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Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Revista da CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso - Presidente Aylza Munhoz J. Roberto Whitaker Penteado Luiz Francisco Gracioso EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado Mtb N.º 178/01/93 e-mail:[email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza DIRETOR DE ARTE Antonio Celso Collaro DIAGRAMAÇÃO Antonio Celso Collaro Carlos Brioschi REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos IMPRESSÃO, DISTRIBUIÇÃO E PUBLICIDADE Editora Referência Rua François Coty, 228 CEP 01524-030 Tel: (11) 274-0766 Fax: (11) 272-6921 REDAÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo - SP CEP 04018-010 Tel: (11) 5085-4500 Fax: (11) 5085-4600 Internet site: www.espm.br E-mail: [email protected] REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a Coordenadora Editorial. Editorial Esta edição da Revista da ESPM dá destaque especial às mudanças que vêm ocorrendo na prática do marketing entre nós. Nossa mesa-redonda, reunindo personalidades de destaque no setor, chegou a conclusões muito importantes. O marketing está realmente mudando, em função dos novos problemas enfrentados e das novas tecnologias disponíveis. Mas, nesse panorama em constante mutação, os princípios básicos do marketing continuam sempre válidos. Ainda mais importante do que os modismos que surgem e desaparecem com igual facilidade, o que está havendo é uma revolução silenciosa na conceituação do marketing. Este, de simples função da empresa, como era antigamente, está-se transformando em filosofia de negócios que permeia através de toda a estrutura gerencial. Empresas de todos os tipos e tamanhos fazem do cliente o seu foco principal. Servilo, cada vez melhor, passa a ser a preocupação dominante. E o mercado se transforma em princípio e fim de todos os nossos esforços. Um estudo que vem sendo conduzido por nós, com base na lista das 22 empresas escolhidas como as melhores de 2000 pela revista Exame, mostra que 63% delas seguem estratégias básicas de marketing, para competir e crescer no mercado. O número é impressionante e mostra a profundidade das mudanças que ocorreram na economia brasileira, a partir do Plano Real. Nesse contexto, o marketing passou a ser a diferença principal entre o êxito e o fracasso. Prof. Francisco Gracioso Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Índice 9 CANNES 2001 - Um passeio pelo mais concorrido festival de publicidade do planeta DARLAN MORAES JR. A Revista da ESPM leva você a conhecer um pouco mais sobre como foi o Festival de Publicidade de Cannes em 2001. Uma breve descrição das categorias, exemplos de campanhas e uma análise do desempenho do Brasil que – como sempre – deixou uma bela marca no cenário mundial da publicidade. 15 Quem tem medo do consumidor? V A L É R I A R AV I E R O artigo contextualiza o desgaste daquelas empresas que insistem em não adequar as suas estratégias aos novos tempos, funcionando segundo o princípio de produzir e vender e situando o cliente no fim do processo. Nesse sentido, o marketing de relacionamento é visto enquanto necessidade histórica e não como um simples modismo. 20 Isso é puro marketing F R A N C I S C O S E R R A LV O WILSON WEBER Da orientação econômica a uma disciplina eclética. Nesse artigo, os autores abordam as diferentes correntes de pensamento que, ao longo de um século, influenciaram as atividades de marketing tornando-as fundamentais para o êxito das organizações e atendimento das expectativas dos consumidores. 35 NossoscursosdeAdministraçãosãomaisESPMqueos cursosdosoutros M A R C O S A M AT U C C I O autor presta uma homenagem à ESPM no cinqüentenário, recuperando aspectos da história da instituição, que começou como um curso de arte publicitária, e mostra que os valores e a cultura dos fundadores estão presentes nos atuais cursos de Administração da escola. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 42 Educação Empresarial 47 Leitura ou Interpretação? FRANCISCO GOMES DE MATOS O espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade total. Tornou-se imprescindível uma Pedagogia de Liderança que comece na concepção de Gerente-Educador. Numa época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo. ALUIZIO R. TRINTA Visão contrastiva e comparativa das noções de leitura e de interpretação à época do advento do hipertexto e da deriva permanente do sentido (filosófico, literário, artístico) pela interatividade, que apropriadamente caracteriza a comunicação pela rede informatizada. 