to - Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
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9 evista R 2013 • maio C u lt u r a e E x t e n s ã o U S P Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação de uma Proposta Inovadora na USP » » Giro Cultural: Os Desafios O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Aná- lise de um Método Sistêmico e Modular de Planejamento e Ação em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana » » Capacitação de Gestores Públicos Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário e Extensão: A Necessária Promoção » » Educação, Ciência Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico: Fazendo da Sala de Espera um Ambiente de Criação » A Interpretação Quântica do Mundo 9 8 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 evista R 2013 • maio • volume 9 Cultura e Extensão USP U N I V E R S I D A D E D E S Ã O PA U L O Assistente Técnico do Gabinete da PRCEU Reitor Cecílio de Souza Prof. Dr. João Grandino Rodas Assistente Técnico do Gabinete da PRCEU Vice-Reitor Eduardo Alves Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz Chefe da Divisão de Comunicação Institucional Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária Irany Emidio Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda Chefe da Divisão de Ação Cultural Pró-Reitor de Pesquisa Juliana Maria Costa Prof. Dr. Marco Antonio Zago Chefe da Divisão Acadêmica Pró-Reitora de Graduação Sandra Lara Profa. Dra. Telma Maria Tenório Zorn Chefe da Divisão Administrativa e Financeira Pró-Reitor de Pós-Graduação Valdir Previde Prof. Dr. Vahan Agopyan Assessoria de Projetos Especiais Vice-Reitor Executivo de Administração Abílio Tavares Pérola Ramira Ciccone Prof. Dr. Antonio Roque Dechen Vice-Reitor Executivo de Relações Internacionais Prof. Dr. Aluisio Augusto Cotrim Segurado P R Ó - R E I T O R I A D E C U LT U R A E E X T E N S Ã O U N I V E R S I TÁ R I A C o m issão E ditorial Editora responsável Profa. Dra. Diana Helena de Benedetto Pozzi Editores associados Prof. Dr. José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres Prof. Dr. Ferdinando Crepaldi Martins Prof. Dr. José Nicolau Gregorin Filho Prof. Dr. José Tavares Correia de Lira Profa. Dra. Marina Mitiyo Yamamoto Prof. Dr. Waldenyr Caldas Pró-Reitora Adjunta de Cultura Assistente Editorial Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda Pró-Reitor Adjunto de Extensão Universitária Profa. Dra. Marina Mitiyo Yamamoto Suplente da Pró-Reitora Prof. Dr. Lucas Antônio Moscato Pérola Ramira Ciccone Bolsista André Alves de Sousa Assessor Técnico de Gabinete Prof. Dr. José Nicolau Gregorin Filho Assessor Técnico de Gabinete José Clóvis de Medeiros Lima Universidade de São Paulo. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária Revista Cultura e Extensão – USP. São Paulo Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária Vol. 9 (maio/2013). 132 p. Semestral ISSN 2175-6805 1. Cultura. 2. Extensão. 3. Revista. I. Título R evista C ultura e E xtensão U S P Rua da Praça do Relógio, 109 – Edifício Anexo 1 São Paulo-SP – Cidade Universitária – 05508-050 Gabinete da Pró-Reitora: (11) 3091-3240 fax: (11) 3091-1132 Assistência Editorial: (11) 3091-1778 www.prceu.usp.br – [email protected] Sumário Contents 5E D I T O R I A L EDITOR I AL E n trevista interview 11 Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo Director of The Mindlin Library Discusses Paradigm between Preservation and Access to the Books that Make Part of this Collection Marina S alles R E L AT O R E P O RT 23 Seminário de Uso de Redes Sociais para Publicação Científica na Usp Colloquium on Use of Social Networks for Scientific Publication in the USP S i bele fausto ARTIGOS A RT I CL E S 29 Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação Simulacra Made in China: Reports and Origin of the Image in Transformation C h ristiane Wa g ner 37 Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP Giro Cultural: the Challenges of an Innovative Proposal in the University of São Paulo C laudio P ossani 49 O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico e Modular de Planejamento e Ação The Museum of Veterinary Anatomy of FMVZ-USP: Proposal and Analysis of a Systemic and Modular Method of Planning and Action Maurício C â ndido da S ilva 65 Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana Training Public Managers in Management of Urban Forestry Residues A driana Maria Nolasco A na Maria de Meira R enata C arolina Gatti 75 Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário Educational Intervention Relating to Routine Measurement of Endotracheal Tube Cuff Pressure at a University Hospital L í via P inheiro C arval h o R os m ari A parecida R osa Almeida de Oliveira 89 Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção Education, Science and Extension: The Necessary Promotion Martha Marandino 103 Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico: Fazendo da Sala de Espera um Ambiente de Criação Envelhecer Sorrindo – An Experience of Artistic Development: Making the Waiting Room a Creation Enviroment R o b erto C haib S tegun et al 115 A Interpretação Quântica do Mundo The Quantum Interpretation of the World Valter L uiz L í b ero 127 I N S T R U Ç Õ E S P A R A O P R E P A R O E E N C A M I N H A M E N T O D O S T R A B A L H O S I N S T R U CT I O N S F O R P R E PA R I N G A N D F O RWA R D I N G O F PA P E R S Editorial Editorial Com imensa alegria apresentamos a nona edição da Revista Cultura e Exten- são USP, que tem se aprimorado ao longo de suas publicações, quer na qualidade dos artigos publicados, quer na sua apresentação visual. Nesta edição, com satisfação, compartilhamos com todos os nossos leitores o início de parceiras para a publicação de artigos oriundos de universidades convidadas. Essas contribuições não só aumentam a quantidade de artigos submetidos como, também, trazem temas e visões diferenciadas, permitindo um olhar mais cuidadoso sobre a área de cultura e extensão universitária em outras instituições e, consequentemente, impulsiona-nos para novos horizontes. É com essa perspectiva que, neste semestre, temos como parceira a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Trazemos para os leitores outra novidade: a seção de entrevistas, um espaço para a manifestação espontânea de opiniões e compartilhamento dos saberes. Neste volume, trazemos a palavra do prof. Pedro Luis Puntoni, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, inaugurada no dia 23 de março passado, que nos relata o que representa esta biblioteca para a USP e para a sociedade de maneira geral. A entrevista é seguida de um breve relato sobre o Seminário de Uso de Redes Sociais para Publicação Científica na USP, realizado em 3 de dezembro de 2012, na sala do Conselho Universitário, uma parceria da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, através desta revista, e o Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBi-USP). O primeiro artigo apresentado neste volume, Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação, apresenta a inter-relação existente entre as artes oriental e ocidental, verificada pela utilização da técnica do distanciamento – sempre presente no teatro chinês – e os gêneros de espetáculos não lineares – como o circo – nas obras de Bertolt Brecht no início do século passado. O segundo artigo, Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP, apresenta aos leitores as etapas de implantação do programa e, principalmente, a motivação Profa . D ra . Ma r ina Mit iyo Ya ma moto 5 de sua criação: oferecer uma alternativa de acesso aos meios indispensáveis de ingresso, circulação e difusão da cultura e da ciência, tanto no meio universitário, quanto – e principalmente – nos demais segmentos da sociedade. O terceiro artigo, denominado O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico e Modular de Planejamento e Ação, traça uma estratégia de gestão para museus universitários, compartilhando a experiência vivenciada pelo Museu de Anatomia Veterinária (MAV) em sua exposição “Dimensões do Corpo: da anatomia à microscopia”. A ênfase dada pelo MAV em sua estratégia de trabalho é a comunicação museológica, que orienta a salvaguarda, as pesquisas e as ações educativas. Os resultados até o momento têm permitido ajustes e melhorias nos programas do MAV e contribuído para que o objetivo fundamental de extensão cultural de pesquisas de todo museu universitário seja alcançado. No quarto artigo, Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana, os autores relatam a construção e consolidação de conhecimento na área de gerenciamento de resíduos a partir de pesquisas de caracterização e quantificação dos mesmos e remoção de árvores no município de Piracicaba (SP) e das pesquisas no desenvolvimento de produtos a partir dos resíduos madeireiros. Os resultados desta experiência apontam as principais dificuldades enfrentadas pelos municípios no âmbito político e operacional, assim citadas: falta de políticas públicas; falta de recursos humanos e despreparo da classe política em relação ao tema para a regulamentação adequada. O quinto artigo, Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário, relata a experiência de adoção de ações educativas complementares como forma de assegurar a efetividade da correta utilização de instrumentos de saúde – neste caso, o balonete endotraqueal. Por meio de informativos impressos, em linguagem simples de fácil acesso, ilustrados, com informações expostas de forma sucinta e que pudessem influenciar positivamente, a experiência mostrou-se eficaz, reduzindo os fatores de risco em função da manipulação inadequada do instrumento pelo profissional de saúde. O sexto artigo, Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico: Fazendo da Sala de Espera um Ambiente de Criação, mostra a importância da descontração do paciente no sucesso do tratamento odontológico. Utilizando as artes plásticas como forma de socialização e a memória como matéria-prima para o resgate de experiências significativas dos idosos, o projeto apresentou resultados altamente favoráveis do ponto de vista clínico, uma vez que, mais descontraídos, os pacientes não sentiam tanta necessidade de relatar suas experiências aflitivas em tratamentos odontológicos realizados anteriormente. Do ponto de vista acadêmico, a experiência de trabalhar a interdisciplinaridade – arte e ciência – mostrou-se gratificante para o grupo de profissionais que constatou a importância de cada uma das áreas como forma de alcançar os melhores resultados. O sétimo artigo, Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção, apresenta uma reflexão sobre as intricadas relações entre pesquisa, ensino e extensão na universidade e as iniciativas adotadas no campo da educação não formal e da divulgação da ciência junto ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação da Ciência (GEENF) da Faculdade de Educação da USP. 6 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Finalizando esta edição, A Interpretação Quântica do Mundo, oitavo artigo, trata do caráter indissociável entre as manifestações culturais, as quais refletem a natureza humana, e o desenvolvimento científico. Com a discussão acerca da Mecânica Quântica – mais abstrata, desenvolvida em decorrência da dificuldade encontrada pela Mecânica Clássica em explicar os diversos fenômenos conhecidos ao final do século XIX – o autor exemplifica as situações de evoluções dessas teorias científicas, que contribuíram para novas descobertas e novas possibilidades de entendimento do mundo. Editorial 7 8 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 e n t rev i s t a interview 9 10 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo Director of The Mindlin Library Discusses Paradigm between Preservation and Access to the Books that Make Part of this Collection Localizada em frente ao prédio de História e Geografia da Faculdade de Filo- Marina Salles sofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no campus da Capital, a Biblioteca Brasiliana abrange um complexo que congrega não só o acervo doado pela família Mindlin à USP, mas também o novo prédio do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e a sede do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas (SIBi-USP), que deverá colaborar ainda para a organização, no mesmo edifício, da Biblioteca de Obras Raras da USP. Além disso, o espaço conta com uma área destinada a exposições e cafeteria, um auditório e as futuras instalações da Livraria João Alexandre Barbosa, da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). Fruto de investimentos internos e externos à USP, o projeto tem como proposta oferecer ao público o acesso à versão digital dos livros do acervo, o que se tornou possível graças ao desenvolvimento de uma biblioteca virtual, disponível para todos os brasileiros e estrangeiros conectados à internet. Assim, a ideia é que na biblioteca as pessoas tenham contato com tecnologias capazes de ampliar seu contato com o material, tais como iPads e, futuramente, fac-símiles baratos das edições, que serão vendidos na livraria da Edusp. Restritos a objetos de estudo de professores, alunos e visitantes que justifiquem a necessidade de estarem frente a frente com os livros físicos, os exemplares raros da Biblioteca Mindlin estarão disponíveis apenas para consulta no local, em uma sala monitorada por câmeras e com um número limitado de assentos, 24 ao todo. Órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU-USP), a Biblioteca Guita e José Mindlin guarda preciosidades do acervo reunido por esse grande bibliófilo ao longo de aproximadamente 80 anos, o que prevê um cuidado especial em relação à preservação dos exemplares. Tendo como particularidade o fato de que os livros não circulam – a fim de que sejam conservados –, a biblioteca não tem por objetivo, no entanto, restringir o acesso da população de dentro e fora da universidade a todo esse patrimônio cultural, questão que o atual diretor da Brasiliana, o professor doutor Pedro Puntoni, esclarece em entrevista concedida à Revista Cultura e Extensão USP. 11 * “Coleção Brasiliana: livros sobre o Brasil – no todo ou em parte, impressos ou gravados desde o século XVI até o final do século XIX (1900 inclusive), e os livros de autores brasileiros impressos ou gravados no estrangeiro até 1808.” (Rubens Borba de Moraes). Revista Cultura e Extensão USP – A Biblioteca Guita e José Mindlin é considerada uma brasiliana. Quais as características desse gênero de biblioteca? Pedro Puntoni – Uma brasiliana é um qualificativo, um adjetivo referente a uma coleção, que pode ser de documentos, livros, mapas, gravuras sobre brasileiros ou sobre o Brasil. Uma definição de brasiliana foi dada por Rubens Borba de Moraes *, o que tem muito a ver com a nossa História. Ele escreveu um livro chamado Bibliografia Brasiliana, no qual definiu o que seria esse gênero. Todos os livros escritos sobre o Brasil ou por brasileiros até o ano de 1822, o ano da independência. Indo um pouco além, são importantes para nós os anos iniciais do século XIX, na verdade, até meados da segunda metade do século XIX, quando a imprensa ainda não está estabelecida no Brasil e os livros, em sua maioria, ainda são raros. Nós temos que lembrar que a imprensa se implanta no Brasil com a vinda da família real em 1808 e que, a partir daí, começa uma atividade editorial no país, sendo que muitos livros são impressos fora. É um momento de surgimento da história do livro impresso no Brasil. Portanto, quando a gente fala de livros, de uma biblioteca, é plausível imaginar que também livros impressos ao longo do século XIX são livros especiais, raros, valiosos e que devem ser preservados. RCE – É possível afirmar que a brasiliana doada por Mindlin à Universidade de São Paulo dialoga com a definição formulada por Rubens Borba de Moraes? P.P. – A coleção brasiliana tem essa definição mais estrita e para nós, no caso, para o professor José Mindlin, tinha uma visão mais ampla. Isso porque ele também tinha livros contemporâneos, mais recentes, de Literatura, História, e a biblioteca dele é uma brasiliana, mas com algumas vertentes. Como ele construiu uma biblioteca indisciplinada, muito orientada pelo seu gosto de leitura, há algumas lacunas na coleção que são resultantes do fato de ele que não se identificava com determinados autores. Exemplo disso é que nós não temos as primeiras edições de Jorge Amado, porque ele não gostava dele e não se preocupou em comprar seus livros. Mas de Machado de Assis e de José de Alencar, tudo ele tem primeira, segunda edição, Mindlin conseguiu construir isso de uma maneira completa. RCE – Quais áreas do conhecimento estão contempladas na coleção? P.P. – As vertentes principais da Biblioteca são: História, Literatura, Sociologia, Arte, viajantes, periódicos brasileiros, primeiros impressos no Brasil, História da Imprensa no Brasil e da Tipografia. Mas não é uma coleção que tem livros de Engenharia? Tem, tem alguns, à medida que eles atingem autores que escreveram os primeiros livros. Medicina? A gente tem uma das primeiras revistas médicas da imprensa, os primeiros tratados sobre doenças tropicais desde o século XVII, não seria só de Humanidades a Biblioteca. Há também livros recentemente publicados, sempre voltados para essas vertentes. Ele tem Drummond, o que não cabe na definição de brasiliana do Rubens, Guimarães Rosa e autores mais contemporâneos, que davam livros para ele ou que ele comprava. RCE – É possível mensurar o impacto da doação de Mindlin no que diz respeito aos ganhos para a pesquisa acadêmica na USP? 12 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 P.P. – A Biblioteca é importante porque ela é uma coleção muito valiosa, ela complementa outras coleções que a USP possui, entre elas a do IEB, que é uma brasiliana também magnífica, que data de 1962, quando foi criado o Instituto. Há uma afinidade entre essas coleções, que está manifesta nesse edifício, mas o edifício também se propõe a ser um centro de pesquisa e eu acredito que isso seja algo fundamental. A Biblioteca guarda uma coleção que tem um valor inestimável e que pretende crescer, ela não é uma coleção morta, parada, um mausoléu. Ela parte do trabalho de 80 anos de um colecionador e tem o compromisso de dar continuidade a essa tarefa, de continuar comprando livros, crescendo, sendo organizada, estruturando essa coleção, para que as pessoas tenham acesso a ela hoje e para que ela seja preservada para o futuro. Desde o início, o espaço se propõe a ser um centro de pesquisa de estudo sobre o Brasil, a História do Brasil, Sociologia, Literatura, Arte Brasileira e também sobre a História do Livro, da Leitura, das Edições, ela está atraindo colegas que trabalham com isso. É um centro de estudos também sobre a Biblioteconomia, a forma de pensar bibliotecas, a Ciência da Informação e as novas tecnologias em função dela, no caso, a digital. É um lugar onde a gente desenvolveu um laboratório de digitalização ímpar, no qual conseguimos soluções para a digitalização de acervos, que estamos compartilhando com outras entidades no Brasil. E por fim, é uma biblioteca também voltada para desenvolver um campo novo de conhecimento que é o que tem sido chamado de Humanidades Digitais, como o grupo coordenado pela professora Maria Clara Paixão, da Faculdade de Letras. Ela trabalha com Linguística Computacional e organizou um grupo de pesquisa que tem agregado estudantes de graduação, pós-graduação e professores dedicados a trocar suas experiências em torno do tema. RCE – Como foi pensado o sistema de digitalização que visa ampliar o acesso ao acervo da biblioteca? P.P. – Nós nos reunimos com colegas de Engenharia, Comunicação, Matemática, Linguística, Biblioteconomia, para buscar soluções para a digitalização dos acervos, para propor novas formas de acesso usando novas tecnologias. O objetivo é também pensar o próprio papel do digital na humanidade. No fundo, no fundo é trazer sempre um pouco do espírito do José Mindlin. Ele era um homem que colecionava livros antigos, primeiras edições, livros raros, era um homem da cultura, amigo dos escritores, ele mesmo um escritor, um homem aberto, generoso, que abrigava as pessoas na casa dele para consultar os livros e, ao mesmo tempo, um homem da tecnologia. Mindlin foi um dos fundadores da Metal Leve, foi secretário de tecnologia e quando nós começamos o processo de digitalização, ele foi um dos maiores entusiastas do projeto, o que para ele era um sonho. “Como assim? Quando eu doei a minha biblioteca, eu imaginei torná-la pública, agora é possível tornar o acesso àqueles volumes gratuito e distribuído para todo mundo? Um milhão de pessoas que querem ver aquele livro podem ver?” Podem? Podem, devem. Tem um potencial essa tecnologia, para democratizar o acesso, que é absolutamente extraordinário. Você digitaliza um livro, um só, por exemplo, a primeira edição do José de Alencar, e o põe on-line. Pode ser que só uma pessoa consulte, pode ser que dez pessoas consultem, Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo 13 pode ser que amanhã as escolas de Pernambuco resolvam ver essa edição e, então, um milhão de crianças podem ler o livro. Ou, de repente, cai um trecho da obra no Enem e 200 milhões de pessoas podem falar: “Eu quero ver esse livro”, e vão ter acesso ao livro, nada impede. RCE – Diante de tamanha modernização, de que forma se tem encarado a função do livro físico, guardado em uma biblioteca como a Mindlin? P.P. – Claro, que a gente gosta de cultivar o papel, o livro, o original, a tipografia, a história do livro, que a gente quer preservar e cultuar, daí, por exemplo, a exposição permanente. A exposição é sobre José, Guita, a formação da biblioteca, mas o foco dela mesmo é a cultura do livro, a tipografia, o livro impresso, a história da imprensa. Assunto sobre o qual as gerações nascidas no digital vêm e perguntam: por que é necessário ter um prédio desses para guardar livros? Por que não colocam tudo em um iPad? Porque não é só o livro digital que importa, ele é uma imagem de um livro que existe no papel e que, provavelmente, vai ser mais duradouro até do que essa nova tecnologia. Você não sabe quanto tempo isso vai durar, mas o livro a gente sabe, temos exemplares de 500 anos aqui e o digital tem 15 anos, é difícil estimar por quanto tempo vai continuar existindo. Se eles não acharem substituto para o nióbio, ninguém mais vai ter tela multi-touch daqui a dez anos, vai ser necessário inventar uma nova tecnologia que substitua o uso desse metal, que é extraído no Brasil e na China. Uma das nossas metas é também que, além de ter acesso aos livros, as pessoas possam baixá-los e imprimi-los. Havia até um projeto que a gente estava construindo com o antigo MinC (Ministério da Cultura), para poder comprar uma espresso book machine, o que, na verdade, é uma impressora encadernadora, que atualmente várias gráficas têm. A ideia de ter esse equipamento seria interessante, para podermos criar coleções de fac-símiles baratos dos nossos livros e disponibilizá-los na livraria da Edusp. Assim você tem o livro em mãos para ler. RCE – Qual o diferencial da Brasiliana em relação às demais bibliotecas da USP? P.P. – Assim como o IEB, a Biblioteca Mindlin tem uma dupla dimensão muito clara. É uma biblioteca para ser trabalhada hoje, mas é uma biblioteca para preservar esses bens culturais para as gerações futuras. É diferente da biblioteca da Faculdade de Filosofia, que é uma biblioteca de pesquisa, de consulta, didática. O objetivo dela é atender o público acadêmico que frequenta aquela escola, ela é usada, aliás, até um pouco mal usada. Os livros estão destruídos, consumidos, jogados nas mochilas, mas é assim que é aquela biblioteca, a nossa não. Por isso que o livro não circula, ele precisa ser preservado, para que vocês leiam os livros, os netos de vocês leiam os livros e os tataranetos de vocês leiam, é importante que aquele mesmo livro esteja ali. A mesma edição vai estar preservada, porque, vejam bem, a primeira edição de José de Alencar, por exemplo, tem dois exemplares no mundo, um na Biblioteca Nacional e outro aqui. Foi um dos livros mais vendidos no século XIX e quase todos se perderam, sobraram dois. Por quê? Era um livro barato, as pessoas jogavam fora, temos que preservar isso, então, essas duas dimensões: preservação e acesso. 14 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 RCE – Como foi feita a seleção dos grupos de pesquisa que ocupam lugares no interior da Biblioteca? Quais são os principais assuntos a que eles se dedicam? P.P. – Na verdade, os grupos que estão instalados na Biblioteca são os grupos que têm trabalhado com a gente nos últimos anos, mas estamos abertos a pensar em outros, a biblioteca precisa se institucionalizar melhor. Até agora ela tem um diretor interino, que sou eu, e vai ter que instituir um Conselho, que precisa ser regulamentado. Entre os grupos de pesquisa que trabalham na Biblioteca, está o Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, que é coordenado pelo professor Plínio Martins, presidente da Edusp, e pela professora Marisa Midore – responsáveis pelo seminário dos 50 anos da Edusp. Então, claro, tem tudo a ver com a Biblioteca, tem que vir pra cá. Eu gostaria de um dia deixar de ser o burocrata que sou, o administrador, e trazer o meu projeto de estudos de História do Brasil para cá, mas seria bom ter um grupo de História aqui. De Humanidades Digitais, já tem um ano que eles estão aí, fizeram um blog, estão organizando simpósios, workshops. Sem falar no laboratório de digitalização da Brasiliana, que tem atuado cada vez mais como um núcleo de pesquisa, desenvolvendo projetos com o apoio da FAPESP, da Petrobras, do BNDES. Eles têm mandado gente para congressos, publicado alguns textos, trazido alunos de pós-graduação, então é esse o objetivo. De Literatura, agora nós temos um grupo de professores de Literatura Comparada que está propondo um projeto para montar aqui. A gente quer estar aberto a esse tipo de iniciativa, por isso, precisamos criar um Conselho Acadêmico. Hoje a gente tem só um grupo de professores colaboradores mais próximos, que são quatro e tem estado aqui quase todos os dias, e temos um grupo de professores que colaboram esporadicamente, vêm em um seminário, contribuem com a digitalização, mas é algo a ser estruturado. RCE – Como funciona o processo de digitalização? Seria possível descrever o trato cuidadoso a que as obras são submetidas para que possam ser disponibilizadas digitalmente? P.P. – A digitalização é o processo de transformação de um livro físico, que está impresso no papel, em uma versão digital. Há várias formas de se fazer isso, uma delas seria pegar o livro e digitá-lo. Assim teríamos o texto do livro impresso, mas esse não é o modelo pelo qual nós optamos. A nossa digitalização é feita em referência ao objeto original. Quando a gente digitaliza a primeira edição do Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo, queremos que as pessoas vejam como é a diagramação, a tipografia e isso leva à escolha de algumas tecnologias como, por exemplo, o scanner robotizado que adotamos em 2009. Compramos outros modelos mais recentes agora, porque eles permitem a digitalização de livros encadernados sem afetar a sua estrutura. O livro é posto em uma espécie de berço e vai sendo folheado para que as imagens sejam capturadas com câmeras fotográficas e não com scanners de varredura. É uma opção tecnológica para o resultado que a gente quer obter, preservando o original. No caso do scanner de varredura, na maioria das vezes, você tem que pressionar livro sobre o vidro, ou o vidro sobre o livro, para que ele funcione e é certo que a nossa curadora não ia permitir fazer isso com nenhum exemplar da biblioteca. Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo 15 Depois de terem a foto de suas páginas capturadas, os livros são digitalizados, isto é, as imagens são processadas, tratadas, limpas, transformadas em preto e branco e geram um “.pdf ”. Este “.pdf ”, por fim, passa por um software de reconhecimento óptico de caracteres, o OCR (Optical Character Recognition), a fim de que o documento se torne “buscável”, ou seja, que por trás das imagens do livro, tenha um texto digitado, digital, do livro, com maior ou menor acerto, dependendo da época em que o material foi escrito. Então é isso, a qualidade da impressão é o que define o bom ou o mau resultado do software de OCR. Após a realização dessas etapas, o “.pdf ” é colocado on-line em um repositório digital, nossa plataforma de acesso, sendo que para que isso aconteça, todo o processo necessita de uma estruturação da coleção, um descritivo, que a gente chama de metadados, uma ficha do livro. As imagens originais fotografadas são guardadas em um back-up para serem usadas de novo ou reprocessadas se preciso, como no caso de alguém necessitar de uma edição em alta resolução. Assim, sempre que houver uma demanda dessas imagens, para não termos que refotografar o livro, podemos recorrer ao que foi guardado: a imagem original, a imagem tratada, o “.pdf ” final e o output, que é colocado on-line. **“Em relação aos livros, não tenho o fetiche da propriedade. Sinto-me mais como um depositário do que um proprietário, usufruindo, é verdade, do prazer que eles proporcionam, mas visando sempre preservar uma herança do passado, e conservar o que se faz de bom agora, com o propósito de transmitir tudo isso para o futuro. Tenho procurado desenvolver uma atividade cultural em várias frentes, facilitar a estudiosos a pesquisa na biblioteca, promover edições de obras úteis e reedição de outras esgotadas que considero importantes. Desenvolver, em suma, um trabalho que é uma das minhas razões de ser na vida.” (José Mindlin) 16 RCE – Considerando a história de vida de José Mindlin, que ensinamento fica para aqueles que poderão usufruir de parte do seu legado dedicado aos livros do acervo? P.P. – José Mindlin** sabia que a coleção que havia construído ao longo de 80 anos escapava à propriedade de uma pessoa, de uma família e que tinha se tornado, necessariamente, uma coleção que deveria ser pública. Chegou uma hora que não tinha mais sentido que os livros ficassem nas mãos de uns poucos, porque eles deveriam ser de todos. Isso produziu esse gesto original, generoso deles, não só do José, mas da mulher dele, da Guita, e dos quatro filhos, que também abriram mão de uma herança extraordinária em prol da doação para a USP. Mas não para doar para a USP porque ele gostava da USP, sim, ele gostava – porque todos os filhos dele estudaram aqui, porque ele estudou aqui, quando ainda existia só a Faculdade de Direito, porque ele conheceu a esposa aqui e viu a USP ser criada –, mas porque, ele achava que a USP teria condições de abrigar a biblioteca em plenas condições de conservá-la para o futuro e garantir o acesso a todos. Sempre essa dupla dimensão: preservação e acesso é o norte que tem nos orientado e é o que os visitantes precisam ter em mente para usufruir melhor do acervo. RCE – O que a comunidade acadêmica pode esperar das atividades da Biblioteca, como a exposição “Uma Vida entre Livros”? P.P. – A exposição “Uma Vida Entre Livros” será permanente, ou seja, de longa duração, sendo seus principais temas: a formação da biblioteca, a vida de José e Guita, a cultura do livro, a História da Imprensa no Brasil e o prazer pela leitura. Assim, esperamos que atraia pessoas de fora da USP, já que ela também é voltada para o grande público. De uma forma mais agradável e ampla, a exposição visa atingir não só pesquisadores, mas pessoas em geral, para introduzi-las nessas dimensões da história da biblioteca, da vida do José, da cultura do livro e do prazer da leitura. Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Além disso, outra exposição, que é conexa a essa, mas que vai ser apresentada por menos tempo, sendo de curta duração, trata dos “Destaques da Biblioteca Mindlin”. Elas trabalham juntas, é o mesmo projeto, mas essa vai ficar exposta somente durante os três primeiros meses após a inauguração do prédio. Isso por conta da questão que envolve a conservação do material exposto que, como o próprio o nome diz, é composto dos destaques da Biblioteca Mindlin. Por fim, a ideia é que haja na Biblioteca um conjunto de atividades culturais ligadas ao auditório, um espaço de cinema, música, conferências, palestras, eventos e exposições. RCE – Para concluir, qual a importância das pessoas terem acesso aos livros físicos, mesmo que esse acesso seja restrito? P.P. – Existem lugares na USP que são assim, você vai procurar um livro e: “Ah não, esse livro você não pode ver”. Limitam, impedem o acesso. É uma tendência de alguns acervos, que olham para a preservação e para o acesso e concluem: “São coisas antagônicas”. Claro que folhear o livro pode ajudar a destruí-lo, mas ter conhecimento e contato com a informação é também a única forma de garantir que ela seja preservada. Porque também, se você fechar essa coleção toda dentro de um baú de aço a vácuo e jogar no espaço significa que ela se perdeu. Se você trancar um arquivo e não deixar ninguém vê-lo, a tendência é que ele se deteriore. E mesmo que só um bibliotecário tenha acesso, quem disse que ele está garantindo a preservação sozinho? O pesquisador é um dos maiores aliados da preservação, porque ele vai lá e pergunta: “Cadê o documento, como assim ‘ele se perdeu’?” É isso que acontece e geralmente a visão custodial mascara a destruição dos nossos acervos. Por isso, aqui na Brasiliana nós temos negado isso e mostrado que, por exemplo, a tecnologia do digital permite conciliar esses polos aparentemente antagônicos, garantindo o acesso pleno à informação e preservando o livro da manipulação. Tudo isso sem deixar de dizer para todo mundo que nós temos aqueles livros, eles estão aqui. E você vai poder, daqui dez anos, questionar: “Eu estou vendo uma imagem da primeira edição do José de Alencar. Deixa eu ver o livro. Ué, mas estão faltando páginas. O que aconteceu, se eu tenho uma cópia dele aqui?” Dando acesso à coleção você garante que ela seja melhor preservada, para que outras gerações conheçam também a importância desse patrimônio. professor doutor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP e coordenador do Projeto Brasiliana USP – e-mail: [email protected] P edro P untoni graduanda do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e bolsista da Revista Cultura e Extensão USP – e-mail: marina. [email protected] Marina S alles Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo 17 Figura 1 – No dia 23 de março de 2013, foi inaugurada a nova sede da Biblioteca Mindlin no campus da Cidade Universitária. Trata-se de um moderno edifício, projetado pelos arquitetos Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb, e que utiliza as mais avançadas tecnologias de preservação e segurança. São cerca de 6.900 m2, nos quais todas as necessidades para a alocação dos livros e documentos da coleção José e Guita Mindlin são integralmente atendidas. Foto: Ricardo Amado. 18 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Diretor da Biblioteca Brasiliana Discute Paradigma entre Preservação e Acesso às Obras do Acervo 19 20 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 re l a t o report 21 22 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Seminário de Uso de Redes Sociais para Publicação Científica na USP Colloquium on Use of Social Networks for Scientific Publication in the USP Em 3 de dezembro de 2012 o Sistema Integrado de Bibliotecas da Universi- Sibele Fausto dade de São Paulo (SIBi-USP), por meio de seu Programa de Apoio às Publicações Científicas Periódicas, e a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP (PRCEU-USP), por meio de sua revista, promoveram o “Seminário de Uso de Redes Sociais para Publicação Científica na USP”. O evento foi um sucesso em termos de inscritos e participantes – a sala do Conselho Universitário, no prédio da Reitoria, ficou lotada –. Isso demonstra o interesse do público-alvo – bibliotecários, jornalistas, pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas editorial e de comunicação científica, cultura e extensão universitária – em acompanhar as novidades que se apresentam para a publicação científica. Novidades que, com o advento e a disseminação das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e das ferramentas baseadas na web, são uma constante e exigem proatividade para acompanhá-las e manter a devida atualização, num contexto de grandes mudanças na comunicação científica e que demandam novas formas de gerenciamento e avaliação do conhecimento da Ciência. O SIBi-USP, ciente desse cenário de transformações, planejou o seminário objetivando oferecer à comunidade uma introdução sobre o uso e o impacto das redes sociais nos processos de comunicação científica e sobre as possibilidades de aplicação da análise de redes sociais como instrumento de pesquisa e desenvolvimento de novos serviços. O evento, gratuito, foi transmitido pelo IPTV-USP e teve sua abertura pela diretora técnica do SIBi-USP, a professora doutora Sueli Mara Soares Pinto Ferreira, e pela editora da Revista de Cultura e Extensão USP, a professora doutora Diana Helena de Benedetto Pozzi. Os palestrantes convidados, Atila Iamarino e Dalton Martins, são especialistas nessas temáticas e propiciaram ao público presente no evento uma ampla visão introdutória sobre as questões que se apresentam para a comunicação científica numa era digital e 2.0. Atila Iamarino, biólogo e doutor em Microbiologia pela USP, consultor científico do SciELO, autor do blog Rainha Vermelha e co-fundador do ScienceBlogs Brasil – a 23 porção em português da maior rede de blogs de Ciência – discorreu sobre a interação cada vez maior entre pesquisadores por meio das redes sociais (Facebook, Twitter e blogs) e outros serviços especializados, possibilitando informações passíveis de medição sobre o uso e o impacto da produção científica, abrindo um novo campo de estudo de métricas geradas a partir destas redes. Dalton Martins, engenheiro eletrônico e mestre em Engenharia da Computação pela Unicamp, doutor em Ciências da Informação pela ECA-USP, coordenador do curso de Tecnologias de Desenvolvimento de Sistemas da pós-graduação do Senac Sorocaba e professor assistente nas Fatecs São Paulo e Ipiranga, tem vasta experiência nas áreas de Inclusão Digital, Cultura Digital, Software Livre, Bibliotecas Digitais Distribuídas, Sistemas Distribuídos, Redes de Computadores, Protocolo OAI-PMH, Metadados, Tecnologia Social, Análise de Redes Sociais e WebAnalítica. Discorreu sobre as novas possibilidades de serviços e pesquisa para bibliotecas que a Análise de Redes Sociais (ARS) proporciona para o estudo, modelagem e análise num ambiente científico baseado na web, complexo e que gera enormes volumes de dados e informações, onde a análise de redes sociais torna-se um instrumento facilitador para a pesquisa e desenvolvimento de novos serviços. bibliotecária do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo – R. da Praça do Relógio, 109 – Bloco K – 4º andar – Cidade Universitária – 05508-050 – São Paulo – SP – e-mail: [email protected]. S i b ele Fausto 24 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Seminário de Uso de Redes Sociais para Publicação Científica na USP 25 26 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 a r t i g os articles artigosarticles 27 28 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação Simulacra Made in China: Reports and Origin of the Image in Transformation R esum o Ideias, linguagem e suas formas de expressão representam culturas pela configuração da narrativa do homem em suas conquistas. O conhecimento orienta a capacidade técnica e prática para as relações sociais, todavia, para domínio de todas as faculdades do conhecimento que tem sentido do Ocidente ao Oriente. Sobretudo, considerando que importantes descobertas da história da civilização também surgiram do Oriente. Nas artes e na literatura, a China contribuiu de forma muito significativa não só para o Ocidente, mas, também, para o patrimônio artístico da humanidade, principalmente durante o século XX, quando os ideais político-sociais eram representados pela arte moderna, encontrando referências estéticas e formais no Oriente. Por exemplo, o significado da obra de Brecht, diante de divisões político-ideológicas no século passado, no que concerne à arte e suas técnicas para representação. Porém, não como instrumento ideológico, mas pela sua estética, que, por diversos motivos e, também, único e universal, o fascínio do homem pelo novo. E, o mesmo fascínio para transformá-lo, parte dele ser ou ter, enquanto que, por meio de sua arte, o representa. Enfim, realizações aproximam culturas ocidentais e orientais, ao mesmo tempo em que as distanciam ao se revelarem, uma na outra, características próprias para discerni-las. Palavras-chave: Técnica. Arte. Cultura. C hr ist ia ne Wagn er A bstract Ideas, language and their forms of expressions represent cultures by the configuration of man’s narrative and his achievements. Knowledge guides the technical capacity and practice for the social relations; however, to the domain of all the knowledge faculties that makes sense from the Occident to the Orient. Especially, considering that important History discoveries of the civilization also emerged from the Orient. China contributed in a very significant way to the arts and literature for the artistic humanity heritage. 29 Mainly, during the 20th century, when the social-politics ideals were represented by the modern art finding formal and aesthetics references in the Orient. For instance, the Brecht’s work meaning, in front of the politic-ideological divisions on the last century, in what concerns to the art and its representation techniques. However, not as an ideological instrument, but for the aesthetic dimension, which is, for several reasons and universal, the fascination of new on the man. The same fascination to transform him, part of him to be or to have while represents him by means of his art. Finally, realizations approximate occidental and oriental cultures at the same time that distance them showing one on the other their own characteristics to discern them selves. Keywords: Technique. Art. Culture. I ntr o d u ç ã o Em nossos dias, tanto o Ocidente como o Oriente se apresentam frente à ino- vação tecnológica ou à difusão de ideias de forma muito semelhante. Porém, se o Oriente é contemplado pelo Ocidente e vice-versa, algumas diferenças são percebidas como resultado dessa observação. Evidentemente, cada qual constataria suas particularidades em suas características únicas diante de uma distinção. E cada vez mais, percebe-se a aproximação das culturas, o que não significa a unificação. Deste modo, intensificam-se as diferenças, justamente pela diversidade cultural. A importância da presença da China nos dias atuais deve-se não só à dinâmica de uma economia de mercado, à convergência tecnológica e digital facilitando a comunicação e o acesso a esta cultura, mas, sobretudo, como um fenômeno quase recíproco; não totalmente, devido ainda ao controle que o governo chinês exerce sobre a imprensa, censurando o ideal de liberdade de expressão, mesmo com constantes manifestações e protestos contra esse controle in patria e nas redes sociais. Porém, ainda novas relações comerciais e formas diferentes de relações de produção distinguem as condições do indivíduo em uma sociedade globalizada. Seja o lucro como objetivo ou a luta pela dignidade humana, o que se discute internacionalmente sobre a humanidade é a erradicação da pobreza, o comércio justo e o desenvolvimento sustentável. Metas são estabelecidas para realizações. A criatividade e a inovação são primordiais para atenderem aos ideais que, por fim, seriam concretizados e configurados em novas imagens que continuariam em transformação. Em síntese, mantendo absoluta a arte, pela contemplação, constatação, discordância ou compreensão pelo Oriente e Ocidente, ou melhor, de um pelo outro. Em vista disso, do Ocidente para o Oriente, diretamente a China, lembremos que o acesso dos ocidentais a esse país foi, por muito tempo, dificultado pela distância geográfica, além de o país ser marcado por períodos de grandes diferenças em relação ao mundo ocidental, pela indústria e sua cultura que se mantiveram fechadas para o resto do mundo e autofocadas [15]. Hoje, com os museus, a internet e os meios de comunicação, conhecemos melhor a cultura chinesa e seu universo artístico. Assim representada no Ocidente, é, em seus aspectos culturais, importante na influência da imagem e principal elemento de sustentação da produção em massa e da globalização. Porém, no século XVIII, surge no Ocidente, com o conceito de Estética, a expressão Estética chinesa, com referência aos produtos que chegavam do país em questão. Os chineses, percebendo que 30 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 seus produtos – principalmente em artes decorativas, pelas características diferentes e como objetos exóticos – eram de grande interesse para o mercado europeu, fortaleceram a respectiva imagem que o próprio Ocidente idealizou. Com essa imagem ainda mais forte, eles mantinham suas vendas, exportando, pois a Europa esperava que eles correspondessem a esta imagem. D I S C U S S ÃO A estética e a criatividade do Ocidente encontraram formas de diferenciar a realização pela novidade que encontravam na cultura chinesa. A arte chinesa tem suas formas próprias tanto na arquitetura, na pintura, na música como no teatro. Mas também no sentido próprio do termo, a Estética chinesa é a reflexão dos chineses sobre as artes e sua Filosofia da Arte e do Belo [18], também como disciplina na tradição chinesa. No vocabulário de Estética, encontramos registros da Introdução à pintura de paisagens, de Tsong Ping, do século V d.C. – sem nos aprofundarmos na vasta história da China, mas apenas com o propósito de indicar a importância das artes na formação da personalidade chinesa, da sua relação com o mundo, tanto na experiência da estrutura do universo como na influência mágica sobre o mundo. Sobretudo o valor da arte na relação com as estruturas sociais e uma concepção mais recente com princípios marxistas. Porém, a conjuntura do mundo vem tomando, nas últimas décadas, uma dimensão diferente. No século XIX a Europa já dominava alguns países asiáticos. Com a Revolução Industrial e o consequente desenvolvimento do capitalismo, os europeus estabeleceram uma hegemonia desses países sobre os demais, que ainda estavam em processo de desenvolvimento. O melhor exemplo certamente está nas relações comerciais e no controle econômico dos países europeus hegemônicos sobre os países ainda em desenvolvimento, que naquela época, era o caso da China. Noções elementares de uma dinastia, que antecede em séculos a idade de Cristo, para o avanço tecnológico e desenvolvimento de uma economia que tomou, cada vez mais, uma dimensão de poder para o Ocidente. Um dragão, que, além de um ideal, tornou-se referência real aos olhos do mercado mundial. Um espetáculo que ultrapassa os objetivos mercantis e, “à sua imagem”, configura o simulacro made in China. A dimensão das artes chinesas como simulacro na tradição ocidental e imagem configurada tem, a partir das primeiras décadas do século passado, notoriedade pela dramaturgia de Bertolt Brecht, com a “técnica do distanciamento” * [18], mas esta sendo apenas original em integrar aquelas em suas obras. Por um lado, a imagem se configura, prevalecendo o momento (tempo) e a oportunidade (espaço) para caracterizar a realização e domínio público do que possa ser diferente e, talvez, inovador. A novidade como qualidade abre outra discussão, mas a ideia de inovação é sempre associada a de uma ação como inovação pelo que se propõe nesta reflexão [19,20]. Por outro lado, constata-se que no passado, durante o período clássico, tanto na tragédia como na comédia, todas as técnicas que comportavam essas mesmas características, pela tradição, em relação às convenções, tinham um sentido de distanciamento; método do teatro épico em oposição ao teatro dramático, que envolvia o espectador na ilusão. Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação * A noção de distanciamento está relacionada com a dramaturgia de Brecht, mesmo que ela seja, atualmente, utilizada fora desse contexto. Não se trata apenas de uma alusão a um estilo de jogo ou de técnicas específicas como vemos frequentemente, mas de evocar toda a concepção do “teatro épico”, ou seja, da submissão à necessidade de uma distância, do distanciamento ou ausência da ilusão em todos os níveis. Primeiramente, pela dramaturgia épica, não se objetiva a identificação do ator com o personagem. Em seguida, em oposição ao teatro dramático, a intenção é romper com qualquer ilusão, entre espetáculo e espectador ou qualquer identificação entre eles, por meio de técnicas, privando-os da continuidade das cenas sensacionalistas, permitindo dessa forma ao público a reflexão e uma consciência com objetivo político. 31 Duas teorias centrais na análise das imagens, ambas versam sobre a polêmica dicotomia ilusão e real, desde sempre. Porém, mesmo que nos reportemos às origens, ainda de forma generalizada a nos situarmos na busca do “verdadeiro” sentido, isto é, encontrar uma lógica para a configuração da imagem na contemporaneidade. Visto que, pelos estudos de Walter Benjamin (1892-1940) [8, 9, 10, 11, 12, 13] sobre a percepção, o papel da aura em relação à reprodutibilidade técnica e, também, pelas análises sociológicas de Jean Baudrillard [3, 4, 5, 6, 7], notamos uma grande influência das obras de Bertolt Brecht [17] no pensamento desses teóricos. Mas, com grande importância, deve-se considerar que Brecht não era comunista. Mas, pelas influências das obras de Hegel e Marx em suas obras na década de 1930, ele tinha ideais que podiam ser entendidos como “marxistas” sem que tivesse alguma militância política no comunismo ou partidária. Porém, aqui, o importante é salientar a importância das obras de Hegel e de Marx na concepção de suas obras. Nessa época, Walter Benjamin frequentava os mesmos ambientes que Brecht, principalmente em Berlim e, como colegas, participavam das discussões sobre política, sociedade, desenvolvimento industrial, o papel da cultura e principalmente, a produção cultural: o teatro, a fotografia, o rádio, o cinema, a publicidade e os meios de comunicação. De outra forma, pela pesquisa e interesse sociocultural, o teórico francês Jean Baudrillard, também germanista, se interessa pela obra de Brecht e as traduz do alemão para o francês. A coincidência de muitas das abordagens sobre os aspectos relacionados à percepção do indivíduo, sociedade de consumo em face à semiologia e todos os aspectos sedutores da “cultura industrial”, remete não só a um mesmo método de análise crítica semiológica como também permite, pela teoria, identificar, antes mesmo da “técnica do distanciamento” de Brecht, a importância que a obra O capital de Marx, teve, ao constatarmos reflexões sobre a “mais-valia” e valores de uso e troca. Reflexões específicas, delimitando-se ao entendimento da distância entre a realidade sócio-histórica, por meio do distanciamento em relação à arbitrariedade do signo, como distância que deve existir entre o significado e significante. Como representação cênica, Étienne Souriau [18] apresenta um esclarecimento como modelo da “técnica do distanciamento”, que é a transposição da história de Hitler e do Terceiro Reich para o universo do circo, procurando distância nas passagens das cenas com humor, principalmente, como fez Chaplin [2]. Figura 1 – Detalhes do filme The great dictator, de Charles Chaplin (EUA, 1940). Fonte: Disponível em: <http://djardine.blogspot. com/2010/07/great-dictatorusa-1940-charlie-chaplin. html>. Acesso em: 10 mar. 2012. 32 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 O distanciamento revela sempre uma crítica. Segue-se o modelo da dialética materialista. Os elementos se distinguem em uma relação de oposição, mas se apresentam juntos e significam a estrutura da representação, com formas de interrupção na continuidade, dando a impressão de montagens oferecendo uma distância entre as cenas. A obra tem um modo específico de identificar o real, eliminando a ilusão e o espectador precisa também decifrar e entender esse modo de leitura. Porém, em relação à ilusão como teoria, de forma sistemática e contrária à “teoria do distanciamento” ** [18], observa-se a ambiguidade da relação do espectador com o espetáculo, conforme enunciado por Étienne Souriau [18], ao mostrar que o espectador pode acreditar e não acreditar no que está vendo, “l’illusion est également une convention, une règle de jeu que le spectateur veut bien accepter”*** . No ensaio de Jean Baudrillard, intitulado L’illusion cinématographique perdue, ele questiona a possibilidade da ausência de ilusão pela linguagem cinematográfica em sua evolução e progresso técnico. Na proporção de um avanço tecnológico, passando do cinema mudo ao falado, do preto e branco e em cores até a alta tecnologia. Para esse pensador, é nessa alta definição cinematográfica que a ilusão se torna ausente. Afirma ele que o cinema atual não conhece mais nem a alusão nem a ilusão. O espectador se encontra em um estado hipertécnico, hipereficaz, hipervisível sem deixar espaço, silêncio, perdendo a especificidade das imagens em direção a uma tecnologia de alta definição no sentido de uma perfeição inútil da imagem. Esclarecendo melhor, o autor diz [7]: “Plus on approche de la définition absolue de la perfection realiste de l’image, plus se perd sa puissance d’illusion” ****. Quando Baudrillard, na conclusão de seu ensaio, afirma que nós esquecemos o que a modernidade nos ensinou, a probabilidade de que ele faz alusão ao distanciamento é grande, pelos motivos anteriormente citados, sobre seu interesse pela obra de Brecht e naturalmente, pela sua própria obra, indicando que é a subtração que oferece a força e que da ausência nasce a energia. Do ponto de vista dos valores da modernidade, podemos perceber na obra de Brecht, “depois de conhecer a atuação do artista chinês Mei Lan Fang e quando trabalha o efeito de ‘estranhamento’ da arte chinesa, que consistia em criar um deslumbramento” [14]. C O N C L U S ÃO A arte tem seus valores em si mesma, que são estéticos (aisthésis) ou técnicos, e avalia outros valores apenas em função de si própria. A desproporção entre os valores estéticos e os não estéticos (anaisthésis) está frequentemente associada às disparidades sociais. Em todas as épocas, os artistas ou amadores formam classes distintas na sociedade, levando a uma diferença de valores estéticos ou não estéticos e a uma visão hostil pela realização de algumas obras, independentemente do grau de civilidade e de culturas [16]. Vêem-se, por exemplo, realizações com propósitos nacionalistas. Contudo, sempre a mesma obra é julgada de diferentes formas por diferentes indivíduos e, sobretudo, em diferentes épocas. Como identificar evolução da arte diante desse fato? Diferente de outras grandes evoluções humanas, em estética não existe evolução, e por meio de seu objeto que é a arte, contatamos. Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação ** As teorias de distanciamento concernem ao que se estuda sobre a técnica do distanciamento na dramaturgia. Pelos estudos de Étienne Souriau, constatamos que a técnica do distanciamento existe há muito tempo. Brecht as conheceu no teatro chinês e pelos gêneros de espetáculos não lineares como o circo e o music-hall. Mas podemos entender que Brecht teve sua originalidade ao integrar em sua dramaturgia a sua “teoria do distanciamento”, incorporando-a ao seu sentido amplo. Entretanto, podemos verificar que os espetáculos do período do classicismo e de tradição apresentaram técnicas desse gênero. E, tudo o que se reporta às “convenções” tem um sentido de distanciamento. E mesmo com o naturalismo, uma reação se formou e, procurou-se remontar os grandes períodos da arte dramática. Lembremonos o uso de versos na tragédia e na comédia, o “distanciamento” do herói trágico (particularmente, nas peças de Racine), e tudo que resulta do monólogo ou da aptidão cênica com relação ao público. Recordemos ainda, o papel do coro na tragédia da Antiguidade, que, segundo Schiller e Nietzsche, separa a reflexão da ação, rompendo com a ilusão, o que nos mostra uma aproximação com a técnica de Brecht e sua “teoria do distanciamento”. Pois, com o coro interrompendo a ação, o sentido é o de comentar e oferecer uma reflexão. Entre outras formas de teatro, como o de estrada ou a commedia dell’arte, é que, também, encontramos técnicas desse gênero; porém, em suas formas mais puras. 33 *** “A ilusão é igualmente uma convenção, uma regra de jogo que o espectador bem quer aceitar.” (Tradução nossa). **** “Quanto mais nos aproximamos da definição absoluta, da perfeição realista da imagem, mais se perde o poder de ilusão.” (Tradução nossa). ***** Do alemão, Verfremdung. (Tradução nossa). Porém, retornando às formas de representação, especialmente considerando a catharsis [1], a partir da modernidade, devemos observar que as “técnicas do distanciamento” empregadas por Bertolt Brecht sempre existiram. Justamente, pelo teatro chinês e os gêneros de espetáculos não lineares, como o circo, é que eram empregadas as “técnicas do distanciamento”. Assim, Brecht, em 1941, quando de sua viagem por Moscou, se impressionou com o desfile de 1º de Maio e comemorou a inauguração do metrô com um poema, como também contemplou com grande interesse uma apresentação do ator de teatro chinês Mei Lan Fang, que atuava também como mulher. Nesse momento, podemos entender quando Brecht teve uma experiência estética e na qual, possivelmente, por meio de “alusão e ilusão” – segundo as observações de Baudrillard em relação ao teatro chinês, a Ópera de Pequim –, ele encontra outras formas criativas para o seu teatro. Brecht escreveu que, ao assistir a Mei Lan Fang, percebeu o efeito de “estranhamento”***** na arte chinesa, declarando que esse estranhamento consistia em criar um deslumbramento. Percebe-se com esse relato a sua experiência estética frente àquela obra. Figura 2 – Detalhes da atuação de Mei Lan Fang no teatro chinês. Fonte: Brecht: Die Kunst zu leben. Produção de Joachim Lang, 2006. ****** O círculo de giz caucasiano. Existe tradução para a língua portuguesa. ******* No ano de 2012 foi realizado o evento Ano da Cultura Chinesa na Alemanha. Experimentou um momento em que o conhecimento ocidental se encontrava com o oriental por meio das técnicas chinesas de espetáculos, configurando a imagem. Brecht produz a peça de teatro Der kaukasische Kreidekreis****** , escrita em 1944-1945 nos Estados Unidos e, em 1954, apresentada em Berlim. Nos dias de hoje, podemos experimentar relações culturais com uma narrativa visual, por exemplo, em Wiesbaden quando, nos dias 22 e 23 de maio de 2012******* foi reapresentada a referida peça no Hessisches Staatstheater, em cooperação com Chongqing Sichuan Opera Theatre. Figura 3 – Detalhe da peça de Bertolt Brecht, Der kaukasische Kreidekreis, encenada pela Chongqing Sichuan Opera Theatre. Fonte: Disponível em: < http://www. cn2012de.com/deactivityall. aspx?type=add&tid=12>. Acesso em: 24 mai. 2012. 34 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] ARISTOTE. Poétique. Paris: Gallimard, 1996. ALBERSMEIER, F.-J. Texte zur Theorie des Films. Stuttgart: Reclam Verlag, 2003. BAUDRILLARD, J. Le système des objets. France: Gallimard, 1968. BAUDRILLARD, J. La société de consommation: ses mythes ses structures. Paris: Denoël, 1970. BAUDRILLARD, J. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981. BAUDRILLARD, J. Pour une critique de l’economie politique du signe. Paris: Gallimard, 1972. BAUDRILLARD, J. Illusion, désillusion esthétiques. Paris: Sens & Tonka, 1997. p. 11. BENJAMIN, W. L’œuvre d’art à l’époque de sa reproductibilité technique. Paris: Allia, 2009. BENJAMIN, W. Paris, capitale du XIXe siècle: le livre des passages. Paris: CERF, 2009. BENJAMIN, W. Œuvres. Paris: Gallimard, 2000. 3v. BENJAMIN, W. Sprache und Geschichte. 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Thèse (Doctorat en Arts Plastiques, Esthétique et Sciences de l’Art)-Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, Paris, 2013. AGRADECIMENTO Ao Nikolas, meu filho, tradutor do Resumo para o inglês. doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e pesquisadora da Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne – email: [email protected]. C h ristiane Wa g ner , Simulacro Made in China: Relatos e Origem da Imagem em Transformação 35 36 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP Giro Cultural: the Challenges of an Innovative Proposal in the University of São Paulo R esum o Neste artigo vamos apresentar a proposta do programa Giro Cultural, relatando todas as etapas de sua criação e implantação. O programa se propõe a difícil tarefa de apresentar à sociedade, de forma regular e contínua, os diferentes patrimônios que estão sob a guarda da Universidade de São Paulo, inclusive aqueles que não estão expostos da maneira tradicional. Assim, criou-se um programa de visitas monitoradas, com diferentes roteiros que permitem ao visitante entrar em contato com a biodiversidade dos campi, as coleções que estão expostas nas unidades ou fazer um percurso pela cidade de São Paulo, conhecendo a história da cidade e as condições da criação e implantação da USP. Palavras-chave: Divulgação cultural. Patrimônio cultural. Visitas guiadas. C l audio Pos s a ni A bstract In this article we present the Giro Cultural Program, reporting all stages of its conception, development and implementation. This program proposal is to accomplish the difficult task of presenting and sharing with the general society the rich cultural heritage belonging to the University of São Paulo, including objects, buildings and even gardens that are not opened to visitors in the traditional way. We choose to create a schedule of monitored tours in the city of São Paulo presenting the visitors the history of the city and the conditions of the implementation of the University of São Paulo and, at the same time, allowing them the contact to the biodiversity of the campuses and the collections that are exposed in different colleges of the University. Keywords (Keywords): Cultural diffusion. Cultural patrimony. Guided tours. 