendicular ao plano da PF e Y é tomado neste plano de modo a definir um sistema cartesiano. O sistema móvel PXP YP ZP é fixado de modo que o eixo XP seja coincidente com a linha unindo os pontos P e H1 e o eixo YP é colocado sobre a PM de maneira que o sistema móvel seja ortogonal. Como os planos que contém os mecanismos de quatro barras formam entre si ângulos de 120° cada sistema cartesiano de referência OiXi YiZi para i=1,2,3 é tomado de maneira que Oi coincida com o centro da base ai do mecanismo de quatro barras. O eixo Xi é perpendicular ao plano do mecanismo de quatro barras, o eixo Yi coincide com a base do mecanismo e Zi é tomado de modo que o sistema de referência OiXiYi Zi seja cartesiano. Desse modo cada Xi é girado de 120° em relação ao eixo Xi-1 . A orientação do sistema móvel PXP YP ZP fixo à PM é descrita em relação ao sistema inercial PXP YP ZP pelos ângulos de Euler θ ,ϕ e ψ , onde θ é a rotação FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 15 em torno do eixo Z, ϕ é a rotação em torno do eixo Y’, rotação que inclina a PM em relação ao sistema inercial e ψ é uma rotação em torno do eixo ZP. 2. MODELO GEOMÉTRICO O objetivo do modelo geométrico é determinar a posição de um ponto qualquer da plataforma móvel em relação ao referencial inercial OXYZ em função das variáveis de entrada do CaPaMan que são os ângulos α1 , α2 e α3 . Figura 3- Posição das plataformas como função dos ângulos de Euler A Fig.3 mostra a plataforma móvel após três rotações, de acordo com a regra da mão direita, na seguinte seqüência: A primeira rotação, de um ângulo θ = f1 ( α1 , α2 , α3 ) é realizada em torno do eixo Z no sistema OXYZ , produzindo assim um novo sistema OX 'Y ' Z ' . A segunda rotação ϕy=f2 (α1 , α2 , α3 ) é feita em torno do eixo Y’, pertencente ao sistema OX’Y’Z’, obtendo-se o sistema OX’’Y’’Z’’. A terceira rotação ψ = f3 ( α1 , α2 , α3 ) , é realizada em torno do eixo Z’’ do sistema OX’’Y’’Z’’, obtendo-se finalmente o sistema OX’’’Y’’’Z’’’. Fazendo-se a translação do sistema OX’’’Y’’’Z’’’ com centro em O, para o centro da plataforma móvel, o ponto P, obtém-se o sistema PXp Yp Zp . Considere Xp o vetor das coordenadas do ponto P em relação ao sistema OX’’’Y’’’Z’’’, e X1 o vetor das coordenadas de P em relação ao sistema OX’’Y’’Z’’, portanto: cψ − sψ 0 X = s ψ cψ 0 X 0 0 1 1 p Se X2 é o vetor das coordenadas de P em relação ao sistema OX 'Y ' Z ' , então: (2.1) 16 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 cϕy X = 0 − sϕ y 0 sϕy 1 0 X1 0 cϕy 2 (2.2) Finalmente, se X é o vetor das coordenadas de P em relação ao sistema OXYZ , tem-se: cθ − sθ 0 X = sθ cθ 0 X 2 0 0 1 (2.3) As letras c e s nas equações (2.1), (2.2) e (2.3) significam o co-seno e o seno respectivamente, dos ângulos correspondentes. Das três últimas equações obtém-se: cθ − sθ 0 cϕy X = sθ cθ 0 0 0 0 1 − sϕy 0 sϕy cψ − sψ 0 1 0 s ψ cψ 0 X 0 cϕy 0 0 1 p (2.4) Escrevendo (2.4) na forma simplificada tem-se: [ ] X = [R (θ, z )] R (ϕy , y ) [R(ψ, z )] X p (2.5) Pode-se também escrever (2.4), como: X p X p cψ sψ 0 cϕy = − s ψ cψ 0 0 0 0 1 s ϕy 0 − s ϕy cθ s θ 0 1 0 − sθ cθ 0 X 0 cϕy 0 0 1 Reescrevendo (2.6) de forma simplificada, tem-se: = [R(− ψ, z )] R(− ϕy , y ) [R(− θ , z )] X [ ] [ (2.6) (2.7) ] Fazendo R = [R(θ , z )] R(ϕy , y ) [R(ψ, z )] e efetuando o produto, obtém-se: cθ cϕy cψ − sθ.sψ − cθ cϕy sψ − sθ cψ cθ sϕy R = sθ cϕy cψ + cθ sψ − sθ cϕy sψ + cθ cψ sθ s ϕy − s ϕy cψ sϕy s ψ cϕy Observe na Fig. 3 que ϕy = π − ϕ , portanto: 2 (2.8) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 sϕy = cϕ cϕy = sϕ 17 (2.9) Substituindo (2.9) em (2.8) tem-se: cθ sϕ cψ − sθ sψ − cθ sϕ sψ − sθ cψ cθ cϕ R = sθ sϕ cψ + cθ sψ − s θ sϕ s ψ + cθ cψ sθ cϕ − cϕ cψ cϕ sψ sϕ (2.10) Assim, a Eq. (2.5) pode ser escrita da forma, X = RX p (2.11) Figura 4. Representação das extremidades das juntas esféricas (H1, H2 , H3 ). Na Fig. 4 observe que δ1 =0o , δ2 =120o e δ3 =240o . Além disso, O1 , O2 , O3 são os centros das bases fixas dos mecanismos de quatro barras. Observe simultaneamente a Fig.4 e Fig. 5 para compreender melhor os vetores descritos abaixo. Considerando em todas as equações que o índice i = 1,2,3 corresponde aos respectivos δi : ( b iy b iz )T ; bi fixo à base da plataforma fixa. (2.12) ( L iy Liz )T ; Li fixo à base da plataforma fixa. (2.13) b i = b ix L i = Lix Pi * ( = Pix * Piy * Piz ) * T ; Pi* fixo à base da plataforma fixa. (2.14) 18 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 ( Pi = Pix ) Piz T ; Pi fixo à base da plataforma móvel. Piy (2.15) Figura 5. Representação das barras de ligação entre as pernas do mecanismo de quatro barras e a PM. Da Fig.4 observa-se facilmente que: Pi = [R ] Pi + t (2.16) Pi = bi + Li (2.17) * * Os bi , na Fig. 4 são tomados de modo que b1 = b2 = b3 = rB ,portanto: bi = rB (cδi sδi 0) T (2.18) Para i = 1,2,3 em (2.18) , tem-se: b1 = (rB 0 0) T 1 b2 = − rB 2 3 rB 2 0 T 1 e b3 = − rB 2 3 − rB 2 0 T (2.19) Da Fig. 5, tem-se: ( Li )O X Y i i i Si xi = mi cαi = y i m sα + h z i i i i (2.20) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 19 Figura 6. Rotação δ i , de Li em torno do eixo ZB Observando a Fig. 6, deduz-se que: ( Li )O X B BYB Z B = [Ri ] (Li )Oi X iYi Zi (2.21) onde, cδi [Ri ] = s δi 0 − sδi cδi 0 0 0 1 (2.22) é a matriz de rotação de um ângulo δi em torno do eixo Z B . cδi ( Li )OB X B Y B Z B = Li = sδi 0 − s δi cδi 0 0 Si xi 0 mi cαi = [Ri ] y i z 1 mi sαi + hi i Si cδi − mi .sδi cαi xi cδi − yi sδi ⇒ Li = Si sδi + mi cδi cαi = xi sδi + yi cδi mi sαi + hi zi (2.23) (2.24) Como δ i = 0° δ2 = 120° e δ3 = 240° , para i = 1,2,3 ,resulta: S1 x1 L1 = m1 cα1 = y1 m sα + h z 1 1 1 1 (2.25) 20 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 1 − S 2 − 3 m 2 c α2 − 2 2 3 1 L2 = S2 − m2 c α2 = 2 2 m 2 sα2 + h 2 3 y2 2 1 y2 2 1 x2 − 2 3 x2 − 2 z2 1 − S 3 + 3 m 3 c α3 − 1 x 3 + 3 y 3 2 2 2 2 3 1 3 1 L3 = − S3 − m 3 c α3 = − x3 − y3 2 2 2 2 m3 sα3 + h3 z3 Pi = rP (cδi sδi (2.26) (2.27) 0) T (2.28) onde, rP = P1 = P2 = P3 (2.29) Fazendo i = 1,2,3 em (2.28) obtém-se: P1 = (rP 0 0) T 1 P2 = − rP 2 3 rP 2 0 T 1 e P3 = − rP 2 3 − rP 2 0 T (2.30) Da Fig. 4 observa-se que o ponto P, extremidade do vetor t é o baricentro do triângulo eqüilátero formado pelos pontos H1 , H2 e H3 , os quais são extremidades dos vetores P1* , * P2 * e P3 respectivamente, desta forma conclui-se que: t= ( 1 * P1 + P2 * + P3 * 3 ) (2.31) Substituindo a Eq.(2.17) em (2.31), obtém-se: t= 1 [(b1 + L1 ) + (b2 + L2 ) + (b3 + L3 )] 3 (2.32) * De (2.17) , da Fig. 4 e do fato da extremidade do vetor Pi coincidir com a extremidade do vetor H i conclui-se que: xH i y Hi z Hi = bi + Li Fazendo em (2.33) , i = 1,2,3 , tem-se : (2.33) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 21 x H r B S1 r B + x 1 1 y H1 = 0 + y 1 = y 1 z H 1 0 z1 z1 xH 2 y H2 zH 2 xH 3 y H3 zH3 (2.34) 1 3 1 3 1 y 2 − r B − x2 − y2 − x2 − 2 2 2 2 2 3 3 1 3 1 + 2 x 2 − 2 y 2 = 2 rB + 2 x 2 − 2 y 2 z2 z2 1 − rB 2 3 = rB 20 1 − rB 2 3 = − rB 20 1 3 1 3 1 y 3 − rB − x 3 + y3 − x3 + 2 2 2 2 2 3 1 3 3 1 + − 2 x3 − 2 y 3 = − 2 r B − 2 x3 − 2 y 3 z3 z3 (2.35) (2.36) De (2.32), x H x H 1 1 2 t = y H1 + y H 2 3 z z H 1 H 2 xH 3 + y H3 zH3 (2.37) Efetua ndo os cálculos obtém-se: x1 − 1 x2 2 1 3 t = x2 − 3 2 Fazendo xH i y Hi y Hi 1 3 3 x3 − y2 + y3 2 2 2 3 1 1 x3 + y 1 − y 2 − y 3 2 2 2 z1 + z 2 + z 3 − R 11 R = R 21 R 31 R11 R 12 = R 21 R 22 R 31 R 32 R 12 R 22 R 32 R13 R 23 R 33 x = y z (2.38) e substituindo em (2.16) obtém-se: R 13 x R 23 Pi + y z R 33 (2.39) para i = 1 , usando a Eq. (2.30), a Eq. (2.39) se reduz a, x H r P R 11 x 1 y H 1 = rP R 21 + y y H 1 r P R 31 z (2.40) 22 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 para i = 2 a Eq. (1.24) se reduz a, xH 2 y H2 y H2 1 − r P R 11 + 3 r P R 12 2 2 x 1 3 = − r P R 21 + r P R 22 + y 2 2 z 3 1 − 2 r P R 31 + 2 r P R 32 (2.41) para i = 3 a Eq. (1.24) se reduz a, xH 3 y H3 y H3 1 − r P R 11 − 3 r P R 12 2 2 1 3 = − r P R 21 − r P R 22 2 2 3 1 − 2 r P R 31 − 2 r P R 32 de (2.16) e (2.17), tem-se: x + y z (2.42) bi + Li = [R] Pi + t (2.43) Para i = 1 , usando a Eq.(2.34), a Eq.(2.43) se transforma em: rB + x1 r P R 11 x y 1 = r P R 21 + y z r R z 1 P 31 (2.44) Para i = 2 , usando a Eq.(2.35) a Eq.(2.43) se transforma em: 1 − rB − 1 x 2 − 3 y 2 − 1 rP R 11 + 3 r P R 12 2 2 2 2 2 x 3 1 3 1 3 rB + x 2 − y 2 = − r P R 21 + r P R 22 + y 2 2 2 2 2 z z2 3 1 − r R + r R P 32 2 P 31 2 (2.45) Para i = 3 , usando a Eq.(2.36), a Eq.(2.43) se transforma em: 1 − rB − 1 x 3 + 3 y 3 − 1 rP R11 − 2 2 2 2 3 3 1 1 rB − x − y = − r R − − 2 3 2 3 2 P 21 2 z3 − 1 r R − 2 P 31 x rB − rP R11 + x1 ⇒ y = − rP R21 + y1 z −r R + z P 31 1 3 rP R12 2 x 3 rP R22 + y 2 z 3 rP R32 2 (2.46) (2.47) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 23 Da primeira linha da equação matricial (2.47) retira-se que x1 = x − rB + rP R11 como Pi = bi conclui-se que rB = rP portanto, x1 = x − rP (1 − R11 ) (2.48) E da segunda linha da equação matricial (2.47), resulta: y = −rP R21 + y1 = y1 − rp (cθ sψ + sθ sϕ cψ) y = y1 − r p ( cθ sψ + sθ sϕ cψ) Portanto, (2.49) (2.50) De (2.45) tem-se também que, y= 3 1 3 3 1 rB + rP R21 − rP R22 + x2 − y2 2 2 2 2 2 (2.51) Comparando (2.50) e (2.51), 3 1 3 3 1 rB + rP R21 − rP R22 + x 2 − y 2 = y1 − rP R21 2 2 2 2 2 isolando x 2 nesta última equação, obtém-se: x 2 = −rB − 3 2 1 rP R21 + rP R22 + y1 + y2 3 3 3 (2.52) como rP = rB , colocando-se rP em evidência, obtém-se: ( ) x 2 = −rP 1 + 3 R21 − R22 + 2 1 y1 + y2 3 3 (2.53) Da segunda linha de (2.46), y=− 3 1 3 3 1 rB + rP R21 + rP R22 − x 3 − y3 2 2 2 2 2 (2.54) Comparando as Eqs. (2.50) e (2.54), tem-se: y1 − rP R21 = − 3 1 3 3 1 rB + rP R21 + rP R22 − x 3 − y3 2 2 2 2 2 (2.55) isolando x3 na Eq.(2.55) ,obtém-se: ( ) x 3 = −rP 1 − 3 R21 − R22 − 1 2 y3 − y1 3 3 (2.56) 24 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2.1 . Cálculo do ângulo ψ . Da primeira linha da equação matricial (2.38), 1 1 1 3 3 x = x1 − x 2 − x 3 − y2 + y 3 3 2 2 2 2 (2.57) Substituindo-se as Eqs.(2.53), (2.56) e (2.48) na Eq.(2.57), tem-se: x= 1 2 3 2 3 y2 + y3 x + ( R11 − R22 ) rP − 3 3 3 (2.58) isolando x em (2.58) tem-se: x= y 3 − y 2 rP + (R11 − R22 ) 2 3 (2.59) substituindo R11 e R12 em (2.59), resulta: x= y 3 − y 2 rP − [cθ cψ + s θ s ψ − cθ sϕ cψ − s θ sϕ sψ] 2 3 (2.60) De (2.60) , por fatoração , tem-se: x= y3 − y 2 rP − (1 − s ϕ) c (ψ − θ ) 2 3 (2.61) Da terceira linha da equação matricial (2.45), tem-se: 1 3 z 2 = − rP R31 + rP R32 + z 2 2 (2.62) Da terceira linha da equação matricial (2.46), obtém-se: 1 3 z 3 = − rP R31 − rP R32 + z 2 2 (2.63) Subtraindo-se (2.63) de (2.62), tem-se: z 2 − z 3 = 3 rP R32 substituindo R32 em (2.64) e isolando sψ ,obtém-se: (2.64) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 sψ = z 2 − z3 25 (2.65) 3 rP cϕ Somando-se (2.62) e (2.63), obtém-se: z 2 + z 3 = −rP R31 + 2 z (2.66) Mas, de (2.44) verifica-se que, z = − rP R31 + z1 (2.67) Substituindo (2.67) em (2.66), resulta: z 2 + z 3 = −3 rP R31 + 2 z1 (2. substituindo R31 em (2.68) e isolando cψ , cψ = z 2 + z 3 − 2 z1 3 rP cϕ (2.69) Dividindo (2.65) por (2.69), tgψ = 3 z3 − z2 2 z1 − z 2 − z 3 (2.70) Resolvendo a Eq. (2.70) em ψ , z 3 − z2 ψ = tg −1 3 2 z − z − z 1 2 3 2.2 (2.71) Cálculo do ângulo ϕ De (2.64), tem-se: z 2 − z 3 = 3 rP cϕsψ (2.72) De (2.68), tem-se: z 2 + z 3 − 2 z1 = 3 rP cϕcψ (2.73) Elevando-se ao quadrado ambos os membros de (2.72) e (2.73) respectivamente, obtém-se: ( z 2 − z 3 )2 = 3 rP cϕ2 sψ 2 2 (2.74) 26 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 ( z2 + z3 − 2 z1 ) 2 = 9 rP cϕ2 cψ 2 2 (2.75) Multiplicando (2.74) por três, 3 ( z 2 − z 3 ) = 9 rP cϕ2 sψ 2 2 2 (2.76) Somando-se as Eqs.(2.75) e (2.76), ( 3 ( z 2 − z 3 ) + ( z 2 + z 3 − 2 z1 ) = 9 rP cϕ2 sψ 2 + cψ 2 2 2 2 ) (2.77) como sψ 2 + cψ 2 = 1 , a Eq. (2.77) se reduz a: 3 ( z 2 − z 3 ) + ( z 2 + z 3 − 2 z1 ) = 9 rP cϕ2 2 2 2 (2.78) desenvolvendo os quadrados em (2.78) e resolvendo em cϕ2 , cϕ2 = ( 4 z12 + z 2 2 + z3 2 − z1 z 2 − z1 z3 − z 2 z 3 9 rP 2 ) (2.79) De (2.79), cϕ = ± 2 3 rP z1 2 + z 2 2 + z 3 2 − z1 z 2 − z 1 z 3 − z 2 z 3 (2.80) Resolvendo (2.80) em ϕ , 2 ϕ = cos −1 ± 3 rP 2.3 2 2 2 z 1 + z 2 + z 3 − z 1 z 2 − z 1 z 3 − z 2 z 3 (2.81) Cálculo do ângulo θ Da primeira linha da equação matricial (2.45), 1 1 3 1 3 x = − rB + rP R11 − rP R12 − x 2 − y2 2 2 2 2 2 (2.86) Da primeira linha da equação matricial (2.46), 1 1 3 1 3 x = − rB + rP R11 + rP R12 − x 3 + y3 2 2 2 2 2 Comparando (2.86) e (2.87), obtém-se: (2.87) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 27 x 3 − x 2 = 3 y 3 + 3 y 2 + 2 3 rP R12 (2.88) Da segunda linha da equação matricial (2.45), y= 3 1 3 3 1 rB + rP R21 − rP R22 + x2 − y 2 2 2 2 2 2 (2.89) Da segunda linha da equação matricial (2.46), y=− 3 1 3 3 1 rB + rP R21 + rP R22 − x 3 − y3 2 2 2 2 2 (2.90) Somando-se as Eqs.(2.89) e (2.90), 2 y = rP R21 − 3 (x3 − x2 ) − 1 y2 − 1 y3 2 2 2 (2.91) Da segunda linha da equação matricial (2.47), y = y1 − rP R21 (2.92) Substituindo (2.88) e (2.92) em (2.91), R21 − R12 = 2 ( y1 + y 2 + y 3 ) 3 rP (2.93) Substituindo R21 e R12 em (2.93), sθ cψ + cθ sψ + sθ sϕ cψ + cθ s ϕ sψ = (1 + sϕ) sen(θ + ψ) = sen (θ + ψ ) = 2 ( y1 + y 2 + y 3 ) 3 rP 2 ( y1 + y 2 + y 3 ) 3 rP (1 + sϕ ) 2 ( y1 + y 2 + y3 ) 3 rP ⇒ ⇒ (2.94) Resolvendo (2.94), 2 ( y1 + y 2 + y3 ) θ + ψ = sen −1 3 rP (1 + s ϕ) Da Eq. (2.95), (295) 28 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2 ( y1 + y 2 + y 3 ) θ = sen −1 −ψ 3 rP (1 + sϕ) (2.96) Portanto , os ângulos ψ , ϕ e θ são dados, respectivamente, pelas equações: z3 − z2 ψ = tg −1 3 2 z1 − z 2 − z 3 2 2 2 2 −1 z1 + z 2 + z3 − z1 z 2 − z1 z 3 − z 2 z 3 ϕ = cos ± 3 rP 2 ( y + y + y ) 1 2 3 θ = sen −1 −ψ 3 rP (1 + s ϕ) A ambigüidade existente na Eq. (2. 81) que define o ângulo ϕ, devido ao sinal ± pode ser resolvida considerando a geometria e modelo do CaPaMan que faz com que ϕ seja maior que 90° quando a ordenada z do ponto H1 é maior que a ordenada z do ponto P eϕ seja menor que 90° caso contrário. Portanto se z ≥ z1 usa-se o sinal (+) em ϕ, caso contrário usa-se (-). Quando z1 =z2 =z3 , ψ e θ são indeterminados, mas a soma destes ângulos pode ser dada pela equação (2.96) As coordenadas y1 , y 2 , y 3 , z1 , z 2 , z 3 são obtidas a partir das equações matriciais (2.25) , (2.26) e (2.27) .Observando estas equações, verifica-se que os ângulos ψ , ϕ e θ, dependem dos parâmetros dimensionais do robô mi , hi , Si e dos ângulos de entrada αi , ( i = 1,2,3 ) formados pelos braços laterais dos três mecanismos de quatro barras acoplados à plataforma fixa. Portanto a plataforma móvel (PM) tem posição dada pelas Eqs.(2.38), (2.50), (2.61) e orientação definidas pelas Eqs. (2.71), (2.81) e (2.96). 2.4 Cálculo do deslocamento Si da junta prismática Relembrando que o ponto P é extremidade do vetor t, e usando a Eq.(2.16), tem-se [ ] Pi = P + R Pi * (2.97) * Substituindo Pi , P e Pi em (2.97) , tem-se: xH i y Hi z Hi x cδi = y + rP R sδi z 0 [ ] (2.98) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 29 Substituindo [R] e efetuando o produto matricial em (2.98), obtém-se: xH i y Hi z Hi x cδi R11 + sδi R12 = y + rP cδi R21 + sδi R22 z cδ R + sδ R32 i i 31 Pode-se também , obter * Pi da Fig.5 através da seguinte equação matricial: bi + S i Pi = [Ri ] mi cαi m sα + h i i i * Substituindo [Ri ] e Pi xH i cδi y H i = sδi z 0 Hi − sδi cδi 0 * (2.99) (2.100) em (2.100) 0 bi + S i 0 mi cαi 1 mi sαi + hi (2.101) Efetuando-se o produto matricial xH i y Hi z Hi cδi (bi + S i ) − sδi mi cαi = sδi (bi + S i ) + cδi mi cαi mi sα + hi (2.102) Comparando a primeira linha da equação matricial (2.99) com a primeira da (2.102), obtémse: x + rP (cδi R11 + sδi R12 ) = cδi (bi + S i ) − sδi mi cαi (2.103) Observando que mi = b (braço do mecanismo de 4 barras) para i = 1,2,3 . E considerando que bi = rB = rP com i = 1,2,3 pode-se escrever (2.103) como: x + rP (cδi R11 + s δi R12 ) = cδi (rP + S i ) − sδi b cαi (2.104) De (2.104), tem-se: cδi (rP + S i ) = x + rP (cδi R11 + sδi R12 ) + sδi b cαi (2.105) Dividindo (2.105) por cδi , tem-se: rP + S i = x + rP ( R11 + tgδi R12 ) + tgδi b cαi cδi (2.106) 30 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Mas conforme segunda linha da equação matricial ( 2.20) sabe-se que mi cαi = y i , como mi = b , resulta : y i = b cαi (2.107) Finalmente pode-se escrever: Si = x + rP ( R11 + tgδi R12 ) + y i tgδi − rP cδi (2.108) Conseqüentemente, o movimento é possível ou não, se o deslocamento Si estiver dentro dos limites da junta prismática. 3. CINEMÁTICA DO CAPAMAN Como na robótica industrial as unidades de motor são controladas em posição e velocidade, o movimento de entrada pode ser dado por uma função cúbica do tempo t entre os ângulos inicial α ii e final α if nos respectivos tempos tii e tif por: αi = αii + 3 (αif − αii ) (t if − t ii ) 2 t2 − 2 (αif − αii ) (t if − t ii ) 3 t3 (3.1) As derivadas temporais de primeira e segunda ordem de (3.1) são dadas por: • αi = •• αi = 6 (αif − αii ) (t if − t ii ) 2 t − 6 (αif − αii ) (t if − t ii ) 3 t2 6 (αif − αii ) 12 (αif − αii ) − t (t if − tii )2 (tif − tii )3 (3.2) (3.3) Da segunda e terceira linha da equação matricial (2.20) tem-se: y i = mi cαi (3.4) z i = mi sαi + hi (3.5) Assim, as equações obtidas na seção anterior serão usadas para simular as operações cinemáticas do CaPaMan, considerando que as dimensões e parâmetros de movimento são fornecidos. As componentes de velocidade e aceleração do ponto P são calculadas à partir das Eqs. (2.38),(2.50) e (2.61) obtendo-se a primeira e segunda derivada de cada uma destas equações.As derivadas primeira e segunda são representadas, respectivamente, pelas equações matriciais: FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 31 • 1 1 • • 0 − z y x 1 0 0 0 • •1 3 3 • y = 1 0 0 y2 + 0 0 0 z2 + • • 1 1 1 • z 0 0 0 y z 3 3 3 3 3 (1 − sϕ )s (ψ − θ) cϕ c(ψ − θ) (1 − sϕ) s(ψ − θ) • − θ 2 2 2 • rP − (sϕ cθ cψ − sθ sψ ) − cϕ sθ cψ sϕ sθ sψ − cθ cψ ϕ • 0 0 0 ψ (3.6) •• 1 1 •• z •x• 0 − y •• 3 3 ••1 0 0 0 ••1 y = 1 0 0 y2 + 0 0 0 z 2 + 1 1 1 •• •• •• 0 0 y3 z 0 3 3 3 z3 (1 − sϕ) s(ψ − θ) cϕ c(ψ − θ) (1 − sϕ )s(ψ − θ ) •• − θ 2 2 2 •• rP − (sϕ cθ cψ − sθ sψ ) − cϕ sθ cψ sϕ sθ sψ − cθ cψ ϕ + •• ψ 0 0 0 sϕ c(ψ − θ ) (1 − sϕ)c(ψ − θ ) • 2 (1 − sϕ )c(ψ − θ) − θ 2 2 2 • 2 rP sϕ sθ cψ − cθ sψ sϕ sθ cψ sϕ sθ cψ − cθ sψ ϕ + 2 • 0 0 0 ψ cϕ s(ψ − θ) rP − 2 cϕ cθ cψ 0 − (1 − sϕ )c(ψ − θ) 2 (sϕ cθ sψ + sθ cψ) 0 − cϕ s(ψ − θ ) θ ϕ • • • • 2 cϕ sθ sψ θ ψ • • 0 ϕ ψ (3.7) onde, as expressões da primeira e segunda derivadas das coordenadas yi e z i são dadas respectivamente por: • • y i = −mi αi sαi • (3.8) • z i = mi αi cαi •• •• (3.9) • 2 y i = −mi αi sαi − mi αi cαi •• •• (3.10) • 2 z i = mi αi cαi − mi αi sαi (3.11) 32 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 De modo análogo, as velocidades e acelerações angulares são deduzidas derivando-se as equações dos ângulos de Euler, utilizando as Eqs. (2.71), (2.81) e (2.96). Para simplificar as expressões das derivadas, usaremos a notação Vi para representar parte destas expressões. • • • 3 ( z − z ) z − ( z − z ) z + ( z − z ) z 2 3 1 1 3 2 1 2 3 2 V1 • ψ= (3.12) onde, V1 = z1 + z 2 + z 3 − z 1 z 2 − z1 z 3 − z 2 z 3 , 2 • ϕ= ± (9 r P 2 • • • ( 2 z − z − z ) z + ( − z + 2 z − z ) z + ( − z − z + 2 z ) z 2 3 1 1 2 3 2 1 2 3 3 1 − 4 V1 V1 1 2 2 ) (3.13) • se z ≥ z 1 usa-se o sinal (-) em ϕ , caso contrário usa-se (+). Observe que z é a terceira componente do ponto P (centro da plataforma móvel). • θ= • 2 • y• + y• + y• − ( y + y + y )ϕ ( 1 + s ϕ ) c ϕ 1 2 3 1 2 3 −ψ (1 + sϕ) V2 onde •• ψ= V2 = 9 rP (1 + sϕ) − 4 ( y1 + y 2 + y3 ) 2 (3.14) 2 •• •• •• 3 ( z − z ) z − ( z − z ) z + ( z − z ) z 2 3 1 1 3 2 1 2 3 + 2 V1 • 2 3 − ( z 2 − z 3 )(2 z1 − z 2 − z 3 ) z1 + + 2 2 2 • • 2V1 + ( z − z )( − z + 2 z − z ) z − ( z − z )( − z − z + 2 z ) z 1 3 1 2 3 2 1 2 1 2 3 3 • • • • 3 − (z 1 − z 2 )(− z1 − z 2 + 2 z 3 ) z 1 z 2 + ( z1 − z 3 )(− z1 + 2 z 2 − z 3 ) z1 z 3 − + 2 V1 − (z − z )(2 z − z − z ) z• z• 2 3 1 2 3 2 3 •• •• •• 1 (2 z − z 2 − z3 ) z1 + (− z1 + 2 z 2 − z 3 ) z 2 + (− z1 − z 2 + 2 z 3 ) z3 + 9 r 2 − 4 V V 1 P 1 1 2 2 2 •• • • • 1 V3 z1 + V4 z2 + V 5 z 3 + ϕ = ± + (3.15) 3 2 2 9 rP − 4 V1 V1 • • • • • • 1 2 2 2 V5 − 27 rP V1 z1 z 2 + V 4 − 27 rP V1 z1 z3 + V3 − 27 rP V1 z 2 z3 3 2 9 rP − 4 V1 V1 ( ) [( [( ) ] ( ) ] ) ( ) ( ) FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 33 •• se z ≥ z 1 usa-se o sinal (-) em ϕ , caso contrário usa-se (+). Observe que na Eq.(3.15) tem-se as quantidades: ( 2 ( 2 ( 2 V3 = 16V1 + 3 ( z 2 − z 3 ) 9 rP − 8V1 2 2 V4 =16 V1 + 3 ( z1 − z 3 ) 9 rP − 8V1 2 2 V5 = 16V1 + 3 (z 1 − z 2 ) 9 rP − 8 V1 2 •• θ= 2 ) ) ) 2 •• •• •• 2 ( y 1 + y2 + y 3 ) cϕ •• 8 ( y1 + y 2 + y 3 ) • 2 • 2 • 2 y1 + y 2 + y 3 + y1 + y 2 + y3 − ϕ + V2 (1 + sϕ) V2 V2 3 ( y1 + y 2 + y3 )[18 rP 2 (1 + sϕ) c 2 ϕ + 2V2 ] • 2 16 ( y 1 + y 2 + y 3 ) • • • • • • + ϕ + y1 y 2 + y1 y 3 + y 2 y 3 − 3 (1 + sϕ) V2 3 V2 2 2 36 rP (1 + sϕ) cϕ • 2 • 2 • 2 • • y1 + y 2 + y 3 ϕ −ψ − 3 (1 + sϕ) V2 (3.16) As componentes do vetor velocidade angular ω podem ser escritas em termos dos ângulos de Euler e suas derivadas temporais , da seguinte forma: • ωx − cϕ cψ s ψ 0 θ• ωy = cϕ sψ cψ 0 ϕ • ω sϕ 0 1 ψ z (3.17) • Derivando-se as equações em (3.17), as componentes do vetor aceleração ω , são escritas como: •• ω• • • x cϕ cψ sψ 0 θ sϕ cψ cϕ sψ cψ θ ϕ •• • • • ω = c ϕ s ψ c ψ 0 ϕ + − s ϕ s ψ c ϕ c ψ − s ψ θ ψ y •• • • • s ϕ 0 1 c ϕ 0 0 ψ ϕψ ωz (3.18) 4. FLUXOGRAMA Utilizando-se as equações anteriores construiu-se um programa computacional que calcula a trajetória e as variáveis cinemáticas do robô. A Fig. 7 representa um fluxograma que mostra a seqüência de cálculo utilizada no programa. 34 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Figura 7 . Fluxograma para o cálculo modelo geométrico e cinemático do CaPaMan. 5. CONCLUSÕES Neste trabalho é apresentado o modelo geométrico e cinemático para o manipulador paralelo CaPaMan. O modelo geométrico foi desenvolvido usando matrizes de transformação e os ângulos de Euler. Este modelo permite determinar a posição de um ponto qualquer da plataforma móvel em relação ao referencial inercial, em função dos ângulos impostos à FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 35 manivela de entrada, através dos atuadores. Conhecendo-se os ângulos iniciais e finais de cada mecanismo, a trajetória pode ser calculada assumindo que os ângulos de entrada são representados por uma função cúbica do tempo t. A modelagem cinemática é obtida derivando-se a equação da trajetória em relação ao tempo. A continuação desta pesquisa prevê o cálculo do modelo dinâmico que será desenvolvido utilizando as equações de Newton-Euler. A cadeia cinemática peculiar e as propriedades de simetria da arquitetura do CaPaMan serão úteis nesta formulação, pois permitirão calcular os torques de entrada, responsáveis pela obtenção de uma determinada trajetória da plataforma móvel. O artigo desenvolvido por Saramago e Steffen (1998) descreve a otimização de trajetórias para robôs manipuladores. A idéia, para trabalhos futuros, é utilizar a metodologia desenvolvida e aplicá-la na estrutura paralela (CaPaMan). 6. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro ao presente trabalho, através do projeto A-012/2003. 7. BIBLIOGRAFIA Tsai, L.-W., 1999, Robot Analysis: The Mechanics of Serial and Parallel Manipulators, John Wiley & Sons, N.York. Bezerra, C.A.D, Carvalho, J.C.M., 1998, Formulation of the Direct and Inverse Geometric Model of the Fully Parallel Cartesian Structure, RCBM – J. of the Brazilian Society of Mechanical Sciences, vol. XX, no 3, pp.445-453. Bezerra, C.A.D., 1996, Modelagem Geométrica da Estrutura Cartesiana Totalmente Paralela, Tese de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, abril 1996. Byun, Y.K., Cho, H.S., 1997, Analysis of a Novel 6-dof, 3-PPSP Parallel Manipulator, The International J. of Robotics Research, 16(6), pp.859-872. Carvalho, J.C.M., Bezerra, C.A.D., 1997, Formulation of the Direct and Inverse Geometric Model of the Fully Parallel Cartesian Structure, Proc. of DINAME’97, Angra dos Reis 0307 March 97, pp.136-138. 36 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 37 O TERCEIRO PROBLEMA DE HILBERT Fernanda Ribeiro de Moura Programa Institucional de Iniciação Científica e Monitoria da Faculdade de Matemática – PROMAT [email protected] Luiz Alberto Duran Salomão Professor orientador [email protected] Faculdade de Matemática – FAMAT Universidade Federal de Uberlândia – UFU 38400-902 – Uberlândia – MG Introdução Dois polígonos P e P’ dizem-se eqüidecomponíveis quando existem decomposições P = P1 ∪ P2 ∪ . . . ∪ Pn e P’ = P’1 ∪ P’2 ∪ . . . ∪ P’n de tal modo que cada polígono Pi é congruente ao polígono P’i , para i = 1, 2, ..., n. Além disso, exige-se que os polígonos Pi tenham seus interiores dois a dois disjuntos, o mesmo ocorrendo com os P’i . Se dois polígonos são eqüidecomponíveis então é claro que eles têm a mesma área. A recíproca dessa afirmação, embora não seja evidente, também é verdadeira e foi demonstrada, em 1832, pelo matemático húngaro Farkas Bolyai e, independentemente, em 1833, por P. Gerwien. Farkas Bolyai era o pai do famoso matemático Janos Bolyai, um dos descobridores da geometria hiperbólica. Gerwien era um matemático amador alemão. O Teorema de F. Bolyai é um fato geométrico interessante cuja prova se baseia em argumentos bem simples (veja referência [1] ). É uma questão natural investigar se o Teorema de F. Bolyai, citado acima, generalizase para poliedros, no espaço de dimensão três. Este problema foi incluído por David Hilbert na sua famosa lista de vinte e três problemas, apresentada no Congresso Internacional de Matemática, em Paris, no ano de 1900. Na verdade, trata-se do terceiro problema da referida lista e indaga se dois poliedros de mesmo volume são sempre eqüidecomponíveis. A solução desse problema foi dada, apenas seis meses após sua apresentação, por Max Dehn, um aluno de Hilbert. Neste trabalho, estudamos uma versão do Teorema de Dehn que nos permite concluir que a questão formulada por Hilbert no seu terceiro problema tem resposta negativa. 38 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 1. Uma breve nota sobre Álgebra Linear Dado um conjunto finito M = {m1, m2, . . . ,mk} de números reais, definimos V(M) como o conjunto de todas as combinações lineares dos elementos de M, com coeficientes racionais. Observe que V(M) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre o corpo Q dos números racionais. Além disso, veja que a dimensão de V(M) sobre Q é, no máximo, k. Um resultado que utilizaremos no desenvolvimento deste trabalho é o seguinte: Teorema 1: Para quaisquer subconjuntos finitos M e M’ dos números reais, com M ⊂ M’ , o espaço vetorial V(M) sobre Q é um subespaço vetorial de V(M’ ) sobre Q. Assim, se f : V(M) → Q é uma função Q-linear, então f pode ser estendida a uma função Q-linear f’ : V(M’ ) → Q, de modo que f’ (m) = f(m), para todo m pertencente a M. 2. Dois resultados sobre irracionalidade O resultado a seguir é de fundamental importância para o propósito deste artigo. Ele será utilizado para responder a questão contida no terceiro problema de Hilbert. Teorema 2.1: Para cada inteiro ímpar n ≥ 3, o número é irracional. 1 1 arccos π n θ p 1 Demonstração: Seja θ = arccos . Suponha que = , onde p e q são inteiros e q > 0. π q n Assim, q θ = p π e, conseqüentemente, cos(q θ ) = ± 1, que é um inteiro. Teremos um absurdo mostrando a seguinte afirmação: a cos(q θ ) = q , com mdc(a, n) = 1. n Para demonstrá-la, vamos aplicar o 2o Princípio de Indução Finita, sobre q. Para q = 1, a 1 afirmação é claramente verdadeira pois cos θ = . Admita, agora, a afirmação verdadeira n para 2, . . ., q. Utilizando a fórmula de adição para o cosseno, temos 2 cos(q + 1) θ = cos(q θ ) - cos(q – 1) θ . n 2 a b 2a − bn 2 Portanto, pela hipótese de indução, cos(q + 1) θ = = , onde mdc(a, n) n n q n q −1 n q +1 = mdc(b, n) = 1. Sendo n um inteiro ímpar, é fácil verificar que mdc(2a – bn2, n) =1, o que conclui a demonstração da afirmação. Teorema 2.2: Para cada inteiro ímpar n é irracional. ≥ 3, o número 1 1 arccos π n A demonstração deste último teorema é análoga à do Teorema 2.1. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 39 3. O teorema de Dehn-Hadwiger Se P representa um poliedro, vamos denotar por MP o conjunto de todos os ângulos diédricos de P ( isto é, os ângulos formados por faces adjacentes de P ) e mais o número π . Assim, por π exemplo, para um cubo C, temos que MC = { , π }. Para um prisma ortogonal L sobre um 2 π π triângulo equilátero, temos ML = { , , π }. 