55 Mesa-Redonda sobre o Ensino MESA-REDONDA SuperiornoBrasil 80 ENTREVISTA COM 91 101 Livros Jacques Marcovitch UM CASE EM FOCO Telefônica 104 Sumário Executivo 106 PONTO DE VISTA CANNES 2 0 0 1 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Um passeio pelo mais concorrido festival de publicidade do planeta • Darlan Moraes Jr. 9 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 passou a ser a exata reprodução da beleza de um deus grego pelos olhos da sua amada. Um leão de ouro mais do que merecido para a agência de Fabio Fernandes. O Boulevard Croisette A cidade de Cannes é uma festa 365 dias por ano. E o Boluevard Croisette, a calçada da fama. Todos aqueles que sonham em agarrar um leão pela unha têm que passar por esta badalada avenida, antes de chegar ao Palais du Festival, local onde ocorre todos os anos o evento de publicidade mais concorrido do planeta. Engana-se quem pensa que Cannes depende do cinema e da publicidade para estar em voga. Estes dois festivais são os de maior porte, mas ali ocorrem também simpósios de odontologia, medicina, moda e até um festival de cinema pornô. Este, de tão badalado, teve que trocar de data porque acontecia na mesma época do festival de cinema, e estava roubando as luzes dos figurões e starlets que não podiam admitir tal concorrência. Mas, entre os dias 18 e 23 de junho, a grande estrela mesmo é a publicidade, muitas vezes confundida com arte, mas que na verdade é apenas um instrumento dentro de um sistema baseado na cultura de consumo. Nessa semana, quando o sol esteve presente todos os dias, quem brilhou mesmo foram filmes, peças de mídia impressa, web sites, a competição Young Creatives – que o Brasil faturou, pela primeira vez, com uma peça excelente para a doação de fundos para a cura da leucemia –, além de outras premiações em categorias como o Media Lions e melhor uso de mídia, que vem ganhando maior representatividade a cada ano. Mídia Impressa: simplicidade como marca registrada “Faça de maneira simples. Vamos fazer a coisa de maneira óbvia mas vamos fazê-la de modo inigualável.” As palavras de Leo Burnett – tiradas do livro 10 100 Leo’s Wit & Wisdom from Leo Burnett – foram seguidas à risca, e o melhor da mídia impressa neste ano tinha invariavelmente este ingrediente. Mas a interpretação do que é simples não pode ser encarada como a ausência de elementos inerentes a um anúncio. Como prova de que em 1999 a coisa andava feia pelos lados da redação, Bob Garfield – colunista da Advertising Age – disse em entrevista que “não é mais necessário existir a categoria Press (onde se avaliam anúncios como vemos em uma revista) & Poster (o mesmo em português e que analisa o trabalho mais pelo seu impacto visual). Vamos rebatizá-la de Poster & Poster já que o título parece ser agora um elemento alheio à mídia impressa”. Mas, diferentemente do que se viu no festival de 1999, este ano a dupla título e direção de arte bateu um bolão, usando e abusando de simplicidade. Como exemplo – e uma das campanhas que levou a agência brasileira F/Nazca a ser eleita a melhor do ano em 2001 –, o trabalho realizado para a joalheria Natan com o mais do que batido recurso “ANTES” – “DEPOIS” que desta vez, porém, foi trabalhado de uma forma em que um noivo – que mais parecia um Frankestein antes de presentear sua noiva com diamantes – Mas além do Brasil – que teve um crescimento significativo de 70% nas inscrições em Press & Poster, uma excelente marca no short list e muitas premiações –, os países de maior destaque foram Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, África do Sul e Cingapura. A grande ausente do ano foi a Holanda, que não apresentou as marcas já vistas em festivais anteriores. Como surpresa – vide artigo sobre a publicidade na Nova Europa na Revista da ESPM, edição maio/junho –, a Polônia faturou um leão de bronze, provando que os poloneses estão mesmo arrebentando. Grand Prix do Press & Poster: polêmico Eleger o Grand Prix deve ser a tarefa mais complicada de toda a competição. A campanha deve reunir fatores que devem ser encarados como um exemplo do que significa uma publicidade arrojada. Dessa forma, ficou difícil entender porque o júri decidiu conceder a agência sueca Paradiset DDB Stockolm, o prêmio mais importante da categoria. Imagine uma campanha para uma marca de roupas irreverente com modelos negros também irreverentes, de bem com a vida, cheios de estilo e que curtem a vida. Até aí nada de novo. Adicione então – com estas fotos de fundo – manchetes de jornal em primeiro plano que denotam a injustiça social, a fome, os conflitos e problemas que vive o continente africano de um modo um tanto irônico. Está pronta a fórmula para o Grand Prix de mídia impressa em 2001. De modo geral, a conclusão sobre o motivo de essa campanha ter sido a ganhadora reside no fato que existe aí a ironia como fator marcante (marca regis- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 