37 I N T R OD U ÇÃO E A N T E C E D E N T E S O programa Giro Cultural da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP é um programa inovador e que apresenta desafios inéditos para a gestão da cultura e da extensão da Universidade. Como será detalhado a seguir, trata-se de um programa de apresentação à sociedade – entendida no seu sentido maior, não apenas constituída pela comunidade uspiana – do patrimônio arquitetônico, cultural, físico, histórico e científico que a Universidade de São Paulo é depositária. Trata-se, portanto, de um programa que atende às obrigações mais fundamentais da Universidade, de ser um agente de difusão de conhecimento no seio da comunidade em que está inserida. O programa já constava das ideias iniciais que a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária, Maria Arminda do Nascimento Arruda, apresentava na plataforma de ações propostas para o seu período na direção da área de Cultura e Extensão da USP. Quando de sua posse como pró-reitora, em 2010, ela já expressou o desejo de criar algo que se assemelhasse a um “passaporte” que desse acesso às muitas ações culturais oferecidas pela USP e que nem sempre eram adequadamente divulgadas aos eventuais interessados. No sítio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, lemos no documento Diretrizes de ação da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão [1]: Por esses motivos, o amplo acesso aos fenômenos culturais promove, amplia e garante tanto a inserção social daqueles situados à margem quanto à fixação de princípios de cidadania, dirimindo as desigualdades e reforçando valores republicanos. [...] A USP ocupa um lugar privilegiado nesse contexto, pois é capaz de oferecer os meios indispensáveis ao ingresso, circulação e difusão da cultura e da ciência, tanto no meio universitário, quanto externamente a ele. Ao mesmo tempo, a Prefeitura do Campus do Butantã – na época denominada Coordenadoria do Campus – lidava com uma temática candente e plena de desafios. De um lado, a Coordenadoria/Prefeitura possuía poucas informações sobre os usuários do campus e era o local de canalização do descontentamento da sociedade, que questionava o fechamento do campus nos finais de semana. Para a sociedade, o campus era visto como um parque público e, como tal, deveria estar aberto ao uso coletivo. Questões como a sua conservação, sua destinação prioritária para as atividades de ensino e pesquisa e não de lazer passavam ao largo das preocupações do cidadão comum. Para a primeira questão, a Prefeitura do Campus firmou um convênio com o Instituto de Matemática e Estatística, que apoiou academicamente a realização de pesquisas que contribuíram para introduzir uma nova forma de olhar o campus, como sendo uma espécie de laboratório da Universidade. Para tratar da segunda questão, a equipe instalada na Prefeitura começou um processo interno de reflexão sobre o uso do campus, que, posteriormente, culminou na 38 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 realização de duas edições do Fórum Permanente sobre o Espaço Público, a USP e a Especificidade de seus Campi. Percebe-se, então, que havia na Prefeitura uma prontidão para abraçar uma causa como a proposta pela recém-empossada pró-reitora. A necessidade de se aprofundar estas reflexões sobre o uso do campus e sua relação com a sociedade pode ser facilmente compreendida se pensarmos sobre um simples aspecto desta relação. Nesta época, o campus fechava aos domingos para a comunidade externa à USP, sendo que os portadores de crachá de identificação institucional tinham acesso. Os visitantes que se destinavam aos museus funcionando em seu interior, o de Arte Contemporânea (MAC) e o de Arqueologia e Etnologia (MAE) tinham acesso garantido à Cidade Universitária, mas os ônibus circulares – mantidos pela administração central da USP – faziam uma viagem a cada hora; não havia banheiros públicos externos aos museus, nem lanchonetes, cafés, livrarias ou qualquer outro tipo de facilidade disponível aos visitantes. P R I M E I R O S PA S S O S Urgia pensar esta questão de forma orgânica, estruturada e – por que não dizer – acadêmica. Em poucas reuniões e de forma célere, o reitor da USP, João Grandino Rodas, o então coordenador do campus, Antonio de Aguirre Massola, juntamente com a pró- reitora, acordaram na montagem de um projeto que, na falta de um nome oficial, foi tratado internamente e por algum tempo como “Passaporte Cultural”. Em março de 2011, uma portaria da Pró-Reitoria cria um grupo de trabalho encarregado de apresentar propostas ao programa Passaporte Cultural. Este grupo tinha a seguinte composição: »» Professores: Edson Leite (coordenador), Claudio Possani (vice-coordenador), Esmeralda Vailati Negrão, Hussam El Dine Zaher, Lorenzo Mammi e Martin Grossmann. »» Funcionários: Cristina Guarnieri, Cecílio de Souza, Eduardo Alves, Evania Maria Guilhon e Sá, José Clóvis de Medeiros Lima e Regina Carvalho. Um dos pilares do programa, como de tantos outros da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, foi ter, desde o início, a clareza de que as ações a serem desenvolvidas deveriam necessariamente integrar docentes, funcionários e alunos, bem como deveriam contemplar as três faces do fazer acadêmico, a pesquisa, o ensino e a extensão. Os alunos sempre estiveram presentes como estagiários e têm sido importantes agentes do Giro Cultural. Neste ponto deste artigo abro um parêntese para elaborar reflexão sobre o fazer acadêmico, ou melhor, sobre qualquer fazer, mesmo administrativo, quando o contexto e as preocupações são acadêmicos. Nas primeiras reuniões foram exploradas inúmeras e diferentes possibilidades. Planos nem sempre realistas consumiram tempo da equipe presente até que ficasse claro Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP 39 que eles não eram exequíveis. Ideias interessantes geravam grande entusiasmo entre os participantes e alongavam as discussões. As primeiras tentativas de ações concretas esbarravam em dificuldades operacionais não previstas. Em alguns momentos, tive a impressão de que talvez estivesse participando de mais um projeto que não produziria resultados práticos. Quase um ano foi consumido nesta etapa. Minha visão de hoje é que esta fase tinha que ser vivenciada desta forma. Nestas discussões, o alicerce do projeto e os conceitos básicos foram estruturados. Lição: nas atividades acadêmicas, não há que ter pressa; há que se evitar o perfeccionismo paralisante, tanto quanto a pressão pelos resultados de curto prazo. Uma das primeiras ações que se realizou no escopo destas discussões foi um levantamento dos hábitos culturais dos alunos da USP. Para isso, foi utilizada uma base de dados da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade, constituída por um questionário respondido de forma voluntária, via web, pelos alunos de graduação, quando de seu primeiro acesso ao sistema de matrículas on-line. O levantamento – em que pese o fato de não se basear em amostra escolhida de maneira estatisticamente rigorosa – apontou que os hábitos culturais dos nossos alunos não diferem de forma significativa daqueles da população em geral. Nossos indicadores são só um pouco melhores do que os apontados por pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) [2] e pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro (FECOMERCIO-RJ). Dos 7 mil alunos cujas respostas foram analisadas, 74,9% declararam que “raramente ou nunca” frequentavam eventos ligados às artes visuais. Para eventos de dança, o número é de 80,8%, mesmo número para apresentações de música erudita. Teatro “raramente ou nunca” é frequentado por 71,7% dos respondentes. Para eventos de literatura, o índice é 72,2%, e para eventos de música popular, 57,7%. O número dos que declararam que nunca ou raramente frequentam cinema é de 22,1%. É claro que estes números são significativos e transcendem os limites do projeto do Giro Cultural. Há aí um grande desafio para as futuras administrações da Universidade: aprofundar esta compreensão do perfil cultural do aluno USP e incorporar esta realidade às políticas do setor cultural. A partir destas reuniões e discussões, começou a se estruturar um formato de ação, as visitas guiadas, mostrando o patrimônio da USP, sendo que os roteiros seriam objeto de explicações e descrições escritas por professores da Universidade. Este fato básico e fundamental garantiria um diferencial importante: estas visitas guiadas teriam lastro conceitual, diferentemente de muitas visitas guiadas de caráter turístico. O R O T E I R O DO C A M P U S B U TA N TÃ Vários roteiros foram analisados e podemos dizer que “aprovados” internamente na comissão, alguns foram implantados e outros estão em fase de “redação”. Um roteiro foi quase imediatamente formatado, o do campus Butantã. Neste roteiro, percorremos o campus mostrando os prédios, a história da Cidade Universitária e como ela foi concebida e implantada. 40 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Em meados de 2012, houve uma mudança no sistema de transporte interno do campus. As famosas linhas circulares 1 e 2 foram desativadas e a comunidade USP passou a ter acesso gratuito às linhas regulares que circulam na Cidade Universitária. Parte dos ônibus, motoristas e estrutura que serviam às extintas linhas circulares foi colocada a serviço do Giro Cultural. Este momento foi de fundamental importância para que o programa, de fato, se fizesse visível. AS DELEGAÇÕES ESTRANGEIRAS Aqui cabe destacar um fato da maior relevância: a importância deste programa para a área internacional da USP. A educação superior em todo o mundo passa por uma mudança de paradigma, no qual a mobilidade de estudantes de graduação e de pós-graduação assume um protagonismo inédito nas prioridades das instituições. O Brasil, graças ao seu desenvolvimento econômico da primeira década do século XXI, atrai a atenção de muitas universidades do mundo todo. A USP em particular, graças ao seu prestígio, ao trabalho dos seus pesquisadores, à excelência dos seus alunos e ao seu desempenho em rankings internacionais de avaliação de universidades, tornou-se uma parceira em potencial para as principais universidades do mundo. Um número mostra esta realidade: em 2012, a Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais da USP recebeu mais de trezentas delegações de universidades estrangeiras. Muitas destas delegações são formadas por muitas pessoas (algumas chegam a dezenas de componentes!) e um pedido frequente é o de conhecer o campus. Antes do Giro Cultural não havia estrutura para recepcionar estes visitantes; mas agora, trabalhando em parceria com a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, a área internacional da Universidade pode, finalmente, receber seus visitantes internacionais de forma adequada. A Vice-Reitoria incluiu o Giro nas atividades de recepção aos alunos estrangeiros que chegam ao Brasil para fazerem intercâmbio de estudos. Como curiosidade, destaco que os visitantes internacionais apreciam muito a Praça do Relógio, sendo comum eles passarem muitos minutos tirando fotos no local. Vários aspectos surpreendem os visitantes, tanto brasileiros como estrangeiros: a beleza e as dimensões do campus, com suas árvores e flores, o encanto da Torre do Relógio e seus símbolos, a Praça do Relógio como um todo, a existência de um complexo olímpico com velódromo e raia olímpica, a história deste complexo e as esculturas a céu aberto. Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP 41 Tabela 1 Número de visitantes atendidos pelo programa Giro Cultural oriundos das atividades de intercâmbio internacional promovidas pela USP, de outubro de 2011 a abril de 2012. NÚMERO DE M ÊS D A VI SI TA V I S I TA N T E S DESTINO Outubro de 2011 Alunos e professores chineses participantes do Programa TOP Brasil-UK do Santander Campus Butantã 46 Novembro 2012 Professores e administradores da Universidade de Assunção, Paraguai Campus Butantã 15 Março 2012 Professores de diferentes Universidades da Coreia Campus Butantã 10 Março 2012 University of Surrey/ UK e North Carolina State University/EUA Campus Butantã e MAC/Ibirapuera 32 Março 2012 Professores do Consórcio WC2 Campus Butantã e MAC/Ibirapuera 38 Abril 2012 Professores da reunião do CODOC – Cooperation on Doctoral Education between Africa, Asia, Latin America and Europe Campus Butantã 25 V I S I TA N T E S Nestas primeiras visitas, o total de visitantes foi 166, atestando a importância desta parceria para as ações de cooperação internacional da USP. CALOUROS E FEIRA DAS PROFISSÕES. A visita do campus Butantã também está sendo introduzida aos poucos por algumas unidades na programação da Semana de Recepção aos Ingressantes, importante atividade coordenada anualmente pela Pró-Reitoria de Graduação. Em 2012 – o primeiro ano em que ocorreu –, 220 calouros fizeram o tour pelo campus. Na edição de 2012 da Feira das Profissões, mais de 460 pessoas fizeram o tour pela Cidade Universitária, também conhecida como CUASO. Estes dados mostram que a ideia do Giro Cultural está se inserindo no dia a dia da Universidade e vai se tornando parte do seu cotidiano. 42 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 O S R O T E I R O S AT U A I S N O B U TA N TÃ Hoje estão em funcionamento, de forma regular, três roteiros no campus Butantã, cujas descrições seguem [3]: Vista Panorâmica: um passeio pelo campus Visita ao campus da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, na qual os visitantes podem conhecer a história da USP e da criação do campus, além de receber informações sobre cada uma das escolas, faculdades, institutos e museus ali localizados. [...] Acervo Cultural Visita com paradas no Museu de Arte Contemporânea (MAC SP), Paço das Artes, Museu do Brinquedo (Faculdade de Educação) e Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). [...] Científico Roteiro com paradas no Museu de Geociências (IGc), Museu Oceanográfico (IO), Show de Física (Instituto de Física), Museu de Anatomia Veterinária (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia). [...] Os passeios contam com ônibus e motorista treinado, cedidos pela Prefeitura do Campus USP da Capital. As partidas e retornos acontecem sempre no Centro de Informações da USP, localizado na Praça Reynaldo Porchat, 110, próximo à Portaria 1 da Universidade. As primeiras 116 inscrições para estes três roteiros tiveram a seguinte distribuição de interesse (Gráfico 1): 14 para o roteiro geral (Vista Panorâmica) da Cidade Universitária, 58 para o roteiro cultural (Acervo Cultural) e 44 para o roteiro científico (Científico). Gráfico 1 Número de inscritos nos roteiros de visita ao campus Butantã. INSCRIÇÕES 14% Roteiro Acervo Cultural Roteiro Científico Roteiro CUASO 58% 44% Roteiro Acervo Cultural Roteiro Científico Roteiro CUASO Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP 43 O R O T E I R O D A S ÃO PA U L O M OD E R N I S TA Outro momento fundamental para a implantação do programa foi a contratação de empresa externa à Universidade para realizar a visita chamada de “São Paulo Modernista”, cuja concepção básica é do professor Martin Grossmann. Numa Universidade do porte da USP, muitas vezes temos a impressão de que tudo podemos e tudo sabemos, correndo o risco de tentar assumir funções para as quais não temos estrutura nem condições materiais para sua execução. Para este roteiro, após muita reflexão, a opção foi pela contratação de uma empresa profissional nesta atividade. Este roteiro começa junto aos edifícios do Museu Paulista e do Museu de Zoologia, com destaque para a arquitetura em si e o fato de que estas edificações tiveram um sentido importante na São Paulo do século XIX. Em seguida, o ônibus leva os visitantes para a região central de São Paulo e aborda-se a modernização da cidade no começo do século XX. A Semana de Arte Moderna e a própria criação da USP são contextualizadas dentro do movimento modernista. O significado arquitetônico, artístico e social de alguns edifícios marcantes da cidade é discutido. Em seguida, os visitantes são levados ao Parque do Ibirapuera, onde podem ver algumas obras de Oscar Niemeyer, e o roteiro terminará com visita ao novo prédio do MAC no Ibirapuera. Compreensivamente, este roteiro – que será descrito adiante [3] – tem despertado grande interesse da sociedade. A procura é grande e as vagas se esgotam com semanas de antecedência. A USP e a São Paulo Modernista A USP e a São Paulo Modernista é o primeiro roteiro do Giro Cultural USP realizado fora da Cidade Universitária. Com ponto de partida na estação Alto do Ipiranga do Metrô, o passeio tem início no Museu Paulista, no bairro do Ipiranga, passando pelo centro da cidade, onde destaca as principais edificações modernistas, como o Edifício Copan, do arquiteto Oscar Niemeyer. O ponto de parada seguinte é o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, um casarão art nouveau do início do século XX. O passeio termina no Museu de Arte Contemporânea da USP, no Parque do Ibirapuera. O roteiro procura oferecer aos visitantes um olhar e uma leitura distintos sobre a implantação do modernismo na cidade, em suas múltiplas dimensões (arquitetônica, urbanística, econômica, sociocultural e política), evidenciando a passagem do século XIX até o ápice da consolidação do projeto modernista na cidade de São Paulo, nos anos 1950. O roteiro conta com uma equipe de mediadores composta por historiadores, artistas plásticos e arquitetos, além de um guia da Embratur. Todo trajeto é percorrido em um ônibus equipado com recursos multimídia para uso durante o passeio. 44 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 O M O M E N T O AT U A L E O F U T U R O Podemos afirmar com convicção e orgulho que o programa Giro Cultural é uma realidade e faz parte, ainda que de forma incipiente, do cotidiano da Universidade. Os desafios vencidos foram muitos, como relatamos neste artigo. E os próximos passos? Os desafios futuros são ainda maiores: é necessário atender a demanda pela visita da São Paulo Modernista para não frustrar os interessados; é necessário incorporar os demais campi nesta concepção alternativa de como abrir os acervos, coleções e o patrimônio da USP à sociedade que está ao nosso redor e que nos financia; é necessário criar novos roteiros. As ideias são muitas e podemos citar algumas: »» Visita ao campus Butantã observando a fauna e a flora da Cidade Universitária, uma verdadeira aula de Ecologia; »» Caminhadas pelo campus Butantã com diferentes olhares: as esculturas, a flora, os prédios; »» Incorporar aos roteiros atuais e futuros as manifestações artísticas de grupos da comunidade universitária: Coral da USP, orquestras, grupos de teatro, baterias, dentre outros. Outro desafio é o de oferecer visitas em outras línguas. Hoje, há demanda por visitas oferecidas em inglês e espanhol, principalmente naquelas que se originam na área de Relações Internacionais. Ainda não temos uma solução definitiva. As visitas em inglês são feitas quase sempre pelo funcionário da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Vitor Borysow e, às vezes, por algum professor disponível. Também será importante que o programa mantenha uma base de dados constantemente atualizada sobre o perfil dos seus usuários. Não podemos perder a oportunidade de conhecer melhor o perfil dos interessados, pois esta informação é de suma importância para a definição das melhores políticas de cultura dentro da Universidade. DIVULGAÇÃO Damos a seguir uma lista, obviamente incompleta, de diferentes meios de comunicação que, de alguma forma, repercutiram o Giro Cultural. Sem dúvida, é uma medida da importância e do impacto social do programa, bem como de seu potencial de interação com a sociedade. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO http://www.usp.br/imprensa/wp-content/uploads/veja_sp_180612.jpg http://www.usp.br/imprensa/?p=22039 http://www.usp.br/agen/?p=101419 Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP 45 UNIVERSIA http://agenda.universia.com.br/usp/2012/06/08/ giro-cultural-divulga-riqueza-do-patrimonio-da-usp UNIVESP http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/3470/giro-cultural-divulga-riqueza-do-patrim-nio-da-usp.html DIRIGIDA http://www.dirigida.com.br/news/pt_br/giro_cultural_divulga_riqueza_do_ patrimonio_da_usp_salario_minimo/redirect_8856746.html BLOGS http://www.bloglunabianca.com.br/desbravando-a-usp/ http://marthapimenta.blogspot.com.br/2012/06/giro-cultural-na-usp.html http://cultlove.com.br/2012/06/19/ usp-promove-tours-tematicos-gratuitos-na-cidade-universitaria/ http://alrocha-antenacultural.blogspot.com.br/2012_06_10_archive.html http://www.salariominimo.net/2012/06/06/ giro-cultural-divulga-riqueza-do-patrimonio-da-usp/ http://www.artenaescolauenf.org/website/index. php?option=com_marketplace&page=show_ad&catid=19&adid=912 REDES SOCIAIS http://twitter.com/VejaSP/statuses/214402198686285824 http://twitter.com/caminhosusp/status/214824737023602688 http://pt-br.facebook.com/fousp/posts/235726966543776 http://www.orkut.com/Main#CommMsgs?cmm=35362&tid=57375489198406112 63&na=2&nst=101 IMPRENSA OFICIAL http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v4/index. asp?c=4&e=20120616&p=1 (Pg. III) http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v4/index. asp?c=4&e=20120713&p=1 (PgIV) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Diretrizes de ação da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão. Disponível em: <http://www.prceu.usp.br/diretrizes. php#.UTNAjKJOT6w>. Acesso em: 28 fev. 2013. [2] BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. 46 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Sistema de indicadores de percepção social: Cultura. Brasília, DF, 17 nov.2010. 16 p. [3] UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. Giro Cultural USP. Disponível em: <http://www.prceu.usp.br/programas/girocultural/visitassp.php>. Acesso em: 3 mar. 2013. AGRADECIMENTOS O autor agradece a todos os colaboradores do Projeto Giro Cultural e em especial à pró-reitora de Cultura e Extensão, profa. dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda pela oportunidade deste trabalho conjunto. À Regina Carvalho registro meu agradecimento pela ajuda na redação deste artigo. professor doutor do Departamento de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo – R. do Matão, 1010 – Cidade Universitária – CEP 05508090 – São Paulo-SP – e-mail: [email protected]. CLAUDIO POSSANI Giro Cultural: Os Desafios de uma Proposta Inovadora na USP 47 48 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZUSP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico e Modular de Planejamento e Ação The Museum of Veterinary Anatomy of FMVZ-USP: Proposal and Analysis of a Systemic and Modular Method of Planning and Action Resumo No dia 9 de setembro de 2012, a nova exposição de longa duração do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo completou dois anos de existência. Este período também é marcado pela implantação de uma nova estratégia de trabalho, caracterizada por uma metodologia sistêmica e modular de planejamento e desenvolvimento de ações no museu. Este artigo tem por objetivo apresentar uma estratégia de gestão para museus universitários, com resultados e perspectivas futuras. Com isso, esperamos compartilhar nossa experiência e contribuir para a reflexão sobre essa tipologia de museus e suas perspectivas de desenvolvimento. Palavras-chave: Museu universitário. Divulgação científica. Gestão de museu. Maurício Cândido da Silva Abstract On September 9th 2012 the new long-term exhibition of the Museum of Veterinary Anatomy, School of Veterinary Medicine and Animal Husbandry, completed two years. This period is also marked by the implementation of a new strategy of work, characterized by a systemic and modular methodology of planning and development of activities at the museum. This article aims to present a management strategy for university museums, its performance and future prospects. We hope to share our experience and contribute to the discussion and development of this typology of museums. Keywords: University museum. Scientific dissemination. Management of museum. 49 INTRODUÇÃO No dia 9 de setembro de 2012, a exposição de longa duração do Museu de *Cabe frisar que não se trata de uma afirmação universal, aplicada a todos os museus, mas dirigida aos museus universitários, com atuação na formação de coleções, pesquisa, salvaguarda e comunicação. Anatomia Veterinária “Prof. Dr. Plínio Pinto e Silva” (MAV), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, intitulada Dimensões do corpo: da anatomia à microscopia, completou dois anos de existência. Além de um espaço expositivo renovado, também foi inaugurada uma nova forma de trabalho. Trata-se de um novo método de planejamento que tem como objetivo principal a implantação, dinamização e articulação das ações especialmente projetadas para este museu. A nova gestão, nesta data comemorativa, busca aqui refletir e apresentar os resultados do novo sistema de trabalho adotado, compartilhando sua experiência e projetando, com maior precisão, suas perspectivas futuras. A ideia de uma instituição voltada à divulgação científica [9] tem norteado a missão do MAV. Nessa perspectiva, a atual exposição de longa duração se constituiu tanto centro irradiador da nova metodologia de trabalho quanto pilar central de todas as ações planejadas e em desenvolvimento. Diferentemente de gestões em museus que comumente atuam na divulgação científica – cujas linhas de estudo, pesquisa e curadoria são primordiais na definição das estratégias de trabalho –, para o Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP a comunicação museológica passou a ocupar papel central na sistematização dos seus trabalhos, orientando a salvaguarda, a pesquisa e suas ações educativas*. Isso decorre, de forma equivalente, tanto de uma característica determinada pelas circunstâncias atuais do museu, quanto de uma clara opção estratégica de trabalho. Veremos a seguir os desdobramentos desta estratégia que, num primeiro momento, parece inverter o sentido do fluxo lógico de trabalho em um museu, e os resultados obtidos nestes dois anos de experimento, em que a exposição ocupa papel central nas ações do MAV. HISTÓRICO **É importante ressaltar a iniciativa e o envolvimento do prof. dr. Vicente Borelli para a formação do núcleo inicial das coleções e do seu esforço para a criação e oficialização do MAV. 50 Dos pontos de vista histórico e tipológico, o Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP pertence à linhagem dos museus de História Natural, mas que se especializou no ramo dos museus de Anatomia Comparada e no sub-ramo da Anatomia Veterinária [7]. Suas coleções são caracterizadas por sua origem biológica (peças anatômicas de animais) e pelas técnicas de conservação (maceração, desidratação, diafanização, fixação em formaldeído, glicerinação, injeção de látex e taxidermia). O MAV foi criado oficialmente em 1984 a partir da institucionalização das coleções de peças anatômicas existentes na faculdade resultantes dos estudos desenvolvidos por professores, servidores e alunos para as aulas práticas da disciplina de Anatomia** . Trata-se de um caso exemplar de museu universitário, pertencente a uma instituição de ensino, pesquisa e extensão, constituído por coleções de pesquisa [6]. Suas ações envolvem a formação de coleções representativas [10], preparação de peças biológicas por meio do desenvolvimento de técnicas específicas, produção de coleções didáticas, salvaguarda do acervo e o ensino da Medicina Veterinária com ênfase na Anatomia. A difusão científica no museu ocorre por meio das coleções museológicas apresentadas Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 em sua exposição e de projetos educativos. Há vinte e oito anos o MAV atua neste campo, com significativas variações no cumprimento de suas metas ao longo deste tempo. Na sua trajetória mais recente – para acompanhar o deslocamento da nova sede da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP dentro da Cidade Universitária “Armando de Salles Oliveira” –, entre 2004 e 2005, o MAV passou por uma traumática mudança de endereço, o que resultou em perda de exemplares de suas coleções, de recursos expositivos e, consequentemente, de visitantes. Entre 2004 e 2008, ficou fechado para visitação. Esse processo também resultou na organização de uma exposição, em 2008, num espaço pouco apropriado para o desempenho de suas funções museológicas. Foi um período de muito desgaste para o museu como um todo ***. Contudo, em 2010, no contexto de esforço administrativo da direção da FMVZ-USP e da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP para a recuperação do vigor das suas atividades, o MAV teve sua equipe ampliada, traçou novos planos, recebeu investimentos e passou por uma adaptação em sua estrutura física e organizacional. Nestes dois últimos anos foi implantada uma nova e estratégica dinâmica de trabalho, centrada na sistematização do seu planejamento e de suas práticas, baseadas em programas de trabalho que se conectam entre si sob a lógica de um sistema de ações museológicas [1]; tal estratégia está estruturada na atual exposição de longa duração. Nesta gama de atuação preservacionista, daremos enfoque ao aspecto gerencial da extensão universitária praticada pelo MAV, representada aqui pela perspectiva da comunicação museológica, impulsionadora e motivadora do planejamento e das ações de um museu em transformação. ***Um dos indicadores de declínio diz respeito à queda brusca do número de visitantes ao museu. Relatórios internos apontam que, no início de 2000, o MAV tinha um público anual de, aproximadamente, 14 mil visitantes e ,em 2009, recebeu apenas cerca de 3,5 mil visitantes. Com grande esforço, levará muitos anos para ser alcançado novamente o número de visitantes do início de 2000, o que nos faz pensar sobre as drásticas consequências da mudança de endereço e do fechamento público de um museu. MATERIAIS E MÉTODOS Para o início da aplicação de um sistema de ações museológicas, foi realizado, primeiramente, um reconhecimento do museu e, posteriormente, a implantação de um Programa de Trabalho, tendo este a função de sistematizar e dar coesão ao conjunto de diferentes atividades do museu. A introdução do novo método de trabalho passou pela execução de um diagnóstico museológico [4]. Este instrumento de trabalho foi a primeira ação desenvolvida pela nova gestão e teve o objetivo de evidenciar os aspectos qualitativos e quantitativos do museu, mapeando suas potencialidades e imperfeições. O diagnóstico museológico foi uma estratégia pontual, servindo como indicador e orientador para ações iniciais. Ele destacou quatro aspectos inerentes ao MAV e às pretensões de implantação de um sistema de ações museológicas segundo práticas profissionais contemporâneas [2]: o perfil institucional; o histórico de ações; as potencialidades; as irregularidades. O diagnóstico museológico foi uma estratégia de reconhecimento geral das características e condições em que o museu se encontrava naquele momento, permitindo o início mais seguro do planejamento de novas ações. Trata-se da produção do retrato de um momento institucional. Ele foi desenvolvido entre os meses de julho e agosto de 2010 pela própria equipe do MAV e sob a coordenação dos novos gestores através das seguintes etapas de trabalho: O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 51 1. Etapa, análise da estrutura administrativa; 2. Etapa, análise de documentos históricos; 3. Etapa, levantamento preliminar do acervo (dados informativos, quantitativos e estado de conservação); 4. Etapa, análise das estratégias adotadas em diferentes momentos históricos, em diferentes contextos vividos pelo museu; 5. Etapa, avaliação da estrutura física e de recursos humanos. ****Ainda que não aprovado pelas instâncias superiores da USP, o museu possui texto redigido e discutido pelo Conselho Técnico Administrativo da FMVZ. Atualmente, o regimento está em processo de atualização dentro da nova realidade universitária. Mas o que mais importava no momento da elaboração do diagnóstico era a identificação da intenção regimental e a localização do percurso traçado para este fim pela administração da faculdade para o museu. *****No Brasil, além do MAV, existem mais cinco museus em atividade dessa tipologia, a saber: Museu de Anatomia Comparada da Universidade Federal da Bahia; Museu de Anatomia Animal Comparada da Universidade Federal de Viçosa; Museu Itinerante de Anatomia Animal da Universidade do Vale do São Francisco; Museu de Anatomia Comparada da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Museu de Anatomia Veterinária da Universidade de Brasília. ******A Fundação Parque Zoológico de São Paulo e a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo têm sido os mais importantes e principais parceiros na doação de exemplares de animais silvestres, permitindo a diversificação e enriquecimento das coleções do museu. 52 Após o cumprimento destas cinco etapas foi possível identificar o MAV como um museu universitário de pequeno porte, com proposta de um regimento próprio**** , portador de ricas e diversificadas coleções de pesquisa, com vocação educativa na Medicina Veterinária. Mais precisamente, foi possível defini-lo como um museu especializado na formação de coleções, salvaguarda, pesquisa e divulgação dos conhecimentos referenciais sobre a Anatomia de Animais. Concluímos se tratar de um museu de pequeno porte em função da dimensão do seu acervo (aproximadamente 1,1 mil peças), do edifício (475 m2), da equipe (cinco servidores) e do público visitante (em 2010, cerca de 3,5 mil visitantes). O resultado do diagnóstico evidenciou o seu grande potencial: o acervo [3]. Embora estivesse com as informações documentais desatualizadas, foi possível constatar a riqueza da representatividade da Medicina Veterinária e o valor educativo das coleções do MAV. O seu acervo o torna singular dentre os existentes em território nacional. Não há muitos museus dessa tipologia no Brasil e todos são vinculados a instituições universitárias de Medicina Veterinária *****[5]. No entanto, o acervo se mostrou extremamente rico e diversificado, com importantes exemplares para a compreensão e o ensino na área como um todo, mas em especial à Anatomia de Animais. Além do acervo constituído, existe a possibilidade de incremento dessas coleções por meio da associação com os laboratórios existentes na faculdade, permutas com museus com coleções zoológicas e, principalmente, doações de carcaças de animais oriundas de diferentes zoológicos de São Paulo ******. A representatividade de espécies, espécimes, seções de exemplares, órgãos, seções de órgãos e de técnicas de conservação é ímpar dentre os museus desta tipologia no Brasil. Este é o mais alto valor do museu apontado pelo diagnóstico: a exclusividade de seu acervo (Figura 1, Figura 2 e Figura 3). Figura 1 – Articulações desidratadas de membros anteriores de Equino. Foto: Ronaldo Aguiar, ago. 2010. Fonte: Acervo MAV FMVZ-USP. Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 2 – Coração canino fixado em formol. Foto: Ronaldo Aguiar, ago. 2010. Fonte: Acervo MAV FMVZ-USP. Figura 3 – Osteologia de um filhote de girafa, preparada por meio da maceração. Foto: Ronaldo Aguiar, ago. 2010. Fonte: Acervo MAV FMVZ – USP. O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 53 O diagnóstico destacou a ausência de um plano de comunicação, mas, sobretudo, a precariedade nas estruturas físicas do MAV: o museu possui uma área muito pequena para o desempenho de suas atribuições; o acervo está comprimido no espaço, não havendo reserva técnica; precário espaço para preparação de peças e sem área administrativa. A exposição existente em 2010 não possuía um plano expositivo, muito menos um roteiro de visitação, os objetos não estavam devidamente identificados e não havia um projeto educativo. Em resumo, o diagnóstico aplicado ao MAV mostrou um dado positivo e dois negativos – o acervo, o edifício e a comunicação museológica, respectivamente. A partir deste resultado – como reconhecimento do território – foi possível traçar com maior clareza e segurança o novo caminho para a gestão do museu. Ele foi estruturado em três etapas temporais, sendo elas: 1. Curto prazo (dois meses): adequações mínimas e essenciais no edifício; criação de uma imagem para o museu; montagem de nova exposição; criação e disponibilização de nova página eletrônica e início da implantação de um sistema de ações integradas. 