3 2 Para qualquer subconjunto finito M dos números reais que contenha MP, e qualquer função Q-linear f : V(M) → Q que satisfaça a condição f( π ) = 0, definimos o invariante de Dehn de P ( com respeito a f ) como o número real Df (P) = ∑ l (e) f (α (e)) , e ∈P onde temos uma parcela para cada aresta e do poliedro P, l(e) denota o comprimento de e e α (e) é o ângulo entre duas faces que se encontram em e. Assim, por exemplo, se C é o cubo, Df (C) = 0, com respeito a qualquer função f. De forma análoga à que definimos polígonos eqüidecomponíveis, vamos definir poliedros eqüidecomponíveis. Assim, dois poliedros P e P’ dizem-se eqüidecomponíveis quando existem decomposições P = P1 ∪ P2 ∪ . . . ∪ Pn e P’ = P’ 1 ∪ P’ 2 ∪ . . . ∪ P’ n de tal modo que cada poliedro Pi é congruente ao poliedro P’ i , para i = 1, 2, ..., n; além disso, os poliedros Pi deverão ter seus interiores dois a dois disjuntos, o mesmo ocorrendo com os P’ i . Dois poliedros P e Q são ditos eqüicomplementáveis se existem poliedros P1 , . . . , Pn e Q1 , . . . , Qn de modo que - os interiores dos Pi sejam disjuntos dois a dois e também de P, - os interiores dos Qi sejam disjuntos dois a dois e também de Q, - Pi e Qi sejam congruentes para todo i e - P = P ∪ P1 ∪ P2 ∪ . . . ∪ Pn e Q = Q ∪ Q1 ∪ Q2 ∪ . . . ∪ Qn sejam eqüidecomponíveis. É fácil ver que poliedros eqüidecomponíveis são eqüicomplementáveis. Teorema 3: Sejam P e Q poliedros com ângulos diédricos α 1, α 2, . . . , α p e, respectivamente, β 1 , β 2 , . . . , β q. Seja, agora, M um conjunto finito de números reais contendo { α 1 , α 2 , . . . , α p , β 1 , β 2 , . . . , β q , π }. Se f : V(M) → Q é qualquer função Q-linear, com f ( π ) = 0, tal que Df (P) ≠ Df (Q) então P e Q não são eqüicomplementáveis (e, conseqüentemente, não eqüidecomponíveis). Demonstração: A demonstração se baseia em dois argumentos. O primeiro é que se um poliedro P tem uma decomposição em um número finito de peças poliedrais P1 , . . . , Pn e se todos os ângulos diédricos das peças P1 , . . . , Pn estão contidos em um conjunto M, então, para cada função Q-linear f : V(M) → Q, os invariantes de Dehn dos poliedros envolvidos satisfazem a relação Df (P) = Df (P1) + Df (P2) + . . . + Df (Pn). Para justificar esta afirmação, vamos definir o peso de uma parte e’ de uma aresta e de P como o produto l(e’ ) f( α (e’ )). Considere, agora, o conjunto de todas as arestas e’ das peças 40 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Pi . Se e’ estiver contida em alguma aresta e de P, a soma dos ângulos diédricos em e’ será a mesma que em e; quando somados os pesos, os resultados serão os mesmos em ambos os membros da igualdade. Se e’ estiver contida em uma face de P ou no interior de P a soma dos ângulos dá π ou 2 π , respectivamente, e, como f( π ) = f(2 π ) = 0, segue a conclusão. A segunda parte consiste em uma prova por redução ao absurdo. Assuma que P e Q são eqüicomplementáveis, isto é, P = P ∪ P1 ∪ P2 ∪ . . . ∪ Pn e Q = Q ∪ Q1 ∪ Q2 ∪ . . . ∪ Qn são eqüidecomponíveis. Podemos estender o conjunto M a um conjunto M’ que inclua todos os ângulos diédricos que apareçam em quaisquer das peças poliedrais envolvidas nas decomposições de P e Q . Pelo Teorema 1, podemos estender f a uma função Q-linear f’ : V(M’ ) → Q e, pelo primeiro argumento, resulta a igualdade Df’ (P) + Df’ (P1) + Df’ (P2) + . . . + Df’ (Pn) = Df’ (Q) + Df’ (Q1) + Df’ (Q2) + . . . + Df’ (Qn). Como Df’ (Pi) = Df’ (Qi), pois Pi e Qi são congruentes, segue que Df’ (P) = Df’ (Q) e, conseqüentemente, Df (P) = Df (Q), o que é uma contradição. 4. Conclusão Os dois exemplos que veremos a seguir permitem-nos concluir que a questão formulada por Hilbert em seu terceiro problema tem resposta negativa, isto é, dois poliedros de mesmo volume não são necessariamente eqüidecomponíveis. Exemplo 1: Considere um tetraedro regular T com arestas de comprimento l. O ângulo 1 diédrico α pode ser facilmente calculado; seu valor é arccos . Faça M = { α , π }. Pelo 3 α Teorema 2.1, a razão é irracional (basta fazer n = 3). Assim, o espaço vetorial V(M) sobre π o corpo Q tem dimensão 2, com base M, e existe uma função Q-linear f : V(M) → Q com f( α ) = 1 e f ( π ) = 0. Para esta f, temos Df (T) = 6lf( α ) = 6l ≠ 0. Como o invariante de Dehn de um cubo é sempre igual a zero, segue, pelo Teorema 3, que um tetraedro regular e um cubo não são eqüidecomponíveis. Exemplo 2: Seja T1 um tetraedro retângulo de vértices A, B, C e D ( AB, AC e AD são mutuamente ortogonais e medem l ). Este poliedro tem três ângulos diédricos retos. Os 1 demais ângulos diédricos são iguais e medem α = arccos . Tome M = { α , π /2, π }. 3 Como π /2 e π são linearmente dependentes, uma base para V(M) sobre Q é { α , π } pois, α conforme o Teorema 2.2, é irracional ( tome n = 3). Assim, podemos definir uma função π Q-linear f : V(M) → Q por f( α ) = 1 e f( π ) = 0 (conseqüentemente, f( π /2 ) = 0). Para esta f temos Df (T1) = 3l 2 f( α ) = 3l 2 ≠ 0. Assim, como no exemplo 1, concluímos que T1 e um cubo não são eqüidecomponíveis. Referências [1] LIMA, E. L. – Polígonos eqüïdecomponíveis – Revista do Professor de Matemática,11 – Sociedade Brasileira de Matemática – 1987 [2] ZAKHAREVICH, I. – Hilbert’s Third Problem – mathcircle.berkeley.edu/BMC4/academic4.html [3] ZIEGLER, G. e AIGNER, M. – As provas estão n’O Livro – Ed. Edgard Blücher Ltda. – 2002 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 41 História, Geometria e Modelagem Matemática – Aprendendo Matemática com o Software Octave Carlos Alberto da Silva Junior1 Sandreane Poliana Silva2 César Guilherme de Almeida3 Faculdade de Matemática – FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU 38408-100 Uberlândia MG 01 de Abril de 2004 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo mostrar que, apresentando a matemática de uma maneira nova e estimulante, pode-se tornar qualquer aula de matemática mais agradável, mais participativa e mais bem aceita pelos alunos. As alternativas abaixo serão úteis para se atingir o propósito do trabalho. • • • • Contar um pouco da história da matemática envolvendo geometria e trigonometria. Apresentar algumas aplicações da matemática em nosso cotidiano. Modelar problemas matematicamente. Construir códigos com o auxílio do Software Octave, com o objetivo de resolver numericamente os problemas modelados. Apresentando um pouco de História pode-se mostrar que a matemática é muito mais charmosa do que a simples exibição de fórmulas necessárias para o desenvolvimento de uma teoria. A História permite que todos os alunos viajem num mundo antigo onde o conhecimento foi construído de maneira diferente da atual; talvez, faça com que todos percebam mais facilmente de onde surgiram algumas definições e teoremas, assimilando melhor a matéria. Muitas vezes, os alunos não sabem a utilidade de se estudar matemática, porque, em geral, os professores não conseguem associá-la a problemas do cotidiano. Daí a importância dos problemas motivadores, que apresentam aplicações da matemática no dia-a-dia dos alunos, que perceberão a relevância do estudo desta disciplina. A modelagem matemática exibe relações de interdisciplinaridade entre a Matemática e outras áreas da Ciência, bem mais profundas do que se possa imaginar. O mais importante é saber que a interdisciplinaridade exerce um papel fundamental na solução de problemas atuais, que estão cada vez mais complexos, portanto não se deve desprezá-la. Na Grécia Antiga não existia computador, porém os problemas eram resolvidos e os resultados numéricos tinham um certo grau de precisão. Veremos, neste trabalho, como um problema de geometria pode ser resolvido, modernamente, com o auxílio de um código 1 Orientando PIBIC/CNPq: [email protected] Colaboradora/Orientanda CAPES: [email protected] 3 Professor Orientador PIBIC/CNPq: [email protected] 2 42 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 computacional. O objetivo é mostrar a importância dos softwares na resolução de problemas e tentar mostrar alguma técnica que torne menos “chatas” as aulas de matemática. 2. UM POUCO DE HISTÓRIA “No mundo e através da história, todas as culturas, em maior ou menor grau, fizeram contas, conheceram alguns números, observaram os movimentos do céu, seguiram um calendário, tentaram tratar de doenças. Mas só uma cultura inventou a representação de formas como o quadrado, o círculo, a esfera, e conseguiu discorrer sobre elas com rigor. Mas então onde e quando surgiu esta geometria? Na Grécia, exatamente há 26 séculos.” Com este trecho extraído do livro “As Origens da Geometria” do autor Michel Serres podemos começar a falar sobre a geometria. Vejam que quando estudamos a origem da geometria não podemos dizer que esta se procedeu apenas na Grécia como sempre foi proposto, e sim por um conjunto de necessidades dos povos antigos, que tinham por objetivo resolver problemas do seu dia-a-dia, como lugares para armazenar alimentos, como construir paredes, .... Um destes problemas ocorreu no Egito Antigo: “– Nas enchentes do rio Nilo, as águas inundavam os campos ao seu redor. Por isto os sábios da época tiveram como tarefa redistribuir aos proprietários as parcelas de terrenos cuja inundação tinha apagado os seus limites”. Não podemos esquecer que, também, a geometria de uma maneira mais rústica foi usada na Babilônia, na China, entre outros. Mas, o seu uso como ciência dedutiva teve origem, sim, na Grécia Antiga; destacaram-se Tales de Mileto, os pitagóricos (os discípulos de Pitágoras) e Platão, o qual evidenciou a necessidade da demonstração rigorosa de teoremas, fazendo com que o trabalho de Euclides fosse tremendamente facilitado. Posteriormente, apareceu Arquimedes, este criou uma teoria que foi importante para o desenvolvimento do conceito de limite, ferramenta indispensável do Cálculo. Ainda podemos citar Apolônio de Perga, que se dedicou ao estudo das cônicas; Gauss e Riemman que propuseram uma geometria chamada de nãoeuclidiana, pois se diferenciava da geometria proposta por Euclides. Ainda poderíamos citar Arthur Cayley que criou uma geometria de mais de três dimensões. Porém, muito antes destes pensadores, a Geometria já era conhecida e usada no Egito Antigo, não como um mero passatempo, mas, sim, por necessidade, com o propósito de se resolver problemas relacionados a cálculos de áreas de terras férteis, cálculo de volumes de mercadorias armazenadas, entre outros. Veja, por exemplo, no problema das enchentes do rio Nilo, os sábios da época tiveram como tarefa redistribuir aos proprietários os seus terrenos devidamente delimitados, já que a inundação tinha destruído as marcações anteriores. Mas, como medir a área de cada lote de modo que todos fossem iguais?”. Como podemos perceber, a Geometria não surgiu, por uma “mera idéia do acaso”, mas por causa de problemas cotidianos. E até hoje ela é uma poderosa ferramenta no nosso dia-a-dia. 3. ALGUMAS APLICAÇÕES EM ENGENHARIA As aplicações da Geometria Plana podem ser observadas em várias áreas. Seja por estética, por motivos de economia, ou outro motivo qualquer, o uso de matemática é sempre FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 43 essencial. Vejamos, neste primeiro exemplo como o uso da geometria pode ser útil na Engenharia Civil. Você já parou para pensar em como um engenheiro civil consegue elaborar a planta de uma construção e garantir, por exemplo, que a parede que ele está desenhando é exatamente perpendicular ao solo? Veja que com conhecimentos em matemática podemos facilmente resolver este problema. Vamos traçar a perpendicular à semi-reta AB, sem prolongá-la para a esquerda, considerando que o ponto A está bem próximo à margem esquerda do papel. D A C B Figura 01 1º Passo: Marcamos AC igual a 3 unidades quaisquer (u), no segmento AB; 2º Passo: Traçamos os seguintes arcos de circunferências: centro em C e raio 5u e centro em A e raio 4u. A interseção é o ponto D; Conclusão: AD será perpendicular a AB, pois o triângulo ACD é retângulo em A, pois (5u)2 = (3u) 2 + (4u)2 . Veja que os conhecimentos empregados são de simples aplicação e servem como atrativo para o estudo de outros tópicos em geometria. O próximo problema reduzir-se-á a traçar a bissetriz de um ângulo sem conhecer o seu vértice. Como exemplo, consideraremos um projeto fictício do setor de trânsito da prefeitura de uma grande cidade, que tem como objetivo melhorar o tráfego de uma região localizada bem antes do cruzamento de duas avenidas movimentadas, r e s. Decidiu-se construir uma rotatória que seja eqüidistante de ambas as avenidas. O problema é obter a localização exata desta rotatória. Veja o esquema de resolução na Figura 02. r M B A s C Figura 02 44 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 1º Passo: Considere dois pontos quaisquer M, em r, e C, em s. 2º Passo: Trace a reta passando por M e C. 3º Passo: Trace as bissetrizes associadas ao vértice M (retas tracejadas). Faça o mesmo em relação ao vértice C. 4º Passo: As bissetrizes, acima, encontram-se nos pontos A e B. Conclusão: Os pontos A e B pertencem à bissetriz procurada, pois eles são eqüidistantes de r e s. Justificativa: Estamos usando o seguinte teorema: “todo ponto que se encontra na bissetriz de um ângulo é eqüidistante aos lados deste ângulo”. Este resultado é facilmente demonstrado, basta usar congruência de triângulos. Observe, na Figura 03, que os triângulos ACD e ADB são congruentes, pelo caso ângulo-lado-ângulo, logo BD ≡ CD. B D A C Figura 03 Novamente, através de um problema simples, que não exigiu muitos conceitos elaborados em sua modelagem, obteve-se a motivação para a construção do conhecimento matemático. Problemas motivadores deste tipo deveriam ser amplamente utilizados pelos professores. 4. O NÚMERO ÁUREO É sabido que na Grécia antiga acreditava-se que tudo no mundo era composto de apenas quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Os Pitagóricos conheciam a existência de quatro sólidos geométricos perfeitos: tetraedro, hexaedro, octaedro e icosaedro. O último sólido descoberto pelos Pitagóricos foi o Dodecaedro, ao qual Platão chamou de "o mais nobre corpo entre todos os outros“ e associou-o aos deuses. Entre os cincos sólidos geométricos conhecidos, o dodecaedro é aquele que apresenta mais relação com o segmento áureo, pois é constituído de pentágonos perfeitos que se relacionam fortemente com o número de ouro4 . Diz-se que um segmento AB está divido por um ponto P na RAZÃO ÁUREA ou MÉDIA E EXTREMA RAZÃO quando a maior parte por ele determinada é a média proporcional entre o segmento e a menor parte. Assim, por definição, o ponto P dividirá AB em média e extrema razão se: 4 O lado de um pentágono inscrito numa circunferência de raio r possui medida igual a da hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos r e s, onde s é segmento áureo do raio, ou seja r/s = s/(r-s). FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 45 AB PA a+b a = ⇒ = (veja a Figura 04) PA PB a b P A a B b a+b Figura 04 Chamando a/b de x, tem-se que (1 + 1/x) = x, o que resulta numa equação do segundo grau x2 – x – 1 = 0, que nos dá como raízes x1 ≈ 1,618 e x2 ≈ 0,618; x1 é denominado “número áureo ou número de ouro.” Vejamos agora uma aplicação da chamada “razão áurea” na construção artesanal de um instrumento musical. Não há como negar a beleza do instrumento violino (Figura 05). Parece que nós seres humanos percebemos a beleza ou sentimos a beleza de um ente quando a sua forma segue um padrão que às vezes não sabemos definir, mas que está embutido em nosso ser. Provavelmente, esta forma mantém relações em suas linhas que nos causam essa sensação do belo. O violino é uma dessas peças, quando ele foi criado a estética de suas proporções foi objeto de preocupação de vários artistas. Alguns violinos foram criados a partir do que foi chamado "O Número de Ouro" e em suas linhas podemos observar essas relações. 46 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Figura 05 Não é só em questões estéticas que o número áureo é utilizado. A seguir daremos um exemplo de como o segmento áureo é aproveitado em refinamento de intervalos, com o objetivo de se calcular o ponto de mínimo ou de máximo de uma função real estritamente quase convexa (a Figura 06 exibe um exemplo de uma tal função). 4.1 UM CÓDIGO EM OCTAVE: BUSCA UNIDIMENSIONAL – MINIMIZANDO f(x), x ∈ [a,b], COM O AUXÍLIO DO SEGMENTO ÁUREO Alguns modelos de otimização, onde se quer descobrir qual o valor mínimo ou máximo de uma função de várias variáveis g: Ù ⊆ ℜn → ℜ (se Ù = ℜn, então o modelo é dito completamente irrestrito: minimizar (ou maximizar) g(y); y ∈ ℜn ), utilizam procedimentos numéricos para atingir o seu objetivo; alguns deles envolvem, em determinados passos, métodos de busca unidimensional. Tais métodos consistem em calcular, numa certa direção fixada d = (d1 , d2 , ...,dn ), o ponto onde uma função de várias variáveis atinge o seu valor mínimo (ou máximo). Neste caso, temos o seguinte problema de otimização de uma função de uma variável a valores reais: minimizar (maximizar) f(x) = g(y +xd), onde x ∈ [a,b] e y = (y1 , ..., yn) ∈ ℜn . FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 47 Apresentaremos um algoritmo (baseado no Teorema enunciado abaixo) que obtém uma aproximação para o ponto de mínimo de uma função estritamente quase convexa, cuja a definição é dada a seguir. Definição: Uma função g é dita estritamente quase convexa se dados y e w em Ù, g(y) ≠ g(w), e á ∈ ℜ, com 0 < á < 1, então g(áy + (1- á)w) < máx{g(y), g(w)}. Teorema: Seja f uma função estritamente quase convexa em [a,b] e sejam λ, µ ∈ [a,b] tal que λ < µ. Então • f(λ) < f(µ) ⇒ f(z) ≥ f(µ), ∀ z ∈ (µ, b]; • f(λ) > f(µ) ⇒ f(z) ≥ f(λ), ∀ z ∈ [a, λ). A Figura 06 exibe o gráfico de uma função quase convexa. Figura 06 Problemas de otimização aparecem com freqüência em nosso cotidiano, ou pelo menos no cotidiano das pessoas eficientes. Veja no exemplo seguinte, como trabalha um profissional eficiente. Alguns pedreiros foram chamados para orçar a construção de uma caixa d’água cilíndrica, com capacidade para cinco mil litros (5 m3 ). O dono da construção exigiu que fosse gasto o mínimo possível de material na empreitada. Esperto, o pedreiro vencedor da concorrência apresentou o seguinte projeto: “O diâmetro da base circular (e o da tampa, também) deve ser igual ao valor da altura da caixa, que é aproximadamente 1.85 m”. Veja como o pedreiro obteve esses valores. Sabendo que o volume de um cilindro é dado por V = π R2 h, onde R é o raio da base e h é a altura do cilindro, e a área lateral, levando-se em conta as bases inferior e superior, é dada por AL = 2 (π R h + π R2 ), então segue que AL = AL(h) = (20πh)1/2 + 10/h, já que V = 5 e, assim, R = [5/(πh)]1/2 . Portanto, AL assume valor mínimo quando h = (20/π)1/3, daí segue que 2R = h. É lógico que este pedreiro conhecia um matemático, mas isto é outra história. A seguir, apresentamos um código em Octave que calcula o ponto de mínimo da função AL(h) utilizando o refinamento de intervalo pelo método do segmento áureo. 48 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 %Método do Segmento Aureo %Cálculo do minimo de uma funcao f_aureo(h) = AL(h) a = 1.; %extremo inferior do intervalo I que contém o ponto de minimo b = 1.9; %extremo superior do intervalo que contém o ponto de minimo alfa = (sqrt(5) -1.0)*0.5; %número áureo dif = b-a; %comprimento do intervalo I mi = a + alfa*dif; lam = a + (1.0 - alfa)*dif; f_mi = f_aureo(mi); f_lam = f_aureo(lam); s=10; %fornece a precisão da aproximação tol = f_tol(s); %f_tol = 0.5*10-s cont = 0; %contador de iterações while(dif > tol) cont = cont + 1; if(f_lam <= f_mi) b = mi; mi = lam; dif = b-a; lam = a + (1.0 - alfa)*dif; f_mi = f_lam; f_lam = f_aureo(lam); else a = lam; lam = mi; dif = b-a; mi = a + alfa*dif; f_lam = f_mi; f_mi= f_aureo(mi); end end PM = (a+b)*0.5; fPM = f_aureo(PM); fprintf("O n. de iteraccoes do Segmento Aureo eh cont = %i \n",cont); fprintf("Comprim. do intervalo que contem o pt de min: dif = %12.12f\n",dif); fprintf("O valor do ponto de minimo procurado eh PM = %12.12f\n",PM); fprintf(" O valor minimo de f eh: f(PM) = %12.12f\n",fPM); FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 49 5. CÁLCULO DA DEFLEXÃO DE UMA BARRA A Trigonometria foi uma criação da Matemática grega. Ela surgiu devido às necessidades da astronomia, a fim de prever as efemérides celestes, para calcular o tempo, e para ser utilizada na Navegação e na Geografia. Assim, os estudos de Trigonometria se concentravam na Trigonometria esférica, que estuda triângulos esféricos, isto é, triângulos sobre superfície de uma esfera. No entanto, foi necessário para isso desenvolver partes da Trigonometria plana.O estudo dos triângulos esféricos da Matemática grega vinha sendo feito desde os últimos pitagóricos. O próprio Euclides, que viveu em torno de 300 a . C., em um de seus trabalhos, os Fenômenos, estudou a Geometria esférica. Hiparco foi o primeiro a determinar com precisão o nascer e o acaso de várias estrelas, usando para isso uma tabela de cordas por ele calculada. Suas tabelas foram construídas para serem usadas em Astronomia. É provável que a divisão do círculo em 360° tenha se originado com a tabela de cordas de Hiparco. Ele provavelmente seguiu a idéia do matemático grego Hipsiclo, o qual por sua vez tinha dividido o dia em 360 partes, uma divisão possivelmente inspirada na astronomia babilônica. Assim, podemos perceber que também a Trigonometria surgiu por causa de problemas rotineiros, e que muitos matemáticos renomados se dedicaram ao estudo da mesma. Por isso, hoje, a trigonometria é uma ferramenta tão poderosa nas mais diversas áreas. Então, vamos propor um problema onde podemos observar claramente o uso da Trigonometria através da modelagem matemática, sem esquecer que outros conhecimentos serão necessários, como por exemplo o estudo de funções. O problema proposto é: “Uma barra metálica de 1m de comprimento serve de apoio vertical a um forno. O calor do forno faz com que esta haste se aqueça, passando seu comprimento de 1m para 1,093m. Deseja-se obter a máxima deflexão (h) da barra, sabendo que suas extremidades são fixadas e supondo que ela assume a forma de um arco de circunferência.” Veja, na Figura 07, o esboço do enunciado do problema: A D θ R B Figura 07 50 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Usando o teorema de Pitágoras, relação trigonométrica em um triângulo retângulo e relação entre arcos de circunferência e medidas de ângulos em radianos obtemos as seguintes expressões: (R-h)2 = R2 + (1/2)2 ; sen(θ)= 1/(2R); 2θR = 1,093 ⇔ R = 1,093/(2θ), onde R é o raio da circunferência e 2θ é o ângulo associado ao arco de circunferência de comprimento 1,093. Das expressões anteriores, chegamos à equação não linear θ = 1,093 sen(θ); observe que o valor de θ só pode ser obtido numericamente. Assim, tendo o valor de θ descobrimos o valor de R e a partir deste último obtemos o valor de h, que é a deflexão máxima da barra. Note que o uso apenas de Trigonometria não foi suficiente para a resolução do problema da deflexão da barra; foram necessários o conceito de função contínua e, também, ferramentas de Cálculo Numérico. Com o objetivo de resolver numericamente a equação anterior apresentaremos, na próxima seção, um código em Octave, o qual retornará θ = 0.723936882. 5.1. UM CÓDIGO EM OCTAVE: CÁLCULO DA DEFLEXÃO DE UMA BARRA USANDO O MÉTODO DE NEWTON-RAPHSON O software Octave pode ser adquirido, gratuitamente, em http://sourceforge.net/projects/octave. A versão octave-forge-windows (octave-2.1.50-windows) pode ser facilmente instalada em computadores que possuem o sistema Windows. A primeira parte do código abaixo faz um refinamento do intervalo que contém a raiz da equação f(x) = x - 1.093sen(x) = 0. Para usarmos o método da bissecção, a função tem que ser contínua e deve mudar de sinal no intervalo considerado (se I = [a,b] for o intervalo, então f(a)f(b) < 0). O método da bissecção consiste em dividir ao meio o intervalo dado e verificar em qual subintervalo a função muda de sinal. Este procedimento é repetido até que o comprimento do intervalo que contém a raiz seja pequeno; quanto menor o comprimento melhor será a aproximação da raiz, que será um ponto qualquer deste intervalo. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 %O metodo da bisseccao (refinamento de intervalo) %Calculo aproximado do zero da funccao f(x) = x - 1.093sen(x) clear a = 0.5; %extremo inferior do intervalo onde f muda de sinal b = pi/2; %extremo superior do intervalo onde f muda de sinal pm = (a+b)/2; %ponto medio do intervalo [a,b] comp = b-a; %comprimento do intevalo [a,b] cont = 0; %variavel que conta o numero de iteraccoes eps = 0.5*10^(-3); %tolerancia usada no teste de parada fa = f_bissec(a); fpm = f_bissec(pm); %calculo de f(a) %calculo de f(pm) if(fpm ==0) fprintf('A raiz procurada eh dada por pm =%12.8f\n',pm); else while(comp > eps) if(fa*fpm<0) b=pm; else a=pm; fa=fpm; end pm=(a+b)/2; fpm=f_bissec(pm); cont = cont+1; comp=b-a; end end fprintf('\n'); fprintf('A raiz procurada eh dada por pm =%12.10f\n',pm); fprintf('O numero de iteraccoes realizadas foi cont = %d\n',cont); fprintf('A tolerancia usada foi eps = %12.10f\n',eps); fprintf('O valor de f(pm) eh dado por fpm =%12.12f\n',fpm); 51 52 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 A segunda parte do código é o método de Newton-Raphson, que usará como valor inicial o ponto médio do último intervalo obtido com o método da bissecção. Este método é facilmente obtido considerando-se a sua interpretação geométrica, que consiste em traçar a reta tangente ao gráfico de f no ponto (xn-1 , f(xn-1 )) – onde xn-1 é uma aproximação da raiz – e considerar a sua interseção com o eixo horizontal (eixo das abscissas: y = 0). A equação da reta tangente é dada por y = f(xn-1 ) + m (x - xn-1 ) , onde o coeficiente angular m é a derivada de f no ponto em questão, ou seja, m = f ’(xn-1). Portanto, a nova aproximação da raiz é xn = xn-1 - f(xn-1 )/ f ’(xn-1 ). %O metodo de Newton-Raphson %Calculo aproximado do zero da funccao f(x) = x - 1.093sen(x) x0 = pm; %valor inicial para o método de N-R dif = b-a; %comprimento do intervalo I s = 8; %fornece a precisão da aproximação cont = 0; %contador de iterações tol = f_tol(s); %tolerância para o teste de parada; f_tol=0.5*10-s while(dif > tol) cont = cont+1; x = x0 - (f_newton(x0)/df_nr(x0)); %m. de N-R, onde f_newton (x) = x – 1,093 sen(x) e %df_nr é a sua derivada, df_nr(x) = 1 – 1,093cos(x). dif = abs((x-x0)/(x)); %erro relativo x0 = x; end fx = f_newton(x); fprintf("Numero de iteraccoes do N-R: cont = %d \n",cont); fprintf("Erro relativo da aproximaccao da raiz: dif = %12.12f\n",dif); fprintf("Valor da raiz procurada: x = %12.12f\n",x); fprintf("f(x) = %12.12f\n",fx); 6. CONCLUSÃO Podemos observar que a Matemática não pode ser vista em um contexto isolado dos demais. Geralmente, os conteúdos dos diversos ramos da Matemática estão relacionados entre si e, no caso da Matemática Aplicada, estão relacionados com outras áreas do conhecimento. Devemos sempre tentar apresentar a matemática de maneira que todos percebam a sua importância e sua simplicidade. Os conceitos matemáticos são mais facilmente compreendidos quando interpretados geometricamente. Uma melhor compreensão seria obtida se pudéssemos aplicá-los em nosso cotidiano. O processo de aprendizagem é mais rápido, atraente e eficiente utilizando-se recursos computacionais, devido a facilidade da visualização dos conceitos apresentados. O Octave é um recurso que deve ser adotado com o objetivo de facilitar a aprendizagem do aluno, no entanto, não pode ser considerado indispensável no processo de ensino. Os resultados de cálculos numéricos produzidos por computadores nem sempre são precisos. Porém, existem especialistas em análise numérica que por saberem interpretar os dados computacionais são capazes de indicar métodos numéricos adequados. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 7. BIBLIOGRAFIA [01] GIONGO, Affonso Rocha. Curso de Desenho Geométrico. Editora Nobel.(1984). [02] PERISSINOTTO, A., MURARI, C., PEREZ, G. Curso para professor III: Matemática – Geometria: Construções geométricas.Convênio da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo com a Unesp – Departamento de Matemática de Rio Claro. (1986). [03] LIMA, E.L..Curso de Análise. 10.ed.(2a impressão), Rio de Janeiro: IMPA (Projeto Euclides), 2002. 344p. [04] BARROSO, L. C.; BARROSO, M. M. DE A.; E OUTROS. Cálculo Numérico com aplicações. 2.ed., São Paulo: Editora Harbra Ltda, 1987. 367p. [05] FIGUEIREDO, D.G. de. Análise 1. 2.ed., Rio de Janeiro: LTC, 1996. 256. [06] http://members.tripod.com/caraipora/proporouro.htm. [07] www.educ.fc.ul.pt/icm2000/icm22/historia.htm. 53 54 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 55 Algumas Noções Topológicas Associadas ao Cı́rculo Marcelo Gonçalves Oliveira Vieira∗ Walter dos Santos Motta Júnior† Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU 38408-100, Uberlândia - MG Abril de 2004 Resumo Inicialmente abordamos alguns invariantes topológicos básicos como compacidade e conexidade.Exploramos o conceito de homotopia e computamos o grupo fundamental da esfera 1-dimensional. Buscamos relacionamentos deste conceito com a invariância topológica por homeomorfismos, bem como algumas consequências deste resultado. Palavras-chave: Homotopia; grupo fundamental Topologia do Rn 1 1.1 Rn visto como espaço euclidiano O conjunto Rn = {(x1 , ..., xn )/xi ∈ R, i = 1, ..., n} é um espaço vetorial real n-dimensional, visto com as operações usuais de soma e produto por escalas dadas por x + y = (x1 , ..., xn ) + (y1 , ..., yn ) = (x1 + y1 , ..., xn + yn ) e λ.x = λ.