trada da Diesel de longa data que inclusive tem como slogan “For sucessful living” ou “Para uma vida repleta de sucesso” ). Muitos criativos consideraram injusta a premiação, já que outras campanhas traduziram de modo mais efetivo o que é o exemplo de uma mídia impressa campeã. Outra informação – que não vem de fontes oficiais – é que a Diesel não ficou muito satisfeita com o resultado desta comunicação, diferentemente dos júris do festival. Fato relevante, já que é sempre bom lembrar que acima de tudo o objetivo principal da publicidade é trabalhar a favor da marca seja em termos de imagem ou em resultado de vendas. Dê uma olhada você mesmo e tire suas próprias conclusões. (Fig.1) Filmes: ainda a coqueluche Com a invasão da Internet, muitos acreditavam que os web sites seriam considerados de modo tão ou mais significativo que os comerciais de televisão. Ledo engano. Sem desmerecer a mídia interativa, o público quer mesmo é sentar no escurinho do Palais e se deleitar com comerciais para as mais diversas categorias. E – como num passe de mágica – os criativos acostumados com pizza por telefone durante todo o ano só se contentam com caviar. O público é regido ao extremo a ponto de vaiar monumentalmente qualquer filme que não seja simplesmente excelente. Mas é compreensível este comportamento, já que em mídia impressa somente o short list é visto, sendo que os filmes são mostrados em torrentes, sem uma prévia seleção. Aí, chovem comercias sem pé nem cabeça (um institucional de 8 minutos para um banco alemão superou qualquer expectativa), idéias somente compreensíveis se você ler o briefing, tentativas frustradas de fazer publicidade com cara de cinema, humor insosso mas também filmes que são aplaudidos (não em pé) pelos espectadores. DIESEL TÍTULO: DIESEL CLOTHING ANUNCIANTE: DIESEL AGÊNCIA: PARADISET DDB STOCKHOLM PAÍS: SUECIA PREMIAÇÃO: GRAN PRIX TRADUÇÃO: UNIÃO AFRICANA ENTRA EM ACORDO PARA AJUDA FINANCEIRA À EUROPA As características principais destes que caíram no gosto do público em 2001 são dois elementos muito conhecidos: humor – o refrigerante Dr. Pepper usou e abusou deste recurso, criando uma hilariante campanha com o slogan: Dr. Pepper. What’s the worst it could happen? Ou “Dr. Pepper. O que mais de pior pode acontecer?” – levando um prata na categoria bebidas não alcoólicas – além da emoção (em estado simples). Como melhor representante, um filme institucional para a Walt Disney que também levou um prata: um casal está dormindo. A mulher acorda e o marido – ainda sonolento – pergunta o que está acontecendo de errado. Ela revela que não há mais diálogo entre eles e que as coisas não são mais como antigamente. Ele nega e diz que tudo continua igual, mas ela não aceita os seus argumentos. Ele pára por um instante, se aproxima da esposa, e passa a falar com ela como se ele fosse o Pato Donald. Perfeito: a mulher sorri e o Palais vai abaixo porque uma idéia simples consegue muitas vezes tocar mais forte do que qualquer superprodução com padrões de Holywood. A prova de que o público estava com a razão, vaiando muitos dos filmes, foi que o júri não concedeu leões de ouro, prata ou bronze para muitas categorias. Lacunas enormes que obrigam os criativos a levarem para os seus respectivos países muita lição de casa. O Brasil não se saiu nada bem neste setor que ainda é dominado pelos ingleses, americanos e holandeses. Na América do Sul – além da razoável performance do Brasil –, os argentinos tiveram um bom desempenho com destaque para os filmes para a Pirelli pneus e Telecom Argentina, demonstrando que nossos vizinhos portenhos não estão dormindo no ponto. A Polônia mais uma vez não decepcionou e faturou um leão de prata. 11 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Grand Prix em comerciais: merecido Humor e simplicidade marcaram a campanha da agência Cliff Freeman & Partners para o Sports TV Channel. Em um dos filmes, dois brutamontes com os olhos vedados disputam um duelo com enormes tacos. O objetivo é arrasar o oponente o mais rápido possível. No entanto – devido ao fato de que os lutadores não estão enxergando nada – um deles acerta um espectador ao invés de seu adversário. Entra o letreiro: Notícias de esporte da região em que você está interessado. A sua. Sports Net. A série de filmes da Clif Freeman – Índia (descrito acima), Rússia, Turquia e China – levou o Grand Prix com louvor e foi também (quase) uma unanimidade entre os criativos. Se quiser dar uma olhada nos filmes, acesse o www.adcritics.com e depois clique em FOX. Bom divertimento. Internet: evolução a passos largos A categoria dos Cyber Lions já virou gente grande. Quem viu o short list percebeu que tanto os recursos gráficos quanto o conceito de interatividade vêm