2. Médio prazo (dois anos): aperfeiçoamento da exposição; desenvolvimento do projeto educativo; atualização da documentação do acervo; aumento ordenado de exemplares nas coleções; implantação do regimento; desenvolvimento de um plano museológico e elaboração de um projeto arquitetônico para o novo museu. 3. Longo prazo (cinco anos): construção de um novo edifício; implantação do Museu de Medicina Veterinária da FMVZ-USP e início de um novo ciclo de atividades. Para sanar as questões emergenciais foram feitos ajustes essenciais na edificação, tais como: manutenção no telhado; pintura nas paredes, no piso e no teto; reparos elétricos e instalação de divisórias de ambientes. Paralelamente, foi desenvolvida uma proposta de comunicação museológica com base na criação de uma marca para o museu e de um projeto expositivo. Este conjunto de ações propiciou o funcionamento minimamente adequado. Como resultado deste processo surgiu a exposição intitulada Dimensões do corpo: da anatomia à microscopia, aberta ao público dois meses após o início do diagnóstico. O projeto da nova exposição reorganizou o acervo existente, dentro do espaço disponível, a partir de um roteiro estruturado em seis módulos expositivos, a saber: “A FMVZ da USP e sua história”; “O que é Anatomia Comparada”; “Origem e diversidade das espécies”; “Anatomia dos órgãos e sistemas”; “Osteologia e Morfologia”. O projeto expográfico partiu do reaproveitamento do mobiliário expositivo, mas no contexto de uma nova identidade visual, desdobrada na comunicação do museu a partir de uma logomarca ( Figura 4, Figura 5 e Figura 6). 54 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 4 – Reparos na edificação do MAV. Foto: Maurício Cândido da Silva, set. 2010. Fonte: Acervo MAV FMVZ-USP. Figura 5 – Logomarca desenvolvida por Danilo Leite, da Dfuse Design para o MAV, a partir de programa desenvolvido por Maurício Cândido da Silva, set. 2010. O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 55 Figura 6 – Plano com roteiro expositivo desenvolvido para a exposição de longa duração do Museu de Anatomia Veterinária, ago. 2010. *******Todos estes aspectos foram enumerados e detalhados em um documento intitulado Programa para projeto arquitetônico do novo prédio para o Museu da FMVZ da USP. 56 Embora seja uma exposição de longa duração, ela possui um caráter transitório, pois as perspectivas gerais para o MAV são mais complexas e promissoras: uma nova estrutura administrativa e operacional para o museu, incluindo um novo edifício, para o desempenho completo e adequado de suas atribuições. A transposição de um Museu de Anatomia Veterinária para um Museu de Medicina Veterinária – incluindo os diversos campos desta ampla área do conhecimento – vai além da Anatomia. Dessa forma, as ações desenvolvidas em médio prazo devem claramente servir às ações de longo prazo, com caráter de maior consistência, durabilidade e definição do museu, incluindo a transformação de seu pequeno porte para médio. Essa caracterização foi fundamental na modelização do método empregado e na modulação de um Programa de Trabalho, sustentáculo do sistema de ações museológicas. Levando em conta o histórico do MAV e as perspectivas futuras, a metodologia de trabalho implantada adquiriu assim um caráter transitório, dinamizando o museu e o preparando para as desejadas transformações. O planejamento para o novo edifício deveria incluir novas e modernas instalações físicas, tais como laboratórios de preparação de peças, reservas técnicas, salas expositivas especialmente desenhadas, recursos expográficos atualizados, acessibilidade total, espaços educativos e recursos humanos capacitados para o pleno desempenho de suas atividades******** . Em função disso, o sistema de ações museológicas adquiriu um caráter tanto experimental para o presente momento quanto basal para o futuro. Disso resultou uma metodologia de planejamento e ações dentro de Programas de Trabalho modulares, permitindo a inclusão ou remoção de novas ações sem a necessidade da completa mudança do sistema de trabalho, que adotou a exposição como pilar central de seu funcionamento. Metodologicamente, sua definição é de um sistema de inter-relação entre Programas de Trabalho que compõem a rede de ações do Museu de Anatomia Veterinária. Trata-se de uma metodologia que visa a garantir a conexão de todas as ações que envolvem um museu especializado na formação de coleções, salvaguarda, pesquisa e divulgação dos conhecimentos Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 referenciais sobre a Anatomia de Animais. Por sua vez, os Programas de Trabalho são definidos como módulos unitários contentores de ações correlacionadas. Neste momento foram definidos cinco grupos, sendo eles: Programa de Comunicação (central); Programa Educativo; Programa de Acervo; Programa de Treinamento; Programa de Inovação. O objetivo dessa estratégia é gerar a melhor funcionalidade de uma estrutura organizada, tal qual o sistema de um organismo vivo, especialmente para este museu. Uma visão esquemática e sucinta pode ser observada abaixo (Figura 7). Esta estratégia tem sido desenvolvida nestes dois anos da nova gestão do MAV. Ela é a base metodológica de trabalho, cujos princípios são norteados pela orientação sistêmica das ações programáticas de um museu universitário, pertencente a uma unidade de ensino e pesquisa, com uma missão pautada pela formação de coleções, salvaguarda, pesquisa e comunicação, mas, sobretudo, pela preservação da Anatomia Veterinária como área de saber e como acervo. R E S U LTA DO S Algumas das ações planejadas tiveram resultados parciais. No entanto, é possível considerar que a estratégia de trabalho estruturada por programas modulares tem se mostrado apropriada para a realidade do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP com indicadores satisfatórios. Como resultado de um diagnóstico e de uma visão sistêmica das ações desenvolvidas no museu, os Programas de Trabalho organizam em grupos equivalentes as diferentes estratégias de musealização da Anatomia Veterinária, orientando os projetos presentes e as perspectivas futuras. Os resultados da implantação do novo sistema de trabalho, entre julho de 2010 e setembro de 2012, levam em consideração o papel central de sua exposição de longa duração, Figura 7 – Esquema do sistema de ações do MAV, centrado na exposição de longa duração, destacando os Programas de Trabalho. Diagramação: Maurício Cândido da Silva, jan. 2012 O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 57 ********Segundo o Código de Ética do Comitê Internacional dos Museus, revisado na 21ª Assembleia Geral do ICOM, realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8 de outubro de 2004, “os museus são instituições permanentes, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, preservam, pesquisam, comunicam e expõem, para fins de estudo, educação e lazer, os testemunhos materiais e imateriais dos povos e seus ambientes” [8] (grifo nosso). ******** A nova exposição foi inaugurada no dia 11 de setembro de 2010 e, para a sua preparação o museu ficou fechado durante três meses, o que influenciou na taxa anual de visitação daquele ano. 58 sendo mensurados por indicadores quantitativos de cada um dos Programas de Trabalho. Será destacado, primeira e principalmente, o volume de visitantes recebido pelo museu neste biênio, devido não só ao papel central desempenhado pela exposição aberta à visitação, mas também por conta da assimilação do MAV como um serviço de extensão universitária, dada sua importância na socialização do conhecimento científico. Sendo assim, a sua função social é assumida como fundamento que justifica sua existência********. Esta definição é importante na medida em que auxilia na classificação do seu plano de ação. Malgrado seu pequeno porte, apontam para a alta demanda e reais condições de crescimento do MAV o seu histórico, a possibilidade de crescimento de suas coleções, a especificidade e infrequência dessa tipologia de museu, bem como a crescente procura escolar e de interesse geral por informações sobre a Medicina Veterinária. Essa perspectiva ganhou grande apoio administrativo não só por conta do seu mérito, mas também por conta da implantação da Praça dos Museus que passou a ser construída na Cidade Universitária (Figura 8). Fatores endógenos e exógenos estimulam o seu crescimento. O seu público central é bastante definido, constituído por professores e alunos de diferentes níveis escolares – do Fundamental I até a pós-graduação –, com destaque para o Ensino Médio, que busca orientação para formação, e o Ensino Superior, nas áreas de Medicina Veterinária e Biociências, através de aulas práticas no museu. Neste contexto de audiência, assimilando a divulgação cientifica como campo de atuação do MAV e a implantação de uma metodologia baseada em Programas de Trabalho, foi possível contar com uma estratégia mais definida de comunicação para os diferentes tipos de visitantes pertencentes ao seu campo de interesse. Foram agregados ao plano de comunicação materiais impressos e uma interface museu-público por meio de uma nova página eletrônica na internet, que cumprem a missão de divulgar e atrair visitantes ao museu. Reforçando o perfil institucional, as novas ações consolidaram a constituição do público de visitantes e usuários (Gráfico 1). A avaliação dos resultados dessa estratégia revela um caminho que parece ser promissor, pois verificamos um significativo aumento no número de visitantes em 2011, comparado aos três anos anteriores (Gráfico 2 e Gráfico 3)*********. Os dados de 2012 ainda não estão finalizados, mas verificamos que de janeiro a setembro, o museu recebeu 5.178 visitantes. É possível afirmar este número ultrapassará a casa dos 6 mil, meta estipulada para este período. Ou seja, com a nova metodologia, em dois anos, foi possível aumentar a visitação ao MAV em mais de 70%. Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 TIPOLOGIA Gráfico 1 Amostragem do perfil de visitanteDE doVISITAÇÃO MAV durante o ano de 2011. 26,5% Grupos escolares Público espontâneo 73,5% Grupos escolares Público espontâneo Gráfico 2 Número de visitantes do MAV por ano. 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 5320 3661 2008 4185 2009 3460 2010 2011 O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 59 Gráfico 3 Variação percentual de visitantes ao MAV por ano. 80% 60% 40% 20% 0% -20% -40% 2008 ********* Em 2012, o MAV participou de cinco feiras, sendo elas: Feira Internacional de Caprinos e Ovinos; Feira Internacional da Cadeia Produtiva de Carne; Feira de Profissões; Expocavalos e Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Essa participação corresponde à montagem de uma vitrina dentro do estande com exposição de exemplares do MAV, serviço de monitoria e distribuição de folhetos do museu. 60 2009 2010 2011 Isso não basta como um indicador de bons resultados, pois é necessário mensurar os diferentes aspectos de apropriação das informações apresentadas no programa de comunicação aos visitantes, principalmente junto aos professores que trazem seus alunos. Já demos início a esse processo e, em 2013, teremos mais elementos para a realização de uma avaliação mais completa. Além disso, desde maio de 2012, temos acompanhado de perto o desempenho da nova página eletrônica do museu, (<http:// www.mav.fmvz.usp.br>), inaugurada em 2010. Ainda que somente em língua portuguesa, esta interface tem se mostrado extremamente eficaz, com média de 560 acessos mensais. É preciso disponibilizá-la em outros idiomas, inserindo assim o MAV nos processos de internacionalização estimulados pela própria administração universitária. Além destas duas categorias de visitantes e usuários, presenciais e virtuais, temos uma terceira, o público das feiras da FMVZ. Em 2012, atingimos a cifra de 30 mil visitantes indiretos .********* A estratégia de Programas de Trabalho para as ações desenvolvidas no MAV também auxilia na equivalência da distribuição das ações preservacionistas, orientando as atividades em todos os cinco campos especificados nestes dois anos de existência. Além do Programa de Comunicação, que impulsionou o aumento do número de visitantes, obtivemos resultados satisfatórios em quase todas as ações nos demais programas, tal como apresentado na relação a seguir. Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 1. Programa de Acervo: aquisição e produção de novas peças para o museu e início da atualização da documentação das coleções; 2. Programa Educativo: sistema de agendamento de visitas e plano de monitoria; 3. Programa de Treinamento: estágios oferecidos e formação profissional; 4. Programa de Inovação: exposição, edifício, acervo e gestão. O resultado dessa metodologia de trabalho, caracterizada pela modulação dos Programas de Trabalho, permite afirmar que se trata de um adequado sistema de gestão para museus como o MAV, permitindo um amplo mapeamento das diferentes ações planejadas e executadas. Por meio deste mapeamento, é possível tornar o planejamento mais objetivo, mensurando os resultados e redirecionamento das ações, quando necessário. A maleabilidade da modulação tem se mostrado bastante adequada para um plano sistêmico que, por ser dinâmico, necessita de constantes ajustes, sem que haja perda de sua essência. Lembrando que o núcleo central definido para o MAV tem sido a formação de coleções, salvaguarda, pesquisa e divulgação dos conhecimentos referenciais sobre a Anatomia de Animais e que o Programa de Comunicação é o pilar central das ações programáticas, é possível afirmar, segundo os resultados obtidos até o presente momento, que a metodologia sistêmica de trabalho é bastante adequada. D I S C U S S ÃO Entendemos os resultados desse método como uma importante etapa para a transformação do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP e para a realização de seu planejamento em longo prazo. Além do crescimento físico de seu porte, trata-se de uma mudança de procedimentos de trabalho, dentro de uma perspectiva de novos padrões, atuais e dinâmicos, visando à elaboração e a implantação de seu Plano Museológico e sua inserção nos parâmetros recomendados pela Política Nacional de Museus. Nesse sentido, os resultados alcançados apontam para a importância da profissionalização e constante aprimoramento dos recursos humanos, da melhoria das instalações, do estabelecimento de um contínuo diálogo com os professores que levam seus alunos e a atualização da salvaguarda do acervo. Somente assim, na integridade destas ações, o MAV participará de forma incisiva no campo da preservação patrimonial. Nesse momento, estamos preparando o caminho para esta ação maior. Ou seja, é fundamental a existência de um Programa de Inovação atuante em todas as etapas do sistema de ações museológicas, de forma a garantir o progresso em todas as áreas de atuação do museu, impulsionando-o ao contínuo aprimoramento e na realização das suas funções de formação, salvaguarda, pesquisa e divulgação dos conhecimentos referenciais sobre a Medicina Veterinária. O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 61 CONCLUSÕES A estrutura modular vem permitindo ajustes e melhorias nos cinco Programas do MAV, sem alteração da proposta conceitual, seja como resultado de novas aquisições de acervo, aperfeiçoamento da linguagem expositiva, plano de monitorias, oferecimento de estágios ou mesmo por orientação da demanda pública. Neste último caso, o que tem contribuído de forma mais intensiva é a adequação do Programa Educativo do MAV ao currículo escolar, buscando um diálogo mais próximo com as escolas. Assim, podemos considerar que a difusão científica praticada tem os Programas de Trabalho como sistema neurológico e a exposição como sua coluna cervical de um corpo em estruturação. Essa tem sido a nossa estratégia para a renovação deste museu. Neste momento, estamos consolidando as estratégias adotadas e avançando na implantação dos programas planejados. Uma avaliação continuada apresentará um quadro de modificações e adições necessárias em nossos projetos. É necessário considerar para a divulgação científica no MAV que toda exposição em um museu universitário tem por princípio a extensão cultural de suas pesquisas. A democratização do acesso a essa categoria de informação é uma bandeira que essa tipologia de museu carrega, pois sua função primordial é tornar público o conhecimento gerado nos laboratórios de pesquisa dentro das universidades. A exposição é um espaço dedicado à interatividade, multiplicidade de ideias e debates. O possível resultado dessa experiência é o exercício da cidadania, no qual o sujeito (visitante) tem a oportunidade de se apropriar de um conhecimento científico e aplicá-lo ao seu cotidiano. Como um museu especializado na formação de coleções, salvaguarda, pesquisa e divulgação dos conhecimentos referenciais sobre a Anatomia de Animais, o MAV aborda aspectos relacionados à saúde dos animais e das próprias pessoas, estimulando o visitante a refletir e intervir nos processos de reconhecimento do corpo e seu cuidado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BOTTALLO, M. Poder, cultura e tecnologia: o museu de arte e a sociedade de comunicação. Novos Olhares, São Paulo, v. 10, n. 19, p. 4-16, 2007. [2] BOYLAN, P. J. (Org.). Como gerir um museu: manual prático. Paris: UNESCO, 2004. 259 p. [3] CERAVOLO, S. M. Proposta de sistema de informação documentária para museus (SIDIM): a organização da informação para o Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. 1998. 125 f.. Dissertação (Mestrado em Biblioteconomia e Documentação) Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. [4] DUARTE CANDIDO, M. Diagnóstico museológico: estudos para uma metodologia. In: SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO EM MUSEOLOGIA DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E ESPANHOLA, 1., 2010, Porto. Actas... Porto: Universidade do Porto, 2010. v. 3, p. 124-132. 62 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 [5] INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Guia dos museus brasileiros. Brasília: IBRAM, 2011. 592 p. [6] LOURENÇO, M. C. Between two worlds: the distinct nature and contemporary significance of university museums and collections in Europe. 2005. 432 f. 2 v. Tese (Doutorado)-Conservatoire National des Arts et Métiers, Paris, 2005. [7] SILVA, M. C. da. Christiano Stockler das Neves e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. 2006. 274 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. [8] UNESCO. International Council of Museums. Código de ética do ICOM para museus: versão lusófona. Tradução: Comitê Brasileiro e Comitê Português do ICOM. International Council of Museums: Comitê Brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. 29 p. [9] VOGT, Carlos (Org.). Cultura científica: desafios. São Paulo: EDUSP; São Paulo: FAPESP, 2006. 232 p. [10] WITTLIN, A. S. The Museum: Its history and its tasks in education. London: Routledge & K. Paul, 1949. 297 p. Ilustrado. AGRADECIMENTOS Agradeço a Marilúcia Bottallo pela cuidadosa revisão e comentários. Agradeço também aos professores e amigos Francisco Javier Hernandez Blazquez e José Antonio Visintin, pelo acolhimento, confiança e incentivo ao desenvolvimento deste importante Museu. mestre e doutorando em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), especialista em Museologia e responsável pela seção de preparação e conservação de peças do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87 – CEP 05508-270 – Cidade Universitária – São Paulo-SP – email: [email protected]. Maur í cio C â ndido S ilva O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ-USP: Proposta e Análise de um Método Sistêmico 63 64 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana Training Public Managers in Management of Urban Forestry Residues R esum o Este trabalho apresenta um relato do processo de difusão da tecnologia gerada no programa de pesquisa Gestão de Resíduos da Arborização Urbana, desenvolvido no Laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ-USP. A gestão de resíduos da poda e remoção é um problema para grande parte dos municípios do estado de São Paulo. Estudos anteriores realizados por esse grupo de pesquisa apontaram a necessidade de instrumentos que pudessem contribuir para a melhor formação de gestores públicos na elaboração dos planos de gerenciamento de resíduos da arborização urbana. Foi utilizada uma abordagem por foco na estruturação do conteúdo, organizado na forma de um manual técnico e considerando os diferentes portes e modelos administrativos dos municípios participantes. As oficinas foram organizadas de forma a integrar os municípios de cada região administrativa do estado, visando promover uma interação entre os técnicos, propiciando um ambiente favorável à continuidade da troca de informações e experiências. No total, no período de agosto de 2010 a junho de 2011, foram realizadas 4 oficinas, atendendo 52 municípios do estado, com 89 participantes, sendo 21% secretários municipais de meio ambiente, 70% técnicos na área, e os demais, técnicos operacionais, prefeitos e vice-prefeitos, dentre outros. Palavras-chave: Gestão de resíduos. Resíduos florestais. Silvicultura urbana. A driana Maria Nol asco, A na Maria de Meira e R enata Carolina Gatti A bstract This paper presents an account of the diffusion of technology generated in the research program “Waste Management of Urban Forestry”, developed at the Laboratory of Mobile and Waste Department of Forestry Forest Sciences ESALQ-USP. The management of waste from pruning and removal is a problem for most municipalities of São Paulo. Earlier studies by this research group, noted the need for instruments that can 65 contribute to better training of public managers in planning for waste management of urban trees. We used an approach focused on the structuring of content, organized in the form of a technical manual, and considering the different sizes and administrative models of the participating municipalities. The workshops were organized to integrate the municipalities in each administrative region of the state, to promote integration between technical experts, providing a favorable environment for the continued exchange of information and experiences. In total, from August 2010 to June 2011, four workshops were held, serving 52 municipalities in the state, with 89 participants, 21% municipal secretaries of the environment, 70% technicians, and other technical operating, mayors and vice-mayors, among others. Keywords: Waste management. Forest residues. Urban silviculture. I N T R OD U ÇÃO A partir da década de 1990, especialmente após a Rio 92, as questões am- bientais ganharam cada vez maior importância na gestão municipal, levando a uma redefinição de ações e responsabilidades. O município passa a ser um local privilegiado no tratamento dos problemas ambientais que afetam diretamente a qualidade de vida da população, resultado da aplicação do princípio “Pensar Global, Agir Local” e de uma série de políticas públicas como a Agenda 21, o Projeto Ambiental Estratégico Município Verde Azul, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, recentemente aprovada. É no território municipal que se manifestam os problemas ambientais e ao poder público municipal é delegada a responsabilidade pela solução de boa parte desses problemas. A gestão ambiental municipal se estrutura com a definição e implementação de políticas públicas, planos e programas de gestão voltados para a solução de problemas específicos como o tratamento do esgoto sanitário, a redução e disposição do lixo, a arborização urbana, a recuperação de áreas degradadas, o uso da água e do solo, a educação ambiental e o controle da poluição do ar, dentre outros. A política define as diretrizes gerais, os princípios que nortearão as ações, as prioridades e a estrutura organizacional, financeira e legal dos municípios, sempre em consonância com a política e a legislação estadual e federal. Já os planos de gerenciamento traduzem esses princípios gerais para as formas práticas de ação, articulando atividades técnicas, educativas, organizacionais, dentre outras, para a minimização ou solução total dos problemas, favorecendo uma maior sustentabilidade do ecossistema urbano. Para que os governos municipais encontrem soluções viáveis do ponto de vista ambiental, social e econômico para os problemas ambientais é fundamental o entendimento preciso desses problemas, a definição de prioridades, o conhecimento de técnicas adequadas para seu enfrentamento, um comportamento institucional criativo, proativo, inovador e rapidez nas decisões políticas. É indispensável, ainda, a participação popular, de forma que o poder público compartilhe com a comunidade local as responsabilidades pelas decisões e implementação das ações. 66 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Assim, o enfrentamento dos problemas ambientais deixa de ser tratado de forma pontual e passa a ser abordado de maneira sistêmica, com base em ações integradas, monitoradas e participativas. A poda e a remoção são práticas necessárias para o bom desenvolvimento das árvores nos espaços urbanos e sua compatibilização com os outros usos das vias públicas e espaço aéreo das cidades [7]. Entretanto, os resíduos dessas práticas podem se tornar um sério problema, a menos que a administração municipal disponha de um plano de gerenciamento de resíduos adequado às condições locais. Em países como Alemanha e Estados Unidos, os resíduos da arborização urbana raramente são destinados a aterros. Em sua maior parte são transformados em matéria-prima ou em produtos como pellets para energia, composto orgânico e pequenos objetos de madeira. Já no Brasil, a maioria das administrações municipais não sabe sequer quanto resíduo de arborização urbana é gerado em um determinado período de tempo e não conhece as características desses resíduos e seu potencial de valorização. Normalmente, o material é encaminhado para aterro ou lixão ou fica a cargo do cidadão a sua destinação. Nesse caso, a queima a céu aberto e o descarte em terrenos baldios, beiras de estradas e cursos d’água são as formas mais comuns de destinação. Essas formas de destinação representam sempre um risco, contribuindo para a degradação da paisagem urbana, redução na qualidade do ar, problemas de saúde pública e inutilização de matéria-prima que poderia ser usada em atividades econômicas capazes de gerar novos postos de trabalho e renda, resultantes do surgimento de negócios locais [5]. Poucos municípios têm inovado nas formas de abordagem do problema e aproveitado esses resíduos para diferentes fins, transformando com criatividade um problema em oportunidade. A gestão dos resíduos da arborização urbana é de responsabilidade do poder público municipal, cabendo a ele a elaboração e implementação do plano de gerenciamento. Um plano de gerenciamento bem elaborado evita gastos desnecessários com armazenagem, transporte, tratamento, disposição final e remediação de impactos negativos causados pela adoção de soluções inadequadas. Ações pontuais, sem planejamento e sem compromisso, não costumam dar bons resultados ou ter continuidade e isso prejudica a imagem do governo municipal e do próprio município. O plano permite a implementação das ações de forma articulada ao longo do tempo, independente da política partidária. Isso resulta em maior segurança para o cidadão sobre a aplicação dos recursos e a qualidade dos serviços recebidos. Esse é o contexto no qual se estruturou a oficina Formação de Gestores Públicos: Gestão de Resíduos da Arborização Urbana, oferecida pelo Laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ-USP, relatada neste trabalho. Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana 67 HISTÓRICO Uma característica marcante nas atividades científicas do Laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais da ESALQ-USP é o desenvolvimento, predominantemente, de pesquisa aplicada. Esse tipo de pesquisa tem como principal motivação a produção de conhecimento para aplicação mais ou menos imediata na solução de problemas concretos [1,2]. A definição do problema de pesquisa nasce, assim, da observação e reflexão sobre a realidade e atrelado à necessidade de difusão dos seus resultados para a sociedade. O desenvolvimento de um modelo de gestão para resíduos da arborização urbana teve início em 2008, a partir da demanda de várias prefeituras do estado que procuravam o laboratório buscando soluções para a correta disposição dos resíduos, o que resultou numa série de projetos integrados em um programa de pesquisa. A partir dessa demanda social e dada a escassez de informações e trabalhos científicos que ajudassem a responder à questão, o problema foi proposto como estudo de caso na disciplina LCF 699, Gerenciamento de Resíduos Florestais, do curso de graduação em Engenharia Florestal. Esse trabalho resultou num diagnóstico sobre as soluções de manejo dos resíduos da arborização urbana adotadas pelas prefeituras no estado de São Paulo, publicado posteriormente no 16º Simpósio Internacional de Iniciação Científica da Universidade de São Paulo (SIICUSP). Nesse mesmo ano, iniciou-se o projeto de pesquisa Gestão de Resíduos da Arborização Urbana, que teve por objetivo quantificar e caracterizar os resíduos da poda e remoção de árvores no município de Piracicaba (SP), avaliar a possibilidade de valorização em diferentes produtos e analisar o modelo de gestão adotado pela prefeitura municipal; a partir dessas informações detalhadas, desenvolver um sistema de gerenciamento que pudesse servir como modelo para os demais municípios, considerando as peculiaridades locais. Esse projeto resultou na tese de doutorado da engenheira florestal Ana Maria de Meira, pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais da ESALQ-USP [5]. Paralelamente, um grupo de estagiários e pós-graduandos do Laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais trabalhou no desenvolvimento de produtos a partir dos resíduos madeireiros. Nesse projeto – que contou com apoio dos programas Aprender com Cultura e Extensão e Ensinar com Pesquisa, ambos da USP – foram realizados estudos de caracterização física da madeira das dez espécies mais utilizadas na arborização do município de Piracicaba. Foram desenvolvidos brinquedos e objetos utilitários e decorativos que permitissem o uso dos resíduos madeireiros dos galhos e fustes como matéria-prima para os projetos municipais de capacitação para o trabalho e para o fomento de pequenos empreendimentos [3,4,6]. Os resultados desse projeto foram difundidos para a comunidade local através da Oficina de Aproveitamento de Resíduos da Arborização Urbana, financiada pelo Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão da USP (FICEx), atingindo principalmente aos agentes multiplicadores vinculados a ONGs e aos programas da própria prefeitura municipal. Um estudo específico, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), tratou do desenvolvimento de um modelo de gerenciamento 68 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 adequado à realidade dos pequenos municípios, carentes em recursos financeiros e principalmente em recursos humanos capacitados. Após três anos de construção e consolidação de conhecimento na área, foi elaborado o projeto Oficina de Formação de Gestores Públicos: Gestão de Resíduos da Arborização Urbana, que também contou com o apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, através do FICEx, com o objetivo de difundir o modelo de gestão desenvolvido nos projetos, capacitando os técnicos para aplicação em seu município. OBJETIVOS Através de oficinas técnicas de curta duração, propôs-se: 1. Capacitar os técnicos das prefeituras dos municípios do Estado de São Paulo, responsáveis pela gestão de resíduos sólidos urbanos, no desenvolvimento de planos de gerenciamento de resíduos da arborização urbana; 2. Criar uma rede social que possibilitasse a troca de experiências entre os participantes, a partir da realidade administrativa de cada município; 3. Promover o estreitamento das relações entre a universidade e as prefeituras municipais e a integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão na solução de problemas apresentados pela sociedade. C O N T E Ú DO E M É T ODO D E D E S E N V O LV I M E N T O D A S O F I C I N A S As oficinas tiveram sua estrutura organizada em dois módulos de quatro horas de duração, totalizando oito horas de atividade. No primeiro módulo, os participantes foram apresentados ao problema e à base conceitual necessária para o perfeito entendimento da questão. No segundo módulo, os participantes discorreram brevemente sobre os problemas e oportunidades identificados no manejo dos resíduos no seu município. A partir dessa realidade trazida pelo grupo, foi apresentado e discutido o método proposto para elaboração do plano de gerenciamento, baseado em políticas públicas e ações integradas que permitam a redução da geração, a valorização dos resíduos gerados e a disposição como solução emergencial. Na estruturação das informações e conteúdo foi utilizada uma abordagem por foco, organizada na forma de um manual técnico. As oficinas foram organizadas, ainda, de forma a integrar os municípios de cada região administrativa do estado, visando promover uma integração entre os técnicos, propiciando um ambiente favorável à continuidade de troca de informações e experiências. Dessa, forma, cada oficina foi oferecida para um grupo de municípios de uma dada região administrativa. As oficinas foram divulgadas através de convites com o programa enviados diretamente para cada prefeitura. Posteriormente, foram identificadas as secretarias responsáveis pelos serviços de arborização, poda, remoção e gestão de resíduos sólidos e encaminhado convite diretamente aos técnicos da área. Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana 69 Foram realizadas quatro oficinas com oito horas de duração cada, focando principalmente as regionais administrativas de Campinas, São Carlos/Araraquara, Ribeirão Preto e Sorocaba. Ao final de cada encontro realizou-se uma avaliação; com isso, foi possível, durante o seu desenvolvimento, aprimorar o processo de capacitação e o próprio modelo de gerenciamento proposto, que foi ajustado ao longo dos encontros, através da confrontação com as diferentes realidades dos municípios. MÓDULO 1 – BASE CONCEITUAL O módulo foi conduzido pela profa. dra. Adriana Maria Nolasco e o programa priorizou a consolidação de conceitos e conhecimentos fundamentais para a elaboração de planos de gerenciamento de resíduos. Foi abordado o conceito de resíduo a partir do senso comum, das definições legais e normativas, assim como suas implicações prático-funcionais. Isso permitiu a discussão sobre as responsabilidades do técnico e do poder público em relação às soluções adotadas e as questões éticas envolvidas na gestão de resíduos. Uma análise histórica sobre a evolução dos modelos de gestão de resíduos permitiu identificar os árbitros na condução desses processos, as soluções priorizadas em cada modelo e as consequências ambientais, sociais e econômicas da implementação dessas soluções. Foram discutidos os desafios para se elaborar e implementar planos de gerenciamento de resíduos nos municípios e ações para sua viabilização, considerando as limitações financeiras e de recursos humanos, os interesses políticos e a falta de continuidade das ações propostas em função da dinâmica eleitoral. Foi objeto de discussão a responsabilidade da administração municipal, do setor privado e do cidadão, de acordo com princípios éticos e determinações legais. Por fim, foi apresentado o método e os princípios gerais para elaboração de planos de gerenciamento de resíduos. M Ó D U L O 2 – E L A B O R A ÇÃO D E P L A N O S D E G E R E N C I A M E N T O D E R E S Í D U O S D A A R B O R I Z A ÇÃO U R B A N A Esse módulo foi conduzido pela dra. Ana Maria de Meira e tratou da apresentação do método proposto para elaboração dos planos de gerenciamento de resíduos da arborização urbana e, de forma interativa, de todos os pontos que compõem o plano e sua relação com a estrutura política e administrativa dos municípios. O plano é composto pelas seguintes atividades: 1. Definição da equipe coordenadora da elaboração e implementação; 2. Definição dos objetivos gerais do município em relação ao problema; 3. Realização do diagnóstico de geração e caracterização dos resíduos; 4. Definição de prioridades de ação; 5. Definição de metas para cada prioridade; 6. Seleção das ações/soluções a serem implementadas para se atingir cada meta; 70 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 7. Organização das ações em programas integrados de redução da geração, valorização e tratamento e disposição; 8. Procedimentos para implementação; 9. Procedimentos para monitoramento dos programas/ações; 10.Reformulação para melhoria constante do plano. R E S U LTA DO S O B T I DO S Ao todo, foram realizadas quatro oficinas, atendendo as regiões administrativas de Campinas, São Carlos/Araraquara, Ribeirão Preto e Sorocaba. Na região de Campinas, houve a participação de 15 municípios e 27 técnicos. Pela região de São Carlos/Araraquara, participaram 7 municípios e 15 técnicos. Por Ribeirão Preto, foram 24 municípios e 38 técnicos. Por Sorocaba, 6 municípios e 9 participantes. Predominou a participação de pequenos municípios – com até 50 mil habitantes – que correspondeu a 63,5% do total, seguidos pelos municípios de grande porte – acima de 100 mil habitantes –, com 23%. Os municípios de médio porte corresponderam a 13,5% dos participantes. A participação predominante de municípios de pequeno porte apontou uma grande carência de soluções e capacitação de recursos humanos em gerenciamento de resíduos sólidos adequadas à realidade administrativa e técnica desses locais. Isso foi, ainda, elucidado pelas discussões durante as aulas. Esses municípios enfrentam grandes desafios políticos e operacionais. Dentre eles, podemos citar: »» A falta de políticas públicas para a arborização urbana. Na maioria dos casos, cabe ao cidadão definir as espécies arbóreas que serão plantadas em frente à sua residência ou estabelecimento comercial/industrial, como podar, quando retirar e a destinação dos resíduos dessas operações. Isso influencia diretamente no volume de resíduos gerados e na sua destinação, o que comumente se faz em algum terreno baldio, beira de estrada e outros locais inadequados; »» A falta de recursos humanos e financeiros para elaborar e implementar programas de gerenciamento de resíduos sólidos de maneira geral. Grande parte desses municípios conta com um ou dois funcionários responsáveis por todas as ações ambientais; »» A despreparo dos políticos (prefeitos, secretários e vereadores) para a definição de leis e políticas públicas eficientes e contínuas, que estabeleçam ações, recursos e responsabilidades na implementação das soluções possíveis. Nos médios municípios, a situação parece ser bastante semelhante. Já nos grandes, identificamos um pouco mais de infraestrutura para elaboração e implementação dos planos de gerenciamento de resíduos da arborização urbana. Em relação à função exercida nas prefeituras, a maioria dos participantes – 70% – fazia parte do corpo técnico responsável pela elaboração de programas de ação e sua operacionalização nas secretarias de meio ambiente; 21 % foram diretores ou secretários de meio ambiente; os demais, funcionários de outros setores, da CETESB, vice-prefeitos Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana 71 e técnicos do Programa Município Verde Azul da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Na avaliação dos participantes, as oficinas propiciaram: estímulo ao desenvolvimento de política municipal para gerenciamento de resíduos da arborização urbana; soluções técnicas para redução da geração e valorização dos resíduos de poda e remoção de árvores, além de mecanismos de monitoramento para uma legislação efetiva; estreitamento da relação entre a universidade e as prefeituras; aproximação entre os técnicos das prefeituras participantes, o que permitiu identificar problemas comuns e possibilidades de solução, baseadas nas experiências já implantadas em alguns municípios participantes. Os primeiros resultados aplicados começaram a surgir. Alguns municípios nos procuraram para sanar dúvidas na elaboração de seus planos e na implementação de algumas soluções, principalmente em projetos de compostagem. A partir dessa primeira experiência, o projeto será expandido visando atingir inicialmente um número maior de municípios do estado de São Paulo. Para isso, estão se estabelecendo parcerias com o Programa Município Verde Azul, com a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (CATI) e com o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA). CONSIDERAÇÕES FINAIS A atualidade do tema, dada a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, e a necessidade de sua implementação nos municípios no curto prazo foram fatores motivadores para a participação no curso. Mais que disseminar conhecimentos acumulados, as oficinas tiveram o importante papel de confrontar o modelo conceitual construído para gerenciamento dos resíduos da arborização urbana, através da pesquisa, com os desafios da realidade política, social, econômica e operacional das prefeituras municipais e profissionais dos técnicos participantes do curso, gerando reelaborações do modelo também como forma de construção do conhecimento científico. Ao mesmo tempo, cumpriu sua função de processo educativo pela via da aprendizagem, produção e disseminação do conhecimento. Despertou o interesse dos alunos de graduação dos cursos de Engenharia Florestal e Gestão Ambiental da ESALQ-USP, integrados ao projeto através de atividades de estágio, iniciação científica e participação na organização das oficinas. O contato com a realidade dos municípios e condições de trabalho dos técnicos mostrou-se um importante instrumento para a construção de uma postura crítica e cidadã para esses alunos, ampliando sua percepção sobre a corresponsabilidade na solução dos problemas ambientais. 72 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] APPOLINÁRIO, F. Dicionário de metodologia científica: um guia para a produção do conhecimento científico. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 304 p. [2] BARROS, A. J. S.; Lehfeld, N. A. S. Fundamentos de metodologia: um guia para a iniciação científica. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 2000. 122 p. [3] GATTI, R. C.; ARTHUSO, J.; NOLASCO, A. M.; ULIANA, L. R. Densidade básica e aparente da madeira de galhos de onze espécies utilizadas em arborização urbana. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA USP, 17., 2009, Piracicaba. Anais... [S.I.: s.n.], [2009?]. 1 CD-ROM. [4] GATTI, R. C.; ARTHUSO, J.; NOLASCO, A. M.; ULIANA, L. R. Aproveitamento dos resíduos da arborização urbana na produção de pequenos objetos de madeira. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA USP, 17., 2009, Piracicaba. Anais... [S.I.: s.n.], [2009?]. 1 CD-ROM. [5] MEIRA, A. M. Gestão de resíduos da arborização urbana. 2010. 179f. Tese (Doutorado em Recursos Florestais)–Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2010. [6] NOLASCO, A. M.; MEIRA, A. M. Quantificação dos resíduos da arborização urbana na cidade de Piracicaba-SP. In: ENCONTRO NACIONAL, 5., ENCONTRO LATINO AMERICANO SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS, 3., 2009, Recife. Anais... [S.I.: s.n.], [2009?]. 1 CD-ROM. [7] PIVETA, K. F.; SILVA FILHO, D. F. Arborização urbana. Boletim Acadêmico. Jaboticabal: UNESP, 2002. 69 p. Série Arborização Urbana. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo que, através do Fundo de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão, financiou as oficinas. A toda a equipe do Laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ-USP que tornou possível a concretização desse projeto. professora doutora do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) – CP 09 – Piracicaba-SP – CEP 13418-900 – e-mail: [email protected]. A driana Maria N olasco engenheira florestal e educadora ambiental do programa USP RECICLA – ESALQ-USP – e-mail: [email protected]. A na Maria de Meira R enata C arolina Gatti graduanda em Engenharia Florestal pela ESALQ-USP – e mail: re- [email protected]. Capacitação de Gestores Públicos em Gerenciamento de Resíduos da Arborização Urbana 73 74 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário Educational Intervention Relating to Routine Measurement of Endotracheal Tube Cuff Pressure at a University Hospital R esum o O suporte ventilatório mecânico invasivo promove benefícios. Entretanto, procedimentos que envolvem sua instituição podem gerar lesões em graus variáveis. A pressão do balonete que envolve o tubo traqueal, impedindo escape aéreo, não deve exceder à pressão de perfusão traqueal nem estar reduzida, a ponto de permitir a passagem de micro-organismos, ocasionando lesões teciduais e pneumonia aspirativa, respectivamente. A vigilância desta pressão como rotina de prevenção de complicações não é realizada em diversas unidades de tratamento intensivo. Assim, enfatizar estratégias preventivas parece ser um modo razoável de minimizá-las. A intervenção educacional objetiva difundir o conhecimento e valorizar aspectos importantes para melhoria da qualidade da assistência em saúde e promover redução das taxas de reintubação, tempo de internação hospitalar, morbi-mortalidade e custos hospitalares. O objetivo foi o de promover uma ação educacional, por meio da divulgação de instrumento informativo não verbal, no ambiente hospitalar. Valores obtidos dentro da faixa de normalidade esperada das pressões de cuff sofreram acréscimo de 11,36% para 20,51% após a intervenção. Assim, o modelo de intervenção educacional atingiu o objetivo esperado, embora seja recomendado e desejável que outras intervenções estejam futuramente associadas, visando complementar e enfatizar a importância da técnica para que haja benefícios mais expressivos neste âmbito. Palavras-chave: Balonete endotraqueal. Intervenção educacional. Equipe multiprofissional. Lívia Pinheiro Carvalho e R osmari A parecida R osa A lmeida de Oliveira A bstract The invasive mechanical ventilation support promotes clear benefits. However, procedures involved in its institution can generate lesions in varying degrees. The cuff pressure surrounding the tracheal tube prevents air leakage and should not exceed tracheal perfusion pressure and should not be reduced also, allowing the passage of 75 microorganisms, causing tissue damage and aspiration pneumonia, respectively. Monitoring this pressure, as prevention routine of pulmonary complications, is not held in various intensive care units. Thus, emphasis on preventive strategies seems to be a reasonable way to minimize them. The educational intervention aims to spread knowledge and promote important aspects to improve the quality of health care and the reduction of reintubation rates, length of hospital stay, mortality and hospital costs. The goal was to promote an educational action, through the dissemination of informative tool nonverbal in a hospital environment. Values within the normal range of expected cuff pressures increased from 11.36% to 20.51% after intervention. Thus, the model of educational intervention reached the expected objective, although it is recommended and desirable that other interventions are associated in the future, to complement and emphasize the importance of the technique so that we could obtain more expressive results in this context. Keywords: Endotracheal cuff. Educational intervention. Multidisciplinary team. I ntr o d u ç ã o Com o advento de técnicas para suporte ventilatório combinadas à traqueos- tomia [22] em 1943, iniciou-se a era moderna da terapêutica respiratória auxiliar do paciente grave. Desde então, observa-se o aumento progressivo de pacientes submetidos ao suporte ventilatório invasivo utilizando intubação endotraqueal ou traqueostomia. No entanto, apesar de seus claros benefícios, o suporte ventilatório pode gerar lesões iatrogênicas de laringe e traqueia em graus variáveis que, por vezes, são de difícil resolução [19]. A despeito das dificuldades de intubação ou uso de tubos inadequados aos diâmetros da glote levar inevitavelmente a lesões traqueais, sabe-se que a pressão exercida localmente por balonetes de tubos traqueais excessivamente insuflados podem gerar ou acentuar lesões já identificadas nas primeiras vinte e quatro horas após a intubação [19]. A árvore traqueobrônquica é muito delicada e o seu contato, mesmo que mínimo, com as cânulas endotraqueais pode determinar lesões em curtos períodos. Neste contexto, é importante ressaltar que, mesmo mantendo a pressão de balonete em valor inferior àquela determinada como limite, pode ocorrer algum grau de obstrução do fluxo de vasos arteriais, venosos e linfáticos da traqueia [8,23,37,42]. Habitualmente, a pressão do balonete que envolve inferior e externamente o tubo traqueal, impedindo o escape aéreo [1,30,37], não deve exceder à pressão de perfusão sanguínea traqueal, bem como não deve estar reduzida, a ponto de permitir a passagem de micro-organismos da orofaringe para a árvore brônquica, ocasionando lesões teciduais e pneumonia aspirativa, respectivamente [10,16,18]. Embora o advento dos tubos endotraqueais com balonete de alto volume e baixa pressão tenha diminuído a frequência das lesões traqueais pós-extubação, este tipo de balonete, quando inflado com grandes volumes, pode alcançar pressões que danificam os tecidos após duas a quatro horas de intubação [28]. Seu balonete acomoda grande volume de ar insuflado antes de aumentar a sua pressão, que deve permanecer entre 20 76 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 e 25 mmHg [3,4], pressão esta menor que a capilar traqueal – 25 a 35 mmHg, ou quando é mensurada em cmH2O, de 20 a 30 [12]. Além da sua regulagem inadequada, os procedimentos que geram manipulação com demandas de pressão local superior ao valor de normalidade, sustentados por tempo superior apenas a 15 minutos [33], podem também gerar lesão traqueal. A pressão contínua neste local produz dilatação e seu enfraquecimento, isquemia, desvitalização da mucosa traqueal e tecidos subjacentes, ulcerações, granulomas, pericondrites, fibrose e consequente estenose; além disso, pode causar erosão de vasos sanguíneos ou outros órgãos vizinhos, com formação de fístulas traqueoinominada ou traqueoesofágica [33,27,35]. Além das consequências anteriormente descritas, outra bastante relevante diz respeito à incidência do laringoespasmo, causa mais comum de obstrução de vias aéreas após a extubação traqueal. De forma geral, o laringoespasmo é considerado um exagero fisiológico do reflexo de fechamento glótico e/ou ausência de inibição do mesmo, de forma intensa e prolongada, o que impede a passagem de ar para os pulmões. O espasmo da laringe é uma complicação potencialmente grave cuja etiologia é multifatorial; contudo, na grande maioria das vezes decorre da manipulação de vias aéreas ou alterações morfofuncionais por lesão prévia [5,6,25,29]. A despeito do tempo de intubação ser um dos fatores mais importantes na patogênese das sequelas laringotraqueais, o controle frequente e adequação do volume da pressão do balonete pode ser um fator importante para prevenir complicações, se for adequadamente contro¬lado, apesar de não ser esta a rotina de diversas unidades, possivelmente pelo desconhecimento ou preocupação real dos intensivistas com esta questão [9,24,31]. O que se observa na rotina hospitalar é que a mensuração da pressão intracuff é, por vezes, negligenciada pelos profissionais da equipe [7,8,42]. Quando a verificação é realizada, geralmente, ocorre pela palpação digital do balonete externo, sendo esta insuficiente e inadequada para detectar alterações da pressão e, portanto, não fidedigna [17,32]. Portanto, faz-se necessária a mensuração da pressão por meio de métodos considerados mais seguros e confiáveis, utilizando um equipamento adequado como o cuffômetro, ou ainda, o manômetro de pressão acoplado a dispositivos de adaptação [7,8,21,42], o qual pode ser utilizado nos casos em que não são disponibilizados os equipamentos convencionais. Em um estudo realizado por Soltoski [40] em 2008, observou-se que, das 1.400 aferições subjetivas consideradas inadequadas pelos profissionais da equipe avaliada e, portanto corrigidas, mais de 71% permaneceram altas, o que faz crer que os profissionais são subjetivamente induzidos a manter a pressão dos balonetes inadequadamente elevada. Para demonstrar que o grau de formação profissional não interfere na qualidade das aferições, Hoffman, Parwani e Hahn [26] avaliaram emergencistas, todos professores experientes. Concluíram que apenas 22% dos emergencistas conseguiram detectar balões hiperinsuflados e a média de pressão de insuflação dos balões ficou acima de 93 cmH2O. Dessa forma, a fim de se evitar os potenciais efeitos deletérios adicionais da instalação de via aérea artificial, a ênfase em estratégias preventivas parece ser um modo razoável Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário 77 de controlar e limitar suas consequências, além daquelas inerentes ao próprio procedimento, por vezes, inevitáveis. Nesse sentido, Couto, Pedrosa e Nogueira [13] descreveram redução nas taxas de pneumonia após quinze dias de treinamento das equipes de enfermagem. A melhoria das taxas de infecção hospitalar refletiu, nesta ocasião, o resultado de uma intervenção educacional e esforços de consciência da equipe multiprofissional. Além da redução da incidência, tal intervenção esteve diretamente relacionada com a diminuição do risco de morte e tempo de internação hospitalar e nas Unidades de Terapia Intensiva e, finalmente, nos custos hospitalares, pela menor administração de antibióticos e permanência hospitalar [43]. Ainda, Babcock et al. [2] utilizaram uma iniciativa educacional para redução da incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), similar à proposta por este estudo, em hospitais nos Estados Unidos. Foi montado um módulo de autoestudo informativo que incluía informações de tópicos relacionados ao tema. Este estudo demonstrou que uma intervenção educacional para participante de cuidados respiratórios e enfermeiros de UTIs diminuiu a incidência de PAV. As organizações de saúde vêm, a cada dia, interessadas em introduzir, bem como manter a qualidade da assistência prestada aos seus clientes. Considerando assim, a aprendizagem como mecanismo de desenvolver estes profissionais para desempenharem suas atividades com segurança, dinamismo e de forma individualizada, acreditando que a mesma contribui de maneira positiva para a organização e para as pessoas às quais é prestada assistência, é fundamental. Os treinamentos como parte do processo de aprendizagem, neste contexto, determinam a redução de custos, a diminuição do absenteísmo e da taxa de rotatividade, a redução de gastos com materiais, a melhora da qualidade do serviço prestado e do grau de satisfação do trabalhador [11]. A educação continuada, na qual se insere a intervenção proposta neste trabalho, é conceituada como o conjunto de experiências subsequentes à formação inicial que permitem ao trabalhador manter, aumentar ou melhorar sua competência, para que esta seja compatível com o desenvolvimento de suas responsabilidades, caracterizando, assim, a competência como atributo individual. Ela é um conjunto de práticas educativas contínuas, destinadas ao desenvolvimento de potencialidades, para uma mudança de atitudes e comportamentos, na perspectiva de transformação de sua prática. Para uma efetiva educação continuada, faz-se necessário direcioná-la ao desenvolvimento global de seus integrantes e da profissão, tendo como meta a melhoria da qualidade da assistência [36]. Acredita-se, desta forma, que o bom desempenho e cumprimento de protocolos e treinamentos são essenciais para a melhoria da qualidade da assistência, uma vez que, embora compreendidas, as medidas definitivas de prevenção ainda não foram alcançadas na sua plenitude. Para o paciente criticamente enfermo, o uso da tecnologia invasiva, muitas vezes, é fundamental. Mas, para o paciente se beneficiar desses avanços tecnológicos, é básico e essencial que os profissionais que o assistem estejam treinados e conscientes da extensão e gravidade da patologia do paciente em terapia intensiva e dos cuidados que podem ser tomados para minimizar as complicações decorrentes de iatrogenias. 78 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Assim, devido à importância do tema abordado, pela evidência na prática clínica de níveis de pressão do cuff admissionais inadequadamente insuflados, pela não disponibilização dos equipamentos necessários para monitoração dessa pressão e por fim, pelo pouco conhecimento dos profissionais da saúde que lidam diariamente com o procedimento de instituição da via aérea artificial, acredita-se que a implementação de intervenção educacional que vise a difundir o conhecimento e valorizar este aspecto, venha a melhorar a qualidade da assistência ao paciente criticamente enfermo submetido ao suporte ventilatório invasivo. OBJETIVO Promover uma ação educacional, por meio da divulgação de instrumento informativo impresso, no ambiente hospitalar, com a finalidade de conscientização e assimilação, pela equipe multiprofissional, de informações relacionadas à pressão do balonete endotraqueal e complicações advindas da sua incorreta manipulação. M É T ODO A proposta do estudo surgiu em decorrência da observação dos níveis de pressões dos balonetes endotraqueais mensurados na rotina do serviço do Hospital e Maternidade Celso Pierro recentemente, no momento da admissão, na UTI, de pacientes mecanicamente ventilados, bem como pela constatação da falta de conhecimento pertinente ao assunto dos profissionais da saúde que manipulam os balonetes. Foram consideradas as pressões dos balonetes descritos no estudo de Della Via et al. [15], realizado na mesma instituição no ano de 2008, onde o valor médio obtido foi de 53,44 cmH2O (valor máximo = 140 cmH2O e mínimo = 8 cmH2O). Outro estudo publicado por Oliveira et al. [34] no ano anterior, por sua vez, encontrou como valor médio da pressão do balonete de 43,73 cmH2O (valor máximo = 120 cmH2O e mínimo = 8 cmH2O). A rotina de mensuração da pressão do balonete foi introduzida pela equipe de fisioterapia intensiva. Diante do fato, optou-se por desenvolver um instrumento que fosse de fácil acesso, ilustrativo, com informações expostas de forma sucinta e que pudesse influenciar positivamente o manejo deste recurso. Para tanto, foi elaborado um panfleto informativo, considerando as informações publicadas na literatura vigente sobre o assunto. No panfleto, foram descritos e ilustrados a definição de balonete endotraqueal, sua função, valores de normalidade e referência, bem como o “passo a passo” da montagem de um cuffômetro a partir de materiais disponíveis nestes setores, sem que, portanto, viesse a acarretar incremento nos custos hospitalares (ver o Anexo). Os panfletos foram distribuídos para médicos e enfermeiros nos setores de Pronto Socorro (PS) e de Centro Cirúrgico (CC), responsáveis pela instituição e fixação do tubo orotraqueal (TOT). O instrumento foi desenvolvido em parceria com o Serviço de Qualidade e Educação Continuada da instituição. Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário 79 Foram consideradas medidas da pressão de cuff obtidas de pacientes internados na UTI Adulto submetidos à ventilação mecânica invasiva, provenientes dos setores previamente citados com via aérea artificial. A pressão de cuff é mensurada de rotina e diariamente na UTI em questão pelos fisioterapeutas. P R O C E D I M E N T O S E C O N D I Ç Õ E S D E E X E C U ÇÃO O processo de informação foi realizado em 3 fases: »» Fase 1 (antes da divulgação do instrumento educacional): fase que compreendeu um período de três meses, de observação dos valores mensurados de pressão de cuff no momento da admissão na UTI. Vale ressaltar que, quando identificados valores inadequadamente ajustados (acima ou abaixo do preconizado), os mesmos foram devidamente adaptados. »» Fase 2 (divulgação do instrumento educacional): fase que compreendeu um período de trinta dias aproximadamente. Os panfletos foram distribuídos. »» Fase 3 (após a divulgação do instrumento educacional): fase que compreendeu um período de mais três meses após o período de distribuição do instrumento educacional. Nesta fase foram observadas as pressões dos balonetes da mesma forma que na Fase 1. Vale enfatizar que se trata de um processo que visa à educação continuada no ambiente intra hospitalar. Somente os responsáveis pela implementação do folheto informativo tinham conhecimento de que as pressões dos balonetes seriam consideradas para avaliar o impacto educativo da intervenção. Além disso, foi proposta, em conjunto com estes serviços e com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e Coordenação da Equipe de Fisioterapia, a elaboração de um Procedimento Operacional Padronizado (POP) de mensuração da pressão de balonete endotraqueal, de acesso a todos os profissionais atuantes neste hospital, para fins de padronização e regulamentação deste procedimento. A análise dos valores observados foi realizada a partir do software Microsoft Excel e foram expressos em média, mediana e porcentagem de valores dentro, acima e abaixo da faixa de valores de normalidade esperados para as pressões do balonete endotraqueal (20 a 25 mmHg), nos períodos antes e após a divulgação do instrumento. O trabalho não gerou custos adicionais para a instituição, pois todos os equipamentos necessários para sua realização fazem parte do arsenal de rotina direcionado ao cuidado dos pacientes internados na UTI. 80 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 R E S U LTA DO S Foram registrados valores de pressões de cuff admissionais, já realizados habitualmente na rotina dos fisioterapeutas do setor, a fim de se obter dados objetivos da efetividade da intervenção proposta. A partir dos resultados obtidos, os mesmos foram separados em três grupos distintos: valores de pressão de cuff ajustados acima dos preconizados como ideal (Superior a VN); valores regulares, ou seja, pressões de cuff adequadamente ajustadas (VR); e valores de pressão de cuff identificados abaixo dos preconizados como ideal (Inferior a VN). Seguem abaixo a média e mediana dos valores obtidos no período anterior e posterior à divulgação do panfleto (Tabela 1) e os valores absolutos bem como porcentagem do total de mensurações, uma vez que a quantidade de medidas realizadas nos diferentes períodos diferiu entre si (Tabela 2). Tabela 1 Comparação das pressões do balonete observadas no pré e no pós- divulgação do PI, considerando os valores de média, mediana e desvio padrão das amostras (mmHg). Média Mediana Desvio padrão PR É-I N TER VEN ÇÃO P Ó S - I N T E RV E N ÇÃO 44,11 39,79 40 30 ± 28,16 ± 26,97 Tabela 2 Mensurações realizadas expressas em valores absolutos e em porcentagem do total. VN= Valores de Normalidade; VR=Valores regulares. PR É-I N TER VEN ÇÃO n ( %) P Ó S - I N T E RV E N ÇÃO n ( %) 30 (68,18%) 22 (56,41%) VR (20-25 mmHg) 5 (11,36%) 8 (20,51%) Inferior a VN (<20 mmHg) 9 (20,45%) 9 (23,08) 44 39 Superior a VN (>25 mmHg) Total Observa-se que o número de valores obtidos dentro da faixa de normalidade esperada para pressões de cuff subiu de 11,36%, no período que precedeu a intervenção realizada, para 20,51%, depois da intervenção. Assim como as médias e medianas calculadas, considerando os valores de pressão de cuff mensurados no período que sucedeu a intervenção, também foram menores em relação ao período anterior. Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário 81 Visto que os valores inferiores aos valores de normalidade (<20 mmHg) foram minimamente alterados (20,45% no período pré-intervenção e 23,08% pós-intervenção), pode-se inferir que o ganho obtido em relação aos valores regulares e, portanto, da influência positiva do modelo de intervenção educacional delineado, provém, predominantemente, do grupo composto pelos valores mensurados acima daqueles dentro da normalidade, o qual sofreu um decréscimo de 68,18% para 56,41% do total de medidas realizadas. D I S C U S S ÃO O estudo em questão, de caráter e proposta educacional, teve por objetivo promover, por meio de um instrumento informativo não verbal, divulgar informações relevantes e de extrema relevância no que diz respeito à rotina de intubação endotraqueal, bem como à manutenção e cuidado na manipulação da via aérea dos pacientes que são submetidos a este procedimento. Visto que as complicações oriundas da sua incorreta manipulação estão direta e indiretamente relacionadas com o aumento do tempo de internação hospitalar e em UTI, além de incrementar os custos hospitalar, como já exposto previamente, identificou-se a necessidade de promover a divulgação da informação, uma vez que são frequentemente observadas mensurações incorretas de pressão de cuff, seja por negligência ou por desconhecimento por parte dos profissionais da área da saúde. A partir dos resultados descritos anteriormente, pôde-se observar que o modelo implementado influenciou positivamente a rotina de mensuração do balonete endotraqueal, ao menos no que diz respeito àqueles que foram admitidos na UTI. No entanto, apesar de atingir quase o dobro do percentual dos valores mensurados dentro dos limites de normalidade (11,36% no período pré-intervenção para 20,51% no pós-intervenção), este percentual, em relação ao total de mensurações, ainda permanece baixo e requer melhorias. Isto permite inferir que, apesar de ter provocado interferência positiva em tal aspecto, a distribuição do instrumento por si só mostrou-se ainda insuficiente e, possivelmente, ineficaz no incremento mais significativo do percentual de medidas corretas. É possível que, embora o instrumento tenha sido elaborado de forma clara, sucinta e ilustrativa, a ausência de outra intervenção associada tenha sido a causa da melhoria pouco expressiva. Stanzani e colaboradores [41], em 2009, concluíram que os profissionais da equipe multidisciplinar do Hospital do Servidor Público Estadual, avaliados neste estudo, apresentavam adequado conhecimento do manejo e dos cuidados com as pressões de balonete endotraqueal; porém, pouco se utilizavam dele em suas condutas clínicas diárias. O conhecimento das repercussões tardias, especialmente, revelou-se insuficiente, ressaltando a necessidade de protocolos e conscientização dos profissionais. Isto leva a crer que, provavelmente, se instituídos protocolos bem delineados, bem como gerenciamento destes, e conscientização mais incisiva da equipe multiprofissional sobre os riscos a médio e longo prazos, seria possível observar melhoria mais importante neste quesito. 