(x1 , ..., xn ) = (λx1 , ..., λxn ), ∀x, y ∈ Rn , ∀λ ∈ R. Agora, definindo em Rn o produto interno hx, yi = h(x1 , ..., xn ), (y1 , ..., yn )i = n P xi y i , i=1 passamos a denominá-lo espaço euclidiano. A partir deste produto pode se definir a norma p euclidiana kxk = hx, xi, ∀x ∈ Rn . Utilizando tal norma definimos uma distância em Rn pondo d(x, y) = kx − yk , ∀x, y ∈ Rn . Em tudo que segue, estamos considerando Rn como um espaço euclidiano com soma, produto por escalar, produto interno, norma e distância acima definidos. ∗ [email protected]. Orientando do Programa Especial de Treinamento (PET) de 08/2001 a 08/2003. † [email protected]. Professor orientador. 56 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 1.2 Aplicações contı́nuas Definição 1 Sejam X ⊂ Rm e f : X → Rn , diz-se que a funcão f é contı́nua no ponto a ∈ X quando ∀ε > 0, se pode obter δ > 0 tal que todo x ∈ X , com d(x, a) < δ , tem como imagem o valor de f (x) com d(f (x), f (a)) < ε. Quando f é contı́nua em todos os pontos de X diz-se simplesmente que f é contı́nua. Como propriedades de continuidade destacamos: (a) Se f : X ⊂ Rm → Rn é contı́nua e Y ⊂ X, então a restrição f |Y é também contı́nua; (b) A composição de duas funções contı́nuas é contı́nua;. (c) Considerar uma funcão f : X ⊂ Rm → Rn é o mesmo que considerar n funções reais fi : X → R, i = 1, ...n, chamadas de coordenadas da funcão f , f (x) = (f1 (x), ...fn (x)). Assim, f : X ⊂ Rm → Rn é contı́nua, se e somente se, as funções coordenadas fi : X → R, i = 1, ...n são contı́nuas. Um conceito fundamental de topologia relacionado com a continuidade é o conceito de homeomofismo. Objetos homeomofos são indistingüı́veis do ponto de vista topológico, por exemplo, como veremos a seguir, não existem diferenças (do ponto de vista do topológico) entre um cı́rculo e um quadrado, ambos são chamados curvas de Jordan. Doravante quando nos refirimos a espaço estaremos nos refirindo simplesmente a um subconjunto de algum espaço euclidiano Rn . 1.3 Homeomorfismo Definição 2 Dados os espacos X e Y , um homeomorfismo entre X e Y é uma bijeção continua f : X → Y, cuja inversa f −1 : Y → X também é contı́nua . Diz-se então que X e Y são espaços homeomorfos, ou ainda, que são equivalentes topologicamente. Notação:X v Y . Vejamos alguns exemplos de espaços homeomorfos: Exemplo 3 O cı́rculo S 1 = {(x1 , x2 ) ∈ R2 /x21 + x22 = 1} e o quadrado Q = {(x1 , x2 ) ∈ R2 / |x1 | + |x2 | = 1} são homeomorfos. 1 De fato, basta ³ tomar a funcão ´ f : S → Q dada por x1 x2 f (x1 , x2 ) = |x1 |+|x , que é contı́nua e bijetora, sendo que 2 | |x1 |+|x2 | µ ¶ x x −1 1 −1 1 2 f : Q → S ,dada por f (x1 , x2 ) = √ 2 2 , √ 2 2 também é contı́nua x1 +x2 x1 +x2 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 57 Exemplo 4 Seja p = (0, 0, 1). Assim R2 e S 2 − {p} são homeomorfos, onde S 2 = {(x, y, z) ∈ R3 /x2 + y 2 + z 2 = 1} é uma esfera bidimensional. De fato, o homeomorfismo entre eles pode ser dado pela projeção estereográfica em relação ao plano z = −1 (que é identificado a R2 ), 2 ³ 2 f : R → S −{p} dada por f (x, y) = 2 2 2 2x , 2y , x +y −4 x2 +y 2 +4 x2 +y 2 +4 x2 +y 2 +4 ´ é um homeomorfismo 2 entre R e S − {p}. Exemplo 5 O plano furado R2 − {(0, 0)}, o cilindro S 1 × R e o hiperbolóide de uma folha H são homeomorfos entre si. De fato: h : R2 − {(0, µ 0)} → S 1 × R dada por h(x1 , x2 ) = ¶ √ x21 2 , √ x22 2 , 12 log (x21 + x22 ) x1 +x2 x1 +x2 x3 x3 (x1 e , x2 e ) também é contı́nua. 1 é uma bijecão contı́nua cuja inversa h−1 (x1 , x2 , x3 ) = Por outro lado,³ g : S × R → H dada por´ p p g(x1 , x2, x3 ) = x1 1 + x23 , x2 1 + x23 , x3 é uma bijeção contı́nua entre o cilindro e o sendo que sua inversa também é contı́nua e é dada por g −1 (x1 , x2 , x3 ) = ³ hiperbolóide, ´ −1 −1 x1 (1 + x23 ) 2 , x2 (1 + x23 ) 2 , x3 . Um problema central da topologia dos espaços euclidianos é determinar se dois espaços dados são ou não homeomorfos. Não existe uma resposta geral para este problema. Para afirmar que os espaços X e Y são homeomorfos é necessário exibir um homeomorfismo entre eles, caso o mesmo exista. Dada a dificuldade em explorar a possibilidade ou não da construção de tais homeomorfismos, em geral associa-se invariantes topológicos, ou seja, conceitos associados aos espaços X e Y que se preservariam sob a ação de homeomorfismos, 58 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 que de forma indireta podem nos dar condições de responder sobre a existência ou não de tais homeomorfismos entre X e Y . Antes de abordarmos alguns invariantes, vejamos uma outra caracterização de continuidade. 1.4 Conjuntos abertos e fechados Definição 6 A bola aberta de centro a ∈ Rn e raio r > 0 é o conjunto dos pontos x ∈ Rn cuja distância ao ponto a é menor do que r. Notação: B(a, r) = {x ∈ Rn /d(x, a) < r}. Definição 7 Um espaço X chama-se aberto quando para cada x ∈ X, ∃r > 0 tal que B(x, r) ⊂ X. Os conjuntos abertos de Rn gozam das seguintes propriedades: (1) O conjunto vazio φ e o espaço Rn são abertos. (2) A interseção finita de conjuntos abertos é também um conjunto aberto. (3) A união de uma famı́lia qualquer de abertos é também um conjunto aberto. Fixado um espaço X ⊂ Rn , um subconjunto A ⊂ X diz-se aberto em X quando para cada a ∈ A , ∃r > 0 tal que (B(a, r) ∩ X) ⊂ A. A noção de aberto no espaço X goza das mesmas propriedades acima descritas. Teorema 8 Seja f : X ⊂ Rn → Rm uma aplicação contı́nua, então a imagem inversa f −1 (A) de todo aberto A ⊂ Rm é um aberto em X . A recı́proca também é verdadeira. Prova. Considere a ∈ f −1 (A), devemos garantir a existência de r > 0 tal que (B(a, r) ∩ X) ⊂ f −1 (A). Agora, como a ∈ f −1 (A) =⇒ f (a) ∈ A e, sendo A aberto, ∃ε > 0 tal que B(f (a), ε) ⊂ A. Pela continuidade de f , ∃δ > 0 tal que para todo x ∈ X com d(x, a) < δ =⇒ d(f (x), f (a)) < ε. Logo, f (B(a, δ) ∩ X) ⊂ B(f (a), ε) ⊂ A. Portanto, basta tomar r = δ. Recı́procamente, considere a ∈ X e tome ε > 0. Naturalmente B(f (a), ε) é um aberto em Rm , assim f −1 (B(f (a), ε)) é um aberto em X sendo a um elemento deste conjunto. Logo, ∃ r > 0 tal que (B(a, r) ∩ X) ⊂ f −1 (B(f (a), ε)). Portanto, para todo x ∈ X com d(x, a) < r, tem-se que d(f (x), f (a)) < ε, donde segue que f é contı́nua em a. Dado a arbitrariedade do ponto a concluı́mos que f é contı́nua. Uma nova caracterização de continuidade pode ser ainda obtida de forma similar ao teorema anterior, só que fazendo uso do conceito de conjunto f echado, vejamos como isto é possı́vel. Definição 9 Dizemos que a ∈ Rn é aderente ao espaço X ⊂ Rn quando toda a bola aberta de centro a contém algum ponto de X. O conjunto dos pontos aderentes a X chama-se fecho de X e iremos indicá-lo por X. Utilizando o conceito de fecho definimos o conceito de conjunto fechado como segue. Definição 10 Um espaço X é fechado quando X = X FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 59 Observamos que toda bola aberta é um conjunto aberto e que todo o conjunto aberto que contém um dado ponto a ∈ Rn contém também uma bola aberta com centro nesse ponto. Podemos alternativamente dizer a ∈ X quando todo aberto que o contenha intersecta o conjunto X. Agora, sendo o espaço X ⊂ Rn um fechado, então seu complementar CX é um conjunto aberto, pois se y ∈ CX =⇒ y ∈ / X = X, assim existe r > 0 tal que B(y, r) ∩ X = φ , logo B(y, r) ⊂ CX . Além disso, se o espaço X ⊂ Rn é tal que seu complementar CX é aberto, então X ⊂ X, pois para todo y ∈ CX , ∃ r > 0 tal que B(y, r) ∩ X = φ, desta forma y não é aderente a X . Portanto, resumidamente pode-se dizer que um conjunto é fechado se, e somente se, seu complementar é aberto. Utilizando esta equivalência entre fechado e aberto via o complementar, as propriedades e resultados anteriormentes descritos para abertos podem ser reescritos utilizando fechados, mais especificamente: (a) O conjunto vazio φ e o espaço Rn são fechados; (b) A interseção de uma famı́lia qualquer de fechados é também um fechado; (c) A união finita de conjuntos fechados em Rn também é um conjunto fechado; (d) Fixado um espaço X ⊂ Rn , um subconjunto F ⊂ X, diz-se fechado em X, quando seu complementar relativamente a X é um aberto em X; (e) Seja f : X ⊂ Rn → Rm uma aplicação contı́nua, então inversa f −1 (F ) de todo fechado F ⊂ Rm é um fechado em X. A recı́proca é também verdadeira. Fixado um espaço X ⊂ Rn e um ponto a ∈ Rn , há três possibilidades que se excluem mutuamente: (i) a é ponto interior a X, ou seja, é centro de alguma bola aberta contida em X; (ii) a é ponto interior ao complementar CX , ou seja, é centro de alguma bola aberta contida em CX ; (iii) a é ponto de fronteira de X, ou seja, toda bola de centro a também contém pontos de X e CX . Naturalmente um ponto do tipo (ii) não pode pertencer a X. Definindo a distância de a a X por d(a, X) = inf {d(a, x)/x ∈ X}, segue que d(a, X) = 0 se, e somente se, dado qualquer ε > 0 , ∃x ∈ X tal que d(a, x) < ε. Em outras palavras, podemos caracterizar o fecho de X via esta distância, uma vez que d(a, X) = 0 ⇐⇒ a ∈ X, consequentemente se a ∈ CX segue que d(a, X) > 0. 1.5 Compacidade Agora vamos abordar o conceito de compacidade que é um importante invariante topológico. A caracterização deste conceito pode ser feita de forma mais geral via coberturas, todavia em espaços euclidiano tal caracterização pode ser obtida via os conceitos de conjuntos fechados e limitados. Nosso objetivo inicial é explorar estas duas definições, mostrando a equivalência entre as mesmas. 60 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Definição 11 Diremos que um espaço X ⊂SRn é compacto, se dada qualquer coleção {Uα } de conjuntos abertos do Rn tal que X ⊂ Uα , for possivel encontrar uma subcoleção finita Uα1 , ..., Uαn com X ⊂ n S i=1 α Uαi . A coleção nesta condição é chamada cobertura de X e a subcoleção finita associada, de subcobertura finita de X. Esta definição pode naturalmente ser reformulada, sendo dada não em termos de abertos do Rn , mas sim em abertos do espaço X, a saber: Proposição 12 Um espaço X ⊂ Rn é compacto, se e somente se, para toda coleção de conjuntos abertos em X, cuja união é igual a X, existe uma subcoleção finita cuja união ainda é igual a X. Prova. abertos em X com S Suponha que X é compacto. Seja {Aα } uma coleção de n X = Aα . Escolhemos, para cada α, um conjunto aberto Uα do R tal que Aα = Uα ∩ X. k S Como X é compacto, alguma subcoleção finita Uα1 , ..., Uαk é tal que X ⊂ Uαi . Portanto, os conjuntos Aα1 , ..., Aαk são tais que X = k S i=1 i=1 Aαi . A recı́proca é provada de forma similar. Definição 13 Um espaço X é limitado se existe um número real k tal que kxk 6 k, ∀x ∈ X. Em termos de bolas abertas, pode-se dizer que X é limitado quando estiver contido em uma união finita de bolas abertas. Teorema 14 Se o espaço X ⊂ Rn é compacto, então X é fechado e limitado. Prova. Inicialmente vamos mostrar que X é limitado. Seja 0 a origem e para cada inteiro positivo N , seja ∪N o cubo aberto ∪N = C(0, N ). Assim, ∪N é conjunto aberto com U1 ⊂ U2 ⊂ ..... de forma que a coleção ∪N cobre todo Rn , em particular cobre X. Desta forma, alguma subcoleção finita UN1 , ..., UNk cobre X. Se L é o maior dos números N1 , ...Nk , segue que X ⊂ UL , logo X é limitado. Mostremos agora que X é fechado, mostrando que o complementar de X , CX , é um conjunto aberto. De fato: Seja a ∈ CX e para cada inteiro positivo N considere que o cubo ½ ¾ 1 n CN = x ∈ R / kx − ak 6 . N T Assim, C1 ⊃ C2 ⊃ .... e Ci = a. Considere ∨N o complementar de CN , logo ∨N é i conjunto aberto com ∨1 ⊂ ∨2 ⊂ .... sendo que {VN }N ∈N cobre X. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 61 Desta forma, podemos extrair uma subcoleção finita ∨N1 , ..., ∨Nk cobrindo X. Se M é o maior¡dos números N1 , ...Nk , então ∨M ⊃ X. Portanto CM ∩X = ∅ e assim o cubo ¢ 1 aberto C a, M ⊂ CX . Proposição 15 Sejam X um espaço compacto em Rn e f : X → Rm contı́nua. Então, f (X) é um compacto Rm . Prova. Seja {Vα } uma cobertura de f (X) por conjuntos abertos Vα ⊂ Rm . Os conjuntos f −1 (Vα ) formam uma cobertura aberta de X. Assim, podemos extrair uma subcobertura finita f −1 (Vα1 ), ..., f −1 (Vαk ) de X e desta forma os conjuntos ∨α1 , ..., ∨αk cobrem f (X). Portanto, f (X) é compacto. É interessante observar que se W é um espaço compacto de R, desde que W é limitado, então existem o ı́nfimo e o supremo de W . Como W é fechado, estes elementos devem pertencer a W . Este fato pode ser utilizado para mostrar que se X é um espaço compacto do Rn sendo domı́nio de uma função contı́nua φ : X → R, então φ atinge seu valor máximo e seu valor mı́nimo em X, para tanto basta acima utilizar W = f (X). Suponha que X seja um espaço fechado e limitado do Rn . Considere uma cobertura A de subconjuntos abertos do Rn cobrindo X. Assim, a coleção à = A ∪ {Rn − X} é uma coleção de abertos do Rn cobrindo todo Rn . Por outro lado, como X é limitado, existe um retângulo C = [a1 , b1 ] × ... × [an , bn ] ⊂ Rn tal que X ⊂ C, desta forma pode-se considerar à uma cobertura de C. Caso seja possı́vel mostrar que C é compacto, então podemos extrair uma subcobertura finita de à ainda cobrindo C. Caso esta subcobertura finita contenha Rn − X nós o retiramos da subcoleção produzindo assim uma subcoleção finita que poderá não cobrir todo o C, mas certamente cobrirá X. Resumidamente, as discussões acima garantem que para a demonstração da validade da recı́proca do teorema acima basta mostrar que o cubo (fechado) em Rn é um espaço compacto. Esta é exatamente a afrimação do teorema de Heine-Borel que passamos explorar agora. Lema 16 O cubo fechado C é um compacto do Rn Prova. Suponha, por absurdo, que C admite uma cobertura por abertos {Uα } de forma que esta cobertura não admita uma subcobertura finita. Dividimos C em 2n cubos iguais, onde n é a dimensão de Rn . Isto determina uma partição de C em cubos menores onde existirá algum elemento desta partição que não poderá ser coberto por um número finito de Uα ’s. Chame de C1 um destes elementos. Observe que C ⊃ C1 e o comprimento do lado C1 é igual a 21 do comprimento do lado C. Dividimos C1 e repetimos o argumento construindo assim C2 com C ⊃ C1 ⊃ C2 e comprimento do lado C2 = 12 do comprimento do lado C1 = 14 do comprimento do lado C .Repetimos o argumento e assim construı́mos C ⊃ C1 ⊃ C2 ... ⊃ Cr ⊃ ..., onde o comprimento do lado Cr = 21r do comprimento do lado C. É importante observar que nenhum dos elementos da sequência T {Cr } pode ser coberto por um número finito de Uα ’s. Por outro lado, observe que Ci = p. Como p ∈ C, ∃ i Uα com p ∈ Uα . Do fato de Uα ser aberto, segue que ∃ε > 0 tal que B(p, ε) ⊂ Uα . Seja ∼ ∼ δ = diâmetro de C, então o diâmetro de Cr é igual a 2−r δ. Tomando r tal que 2− r .δ < ε, ∼ como p ∈ Ci , ∀i, naturalmente para tal r, C∼r ⊂ B(p, ε) ⊂ Uα , o que é um absurdo. Sejam X e Y espaços tais que exista uma bijeção contı́nua entre eles, f : X → Y . Se X é compacto como consequência da proposição 15, Y também é compacto. Agora, 62 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 dado que f é bijeção, segue que existe f −1 : Y → X. Assim, para todo conjunto fechado z ⊂ X, a imagem inversa (f −1 )−1 (F ) = f (z) é um conjunto fechado e, portanto, da caracterização de continuidade via conjuntos fechados segue que f −1 é contı́nua. Desta forma, f é um homeomorfismo. Resumidamente pode-se afirmar então que a compacidade é um invariante topológico. Vejamos o caso da esfera S 1 = {(x, y) ∈ R2 /x2 + y 2 = 1} que é um compacto. Este espaço não pode ser homeomorfo ao espaço Y = {(x, y) ∈ R2 /y = x2 } pois Y não é compacto. Por outro lado, o teorema de Borel-Lebesgue nos afirma que [0, 1] ⊂ R é um compacto e o problema de verificar a existência ou não de homeomorfismo entre S 1 e [0, 1] não mais poderia ser atacado via argumento de compacidade. 1.6 Conexidade Nosso próximo objetivo é explorar outro invariante topológico, a conexidade, mostrando que um homeomorfismo entre dois espaços estabelece uma bijeção entre as componentes conexas dos mesmos. Este fato será suficiente para mostrarmos que S 1 e [0, 1] não são homeomorfos, embora ambos sejam compactos. Definição 17 Seja X um espaço. Uma separação de X é um par U e V de um subconjuntos abertos de X, disjuntos e não-vazios tais que X = U ∪ V . O espaço X é dito conexo se não existe uma separação do mesmo. Caso seja possı́vel obter uma separação do mesmo, este é chamado de desconexo. Pode-se reformular a definição de conexidade do espaço X ⊂ Rn como segue:” X é um espaço conexo, se somente se, os únicos subconjuntos de X que são ambos abertos e fechados em X são o vazio e o próprio X. Proposição 18 Seja X um espaço de forma que U e V formam uma separação de X. Se Y é um subconjunto conexo de X, então exclusivamente Y ⊂ U ou Y ⊂ V . Prova. Como U e V são abertos em X, segue U ∩ Y e V ∩ Y são abertos em Y . Naturalmente os mesmos irão constituir-se numa separação de Y caso ambos sejam não vazios. Portanto, um deles é vazio o que acarreta no resultado. Se X é um espaço conexo e Y é um espaço tal que X ⊂ Y ⊂ X , então Y também é conexo. De fato: Suponha que C e D seja uma separação de Y . Temos que (C ∩ X) e (D ∩ X) é uma separação de X e assim, pela proposição 18, X está contido exclusiva em C ou em D. Suponha que X ⊂ C, então X ⊂ C. Como C e D são disjuntos, Y não pode interceptar D, o que é um absurdo. Esta e outras propriedades de conexidade podem ser demonstradas sem argumentos sofisticados, destacamos as seguintes: (a) A união de uma coleção de subconjuntos conexos de Rn que tenham um ponto em comum é também um conexo; (b) O produto cartesiano de um número finito de subconjuntos conexos de Rn é também um conexo; (c) A imagem de um conjunto conexo sob uma aplicação continua é também um conexo. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 63 Esta última propriedade nos garante que conexidade é um invariante topológico. Um exemplo básico e fundamental de um espaço conexo é o conjunto R, vejamos isto: Proposição 19 R é um espaço conexo. Prova. Suponha que R seja desconexo. Então existem A, B ⊂ R abertos, disjuntos, não-vazios tais que R = A ∪ B. Tome a ∈ A , b ∈ B. Segue que a 6= b e digamos que a < b. Considere o conjunto X = {x ∈ A : x < b} = A ∩ (−∞, b). Temos que X 6= ∅, pois a ∈ X. Como b é cota superior de X, então X é limitado superiormente e portanto existe c = supX ∈ R. Pelas propriedades de supremo temos que: i) c ≤ b ii) ∀ε > 0 ∃ x ∈ X tal que c − ε < x ≤ c. Como X ⊆ A sabemos que A ∩ (c − ε, c + ε) 6= ∅, ∀ε > 0 o que implica que c ∈ A. Como B é aberto, temos CB = A é fechado e assim c ∈ A e c ∈ / B. Logo como b ∈ B e c∈ / B , temos que c 6= b e mais precisamente por i) temos que c < b. Daı́, como A é aberto e c ∈ A , existe δ1 > 0 tal que (c − δ1 , c + δ1 ) ⊂ A e como c < b ,existe δ2 > 0 tal que (c − δ2 , c + δ2 ) ⊂ (−∞, b) Tomando δ = min{δ1 , δ2 } temos que (c − δ, c + δ) ⊂ A ∩ (−∞, b) = X e portanto existem pontos em X que são maiores que c , o que é um absurdo, pois c = supX. Portanto R é conexo. Assim, S 1 = f (R) é um espaço conexo, onde f : R → R2 dada por f (t) = (cos t, sin t) é contı́nua. A conexão deste e outros espaços pode ser obtida via o uso das propriedades anteriores de conexidade. Assim, por exemplo, [0, 1] é conexo, Rn = R × .... × R é conexo e S 1 − {ponto} é também conexo uma vez que o mesmo é homeomorfo a R. Por outro lado, quando retirarmos dois pontos distintos de S 1 o mesmo deixa ser conexo. De fato: Sejam u, v ∈ S 1 , u 6= v. Tome a reta passando por u e v, digamos representada pela equação ax + by = c. Então,f : S 1 → R dada por f (x, y) = ax + by é contı́nua, de forma que f −1 (c, ∞) e f (−∞, c) correspondem a uma separação de S 1 − {u, v}. Convém ainda destacar que os intervalos são os únicos subconjuntos conexos de R. De fato: Seja A ⊂ R conexo. Provaremos que dados a, b ∈ A e a < c < b, então c ∈ A. Para isto sejam a, b ∈ A e a < c < b e suponha que c ∈ / A. Considere os conjuntos A+ = {x ∈ A : x > c} = A ∩ (c, +∞) e A− = {x ∈ A : x < c} = A ∩ (−∞, c). Logo A = A+ ∪ A− , A+ e A− são abertos em A, disjuntos e não-vazios, pois a ∈ A− e b ∈ A. Portanto A é desconexo, mas isto é um absurdo, pois A é conexo por hipótese. Assim concluı́mos que: A ⊂ R é conexo, se e somente se, A é um intervalo. −1 64 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Definição 20 Dados dois pontos x e y no espaço X, um caminho em X ligando x a y é uma função contı́nua f : [0, 1] → X tal que f (0) = x e f (1) = y. Quando x = y , f é chamado de caminho fechado de ponto base x. O espaço X é chamado conexo por caminho se todo par de pontos de X pode ser ligado por um caminho em X. São exemplos básicos de espaços conexos por caminhos, os espaços X ⊂ Rn , convexos e a esfera S n . Também pode-se provar facilmente que todo o espaço X conexo por caminhos é também conexo. De fato: Suponha que X = A ∪ B seja uma separação de X e seja f : [0, 1] → X um caminho qualquer em X. Necessariamente f ([0, 1]) é conexo, assim deve estar contido inteiramente (e exclusivamente) em A ou B. Deta forma, não existe nenhum caminho em X ligando um ponto de A com um ponto de B, contrariando a hipótese de que X é conexo por caminhos. A recı́proca deste resultado é falsa e um contra-exemplo © clássico deste fato é o espaço Y ª= U ∪ V , onde U = {(0, y) ∈ R2 / − 1 ≤ y ≤ 1} e V = (x, y) ∈ R2 /0 < x ≤ 1 e y = sen x1 . É interessante destacar que se X ⊂ Rn é um aberto, então a conexão de X e a conexidade por caminhos do mesmo são conceitos equivalentes. Para finalizarmos este capı́tulo vejamos o conceito de componentes conexas de um do expaço X. Definição 21 Dado o espaço X, definimos uma relação de equivalência sobre X considerando que x v y se, e somente se, existe um subespaço conexo de X contendo ambos x, y ∈ X. As classes de equivalência são chamadas de componentes conexas de X. As componentes conexas de X são subespaço disjuntos conexos de X cuja união é igual a X, tal que cada subespaço conexo não vazio intercepta somente uma delas. Vejamos a justificativa da conexão de um dada componente conexa de X. Suponha que C é uma componente conexa de X, escolhemos x0 ∈ C. Para cada x ∈ C, segue que x0 v x, assim Sexiste um subespaço conexo Ax contendo x0 e x com Ax ⊂ C. Além disso, como Ax e como os Ax ’s são conexos e tem x0 como ponto comum, esta união é conexa C= x∈C ( veja propriedade (a) após proposição 18). Vale ainda destacar que cada componente conexa de X é um fechado em X (pois o fechado de um subespaço conexo de X é conexo); caso X possua somente uma quantidade finita de componentes, então cada componente é também um aberto em X (pois seu complemento é uma união finita de conjuntos fechados). Genericamente as componentes de X não são abertos de X (observe que se X = Q ⊂ R, cada componente conexa de Q consiste de um único ponto). Finalmente, seja f : X → Y um homeomorfismo entres os espaços X e Y . Sendo Cx uma componente conexa de X contendo x ∈ X, então f (Cx ) é conexo de Y contendo y = f (x). Se D ⊂ Y é qualquer conexo contendo y, então f −1 (D) é conexo de X contendo x, logo f −1 (D) ⊂ Cx e então D ⊂ f (Cx ). Portanto, f (Cx ) é o maior subconjunto conexo de Y contendo y, ou seja, é a componente conexa de y em Y . Desta forma, f estabelece uma bijeção entre componentes conexas de X e componentes conexas de Y . Voltando ao exemplo S 1 ©e [0, 1], suponha que f : [0, 1] → S 1 fosse um homeomorfismo ª © ¡ ¢ª entre ambos. Então, [0, 1] − 21 e S 1 − f 12 deveriam apresentar a mesma quantidade de componentes conexas, o que não ocorre. Portanto, estes espaços não são homeomorfos. Vamos no proximo capı́tulo abordar um novo conceito associado ao espaço X, o grupo fundamental de X. Veremos que dois espaços homeomorfos devem possuir grupos fundamentais isomorfos. Assim, computando o grupo fundamental de S 1 e [0, 1] por exemplo, veremos que ambos não são isomorfos o que poderia ser utilidado também para garantir a não existência de um homeomorfismo entre os mesmos. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2 2.1 65 A noção de homotopia Homotopia de caminhos Definição 22 Sejam f e g aplicações contı́nuas do espaço X no espaço Y . Dizemos que f é homotópica a g se existe uma aplicação contı́nua F : X × [0, 1] → Y tal que F (x, 0) = f (x) e F (x, 1) = g(x), ∀x ∈ X. A aplicação F é chamada de homotopia entre f e g e se f é homotópica a g, então utilizaremos a notação f w g. 0 0 Proposição 23 Sejam f, f : X → Y e g, g : Y → Z aplicações contı́nuas. Se f w f 0 e g w g 0 então g ◦ f w g 0 ◦ f 0 . 0 Prova. Sejam H : X × [0, 1] → Y uma homotopia entre f e f e K : Y × [0, 1] → Z 0 uma homotopia entre g e g . Definimos L : X × [0, 1] → Z uma homotopia entre g ◦ f e 0 g 0 ◦ f , pondo L(x, t) = K(H(x, t), t). Definição 24 Quando f e g são dois caminhos em X ligando os pontos x0 e x1 de X com f (0) = g(0) = x0 e f (1) = g(1) = x1 , respectivamente denominados ponto inicial e ponto final do caminho, uma homotopia F : [0, 1] × [0, 1] → X entre eles é uma aplicação contı́nua tal que a) F (s, 0) = f (s) e F (s, 1) = g(s), ∀s ∈ [0, 1], b) F (0, t) = x0 e F (1, t) = x1 , ∀t ∈ [0, 1]. Neste caso,dizemos que F é um caminho homotópico entre f e g. Quando f e g são caminhos homotópicos utilizaremos a notação f v g. Proposição 25 As relações w e v são de equivalência. Prova. Dado f , tomando F (x, t) = f (x) segue que f w f . Caso f seja um caminho, F como definida é um caminho homotópico. Dados f w g de forma que F seja uma homotopia entre ambos, naturalmente G(x, t) = F (x, 1 − t) é uma homotopia entre g e f . Logo, g w f . Se F for um caminho homotópico o mesmo irá ocorrer com G da forma que foi definido. Suponha que f w g e g w h sendo F e F 0 respectivamente homotopias entre f e g, e g e h. Definindo ½ G : X × [0, 1] → Y 1pela equação F (x, 2t) se t ∈ [0, 2 ] segue que G esta bem definida pois para t = 12 , G(x, t) = F´(x, 2t − 1) se t ∈ [ 12 , 1] F (x, 2t) = g(x) = F 0 (x, 2t − 1), além disso G é contı́nua pois sobre os conjuntos fechados X × [0, 21 ] e X × [ 12 , 1] G é naturalmente contı́nua, agora sendo C um subconjunto fechado de Y , tem-se que G−1 (C) = F −1 (C)∪F 0−1 (C). Pela continuidade de F e F 0 segue 66 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 que F −1 (C) e F 0−1 (C) são ambos fechados, logo G−1 (C) é fechado e a continuidade de G segue caracterização de continuidade via conjuntos fechados. Portanto, f w h. Caso F e F 0 sejam caminhos homotópicos naturalmente G também o será e a transitividade será demonstrada da mesma forma. Nosso interesse estará diretamente relacionado com caminhos f : [0, 1] → X. Denotamos a classe de equivalência de f via a relação v por [f ]. No conjunto de tais classes de equivalência de caminhos em X ⊂ Rn definiremos agora uma operação que irá munir este conjunto de uma estrutura de ”quase grupo”. Definição 26 Sejam f, g : [0, 1] → X dois caminhos ligando respectivamente os pontos de ½ f (2s) se s ∈ [0, 21 ] . X, x0 e x1 , x1 e x2 . O produto f ∗g é o caminho h dado por h(s) = g(2s − 1) se s ∈ [ 12 , 1] A função h está bem definida pois para s = 12 , f (2s) = g(2s − 1) e conforme a mesma argumentação feita na demonstração da proposição anterior, h é contı́nua. Portanto h é um caminho em X ligando x0 a x2 . Através da operação acima definimos uma operação entre classes de equivalência de caminhos em X como segue: [f ]∗[g] = [f ∗g]. Observe que se F é um caminho homotópico entre f e f 0 e½G é um caminho homotópico entre g e g 0 definindo £ 1¤ F (2s, t) para s ∈ 0,£ 2 ¤ H(s, t) = , uma vez que F (1, t) = x1 = G(0, t) a função G(2s − 1, t) para s ∈ 12 , 1 H está bem definida e a continuidade segue do mesmo argumento utilizado na demonstração da proposição anterior. Naturalmente H é um caminho homotópico entre f ∗ g e f´∗ g´o que caracteriza a boa definição da operação ∗ entre classes de equivalência. Vale destacar que [f ] ∗ [g] não é definida para todo par de classes de equivalência e sim somente para classes [f ] e [g] onde f (1) = g(0). Proposição 27 A operação ∗ satisfaz as seguintes propriedades: a) Se [f ] ∗ ([g] ∗ [h]) está definida, então o mesmo ocorre com ([f ] ∗ [g]) ∗ [h] sendo ambos iguais. b) Se f é um caminho em X ligando x0 a x1 , então [f ] ∗ [idx1 ] = [f ] e [idx0 ] ∗ [f ] = [f ], onde idx : [0, 1] → X é a aplicação constante idx (t) = x ∈ X , ∀t ∈ [0, 1]. c) Sendo f um caminho em X ligando x0 a x1 , o caminho g(t) = f (1 − t) é chamado caminho inverso de f e [f ] ∗ [g] = [idx0 ] e [g] ∗ [f ] = [idx1 ]. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 67 Prova. Vamos explicitar as demonstrações (b) e (c). id : [0, 1] → [0, 1] id : [0, 1] → [0, 1] Sejam 0 e . Então id0 ∗ id é um caminho em s 7→ 0 s 7−→ s [0, 1] ligando 0 a 1. Naturalmente se Y é um espaço convexo em Rn , então quaisquer dois caminhos f e g em Y ligando x0 a x1 são homotópicos em Y uma vez que F (x, t) = (1 − t)f (x) + tg(x) é uma homotopia entre eles. Assim, dado que [0, 1] é convexo existe uma homotopia G entre id e id0 ∗ id. Portanto, f ◦ G é um caminho homotópico em X entre os caminhos f ◦ id = f e f ◦ (id0 ∗ id) = (f ◦ id0 ) ∗ (f ◦ id) = idx0 ∗ f , logo [idx0 ] ∗ [f ] = [idx0 ∗ f ] = [f ]. Analogamente prova-se que [f ] ∗ [idx1 ] = [f ].Agora, sejam os caminhos ˜ ˜ ˜ id : [0, 1] → [0, 1] id : [0, 1] → [0, 1] ,sendo id o inverso de id. Assim, id ∗ id é e s 7−→ s s 7−→ 1 − s um caminho em [0, 1] começando e terminando em 0. Novamente, dado a convexidade de ˜ [0, 1], existe um caminho H em [0, 1] entre id0 e id ∗ id. Portanto f ◦ H é um caminho ˜ homotópico entre f ◦ id0 = idx0 e (f ◦ id) ∗ (f ◦ id) = f ∗ g onde g(s) = f (1 − s). Assim , [f ] ∗ [g] = [f ∗ g] = [idx0 ]. De forma análoga prova-se que [g] ∗ [f ] = [idx1 ]. Como já destacamos anteriormente, o conjunto das classes de caminhos homotópicos no espaço X ⊂ Rn não forma um grupo munido da operação ∗ , uma vez que este produto não é definido para quaisquer duas classes de caminhos homotópicos em X. Todavia iremos fazer a restrição desta operação a um subconjunto de classes de caminhos homotópicos em X e relativamente a este subconjunto e a operação ∗ teremos estrutura de grupo, contudo antes de proceder desta forma vamos explorar o interessante conceito de espaço contrátil. 2.2 Espaços contráteis Definição 28 Um espaço X é chamado contrátil quando a aplicação identidade id : X → X é homotópica a uma aplicação constante fp : X → X com fp (x) = p, ∀x ∈ X. 68 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Observe que se H é uma homotopia entre id e fp , então para x e y, pontos arbitrários de X, a aplicação h : [0, 1] → X, h(t) = H(x, t), é um caminho ligando x a p. De forma analóga, r(t) = H(y, t) é um caminho ligando y a p. Logo, X é conexo por caminhos pois a justaposição destes caminhos h e r determina uma ligação entre x e y. Definição 29 Uma aplicação contı́nua f : X → Y é chamada uma equival˜encia homotópica se, esomente se, existe uma aplicação contı́nua g : Y → X tal que g ◦ f w idX e f ◦ g w idY , onde idY e idY são as aplicações identidades A aplicação g é chamada de inverso homotópico de f. Dois espaços X e Y tem o mesmo tipo de homotopia se existe uma equivalência homotópica entre eles. Notação: X ≡ Y . Assim, X é contrátil se, e somente se, tem o mesmo tipo de homotopia que um ponto. Além disso, todo homeomorfismo é uma equivalência homotópica e a relação ≡ é uma relação de equivalência. Desta forma, se X é homeomorfo a Y e X é contrátil, segue que X ≡ Y e X ≡ {ponto} e portanto Y ≡ {ponto}, ou seja, Y também é contrátil. Proposição 30 Se X ou Y é contrátil, então toda aplicação contı́nua f : X → Y é homotópica a uma constante. Prova. Se X for contrátil e H : X × [0, 1] → X for uma homotopia entre idx e uma aplicação constante fp : X → X, fp (x) = p, ∀x ∈ X , então dada qualquer f : X → Y contı́nua, a aplicação f ◦H será uma homotopia entre f e uma aplicação constante de Y em Y . Se Y for contrátil e K : Y × [0, 1] → Y for uma homotopia entre idy e uma constante, então L : X × [0, 1] → Y , L(x, t) = K(f (x), t) é uma homotopia entre f : X → Y e uma aplicação constante. Se X e Y são dois espaços e denotarmos por [X, Y ] o conjunto de classes de homotopia de aplicações contı́nuas de X em Y , então se Y é contrátil, qualquer que seja X, pela proposição anterior segue que quaisquer duas aplicações contı́nuas f, g : X → Y são sempre homotópicas, ou em outras palavras [X, Y ] possui um único elemento. De forma similar, se X é contrátil e Y é conexo por caminhos, então [X, Y ] possui um único elemento. Naturalmente, todo conjunto convexo é contrátil, assim o disco D2 é contrátil uma vez que o mesmo é convexo. Agora, sua fronteira é a esfera S 1 que é conexa por caminhos, (1−t)a+tb pois dados a, b ∈ S 1 com b 6= −a , f : [0, 1] → S 1 definida por f (t) = |(1−t)a+tb| é contı́nua 1 com f (0) = a e f (1) = b. Todavia, se b = −a, basta tomar c ∈ S − {a, b}, ligar a com c e c com b como no caso onde b 6= −a e fazer a justaposição destes caminhos. Surge então a seguinte questão: S 1 é contrátil? De fato, todo espaço X que não é conexo por caminhos também não é contrátil, contudo este argumento não pode ser utilizado para concluir nada sobre a contratibilidade ou não de S 1 . Mostraremos futuramente, via uma nova ferramenta, que S 1 não é contrátil. Talvez este seja um dos primeiros exemplos não triviais de um espaço com esta caracterı́stica. Um fato interessante associado ao conceito de espaço contrátil é que embora possamos ter um espaço X não contrátil é possı́vel construir um novo espaço CX contrátil ˜ tal que X pode ser ”mergulhado”em CX, ou seja, existe uma cópia homeomorfa X de X contida em CX. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2.3 69 O grupo fundamental Definição 31 Sejam X um espaço e x0 ∈ X. Um caminho em X começando e terminando em x0 é chamado um ciclo com ponto base x0 . O conjunto das classes de homotopia de ciclos baseados em x0 ∈ X com a operação ∗ é chamado de grupo fundamental de X relativamente ao ponto base x0 . Notação: π1 (X, x0 ). Observe que dados dois ciclos f e g baseados em x0 , o produto f ∗ g está bem definido e o mesmo é um ciclo em x0 . As propriedades associativa, existência de elemento neutro [idx0 ] e do inverso de uma classe são naturalmente válidas. Quando X = Rn e x0 é um ponto base escolhido arbitrariamente, se f é um ciclo em x0 , então a homotopia linear F (x, t) = (1 − t)f (x) + tg(x), onde g(x) = x0 é constante, mostra que π1 (Rn , x0 ) é o grupo trivial. O mesmo argumento pode ser utilizado para mostrar que se X é um subconjunto convexo do Rn , então π1 (X, x0 ) é trivial. Sejam X um espaço e α um caminho em X ligando x0 a x1 . Vamos denotar por α o caminho inverso de α. A aplicação de α induz a aplicação α b definida como segue: α b : π1 (X, x0 ) → π1 (X, x1 ) [f ] −→ α b([f ]) = [α] ∗ [f ] ∗ [α] Observe que α ∗ (f ∗ α) é um ciclo em x1 . Além disso, α b([f ]) ∗ α b([g]) = ([α] ∗ [f ] ∗ [α]) ∗ ([α] ∗ [g] ∗ [α]) = [α] ∗ [f ] ∗ [g] ∗ [α] = α b([f ] ∗ [g]), logo α b é um homomorfismo. Agora, para concluir que α b é um isomorfismo vamos mostrar que se β denota o caminho α, então β é o inverso de α b. Para cada [h] ∈ π1 (X, x1 ) segue que: b β([h]) = [β] ∗ [h] ∗ [β] = [α] ∗ [h] ∗ [α] b α b(β([h])) = [α] ∗ ([α] ∗ [h] ∗ [α]) ∗ [α] = [h]. b α([f ])) = [f ], ∀[f ] ∈ π1 (X, x0 ). Analogamente, é possı́vel mostrar que β(b Como α b é isomorfismo, caso X seja conexo por caminhos com x0 , x1 ∈ X, então π1 (X, x0 ) é isomorfo a π1 (X, x1 ). Observe ainda que sendo C uma componente conexa de X contendo x0 segue que π1 (C, x0 ) = π1 (X, x0 ). Desta forma π1 (X, x0 ) depende somente de componente conexa de X contendo x0 . Assim, usualmente quando vamos trabalhar com um espaço X no sentido de analisar o seu grupo fundamental por vez nos preocupamos com espaços que sejam conexos por caminhos. Nosso objetivo agora é mostrar que o grupo fundamental de X é um invariante topológico do espaço X, inicialmente vejamos um conceito que será auxiliar a esta conclusão pretendida. Seja h : X → Y uma aplicação contı́nua com h(x0 ) = y0 . 70 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Considere f um ciclo em X com base em x0 , então h ◦ f : [0, 1] → Y é um ciclo em Y com base em y0 . Assim, pode-se definir a aplicação h∗ : π1 (X, x0 ) → π1 (Y, y0 ) dada por h∗ ([f ]) = [h ◦ f ] que será denominada homomorfismo induzido por h relativamente ao ponto base x0 . Observe que se F é um caminho homotópico entre f e g, então h ◦ F é um caminho homotópico entre h ◦f e h◦ g. Além disso, a igualdade (h ◦ f ) ∗ (h◦ r) = h ◦ (f ∗ r) garante que h∗ é homomorfismo. Este homomorfismo depende de h e também da escolha do ponto base x0 . Sejam h : X → Y e k : Y → Z aplicações contı́nuas entre espaços X, Y e Z com h(x0 ) = y0 , k(y0 ) = z0 , então (k ◦ h)∗ = k∗ ◦ h∗ e a aplicação id : X → X , id(x0 ) = x0 , induz o homomorfismo identidade id∗ : π1 (X, x0 ) → π1 (X, x0 ). Portanto se ϕ : X → Y , ϕ(x0 ) = y0 , é uma equivalência homotópica de X em Y , então ϕ∗ : π1 (X, x0 ) → π1 (Y, y0 ) é um isomorfismo. De fato: Seja φ : X → Y , φ(y0 ) = x0 , a inversa homotópica de ϕ, segue que φ∗ ◦ ϕ∗ = (φ ◦ ϕ)∗ e (φ ◦ ϕ)∗ : π1 (X, x0 ) → π1 (X, x0 ) é tal que (φ ◦ ϕ)∗ ([f ]) = [φ◦ϕ◦f ], mas como φ◦ϕ ∼ = idX , pela proposição23 [φ ◦ ϕ ◦ f ] = [idX ◦ f ] = [f ] e assim φ∗ ◦ ϕ∗ = (ϕ ◦ φ)∗ = id∗ . De maneira análoga, ϕ∗ ◦ φ∗ = id∗ . Portanto, φ∗ é a inversa de ϕ∗ . Em resumo, se X ≡ Y então π1 (X, x0 ) é isomorfo a π1 (Y, ϕ(x0 )), onde ϕ é uma equivalência homotópica entre X e Y, mais ainda, se ϕ é um homeomorfismo entre X e Y, então π1 (X, x0 ) é isomorfo a π1 (Y, ϕ(x0 )). Desta forma, se X é contrátil e x0 ∈ X, então π1 (X, x0 ) é trivial. De fato, se X ≡ {ponto}, então π1 (X, x0 ) é isomorfo a π1 ({ponto}, ponto), que é trivial. 2.4 Espaços simplesmente conexos Definição 32 Um espaço X é simplesmente conexo quando X é conexo por caminhos e para todo x0 ∈ X tem-se que π1 (X, x0 ) é um grupo trivial. Notação: π1 (X, x0 ) = 0. Assim, todo ciclo f : [0, 1] → X com base em x0 é homotópico ao caminho constante idx0 .Naturalmente, todo espaço contrátil é simplesmente conexo. Proposição 33 Em um espaço simplesmente conexo X, quaisquer dois caminhos com os mesmos pontos iniciais e finais são homotópicos. Prova. Sejam f e g caminhos em X ligando x0 a x1 . Então, f ∗ g é um ciclo em X com base em x0 . Como X é simplesmente conexo, este ciclo é homotópico ao caminho constante idx0 . Portanto [f ∗ g] ∗ [g] = [idx0 ] ∗ [g] e assim [f ] = [g]. 2.5 Espaços de recobrimento Para finalizar este capı́tulo vamos abordar a definição de espaço de recobrimento. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 71 Definição 34 Seja p : E → B uma aplicação contı́nua e sobrejetora entre os espaços E e B. Um conjunto aberto U ⊂ B é dito recoberto por p, se e somente se, p−1 (U ) é uma união de abertos Vα de E , dois a dois disjuntos, tal que cada α, p|Vα é um homeomorfismo de Vα em U . Quando para todo o ponto de B existir um aberto U ⊂ B contendo este ponto, sendo que U é recoberto por p, diz-se que p é uma aplicação de recobrimento e E é um espaço de recobrimento de B. Para cada b ∈ B, p−1 (b) será denominado a fibra de b. Suponha que p : E → B seja uma aplicação de recobrimento e tome um aberto qualquer A ⊂ E. Seja x ∈Sp(A). Existe um aberto U ⊂ B com x ∈ U , sendo U recoberto por p. Assim, p−1 (U ) = Vα , onde Vα são abertos de E. Como p é sobrejetora, tome α que y ∈ E tal que p(y) = x e suponha que Vα seja um aberto do recobrimento de U com y ∈ Vα . Logo Vα ∩A é aberto em E e então é aberto em Vα . Agora, dado que p|Vα : Vα → U é homeomorfismo que segue p(Vα ∩A) é um aberto em U e assim aberto em B. Portanto, existe uma vizinhança aberta de x em p(A), o que nos possibilita concluir que toda aplicação de recobrimento é uma aplicação aberta. Proposição 35 A aplicação p : R → S 1 , p(x) = (cos2πx, sen2πx) é uma aplicação de recobrimento. Prova. Podemos decompor S 1 via os abertos U1 , U2 , U3 e U4 descritos na figura abaixo. Iremos trabalhar apenas com U1 , os demais casos são similares. Assim, p−1 (U1 ) corresponde a união dos intervalos Vn = (n − 14 , n + 14 ), ∀n ∈ Z. A £ ¤ aplicação p restrita a Vn = n − 14 , n + 41 é injetora, aplica Vn sobrejetivamente em U1 e Vn em U1 . Dado Vn é compacto, p|Vn é homeomorfismo e em particular p|Vn é homeomorfismo de Vn em U1 . Portanto, p é uma aplicação de recobrimento. 72 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Toda aplicação de recobrimento p : E → B é um homeomorfismo local, em outras palavras, cada ponto de E possui uma vizinhança aberta que é homeomorfa via p a um aberto de B. Todavia o fato de p ser um homeomorfismo local não garante que o mesmo seja uma aplicação de recobrimento. Por exemplo, p : R+ → S 1 , p(x) = (cos2πx, sen2πx) é um homeomorfismo local, embora não seja uma aplicação de recobrimento (o ponto (1, 0) não possui vizinhança recoberta por p). Este exemplo mostra que a restrição de uma aplicação de recobrimento pode não ser de recobrimento. 3 3.1 Um estudo do cı́rculo O grupo fundamental do cı́rculo Definição 36 Seja p : E → B uma aplicação entre os espaços E e B. Sejam X um espaço e f : X → B contı́nua. Um levantamento de f é uma aplicação fe : X → E tal que p ◦ fe = f Proposição 37 Seja p : E → B uma aplicação de recobrimento como p(e0 ) = b0 . Qualquer caminho f : [0, 1] → B começando em b0 possui um único levantamento a um caminho fe em E começando em e0 Prova. Esboço da demonstração FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 73 Tome uma cobertura de B por abertos U que são recobertos por p. Como [0, 1] e f ([0, 1]) são compactos utilizando o número de Lebesgue podemos encontrar uma subdivisão de [0, 1], s0 , ..., sn , tal que para cada i, f ([si , si+1 ]) está contido em algum aberto U . Definimos fe(0) = e0 . Agora, supondo que fe(s) está definida para 0 ≤ s ≤ si , vamos S definı́-la sobre [si , si+1 ]. Seja U o aberto contendo f ([si , si+1 ]). Temos que p−1 (U ) = Vα , α onde Vα são abertos de E, e p|Vα é um homeomorfismo entre Vα e U . Se fe(si ) ∈ V0 definimos fe(s) para s ∈ [si , si+1 ] pela equação fe(s) = (p|V0 )−1 (f (s)). A continuidade de fe em [si , si+1 ] é consequência do homeomorfismo p|V0 : V0 → U . Procedendo sucessivamente dessa forma definimos fe sobre [0, 1]. ≈ Quanto a unicidade vamos supor que f seja outro levantamento de f começando em ≈ ≈ e0 . Assim, fe(0) = e0 = f (0). Suponhamos que fe(s) = f (s), ∀s ∈ [0, si ]. Tomando V0 ≈ como acima observamos que para s ∈ [si ., si+1 ], fe(s) = (p|V )−1 (f (s)). Agora, dado que f 0 ≈ é levantamento de f e portanto contı́nua, os abertos Vα são disjuntos, e f (si ) = fe(si ) ∈ V0 , ≈ ≈ então f ([si , si+1 ]) ⊂ V0 . Logo, para s ∈ [si , si+1 ], f (s) = y ∈ V0 pertencente a p−1 (f (s)). Contudo pelo homeomorfismo segue a unicidade dos pontos em (p|V0 )−1 (f (s)). Portanto, ≈ f (s) = fe(s), ∀s ∈ [si , si+1 ] Vamos agora estudar este resultado para caminhos homotópicos. Proposição 38 Seja p : E → B uma aplicação de recobrimento com p(e0 ) = b0 . Considere a aplicação contı́nua F : [0, 1] × [0, 1] → B com F (0, 0) = b0 . Nestas condições, ∼ existe um único levantamento de F a uma aplicação contı́nua F : [0, 1] × [0, 1] → E tal ∼ ∼ que F (0, 0) = e0 . Se F é um caminho homotópico, então F também o será. Prova. Esboço da demonstração: Definimos Fe(0, 0) = e0 . Ultilizando a proposição anterior estendemos Fe sobre {0} × [0, 1] e [0, 1] × {0} contidos no quadrado [0, 1] × [0, 1]. Devemos estender Fe para este quadrado. Vamos decompor [0, 1] × [0, 1] conforme a figura abaixo e representar Ii × Jj = [si−1 , si ] × [tj−1 , tj ]. 74 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 A F - imagem destes retângulos está contida em abertos de B que são recobertos por p. Vamos definir Fe em I1 × J1 , continuando com Ii × J1 , passando para Ii × J2 e assim sucessivamente. Genericamente, dados i0 e j0 assumimos que Fe está definida sobre o conjunto A o qual é a união de {0} × [0, 1] , [0, 1] × {0} e todos os retângulo ”anteriores” a Ii0 × Jj0 , onde anteriores significam os retângulos Ii × Jj com j < j0 e quando j = j0 , i < i0 . Assumimos também que Fe é um levantamento contı́nuo de F |A . Para definir Fe sobre Ii0 × Jj0 escolhemos um aberto U de B recoberto por p contendo F (Ii0 × Jj0 ). Seja p−1 (U ) = S α Vα , onde p|Vα : Vα → U é homeomorfismo. Seja C = A ∩ (Ii0 × Jj0 ), como C é conexo, Fe(C) é conexo e deverá pertencer inteiramente a algum Vα , digamos V0 . Observe que p|V0 é um homeomorfismo e para cada x ∈ C, p|V0 (Fe(x)) = p(Fe(x)) = F (x) ⇒ Fe (x) = (p|V0 )−1 (F (x)). Portanto, estendemos f F definindo Fe (x) = (p|V0 )−1 (F (x)), ∀x ∈ Ii0 × Jj0 . Continuando desta forma definimos Fe sobre [0, 1] × [0, 1]. ∼ Quanto a unicidade, vale observar que cada passo da construção de F foi feito original∼ mente estendendo F primeiramente na base e a esquerda de [0, 1] × [0, 1] e posteriormente nos retângulos Ii × Jj um a um e este procedimento de extensão é único para obtenção ∼ de F . Assim, quando o valor de Fe em (0, 0) é especificado, o mesmo fica determinado. Finalmente, vamos supor que F seja um caminho homotópico. Observe que ˜ F ({0} × [0, 1]) = b0 ∈ B. Como {0}×[0, 1] é conexo e Fe contı́nua segue que F ({0}×[0, 1]) é conexo e como o mesmo pertence a fibra (discreta) p−1 (b0 ), o mesmo deve ser um único ponto. Analogamente, Fe({1} × [0, 1]) é um único ponto. Logo, Fe é um caminho homotópico. Seja p : E → B uma aplicação de recobrimento com p(e0 ) = b0 . Sejam f e g dois caminhos em B ligando b0 a b1 , os mesmos podem ser levantados em E via caminhos FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 75 únicos, fee g, e começando em e0 . Suponha que f e g sejam homotópicos com F : [0, 1]×[0, 1] → B um caminho homotópico entre ambos, com F (0, 0) = b0 . Segundo a proposição anterior podemos obter um levantamento Fe : [0, 1] × [0, 1] → E de F tal que Fe (0, 0) = e0 e sendo Fe um caminho homotópico com Fe({0} × [0, 1]) = {e0 } e Fe ({1} × [0, 1]) = {e1 }, onde e1 ∈ E. A restrição Fe|[0,1]×{0} é um caminho em E começando em e0 e é um levantamento de F |[0,1]×{0} . Pela unicidade do levantamento de caminhos temos que Fe(s, 0) = fe(s). Analogamente, Fe|[0,1]×{1} é um caminho em E que é o levantamento F |[0,1]×{1} , começando em e0 e tal que Fe(s, 1) = ge(s). Portanto fe e ge são caminhos homotópicos em E com o mesmo ponto final e1 . Além disso, se [f ] é uma classe em π1 (B, b0 ) e fe é o levantamento de f a um caminho em E começando em e0 , vamos definir a aplicação φ : π1 (B, b0 ) → p−1 (b0 ), onde φ([f ]) corresponde ao ponto final fe(1). Naturalmente, φ depende da escolha de e0 . Proposição 39 Seja p : E → B uma aplicação de recobrimento com p(e0 ) = b0 . Se E é conexo por caminhos, então φ acima definida é sobrebjetora. Se E é simplesmente conexo, então φ é bijetora. Prova. Dado e1 ∈ p−1 (b0 ), existe um caminho fe em E ligando e0 a e1 . Então, f = p ◦ fe é um ciclo em B com base b0 e assim φ([f ]) = e1 . Agora, supondo E simplesmente conexo, vamos tomar [f ], [g] ∈ π1 (B, b0 ) com φ([f ]) = φ([g]). Sejam fe e ge levantamentos de f e g respectivamente começando em e0 . Temos que, fe(1) = ge(1). Como E é simplesmente conexo, existe um caminho homotópico Fe em E entre fe e ge. Portanto, p◦ Fe é um caminho em B entre f e g, assim [f ] = [g]. Estamos agora em condições de demonstrar o principal resultado deste trabalho, a saber: Teorema 40 O grupo fundamental S 1 é isomorfo ao grupo aditivo dos inteiros. Prova. Seja p : R → S 1 a aplicação de recobrimento descrita em 35 e e0 = 0 com p(e0 ) = b0 = (1, 0). Assim p−1 (b0 ) = Z. Como R é simplesmente conexo, φ : π1 (S 1 , b0 ) → Z é bijetora. Portanto, basta mostrar que φ é homomorfismo. De fato: dados [f ], [g] ∈ ∼ ∼ π1 (S 1 , b0 ) com respectivos levantamentos f e g começando em 0 ∈ R. Se consideramos ∼ ∼ ≈ ∼ f (1) = n e g(1) = m , então φ([f ]) = n e φ([g]) = m. Assim, g(s) = n + g(s) é um ∼ ≈ levantamento de g começando em n. O produto f ∗ g corresponde a um levantamento de ≈ f ∗ g começando em 0 e o ponto final deste levantamento é g(1) = n + m. Logo, φ([f ]∗ [g]) = n + m = φ([f ]) + φ([g]). Este resultado apresenta uma série de consequências interessantes, vamos agora destacar algumas. 1 Naturalmente S não é simplesmente conexo e consequentemente não contrátil, respondendo assim a uma questão apresentada anteriormente neste texto. Também, como foi abordado no final do capı́tulo 1, utilizando o teorema anterior concluı́mos que S 1 e [0, 1] não são homeomorfos. 3.2 Retrações e pontos fixos Definição 41 Sejam X um espaço e A ⊂ X. Uma retração de X em A é uma aplicação contı́nua r : X → A tal que r|A é a aplicação idA . Quando tal aplicação r existe dizemos que A é um retrato de X. 76 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Observe que se r : X → A é uma retração e i : A → X é a aplicação inclusão, então r ◦ i = idA . Logo r∗ ◦ i∗ é a aplicação identidade de π1 (A, a) onde a ∈ A. Desta forma, i∗ : π1 (A, a) → π1 (X, a) é um homomorfismo injetor Proposição 42 Não existe retração do disco bidimensional unitário D2 em S 1 Prova. Caso S 1 fosse um retrato de D2 , então o homomorfismo induzido pela inclusão i : S 1 → D2 entre os grupos fundamentais seria injetor. Todavia, isto gera um absurdo, pois para a ∈ S 1 , como π1 (S 1 , a) ≈ Z e π1 (D2 , a) = {0} pois D2 é convexo. Proposição 43 Dado um campo vetorial não-nulo sobre o disco D2 , existe um ponto de S 1 onde o campo vetorial no mesmo aponta para o interior e um outro ponto de S 1 onde o campo aponta para fora de S 1 . Prova. Vale lembrar que um campo vetorial sobre D2 é um par ordenado (x, v(x)) ∈ D2 × R2 onde v : D2 → R2 dada por v(x) = (v1 (x), v2 (x)) é uma aplicação contı́nua, sendo que este campo é não nulo, neste caso v(x) 6= 0 ∈ R2 , ∀x ∈ D2 . Suponhamos que o campo (x, v(x)) não apresente nenhum ponto apontando para dentro de S 1 e seja w = v|S1 . Assim, w pode ser estendida para D2 e desta forma é homotópica a uma constante uma vez que ϕ : S 1 × [0, 1] → D2 , ϕ(x, t) = (1 − t)x é uma aplicação contı́nua, sobrejetora e não-nula em S 1 ×{1}, então v◦ϕ : S 1 ×[0, 1] → R2 −{0} é uma homotopia entre w e a aplicação constante fv(0) : S 1 → v(0) dada por fv(0) (x) = v(0). Por outro lado, w é homotópica a inclusão i : S 1 → R2 − {0}, segundo a homotopia F : S 1 × [0, 1] → R2 − {0} dada por F (x, t) = tx + (1 − t)w(x). Observe que F (x, t) 6= 0 para t = 0 e 1. Além disso, se F (x, t) = 0 para 0 < t < 1, então tx + (1 − t)w(x) = 0 ⇒ w(x) é igual a um multı́plo escalar negativo de x, ou seja, no ponto x o campo aponta para dentro de S 1 . Portanto, necessariamente F (x, t) 6= 0, ∀(x, t) ∈ S 1 × [0, 1]}. Agora, como w é homotópica a aplicação constante fv(0) e também a i, segue que i é homotópica a aplicação constante fv(0) e portanto (i ◦ f ) ∼ (fv(0) ◦ f ), ∀f : [0, 1] → S 1 e sendo assim i∗ : π1 (S 1 , a) → π1 (R2 − {0}, a) dada por i∗ ([f ]) = [i ◦ f ] = [f ], não é uma aplicação injetora, pois dados [f ], [g] ∈ π1 (S 1 , a), temos que [i ◦ f ] = [fv(0) ◦ f ] = [fv(0) ◦ g] = [i ◦ g]. Mas istoé um absurdo, pois a aplicação x é uma retração, assim i∗ é um homomorfismo injetor, logo r : R2 − {0} → S 1 , r(x) = qxq não trivial. Finalmente, para mostrar que o campo possui um ponto em S 1 no qual o mesmo aponta para fora de S 1 basta utilizar o mesmo raciocı́nio acima para (x, −v(x)). Como uma consequência desta proposição pode-se provar o chamado teorema do ponto fixo de Brouwer para o disco D2 , a saber: Teorema 44 Se f : D2 → D2 é contı́nua, então existe um ponto p ∈ D2 tal que f (p) = p. Prova. Suponhamos que para todo x ∈ D2 , f (x) 6= x. Assim, definimos v(x) = f (x) − x e desta forma (x; v(x)) é um campo vetorial não nulo sobre D2 . Por outro lado, este campo em nenhum ponto de S 1 poderá apontar para fora de S 1 , uma vez que este fato corresponde na necessidade da existência de a ∈ R+ tal que v(x) = f (x) − x = ax ⇒ f (x) = (1 + a)x ∈ / D2 . Mas isto é um absurdo. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 3.3 77 O teorema fundamental da álgebra Para finalizar este trabalho vamos abordar a demonstração do teorema fundamental da álgebra utilizando o nosso conhecimento do grupo fundamental de S 1 . Teorema 45 A equação xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0 em que a0 , a1 , ..., an−1 ∈ C, possui pelo menos uma raiz. Prova. Temos que S 1 = {z ∈ C/ kzk = 1} e seja f : S 1 → S 1 definida por f (z) = z n . Assim o homomorfismo induzido f∗ é injetor. De fato: seja p0 : [0, 1] → S 1 , dada por p0 (s) = (cos 2πs, sin 2πs) , observe que p0 é um ciclo em S 1 e sua f∗ − imagem é o ciclo f ◦ p0 (s) = (cos 2πns, sin 2πns). Este ciclo levanta-se ao caminho s → ns no espaço de recobrimento R de S 1 . Além disso, o ciclo f ◦ p0 (s) corresponde ao inteiro n segundo o isomorfismo π1 (S 1 , b0 ) ≈ Z, sendo que p0 corresponde ao número 1. Portanto, f∗ é uma espécie de multiplicação por n no grupo fundamental de S 1 , em particular, é injetora. Agora, seja g : S 1 → R2 − {0} dada por g(z) = z n , esta aplicação não pode ser homotópica a uma aplicação constante uma vez que g = i ◦ f , onde i = S 1 → R2 − {0} é a inclusão e f é como acima, e desta forma g∗ = i∗ ◦ f∗ , sendo f∗ injetor e i∗ injetor também, pois S 1 é um retrato de R2 − {0}. Portanto, g∗ é injetor, em particular, não pode ser homotópica a uma constante. Consideremos um caso especial do teorema onde assumimos que |an−1 | + ... + |a0 | < 1 e com esta condição vamos mostrar que a equação polinomial possui uma raiz em D2 . De fato: Suponha que não exista tal raiz. Definimos k : D2 → R2 − {0} , k(z) = z n + an−1 z n−1 + ... + a1 z + a0 sendo h = k|S 1 . Dado que h pode ser estendida para D2 segue que a mesma é homotópica a uma constante. Vamos definir uma homotopia entre h e g, o que iria acarretar num absurdo. Considere a função F : S 1 × [0, 1] → R2 − {0}, F (z, t) = z n + t(an−1 z n−1 + ... + a0 ). Observe que |F (z, t)| ≥ |z n | − |t(an−1 .z n−1 + ... + a0 )| ≥ 1 − t(|an−1 z n−1 | + ... + |a0 |) = 1 − t(|an−1 | + ... + |a0 |) > 0. Finalmente, para a equação polinominal xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0, escolhemos c ∈ R+ e substituimos x = cy, segue que esta equação corresponde a (*) y n + an−1 y n−1 + c a1 ...+ cn−1 y + can0 = 0. Naturalmente, se y0 é raiz de (∗), então a cy0 é raiz de xn +an−1 xn−1 + ... + a0 = 0. Assim, o estudo geral recai no ¯ caso ¯ especial ¯ a anterior ¯ ¯a ¯ , bastando para tanto 1 ¯ ¯ + ... + ¯ n−1 escolher c suficiente grande de forma que ¯an−1 + ¯cn0 ¯ < 1 c c Referências [1] C.T.C.Wall, “A geometric Introdution to Topology”, Dover Publications, 1972. [2] E.L.Lima, “Curso de Análise - Vol. 2”, IMPA / CNPq, 1981. [3] E.L.Lima, “Grupo Fundamental e Espaços de Recobrimento”, Projeto Euclides / IMPA, 1981. [4] G.Bredon, “Geometry and Topology”, Springer / New York, 1993. [5] J.Dugundji, “Topology”, Allyn and Bacon, Boston, 1966. [6] J.R.Munkres, “Topology”, Prentice Hall, 1975. 78 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Î¥ Þ Problemas e Soluções Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 80 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Problemas e Soluções do Número 02 da FAMAT em Revista: Luiz Alberto Duran Salomão (coordenador da seção) Edson Agustini Walter dos Santos Motta Júnior Antônio Carlos Nogueira Carlos Alberto dos Santos Júnior FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 81 PROBLEMAS E SOLUÇÕES A revista eletrônica FAMAT em Revista publica regularmente uma seção de problemas com o título Problemas e Soluções. Todos os interessados podem participar dessa seção, apresentando soluções para os problemas já publicados ou propondo novos problemas. São publicados problemas de matemática básica ou superior e, também, enigmas de natureza lógica que desafiem nossos leitores e lhes proporcionem bom treinamento na resolução de problemas. O comitê editorial seleciona, dentre os problemas propostos, os que mais se destaquem por sua beleza, relevância e originalidade. Problemas propostos em um número da revista terão suas soluções publicadas no número seguinte e serão citados os seus proponentes, bem como os autores das suas soluções. Ao propor um problema, o leitor deverá, preferencialmente, encaminhar sua solução juntamente com o enunciado e, se possível, citar a fonte de onde ele foi tirado. Todo participante dessa seção deverá identificar-se mencionando seu nome e endereço completos (inclusive e-mail). Para fazer contato com a revista, os participantes poderão utilizar o endereço eletrônico [email protected] ou encaminhar correspondência para: FAMAT em Revista Faculdade de Matemática Universidade Federal de Uberlândia Av. João Naves de Ávila, 2121 38400-902 - Uberlândia - MG Neste número, publicamos, ao final da seção, a prova aplicada no processo de seleção para o VII Curso de Especialização em Matemática, oferecido pela FAMAT. Mathematics is something we do rather than something we learn, and, all too often, lectures give the opposite impression. R. P. Burn 82 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 PROBLEMAS 5. Resolva as seguintes equações: (a) 1 + 3x/2 = 2x. (b) log2 x + log3 (x + 7) = 3. ababababababab ab = , onde a, b, c e d representam algarismos de cdcdcdcdcdcdcd cd números na base 10, a ≠ b e c ≠ d. 6. Mostre que 7. Se n é um inteiro e n > 1, mostre que n j =1 1 não é um número inteiro. j 8. Dados cinco pontos não colineares do plano M1, M2, M3, M4 e M5 , construir um pentágono, não necessariamente convexo, que tenha os cinco pontos dados como pontos médios de seus lados. ALVES, S. e GALVÃO, M. E. – Um estudo geométrico das transformações elementares Publicações do Instituto de Matemática e Estatística – USP – 1996 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 83 RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DO NÚMERO ANTERIOR 1. Três caixas etiquetadas estão sobre uma mesa. Uma delas contém apenas canetas; outra, apenas lápis; e há uma que contém lápis e canetas. As etiquetas são “canetas”, “lápis” e “lápis e canetas”, porém, nenhuma caixa está com a etiqueta correta. É permitida a operação: escolher uma caixa e retirar dela um único objeto. Qual o número mínimo de operações necessárias para que as etiquetas sejam colocadas corretamente ? Justifique sua resposta. Resolução: O número mínimo de operações necessárias para que as etiquetas sejam colocadas corretamente é 1. A justificativa é a seguinte: retire da caixa com a etiqueta “lápis e canetas” um objeto. Digamos que este objeto tenha sido um lápis (caso tivesse sido uma caneta, o argumento seria análogo ao que se segue). Assim, a etiqueta correta desta caixa é “lápis”. Daí, podemos concluir que a etiqueta correta da caixa originalmente etiquetada com “canetas” é necessariamente “lápis e canetas”. Por fim, a caixa que a princípio tinha a etiqueta “lápis” só pode ter a etiqueta “canetas”. 