Uma Ferramenta Essencial para a Força Aérea Brasileira
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Uma Ferramenta Essencial para a Força Aérea Brasileira
Revista do Comando-Geral de Operações Aéreas Nº13 - Outubro 2010 A-DARTER: CARACTERÍSTICAS E IMPACTO OPERACIONAL IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO TIRO EM AERONAVE DE TRÁFICO DE DROGAS O LASER E SUAS IMPLICAÇÕES COMO DESIGNADOR DE ALVOS 21 SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL: UMA FERRAMENTA ESSENCIAL PARA A FORÇA AÉREA BRASILEIRA Ten Cel Av Hélcio Vieira Junior Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Naval Postgraduate School (NPS) I. INTRODUÇÃO “Essentially, all models are wrong, but some are useful” [1]. Q uando se ouve a palavra simulação dentro de uma unidade da Força Aérea Brasileira (FAB), normalmente os interlocutores estão se referindo a simuladores de voo utilizados para adaptação e treinamento de emergências. Porém, este não é o único tipo de simulação existente! Para falarmos de simulação, é necessário definir previamente o que seja um modelo. Modelo, segundo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), é uma representação física, matemática ou lógica de um sistema, entidade, fenômeno ou processo. Como os modelos de um sistema são sempre uma simplificação do mesmo, estes são utilizados quando é muito caro, impossível ou impraticável realizar experimentos com o sistema real. Os diversos tipos de modelos são: • Físicos - quando se constrói, por exemplo, um modelo em escala de uma aeronave para testá-lo em um túnel de vento; • Matemáticos - quando se representa um sistema em termos de relações lógicas e quantitativas. Talvez o modelo matemático mais conhecido seja E=mc2, o qual descreve a relação quantitativa entre energia e massa. Simulação é a operação ou experimentação de um O Ten Cel Av Hélcio Vieira Junior é líder de Esquadrão de modelo de um sisteCaça e instrutor da aeronave ma com o objetivo de A-1, com mais de 1000 horas compreender o comde caça. Concluiu o CFOAv em 1991. Possui o curso básico portamento do sistema de GE – 1998, Mestrado em e/ou avaliar diversas Engenharia de Produção com estratégias para operaênfase em Pesquisa Operacional, na COPPE/UFRJ (2003), Extensão ção do objeto em esem Gerência de Projetos pela tudo. Fundação Getúlio Vargas (2004) Assim como os e atualmente é doutorando em Análise Operacional pelo modelos, as simulações programa PPGAO no ITA. são de vários tipos: • Determinísticos - quando os resultados do modelo simulado são sempre iguais para uma certa entrada. Os simuladores de voo mencionados anteriormente se enquadram nesta categoria: para uma certa altitude, velocidade, pressão atmosférica, vento, etc., o raio de curva nivelada será sempre o mesmo, independentemente de quantas vezes simulemos a curva; • Estocásticos - quando os resultados do modelo simulado são influenciados pelo acaso. Um exemplo (não existente) seria um simulador de voo que levasse em consideração o atrito causado pela qualidade da pintura da aeronave. Como cada aeronave da frota tem uma pintura diferente das demais, isto faz com que, no mundo real, cada aeronave tenha um raio de curva individual (talvez a diferença entre os raios de curva seja apenas alguns centímetros - muito pequena se comparada com a média dos raios de curva de todas as aeronaves da frota que é medida em milhas náuticas). A implementação desta característica em uma simulação faria com que cada vez que a simulação fosse iniciada, a aeronave tivesse um raio de curva individualizado (mas dentro da realidade dos raios de curva das aeronaves do mundo real). O objetivo deste artigo é descrever os benefícios possíveis de serem alcançados pelo setor operacional da Força Aérea Brasileira com o uso da simulação estocástica. O artigo está estruturado da seguinte maneira: na próxima seção a simulação estocástica será aprofundada. Na seção três abordaremos problemas reais da FAB que poderiam ser estudados mais intensamente com o uso da simulação e a seção quatro concluirá o trabalho. II. SIMULAÇÃO ESTOCÁSTICA “The idea behind the Monte Carlo approach ... is to [replace] theory by experiment