82 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Day e colaboradores [14] realizaram um estudo com o objetivo de investigar o grau de teoria e prática de enfermeiros de uma UTI sobre o procedimento de aspiração endotraqueal e a efetividade de uma intervenção educacional à beira do leito, que consistia em realizar, num período de duas horas, intervenções didáticas, interativas e demonstrações práticas do procedimento. Os profissionais que receberam treinamento mostraram-se, por longo período após a intervenção, mais capazes no que diz respeito à teoria e prática da realização do procedimento do que aqueles que não foram submetidos à intervenção. Ainda, uma revisão sistemática, publicada na Critical Care Medicine em 2008 [38] com o objetivo de determinar o efeito de estratégias educacionais para reduzir infecção hospitalar associado ao cuidado médico, incluiu 26 estudos com diferentes programas educacionais. Entre outros dados, foram verificados o tipo de intervenção e o tempo de realização da mesma, descrevendo que as intervenções educacionais variaram, embora todas tenham feito uso de uma combinação de modalidades diferentes, tais como conferências, apresentações em vídeos, cartazes, questionários e demonstrações práticas. Alguns deles realizaram autoavaliação com pré e pós-testes. A duração de cada intervenção foi altamente variável. Em 21 estudos foi constatada uma diminuição significativa em taxas de infecção, concluindo que a implementação de intervenções educativas pode ser consideravelmente relevante para a redução dos índices de infecção hospitalar. Outro estudo, publicado no JAMA [20], avaliou uma grande intervenção educacional em outra situação de terapia intensiva que visava ao cuidado do indivíduo com sepse severa e choque séptico. Observou que a adesão às medidas melhorou, reduzindo a mortalidade. No entanto, antes de completar um ano do início da implementação da intervenção, as taxas de adesão voltaram a decrescer, levantando a necessidade de que as intervenções fossem repetidas periodicamente. O uso do manômetro específico, o cuffômetro, seria o ideal para a mensuração das pressões intrabalonete, justificado pela relação custo-benefício, pois o investimento é pequeno, principalmente se for considerada a significativa redução dos prováveis danos aos pacientes. No entanto, a verificação da pressão do balonete com manômetro apropriado em cmH2O ou por meio de uma válvula de três vias acoplada a uma seringa e a um manômetro em mmHg, é uma técnica eficiente, simples, rápida e de baixo custo, e mandatória no manejo de pacientes críticos submetidos à intubação endotraqueal e traqueostomias [1]. Há, ainda, duas importantes limitações da rotina de mensuração do balonete que diz respeito à frequência de mensuração, que ainda é bastante controversa na literatura [39], e à incumbência do profissional responsável pelo procedimento. O II Consenso brasileiro de ventilação mecânica preconiza que a equipe de enfermagem deva realizar tal mensuração a cada doze horas [1,12]. No entanto, existe uma tendência à mudança na rotina de enfermagem em razão da prática profissional e disponibilidade de tempo. Outros autores [24], por sua vez, sugerem que a mensuração seja feita, de forma rotineira, pelo profissional fisioterapeuta, cada vez mais integrado à equipe de atendimento a pacientes críticos. No entanto, muitos serviços no nosso país ainda têm como rotina a presença do profissional fisioterapeuta somente no período diurno, o que dificulta a atuação destes profissionais, periodicamente, na regulação adequada das pressões de Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário 83 cuff. Assim, a rotina de mensuração, bem como o profissional responsável, varia de instituição para instituição, embora seja comum a todas elas que os profissionais médicos não realizem tal procedimento, mesmo sendo este responsável pela instalação da via aérea artificial. Por esta razão, a importância e necessidade de divulgação da informação a todos os profissionais envolvidos no cuidado e manejo do paciente crítico. Pode-se concluir, a partir do exposto, que a implementação do modelo de intervenção educacional atingiu o objetivo esperado, de melhoria da assistência pela regulação adequada das pressões de balonete endotraqueal, embora seja recomendado e desejável que outras intervenções sejam associadas, visando a complementar e enfatizar a importância da técnica para que haja benefícios mais expressivos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] ARANHA, A. G. A.; FORTE, V.; PERFEITO, J. A. J.; LEÃO, L. E. V.; IMEDA, C. J.; JULIANO, Y. Estudo das pressões no interior dos balonetes de tubos traqueais. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 53, p. 728-36, 2003. [2] BABCOCK, H. M.; ZACK, J. E.; GARRISON, T.; TROVILLION, E.; JONES, M.; FRASER, V. J.; KOLLEF, M. H. An educational intervention to reduce ventilator-associated pneumonia in an integrated health system: a comparison of effects. Chest, v. 125, p. 2224-2231, 2004. [3] BANDENHORST, C. H. Changes in tracheal cuff pressure during respiratory support. 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AGRADECIMENTOS À instituição de ensino Pontifícia Universidade Católica de Campinas e ao Hospital e Maternidade Celso Pierro por ceder estrutura física, apoio e orientação para a execução deste trabalho. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP) e Hospital e Maternidade Celso Pierro – R. Amadeu Amaral, 340, apto. 31 – Vila Seixas – CEP 14020 050 – Ribeirão Preto – São Paulo-SP – email: [email protected]. L í via P in h eiro C arval h o R os m ari A parecida R osa A l m eida de O liveira PUCCAMP e Hospital e Maternidade Celso Pierro – email: [email protected]. Intervenção Educacional Relacionada à Rotina de Mensuração do Balonete Endotraqueal em um Hospital Universitário 87 88 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção Education, Science and Extension: The Necessary Promotion R esum o As atividades de extensão são cruciais na universidade e a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão possui muitos desafios para sua realização. Tendo-a como um horizonte, várias iniciativas vêm sendo propostas por nós nessa direção, com base em nosso trabalho nos campos da educação não formal e da divulgação da ciência. Este texto apresenta e realiza uma reflexão sobre algumas das ações feitas pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação da Ciência – GEENF, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, revelando a intricada relação entre pesquisa, ensino e extensão na Universidade. Ao final, são apontadas as potencialidades e os desafios no desenvolvimento dessas iniciativas, referentes à carência de financiamentos para a área de extensão, a transposição didática do conhecimento com finalidade de socialização, a mobilização e envolvimento dos diferentes públicos na produção e divulgação da ciência e a necessidade de desenvolver mecanismos de avaliação das ações de divulgação. Palavras-chave: Painéis de partículas. Resíduos de poda de árvores urbanas. Avaliação de desempenho. Martha Marandino Abstract The extension activities are crucial in the university and the inseparability between research, teaching and extension has many challenges to be done. Having it as a horizon, we have been proposed many initiatives, based in our work developed at non formal education and science communication areas. This paper presents and promotes a reflexion about some of activities developed by the Group of Study and Research on Non-Formal Education and Science Communication – GEENF, School of Education, University of São Paulo, revealing the intricately relation between research, teaching and extension at the university. At the end, we pointed out the potentialities and challenges at the development of those initiatives referring to scarcity of financial support to the extension 89 area, to the didactical transposition of the knowledge in order to be disseminated, to the mobilization and involvement of the various public in the production and science divulgation and to the necessity to develop evaluation procedures of the divulgation actions. Keywords:Research-teaching-extension relation. Scientific divulgation. Non formal education. INTRODUÇÃO As atividades de extensão são entendidas por nós como cruciais na Universi- dade. O decreto de criação da Universidade de São Paulo (USP), de 25 de janeiro de 1934, elenca as finalidades da instituição e, dentre elas, se encontra a de realizar a “vulgarização das ciências, das letras e das artes” [1] por diversos meios. Tendo desde o seu início a preocupação com a disseminação de sua produção, o próprio Estatuto da USP define como uma de suas funções “estender à sociedade serviços indissociáveis das atividades de ensino e pesquisa” [1]. Contudo, como afirma Juan Bordenave: [...] qualquer que seja a ênfase, todos concordam em que o Ensino, a Pesquisa e a Extensão Universitária formam o Triângulo Educativo da educação superior. Este triângulo deveria funcionar como um sistema organicamente integrado, no qual cada componente alimenta os demais. Na prática, entretanto, não somente os componentes não agem de forma integrada, mas ainda recebem proporções desequilibradas de recursos, atenção e status. [3] A indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão possui muitos desafios para sua realização. É, contudo, algo que perseguimos em nossas ações. Entendemos ser a articulação entre esses três eixos uma necessidade em nossa atuação cotidiana como docentes. Tendo-a como um horizonte, várias iniciativas vêm sendo propostas por nós nessa direção, devendo ser entendidas como maneiras de viver a tensão da Universidade na busca de construir uma prática pedagógica comprometida. Desse modo, é na extensão que percebo possibilidades interessantes de diálogo entre a Universidade e a sociedade. Este texto realiza uma reflexão sobre algumas das ações de educação e divulgação das ciências feitas por meu grupo de pesquisa e inseridas na perspectiva de articulação entre pesquisa, ensino e extensão. Relato experiências e discuto possibilidades e limites de promover a educação não formal e a divulgação da ciência por meio da Universidade. A RELEVÂNCIA DE PROMOVER A EDUCAÇÃO E A DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA Possuir hoje domínio sobre o conhecimento científico e tecnológico como um dos instrumentos para garantia de uma vida melhor para todos é fundamental. Vale, contudo, problematizar acerca da forma pela qual o conhecimento científico é apreendido pela população, de maneira a não simplesmente acumular informações, mas efetivamente usá-las para a tomada de decisões sobre sua vida e a sociedade onde vive. 90 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 A proposição acima não descarta o real desafio que representa o processo de educação e divulgação da ciência. Seria possível e ainda desejável que todo conhecimento científico produzido hoje fosse assimilado e compreendido pelo conjunto dos indivíduos? Os mesmos tipos de conhecimentos deveriam ser dominados por todos os tipos de sociedades e grupos culturais? Os sistemas de ensino formais, sozinhos, têm condição de assumir o papel de traduzir esse conhecimento para os diversos públicos? O acesso à informação científica por meio da educação é um poderoso instrumento de combate à exclusão. Neste sentido, o processo de alfabetização em ciência deve se dar de forma contínua, transcendendo o período escolar, o que demanda a aquisição permanente de novos conhecimentos. Escolas, museus, programas de rádio e televisão, revistas, jornais impressos e a mídia em geral devem se colocar como parceiros nessa empreitada de socializar o conhecimento científico de forma crítica para a população. Neste contexto, a universidade se insere como uma instituição fundamental de promoção do acesso ao conhecimento, seja por meio de seus cursos de graduação e pósgraduação – o ensino –, seja por meio das ações de extensão, sem contar a perspectiva de entender a divulgação científica como parte da cultura científica. Isto implica que a pesquisa também tenha sua dimensão de difusão e que o cientista possa se envolver, em alguma medida, com a comunicação pública de suas descobertas*. Em nosso caso, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em Ciência – GEENF vem buscando, por meio de suas ações, não somente produzir conhecimentos nos campos da educação, do ensino e da divulgação das ciências, mas também promover a difusão do conhecimento das ciências naturais para diferentes públicos. Criado em 2002 e vinculado à Faculdade de Educação da USP (FEUSP) na área temática de Ensino de Ciências e Matemática, o GEENF se dedica ao estudo, à pesquisa, à produção e avaliação de ações e materiais no campo da educação não formal e da divulgação em ciência. O GEENF atua em parceria com diversas instituições museológicas e de pesquisa, nacionais e internacionais, como museus, centros de ciências, zoológicos, jardins botânicos, aquários, dentre outros espaços de educação não formal. Muitas dessas parcerias resultam em artigos publicados, trabalhos apresentados em congressos, oficinas e cursos ministrados, além da produção de materiais didático-culturais. As atividades do grupo podem ser organizadas nos seguintes temas de interesse, a saber, o ensino e aprendizagem, a relação museu-escola, a mediação, a alfabetização científica, popularização e divulgação da ciência e a relação entre biodiversidade e educação em museus e demais espaços de educação não formal. Assim sendo, os resultados de nossas investigações são disseminados por meio do ensino na graduação e na pós-graduação, de orientações de pesquisa e das ações de extensão. * Vale destacar que, recentemente, os financiamentos públicos para investigação científica têm inserido, entre as ações de pesquisa, a dimensão de divulgação. Exemplos são os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão – CEPID, da FAPESP, e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCTs, do CNPq. E D U C A ÇÃO E D I V U L G A ÇÃO D A C I Ê N C I A N O E N S I N O E N A E X T E N S ÃO : A L G U M A S E X P E R I Ê N C I A S A parceria entre a universidade, os museus e as escolas é um dos focos de nossos trabalhos no que se refere à articulação entre pesquisa, ensino e extensão. Desde que iniciei Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção 91 **Ver em: <http://www.geenf. fe.usp.br>. 92 minhas atividades como docente na Universidade, tenho realizado experiências de parcerias com os museus e com as escolas a partir da formação inicial de professores, seja por meio dos estágios, seja pela inclusão de conteúdos voltados para a educação não formal e educação em museus nas disciplinas da Licenciatura e da Pedagogia que ministro, como a Metodologia do Ensino de Biologia I e II e de Metodologia do Ensino de Ciências da FEUSP [4,8]. Além dessas, há cinco anos desenvolvemos uma disciplina eletiva no curso de Pedagogia, ministrada em parceria com as professoras Silvia Trivelato e Sônia Castellar, sob o título Natureza, Cultura Científica e Educação [10], com enfoque na discussão sobre os aspectos da alfabetização científica em diferentes espaços sociais. Nela, desenvolvemos atividades durante uma semana na região de Ubatuba e São Sebastião, no estado de São Paulo, visitando parques, áreas de preservação e instituições científicas e culturais, com o intuito de estimular o uso desses locais pelos futuros professores em sua prática pedagógica. Em nossas atividades de formação inicial e continuada, temos focado na importância de discutir com os professores a necessidade do planejamento para realização das visitas aos museus e outros espaços de educação não formal. O tema do planejamento é recorrente na formação de professores e, a partir das atividades extracurriculares, pode ser ressignificado para auxiliar no desenvolvimento de ações voltadas a saídas escolares e visitas a museus. Com fundamento no trabalho de Michel Allard e colaboradores [2], os alunos dos cursos são encorajados a planejar ações antes, durante e depois da visita, com base nas especificidades pedagógicas dos museus. Acreditamos que, ao conhecer as instituições e planejar a visita, os professores poderão explorar melhor as potencialidades desta atividade e tomar consciência do que esses espaços de educação e preservação podem oferecer. No que se refere à extensão universitária, as nossas experiências se voltam especialmente para a formação continuada, por meio de cursos e eventos. Um exemplo é o curso Educação em Museus: A Mediação em Foco, que tem como público-alvo graduandos, professores e educadores de museus e a finalidade de formar profissionais tanto para atuar na mediação com o público como para auxiliar na organização das visitas pelos professores. Esse curso gerou um livro com o mesmo título, publicado em 2008 a partir de financiamento da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP e encontra- se disponível no formato on-line**. O livro expressa nossa concepção de que a mediação ocorrida em ações educacionais nos museus exige competências dos monitores e educadores nos campos educacionais e comunicacionais, para além dos conteúdos conceituais. Na linha da produção de materiais associada a projetos de pesquisa, temos desenvolvido ações relevantes junto ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas (INCTTOX), o qual está inserido em um projeto de abrangência nacional, o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), elaborado pelo CNPq em parceria com a CAPES e fundações de amparo à pesquisa de diferentes estados. Iniciado em 2008, este programa tem como objetivo a formação de núcleos estratégicos que promovam o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica brasileira e a formação de profissionais em diferentes áreas de atuação. É importante ressaltar que, dentre seus objetivos, está o de priorizar o desenvolvimento de projetos voltados ao ensino de ciências e à divulgação científica. Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 O INCTTOX se baseia em estudos sobre as ações quantitativas e qualitativas de toxinas, de bioprospecção, de imunidade e resistência inata ou adquirida, de processos de envenenamento e resposta terapêutica. Pretende consolidar e ampliar grupos reconhecidos por sua competência em pesquisa e ensino, abrangendo o imprescindível comprometimento socioeducativo e contemplando a inovação no desenvolvimento de produtos e processos. Pela sua característica multidisciplinar e pelas temáticas de trabalhos dos seus pesquisadores, o INCTTOX foi estruturado em vários subprogramas de pesquisa. Junto com as pesquisadoras Alessandra Bizerra, do Instituto de Biologia da USP (IB-USP) e Fan Hui Wen, do Instituto Butantan, coordenamos o subprograma Ações em Saúde, ao qual se vincula o Núcleo de Difusão. Neste subprograma desenvolvemos ações no campo da educação e comunicação, valorizando o diálogo intercultural, de forma a romper a retórica postura unidirecional e hierarquizada, na qual apenas as concepções científicas são consideradas. O Núcleo de Difusão possui dois temas de atuação: a dimensão antropológica – que considera questões socioculturais – e aquele destinado a elaborar instrumentos de mediação entre o público e o saber científico. É nesse segundo tema de atuação que se encontra o Laboratório de Produção e Avaliação de Materiais de Ensino de Ciências e Divulgação Científica por mim coordenado, vinculado e localizado na FEUSP, com o objetivo de promover a alfabetização científica de escolares e do público em geral, produção de materiais didáticos e elaboração de ambientes virtuais. O reconhecimento da importância de divulgar a ciência não é recente e, de acordo com Pierre Fayard [7], em decorrência dos avanços científicos e tecnológicos nas últimas décadas, houve a necessidade em qualificar a informação transmitida ao público, que, cada vez mais, deve ser considerado nesse processo. O Laboratório tem avaliado esse aspecto e estabelecido parcerias com unidades dentro da própria Universidade, incluindo a Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo, e fora dela, com o Museu de Microbiologia do Instituto Butantan. Por meio dessas parcerias, pretende-se contribuir para o desenvolvimento das atividades organizadas em duas frentes: a produção de materiais destinados à educação e divulgação em ciências e a criação de um canal virtual de comunicação com a população. Um dos primeiros produtos do Laboratório foi o vídeo Toxina, cuja ideia central foi mostrar as diferentes visões do público em relação ao tema. Para tal, foram realizadas entrevistas com diversos públicos, como estudantes de graduação da Faculdade de Educação e de Ensino Médio da Escola de Aplicação da FEUSP, a população que frequenta o Largo 13 de Maio, no bairro de Santo Amaro, na cidade de São Paulo, mas também pesquisadores do INCTTOX. O processo resultou em um DVD composto de um filme de, aproximadamente, dez minutos e possuindo conteúdos extras relacionados à apresentação das instituições participantes, informações adicionais sobre a produção do vídeo e entrevistas com pessoas que participaram do projeto. O vídeo é utilizado como recurso educativo nas atividades desenvolvidas pelo Núcleo de Difusão e como material de divulgação para instituições parceiras. Para um alcance maior entre o público em geral, uma versão do mesmo foi disponibilizada na página web do INCTTOX***. Mais recentemente, um novo vídeo foi produzido, sob o título Geração de conhecimento, com o objetivo de problematizar e mostrar os desafios envolvidos no dia a dia da Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção *** Ver em: <http://www. cienciaemrede.com.br>. 93 pesquisa científica. No vídeo, também disponível na web, três pesquisadores do INCTTOX relatam diferentes processos de produção do conhecimento científico, que envolvem escolhas desde a pesquisa básica até uma possível aplicação direta para a sociedade. Uma vez que é intenção divulgar os conteúdos de pesquisa gerados no contexto do INCTTOX, os temas abordados nos materiais didáticos desenvolvidos têm origem nos subprogramas deste Instituto e passam por processos de transposição didática, considerando o público em potencial, os conceitos envolvidos, a materialidade e a funcionalidade dos objetos utilizados nos processos educativo e comunicativo. Na produção desses materiais – elaborados para serem utilizados em exposições e oficinas – são contempladas especificidades pedagógicas referentes a contextos não formais de educação relativas ao espaço, tempo, objeto, suporte e linguagem [9]. A dimensão interativa, a cognitiva e a afetiva dos materiais também são consideradas neste processo de produção. Inspirado nos famosos dioramas dos museus de História Natural, a equipe do Laboratório de Produção e Avaliação de Materiais de Ensino de Ciências e Divulgação Científica do INCTTOX desenvolveu um modelo de diorama baseado em investigações feitas por pesquisadores do Instituto. O material foi elaborado ao longo do ano de 2010 e início do primeiro semestre de 2011, envolvendo a equipe do Núcleo, pesquisadores do INCTTOX e artistas plásticos. Um diorama é composto, em geral, por animais taxidermizados e plantas desidratadas que representam ambientes naturais. O objetivo da equipe ao criar um diorama era abordar o tema biodiversidade em um material interativo, portátil e que garantisse a escala do animal e do ambiente representado. O tema foi selecionado dentre alguns estudos feitos por pesquisadores do INCTTOX que abordassem a História Natural de animais produtores de toxinas. Após um estudo cenográfico, foi definido que a pesquisa sobre os sapos da caatinga era o que melhor possibilitaria unir os aspectos estéticos, científicos e educativos. O sapo da caatinga (Figura 1 e Figura 2) tem um comportamento curioso: o pequeno animal se mantém enterrado durante todo o período de seca, sendo que os pesquisadores do INCTTOX já encontraram exemplares desse animal enterrados a 1,80 m de profundidade. A seca pode durar até um ano, e, no curto espaço de tempo das chuvas, este sapo se desenterra para se acasalar e se alimentar. Outro material produzido no âmbito do INCTTOX é o ConectCiência (Figura 3), composto por um conjunto de imagens que tem como objetivo promover a reflexão sobre o processo de produção do conhecimento científico. É formado por 24 peças redondas, impressas com 20 imagens relacionadas a quatro eixos interpretativos: história, controvérsias, sociedade e pesquisa. Cada peça possui quatro espaços de conexão, o que possibilita que cada peça seja conectada a outras quatro. As imagens selecionadas revelam que a geração social do conhecimento científico pode acontecer em diversos espaços e de formas distintas, envolvendo atores diversos. A finalidade deste conjunto de imagens é mostrar a complexidade da cultura científica, a qual abarca não somente os procedimentos internos da produção do conhecimento como também elementos externos ao contexto de produção da ciência. Neste sentido, acreditamos que seja possível levantar discussões sobre as implicações sociais, econômicas, culturais e ambientais do desenvolvimento científico, trazendo à tona as controvérsias, as polêmicas e os impactos promovidos pela ciência. As fotos que compõem o material foram selecionadas com 94 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 1 – Imagem parcial do diorama O curioso caso do sapo da caatinga, representando a caatinga no inverno durante a noite. Figura 2 – Imagem parcial do diorama, representando a caatinga no verão durante o dia. base nos projetos que participam do INCTTOX e foram geradas por diferentes grupos de pesquisa que gentilmente as cederam. Algumas delas foram tiradas por alunos do Ensino Médio em atividades educativas do projeto Formando Divulgadores da Ciência, também ligado ao INCTTOX, que será comentado mais adiante. Esse mesmo material foi recentemente disponibilizado na forma de aplicativo da web**** , ampliando, assim, a possibilidade de acesso pelos interessados. Ao final de cada um dos aplicativos está disponível um questionário de avaliação que tem como objetivo conhecer melhor o perfil e as características do público que utilizou esses materiais. Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção **** Ver em: <http://www. cienciaemrede.com.br/ aplicativos/index.html>. 95 Figura 3 – Imagem do ConectCiência. ***** Ver em: <http://www. incttox.com.br>. ****** Ver em: <http://www. cienciaemrede.com.br>. ******* Ver em: <http:// www.cienciaemrede.com.br/ acervomaterialdidatico/>. 96 Outra iniciativa realizada pelo Núcleo de Difusão, em parceria com a Escola de Aplicação nas atividades de contraturno (horário alternativo ao escolar), é o Programa de Formação de Divulgadores da Ciência/INCTTOX. Este programa tem a finalidade de promover a participação dos alunos de Ensino Médio, de forma voluntária, no sentido de fortalecer a aproximação entre os estudantes e a cultura científica e envolvê-los na produção de materiais de divulgação da ciência. Por meio de diferentes atividades, como visitas a laboratórios, dinâmicas em grupo, realização de entrevistas e matérias jornalísticas, os alunos tornam-se protagonistas na produção de conhecimento, participando da divulgação científica do INCTTOX. O Núcleo de Difusão também é responsável pelas ações de comunicação do INCTTOX na internet. Uma delas é o sítio institucional*****, voltado para a divulgação de sua estrutura e pesquisas, bem como para a comunicação entre pesquisadores e estes com a mídia. Também é de nossa responsabilidade o desenvolvimento do Ciência em Rede******, que promove a interlocução entre o projeto e o público em geral, com destaque para o público escolar. Tanto o sítio institucional do INCTTOX quanto o Ciência em Rede foram desenvolvidos em uma plataforma que permite a comunicação em duas vias, aceitando a inserção de comentários – no contexto do que é chamado hoje de web 2.0 ou internet colaborativa. A escolha pela utilização de uma plataforma como essa está relacionada ao objetivo de ter uma troca de informações mais ativa com o público que: (i) potencializa a participação dos visitantes nas discussões colocadas no sítio; (ii) possibilita a difusão de conteúdo do sítio para diversas redes sociais; (iii) potencializa a capacidade do conteúdo a ser encontrado nos buscadores. Citamos ainda no contexto do Núcleo de Difusão do INCTTOX a produção de um banco de dados disponível na internet, realizado em parceria com o GEENF, o Acervo de Material Didático Cultural******* . Com a elaboração deste banco é possível identificar, organizar e disponibilizar para educadores, divulgadores e população interessada as produções oriundas de ações educativas realizadas por espaços de educação não formal, tais como museus, centros culturais, aquários, zoológicos, jardins botânicos etc. O acervo foi estruturado a partir da recolha, catalogação e organização de materiais didático-culturais em educação não formal e divulgação em Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 ciência, com a finalidade de torná-los, de alguma forma, disponíveis para educadores, divulgadores e população interessada. A S A R T I C U L A Ç Õ E S E N T R E P E S Q U I S A , E N S I N O E E X T E N S ÃO N A P E R S P E C T I VA D A E D U C A ÇÃO E D A D I V U L G A ÇÃO D A CIÊNCIA: POTENCIAIS E DESAFIOS Os exemplos de ações anteriormente citados revelam a intrínseca relação entre as atividades desenvolvidas nos âmbitos da pesquisa, do ensino e da extensão na Universidade, especialmente voltadas para a área da Educação e da divulgação da ciência. São possibilidades de se perceber a chamada entre essas dimensões, que transcendem os limites da produção e da circulação de conhecimento e da atuação profissional e coletiva dentro do ambiente universitário. Tais experiências vêm sendo realizadas com todo potencial e com os inúmeros desafios que se colocam em diferentes dimensões. Um deles refere-se ao escasso financiamento das ações de extensão, dentro e fora das universidades, pelas agências de fomento. Neste aspecto, ressaltam-se as várias iniciativas da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP por meio dos projetos de fomento e, mais recentemente, pela excelente proposição dos Programas Especiais & Editais 2012, com foco na memória de ações consolidadas na Universidade e nas parcerias interinstitucionais na perspectiva da cultura e extensão. A questão do financiamento é equacionada, muitas vezes, a partir da articulação entre pesquisa e extensão. Algumas agências de fomento têm incentivado a difusão dos conhecimentos de forma associada à produção realizada na pesquisa científica, como no caso dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do CNPq. Por outro lado, agências de financiamento voltadas aos campos da cultura e divulgação da ciência estão disponibilizando verbas para desenvolvimento de ações de impacto junto à população. Neste caso, temos os exemplos dos editais do CNPq voltados para a realização de feiras de ciências e mostras científicas (Chamada MCTI/CNPq/MEC/ CAPES/SEB n. 25/2011) e as chamadas do Ministério da Cultura para a criação dos Pontos de Cultura, onde se estimula o desenvolvimento das iniciativas culturais da sociedade civil e por meio dos quais muitos grupos de pesquisa no interior da Universidade têm disseminado sua produção científica, elaborado materiais e promovido ações de extensão oriundas de pesquisa********. Outro desafio que se coloca diz respeito ao processo de socialização de conhecimentos produzidos na pesquisa, o que implica em procedimentos de transposição didática [5], ou seja, da adaptação e simplificação dos saberes para que sejam compreendidos pelos diferentes públicos. Dentre o conhecimento científico originalmente produzido pelos cientistas e o conhecimento produzido e veiculado na escola e outros espaços educativos encontramos diferentes padrões de produção de conhecimento [6]. Tais padrões referem-se a tanto à produção de conhecimento original, que ocorre nas universidades e institutos de pesquisa, como também à elaboração de textos pelo pesquisador, por meio de manuais didáticos e revistas especializadas em Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção ******** Como exemplo encontra-se o Ponto de Cultura ligado ao Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos (Labrimp) e o Museu da Educação e do Brinquedo (MEB) ambos da FEUSP. 