2 Prove que x999 + x888 + x777 + . . . + x111 + 1 é divisível por x9 + x8 + x7 + . . . + x + 1. Resolução: Observe, inicialmente, que x10 – 1 = (x – 1)(x9 + x8 + . . . + x2 + x + 1). Daí, todas as 9 raízes da equação x9 + x8 + . . . + x2 + x + 1 = 0 satisfazem a condição x10 = 1. Portanto, para cada x que satisfizer a equação x9 + x8 + . . . + x2 + x + 1 = 0, teremos x999 + x888 + x777 + . . . + x111 + 1 = x9(x10)99 + x8(x10)88 + . . . + x(x10)11 + 1 = x9 + x8 + . . . + x2 + x + 1= 0. Logo, cada uma das 9 raízes da equação x9 + x8 + . . . + x2 + x + 1 = 0 também é raiz da equação x999 + x888 + x777 + . . . + x111 + 1 = 0, o que conclui a demonstração. 3. Sejam VA, VB e VC três segmentos mutuamente perpendiculares. Mostre que a projeção de V sobre o plano que contém A, B e C é o ortocentro do triângulo ABC. Resolução: Seja P a projeção de V sobre o plano que contém A, B e C. Considere o plano α determinado pelos pontos A, P e V. A reta r por V e A é perpendicular à reta determinada por V e B e também à determinada por V e C; logo, r é perpendicular ao plano que contém os pontos V, B e C. Conseqüentemente, r é ortogonal à reta por B e C. Por outro lado, a reta s por V e P é perpendicular ao plano contendo A, B e C; assim, s também é ortogonal à reta por B e C. Portanto, o plano α contém duas retas concorrentes, r e s, que são ortogonais à reta por B e C. Daí, α é perpendicular à reta por B e C e, assim, toda reta de α é ortogonal à reta por B e C. Em particular, a reta por A e P é perpendicular à reta por B e C, o que mostra que P está sobre a altura relativa a A do triângulo ABC. Do mesmo modo, mostra-se que P está sobre as outras duas alturas do triângulo ABC. 84 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 4. Se A é a área de um quadrilátero cujos lados medem a, b, c e d e λ e θ são dois ângulos internos opostos do quadrilátero, mostre que 1 A2 = (s – a)(s – b)(s – c)(s – d) - abcd [1 + cos( λ + θ )], 2 sendo s o semiperímetro do quadrilátero. Resolução: Inicialmente, veja que não é relevante qual par de ângulos opostos são chamados de λ e θ , pois se chamarmos de α e β os dois outros ângulos, teremos ( λ + θ ) + (α + β ) = 360º e, portanto, cos( λ + θ ) = cos(α + β). Observe, ainda, que, se o quadrilátero é inscritível em um círculo, então λ + θ = 180º e, portanto, cos( λ + θ ) = -1; nesse caso, a fórmula se escreve A2 = (s – a)(s – b)(s – c)(s – d). Para demonstrar a fórmula dada, considere θ o ângulo determinado pelos lados que medem a e b, e λ por c e d. Chame x a diagonal que se opõe ao ângulo θ e, conseqüentemente, a λ . Pela lei do cosseno, temos x2 = a2 + b2 – 2abcos θ = c2 + d2 – 2cdcos λ e, daí, a2 + b2 - c2 - d2 = 2abcos θ – 2cdcos λ . Elevando ambos os membros ao quadrado e agrupando os termos, obtemos (a2 + b2 - c2 - d2 )2 + 8abcd cos θ cos λ = 4a2b2 cos2 θ + 4c2d2 cos2 λ (*) Por outro lado, podemos também determinar a área do quadrilátero como 1 1 A = ab sen θ + cd sen λ . 2 2 Elevando ambos os membros da equação acima ao quadrado e multiplicando-os em seguida por 16, vemos que 16A2 = 4a2b2 sen2 θ + 4c2d2 sen2 λ + 8abcd sen θ sen λ = 4a2b2 + 4c2d2 - 4a2b2 cos2 θ - 4c2d2 cos2 λ + 8abcd sen θ sen λ . Substituindo na expressão acima o resultado encontrado em (*), temos 16A2 = 4a2b2 + 4c2d2 - (a2 + b2 - c2 - d2 )2 - 8abcd cos θ cos λ + 8abcd sen θ sen λ = 4a2b2 + 4c2d2 - (a2 + b2 - c2 - d2 )2 – 8abcd cos( λ + θ ). Completando o quadrado no membro da direita, chegamos à seguinte igualdade: 16A2 = (2ab + 2cd)2 - (a2 + b2 - c2 - d2 )2 – 8abcd [1 + cos( λ + θ )] (**). Para concluir a demonstração, basta ver que (2ab + 2cd)2 - (a2 + b2 - c2 - d2 )2 = (2ab +2cd + a2 + b2 – c2 – d2 ) (2ab +2cd - a2 - b2 + c2 + d2) = [(a + b + c - d)(a + b –c + d)] [(a – b + c +d)(- a + b + c + d)] = (2s – 2d)(2s – 2c)(2s – 2b)(2s – 2a). Substituindo o resultado acima em (**), obtemos a fórmula procurada, i.e., 1 A2 = (s – a)(s – b)(s – c)(s – d) - abcd [1 + cos( λ + θ )]. 2 NIVEN, I. - Maxima and Minima without Calculus – The Mathematical Association of America - 1981 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 85 Prova Classificatória Aplicada no Processo de Seleção para o VII Curso de Especialização em Matemática - FAMAT - UFU Instruções - O tempo para a realização desta prova (incluindo o preenchimento da folha de respostas) é de 3 horas. Preencha a folha de respostas somente com caneta. - Questões com mais de uma alternativa assinalada serão consideradas incorretas. - Questões em branco não serão consideradas nem corretas, nem incorretas. 2NC − NE , em que NC representa - A nota desta Prova (NP) será dada pela seguinte expressão: NP = 2 o número de questões corretas e NE representa o número de questões incorretas. Isso significa que duas questões incorretas anulam uma questão correta. QUESTÃO 01: Um triângulo equilátero, de área T, e um hexágono regular, de área H, têm o mesmo perı́metro. Podemos, então, afirmar que A) H = T. B) 2H = 3T. C) 3H = 2T. D) H = 2T. QUESTÃO 02: Um cone é secionado por um plano paralelo à sua base, passando pelo ponto médio de sua altura. Com esta seção, tem-se um segundo cone, de volume C, e um tronco de cone, de volume T. Podemos, então, afirmar que A) T = 7C. B) T = 3C. C) T = 3 C. 2 D) 3T = 4C. QUESTÃO 03: Em uma cela, há uma passagem secreta que conduz a um porão de onde partem três túneis. O primeiro túnel dá acesso à liberdade em uma hora; o segundo, em três horas; o terceiro leva ao ponto de partida em seis horas. Em média, os prisioneiros que descobrem os túneis conseguem escapar da prisão em A) 4 horas e 30 minutos. B) 3 horas e 20 minutos. C) 5 horas. D) 4 horas. QUESTÃO 04: Ao optar por um itinerário 14% mais longo, um motorista acha que poderá ganhar tempo pois, por ser o tráfego melhor, poderá aumentar sua velocidade média em 20%. De quanto diminuirá o tempo de viagem? A) 7%. B) 5%. C) 9%. D) 6%. QUESTÃO 05: Duas velas do mesmo tamanho são acesas simultaneanmente. A primeira dura 4 horas e a segunda, 3 horas. Em que instante, a partir das 12 horas, as duas velas devem ser acesas de modo que, às 16 horas, o comprimento de uma seja o dobro do comprimento da outra? A) 14h40min. B) 13h12min. C) 14h15min. D) 13h36min. 2 do que dele se passou, qual o ângulo QUESTÃO 06: Se, para terminar o dia de 24 horas, faltam 3 formado pelos ponteiros do relógio? A) 96◦ . B) 84◦ . C) 60◦ . D) 72◦ . 86 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 QUESTÃO 07: Durante sua viagem ao paı́s das Maravilhas a altura de Alice sofreu quatro mudanças sucessivas da seguinte forma: primeiro ela tomou um gole de um lı́quido que estava numa garrafa em cujo rótulo se lia: “beba-me e fique 25% mais alta”. A seguir, comeu um pedaço de uma torta onde estava escrito: “prove-me e fique 10% mais baixa”; logo após tomou um gole do lı́quido de outra garrafa cujo rótulo estampava a mensagem: “beba-me e fique 10% mais alta”. Finalmente, comeu um pedaço de outra torta na qual estava escrito: “prove-me e fique 20% mais baixa”. Após a viagem de Alice, podemos afirmar que ela ficou A) 1% mais baixa. B) 1% mais alta. C) 5% mais alta. D) 5% mais baixa. QUESTÃO 08: Vamos provar que 4 é maior que 4. Sejam a e b dois números naturais tais que a > 4 e a = b. i) Vamos subtrair 4 dos dois termos desta equação: a=b a−4=b−4 ii) Colocamos −1 em evidência no segundo membro da equação: a − 4 = −1(−b + 4) a − 4 = −1(4 − b) iii) Elevamos ambos os termos da equação ao quadrado: (a − 4)2 = [−1(4 − b)]2 (a − 4)2 = (−1)2 (4 − b)2 (a − 4)2 = 1(4 − b)2 (a − 4)2 = (4 − b)2 iv) p Extraimospa raiz quadrada dos dois membros da equação: (a − 4)2 = (4 − b)2 a−4=4−b v) Como a = b, substituimos b por a: a−4=4−a vi) Resolvemos a equação: a−4=4−a 2a = 8 a=4 Como escolhemos a tal que a > 4, chegamos à inacreditável conclusão de que 4 > 4. Onde está o erro no argumento acima? A) Na passagem i. B) Na passagem iv. C) Na passagem iii. D) Na passagem vi. QUESTÃO 09: O lava-rápido do Marcão fez a seguinte promoção: Lavagem simples: R$5,00. Lavagem completa: R$7,00. No dia da promoção, o faturamento do lava-rápido foi de R$176,00. Nesse dia, qual o menor número possı́vel de clientes que foram atendidos? A) 23. B) 24. C) 26. D) 28. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 87 QUESTÃO 10: A soma de todos os números ı́mpares de dois algarismos menos a soma de todos os números pares de dois algarismos é igual a: A) 50. B) 46. C) 45. D) 49. QUESTÃO 11: Um elevador pode levar 20 adultos ou 24 crianças. Se 15 adultos já estão no elevador, o número de crianças que ainda podem entrar no elevador é igual a: A) 4. B) 6. C) 8. D) 12. QUESTÃO 12: Nos triângulos equiláteros a seguir, cada triângulo “menor” toca o ponto médio dos lados dos triângulos “maiores”. O valor da área do triângulo menor (hachurado) é igual a: 1 cm √ 3 A) cm2 . 256 √ √ 3 B) cm2 . 4 3 C) cm2 . 32 √ D) 3 cm2 . 64 QUESTÃO 13: O número N = 111111...11 possui 1999 dı́gitos, todos iguais a 1. O resto da divisão de N por 7 é igual a: A) 6. B) 4. C) 5. D) 1. QUESTÃO 14: Uma empresa adotou o logotipo abaixo, formado por 4 triângulos retângulos e 3 quadrados. Dado que x simboliza a medida do lado do quadrado “menor” e que a área desse quadrado é igual numericamente à medida do lado do quadrado “maior”, pode-se afirmar que o polinômio p(x) que representa a área da figura dada, em termos de x, é igual a: x A) p(x) = x2 (x2 + 2x + 2) B) p(x) = 2x2 + 2x3 C) p(x) = x4 + 2x2 D) p(x) = x2 (x2 + 2) QUESTÃO 15: Para marcar seus pássaros, um criador dispõe de fitas de 10 cores diferentes.Um pássaro marcado deve ter fita ou na pata esquerda, ou na pata direita ou em ambas. Se, no máximo, se pode colocar uma fita em cada pata, e se dois pássaros não podem ser marcados de modo idêntico, então o maior número de pássaros que podem ser marcados é igual a: A) 99. B) 100. C) 120. D) 200. 88 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 QUESTÃO 16: Considere três trabalhadores: A, B e C. Trabalhando juntos, A e B executam certo trabalho em 10 dias. Trabalhando juntos, A e C levam 12 dias para realizar o mesmo trabalho; e, ainda trabalhando juntos, B e C precisam de 15 dias para realizá-lo. Se C executasse sozinho esse trabalho, levaria: A) 30 dias. B) 36 dias. C) 40 dias. D) 45 dias. QUESTÃO 17: Na cidade de Itapipoca, alguns animais são realmente esquisitos. Dez por cento dos cães pensam que são gatos e dez por cento dos gatos pensam que são cães. Todos os outros animais são perfeitamente normais. Certo dia todos os cães e gatos de Itapipoca foram testados por um psicólogo, verificando-se então que 20% deles pensavam que eram gatos. Que porcentagem dos animais eram realmente cães? A) 87,5%. B) 82%. C) 80%. D) 78,5%. QUESTÃO 18: Duas jarras iguais contêm misturas de álcool e água nas proporções de 3 : 7 na primeira jarra e 3 : 5 na segunda jarra. Juntando-se os conteúdos das duas jarras, obteremos uma mistura de álcool e água na proporção de: A) 9 : 35. B) 3 : 5. C) 7 : 13. D) 27 : 53. QUESTÃO 19: De um reservatório cheio de água, retira-se a metade do seu conteúdo. A seguir, retirase um terço do que restou e continua-se com esse processo: na terceira retirada retira-se um quarto do que restou, na quarta retirada retira-se um quinto do que restou, etc. Após quantas retiradas ficamos com exatamente um décimo da quantidade original de água? A) 7. B) 8. C) 9. D) 10. QUESTÃO 20: Considere todos os números, maiores que 8, tais que, quando divididos por 2, por 3, por 4, por 5, por 6, por 7 e por 8, deixam sempre resto igual a 1. A soma dos dois menores desses números é igual a: A) 842. B) 2522. C) 3362. D) 912. FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Û @¶ Eventos Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 90 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Eventos do Número 02 da FAMAT em Revista: Alunos do PETMAT e do DAMAT (coordenadores da seção) Edson Agustini Walter dos Santos Motta Júnior Antônio Carlos Nogueira FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 91 Eventos Alguns dos principais eventos ligados à Matemática que ocorrem entre janeiro a julho de 2004 foram publicados no número anterior desta revista. No entanto, outros eventos que também ocorrem nesse período tiveram sua divulgação feita após o fechamento do número anterior da revista. Sendo assim, sempre que for em tempo, estaremos complementando a listagem dos principais eventos nos números subseqüentes desta revista. Complementação da Listagem de Eventos que Ocorrem Entre Janeiro e Julho de 2004 Publicada no Número Anterior Evento: VI Reunião Regional da Sociedade Brasileira de Matemática Local: UFV Universidade Federal de Viçosa - MG Data: 20 a 23 de abril Site: www.ufv.br/dma Evento: 59o Semjnário Brasileiro de Análise Local: FFCLRP - USP - Ribeirão Preto - SP Data: 19 a 22 de maio de 2004. Site: dfm.ffclrp.usp.br/59sba Evento: I Reunião Regional de Sistemas Dinâmicos da UNESP Local: IBILCE - UNESP - São José do Rio Preto - SP Data: 26 a 28 de maio de 2004 Site: www.mat.ibilce.unesp.br/RRSD2004 Evento: VII Encontro Paulista de Educação Matemática Local: Faculdade de Educação e Instituto de Matemática e Estatística da USP - São Paulo -SP Data: 09 a 12 de junho de 2004 Site: www.ime.usp.br/eventos/eventos.php Evento: Groups, Rings and Group Rings Local: Wembley Inn Hotel - Ubatuba - SP Data: 25 de julho a 31 de julho de 2004 Site: www.ime.usp.br/eventos/eventos.php 92 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Eventos que ocorrem entre Agosto e Dezembro de 2004 Alguns eventos como, por exemplo: - Semanas de Matemática da FAMAT-UFU, IBILCE-UNESP e IME-UFG; - Encontros/Simpósios de Iniciação Científica da UFU e USP; ainda não estavam com datas definidas na ocasião do fechamento deste número da revista. Caso eles ocorram entre agosto e dezembro de 2004, divulgaremos esses eventos no próximo número como complemento da listagem abaixo. Sugerimos que os interessados em tais eventos visitem periodicamente os sites das universidades acima, pois há possibilidades de que os mesmos venham a ocorrer ainda no primeiro semestre de 2004. Evento: 8th Brazilian School of Probability Local: Wembley Inn Hotel - Ubatuba - SP Data: 01 a 07 de agosto de 2004 Site: www.ime.usp.br/eventos/eventos.php Evento: Geometric and Ergodic Theory of Dynamical Systems Local: ICMC-USP - São Carlos - SP Data: 30 de agosto a 03 de setembro de 2004 Site: www.icmc.usp.br/~getds Evento: XXVII - CNMAC - Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional Local: PUC-RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre - RS Data: 13 a 16 de setembro de 2004 Site: www.pucrs.br/famat/cnmac2004 Evento: II Bienal da SBM - Sociedade Brasileira de Matemática Local: UFBA - Universidade Federal da Bahia - Salvador - BA Data: 24 a 29 de outubro de 2004 Site: www.bienasbm.ufba.br ou www.sbm.org.br _ åÖ Æ FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Reflexões Sobre o Curso de Matemática Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 94 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Reflexões Sobre o Curso de Matemática do Número 02 da FAMAT em Revista: Walter dos Santos Motta Júnior (coordenador da seção) Edson Agustini Antônio Carlos Nogueira FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 95 Reflexões sobre o Curso de Matemática Prof. Walter dos Santos Motta Junior Como já foi mencionado no número anterior desta Revista, o Conselho Nacional de Educação instituiu, através de duas Resoluções homologadas em fevereiro de 2002, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, onde se definem parâmetros para a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura de formação plena. Nestas Resoluções existem também parâmetros que definem as dimensões dos componentes comuns das grades curriculares dos vários cursos de licenciatura. Vale ressaltar que estes componentes estão associados à dimensão prática, estágio supervisionado, conteúdos específicos e atividades acadêmico - científico - culturais. A Pró-Reitoria de Graduação/UFU, através da Diretoria de Ensino, após um longo período de suspensão de debates coletivos, em fórum de coordenadores dos cursos de licenciatura desta Instituição, visando formatar o projeto pedagógico institucional de formação e desenvolvimento profissional de professores, reativou tal espaço de construção coletiva e apresentou para análise o “Projeto Institucional de Formação do Profissional da Educação da UFU”, sendo que a primeira reunião deste fórum este ano ocorreu em início de abril. Esta iniciativa de reabertura de discussões coletivas deve ser elogiada e certamente possibilitará a construção de um projeto pedagógico institucional sólido o qual será um fundamental balizador nas construções dos projetos pedagógicos específicos de cada curso. Embora havíamos projetado anteriormente (ver número anterior desta Revista) dar continuidade ao detalhamento da proposta da organização curricular específica do Curso de Matemática oferecido pela Faculdade de Matemática/UFU, em função do surgimento recente desta nova formatação do projeto institucional das licenciaturas, optamos por descrever resumidamente os pontos propostos, ainda em análise, presentes neste projeto institucional relativamente à organização curricular. PROPOSTA INSTITUCIONAL QUANTO À ORGANIZAÇÃO CURRICULAR 1. Quanto à estrutura curricular. A carga horária dos cursos de formação de professores (licenciatura plena), segundo as Resoluções do CNE, prevê um mínimo de 2800 horas (aulas) para a integralização dos mesmos. Todos os ensaios que faremos abaixo serão relativos a esta carga horária mínima, embora seja possível uma proposta, elaborada pelo respectivo Colegiado de Curso, com uma carga horária superior a esta. A proposta institucional atual prevê que os componentes curriculares sejam organizados em três núcleos de formação: • Núcleo de Formação Específica; • Núcleo de Formação Pedagógica; • Núcleo de Formação Acadêmico / Científico / Cultural. Vale ressaltar que existe o interesse em promover articulações entre as ações/atividades desenvolvidas no âmbito de cada núcleo, integrando-os sempre que possível. 96 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2. Quanto ao Núcleo de Formação Específica. O projeto pedagógico de cada Curso, a ser elaborado pelo respectivo Colegiado de Curso, delineará as disciplinas de conteúdos específicos (teóricos ou práticos) a serem desenvolvidas ao longo do curso. Neste núcleo não constam as disciplinas de caráter pedagógico/metodológico. O somatório das cargas horárias individuais de todas as disciplinas que compõem este núcleo será igual a 1640 horas. 3. Quanto ao Núcleo de Formação Pedagógica. elas: Este núcleo apresenta uma subdivisão em três diferentes componentes curriculares,são • Disciplinas de formação pedagógica: composto obrigatoriamente por três disciplinas pedagógicas, cada uma delas com uma carga horária de 60 horas e a cargo das Faculdades de Educação e/ou Psicologia. Além disso, obrigatoriamente deveremos ter duas disciplinas relacionadas com metodologia de ensino num total de 120 horas, estando as mesmas a cargo da Unidade Acadêmica responsável pelo curso. Finalmente, uma outra disciplina de caráter pedagógico, metodológico ou de instrumentação tecnológica para o ensino. No total a carga horária desta componente deverá ser de 360 horas. • Projeto Integrado de Prática Educativa (PIPE): é uma atividade integradora das disciplinas de formação específica e de formação pedagógica, estando presente desde o início do curso. No caso das disciplinas pedagógicas, quando as mesmas vierem a contribuir em atividades ligadas ao PIPE terão sua carga horária ampliada para além de 60 horas, isto de comum acordo com possíveis entendimentos entre Colegiado e as Faculdades responsáveis pelas disciplinas em questão. O PIPE culminará num Seminário de Prática Educativa (SPE) que poderá ser desenvolvido por curso ou no âmbito institucional via uma atividade única integrando todas as licenciaturas. No total a carga horária desta componente deverá ser de 200 horas, das quais 20 horas estarão vinculadas ao SPE. • Estágio Supervisionado: a ser desenvolvido a partir do quinto período do curso, tendo o Colegiado do Curso a função de definir diretrizes e normas de funcionamento para o mesmo, evidentemente respeitando legislação específica. No total a carga horária desta componente deverá ser de 400 horas. 4. Quanto ao Núcleo de Formação Acadêmico / Científico / Cultural. Este núcleo apresenta a possibilidade do desenvolvimento de inúmeras atividades de enriquecimento curricular cabendo ao Colegiado apontá-las para uma posterior escolha dos estudantes. No total a carga horária desta componente deverá ser de 200 horas. Existe ainda a possibilidade, ou obrigatoriedade, da inclusão da atividade Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), podendo a mesma ser integrada ao PIPE. Caberá ao Colegiado estabelecer as normas e critérios a serem adotados no desenvolvimento e avaliação destes trabalhos. No momento estão sendo desenvolvidos debates entorno da obrigatoriedade ou não do TCC. FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG ¸´ ± Em Sala de Aula Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 98 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Em Sala de Aula do Número 02 da FAMAT em Revista: Edson Agustini (coordenador da seção) Walter dos Santos Motta Júnior Antônio Carlos Nogueira FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 99 O uso de recursos computacionais no estudo de Geometria Jocelino Sato FAMAT-UFU Faculdade de Matemática / FAMAT-UFU Universidade Federal de Uberlândia / UFU Março/2004 Resumo Neste documento apresentamos algumas “ferramentas” didáticas (softwares) que surgiram com a presença de recursos de informática no contexto de ensino aprendizagem. Não pretendemos apresentar um manual de uso de um software específico, mas, apresentar algumas características de dois softwares e, através de exemplos exibir seus “potenciais didáticos”. Acreditamos que eles possam introduzir experiências em ambientes informatizados para instigar o espírito de investigação dos alunos e servir de suporte aos professores de disciplinas como Cálculo Diferencial e Integral, Geometria e Álgebra Linear. 1 A exploração dinâmica de figuras planas A Geometria oferece uma excelente oportunidade para que o aluno, a partir da observação e exploração de figuras geométricas, adquira habilidades hipotético-dedutivas, desenvolvendo seu raciocínio lógico. Assim, ela exerce um papel fundamental na compreensão dos métodos utilizados em matemática e de forma geral nas ciências exatas. E também é impossível negar o seu papel prático em áreas como engenharia, arquitetura, física e astronomia. No entanto, o conhecimento em Geometria dos egressos dos cursos de ciências exatas vem diminuindo sensivelmente. Muitas vezes esses conhecimentos se reduzem a um emaranhado de fórmulas sem justificativas. Vários são os resultados desconexos que os alunos aprendem, mas não são capazes de articulá-los na resolução de problemas ou de usálos como elementos auxiliares na justificativa de uma afirmação. Na Geometria são importantes o uso de figuras e a interpretação de modelos visuais como base para dar explicações e fazer demonstrações. É claro que no nível formal não se pode provar uma afirmação com base em figuras e, seu uso deve ser feito obedecendo a certos cuidados como, por exemplo: 1. As figuras devem ser precisas, especialmente quanto à posição relativa de pontos e retas e suas construções devem admitir justificativas formais. Uma figura inexata pode não conduzir o raciocínio para deduções corretas como mostram exemplos dados em[FI]. 2. As figuras não devem sugerir nenhuma particularidade, seus elementos não devem exibir relações aparentes que não sejam exigidas pelo problema. Portanto, elas devem cobrir todas as situações possíveis, de modo que possamos ter mais de uma figura representando situações distintas de um mesmo problema. 100 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Mas o que se observa de forma geral, são alunos que vêem uma figura com todas as suas particularidades. Eles não têm a idéia de figura como a de um representante de uma classe de desenhos, que compartilham o mesmo conjunto delimitado de propriedades matemáticas que a definiu. Uma discussão interessante a respeito do papel da figura na resolução de problemas e na demonstração pode ser encontrada em [PG]. Atualmente, novas ferramentas didáticas surgiram com a presença de recursos de informática no contexto de ensino e pesquisa. No estudo da Geometria Plana, os softwares de geometria dinâmica são ferramentas computacionais que oferecem régua e compasso virtuais, permitindo a construção de representações de objetos geométricos planos (figuras) a partir das propriedades que os definem e que podem ser manipuladas diretamente na tela do computador (exploração dinâmica). Normalmente, estes softwares além de apresentarem ferramentas que permitem realizar operações básicas como a construção de pontos, segmentos, retas, círculos e polígonos, possuem ferramentas que permitem realizar as construções geométricas elementares como: a perpendicular a uma reta dada passando por um ponto dado, a reta paralela a uma reta dada, a mediatriz de um segmento, o traçado da bissetriz de um ângulo, lugares geométricos, etc. Também permitem programar macros de construções que fornecem prontamente o resultado final de construções elaboradas a partir de objetos iniciais dados. Isto é bastante útil quando um procedimento é repetido muitas vezes numa mesma construção. Além de romper com a visão estática das figuras, a exploração dinâmica destas permite a confirmação de resultados, investigações e a busca de propriedades geométricas que podem ser induzidas por essa interatividade. Pois uma tal construção pode ser alterada em sua aparência, fornecendo novas construções, mas conservando as propriedades matemáticas que a definiu e, quando bem direcionada, também pode sugerir caminhos para uma demonstração formal de propriedades geométricas de tal figura. A seguir utilizamos, em duas situações simples, o software de Geometria Dinâmica, Cabri-Géomètre II, como recurso no estudo da Geometria. Uma literatura abordando os recursos desse software como auxílio no estudo da Geometria é encontrada em [BY]. 1.1 A busca de uma condição suficiente: Consideremos o seguinte teorema de geometria euclidiana plana: Teorema: Todo triângulo pode ser divido em dois triângulos menores sendo eles triângulos retângulos. Para dividir um triângulo em outros dois triângulos devemos traçar um segmento ligando um vértice ao lado oposto. E para que os triângulos resultantes sejam retângulos esse segmento deve ser perpendicular ao lado oposto ao vértice escolhido. Se existir esse segmento, então ele é uma altura do triângulo. A figura abaixo mostra que o pé de uma altura de um triângulo nem sempre está entre os extremos do lado oposto. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 101 A possibilidade da exploração dinâmica de várias situações facilita a compreensão do problema. Chegamos facilmente à conclusão de que não é necessário, porém é suficiente, que tomemos a altura relativa ao vértice cujo ângulo tem maior medida para que essa altura determine os triângulos retângulos. 