whenever the former falters” [2]. Conforme comentado anteriormente, modelos são abstrações (simplificações) da realidade. Porém, uma das simplificações normalmente utilizada - a de que o sistema modelado é determinístico - não se aplica no contexto militar. Isto se deve ao fato de que “a guerra é intrinsecamente imprevisível. Na melhor das hipóteses, nós podemos esperar determinar possibilidades e probabilidades” [3]. Este é o principal argumento que nos baseamos para defender a ideia de que o tipo de simulação que mais se adéqua ao cenário militar é a estocástica. Mas afinal, o que é uma simulação estocástica? Vamos responder esta pergunta com um exemplo bem simples. É sabido por todos que, se jogarmos uma moeda não viciada, a chance (probabilidade) de termos uma cara é de 50%. Se jogarmos duas moedas, a probabilidade de termos duas caras é de 25%. Iremos utilizar este artifício (moeda) para realizarmos uma pequena simulação. Suponhamos que é desejado atacar 10 alvos e que se tem disponível 10 aeronaves A-1 para realizar esta missão. Suponhamos, também, que nossa inteligência avaliou os alvos e disse que cada A-1 tem 50% de chance de destruir o alvo em um ataque e que, como os alvos possuem defesa antiaérea, as aeronaves têm 25% de chance de serem abatidas antes de realizar o ataque. Como temos 10 A-1 e 10 alvos, cada aeronave atacará um alvo. Recorrendo à ideia apresentada sobre como associar probabilidades com o lançamento de moedas, iremos jogar duas moedas e, caso tenhamos duas caras, assumiremos que o A-1 que iria atacar o primeiro alvo foi abatido (lembre-se que a probabilidade de termos duas caras é igual à probabilidade da antiaérea destruir a aeronave atacante: 25%). Caso não tenhamos duas caras (o A-1 não foi abatido), iremos simular o ataque ao alvo: jogaremos desta vez apenas uma moeda e, caso tenhamos cara (50% de probabilidade - igual à probabilidade do A-1 destruir o alvo), assumiremos que o alvo foi destruído. Repetiremos este procedimento 10 vezes (para os dez alvos). No final, teremos três possibilidades: a) Todos os alvos foram destruídos; b) Todas as aeronaves foram abatidas; e c) Algumas aeronaves foram abatidas e/ou alguns alvos foram destruídos. No caso das opções (a) e (b), terminamos a simulação e anotamos os resultados. No caso da opção (c), repetiremos o procedimento com os alvos e aeronaves restantes, alocando mais de uma aeronave por alvo ou então deixando alguns alvos sem serem atacados (no caso de termos, respectivamente, mais e menos aeronaves que alvos). Suponha que o acaso fez com que, na nossa simulação, 4 dos 10 alvos fossem destruídos no primeiro ataque e que nenhuma aeronave fosse derrubada. No segundo ataque, 3 dos 6 alvos restantes foram destruídos e perdeu-se 4 aeronaves. No ataque final, os 3 alvos restantes foram destruídos e 2 das 6 aeronaves sobreviventes foram perdidas. No computo final, destruímos todos os alvos e perdemos 6 aeronaves. Se repetirmos este procedimento muitas vezes, a Lei dos Grandes Números (vide qualquer bom livro de estatística) nos garantirá que a proporção da frequência de sucessos em relação ao número total de tentativas será uma boa estimativa da probabilidade de sucesso. Nós repetimos este procedimento 100.000 vezes (devido ao grande número de repetições, não realizamos a simulação manualmente, mas sim com o auxílio de um computador) e os resultados encontram-se na figura 1 parte superior. Observe que em aproximadamente 3% das vezes todos os A-1 foram abatidos antes de conseguirem destruir todos os alvos (coluna com o valor 0 no eixo das abscissas). Logo, temos aproximadamente 97% de probabilidade de conseguir com 10 A-1 destruir todos os alvos. Além desta informação, temos várias outras que podem ser deduzidas do gráfico: em 50% das vezes que simulamos o engajamento, tivemos mais que 5 aeronaves sobreviventes (mediana); existe 26,4% de probabilidade de que 7 aeronaves ou mais sobrevivam (soma das pro- Figura 1 - Distribuição empírica de probabilidades do número de aeronaves sobreviventes para diferentes números iniciais de aeronaves. Número de simulações (réplicas): 100.000. 