97 publicações científicas. Inclui também as revistas de divulgação, com textos elaborados para públicos diversos, e a mídia, por meio da divulgação em rádios, televisão, artigos de jornais diários e revistas semanais. No que se refere à escola, esses padrões incluem os livros didáticos de Ensino Fundamental e Médio, os materiais didáticos elaborados por instituições privadas ou públicas e a reorganização e sistematização do conhecimento feitas pelo professor ou educador, realizada durante o processo de ensino-aprendizagem nos diferentes contextos pedagógicos. O processo de divulgar e ensinar ciência implica em uma transformação da linguagem científica com vista à sua compreensão. Um dos principais desafios diz respeito à tendência em apresentar uma “imagem espetáculo” e “acrítica” da ciência, em detrimento de uma visão mais humanizada que revele os embates na sua construção e as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Neste sentido, as transformações pelas quais o conhecimento científico passa com fins de ensino e divulgação não constituem em simples “adaptações” aos diferentes padrões de produção de conhecimento. Por um lado, deve-se considerar os cuidados com a simplificação, com a espetacularização, com a imagem a-histórica, apolítica e descontextualizada que o conhecimento pode adquirir. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta a necessidade de sua disseminação e da realização de processos transpositivos do saber científico, o que representa uma condição para sua sobrevivência e das sociedades contemporâneas. As diversas mídias e os diferentes espaços sociais irão estabelecer uma relação própria com o conhecimento científico e em todos eles haverá algum nível de tradução que envolve profissionais dos campos específicos científicos, educadores, comunicadores, jornalistas, museólogos, dentre outros. Assim sendo, não se pode deixar de destacar a importância e o cuidado, do ponto de vista epistemológico, com o processo de disseminação do conhecimento, o qual envolve necessariamente diferentes áreas de conhecimento e diversos profissionais. Na perspectiva de discussão dos desafios, é relevante mencionar a dificuldade de mobilização dos diversos públicos para não somente ter acesso ao conhecimento disponibilizado, mas, efetivamente, participar da produção do mesmo. A lógica unidirecional nos processos de educação e divulgação da ciência persiste, sendo que nela os cientistas e instituições de pesquisa ainda são considerados como detentores do conhecimento e o público apenas um mero receptáculo da informação. Essa perspectiva vem se modificando no Brasil nos últimos anos e já é possível identificar iniciativas que envolvem, em alguma medida, o público na produção e disseminação dos conhecimentos de forma ativa [11]. Seja considerando que os indivíduos não são tábulas rasas, que criam e elaboraram significados sobre o mundo no momento da concepção das ações, seja efetivamente envolvendo-os nas produções como atores, iniciativas vêm sendo propostas, considerando a perspectiva dialógica da comunicação e educação. Nessa linha, o projeto Formando Divulgadores da Ciência buscou a participação ativa do público-alvo por meio do envolvimento dos alunos de Ensino Médio na produção do ConectCiência, já que as fotos tiradas por eles durante as visitas aos laboratórios de pesquisa foram usadas no material, além de terem participado na avaliação dos protótipos. 98 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Por fim, destaca-se a importância e necessidade de se desenvolver mecanismos de avaliação das ações de extensão no âmbito da educação não formal e da divulgação da ciência, seja no que se refere aos processos de compreensão e aprendizagem do público, seja no que diz respeito ao impacto mais amplo dessas iniciativas no desenvolvimento cultural da população. Ainda são tímidas as avaliações dessas iniciativas e, em geral, estas não estão previstas nos financiamentos oferecidos pelas agências de fomento. Vemos aqui, novamente, o papel fundamental da universidade com potencial para desenvolver mecanismos qualitativos e quantitativos de análise e avaliação dessas ações, sendo esta mais uma forma de articulação entre pesquisa, ensino e extensão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] ABREU, A. A. de. A USP e a sociedade: legislação, doutrina e prática. In: ROLLEMBERG, M. (Org.). Universidade: formação e transformação. São Paulo: EDUSP, 2005. p. 21-26. [2] ALLARD, M. et alii. La visite au musée. Réseau, p.14-19, dez. 1995-jan. 1996. [3] BORDENAVE, J. D. A formação universitária exige integração e equilíbrio nos componentes do triângulo educativo. ROLLEMBERG, M. (Org.). Universidade: formação e transformação São Paulo: EDUSP, 2005. p. 49-54. [4] CHELINI, M. J. et alii. O museu na formação inicial do professor: uma experiência de estágio. In: ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA, 2., 2003, São Gonçalo. Anais... Niterói: UFF, 2003. p. 98 -101. [5] CHEVALLARD, Y. 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Mart h a Marandino , 100 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Educação, Ciência e Extensão: A Necessária Promoção 101 102 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico: Fazendo da Sala de Espera um Ambiente de Criação Envelhecer Sorrindo – An Experience of Artistic Development: Making the Waiting Room a Creation Enviroment R esum o “Uma experiência de desenvolvimento artístico” surgiu, dentro do programa Envelhecer Sorrindo, de uma parceria entre a Faculdade de Odontologia e a Escola de Comunicações e Artes da USP, com o apoio da Comissão de Cultura e Extensão Universitária através das bolsas de Aprender com Cultura e Extensão. A ideia veio à tona em decorrência da exploração das possibilidades artísticas que podem existir nos momentos que antecedem o atendimento odontológico numa sala de espera do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia da USP. Pensou-se que esses processos criativos poderiam beneficiar a saúde geral do idoso, além de promover uma intersecção didática e cultural entre os alunos dos dois centros estudantis. Executado em duas etapas: a primeira constou de estudo teórico sobre o lugar que o idoso ocupa na sociedade, assim como suas especificidades e possibilidades de ação para, a partir de então, dialogar com esse público. Com base nas informações coletadas, escolhemos a memória como tema central a ser explorado na segunda etapa, que foi concretizada em encontros semanais com os pacientes. A cada encontro era proposta uma nova experiência artística, que buscava descontração e sociabilização possíveis, dentro da tentativa de se atrelar a saúde e o exercício da arte. Palavras-chave: Idoso. Saúde. Memória. R oberto Chaib Stegun et al A bstract “An experience of artistic development” has raised inside the “Envelhecer Sorrindo” program as a partnership between Odontology and Arts & Communication Schools at University of São Paulo, being such experience supported by Dean’s Office for Cultural and Extramural Activities, by means of the “Aprender com Cultura” scholarship. The idea popped up due to the artistic possibilities that may emerge in the waiting room of a Prosthesis Department. We thought that the creative process could benefit the total 103 health of the elderly besides promoting a didactic and cultural intersection among the students of both centers.This took place in two moments: the first was a theoretical study that searched to identify the place the elderly occupies in our society, as well as its specificities and possibilities and from this point owning the collected information should feel comfortable to dialogue with them. Based on the collected data we picked the memory as mean subject to be explored in the second moment of this project, which took place in the waiting room every week. During each meeting, it was proposed a new artistic experience, aiming on making them relaxed or more socialized besides trying to add health and exercises to that artistic moment. Keywords: Elderly. Health. Memory. I ntr o d u ç ã o Com o aumento da expectativa de vida, a população idosa aumentou consi- deravelmente. Entretanto, o papel dessa população dentro da sociedade não está definido a contento, apesar de ter progredido bastante nos últimos anos. Muitas pessoas acreditam que a terceira idade represente apenas um período de decadência das habilidades físicas e mentais, transformando a pessoa idosa num grupo homogêneo e improdutivo, preocupado apenas em sobreviver [3]. Preocupado em mudar esse sentimento, surgiu em 1999 – Ano Internacional do Idoso – o projeto Envelhecer Sorrindo. Inicialmente, a sua atividade clínica no Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia dava ênfase aos problemas relacionados com a saúde bucal e a reabilitação protética. Atualmente, além dos atendimentos odontológicos – realizando próteses em média para 250 pessoas por ano –, o Envelhecer Sorrindo realiza uma vez por ano um evento que reúne cerca de 500 pessoas idosas e que tem como objetivo discutir o papel do idoso dentro da nossa sociedade, orientando também sobre questões de saúde envolvidas no processo de envelhecimento. Os idosos a serem atendidos no programa Envelhecer Sorrindo ficavam com tempo ocioso, aguardando o atendimento odontológico (Figura 1). Essa espera costumava gerar ansiedade, além de solicitar do cirurgião-dentista um período para escutar relatos e dissipar, assim, um pouco dessa ansiedade. Todo esse processo resultava em um aumento do tempo de atendimento e, consequentemente, de espera. Dentro desse contexto, escolhemos a memória como matéria-prima do nosso trabalho. A memória pode resgatar as experiências significativas de suas histórias, trazendo à tona as narrativas que nos auxiliam na compreensão do momento atual e seus desdobramentos. Tendo definido memória como tema, uma breve pesquisa nos levou a duas diferentes possibilidades de abordagem: memória cognitiva e memória afetiva. A afetiva se relaciona às recordações e experiências, fatos aos quais estamos ligados emocionalmente, enquanto que a cognitiva está ligada a aspectos imediatos de apreensão de informações, relações lógicas desconectadas do campo sentimental. 104 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 1 – Tempo ocioso leva o idoso ao sono diurno. Partindo da ideia de que ambas são importantes e complementares, pensamos em práticas que pudessem abarcar as diferentes abordagens da memória. A L I A N DO S A Ú D E À A R T E O valor do tratamento odontológico nesse momento da vida pode parecer algo de menor importância, mas não é. Uma pessoa desdentada não consegue alimentar-se adequadamente, podendo dar origem a problemas sistêmicos. Os dentes são elementos importantes para a fala, pois sons como o “f ” e o “v”, por exemplo, tornam-se ininteligíveis ao telefone no caso da ausência dos dentes anteriores superiores. Como se isso tudo não fosse suficiente, a questão estética faz com que muitas pessoas idosas não saiam de casa para não ser motivo de chacota. A falta de socialização cria um terreno fértil para a instalação de processos depressivos, indesejáveis quando se imagina um quadro de harmonia familiar. Nossos encontros durante o atendimento no programa Envelhecer Sorrindo possibilitaram um intercâmbio profissional entre as duas áreas citadas anteriormente, uma vez que nossas atividades foram capazes de apontar um papel novo para a Odontologia no tocante à sua atuação na saúde dos idosos. A memória (sempre pensando nos dois tipos já citados) possui enorme potência criativa e imagética, sendo por esse motivo passível de ser explorada também como tema para desenvolvimento artístico. Tomando como premissa a possibilidade de trabalhar o desenvolvimento artístico, optamos por buscar possíveis formas de relacionamento poético com a memória. A aproximação poética com o tema permite que se faça uso de propostas vindas de várias formas de arte, a saber, fotografia, música, literatura, teatro, dentre outras. No entanto, escolhemos trabalhar a memória através da contação de histórias. Nossa pesquisa fez com que viesse à tona a ideia de narração – conforme descrição de Benjamin [1] –, o compartilhamento de experiências, de palavras. O trabalho com o ato de narrar é bastante instigante, pois além de indicar outra possibilidade de relação Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico 105 cênica, também se mostra capaz de permitir o desenvolvimento dos dois tipos de memória que escolhemos para nos nortear. O compartilhamento de palavras (sejam estas advindas da experiência pessoal ou da livre criatividade) é capaz de estabelecer e também aprimorar a comunicação entre as pessoas, lembrando quão importante é o combate à depressão na terceira idade. Esse mesmo processo de compartilhamento auxilia ainda as memórias afetiva e cognitiva, posto que, para utilizarmos as palavras e sermos capazes de produzir nossas histórias, recorremos a esses diferentes aspectos da lembrança. O CENÁRIO E AS PERSONAGENS Cadeiras de madeira encostadas na parede, uma grande mesa no centro e uma janela ao fundo compõem o ambiente da sala de espera. Pessoas idosas de diferentes idades, cada qual com sua história, nesta sala, esperam o atendimento, envoltos em seu mundo do envelhecer onde durante muito tempo tal cenário e seus personagens compuseram uma mesma história, fruto do tempo ocioso (Figura 1). Este projeto vem, por meio da associação interdisciplinar entre a Odontologia e as Artes Cênicas, atuar nesse cenário, preenchendo o tempo de espera através de atividades lúdicas, beneficiando a saúde da pessoa idosa como um todo, na participação efetiva – socialização – ou apenas no observar a atuação dos outros (Figura 2) – aqueles sem integração direta com aquele grupo/dia. M AT E R I A I S E M É T ODO S O projeto foi realizado entre os meses agosto de 2009 e julho de 2010. Na primeira etapa, partimos do estudo interdisciplinar da pessoa idosa na sociedade atual, buscando bibliografias diversas que pudessem nos enveredar pelos campos da Arte e da Saúde. Encontramos como importante base teórica o livro Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos, de Bosi [2], que ressalta a importância da memória do idoso na formação da identidade de um povo. Imbuídos por essas pesquisas, usamos a memória como motor principal para as atividades a serem realizadas na sala de espera. No início do primeiro semestre de 2010, promovíamos reuniões para estabelecer as atividades a serem desenvolvidas a cada encontro. Às terças-feiras pela manhã, antes do início do atendimento clínico dos pacientes, começavam as atividades. Cada encontro tinha como estrutura básica: »» O convite à participação da atividade; »» A apresentação do projeto; »» A apresentação de cada participante; »» A atividade artística em si; »» O registro plástico do encontro (Figura 3). 106 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 2 – Interação entre os alunos e pacientes em sala de espera. Figura 3 – Atividade de desenvolvimento de artes plásticas. Os itens dessa estrutura básica apresentam variáveis a cada encontro, de maneira que os pacientes tinham a opção de participar das atividades uma única vez, ou em todas as semanas, sempre às terças-feiras pela manhã. Foram onze encontros no total. Abaixo, descrevemos a rotina de atividades de alguns desses dias, procurando exemplificar possibilidades de intervenção a partir dessa estrutura. A rigor, foram escolhidos para a descrição encontros nos quais percebemos que a proposta foi bem recebida e que gerou mobilização artística e socializante nos pacientes. Primerio encontro: o novelo de lã As pessoas idosas, que esperavam para receberem tratamento odontológico, eram convidadas a sentarem-se ao redor de uma mesa; depois de sentadas, era feita a apresentação do projeto. Feitos os devidos esclarecimentos, partia-se para a apresentação das pessoas, fazendo-se uso de um novelo de lã. Cada pessoa falava o seu nome enquanto segurava o fio Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico 107 do novelo e, em seguida, entregava desenrolando o novelo para outro participante. Dessa maneira, todos ficaram segurando o fio de lã, construindo uma teia. Depois, com o intuito de desfazer a teia de lã, cada participante deveria lembrar o nome do anterior (Figura 4). As pessoas eram convidadas a pensar num lugar que tivesse sido importante e falar sobre ele para todos. O passo seguinte consistia em desenhar uma lembrança desse lugar; a este momento denominamos rastro plástico. Nesse dia, as propostas abriram espaço para a sociabilização, permitindo a troca de experiências de vida entre os participantes. Entretanto, as moderadoras encontraram dificuldade para manter o foco em cada atividade de maneira que cada um pudesse mostrar aos outros seu desenho e sua história. Os assuntos resgatados pela memória durante o exercício transitavam entre viagens bem sucedidas, problemas de saúde superados e lembranças agradáveis (Figura 5 e Figura 6). Terceiro encontro: objetos cênicos Uma vez mais foi feito o convite para que as pessoas se sentassem em círculo, com cadeiras soltas, ao redor de uma mesa pequena e baixa, para participarem das atividades e foi feita a apresentação do projeto. Propusemos que cada pessoa fizesse um pequeno desenho em uma folha de papel. Alguns objetos cênicos como chapéus de época, coroa etc. foram dispostos na pequena mesa, no centro da roda. Todos eram convidados a observarem os objetos durante algum tempo. Em seguida, os objetos eram cobertos com uma toalha e cada pessoa deveria dizer três objetos que estivessem lá (Figura 7). O passo seguinte consistia em cada pessoa pegar um daqueles objetos cênicos e contar uma história real, ou ficcional, a partir do mesmo. O desafio ia aumentando de maneira que a mesma história deveria ser contada por cada integrante do grupo, incorporando seu objeto à trama. O rastro plástico proposto foi que cada um desenhasse um objeto e escrevesse uma frase. Figura 4 – Idoso contando parte de história com o novelo de lã em mãos. 108 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Figura 5 – Idoso expressando em arte. Figura 6 – Exemplo de desenho de arte. Figura 7 – Desafiando a memória de contar história. Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico 109 Nesse dia, notamos que a materialidade do objeto era importante na relação entre memória e imaginação, propiciando um maior envolvimento com a atividade. Quinto encontro: a cidade feliz Após o convite a sentarem-se em carteiras universitárias, formando uma roda, e realizarmos a apresentação do projeto, sugerimos a cada um dos presentes que se apresentasse – “de onde vim, para onde vou” –. Cada um dizia seu nome, de onde veio e para onde iria depois da consulta. Em uma mesa baixa, no centro da roda, colocamos alguns objetos: um pedaço de tule, um jornal, um buquê de flores, um envelope, um chapéu de cozinheiro, um avental de professor e um microfone. Cada pessoa escolhia um objeto. Em seguida, apresentava o objeto para o grupo, explicitando sua forma e sua utilidade. Elaboramos uma situação para o grupo: estávamos em uma cidade, e cada membro do grupo tinha a tarefa de dizer, a partir do objeto escolhido, qual a função de cada um naquela cidade e elaborar uma cena; por exemplo, a partir do chapéu de cozinheiro, a representação do restaurante. Então, tendo canetinhas e giz de cera, cada pessoa iria confeccionar a placa de seu estabelecimento (Figura 8). Pensamos em possíveis nomes para cidade, e um dos participantes sugeriu Cidade Feliz, nome prontamente aceito por todos. Apresentamos uma de nós como sendo uma menina recém-chegada nesta cidade. A partir da pergunta “o que ela faz primeiro?”, a personagem iniciou seu “passeio pela cidade”, interagindo com os participantes que representavam os diversos estabelecimentos. Os participantes, como personagens, sugeriam as próximas ações da menina. O final da história se deu quando a menina terminou seu passeio e foi embora da cidade. Nesse dia, percebemos um grande avanço na relação dos participantes em um espaço ficcional. Em geral, eles apresentaram certa facilidade em agir como personagens no espaço criado. Figura 8 – Exemplo do uso da área de sala de espera. 110 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Sétimo encontro: descobrindo as articulações Convidamos as pessoas a se sentarem em carteiras universitárias, formando uma roda, sem nada no centro, e apresentamos o projeto. Propusemos um pequeno aquecimento corporal ao som de algumas músicas. O exercício corporal tinha início na percepção do modo de sentar na cadeira e se desenvolvia com foco nas articulações. Usamos uma bola de tênis, que era passada de pessoa para pessoa, sempre a que estava ao lado. Ao passar a bola, a pessoa dizia seu próprio nome. Após algumas rodadas, passava-se a bola, dizendo o nome da pessoa que iria receber. Dividimos os convidados em dois grupos e cada qual sorteou uma proposta de espaço e deveria construir uma estória que se passasse em tal lugar. Apareceram, então, um parque e um sítio. Cada uma das bolsistas ficou em um grupo, auxiliando no processo de criação. Cada grupo contou para os participantes do outro grupo suas estórias. Em seguida, cada participante deveria fazer um desenho a partir da estória que ouviu e não daquela que construiu. Nesse dia, buscamos retomar a questão da apresentação pela estratégia do desenho invertido. Assim, os participantes tiveram a oportunidade de se colocar artisticamente em relação à estória do outro. Décimo encontro: uma nova cidade Após o convite aos presentes – que se sentaram em carteiras universitárias, formando uma roda vazia no centro – e a apresentação do projeto, propusemos um pequeno aquecimento corporal ao som de algumas músicas. O exercício corporal tinha início na percepção do modo de sentar na cadeira e se desenvolvia com foco nas articulações. Em roda, uma bola de tênis era passada para a pessoa que estava ao lado. Ao passar a bola, a pessoa dizia seu próprio nome. Após algumas rodadas, passava-se a bola dizendo o nome da pessoa que iria receber. Em seguida, a bola deveria ser arremessada para uma pessoa que estivesse distante na roda, dizendo o nome da pessoa que iria receber. A partir de uma conversa, pensamos em diversos elementos que compõem uma cidade e cada um escolheu um estabelecimento para representar. Feito isso, todos nomearam e construíram placas para seus “empreendimentos”. A cidade contava com uma farmácia, uma quitanda, uma loja de materiais de construção e uma lanchonete. Então, as duas bolsistas interpretaram duas pessoas que passeavam pela cidade. De lugar em lugar, desenvolveu-se uma trajetória dramática: uma das personagens passava mal, e, com a ajuda de todos os participantes (moradores da cidade), incluindo a outra personagem, ela melhorava. Nesse dia, os participantes se envolveram bastante com a proposta, chegando a se colocarem fisicamente frente aos problemas da trama, assumindo uma postura cênica. Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico 111 D I S C U S S ÃO Logo nos primeiros encontros, notamos a dificuldade dos participantes em construir espaços de ficção, fato que dificultava a transformação das memórias para linguagem artística. Então, buscamos trabalhar a questão da memória como matéria para criação, tendo sempre como foco a elaboração artística das lembranças em paralelo à ficção. Além disso, percebemos que algumas mudanças possibilitavam melhor aproveitamento da atividade, como a retirada da mesa de centro, substituída por cadeiras universitárias, o que permitiu maior mobilidade dos participantes. Foi uma grande descoberta para nós vislumbrar o prazer que aquelas pessoas sentiam ao colocar o corpo em ação, através do jogo com as bolinhas e dos exercícios das articulações. No início, tínhamos certo receio de trabalhar tal aspecto. Entretanto, logo percebemos o potencial dessas atividades para abrir caminho para o mergulho naquelas que seriam propostas em seguida. No que concerne ao tratamento, percebemos em alguns casos a melhora na socialização dos idosos: no momento em que eram chamados para o atendimento, alguns chegaram a receber uma ovação do grupo, que sentia a perda de um membro daquele grupo. Por outro lado, ao adentrar para o tratamento específico, o idoso já estava mais descontraído, ativo e participativo das atividades clínicas necessárias ao bom andamento da terapêutica. CONCLUSÕES Durante o semestre no qual realizamos o trabalho prático, percebemos que nós (as propositoras) e os participantes (pacientes) conseguimos desenvolver um caminho de criação que a cada semana evoluía. Aprendemos a importância da continuidade das atividades, pois, de um encontro para outro, pudemos aprofundar questões e descobrir elementos que funcionavam melhor para aquele espaço e para aquelas pessoas. Outra melhoria que pode ser observada dizia respeito à troca de informações entre a equipe da sala de espera e o cirurgião-dentista, traduzida por uma melhora na relação entre o profissional de saúde e o paciente. Como artistas, foi importante observar que a Arte está presente em cada um de nós, sendo que um trabalho de sensibilização pode fazer emergir memórias carregadas de valor poético. Os cirurgiões-dentistas relataram que os pacientes se apresentavam menos ansiosos para as consultas. Foi possível observar que os mesmos não sentiam tanta necessidade de falar sobre situações aflitivas vivenciadas em tratamentos odontológicos realizados anteriormente. O tempo clínico rendeu mais e os pacientes se mostraram mais felizes. O grupo acredita que estas atividades poderiam ser implementadas em todas as clínicas onde haja um grupo de pacientes em espera de atendimentos diversos, facilitando, assim, a dinâmica de relações entre o corpo clínico e os idosos ou pacientes. 112 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 R eferências B ibli o gráficas [1] BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______________. Obras escolhidas: volume 1: magia e técnica, arte e política. Tradução, prefácio e notas de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 197-221. [2] BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 484 p. [3] GARBUGLIO, Joyce Lukower. Sorrindo na melhor idade: uma abordagem atual da reabilitação oral na terceira idade. São Paulo: Santos Editora, 2009. 150 p. Roberto Chaibj Stegun professor doutor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FO-USP) e coordenador do programa Envelhecer Sorrindo – R. João Martins Ribeiro Filho, 375 – Jd. Adhemar de Barros – CEP 05540-040 – São Paulo SP – e-mail: [email protected]. Maria Luiza Moreira Arantes Frigerio professora doutora da FO-USP e coordenadora do programa Envelhecer Sorrindo. Eduardo T. Coutinho professor doutor do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Letícia de Paula Venâncio graduanda em Artes Cênicas pela ECA-USP. Amanda Tavares Dias graduanda em Artes Cênicas pela ECA-USP. Larissa Bergoli Galeazzi graduanda em Odontologia pela FO-USP. Suzana Yumi Nakamura graduanda em Odontologia pela FO-USP. Envelhecer Sorrindo – Uma Experiência de Desenvolvimento Artístico 113 114 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 A Interpretação Quântica do Mundo The Quantum Interpretation of the World RESUMO A interpretação científica do mundo, embora sempre pautada em observações criteriosas dos fenômenos naturais, depende do estágio de evolução ou do nível cultural em que vivemos. O desenvolvimento da Mecânica Quântica é o mais belo exemplo disso, em que uma boa dose de criatividade foi necessária frente às dificuldades que a Física Clássica apresentava no final do século XIX. Os novos conceitos criados, como a universalidade da dualidade onda-partícula ou o princípio de incerteza norteando processos de medida, regem toda a matéria e não tem análogos na Física Clássica. Embora reinante em escalas subatômicas, recentemente tem-se evidenciado traços de propriedades quânticas fundamentais mesmo no mundo macroscópico. Palavras-chave: Desenvolvimento científico e cultural. Mecânica Quântica. Dualidade onda-partícula. Valter Luiz Líbero ABSTRACT The scientific interpretation of the world, although based on natural phenomena, depends upon our evolutionary stage or cultural level. The development of Quantum Mechanics is one of the most beautiful example of that, in which a great deal of creativity was necessary to overcome the difficulties encountered by the Classical Physics in the end of the 19th century. The new concepts, like the universality of the wave-particle duality or the uncertainty principle in the measuring process, which govern the behavior of all matter, have no analogous in the Classical Physics. Although essential in the subatomic scales, traces of fundamental quantum properties are recently found even in the macroscopic world. Keywords: Scientific and cultural development. Quantum Mechanics. Wave-particle duality. 115 intr o d u ç ã o A história da humanidade é, sem dúvida, maravilhosa quando analisada sob o ponto de vista das manifestações culturais em geral. O desenvolvimento científico é indissociável dessas manifestações e reflete a natureza humana como em qualquer outra atividade. Uma teoria científica é fruto das evidências que a natureza nos fornece através dos mais diversos fenômenos à nossa volta, mas também depende da criatividade humana, e, portanto, do seu estágio de evolução, trazendo características de certa época e limitações naturais decorrentes do momento e do lugar de sua criação. Na área da Física temos dois belos exemplos, a Mecânica Clássica e a Mecânica Quântica. Não são apenas duas teorias que explicam diferentes fenômenos, mas, antes de tudo, duas formas diferentes de pensar, que assim são porque foram criadas em momentos distintos de nossa evolução científica e cultural. Enquanto a Mecânica Clássica, por ter sido elaborada primeiro, interpreta tudo no Universo de forma mecânica e se pauta em dados e variáveis macroscópicas bem palpáveis oriundas de observações do dia a dia, a Mecânica Quântica é muito mais abstrata e lança mão de raciocínios extremamente elaborados, descrevendo a natureza com variáveis matemáticas nunca imaginadas pelas teorias clássicas, levando a um linguajar próprio para a interpretação dos fenômenos. Se causou estranheza no início, o desenvolvimento subsequente mais do que justificou a nova maneira de raciocinar no desvendar a natureza. Sem os frutos da Mecânica Quântica, o mundo hoje seria muito diferente, certamente muito mais limitado em desenvolvimento tecnológico e muitos processos fundamentais da natureza seriam mistérios aos nossos olhos. Nossa capacidade de criar novos materiais seria muito pequena. O que nos iluminou nessa caminhada para uma nova teoria que viria a ser essencial na compreensão da matéria foi, surpreendentemente, a natureza da luz, ou de forma mais abrangente, a natureza das radiações eletromagnéticas em geral. Vamos, então, primeiramente abordar alguns aspectos relevantes sobre a luz. A N AT U R E Z A Q U Â N T I C A D A L U Z A luz é uma onda e isso foi demonstrado nos experimentos realizados já em 1803 por Thomas Young [10]. Médico de formação e preocupado com os problemas clínicos da visão, suas pesquisas sobre a luz o motivaram ao caminho da Física, dando muitas contribuições relevantes. Mostrou em um experimento histórico que a luz exibia difração e interferência ao passar por obstáculos; isso comprovaria, definitivamente, o caráter ondulatório da mesma, aparentemente encerrando uma discussão que vinha desde a época de Isaac Newton. A natureza da luz, no entanto, só seria estabelecida por volta de 1860 com o físico inglês James Maxwell [9], que concluiu ser a mesma uma radiação eletromagnética, uma ondulação dos campos elétricos e magnéticos que se propagam no espaço com a espantosa velocidade de cerca de 300.000 km/s. Sendo uma onda, é caracterizada por uma frequência, ν, que é o número de vezes que em um segundo a onda passa pelo seu valor máximo, e por um comprimento de onda, λ, que é a extensão espacial entre 116 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 dois picos, ou vales, sucessivos da onda. Importante para as considerações que faremos abaixo é saber que, quanto maior ν, menor λ. A diferença entre ondas como as de rádio, infravermelho, visível, ultravioleta, raios X etc. são os valores de ν ou λ, o que também é responsável pelas diferentes maneiras com que cada uma dessas radiações interage com a matéria. Por exemplo, para captar ondas de rádio usamos um fio metálico; para captar ondas visíveis usamos espelhos ou nossos olhos; já para raios X usamos certos cristais. Todas, no entanto, têm a mesma natureza eletromagnética e caminham com a mesma velocidade. Ao final do século XIX, havia resultados experimentais precisos sobre a interação da matéria com as radiações eletromagnéticas, particularmente com a chamada radiação de corpo negro, que é um caso específico em que há um equilíbrio térmico entre a matéria aquecida a uma certa temperatura e a radiação por ela emitida. No entanto, a melhor explicação para os resultados experimentais do espectro dessa radiação dada pela Física Clássica era uma catástrofe, a ponto de a teoria prever que uma pequena fogueira poderia nos matar de tanta radiação ultravioleta que sairia da mesma. Desafiado a entender qual seria o mecanismo responsável por essa radiação de corpo negro, Max Planck, num trabalho memorável publicado em 14 de dezembro de 1900 [4] e que marcaria o nascimento da Física Quântica, mostra que uma onda eletromagnética interage com a matéria através da troca de valores definidos de energia, como se trocasse pacotes, ou quanta, de energia. Para explicar os resultados experimentais, Planck concluiu que cada quantum deveria conter a quantidade hν de energia, sendo h hoje denominada constante de Planck, uma das mais importantes constantes universais conhecidas. Ele ganharia o prêmio Nobel em 1918 por essa contribuição. Ironicamente, um professor dele o teria desestimulado à carreira de físico dizendo que nessa área tudo já teria sido descoberto! Na verdade, Planck estava prestes a revolucionar a Física. Sua explicação para a radiação de corpo negro rompia conceitos preestabelecidos, válidos em outras circunstâncias, mas que não podiam ser aplicados irrestritamente à matéria. Suas conclusões surpreenderam até mesmo a ele, mas se mostraram corretas, como ficou demonstrado em diversos experimentos que se sucederam. Seus resultados têm impacto até mesmo em Astrofísica ou Cosmologia, pois permitem a determinação de parâmetros como temperatura ou raio estelar. A radiação cósmica de micro-ondas que permeia o Universo segue o padrão da radiação de corpo negro e, com os resultados de Planck, pode-se calcular a temperatura dessa radiação, hoje da ordem de poucos Kelvins. A revolução científica que estava sendo iniciada por Planck teria continuidade imediata com Einstein* [2] que, já em 1905, interpreta o resultado de Planck e mostra que a energia de uma onda eletromagnética é transportada por partículas, posteriormente denominada de fótons. Assim, cada fóton transporta, ou é, um quantum de energia luminosa. Conclusão, as ondas eletromagnéticas possuem um caráter dual, exibindo características ondulatórias como interferência e difração, como mostrou Young, ou corpusculares, como estabeleceram Planck e Einstein. Esses conceitos viriam a explicar uma gama de experimentos, como o efeito fotoelétrico e o espalhamento de raios X, e serviram de base para a construção de dispositivos importantes, como os painéis fotovoltaicos ou as modernas máquinas fotográficas e TVs digitais. Einstein ganharia o prêmio Nobel em 1921 pela sua explicação do efeito fotoelétrico. A Interpretação Quântica do Mundo * O artigo, de suma importância para a Física, merece seu registro à parte: EINSTEIN, A. Über einen die Erzeugung und Verwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Gesichtspunkt. Annalen der Physik, v.17, p.132-148, 1905. Este e outros artigos de Albert Einstein estão disponíveis na web para consulta pública em: <http://einstein annalen. mpiwg-berlin.mpg.de/annalen/ chronological/>. 