102 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Ou seja, dado um triângulo arbitrário escolhemos o vértice que tem o ângulo de maior medida. A altura relativa a esse vértice sempre divide o triângulo dado em dois outros triângulos menores sendo estes triângulos retângulos. A prova formal desse fato é obtida usando o Teorema do Ângulo Externo. Na verdade, um exame mais detalhado do problema acima permite afirmar o seguinte: Teorema: Dado um triângulo ABC: i) Se  > 90 º, então o pé da altura relativa ao vértice B é um ponto da semi-reta oposta à semi-reta AC , distinto de A; o pé da altura relativa ao vértice C é um ponto da semireta oposta à semi-reta AB , distinto de A; e o pé da altura relativa ao vértice A está entre os extremos do lado oposto BC; ii) Se  = 90 º, então os pés das alturas relativas aos vértices B e C coincidem com o vértice A e o pé da altura relativa ao vértice A está entre os extremos do lado oposto BC; iii) Se  < 90 º, então o pé da altura relativa ao vértice B é um ponto da semi-reta AC , distinto de A; e o pé da altura relativa ao vértice C é um ponto da semi-reta AB , distinto de A. Segue diretamente desse Teorema a seguinte conclusão: Corolário: Seja ABC um triângulo: i) Se o triângulo ABC é retângulo ou obtusângulo em A, então a única maneira de dividir o triângulo dado em dois outros triângulos menores, sendo estes triângulos retângulos, é tomando a altura relativa ao vértice A; ii) Se o triângulo ABC é acutângulo, então qualquer altura divide o triângulo dado em dois outros triângulos menores sendo estes triângulos retângulos. 1.2 Um problema de construção geométrica: lugar geométrico Consideremos o problema de construção geométrica abaixo: Dados um círculo de centro O, um ponto P fora do círculo e um segmento de medida a. Traçar uma reta que passe por P e que determine uma corda de comprimento a no círculo. A possível reta solução desse problema (se existir) tem que satisfazer duas condições: (a) Determinar uma corda de comprimento a no círculo; (b) Passar pelo ponto P e ser secante ao círculo. Comecemos por analisar o conjunto das retas que determinam cordas de comprimento a no círculo dado. A reta solução procurada é uma dessas retas! FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 103 O traçado de algumas cordas nos leva a conjecturar que elas são tangentes a um outro círculo, concêntrico com o primeiro círculo. E, neste caso, os pontos de tangência são os pontos médios dessas cordas. Usando o Cabri podemos facilmente construir o lugar geométrico dos pontos médios das cordas de um círculo que possuem o mesmo comprimento (ver figura acima) obtendo uma “confirmação visual” de nossa conjectura. E, de fato, a prova dessa afirmação é elementar. Agora, analisemos a segunda condição. ] 104 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Observamos que se AB é a corda determinada por uma reta secante ao círculo, de centro O, que passa por P e M é o ponto médio dessa corda, então PMO é um ângulo reto. As análises das condições (a) e (b) fornecem um método de construção. Método de construção: Traçamos no círculo de centro O dado uma corda qualquer de comprimento a e em seguida construímos um círculo λ de centro O e tangente à corda. Finalmente, construímos uma reta (existem duas) passando pelo ponto P e tangente ao círculo λ , a qual determina no círculo dado uma corda de comprimento a. 2 O recurso da visualização e animação de figuras espaciais No contexto da Geometria Espacial é de extrema importância a experiência adquirida no estudo da Geometria Plana. Talvez a maior dificuldade na transposição e generalização dos conceitos e dos métodos sintético e analítico da Geometria Plana para a Espacial seja a de abstração e visualização das figuras geométricas espaciais. Alguns exemplos de problemas de visualização simples, mas que fornece um bom teste da nossa capacidade de imaginação e visualização, são os seguintes: (a) (b) Dados quatro pontos não coplanares existem quantos planos eqüidistantes desses pontos? Em um cubo, CC’ é uma aresta e ABCD e A’B’C’D’ são faces opostas. O plano que contém o vértice C’ e os pontos médios das arestas AB e AD determinam uma seção plana. Esse polígono é um...? FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 105 Mesmo uma mente privilegiada pode ter dificuldade ou mesmo ser incapaz de imaginar como é o traço de uma curva no espaço R3, quando este for de relativa complexidade. Por exemplo, a curva parametrizada por α(u) = [10 cos(u) + 10 cos(3.u) + 2 cos(2.u) + cos( 4.u), 6 sen(u) + 10 sen(3.u), 5 sen(3.u) sen(5/2.u)+ 4 sen(4.u) - 2 sin(6.u) ] tem seu traço dado pela figura abaixo. . O uso do Cálculo Diferencial e Integral na resolução de problemas das mais diversas naturezas é inquestionável, porém aplicá-lo quase sempre demanda a habilidade de construir uma representação geométrica com base numa descrição analítica do problema! Isso acontece, particularmente, na aplicação das integrais nos estudos de áreas de superfícies e de volumes de sólidos e, também, na aplicação dos Teoremas da Divergência e Stokes em problemas da Física. Um exemplo típico é o de determinar o volume de um sólido, gerado pela rotação da região R, limitada pela curvas planas f(x) = x4 + 1/2 e g(x) = x + 1/2, em torno do eixo x. A resolução desse problema passa pelas seguintes etapas: • Representar graficamente a região R a ser rotacionada. Para isso usamos as informações analíticas que a descrevem; • Esboçar graficamente ou imaginar o sólido de revolução e identificar o melhor método para realizar o cálculo do volume (método dos discos ou cascas cilíndricas); • Identificar e esboçar graficamente, ou imaginar, uma seção que irá fornecer o elemento de volume para o método a ser usado; • Expressar o volume do elemento de volume em termos das relações dadas e construir a integral apropriada para seu cálculo. Observe que somente a última etapa envolve conceitos propriamente do cálculo, nas outras são exigidas habilidades que demandam visualização e representação gráfica de figuras 106 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 geométricas, definidas, quase sempre, por suas expressões analíticas. Abaixo temos uma figura ilustrando a região R e o sólido gerado por ela: Como recurso didático, os softwares de computação simbólica criados a partir de teorias matemáticas são muito úteis na visualização e interpretação de figuras geométricas espaciais e planas, dadas por suas representações analíticas, através de seus recursos gráficos. Além disso, os recursos de animação são úteis para explorar os movimentos e perceber as propriedades de alguns dos mais importantes movimentos do plano e do espaço. Esses FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 107 movimentos têm, por exemplo, o efeito de ampliar, reduzir, rotacionar, refletir e deformar figuras. A seguir, apresentamos construções, usando software Maple V, onde ilustramos situações simples que utilizam recursos de simulação (animação), visualização e representação gráfica de figuras geométricas. Uma literatura abordando os recursos desse software como recurso didático é encontrada em [CM] e várias outras bibliografias disponíveis no mercado e na rede internet. Além disso, existem softwares similares de distribuição livre como, por exemplo, o MuPAD que pode ser encontrado em http://www.mupad.de/licenses.html . 2.1 Animação do traço e do triedro de Frenet de uma curva Esta seção contém algumas aplicações básicas do MAPLE à Geometria Diferencial de Curvas Parametrizadas em R3. Apresentamos implementações de rotinas para animar o traço e o triedro de Frenet de uma curva. Nelas aparecem as rotinas pi, norma, pv, T, N e B que determinam, respectivamente, o produto interno de dois vetores, a norma de um vetor, o produto vetorial de dois vetores, as funções vetoriais vetor tangente, normal e binormal de uma curva. Essas instruções estão nos quadros abaixo. Em algumas dessas rotinas são usado o comando makefunction que está contido no pacote Vector-Cal. produto interno de um vetor em R3 > pi := proc(X,Y) > X[1]*Y[1]+X[2]*Y[2]+X[3]*Y[3]; > end: Norma de um vetor em R3 > norma := proc(X) > simplify(sqrt(pi(X,X))); > end: produto vetorial de dois vetores em R3 > pv := proc(X,Y) > local a,b,c; > a := simplify(X[2]*Y[3]-X[3]*Y[2]); > b := simplify(X[3]*Y[1]-X[1]*Y[3]); > c := simplify(X[1]*Y[2]-X[2]*Y[1]); > [a,b,c]; > end: 108 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Vetor Tangente de uma curva alfa: T(t) > T:=proc(alpha) > local alphat,TT; > alphat:=simplify(diff(alpha,t)); > TT:=evalm(1/norma(alphat)*alphat); > makefunction(t,[TT[1],TT[2],TT[3]]); > end: Vetor Normal de uma curva alfa: N(t) > N:=proc(alpha) > local alphat,alphatt,NN; > alphat:=simplify(diff(alpha,t)); > alphatt:=simplify(diff(alpha,t,t)); >.NN:=simplify(evalm((1/(norma(alphat)*norma(pv(alphat,alphatt))))* (pi(alphat,alphat)*alphatt-pi(alphatt,alphat)*alphat))); > makefunction(t,[NN[1],NN[2],NN[3]]); > end: Vetor Binormal de uma curva: B(t) > B:=proc(alpha) > local alphat,alphatt,BB; > alphat:=simplify(diff(alpha,t)); > alphatt:=simplify(diff(alpha,t,t)); > BB:=simplify(evalm(1/norma(pv(alphat,alphatt))*pv(alphat,alphatt))); > makefunction(t,[BB[1],BB[2],BB[3]]); > end: Plotando uma curva: O Traço de uma curva pode ser feito no Maple e várias opções podem ser especificadas. Nas figuras abaixo temos o comando gráfico usado para plotar a curva alfa com traço de espessura 1, cor vermelha e usando uma partição de 60x60 na construção dos pontos do traço e, em seguida, seu traço é animado usando os comandos: display e seq. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 109 Animação do Triedro de Frenet: As rotinas Frenet e AnimaFrenet abaixo mostram o traço de uma curva α junto com seu triedro de Frenet. Primeiro num ponto t0 fixado, depois, animado ao longo da curva. Nelas 110 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 serão usadas as funções vetoriais: vetores tangente, normal e binormal de uma curva que são determinados pelas rotinas T, N e B. Observamos que nas rotinas Frenet e AnimaFrenet a curva α é uma variável, assim, basta redefinir a curva e recompilar para obter o mesmo resultado para outras curvas! FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 111 112 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 2.2 113 3 Parametrização de superfícies em R . Esta seção contém uma coletânea de exemplos de superfícies parametrizadas X(u,v) e também procedimentos básicos (rotinas) para plotar e/ou animar a construção geométrica de seu traço S = X(U). No Maple as sintaxes das rotinas para definir uma parametrização de uma superfície parametrizada e plotar seu traço são mostrada no exemplo da figura abaixo: Ao plotar uma superfície vários aspectos dela são controlados por parâmetros (opções) da rotina plot3d. Por exemplo, scaling=constrained significa que a mesma escala será usada nos três eixos coordenados. É possível utilizar a rotina animate3d para desenhar famílias de superfícies parametrizadas de forma bastante simples. Nela, um parâmetro t é usado para criar uma família de superfícies St que, quando mostrada em seqüência, pode criar uma animação da construção geométrica da superfície S. Veja o exemplo do catenóide que é obtido pela rotação da catenária em torno do eixo z. 114 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Estamos interessados em usar parametrização para descrever superfícies que possam ser facilmente parametrizadas, mas é difícil ou até mesmo impossível de descrevê-las como gráficos de funções. (Isto porque elas podem não ser gráficos de funções) Com esse objetivo, agrupamos em classe as superfícies que possuem uma propriedade comum que as caracterize. Essa propriedade pode ser o tipo especial de parametrização que ela possui (parametrização do tipo gráfico de função, superfície de rotação, etc.) ou uma característica especial como é o caso da superfície cilíndrica, cujo traço é uma união de retas. Superfícies de rotação Sejam α(u)=(x(u),y(u),z(u)), u num intervalo I, uma curva parametrizada regular plana e r uma reta contida no plano que contém o traço da curva α, α(I), e que não intersecta α(I). O conjunto dos pontos de R3, obtido pela rotação do traço de α em torno de r é uma superfície parametrizada regular, chamada de superfície de rotação. A reta r é chamada de eixo de rotação e a curva plana de geratriz. Fazendo uma mudança de coordenadas, podemos sempre assumir que o eixo de rotação coincide com um dos eixos coordenados. Parametrização Numa superfície de revolução temos uma simetria cilíndrica e, assim, descrevemos a superfície em termos de coordenadas cilíndricas onde w corresponde à coordenada no eixo de rotação e [ρ,θ] correspondem às coordenadas polares no plano ortogonal ao eixo de rotação. Primeiro Caso: O eixo de rotação é o eixo z e θ é o ângulo que a projeção Q = projeção de P = (x,y,z) em xy faz com o eixo x (no sentido "anti-horário") x = ρ cos(θ) y = ρ sen(θ) z = w. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 115 Uma curva parametrizada regular no plano xz α(u)=(f(u),0,g(u)), u no intervalo J, quando rotacionada em torno do eixo z (onde f(u)>0), gera uma superfície de rotação, onde cada seção perpendicular ao eixo z é uma circunferência de raio ρ=f(u). Sua parametrização é X(u,θ) = [f(u) cos(θ), f(u) sen(θ), g(u)], onde u pertence ao intervalo J e θ ao intervalo [0,2π]. Abaixo temos uma animação da rotação do gráfico x = 4 + sen(2z), com z entre 0,5 e 3,5 (α(u) = (4 + 2sen(u),0, 4 + 2sen(u)), com u entre 0,5 e 3,5. ) em torno do eixo z. Segundo Caso: O eixo de rotação é o eixo y e θ, é o ângulo que a projeção Q = projeção de P = (x,y,z) em xz faz com o eixo x (no sentido "anti-horário") x = ρ cos(θ) y=w z = ρ sen(θ). Uma curva parametrizada regular no plano xy α(u)=(f(u),g(u),0), u no intervalo J, quando rotacionada em torno do eixo y (onde f(u)>0), gera uma superfície de rotação, onde cada seção perpendicular ao eixo y é uma circunferência de raio ρ=f(u). Sua parametrização é X(u,θ) = [f(u) cos(θ), g(u), f(u) sen(θ)], onde u pertence ao intervalo J e θ ao intervalo [0,2π]. Abaixo temos uma animação da rotação do gráfico x = 4 + sen(2y), com y entre 0,5 e 3,5. 116 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Terceiro Caso: O eixo de rotação é o eixo x e θ é o ângulo que a projeção Q = projeção de P = (x,y,z) em yz faz com o eixo y (no sentido "anti-horário") x=w y = ρ cos(θ) z = ρ sen(θ). Uma curva parametrizada regular no plano xy α(u) = (f(u),g(u),0), u no intervalo J, quando rotacionada em torno do eixo x (onde g(u) > 0), gera uma superfície de rotação, onde cada seção perpendicular ao eixo x é uma circunferência de raio ρ = f(u). Sua parametrização é X(u,θ) = [f(u), g(u) cos(θ), g(u) sen(θ))], onde u pertence ao intervalo J e θ ao intervalo [0,2π]. Abaixo temos uma animação da rotação do gráfico y=4+sen(2x), com x entre 0,5 e 3,5. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 . As figuras abaixo apresentam alguns exemplos clássicos de superfícies de rotação. 117 118 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 119 Superfícies cilíndricas Um cilindro (generalizado) C é uma superfície gerada por uma reta l que se move ao longo de uma curva regular plana α, de tal modo que ela sempre permaneça paralela a uma reta fixada r, que não está contida no plano que contém α. A reta móvel é chamada de geratriz do cilindro, a curva plana é denominada de diretriz do cilindro e a reta fixa de eixo do cilindro. Portanto, um cilindro é a reunião de retas paralelas a uma reta fixa, passando por pontos de uma curva plana α. Toda equação F(x,y,z) = 0, com solução em R3, em que apareçam apenas duas das variáveis espaciais x,y e z é um cilindro. A diretriz desse cilindro é uma curva no plano cartesiano determinado pelas duas variáveis que aparecem na equação e, dada implicitamente pela equação F(x,y,z) = 0. Suas geratrizes são paralelas ao eixo da variável que não aparece na equação. Consideremos uma curva diretriz α(u) = (x(u), y(u), z(u)), u em J, contida num plano Π e suponhamos que o vetor diretor da diretriz r seja W = (a,b,c), então cada reta que compõe C tem equação r: R(v) = α(u)+ v.W. Assim, C é parametrizado por X(u,v) = α(u)+ v*W, (u,v) em JxR. A seguir ilustramos com um exemplo a animação da construção do traço de uma superfície cilíndrica. 120 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Helicóides generalizados Sejam α(u) = (x(u), y(u), z(u)), u num intervalo I, uma curva parametrizada regular plana e r uma reta contida no plano que contém o traço da curva α. O conjunto dos pontos de R3, obtido pela rotação do traço de α em torno de r e simultânea translação na direção de r, com a velocidade de rotação proporcional à de translação, é uma superfície parametrizada regular, chamada de helicóide (generalizado). A reta r é chamada de eixo do helicóide e a curva plana de geratriz. Fazendo uma mudança de coordenadas, podemos sempre assumir que o eixo do helicóide coincide com um dos eixos coordenados e que a curva está contida num dos planos coordenados. Em particular, se α(u) = (f(u), 0, g(u)), u no intervalo J, é uma curva no plano xz e r é o eixo z temos que o helicóide é parametrizado por X(u,θ) = [f(u) cos(θ), f(u) sen(θ), g(u) + θ], onde u pertence ao intervalo J e θ ao intervalo [0,2π]. A seguir ilustramos com exemplos a animação da construção do traço de alguns helicóides. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 121 122 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Superfícies Tubulares (tubos ao longo de curvas) Um modo de construir superfícies é construir tubos ao longo de curvas. Se α(u) = (x(u), y(u), z(u)), u em J, é uma curva p.p.c.a. (parametrizada por comprimento de arco) com curvatura positiva, um tubo de raio r = r(u) ao longo de α(u) é dado pela seguinte superfície parametrizada: X(u,v) = α(u)+ r(u)[n(u)cos(v) + b(u)sen(v)], onde u pertence ao intervalo J e θ ao intervalo [0,2π], n(u) e b(u) são, respectivamente, os vetores normal e binormal da curva α. Em particular, o cilindro circular reto (α = reta) e o toro de revolução (α = circunferência) são exemplos de superfícies tubulares com raio constante. Na determinação da parametrização de uma superfície tubular usamos as rotinas N e B para determinar os vetores normais e binormais da curva α, conforme visto na seção anterior. As figuras abaixo mostram tubos construídos ao longo de uma circunferência. No primeiro caso o raio é constante e no segundo caso tem uma variação periódica. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 123 124 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 No Maple existe uma rotina, chamada tubeplot, capaz de construir tubos ao longo de uma curva. Há duas aplicações imediatas para o tubeplot: visualização de curvas no espaço, com sensação de profundidade, e a construção de superfícies tubulares através de um único comando. Veja sua construção: 2.3 Curvas dadas pela interseção de superfícies e sólidos limitados por superfícies. Na seção anterior aprendemos a construir várias superfícies parametrizadas. Em muitas situações é importante obter a interseção de duas ou mais superfícies para poder obter as curvas da interseção ou o sólido limitado por elas. No Maple isso pode ser feito plotando separadamente cada uma das superfícies e depois usando a rotina display para plotá-las usando um único sistema de eixos coordenados. Além disso, um grande recurso que o software apresenta é sua interatividade no processo de visualizar um gráfico tridimensional. Podemos observá-lo a partir de qualquer ponto de observação. Seções cônicas: A maneira clássica de obter uma cônica é através da interseção de um cone de duas folhas com um plano. Podemos gerar todas as cônicas, bastando para isso variar a inclinação do plano de interseção. Nas figuras abaixo usamos o comando display para mostrar as cônicas como uma seção do cone de duas folhas e também alguns exemplos de interseções de superfícies. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 125 126 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 127 128 2.4 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Volume de um sólido de revolução. Esta seção contém um roteiro para usar os recursos do Maple V na determinação do volume de um sólido de revolução obtido pela rotação de uma região limitada por duas curvas em torno do eixo x. Primeiro, determinamos as coordenadas dos pontos de interseção das curvas (gráficos de funções). FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 129 Em seguida, usamos esses dados nas rotinas RegiaoDeRot, SolidoRev, SecaoTrans e Volume para: plotar a região a ser rotacionada, fornecer, usando o comando tubeplot, uma imagem tridimensional do sólido de rotação obtido, mostrar uma seção transversal do sólido de rotação e calcular seu volume Região a ser rotacionada Na rotina RegiaoDeRot os argumentos são: as funções f <= g e os valores x1 e x2 das abscissas dos pontos de interseção. Sólido de revolução obtido pela rotação da região acima em torno do eixo x Na rotina SolidoRev os argumentos são: as funções f <=g, os valores x1 e x2 das abscissas dos pontos de interseção. 130 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Seção transversal do Sólido de revolução no ponto de coordenada (x1+x2)/2 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 3 131 Considerações finais (a) Os recursos computacionais citados acima, podem tornar a tarefa de compreensão da linguagem e conceitos abstratos matemáticos mais agradáveis, propiciar a oportunidade de introduzir experiências em ambientes informatizados para instigar o espírito de investigação dos alunos e servir de suporte aos professores de disciplinas como Cálculo Diferencial e Integral, Geometria e Álgebra Linear, contribuindo para despertar o interesse dos alunos para os conteúdos dessas disciplinas e como conseqüência melhorar seu desempenho acadêmico. (b) Convém observar que, quase sempre, esses softwares não foram desenvolvidos especialmente para atingir objetivos pedagógicos, mas foram projetados para atender às necessidades de profissionais na resolução de problemas. Todo usuário desses softwares precisa estar atento e preparado matematicamente para analisar as respostas obtidas e também articular seus vários recursos para atingir um certo objetivo. Isso demanda compreender o funcionamento das rotinas que o software propicia e também um domínio conceitual do assunto abordado. (c) Um outro cuidado que devemos ter na utilização de softwares é compreender as suas limitações. Muitas vezes, o “algoritmo” que ele usa envolve problemas de aproximação nos resultados o que pode levar a uma resposta equivocada. 132 4 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Referências Bibliográficas [BY] BALDIN, Y. Y. ET. ALLI., Atividades com Cabri-Géomètre II, São Carlos: Editora EdUFSCar, 2002. [CB] CHAR, B. W., ET. ALLI., Maple V: Language Reference Manual, New York: SpringerVerlag, 1991. [CM] COSTA, I. M. ET ALLI., CD-Rom: Matemática Universitária Básica com Maple V, São Carlos: Editora EdUFSCar, 2000. [FI] FETISSOV, A. I., A Demonstração em Geometria, São Paulo: Atual Editora, 1995. [HA] HECK, A., Introduction to Maple, New York: Springer-Verlag, 1993. [PG] POLYA, G., A Arte de Resolver Problemas, Rio de Janeiro: Editora Interciência, 1975. [WW ] Textos Diversos disponibilizados pela rede Internet. [XX] http://www.mapleapps.com/ FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG £% ³ Iniciação Científica em Números Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 134 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Iniciação Científica em Números do Número 02 da Famat em Revista: Walter dos Santos Motta Júnior (coordenador da seção) Antônio Carlos Nogueira Edson Agustini FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 135 Iniciação Científica em Números Walter dos Santos Motta Junior Conforme relatado no artigo anterior desta seção, referente ao número anterior desta revista, no âmbito da Faculdade de Matemática - FAMAT / UFU existem quatro programas que oferecem atividades de Iniciação Científica aos discentes do Curso de Matemática, são eles: Programa Especial de Treinamento - PETMAT, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do CNPq, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da FAPEMIG e o Programa Institucional de Iniciação Científica da Faculdade de Matemática PROMAT, sendo que apenas este último não apresenta qualquer tipo de remuneração aos alunos envolvidos. Abaixo estamos descrevendo uma relação de todos os projetos, agregados a um dos programas acima mencionados, que estão atualmente em desenvolvimento na FAMAT e que são exclusivamente desenvolvidos por alunos do Curso de Matemática. Agora, por iniciativa da Pró-Reitoria de Graduação / UFU, neste primeiro semestre de 2004, surgiu um novo programa que, embora não possa ser caracterizado como sendo de iniciação científica, tem em muitos momentos de seu desenvolvimento uma dinâmica que se assemelha a tal. O Programa Institucional de Bolsas de Graduação – PIBEG visa o desenvolvimento de atividades complementares que venham a trazer melhorias ao ensino de graduação desta Instituição. A participação da FAMAT se deu através da apresentação de sete projetos, todos selecionados, possibilitando que todos os alunos envolvidos fossem contemplados com bolsas. Idealizado por alguns professores proponentes da FAMAT, os projetos selecionados representam um híbrido entre monitoria / iniciação científica e produção de material de apoio ao ensino de graduação. Certamente os desenvolvimentos destes projetos representam um passo importante no sentido de ampliar as atividades extracurriculares oferecidas aos nossos discentes. Abaixo descrevemos resumidamente todos os projetos em andamento nesta nova modalidade de programa. 1. Projetos de Iniciação Científica – PETMAT Título: Modelagem Fuzzy Aplicada a Biomatemática Orientadora: Prof a. Rosana Sueli da Motta Jafelice Bolsistas: Carolina Fernandes Molina Sanches e Éliton Meireles de Moura Título: Tópicos Especiais de Matemática Orientador: Prof. Geraldo Botelho Bolsista: Fabiana Alves Calazans Título: Problemas Isoperimétricos : Aspectos práticos e teóricos Orientador: Prof. Edson Agustini Bolsistas: Flaviano Bahia Paulinelli Vieira e Laís Bássame Rodrigues Título: Um modelo de desenvolvimento do pensamento geométrico Orientador: Prof. Walter dos Santos Motta Junior Bolsistas: Gislaine Alves Pereira e Sandreane Poliana Silva 136 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Título: Introdução à Geometria Algébrica Orientador: Prof. Cícero Fernandes de Carvalho Bolsista: Jairo Menezes e Souza Título: Computação do grupo fundamental de algumas superficies Orientador: Prof. Walter dos Santos Motta Junior Bolsista: Rafael Peixoto Título: Uma introdução à geometria aritmética. Orientador: Prof. Cícero Fernandes de Carvalho Bolsista: Wagner Frasseto 2. Projetos de Iniciação Cientifica - Bolsista do CNPq / FAPEMIG Título: Matemática aplicada no Ensino Médio Orientador: Prof. César Guilherme de Almeida Período: 08/2003 à 07/2004 (CNPq) Bolsista: Carlos Alberto da Silva Junior Título: Análise numérica e matemática de escoamento em meios porosos. Orientador: Prof. César Guilherme de Almeida Período: 01/10/2003 a 01/09/2004 (FAPEMIG) Bolsista: Clovis Antonio da Silva Observação: Bolsa obtida junto a projeto de pesquisa do docente Título: Estudos de variáveis climáticas do Estado do Rio de Janeiro, aplicando geoestatística e análise de séries temporais Orientador: Prof. Ednaldo Carvalho Guimarães Período: 08/2003 a 07/2004 (CNPq) Bolsista: Mírian Fernandes Carvalho Título: Ajuste de modelos não Lineares a Curvas de degradação de inseticidas. Orientador: Prof. Heyder Diniz Silva Período: 08/2003 a 07/2004 (CNPq) Bolsista: Raquel Romes Linhares Título: Uma introdução aos corpos de funções algébricas com o auxílio da computação algébrica Orientador: Prof. Cícero Fernandes de Carvalho Período: 08/2003 a 12/2004 (FAPEMIG) Bolsista: Cecília Pereira de Andrade Observação: Bolsa obtida junto a projeto de pesquisa do docente FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 137 3. Projetos de Iniciação Cientifica – PROMAT Título: Estudo de números algébricos e transcendentes Orientador: Prof. Edson Agustini Alunos: Anselmo Ângelo de Almeida Oliveira e Uziel Paulo da Silva Período: Setembro de 2003 a agosto de 2004 CONFAMAT: Autorizado em 28/08/2003 Título: Introdução ao estudo da criptografia Orientador: Prof. Edson Agustini Alunos: Hélen Cristina Vieira Freitas e Angélica Silva de Sousa Período: Setembro de 2003 a agosto de 2004 CONFAMAT: Autorizado em 28/08/2003 Título: Grupo fundamental Orientador: Prof. Antônio Carlos Nogueira Aluno: Vagner Rodrigues de Bessa Período: Março de 2004 a fevereiro de 2005 CONFAMAT: Autorizado em 18/03/2004 Título: Algumas técnicas na teoria das equações diferenciais parciais Orientador: Prof. Valdair Bonfim Aluno: Leonardo Gomes Período: Março de 2004 a fevereiro de 2003 CONFAMAT: Autorizado em 18/03/2004 Título: Informática e educação matemática Orientador: Prof. Arlindo José de Souza Jr Aluno: Fernando da Costa Barbosa Período: Março de 2004 a fevereiro de 2005 CONFAMAT: Autorizado em 18/03/2004 4. Projetos desenvolvidos junto ao PIBEG / FAMAT Título: Ações integradas para melhoria do ensino de matemática Orientadores: Jocelino Sato, Geraldo Botelho, José Castilho, Edson Agustini, Márcio Dantas e Walter Motta Bolsistas: Rafael Cavalcanti, Patrícia Costa, Tatiane Borges, Fernanda Moura, Leandro Lemes e Mariana Reis Período: Março de 2004 a fevereiro de 2005 138 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Título: Trabalho de projetos e educação estatística na universidade Orientador: Heyder Diniz Silva Bolsista: Quintiliano Nomelini Período: Março de 2004 a fevereiro de 2005 Observações finais quanto às atividades extracurriculares acima descritas: Vale ressaltar que existem outros projetos de iniciação científica em desenvolvimento no âmbito da FAMAT envolvendo inúmeros alunos de cursos de graduação da UFU distintos do curso de matemática. Ainda, quanto às atividades acima descritas, existem 14 docentes / orientadores distintos da FAMAT e 29 alunos do curso de matemática envolvidos com as mesmas. FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG ¹Ï Ë E o Meu Futuro Profissional? Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 140 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção E o meu Futuro Profissional? do Número 02 da FAMAT em Revista: Edson Agustini (coordenador da seção) Antônio Carlos Nogueira Walter dos Santos Motta Júnior FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 141 A Crise no Ensino da Matemática no Brasil No caderno Sinapse (www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml) de 25/02/2003 da Folha de São Paulo, foi publicada uma coletânea de textos sob o título “A Matemática que Conta”. Esses textos abordavam o analfabetismo do brasileiro em matemática de um modo um tanto quanto superficial. A fim de aprofundar a questão e apontar os fatores determinantes dessa crise, a presidenta da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), profa Suely Druck, publicou um artigo intitulado “O Drama do Ensino da Matemática” no caderno Sinapse seguinte (25/03/2003). Nesse artigo, que reproduzimos abaixo, ela enfatizou que a crise no ensino da matemática decorre, dentre uma série de fatores, de um processo de supervalorização dos métodos pedagógicos em detrimento da aquisição do conteúdo matemático a ser ensinado. Como era de se esperar, o artigo da profa. Suely Druck abriu espaço a uma discussão acerca do tema, o que fomentou a aparecimento de uma série de artigos, seja para contestar, seja para apoiar as opiniões expressas por ela. Na seqüência, reproduzimos alguns desses artigos, a saber: • Professor comenta artigo “O drama do ensino da matemática”, de Suely Druck, por Wojciech Andrzej Kulesza. PPGE-UFPB. • Pesquisadora comenta artigos sobre o ensino da matemática no país, por Maria Eulália Vares. Secretária Regional SBPC/RJ. • Sobre o ensino de matemática, por Michel Spira. ICEX-UFMG. • Polêmica: Os problemas da educação matemática, por Romulo Lins. UNESP-Rio Claro-SP. • Não existe nada tão ruim que não possa ser piorado, por Enzo Vito De Santis. Sanmina-SCI Brazil. • A crise no ensino de Matemática no Brasil, por Suely Druck. Presidenta da SBM. • Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) levará ao MEC proposta de melhoria nacional da matemática, por Flamínio Araripe. Uma discussão mais detalhada da questão pode ser encontrada nos sites do Jornal da Ciência (JC) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) www.jornaldaciencia.org.br e da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) www.sbm.org.br. ___________________________________________________________________________ O Drama do Ensino da Matemática Suely Druck Folha de São Paulo - 25/03/2003 www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml A qualidade do ensino da matemática - assunto da reportagem de capa do último Sinapse - atingiu, talvez, o seu mais baixo nível na história educacional do país. As avaliações não poderiam ser piores. No Provão, a média em matemática tem sido a mais baixa entre todas as áreas. O último Saeb (Sistema Nacional de Avaliacão da Educacão Básica) mostra que apenas 6% dos alunos têm o nível desejado em matemática. E a comparação internacional é alarmante. No Pisa (Program for International Student Assessment) de 2001, ficamos em último lugar. 142 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Resultados tão desastrosos mostram muito mais do que a má formação de uma geração de professores e estudantes: evidenciam o pouco valor dado ao conhecimento matemático e a ignorância em que se encontra a esmagadora maioria da população no que tange à matemática. Não é por acaso que o Brasil conta com enormes contingentes de pessoas privadas de cidadania por não entenderem fatos simples do seu próprio cotidiano, como juros, gráficos, etc. - os analfabetos numéricos -, conforme atesta o recente relatório Inaf sobre o analfabetismo matemático de nossa população. Diante dessa situação, encontramos o discurso - tão freqüente quanto simplista - de que falta boa didática aos professores de matemática. Todavia, pouco se menciona que o conhecimento do conteúdo a ser transmitido precede qualquer discussão acerca da metodologia de ensino. Abordar a questão do ensino da matemática somente do ponto de vista pedagógico é um erro grave. É necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática. É preciso entender as motivações dos que procuram licenciatura em matemática, a formação que a licenciatura lhes propicia e as condições de trabalho com que se deparam. A enorme demanda por professores de matemática estimulou a proliferação de licenciaturas. Nas faculdades, há muita vaga e pouca qualidade, o que transforma as licenciaturas em cursos atraentes para os que desejam um diploma qualquer. Produz-se, assim, um grande contingente de docentes mal formados ou desmotivados. Esse grupo atua também no ensino superior, sobretudo nas licenciaturas, criando um perverso círculo vicioso. É verdade que, nas boas universidades, temos excelentes alunos nas graduações de matemática. Porém, eles formam um grupo tão pequeno que pouco influenciam as tristes estatísticas. Predomina uma enorme evasão dos cursos, uma vez que a maioria não enfrenta as dificuldades naturais dos bons cursos. Nos últimos 30 anos, implementou-se no Brasil a política da supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação dos professores. Comprovamos, agora, os efeitos danosos dessa política sobre boa parte dos nossos professores. Sem entender o conteúdo do que lecionam, procuram facilitar o aprendizado utilizando técnicas pedagógicas e modismos de mérito questionável. A pedagogia é ferramenta importante para auxiliar o professor, principalmente aqueles que ensinam para crianças. O professor só pode ajudar o aluno no processo de aprendizagem se puder oferecer pontos de vista distintos sobre um mesmo assunto, suas relações com outros conteúdos já tratados e suas possíveis aplicações. Isso só é possível se o professor tiver um bom domínio do conteúdo a ser ensinado. A preocupação exagerada com as técnicas de ensino na formação dos professores afastou-os da comunidade matemática. Além disso, eles se deparam com a exigência da moda: a contextualização. Se muitos de nossos professores não possuem o conhecimento matemático necessário para discernir o que existe de matemática interessante em determinadas situações concretas, aqueles que lhes cobram a contextualização possuem menos ainda. Forma-se, então, o pano de fundo propício ao surgimento de inacreditáveis tentativas didático-pedagógicas de construir modelos matemáticos para o que não pode ser assim modelado. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC são erradamente interpretados como se a matemática só pudesse ser tratada no âmbito de situações concretas do dia-a-dia, reduzindoa a uma seqüência desconexa de exemplos o mais das vezes inadequados. Um professor de ensino médio relatou que, em sua escola, existe a “matemática junina”, enquanto outro contou ter sido obrigado a dar contexto matemático a trechos de um poema religioso. Certamente, esses não são exemplos de uma contextualização criativa e inteligente que pode, em muito, ajudar nossos alunos. Lamentavelmente, esses tipos de exemplo proliferam em nossas escolas. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 143 O bom treinamento em matemática é efetuado, necessariamente, com ênfase no argumento lógico, oposto ao autoritário, na distinção de casos, na crítica dos resultados obtidos em comparação com os dados iniciais do problema e no constante direcionamento para o pensamento independente. Esses hábitos são indispensáveis em qualquer área do conhecimento e permitem a formação de profissionais criativos e autoconfiantes - e a matemática é um campo ideal para o seu exercício. O Brasil tem condições de mudar o quadro lastimável em que se encontra o ensino da matemática. Com satisfação, notamos um movimento importante de nossos professores em busca de aperfeiçoamento. Muitos estão conscientes dos problemas de sua formação e dos reflexos que ela tem dentro da sala de aula. Há uma enorme massa de professores que querem ser treinados em conteúdo. O desafio é atingir o maior número de professores no menor espaço de tempo. Não é verdade que nossas crianças odeiam matemática, conforme prova a participação voluntária de 150 mil jovens e crianças nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática de 2002. Muitos mais eles poderiam ser, se os recursos fossem mais abundantes, como é o caso da Argentina, onde 1 milhão participam das Olimpíadas Argentinas de Matemática. Iniciativas bem-sucedidas existem e apontam caminhos a seguir. Esse é o caso do fantástico programa de matemática coordenado pelo professor Valdenberg Araújo da Silva no interior de Sergipe, que tem levado crianças oriundas de famílias de baixíssima renda a conquistas importantes, como aprovação no vestibular, participação nas olimpíadas e até mesmo início do mestrado em matemática de jovens entre 15 e 17 anos. Se medidas urgentes não forem tomadas, a situação tenderá a se agravar: há décadas estamos construindo uma sociedade de indivíduos que, ignorando o que é matemática, se mostram incapazes de cobrar das escolas o seu ensino correto ou mesmo apenas constatar as deficiências mais elementares nesse ensino. Suely Druck é presidenta da SBM - Sociedade Brasileira de Matemática. ___________________________________________________________________________ Professor Comenta Artigo “O drama do ensino da matemática” de Suely Druck Wojciech Andrzej Kulesza Jornal da Ciência - e-mail - 02/04/2003 www.jornaldaciencia.org.br “O artigo desconhece toda a discussão, hoje já incorporada na legislação educacional brasileira referente à Prática de Ensino, sobre a saudável e necessária relação entre a teoria e a prática pedagógicas”. Depois de trabalhar tantos anos com educação matemática, causou-me desalentadora surpresa o artigo de Suely Druck, publicado na “Folha de SP” e reproduzido no “JC e-mail” de 28 de março último. Defendendo a posição, tão antiga quanto arcaica, de que o conhecimento do conteúdo é um pré-requisito na formação do professor, o artigo desconhece toda a discussão, hoje já incorporada na legislação educacional brasileira referente à Prática de Ensino, sobre a saudável e necessária relação entre a teoria e a prática pedagógicas. 144 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Nas palavras da autora, “o conhecimento do conteúdo a ser transmitido precede qualquer discussão acerca da metodologia de ensino”. Assim, primeiro o professor conhece e depois (naturalmente, se for o caso) ele se preocupa com o ensino. É ainda o esquema 3 + 1, que coloca o bacharelado com um pré-requisito da licenciatura, a orientar os formadores de professores e a fazê-los sofrer o “drama do ensino de matemática”. Não é verdade que seja “necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática”, para enfrentar o problema da alfabetização matemática. No máximo essa deficiência deveria ser colocada ao lado das metodológicas, para nos restringirmos ao currículo explícito dos cursos de formação. A história da ciência nos tem demonstrado que não é verdade que primeiro sabemos para depois reconhecermos esse conhecimento num determinado contexto, como parece pensar a autora. Será que os matemáticos nunca aceitarão que, pelo menos, há saberes concomitantes à matemática na formação do professor? Lamentavelmente, a Sociedade Brasileira de Matemática, através do artigo da sua presidente, aliena-se da sociedade brasileira nãomatemática na questão educacional, num corporativismo próprio da época dos mosteiros. Mensagem de Wojciech Andrzej Kulesza, prof. do PPGE da UFPB ([email protected]). __________________________________________________________________________ Pesquisadora Comenta Artigos sobre o Ensino da Matemática no País Maria Eulália Vares Jornal da Ciência - e-mail - 07/04/2003 www.jornaldaciencia.org.br O artigo da Profa. Suely Druck presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, publicado na Folha de SP, no dia 25/03, e reproduzido pelo JC e-mail no dia 28/03, aponta para um dos tantos problemas da realidade do sistema educacional brasileiro. Os dados por ela mencionados comprovam que o sistema atual vai muito mal no que diz respeito ao ensino da matemática. As avaliações estão disponíveis e só não vê quem não quer. Os reflexos para o ensino de outras ciências são também percebidos pelos que trabalham com os alunos de segundo grau. Isso não é uma novidade, mas parece que estamos retrocedendo em certos aspectos, infelizmente. Em resposta ao artigo da Profa. Druck, no JC e-mail do dia 02/04, o Prof. Andrzej Kulesza (professor do PPGE da UFPB) faz afirmações ofensivas à Sociedade Brasileira de Matemática, acusando-a de corporativismo. Gostaria eu de saber: onde está o corporativismo por ele citado? Seria quando aponta a Profa. Druck a necessidade que o professor tenha um “bom domínio do conteúdo a ser ensinado”? Concordamos todos que para ser um bom professor, em especial para crianças e adolescentes, não basta ter um bom conhecimento do assunto, mas certamente é ilusório, para não dizer enganoso, julgar que podemos ter cursos formando bons professores de matemática (ou de qualquer outra ciência) sem lhes propiciar um razoável controle sobre os conteúdos. Não há dúvida que cursos de formação de professores precisam dar importância a metodologias de ensino, e não há qualquer tentativa de menosprezá-las. Por outro lado tentar usá-las como forma de compensar falhas no conteúdo básico só pode resultar em um quadro com resultados análogos aos que temos visto nas avaliações dos estudantes. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 145 Infelizmente não se trata de uma conclusão subjetiva de um grupo de matemáticos corporativos, como pensa o Prof. Kulesza. Trata-se de uma realidade evidenciada pelas avaliações feitas tanto a nível nacional quanto internacional. Precisamos, isso sim, de uma maior participação da comunidade científica na tarefa de formação e reciclagem de professores. Há necessidade de se unir esforços para reverter um quadro bastante desfavorável. Propomos que as Sociedades Científicas coloquem esse tema em suas agendas, que participem com sugestões e alternativas. Trata-se de problema que envolve tanto a comunidade educativa quanto todos os que trabalham com ciência básica, em qualquer estágio. Maria Eulália Vares. Matemática. Pesquisadora do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Secretária Regional SBPC/RJ ___________________________________________________________________________ Sobre o Ensino de Matemática Michel Spira Jornal da Ciência - e-mail - 11/04/2003 www.jornaldaciencia.org.br “O professor bem preparado é capaz de acomodar de maneira flexível e estimulante as manifestações dos alunos, fazendo com que eles se sintam respeitados em sua inteligência e curiosidade”. “Depois de trabalhar tantos anos em Ensino de Matemática, dedicando-me aos cursos de licenciatura, bacharelado e pós-graduação, bem como à capacitação de professores dos ensinos fundamental e médio, causou-me desalentadora surpresa a mensagem do prof. Wojciech Andrzej Kulesza, do PPGE da UFPB, sobre o artigo da profa Druck Druck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática. A mensagem do professor Kulesza distorce intencionalmente as posições expressas no artigo da professora Druck, empregando um tom pejorativo e pouco apropriado para um foro de discussão de idéias. Usando a técnica de “como parece pensar a autora”, ele pressupõe idéias e opiniões não expressas explícita ou implicitamente e constrói sua “argumentação” em torno dessas pressuposições. Uma simples leitura do artigo original revela que em nenhum momento é negada a importância do estudo de métodos pedagógicos na formação do professor de Matemática. Seria insanidade argüir o contrário; a responsabilidade daqueles que lidam com crianças e jovens extrapola em muito o domínio do conteúdo, e sua formação não pode prescindir de um forte referencial pedagógico, metodológico e sociológico. O que o artigo expõe, com base em testes reconhecidos pela comunidade acadêmica e em entrevistas com professores de escolas públicas e particulares, são as conseqüências do pouco domínio do conteúdo e do mau uso de técnicas pedagógicas na prática do professor e, mais amplamente, no quadro da Matemática nacional. É um fato gravíssimo, não uma elucubração teórica, que “No Provão, a média em matemática tem sido a mais baixa entre todas as áreas. O último Saeb (Sistema Nacional de Avaliacão da Educacão Básica) mostra que apenas 6% dos alunos têm o nível desejado em matemática. E a comparação internacional é alarmante. No Pisa (Program for International Student Assessment) de 2001, ficamos em último lugar”. 146 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 O prof. Kulesza não dedica uma linha sequer de sua resposta a este e outros fatos mencionados no artigo, fugindo da discussão objetiva sobre os problemas do ensino da Matemática no Brasil e tornando assim impossível uma resposta direta à sua diatribe. De qualquer modo, é bastante interessante extrair o conteúdo de sua mensagem, o que faço abaixo. O prof. Kulesza expressa sua posição de maneira cristalina; ele diz que é “tão antiga quanto arcaica” a posição de que “o conhecimento do conteúdo é um pré-requisito na formação do professor”. Continua dizendo que “Não é verdade que seja ‘necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática’ para enfrentar o problema da alfabetização matemática”. Mais tarde, parece arrepender-se parcialmente e concede que “No máximo (grifo meu) essa deficiência deveria ser colocada ao lado das metodológicas, para nos restringirmos ao currículo explícito dos cursos de formação”. Ele evita cuidadosamente apresentar justificativas para suas afirmações, com a exceção de uma vaga menção à História da Ciência. Acaba aqui o conteúdo de sua mensagem. Causa espanto, tristeza e indignação ver um pesquisador IIB do CNPq, da área de Educação, emitir opiniões deste tipo, que podem ser traduzidas em português claro como “para ensinar não é necessário saber o que se vai ensinar”. Seria interessante saber se ele prega, por exemplo, que para ser um professor de língua portuguesa não é necessário um bom conhecimento de literatura e gramática. Apenas o domínio do conteúdo, por melhor que seja, não garante a boa prática do ensino. No entanto, o mau domínio do que se vai ensinar impede, necessariamente, que se seja um (bom) professor, na correta acepção do termo. A insegurança com relação ao conteúdo prejudica o professor em todas as suas manifestações, tornando-o incapaz de abordar e explicar um mesmo assunto sob diferentes pontos de vista, de explicitar as conexões entre diferentes assuntos, de transmitir os métodos de pensamento próprios de sua disciplina (em Matemática, os mecanismos de intuição, analogia, indução e o método lógico-dedutivo, entre outros), de motivar os alunos com situações e exemplos além daqueles do livro-texto, de encaminhar discussões que se originem do interesse dos alunos e de criticar os textos adotados, criando seu próprio material didático quando necessário. O professor inseguro é refratário a perguntas e abordagens alternativas, desestimulando assim os alunos a manifestarem sua curiosidade natural, a exercerem seu direito de questionamento e a apresentarem sua própria visão sobre o material que lhes é lecionado. No caso particular da Matemática, dada a especificidade da disciplina e de seus métodos de pensamento, o tristemente freqüente resultado é a criação de um aluno desinteressado, quando não abertamente hostil, propenso a tratar a Matemática como um corpo de conhecimento estático, desmotivado e de conotações autoritárias. Por outro lado, o domínio do conteúdo cria no professor a disponibilidade para a discussão e troca de idéias, prática esta oposta ao ensino dogmático e autoritário motivado pela insegurança. Em outras palavras, o professor bem preparado é capaz de acomodar de maneira flexível e estimulante as manifestações dos alunos, fazendo com que eles se sintam respeitados em sua inteligência e curiosidade. Particularizando outra vez para a Matemática, as conseqüências imediatas para os alunos são, além da melhoria da aprendizagem, o gosto pelo raciocínio lógico-dedutivo e o desenvolvimento de uma postura crítica, atributos essenciais em todas as áreas acadêmicas e no exercício da cidadania. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 147 Destaco agora o último parágrafo da resposta do prof. Kulesza: “Será que os matemáticos nunca aceitarão que, pelo menos, há saberes concomitantes à matemática na formação do professor? Lamentavelmente, a Sociedade Brasileira de Matemática, através do artigo da sua presidente, aliena-se da sociedade brasileira nãomatemática na questão educacional, num corporativismo próprio da época dos mosteiros”. Nota-se aqui a tentativa explícita de contrapor a comunidade matemática e a Sociedade Brasileira de Matemática ao restante da comunidade acadêmica, denunciando assim a verdadeira intenção do autor, que é estritamente política e ideológica, e não dirigida à discussão dos problemas apontados. Este tipo de comportamento é um dos responsáveis pelo lamentável estado do ensino de Matemática no Brasil. A Sociedade Brasileira de Matemática, nas palavras de sua presidente e dentro de sua competência, reconhece a séria situação do ensino de Matemática no Brasil e identifica uma importante componente deste problema. O momento é de contribuições que visem a união de forças e a discussão equilibrada sobre as ações necessárias para reverter o grave momento que atravessamos. Infelizmente, este não é o caso da manifestação do professor Kulesza. Michel Spira é professor do Depto. de Matemática da UFMG. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”. ___________________________________________________________________________ Polêmica: Os problemas da educação matemática Romulo Lins Folha de São Paulo - 29/04/2003 www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml No último Sinapse, foi publicado o artigo “O drama do ensino da matemática”, de Suely Druck. Neste artigo, contesto a posição defendida por Druck. Dizer, como Druck o fez, que “nos últimos 30 anos, implementou-se no Brasil uma política de supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação de professores” é um erro sério e que só pode ter origem no desconhecimento de certos fatos importantes. Primeiro, o modelo de licenciatura que adotamos hoje, o 3+1 (três anos de cursos de conteúdo matemático contra um ano de cursos de conteúdo pedagógico), é praticamente o mesmo que tínhamos na década de 60, e não é nada sensato dizer que esse modelo favoreça alguma “supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação de professores”. Segundo, o que aconteceu nos últimos 30 anos não foi um modismo didaticista ou pedagogista, e sim uma profunda mudança no entendimento que se tem dos processos do pensamento humano, incluindo-se aí o desenvolvimento intelectual e os processos de aprendizagem. Foi a partir disso que se deu um gradual desgaste do modelo “conteúdo matemático bem sabido mais boa didática”. Mas esse processo não aconteceu “em detrimento do conteúdo matemático”, e sim na direção de uma reconceitualização das práticas de sala de aula e, consequentemente, da formação de professores e professoras. Na esteira dessa reconceitualização, surgiu o campo de estudo a que chamamos educação matemática, ou seja, educação por meio da matemática, e não apenas educação para a matemática. 148 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 No 3+1, os três anos de conteúdo matemático foram e são quase sempre apresentados isolados das outras partes da formação, com base justamente no pressuposto equivocado de que “o conhecimento do conteúdo a ser ensinado precede qualquer discussão a respeito da metodologia de ensino”, pressuposto defendido por Druck. Hoje, sabe-se que é precisamente nessa separação entre matemática e pedagogia que está a raiz de muitas das dificuldades de professores e professoras. Druck diz, em seu artigo, que “abordar a questão do ensino da matemática somente do ponto de vista pedagógico é um erro grave”. Mas quem é que defende isso? Eu não conheço ninguém que o faça. O que eu conheço, sim, são pessoas que afirmam que a questão do ensino da matemática pode ser abordada apenas do ponto vista da matemática. A impressão que o artigo de Druck deixa, com as pequenas concessões à “pedagogia” soterradas por um feroz - e mal informado - ataque a uma suposta ditadura dos métodos pedagógicos, me faz pensar se ela mesma, afinal de contas, não acha isso. O desafio para a comunidade da educação matemática é o de oferecer uma formação integrada e de acordo com as necessidades reais desses profissionais. E há, no Brasil e no exterior, uma grande comunidade trabalhando para criar licenciaturas a partir da idéia de integração: nas disciplinas “matemáticas”, está presente a formação “pedagógica” e, nas disciplinas “pedagógicas”, está presente a formação “matemática”. É assim que acontece na escola - matemática e pedagogia não estão nunca separadas -, e é por isso que é assim que a formação de professores e professoras deve se dar; “pedagógico”, aqui, deve ser entendido como bem mais do que “formas de transmitir bem o conteúdo”, diferentemente do que parece sugerir o artigo de Druck no uso do termo. Nosso próprio trabalho de pesquisa na Unesp-Rio Claro se dirige, desde 1999, a responder esse desafio. Outro exemplo é o de um workshop realizado nos Estados Unidos, cujo relatório foi publicado em 2001 com o título “Conhecendo e Aprendendo Matemática para Ensinar”. Há muitos outros exemplos. O que se precisa enfrentar, primordialmente, não são “as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática”, como escreveu Druck, e sim o fato de que nosso sistema educacional está aprisionado em um limbo cercado, de um lado, por uma demanda social pela formação de uma sociedade de cidadãos críticos e, de outro, por um sistema escolar que, de alto a baixo, parece se pautar por uma idéia de excelência que não se dirige ao conjunto da população e que se sente realizada apenas na “participação nas olimpíadas” e “no início do mestrado em matemática de jovens entre 15 e 17 anos”. Os filhos das elites não sofrem de analfabetismo numérico. Seria apenas coincidência que são 6% os alunos com “nível desejado” no Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Brasileiro), enquanto 10% dos brasileiros e brasileiras controlam 90% das riquezas? Em vez de nos perguntarmos o que de matemática o professor precisa saber, devemos nos perguntar, antes, a matemática de quem o professor precisa saber. Esse deve ser o ponto de partida na discussão sobre as deficiências de conteúdo de professores e professoras, e essa questão só pode ser tratada adequadamente de uma perspectiva mais ampla que a da “matemática mais uma boa didática”. O verdadeiro drama da educação de professores e professoras de matemática começa na manutenção da mentalidade do 3+1 e da formação desarticulada que ele oferece, e vejo no artigo de Druck uma clara defesa desse modelo. Onde ela vê uma supervalorização de métodos pedagógicos, outros vêem uma supervalorização do conteúdo matemático. Eu não vejo nem uma coisa nem outra: vejo professores e professoras sem condições de trabalho adequadas e isolados, sem apoio efetivo para que possam continuar seu desenvolvimento profissional de forma contínua e em resposta a suas próprias perguntas. Penso que são esses os dois verdadeiros problemas que devemos resolver. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 149 Romulo Lins é professor do Departamento de Matemática e do programa de pós-graduação em educação matemática da Unesp-Rio Claro. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática entre 1995 e 1998. E-mail: [email protected] ___________________________________________________________________________ Não Existe Nada Tão Ruim Que Não Possa Ser Piorado Enzo Vito De Santis 30/05/2003 www.sbm.org.br Como profissional de exatas que sou, nunca acreditei que o ensino de matemática pudesse ser pior que o da época em que fui vítima das apáticas e sonolentas aulas de alguns professores que ditavam fórmulas para achar raízes de uma equação e de outros que vociferavam regras para derivar uma função. Venho acompanhando através da educação de meus próprios filhos, de alunos que me procuraram para aulas de reforço e também da mídia, a piora constante no ensino dessa disciplina. Qual não é a minha surpresa quando leio no caderno Sinapse do jornal Folha de São Paulo em 25/02/2003 cuja capa é “A matemática que conta” a triste confirmação do que já havia percebido. Por isso, sinto-me na obrigação de manifestar meu apoio à Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) que através do artigo “O drama do ensino da matemática” também publicado no jornal Folha de São Paulo no Sinapse de 25/03/2003 e escrito por sua presidente, Suely Druck, expressa integralmente a dura realidade do drama não só do ensino da matemática, mas também de alunos cujo potencial está sendo enterrado sob a lápide da hipocrisia de alguns professores e do desânimo que se instala nas salas de aula. A presidente da SBM enfatiza em seu artigo a danosa proliferação das licenciaturas, de um grande contingente de docentes mal formados ou desmotivados e, sobretudo, enfatiza a importância do conhecimento do conteúdo. Percebo que o ensino desta disciplina gera repulsa em nossos alunos. Através de um verdadeiro regime pedagocrata, insistimos em dizer: “se tá multiplicando passa dividindo” como mandam as temíveis e terríveis regras da “matemágica”.Chegamos a imbecilizar nossas crianças colocando personagens de histórias em quadrinhos montados em foguetinhos de papel para simbolizar que “se tá multiplicando passa dividindo”. Ora, tal ferramenta até pode ser útil para memorização e descontração mas não representa a realidade da operação. Naturalmente que as técnicas pedagógicas são fundamentais porém, não podemos relevar a segundo plano o conteúdo e muito menos esquecermo-nos de que o desenvolvimento dessa matéria deve ser baseado na necessidade do homem e não em regras “matemágicas”. Precisamos evitar a formação de estudantes autômatos, cujo adestramento matemático fará apenas com que sejam aprovados na avaliação final sem nem saberem como o fizeram. Certamente, meu caminho teria sido muito menos penoso e minha satisfação pessoal teria acontecido antes, não fosse a qualidade de ensino que obtive que, aliada aos problemas sociais, políticos e econômicos, acaba gerando verdadeira cegueira e faz com que a comunidade educacional e o governo tornem-se irresponsáveis na formação cultural de nossos filhos. Minhas dificuldades aumentaram ao ingressar no curso de engenharia quando então fui obrigado a lidar com a matemática de maneira diferenciada e, salvo alguns expoentes de didática e conhecimento do assunto que lecionavam, as aulas também foram apáticas. Felizmente, isso não me desmotivou e, muitas vezes, penso que deveria ser indenizado pelo 150 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 castramento do direito de aprender matemática dignamente. Minha frustração é imensa. É como um amor não correspondido. Gostar de uma ciência e ter sido tratado com indiferença. No entanto, os citados expoentes fizeram com que eu procura-se a verdade da ciência e iniciei então minha cavalgada rumo ao entendimento do mundo matemático. Infelizmente, isso não é o que acontece com a maioria dos estudantes. Disciplinas como Cálculo Diferencial e Integral e Física I são certamente as principais razões da evasão de alunos de primeiro ano dos cursos de exatas e também as matérias que mais reprovam. Alunos desmotivados e despreparados ou método inadequado? Não podemos permitir que o comodismo e a hipocrisia destruam o cérebro de nossos estudantes. Por sorte, muitos educadores já concordam que vivemos um ciclo vicioso onde a má formação gera um mau ensino e vice-versa. Já se acredita que não é só o aluno que não quer aprender ou não gosta da matéria mas também que a escola não ensina adequadamente e não gera motivação no estudante. Finalmente a luz! Afinal, a dificuldade do ensino da matemática é conhecida desde a escola Euclidiana. Que me desculpe o ilustre professor da UFPB que criticou o artigo da presidente da SBM mas, a minha experiência de vítima e a de quem tenta vitimar menos, concorda que a realidade foi escancarada nos dizeres da presidente. Concluo dizendo que nosso sistema educacional é falido e os burocratas do ensino continuam a nos tapear e a tapear aos nossos filhos. Meu único ponto de discórdia no artigo de Suely Druck é quando ela diz que “se medidas urgentes não forem tomadas, a situação tenderá a se agravar”. Isso, na verdade, é uma forma polida de se dizer a conhecida frase “não existe nada tão ruim que não possa ser piorado”. Enzo Vito De Santis - Test Engineering. Sanmina-SCI Brazil. e-mail: [email protected] ___________________________________________________________________________ A Crise no Ensino de Matemática no Brasil Suely Druck Jornal da Ciência - 11/07/2003 www.jornaldaciencia.org.br Revista do Professor de Matemática no 53, 1o Quadrimestre de 2004 A preocupação com a crise pela qual passa o ensino da Matemática nas escolas levou a SBM a fazer uma análise minuciosa da situação visando elaborar um diagnóstico e propor soluções. Para esse trabalho, além de discussões no seio da comunidade matemática, a SBM estabeleceu contato direto com grupos de professores do ensino básico de várias regiões do país para conhecer de perto os problemas a serem enfrentados. Em paralelo, a SBM promoveu no Rio de Janeiro, com apoio da FAPERJ, um curso de capacitação para professores dos níveis médio e fundamental. Desse curso brotaram depoimentos e experiências que enriqueceram a nossa visão da crise que aflige o ensino da Matemática no país. Outra fonte de informações importantes sobre a questão é o projeto Numeratizar, recém iniciado no Ceará com o apoio do MEC, da UFC, das Secretarias estaduais de Educação e Ciência & Tecnologia, da FACEP e da SBM. A análise foi completada com o mapeamento de diversas iniciativas nacionais para a melhoria do ensino obtidas através da 1a Bienal da SBM, evento dedicado ao ensino da Matemática realizado no ano passado, na UFMG. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 151 A questão principal a ser enfrentada é a baixíssima qualidade do ensino básico, principalmente nas escolas públicas, onde estuda a maioria dos brasileiros. Claro está que uma situação desse porte não nasce de repente; é construída ao longo de décadas de ensino deficiente, quadro que tristemente se agrava a cada geração. A progressiva decadência da qualidade do ensino da Matemática atinge hoje a própria Licenciatura em Matemática, completando assim um círculo vicioso. Dados objetivos evidenciam o problema: no Provão, a Matemática tem sido a última colocada em todos os anos entre as áreas avaliadas. As médias (sobre DEZ) dos licenciandos na parte discursiva do Provão foram: 0,43 (1998), 0,94 (1999), 0,65 (2000) e 1,12 (2001). Como a maior parte dessa prova consta de tópicos do ensino médio, conclui-se que a maioria dos professores de Matemática vem sendo formada sem conhecer o conteúdo do que deve lecionar. O SAEB/2001 - Matemática revela que apenas 5,99% dos alunos do ensino médio alcançaram o nível desejado e, na 4a série do ensino fundamental, apenas 6,78%. Indica ainda uma piora (em relação ao SAEB/1999) do nível matemático de nossas crianças em 11 Estados, enquanto nos demais Estados parece não revelar alteração. Completa esse quadro o baixíssimo nível de cultura matemática cotidiana do brasileiro, que na sua maioria desconhece as quatro operações e unidades de medida. Um parecer do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) de 17-12-2002 sobre o índice de conhecimento matemático da população no país, entre 15 e 64 anos, mostra a que ponto chegou a calamidade nacional na questão do ensino da Matemática: “A indicação de que apenas 21% da população consegue compreender informações a partir de gráficos e tabelas, freqüentemente estampadas nos veículos de comunicação, sugere que boa parte dos brasileiros encontra-se privada de uma participação efetiva na vida social, por não acessar dados e relações que podem ser importantes para auxiliá-la na avaliação de situações e na tomada de decisões”. De outro lado, há que se constatar que a já conhecida falta de professores de Matemática nas escolas indica que o problema quantitativo não é menos sério que o qualitativo. A questão salarial e a desvalorização da profissão do professor de ensino básico são uma das causas mais importantes desse quadro, o que faz com que a Matemática não consiga atrair um contingente importante de bons alunos interessados em Matemática. Essa questão, embora comum a todas as áreas científicas, atinge mais duramente a Matemática, uma vez que ela é a única ciência estudada desde os 6 anos. Quando o estudante ingressa na Universidade, estamos pressupondo 11 anos de prérequisitos matemáticos, que a grande maioria não possui. Essa é a causa das enormes taxas de reprovação nas disciplinas de cálculo, que tanto prejuízo traz às áreas tecnológicas. Atualmente, grande parte dos professores é oriunda de cursos noturnos de licenciatura de baixa qualidade acadêmica onde predominam a pobreza de informação teórica, precariedade no uso da informática e distanciamento do ambiente científico. Ora, a qualidade da formação dos professores do ensino básico depende fundamentalmente do trabalho dos professores que atuam nas licenciaturas. Grande parte desses professores tem uma formação deficiente (muitos possuem apenas uma licenciatura como única formação matemática) e não se tem conseguido formar um número suficiente de mestres para atuar nesses cursos. Além da pobreza de informação matemática, detecta-se na formação dos professores uma supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento de conteúdo matemático. Uma boa formação pedagógica é fundamental, mas toma-se de pouca valia quando desacompanhada de bom conhecimento do conteúdo específico. Não basta, entretanto, melhorar o nível das licenciaturas: existe um enorme contingente de professores mal formados atuando no ensino básico. Assim, uma ação direta sobre esses professores e seus alunos é imperiosa sob pena de condenarmos mais uma geração à ignorância matemática. 152 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 As conseqüências da má formação de nossos professores se fazem sentir no dia-a-dia do ensino da Matemática no país. Em primeiro lugar, o desconhecimento de certos tópicos tem levado professores a não ensiná-los; identificamos casos em que temas como Trigonometria ou mesmo Geometria são solenemente ignorados por essa razão. A falta de visão sólida da Matemática e de suas aplicações conduz a estranhas tentativas de contextualização de situações que a tanto não se prestam. Por outro lado, tópicos que não admitem contextualização como alguns algebrismos, fundamentais na resolução de problemas, por exemplo, fatoração de polinômios - estão sendo omitidos do ensino. O desconhecimento tem resultados ainda mais desastrosos: em nome da modernização do ensino da Matemática, em diversas escolas o Teorema de Pitágoras foi banido “por ser muito antigo”. Há que se observar que inúmeros professores relataram que as omissões acima comentadas, entre outras, ocorrem por exigência das autoridades responsáveis pela definição de conteúdos. Neste caso, acreditamos estar diante da carência de subsídios teóricos adequados. É preciso entender que, assim como é necessário saber conjugar verbos e construir frases para se comunicar, também é imperioso dominar as estruturas próprias da Matemática para usá-las de forma útil e nas situações pertinentes. Cálculos diversos, teoremas básicos, axiomas, fazem parte dessas estruturas e precisam ser muito bem conhecidos por quem se propõe a utilizar a Matemática corretamente. As condições de trabalho dos professores, principalmente na rede pública, são extremamente perversas e desmotivantes; a competência raramente é reconhecida ou mesmo incentivada. Via de regra, as únicas opções de melhoria salarial são o tempo de serviço ou a troca de sala de aula por funções administrativas. Além disso, falta todo tipo de apoio para o bom ensino de Matemática, principalmente o acadêmico. Com uma sinceridade corajosa, diversos professores confessaram que não sabem resolver problemas, não tendo a quem recorrer. Dispõem de pouco tempo para dedicar-se aos seus alunos e cursos de aprimoramento, uma vez que a carga horária em sala de aula costuma variar de 8 a 10 horas por dia. Justificam unanimemente o despreparo matemático dos alunos que chegam à Universidade após 11 anos de estudos de Matemática: a situação seria gerada pela aprovação indiscriminada de estudantes, perpetrada mediante pressão das escolas. Estas, por sua vez, estariam tentando obter boa avaliação satisfazendo aquele que, segundo esses docentes, seria o único parâmetro utilizado pelas autoridades locais para mensurar seu desempenho: o número de alunos aprovados. Ademais, as instalações físicas são muito precárias e falta quase tudo: biblioteca, laboratórios de ensino, laboratórios de informática, etc. O cerne do problema do ensino da Matemática se prende à formação e às condições de trabalho dos professores. No entanto, não foram eles que optaram por ter uma formação ruim, trabalhar em condições precárias e receber um salário indigno. Essa é a opção que nosso país está lhes oferecendo. Contrastando com a situação dos ensinos básico e de graduação, a pesquisa e a pósgraduação em Matemática no país apresentam excelente desenvolvimento, desfrutando boa reputação internacional, com grupos consolidados, bons programas de pós-graduação e grupos emergentes com ótimas perspectivas. No entanto, o seu crescimento quantitativo está muito aquém da necessidade do país no que diz respeito à universalização do conhecimento matemático, formação de recursos humanos e diversificação de linhas de pesquisa. As causas dessa situação são basicamente a escassez de bons alunos, como conseqüência da mesma situação na graduação e, principalmente, o não-atendimento da demanda qualificada de bolsas de mestrado e doutorado da área, que vem impedindo o crescimento dos programas de pósgraduação. A falta de recursos humanos pós-graduados em Matemática já se faz sentir na FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 153 dificuldade em preencher vagas para doutores nos concursos públicos e na impossibilidade de suprir com mestres os cursos de licenciatura (aproximadamente 400), o que vem agravando a crise no ensino básico. Por isso qualquer solução para o ensino da Matemática nas escolas deverá passar por uma ação em toda a cadeia de formação: do ensino básico até a pósgraduação. A dramática situação em que se encontra o ensino básico da Matemática no país não admite paliativos. Não há dúvida de que qualquer tentativa de solução desse quadro só será possível através de um projeto nacional para a Matemática, como já ocorreu no Brasil no caso da Química. Evidentemente, o ponto de partida será a decisão política e a conseqüente alocação de recursos para esse fim por parte do governo. De sua parte, a Sociedade Brasileira de Matemática está pronta para assumir, junto com o governo, a resolução desses problemas. Convém, finalmente, comentar o argumento, tão comum quanto falacioso, de que a escola pública de antes (considerada mais eficiente) servia fundamentalmente à parte inexpressiva da população (mais abastada) e que a ampliação do ensino às camadas de mais baixa renda representaria melhora significativa. Nossa posição é clara: o mero aumento do número de estudantes matriculados nas escolas, sem garantia de qualidade, tem pouco significado. A escola necessária ao país é aquela que vai garantir a cada cidadão a capacidade de avaliar quanto paga de juros ou imposto, quanto recebe, o que significam os gráficos de distribuição de renda, etc. É no sentido de resgatar a reflexão crítica como prática social que defendemos intransigentemente a boa qualidade da escola. Suely Druck. Presidenta da Sociedade Brasileira de Matemática. [email protected] ___________________________________________________________________________ Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) Levará ao MEC Proposta de Melhoria Nacional da Matemática Flamínio Araripe Jornal da Ciência - e-mail - 16/02/2004 www.jornaldaciencia.org.br “Conjunto de nove projetos foi elaborado a partir de relatório feito durante dois anos em diversas cidades brasileiras, e aponta soluções para melhoria do ensino de matemática na escola pública nos diversos níveis”. Um projeto nacional para tirar a matemática da situação em que se encontra - nos últimos lugares do Provão, Inep, Saeb e Pisa - será levado ao ministro da Educação, Tarso Genro, nos próximos dias, pela presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Suely Druck, da UFF. Ela pretende agendar audiência para reapresentar um conjunto de nove projetos elaborados a partir de um relatório feito durante dois anos em diversas cidades brasileiras, que aponta soluções para melhoria do ensino de matemática na escola pública nos diversos níveis. A íntegra das propostas (leia no site www.sbm.org.br/UnivEscola1.pdf) já foi apresentada ao ex-ministro, Cristovam Buarque. “Vou insistir novamente”, disse Suely Druck. Segundo ela, o ex-ministro recebeu as propostas com grande entusiasmo. “Mas apenas pequenas coisas foram aproveitadas pelas secretarias do MEC”, informou. Suely Druck esteve em Fortaleza na última sexta-feira para a festa de premiação da I Olimpíada das Escolas Públicas do Ceará. “Um amplo programa de apoio ao ensino de 154 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 matemática faz parte da política científica de todos os países desenvolvidos. Detectar talentos precocemente é da maior importância para os países que queiram se desenvolver”, disse ela na solenidade. Para os alunos que receberam medalhas e menção honrosa, ela disse que a matemática abrirá um novo mundo de formação para que possam ajudar o país no desenvolvimento da ciência e tecnologia. Suely Druck parabenizou as duas secretarias do Ceará envolvidas com o projeto Linguagem das Letras e dos Números - Ciência e Tecnologia e Educação Básica -, o governador Lúcio Alcântara, e fez uma homenagem à contribuição para a matemática do Brasil dada pelo departamento de Matemática da UFC. E lembrou que, nas Olimpíadas de Matemática, o Ceará “é campeoníssimo” com a participação das escolas privadas. Suely Druck destacou a iniciativa de treinamento de professores da rede pública em matemática, coordenada pela SBM com apoio da Faperj, e observou que não conhece nada de grande alcance sendo feito no País, “só a experiência do Ceará”. As outras experiências, segundo ela, envolvem as áreas da física, química e biologia, “mas nenhuma com destaque à matemática como ela está necessitando”, enfatizou. “Basicamente, o desenvolvimento tecnológico que a Índia está conseguindo é baseado numa estratégia forte do ensino de matemática para as crianças”, afirmou. Como exemplo, citou que a Índia está num progresso muito visível na área de tecnologia na exportação de software e já está na frente do Brasil na indústria aeroespacial. O Programa Nacional de Olimpíadas, já com 23 anos, de acordo com Suely Druck, mostra uma experiência pequena, mas muito rica, de que a matemática atinge qualquer setor da sociedade. A mais recente, em 2003, contou com a participação de 150 mil alunos. Segundo ela, o Ceará tem uma infra-estrutura de olimpíada de matemática ligada à SBM, que agora dá a chancela à experiência encetada no âmbito das escolas públicas, e junto ao MEC e MCT. “Cabe ao MEC estancar a formação de professores mal formados. Esta ação é da alçada só do MEC”, disse Suely Druck. “O nível da formação dos professores apontado no Provão - enquanto teve Provão - é desastroso, o pior possível. Uma das nove propostas a serem levadas ao ministro da Educação é estender o programa de olimpíadas às escolas públicas - o que o Ceará já está fazendo”, afirma. Suely Druck conta que a China tem feito um investimento muito forte no ensino de matemática entre crianças, e que o Peru, país muito mais pobre que o Brasil, tem um projeto emergencial, há um ano, que já começa a apresentar resultados. O projeto central para desenvolvimento da matemática investe na melhoria dos professores peruanos com treinamento de imersão por cinco meses nas áreas básicas como trigonometria, álgebra, geometria e aritmética. A Olimpíada, para ela, é uma forma de oferecer matemática esperta, instigante com muito mais qualidade. “A matemática que se está aprendendo hoje em dia é muito pobre e desinteressante”, compara. Esta iniciativa envolve alunos com a descoberta precoce de talentos que em geral se encaminham para a área científica, e professores, que aprendem no treinamento dos alunos, correção de provas e preparação dos alunos para as olimpíadas, informa. Flamínio Araripe escreve para o “JC e-mail”. FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Ç Ñ È Merece Registro Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br 156 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Comitê Editorial da Seção Merece Registro do Número 02 da FAMAT em Revista: Antônio Carlos Nogueira (coordenador da seção) Walter dos Santos Motta Júnior Elisângela Duarte da Silva Edson Agustini FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 157 Merece Registro • III Semana da Matemática Foi realizada de 24 a 27 de Novembro de 2003, na Faculdade de Matemática, a III Semana da Matemática. Esta é uma atividade que vem sendo realizada anualmente e já é uma prática consolidada da Faculdade de Matemática. O objetivo principal da mesma é promover um intercâmbio entre os alunos de matemática da região e também entre professores de várias instituições de ensino superior no país. As atividades desenvolvidas na Semana concentram-se na apresentação de palestras, mini-cursos técnicos, seções de apresentação de trabalhos de iniciação científica, relatos de experiências e oficinas. A Famat em Revista parabeniza toda a comissão organizadora do evento - que foi coordenada pelo Prof. Dr. Jocelino Sato - pelo excelente trabalho realizado. • Exame Nacional de Cursos - ENC / Provão Mais uma vez os nossos alunos brilharam no Provão. Pela sexta vez consecutiva o Curso de Matemática da UFU obteve nota A no Exame Nacional de Cursos. Parabéns a toda a comunidade da FAMAT. Desta vez fizeram a prova 63 alunos o que representou um aumento razoável comparativamente aos anos anteriores. Segue abaixo a relação com os nomes de todos os alunos que compareceram ao Exame. 1. Adelrita Macedo Borges 2. Adriana Rodrigues da Silva 3. Alex Medeiros de Carvalho 4. Aline Borges Petraglia 5. Ana Thais Pereira 6. Ariella Paula Resende 7. Ariosvaldo Marques Jatobá 8. Célia Maria da Siflva 9. Cláudia Ferreira Soares 10. Cristiane Aparecida Ferreira 11. Cynthia Rodovalho Rosa 12. Daniela Ribeiro Martins Parreira 13. Douvanio de Oliveira Gomes 14. Edson Borges de Ávila 15. Eduardo Silva Bernardt 16. Elias Dias Coelho Neto 17. Emília Rosa da Silva 18. Érika Marques da Silva 19. Érika Santana Moreira 20. Fabiana Rodrigues de Oliveira 21. Flávio Luis de Sousa Costa 22. Giovana Trindade da Silva Oliveira 23. Glauce Ribeiro de Souza Mendonça 158 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 24. Glédima Ferreira de Almeida 25. Helder Aidar Furtado de Oliveira 26. Hellen Cristina Borges 27. Jander Amorim Silva 28. João Cabral Ferreira 29. Joenes Martins de Moura 30. Joyce Gama da Silva 31. Juscilene da Silva 32. Karla Danianne de Castro 33. Kelen Cristina Moreira Agostinho 34. Kelly Cristina Santiago 35. Kênia Cristina Rosa 36. Leonardo de Amorim e Silva 37. Lourenço de Lima Peixoto 38. Luciano Ferreira da Silva 39. Luciano Ferreira Silva 40. Lúcio Borges de Araújo 41. Luiz Gustavo Costa e Silva 42. Marcelo Ferreira 43. Marcelo Gonçalves Oliveira Vieira 44. Marcelo Lopes Ferro 45. Marcelo Rodrigues Ferreira 46. Maurício Gonçalves Assunção 47. Melissa da Silva Rodrigues 48. Michele Cristina de Sousa 49. Naira Vincenzi da Silva 50. Neiton Pereira da Silva 51. Patrícia dos Santos Fonseca 52. Ricardo Cardoso de Oliveira 53. Roberta Machado Santos 54. Sérgio Luis Mendes 55. Simone Assis Barros 56. Sinádia Fernandes Carrijo 57. Tatyana Maestri de Barros Soares 58. Vaedesson Pereira de Souza 59. Vanessa de Fátima Cruz 60. Vinícius Vieira Fávaro 61. Viviane Ferreira Vasconcelos 62. William José dos Santos 63. Wysner Max de Lima Silva • I Curso de Especialização em Estatística Foi concluído em Janeiro de 2004 o I Curso de Especialização em Estatística Aplicada sob a coordenação do Prof. Dr. Marcelo Tavares. FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 159 • VII Curso de Especialização em Matemática Teve início em Fevereiro de 2004 o VII Curso Especialização em Matemática, desta feita sob a coordenação do Prof. Dr. Marcos Câmara. O curso de especialização já se tornou uma atividade consolidada na Faculdade de Matemática e tem por objetivo geral complementar e atualizar a formação de professores do ensino fundamental, médio e superior. Nas edições anteriores a seleção dos alunos era feita via análise curricular apenas. Desta última vez a seleção usou além da análise curricular também uma prova de habilidade como critério de seleção. Num total de 57 inscritos foram selecionados 40 candidatos. Segue abaixo a lista de todos os alunos selecionados e matriculados: 1. Adenilce Oliveira Souza 2. Aline Aparecida da Silva Andrade 3. Ana Flávia de Souza 4. Ana Thais Pereira 5. Cassiano Marques Barbosa 6. Cleber Ferreira Oliveira 7. Danilo Amorim Ferreira 8. Dayana Cristina Resende 9. Déborah Patrícia Santos do Nascimento Oliveira 10. Elimar Cândida Gomes 11. Érika de Carvalho 12. Frederico Gilber de Campos 13. Helenice Maria Costa Araújo 14. Hellen Cristina Borges 15. Juliana Souza Guimarães 16. June Cristien Braz 17. Karina Mello Porfírio 18. Katiúcia Mendes dos Santos 19. Kelbia Cristina Braga Santos 20. Kleyber Moura Ribeiro 21. Laura Cristina Fonseca Almeida Rodrigues 22. Leone Alves Leite 23. Luiz Eugênio Gambogi 24. Márcia Helena Nogueira Gonçalves 25. Márcio Amarildo da Silva 26. Maria Divina Magalhães dos Santos 27. Maxiel de Mesquita Machado 28. Neilon José de Oliveira 29. Neire Rodrigues da Silva 30. Renato Ferreira Diniz 31. Ricardo Magno Carvalho de Melo 32. Sidney Tadeu Santiago Costa 33. Simone Nunes Vieira Garcia 34. Suely Ochiucci Storti 35. Tatiana Cristina Viana 36. Tatyana Maestri de Barros Soares 37. Vanessa de Fátima Cruz 38. Wanda Aparecida Lopes 160 FAMAT em Revista - Número 02 - Abril de 2004 Obs: Foram selecionados 40 dos 57 candidatos inscritos, mas dois dos matriculados que começaram o curso desistiram. • Apresentação de monografia O aluno Marcelo Gonçalves Oliveira Vieira apresentou, no dia 19 de fevereiro de 2004, a monografia (PET) intitulada Algumas noções topológicas associadas ao círculo. Estiveram presentes na banca examinadora os professores Valdair Bonfim, Jocelino Sato e Walter dos Santos Motta Jr. (orientador). • Alunos da FAMAT - UFU que ingressaram em programas de mestrado. Em tempo: no semestre passado (2003/2) ingressaram em programas de mestrado os seguintes alunos formados na FAMAT: Neiton Pereira da Silva - Programa de mestrado do Departamento de Matemática da UnB. Leonardo Amorim e Silva - Programa de mestrado do Departamento de Matemática da UnB. Vinícius Vieira Fávaro - Programa de mestrado do IMECC - UNICAMP. Marcelo Gonçalves Oliveira Vieira - Programa de mestrado do IMECC - UNICAMP. Ariosvaldo Marques Jatobá - Programa de mestrado do IMECC - UNICAMP Daniel Oliveira Veronese - Programa de mestrado do IBILCE - UNESP Nilva Rodrigues Ribeiro - Programa de mestrado do ICEx - UFMG Marcelo Lopes Ferro - Programa de mestrado do IME - UFG E no primeiro semestre de 2004 ingressaram em programas de mestrado os seguintes alunos formados na FAMAT: Adriana Rodrigues da Silva - Programa de mestrado do ICEx - UFMG. Marcelo Lopes Ferro - Programa de mestrado do IME - UFG. • Programa Especial de Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (PEP/UFU/2003). O objetivo deste programa é apoiar projetos de pesquisa de pesquisadores do quadro efetivo da UFU que concluíram o doutorado nos últimos três anos. Foram apresentados 6 projetos no âmbito da FAMAT sendo que todos foram aprovados. Os professores contemplados são: Heyder Diniz Silva Rogério de Melo Costa Pinto Edson Agustini José Eduardo Castilho Marcos Antônio da Câmara Zhang Cunhong
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