22 Outubro de 2010 Spectrum babilidades das últimas quatro colunas); a probabilidade de menos de 2 aeronaves sobreviverem é de 6,8% (soma das probabilidades das primeiras duas colunas); ... Suponha que o Comandante ache que estes alvos são muito importantes e que 97% de probabilidade de sucesso é pouco. Ele nos pede para oferecer alternativas para o ataque. Tais alternativas são as simulações do centro e da parte inferior da figura 1. Ao analisá-las, o Comandante opta por realizar o ataque com 15 aeronaves, pois ficou satisfeito com 99,9% de probabilidade de sucesso. Como pôde ser observado pelo exemplo fornecido, a simulação estocástica não “afirma” qual será o número de aeronaves sobreviventes e sim associa probabilidades a essa resposta. III. SIMULAÇÃO E SEUS POSSÍVEIS USOS NA FAB “Anything other than war is simulation” [4]. III.1. A SIMULAÇÃO NA FORÇA AÉREA AMERICANA A Força Aérea Americana (USAF) possui o Warfighting Integration and Chief Information Officer (SAF/CIO A6), comandando por um oficial general de três estrelas, cuja missão é permitir o comando e controle das forças através da antecipação de situações, capacidades e limitações. Para tanto, uma das suas organizações é a Air Force Agency for Modeling and Simulation - AFAMS [5]. A AFAMS tem como parte da sua missão assegurar uma apropriada representação do ar, espaço e cyberespaço na simulação, além de integrar e assegurar a interoperabilidade dos modelos e simulações da USAF. Listaremos, a seguir, alguns dos sistemas de simulação estocástica utilizados pela Força Aérea Americana: • BRAWLER [6]: simula o combate aéreo entre vários caças em cenários dogfight e além do alcance visual (BVR). O usuário decide as características dos pilotos, incluindo: missão e doutrina tática; agressividade; capacidade percebida do inimigo; tempo de reação e qualidade das decisões tomadas. O programa pode simular até 80 combatentes em 10 diferentes tipos de aeronaves; • ESAMS [7]: simula a interação entre um sistema de defesa aérea baseado em mísseis (SAM) e um único alvo. Destina-se principalmente à inferência da capacidade dos sistemas soviéticos, porém, também inclui os sistemas CADS1, VT1, Roland2, Roland3, Crotale e IHAWK; • EADSIM [8]: simula o engajamento muitos-contra-muitos de mísseis e aeronaves. É destinado a modelar o desempenho e predizer a efetividade de mísseis balísticos, mísseis terra-ar, aeronaves e mísseis de cruzeiro em uma variedade de cenários desenvolvidos pelo usuário; • JSAF [9]: simula entidades (homens da infantaria, carros de combate, aeronaves, munições, prédios e sensores) que interagem individualmente e podem ser controladas separadamente ou organizadas em unidades apropriadas para uma dada missão. É utilizado para experimentos virtuais com seres humanos no controle (human-in-theloop) que rotineiramente empregam mais de 100.000 entidades simultaneamente. III.2. POSSIBILIDADES DE USO NA FAB Existem diversas atividades na FAB que poderiam ser aperfeiçoadas com o auxílio do uso de simulações no seu ciclo decisório. Listaremos abaixo alguns exemplos: • LOGÍSTICA Sempre ouvimos falar que a redução do número de projetos (tipos de aeronaves) reduziria o custo de operação do COMGAR como um todo. Porém, sempre ficam algumas dúvidas: reduziria quanto? em quanto tempo? qual o impacto negativo que isto ocasionaria? Existiria alguma política de compras de suprimentos melhor do que a atualmente empregada? Com o uso da política atual e/ou outras, qual é a disponibilidade esperada? Quais são os itens que mais impactam na indisponibilidade? • PESSOAL Recentemente houve uma mudança na lei que determina o número máximo de militares na ativa. Como otimizar e/ou equilibrar a distribuição dos novos militares entre os diversos postos, quadros, graduações e funções? Dado uma demanda futura por determinado quadro e/ou especialidade e conhecendo-se o histórico de atrito durante as várias fases da carreira, qual o número ideal de vagas nas respectivas escolas de formação/adaptação a cada ano? • OPERACIONAL Devido ao alto custo de mísseis, é impraticável a elaboração de doutrinas de combate arar baseando-se em tiros reais. Não podemos também acreditar cegamente que as táticas ensinadas por