117 Estava, então, consolidada a ideia da quantização da energia, que seria crucial para o estabelecimento da Mecânica Quântica, particularmente nos trabalhos subsequentes de Niels Bohr, em 1925, sobre a constituição atômica da matéria [1]. A ideia de que existem grandezas quantizadas, no entanto, é bem anterior aos trabalhos de Planck e Einstein, como veremos a seguir. A N AT U R E Z A AT Ô M I C A D A M AT É R I A A natureza granular da matéria já era considerada pelos filósofos gregos em cerca de 450 a.C. e até cunharam a palavra átomo para a menor parte indivisível da matéria que ainda guardava sua propriedade original. No entanto, iniciativas para se provar a existência do átomo só aparecem no século XVII com Gassendi e Hooke, mas de forma simplória. Com Avogadro, em 1811, a ideia da quantização da massa ganha atenção, pois é formulada de maneira quantitativa. Junto com a teoria cinética dos gases e os estudos de Einstein sobre o movimento browniano, ficou evidente já no início do século XX que a matéria não é contínua, mas constituída de átomos que se juntam em moléculas e dão forma e propriedade aos corpos. Outra grandeza importante que se apresenta na forma quantizada é a carga elétrica de um corpo, sendo o valor fundamental a carga do elétron, uma das partículas mais importantes da natureza, descoberta por J. J. Thomson [8] em 1897 e que lhe rendeu o Prêmio Nobel em 1906. Thomson dirigia o Laboratório Cavendish, um dos mais importantes da época. Dentre seus colaboradores, sete ganharam o Prêmio Nobel. Sua descoberta foi de extrema importância, pois qualquer carga elétrica é um múltiplo da carga do elétron. Aliando seus resultados aos de P. Zeeman, de 1896, concluiu-se que o elétron era parte integrante do átomo e, portanto, este era divisível. Outras partículas foram identificadas como constituintes dos átomos, como os prótons e os nêutrons. No começo do século XX já eram estabelecidas as quantizações da massa, da carga e da energia, o que representava um grande passo para a elaboração de uma nova Mecânica, a Mecânica dos Quanta. A N AT U R E Z A O N D U L AT Ó R I A D A M AT É R I A O surgimento da Mecânica Quântica foi decorrência de dificuldades que a Mecânica Clássica apresentava ao explicar diversos fenômenos conhecidos ao final do século XIX, como o comportamento térmico da matéria ou a interação desta com as radiações eletromagnéticas. Niels Bohr [1], em 1925, preocupado em entender os espectros de linhas coloridas emitidas por diversos materiais, principalmente o do gás hidrogênio, elabora uma teoria quântica em que introduz um conceito novo, a saber, que os átomos trocam energia com o ambiente através de transições eletrônicas que se processam pela absorção ou emissão de fótons pelos elétrons. Sua teoria era ousada para a época e, a despeito do sucesso, infelizmente ainda continha traços da Mecânica Clássica, o que é compreensível, pois se tratava de uma fase de transição de uma teoria antiga para uma 118 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 moderna. Era também muito limitada ao gás hidrogênio, não fornecendo bons resultados para outros elementos químicos. Com Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger, temos a formulação atual da teoria quântica, com conceitos inteiramente novos. Com Paul Dirac, essa teoria se junta ao formalismo da Relatividade Especial de Albert Einstein e dá origem à Teoria Quântica de Campos, fundamental na compreensão dos fenômenos envolvendo partículas elementares. O funcionamento de modernos aceleradores, como o extraordinário LHC, se fundamenta nos resultados dessa fusão de teoria quântica com a da relatividade. Mas, afinal, que ideias revolucionárias são essas que levaram à criação da Mecânica Quântica e que abriram um caminho tão frutífero ao conhecimento científico, que deram origem a novas tecnologias, como os lasers, permitiram entender e construir novos materiais como os semicondutores, ou nos levaram a prever entidades tão complexas sobre o mundo em que vivemos, como os bósons de Higgs, e mais do que qualquer outra teoria científica, nos faz pensar tanto sobre a natureza do mundo em que vivemos e qual o nosso papel ou influência nele? Para ilustrar a ideia básica por trás da Mecânica Quântica, comecemos com um simples experimento do dia a dia, o de descrever o movimento de um carro numa rua. Todos sabem fazer isso muito bem, basta informar a cada instante onde ele se encontra e qual a velocidade em que ele está. Podemos usar marcas predefinidas ao longo da rua para medir distâncias e, com a ajuda de um cronômetro, calculamos sua velocidade, que nada mais é do que a taxa com que o espaço muda com o tempo. Mas essas operações de medida envolveram algo que, neste exemplo em particular, não demos atenção: foi preciso ver o carro, isto é, observar a luz refletida nele! O desprezo pela interação carro luz é natural, uma vez que, obviamente, o impacto da luz não altera em nada a posição ou a velocidade do carro, pois transfere um impulso ou uma energia absolutamente desprezível ao mesmo, já que possui uma massa da ordem de toneladas. Com posições e velocidades medidas a cada instante podemos saber a trajetória do carro e saber até mesmo quais forças estão atuando sobre o mesmo, ou seja, sabemos com precisão tudo sobre o movimento do objeto em estudo. Importante aqui é reconhecer que a observação ou as medidas executadas no carro em nada alteram seu estado de movimento: sua trajetória é a mesma, quer o observemos ou não. A Mecânica Clássica evoluiu bastante quando aplicou esse conceito de trajetória ao macrocosmo e um bom exemplo disso é a descrição precisa dos movimentos dos corpos no nosso Sistema Solar, cujo tamanho é cerca de 1010 metros (o número 1 seguido de 10 zeros). Vale lembrar que Edmund Halley previu, usando a Teoria Clássica da época, o regresso do famoso cometa que leva o seu nome para a véspera do Natal de 1758. O sucesso foi tão grande ao nível cósmico que a Mecânica Clássica parecia universal. Era natural, portanto, que se tentasse explicar fenômenos originários no interior da matéria, em escala atômica. Acontece que um átomo mede cerca de 10-10 metros (1 sobre 1 seguido de 10 zeros), por consequência, ínfimo, se comparado às escalas em que a Mecânica Clássica foi desenvolvida e comprovada. Não é surpreendente, portanto, que dificuldades iriam aparecer nessa jornada em direção ao microcosmo. A Ciência, porém, evolui principalmente quando enfrenta desafios e, neste caso, culminou com a criação de uma nova Mecânica. A Interpretação Quântica do Mundo 119 Vejamos como a Mecânica Clássica tenta tratar a questão do movimento atômico. Gostaríamos de estudar o movimento de um átomo, marcando sua posição e velocidade em funções do tempo, como fizemos para o carro. “Simples” – um físico clássico diria – “preciso vê-lo; assim, ilumino-o e analiso a luz refletida a cada instante”. Mas, diferentemente do carro, um átomo é muito pouco massivo; para se ter uma ideia de sua massa, um carro tem cerca de 1030 átomos! Como consequência de sua leveza, a luz acaba transferindo energia para o átomo, que tem sua velocidade alterada substancialmente. Para evitar essa situação, pensaríamos em usar uma radiação energeticamente bem fraca, ou seja, de frequência muito baixa (lembre-se, energia é proporcional à frequência). Isso garantiria que o átomo não tivesse sua velocidade alterada apreciavelmente, já que estaria absorvendo pouquíssima energia. Mas, como mencionamos acima, frequência baixa corresponde a uma radiação de grande comprimento de onda, ou grande extensão espacial, e, assim, ao analisar a radiação refletida pelo átomo, esta não traria informação precisa de sua localização; seria como tentar adivinhar a presença de um barquinho em alto mar olhando para as ondas de grande extensão espacial que chegam à praia! Em resumo, a observação no mundo microscópico tem uma limitação natural: se tentarmos medir a velocidade com precisão, perderemos noção da posição do objeto; se tentarmos medir a posição com precisão, usando uma radiação de comprimento de onda muito pequeno (como raios X), como esta terá necessariamente frequência muito alta, transferirá muita energia ao objeto e, assim, não saberemos sua velocidade. Essas limitações não são tecnológicas, isto é, não serão contornadas com o avanço de qualquer técnica, mas são intrínsecas à natureza. Não se restringem ao mundo microscópico, mas é nele que ganham importância crucial. Existem outros pares de variáveis, além de posição e velocidade, que também sofrem de limitação análoga. Esses pares são ditos obedecerem ao princípio de incerteza de Heisenberg. Na opinião de muitos, é a existência desse princípio que mais distingue a Mecânica Clássica da Quântica. Uma consequência imediata dessa limitação na determinação simultânea e precisa da posição e velocidade de um objeto é que não podemos mais utilizar o conceito de trajetória e tudo que dela depende. Com isso, nossa descrição das interações entre os corpos precisa ser modificada, pois se fundamenta no conhecimento da distância entre eles. Isso não afeta apenas áreas da Física, mas é crucial também em Química e em Biologia Estrutural, que se baseiam no entendimento das interações entre diferentes átomos ou moléculas. Então, era necessário um novo conceito para descrever a evolução temporal de partículas em escala atômica ou subatômica ou uma nova Mecânica que descrevesse o comportamento dos corpos com variáveis que pudessem ser medidas. A procura dessa teoria culminou na elaboração da Mecânica Quântica. Neste momento do desenvolvimento científico, em que uma nova Mecânica estava para nascer, ficou clara a importância da criatividade humana. Pensou, em 1924, o nobre príncipe francês Louis de Broglie [5], que se iniciou em História, mas se rendeu aos encantos da Física por influência de seu irmão, o físico Maurice de Broglie: se com os trabalhos de Planck e Einstein estamos evidenciando que uma onda eletromagnética tem caráter corpuscular, isto é, carrega fótons, por que partículas materiais como átomos, elétrons etc. também não podem exibir um caráter ondulatório? Assim, a dualidade onda-partícula seria uma característica universal, presente nas ondas e na matéria 120 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 em geral. De Broglie fez essa proposta em sua tese de doutorado; foi um ato de súbita inspiração – como ele mesmo menciona – e de pura criatividade, já que não havia dados experimentais que evidenciassem diretamente isso. O próprio de Broglie sugeriu como comprovar sua proposição, que se mostraria verdadeira e de enorme importância, pois viria a nortear os pensamentos científicos da época. Experimentos confirmaram sua proposta e a onda associada a cada partícula material seria interpretada posteriormente como relacionada à probabilidade de localização da partícula. Essa onda sofre difração e interferência como qualquer outra onda, o que é essencial para descrever o movimento das partículas. Isso é coerente com a falta de trajetória das mesmas, pois onda não tem trajetória bem definida. Vale ressaltar que a interpretação posterior dada a essas ondas não era compartilhada pelo próprio de Broglie, o que evidencia que um ato criativo não segue uma linha lógica necessariamente, mas pode abrir as portas para que outros possam formular a estrutura lógica em que uma teoria deve se fundamentar. De Broglie foi laureado com o Nobel de 1929, sendo o primeiro a receber tal prêmio decorrido de resultados de uma tese de doutorado. Na verdade, os trabalhos da tese não foram de início bem recebidos, mas depois que Einstein leu a tese e fizera um alto elogio ao trabalho, teve aceitação e clamor pela banca examinadora. Seu orientador foi o importante físico francês Paul Langevan. Curiosamente, um dos experimentos importantes a confirmar o caráter ondulatório do elétron foi feito por G. P. Thomson, filho de J. J. Thomson, que havia, em 1890, descoberto o elétron a partir de um experimento em que o mesmo se mostrava como partícula! Ele recebe o Nobel em 1937 juntamente com Davisson, outro a demonstrar, de modo independente, a mesma característica ondulatória do elétron. Diversos outros experimentos foram e são, ainda, realizados e todos confirmam a natureza dual de partículas em escala atômica. Em razão desse caráter dual, uma partícula não executa uma trajetória bem definida de um ponto a outro do espaço; só podemos afirmar qual a probabilidade que ela possui de estar numa dada posição a cada instante. O valor dessa probabilidade é obtido sabendo-se a amplitude da onda intrinsecamente associada à partícula. Apenas uma medida pode revelar se ela está ou não num determinado ponto do espaço. Essa medida, no entanto, altera substancialmente a onda associada a ela e, como consequência, seu estado de movimento, conforme discorremos acima. Nesse sentido, o observador, aqui entendido como o agente que faz a medida, é parte integrante do experimento. Na Mecânica Clássica, há sempre o pressuposto de que a influência do observador pode ser minimizada ao extremo de ele ser desconsiderado. Na Mecânica Quântica, isso não só é impossível como é essencial que o observador seja considerado como parte do sistema em estudo. Sem o conceito de trajetória, muito do que havíamos aprendido na Física Clássica precisa de revisão. Por exemplo, como fica a nossa visão da constituição do átomo? Aprendemos nos primeiros ensinamentos de Ciências que um átomo é constituído de um pequeníssimo núcleo formado de prótons e nêutrons e com elétrons girando ao redor em trajetórias circulares. Essa ideia de trajetória já trazia dificuldades mesmo antes do advento da Mecânica Quântica, pois um elétron tem carga elétrica e numa trajetória circular, devido a sua aceleração, deveria perder sua energia por irradiação e A Interpretação Quântica do Mundo 121 cair no núcleo do átomo em cerca de um nanossegundo! Nada ou ninguém existiria no Universo segundo esse cenário. A Mecânica Quântica resolve esse problema, abolindo o conceito de trajetória e descrevendo o movimento do elétron em termos da probabilidade de ele ser encontrado em cada ponto do espaço. O mapeamento espacial dessa probabilidade ao redor do núcleo atômico resulta no que chamamos de orbitais atômicos. Essa noção é fundamental em praticamente toda a Química; seria extremamente difícil, senão impossível, descrever ligações químicas com o conceito clássico de trajetórias. Hoje, descrevemos a formação de moléculas pela superposição ou junção de orbitais atômicos; e mais, com a ideia de orbitais, não apenas entendemos o comportamento da matéria, mas diferentes compostos são projetados para terem propriedades específicas, como supercondutores, semicondutores, superfluidos, os fantásticos nanotubos de carbono e mais recentemente até fármacos, materiais que estão começando uma revolução em nosso modo de vida. A fronteira entre a escala em que a Mecânica Quântica deve ser aplicada e a escala em que a Mecânica Clássica passa a valer não é bem definida. Não há valores bem definidos de tamanho ou massa que dividam o mundo clássico do quântico, mas é certo que, embora as propriedades das substâncias dependam da natureza quântica de seus constituintes, não vemos no nosso mundo macroscópico a matéria exibir caráter ondulatório. Os objetos ao nosso redor exibem trajetórias bem definidas e não se parecem com ondas ou se comportam como tal! O que faz com que a dualidade intrínseca ao nível atômico desapareça ao nível macroscópico? Os físicos argumentam que a dualidade exige uma coerência da onda de probabilidade, que é perdida quando a partícula interage com o ambiente em que ela se encontra. Esse ambiente é constituído de outras partículas e radiações, sempre presentes principalmente quando se realiza uma medida, pois neste caso algum instrumento ou observador, necessariamente, está interferindo no estado da partícula. Esse ambiente causa uma decoerência na onda e uma consequente perda da informação quântica ao nível macroscópico. Em palavras simples, quando muitas partículas estão juntas, via de regra elas não se organizam num estado coerente por muito tempo, deixam de exibir propriedades individuais e, portanto, passam a se comportar como clássicas. No entanto, experimentos recentes estão em curso, procurando evidenciar traços quânticos individuais deixados por essas partículas no ambiente [11]. O entendimento dessas questões é de grande relevância, por exemplo, na elaboração de sistemas de criptografia baseados em estados atômicos. Isso dará confiabilidade muito maior na transmissão de dados sigilosos entre dois pontos. Também será relevante na construção de uma nova geração de computadores, que utilizam o emaranhamento de estados quânticos [3,7] no lugar dos tradicionais bits 0 e 1, e promete aumentar sobremaneira a capacidade de processamento computacional atual. Além de ampliar nossa compreensão sobre a teoria quântica, essas questões e experimentos permitirão que no futuro tenhamos uma intuição muito maior sobre o mundo quântico, a ponto de podermos, quem sabe, considerá-lo mais natural. É notável como as novas gerações já estão tratando os fenômenos quânticos com novos olhos. Em estágios iniciais dos estudos em Mecânica Quântica é natural nos perguntarmos se, um dia, iremos entender esses conceitos tão abstratos, tão diferentes daqueles que estamos acostumados no dia a dia. A meu ver, muito mais produtivo nesses estágios 122 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 é compreender as razões que levaram os seus protagonistas a elaborarem um cenário dualista, em que a matéria tem seu comportamento regido por uma onda de probabilidade e que uma onda luminosa transporta energia através de partículas. Essas ideias, sem sombra de dúvida, foram consequências de uma evolução científica, respaldada firmemente em observações da natureza e em resultados de importantes experimentos. Mas devemos reconhecer que essas observações não foram, por si, o que definiu nossa visão do mundo. Nosso estágio cultural desempenhou papel indissociável. Podemos dizer que foi de extrema genialidade a criação de conceitos quânticos como a dualidade onda-partícula ou podemos dizer que talvez seja tão difícil de entendê-los porque são apenas fragmentos dentro de uma teoria mais abrangente ainda a ser elaborada e que, no momento, ainda não temos como imaginá-la, mas que será arquitetada em momento oportuno de nossa evolução. Sendo assim, hoje temos uma interpretação quântica do mundo, mas amanhã estaremos num novo estágio de evolução, com novos experimentos conhecidos, e nossa interpretação do mundo certamente sofrerá influência desse novo momento de nossa história! Obviamente que nossa cultura também evolui sob influência do desenvolvimento científico. O emaranhamento entre cultura e ciência é inevitável e bem-vindo, pois promove a evolução consciente de uma sociedade. Sem a cultura, não saberíamos a razão da ciência; sem a ciência, não conheceríamos a beleza da natureza. Embora a Mecânica Quântica tenha seus postulados bem definidos, ela dá margem a diferentes interpretações. Desde sua criação, apareceram diversas correntes de interpretação, todas em geral procurando entender o conceito de onda de probabilidade associada a cada partícula [6]. Teria essa onda uma realidade ou seria apenas um instrumento matemático para se obter informações do estado de movimento das partículas, ou de valores de medidas realizadas sobre as mesmas? Seriam onda e partícula objetos separáveis ou indissociáveis? Esse fascinante e complexo tópico de estudo, com grande apelo filosófico, tem sido amplamente explorado tanto do ponto de vista teórico como experimental. Os resultados certamente nos farão repensar o mundo em que vivemos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BOHR, N. On the Constitution of Atoms and Molecules. Philosophical Magazine, v. 26, p. 1-25, 1913. [2] EINSTEIN, A. On a Heuristic Point of View about the Creation and Conversion of Light. In: HAAR, D. T. (Org.). The Old Quantum Theory. Cambridge: Pergamon Press, 1967, p.91-106. [3] KON, D. Ligações Perdidas. Pesquisa Fapesp, São Paulo, v. 136, p.56-57, 2007. [4] KRAGH, H. Max Planck: the reluctant revolutionary. Physics World, p. 31-35, dez. 2000. [5] NOBEL FOUNDATION. The Nobel Prize in Physics 1929: Louis de Broglie. Sweden: Nobel Foundation, s/d. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/ nobel_prizes/physics/laureates/1929/broglie-bio.html>. Acesso em: 19 mar. 2013. [6] PESSOA JÚNIOR, O. Conceitos de Física Quântica. São Paulo: Editora A Interpretação Quântica do Mundo 123 Livraria da Física, 2003. [7] PIVETTA, M. Os fantasmas dos fótons. Pesquisa Fapesp, São Paulo, v. 123, p.58 59, mai. 2006. [8] THOMSON, G. P. J. J. Thomson, discoverer of the electron. New York: Doubleday & Co., 1964. [9] UOL EDUCAÇÃO. Físico escocês: James Clerk Maxwell. São Paulo: Universo On Line, s/d. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/jamesclerkmaxwell.jhtm>. Acesso em: 19 mar. 2013. [10] WIKIPEDIA. Thomas Young (scientist). San Francisco: Wikimedia Foundation, s/d. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_young_ (scientist)>. Acesso em: 19 mar. 2013. [11] ZORZETTO, R. Sobre gatos, fótons e mundos estranhos. Pesquisa Fapesp, São Paulo, v. 202, p. 18-25, dez. 2012. Valter L ui z L í b ero professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e atual diretor do Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) – R. 9 de Julho, 1227 – Centro – CEP 13560-042 – São Carlos-SP – e-mail: [email protected]. 124 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 A Interpretação Quântica do Mundo 125 126 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 Instruções para o preparo e encaminhamento dos trabalhos Instructions for Preparing and Forwarding of Papers P repara ç ã o Os trabalhos devem ter no mínimo 10 e no máximo 15 páginas, incluindo a referência bibliográfica. Se no trabalho houver a inclusão de imagem (s), esta (s) deverá (ão) ser enviada (s) em outro arquivo, com formato JPG e com resolução de, no mínimo, 400 dpis. T ítul o d o T rabalh o Deve ser breve e indicativo da finalidade do trabalho. O título deverá ser apresentado em português e em inglês. A ut o r ( es ) Por extenso, indicando a (s) instituição (ões) à (s) qual (ais) pertence (m). O autor para correspondência deve ser indicado com asterisco, fornecendo endereço completo, incluindo o eletrônico. R esum o em p o rtuguês Deve apresentar, de maneira resumida, o conteúdo, a metodologia, os resultados e as conclusões do trabalho, não excedendo a 200 palavras. 127 Palavras - C have Observar o limite máximo de 3 (três). As palavras-chave em inglês (keywords) devem acompanhar as em português. R esum o em inglês Deve conter o título do trabalho e acompanhar o conteúdo do resumo em português. No caso de trabalhos escritos em língua inglesa, deverá ser apresentado um resumo em português. I ntr o d u ç ã o Deve estabelecer com clareza o objetivo do trabalho. Extensas revisões de literatura devem ser substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde tais revisões tenham sido apresentadas. M ateriais e mét o d o s A descrição dos métodos usados deve ser breve, porém suficientemente clara para possibilitar a perfeita compreensão e repetição do trabalho. Estudos em humanos devem fazer referência à aprovação do Comitê de Ética correspondente. R esulta d o s Deverão ser acompanhados de tabelas e material ilustrativo adequado. Discuss ã o Deve ser restrita ao significado dos dados e resultados alcançados. C o nclusões Quando pertinentes, devem ser fundamentadas no texto. 128 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 R eferências bibli o gráficas A exatidão das referências bibliográficas é de responsabilidade dos autores. Elas devem ser organizadas de acordo com as instruções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 6023 e ordenadas alfabeticamente no fim do artigo, incluindo os nomes de todos os autores. C ita ç ões n o text o As citações bibliográficas inseridas no texto devem ser indicadas por numerais arábicos entre colchetes. Quando for necessário mencionar o (s) nome (s) do (s) autor (es) no texto, a seguinte deverá ser obedecida: »» Até 3 (três) autores: citam-se os sobrenomes dos autores; »» Mais que 3 (três) autores, cita-se o sobrenome do primeiro autor, seguido da expressão latina et al.; »» Caso o nome do autor não seja conhecido, a entrada é feita pelo título. C ita ç ões na lista d e referências A literatura citada no texto deverá ser listada em ordem alfabética e numerada de forma sequencial, usando numerais arábicos entre colchetes. A lista de referências deve seguir os padrões mínimos estabelecidos pela ABNT NBR 6023, de agosto de 2002, resumidos a seguir: Livro no todo Autor (es), título em negrito, edição, local, editora e ano de publicação. Exemplo: BACCAN, N.; ALEIXO, L. M.; STEIN, E.; GODINHO, O. E. S. Introdução à semimicroanálise qualitativa. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. Livro em parte Autor (es) e título da parte, acompanhados da expressão in, da referência completa do livro, do capítulo e da paginação. »» Exemplo: SGARBIERI, V. C. Composição e valor nutritivo do feijão Phaseolus vulgaris L. In: BULISANI, E. A. (Ed.). Feijão: fatores de produção e qualidade. Campinas: Fundação Cargill, 1987. cap. 5, p. 257-326. Artigo em publicação periódica Autor (es) e título da parte, título da publicação em negrito, local (quando possível), Instruções para o Preparo e Encaminhamento dos Trabalhos 129 volume, fascículo, paginação, data de publicação. »» Exemplo: KINTER, P. K.; van BUREN, J. P. Carbohydrate interference and its correction in pectin analysis using the m-hydroxydiphenyl method. Journal Food Science, v. 47, n. 3, p. 756-764, 1982. Artigo apresentado em evento Autor (es), título da parte, seguido da expressão in:, título do evento, numeração do evento (se houver), local (cidade) e ano de realização, título da publicação em negrito, local, editora, data de publicação e paginação. »» Exemplo: BRAGA, A. L.; ZENI, G.; MARTINS, T. L.; STEFANI, H. A. Síntese de calcogenoeninos. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 18, Caxambu, 1995. Resumos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1995. res. QO-056. Dissertação, tese e monografia Autor, título em negrito, ano da defesa, número de páginas, descrição do trabalho acadêmico, grau e área de conhecimento, a vinculação acadêmica, local e ano de aprovação. »» Exemplo: CAMPOS, A. C. Efeito do uso combinado de ácido láctico com diferentes proporções de fermento láctico mesófilo no rendimento, proteólise, qualidade microbiológica e propriedades mecânicas do queijo minas frescal. 2000. 80p. Dissertação (Mestre em Tecnologia de Alimentos) – Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. Trabalho em meio eletrônico As referências devem obedecer aos padrões indicados, acrescidas das informações relativas à descrição física do meio eletrônico (disquete, CD-ROM, on-line etc.), de sua localização (em caso de páginas eletrônicas) e data de acesso. »» Exemplo: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Tratados e organizações ambientais em matéria de meio ambiente. In: _______. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA, 1999. p. 7-14. Disponível em: <http://www.bdt. org.br/sma/entendendo/atual.htm>. Acesso em: 8 mar. 1999. Legislação Jurisdição e órgão judiciário competente, título, numeração, data e dados da publicação. »» Exemplo: BRASIL. Portaria nº. 451, de 19 de setembro de 1997. Regulamento técnico 130 Revista Cultura e Extensão USP Volume 9 princípios gerais para o estabelecimento de critérios e padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 set. 1997, Seção 1, n. 182, p. 21005-21011. A gra d eciment o s Agradecimentos e outras formas de reconhecimento devem ser mencionados após a lista de referências. o s artig o s d evem ser envia d o s em arquiv o eletrônic o para o e - mail : [email protected] T erm o d e c o nc o r d ância e cess ã o d e d ireit o s d e repr o d u ç ã o O (s) abaixo assinado (s) _______________________________, autor (es) do artigo intitulado _______________________________________, declaram tê-lo lido e, aprovando-o na sua totalidade, concordam em submetê-lo à Revista Cultura e Extensão USP para avaliação e possível publicação como resultado original. Esta declaração implica que o artigo, independente do idioma, não foi submetido a outros periódicos ou revistas com a mesma finalidade. Declaro (amos) que aceito (amos) ceder os direitos de reprodução gráfica para a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (PRCEU-USP), no caso do artigo com o título descrito acima, ou com o título que posteriormente venha a ser adotado para atender às sugestões de editores e revisores, seja publicado pela Revista Cultura e Extensão USP ou quaisquer periódicos e meios de comunicação e divulgação da PRCEU-USP. Em adição (necessário se existir mais que um autor), concordamos em nomear _______________ como o autor a quem toda a correspondência e separatas deverão ser enviadas. Cidade: Endereço: Data: Nome (s) e assinatura (s): Instruções para o Preparo e Encaminhamento dos Trabalhos 131 Título Revista Cultura e Extensão USP Revisão de texto José Antonio Capellari e Priscila Conde Projeto gráfico Ricardo Assis – Negrito Produção Editorial Supervisor do Serviço de Produção Editorial Vitor Borysow Editoração Eletrônica Angela Midea Coelho Formato 205 x 265 mm Fontes Avenir e Arno Pro Papel do miolo Alta alvura 90 g/m² Papel da capa Cartão Duo Design 250 g/m² Número de páginas 132 CTP, impressão e acabamento HR Gráfica