nações amigas sejam as melhores. Qual o melhor conjunto de táticas para combate aéreo contra diferentes tipos de aeronaves inimigas? O ciclo de Comando e Controle que está sendo implementado atualmente é o melhor para a nossa realidade de guerra? Quantas pessoas colocar em cada função? Todas as fases utilizadas são necessárias? Qual o impacto de aumentar-se o tempo do ciclo em 25% ou diminuí-lo em 10%? Do tempo total, qual porcentagem alocar para cada fase? Qual fase tem maior impacto na execução do ciclo? Spectrum Outubro de 2010 23 No problema de alocação de aeronaves a alvos, qual o impacto na campanha a longo prazo se aumentarmos a proporção de aeronaves de escolta em relação aos atacantes? Dada uma aeronave multi-função (FX-2), para a fase de interdição, é melhor utilizá-la como escolta ou ataque? Dadas diferentes probabilidades de destruição de alvos, limitado número de armamentos inteligentes e incerteza na localização da defesa aérea inimiga, qual combinação aeronave-armamento alocar para cada alvo? A simulação de um problema como os listados acima deve ser percebida como uma ferramenta de apoio à decisão e não como a decisão por si mesma. Nem sempre a alternativa com a maior probabilidade de sucesso será a melhor opção. Devido a fatos não incluídos na simulação (lembre-se que a simulação é uma simplificação do problema), o comandante pode optar pela segunda ou terceira melhores alternativas. Por exemplo: no problema da determinação da proporção de aeronaves de escolta em relação aos atacantes, a simulação poderia indicar que a alternativa com maior probabilidade de sucesso seja 1 escolta para cada 5 atacantes seguida por 1 escolta para cada 4 atacantes como segunda melhor alternativa. Devido a um informe da inteligência de que haveria maior chance de oposição do inimigo naquele dia, o comandante pode optar por colocar mais escoltas na missão (segunda alternativa). IV. CONCLUSÃO Este artigo descreveu os benefícios possíveis de serem alcançados pelo setor operacional da Força Aérea Brasileira com o uso da simulação estocástica. Na seção dois a simulação estocástica foi aprofundada e na seção três abordou-se problemas reais da FAB que poderiam ser estudados mais intensamente com o uso da simulação. A simulação estocástica não “afirma” e nem “prediz” o futuro e sim associa probabilidades a diferentes possíveis alternativas, facilitando, desta maneira, o processo decisório. Este tipo de resultado é de grande valia para a análise de possíveis alternativas em situações denominadas pelos americanos de fog of war: a incerteza da guerra. “The purpose of computing is insight, not numbers” [10]. 24 Outubro de 2010 Spectrum Agradecimentos Aos Tenente Coronéis Aviadores Henrique Costa Marques e Ramez Andraus Junior, excelentes profissionais e colegas de turma, pela revisão deste texto e excelentes sugestões de melhorias. REFERÊNCIAS [1] BOX, G. E.; DRAPER, N. R. Empirical Model-Building and Response Surfaces. Wiley, 1987. [2] HAMMERSLEY, J. M.; HANDSCOMB, D. C. Monte Carlo Methods. Norwich: Fletcher & Son Ltd., 1964. [3] US Marine Corps. Warfighting. Washington: 1997. [4] YILMAZ, L. Toward Systems Engineering for AgentDirected Simulation. In: L. Yilmaz, & T. Ören (Eds.), Agent-Directed Simulation and Systems Engineering. Wiley: 2009. [5] USAF. (2010a). Air Force Agency for Modeling and Simulation. Disponível em: <http://www.afams.af.mil>. Acesso em: 07 ago. 2010. [6] USAF. (2010b). SURVIAC: Survivabiltiy/Vulnerability Information Analysis Center. Disponível em: <http:// www.bahdayton.com/surviac/brawler.htm>. Acesso em: 07 ago. 2010. [7] USAF. (2010c). SURVIAC: Survivabiltiy/Vulnerability Information Analysis Center. Disponível em: <http:// www.bahdayton.com/surviac/esams.htm>. Acesso em: 07 ago. 2010. [8] Teledyne Brown Engineering. (2010). Extended Air Defense Simulation. Disponível em: <http://www. eadsim.com/>. Acesso em: 07 ago. 2010. [9] United States Joint Forces Command. (2010). Joint Semi-Automated Forces (JSAF) . Disponível em: <http:// www.jfcom.mil/about/fact_jsaf.html>. Acesso em: 07 ago. 2010. [10] Hamming, R. W. Introduction to Applied Numerical Analysis. Taylor & Francis. 1988.