melhorando cada vez mais e tornando a vida dos júris cada vez mais difícil. Web sites e banners ágeis, design gráfico excelente e uma proximidade de diálogo cada vez mais apurada com os internautas, demonstra que o setor está funcionando em alta velocidade e vai continuar assim por um bom tempo. Em termos de interatividade, o web site campeão (www.farfar.se/ lions) conseguiu a façanha de levar mais de 100 mil internautas ao seu endereço apenas no primeiro mês, bem TÍTULO: GOD – SELF MADE como aparecer na mídia de PRODUTO: DEUS modo intenso (tvs, rádios e ANUNCIANTE: IGREJA DO MOVIMENTO DO AMOR DE jornais). Além disso – e como CINGAPURA fator fundamental –, a marca AGÊNCIA: OGILVY MATHER - SINGAPURA Milko elevou as vendas do PAÍS: CINGAPURA seu leite “Fjallfl” em mais de PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO 23%. PARA A CAMPANHA O mais interessante é TRADUÇÃO: EU ODEIO REGRAS. notar recursos completa- RAZÃO PELA QUAL EU SÓ FIZ DEZ. mente inovadores, sem precedentes em outros festivais, que adicionam componentes inéditos na representativos: Estados Unidos, Inglafórmula que leva um web site a se torterra, Alemanha e Canadá. Já o nosso país nar ganhador na categoria. Países mais – com 115% de inscrições a mais que em 2000 e uma grande participação nas premiações – provou que, mesmo com o apagão, está muito bem conectado. MERCEDES TÍTULO: AS LONG AS PRODUTO: MERCEDEZ BENZ ACROS ANUNCIANTE: DAIMLER CHRYSLER – ALEMANHA AGÊNCIA: SCHOLZ & FRIENDS BERLIM PAÍS: ALEMANHA PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO PARA A CAMPANHA TRADUÇÃO: JÁ QUE SALSICHAS NÃO PODEM SER ENVIADAS POR E-MAIL NÓS VAMOS TER QUE COMPARTILHAR AS ESTRADAS 12 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Mídia alternativa: surpreendente Vários exemplos de mídia alternativa – categoria que analisa formas diferenciadas de utilização de espaços publicitários – provou que muitos criativos estão pensando “out of the ox”. Aqui, o maior desafio é o de vencer conceitos de que anúncios impressos não podem fugir do padrão e que rádio só pode pegar você pelos ouvidos. Uma revista especializada em publicidade do México criou uma peça que continha uma mensagem gravada que descrevia de modo breve as vantagens de se anunciar em rádio. Situada na contracapa da revista, a gravação era imediatamente acionada no momento em que se virava a página, levando o leitor a tomar um susto quando o locutor iniciava a leitura da mensagem. O Brasil – com grande desempenho na categoria – teve uma excelente idéia para diminuir a acúmulo de sujeira nas ruas, fazendo das latas de lixo cestas de basquete que continham a seguinte mensagem: Keep trying (continue tentando). Pegando uma carona na assinatura da Nike, esse foi um belo trabalho da Giovanni/FCB. Já o Grand Prix foi para uma campanha antitabagista veiculada em cinemas onde jovens se dirigiam aos prédios dos grandes fabricantes de cigarro – Philip Morris por exemplo –, levando “prêmios” como a “Pá de Ouro” para os executivos que ali trabalham por eles terem tido a capacidade de omitirem por muitos anos os males relacionados ao vício do fumo. Uma corajosa campanha da agência Crispin Porter + Boguski de Miami. E o que mais? Cannes 2001 é parte do passado. Hoje, os criativos vencedores nessas mais diversas categorias voltaram a pedir pizza por telefone, a brigar com suas esposas, namoradas, maridos e noivos por terem que ficar até mais tarde na agência, além de se cansarem de escutar dos amigos como foi sensacional mais um final de semana na praia. Mas não tem remédio. Para aqueles que querem subir no palco do Palais em 2002, a receita continua a mesma: 99% de transpiração e 1% de inspiração. BEETLE TÍTULO: GAROTO ABELHA PRODUTO: VW BEETLE ANUNCIANTE: VW USA AGÊNCIA: ARNOLD WORDWIDE BOSTON PAÍS: USA PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO PARA A CAMPANHA TRADUÇÃO: OLHA, ELES TAMBÉM TÊM EM AZUL • Darlan Moraes Jr. É atualmente Diretor de criação da J. Walter Thompson de Praga. Além de Praga – onde também atuou na Leo Burnett –, trabalhou na cidade de Bratislava para a agência Soria & Grey. Ex-aluno da ESPM, tem passagens pelas agências McCann-Erickson e Salles DMB&B de São Paulo. [email protected] 13 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 * Valéria Ravier 14 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 1. Delimitação do cenário A semelhança do título deste artigo com o do drama de Edward Albee não é mera coincidência, ambos apontam para o cerne de relações corroídas pela chegada de novos tempos. Quem tem medo de Virginia Woolf? (Albee, 1988) começa na madrugada de um sábado qualquer e tem como ponto de partida um desencontro, que vai se revelando mais e mais profundo ao longo das cenas. O clima tenso traz à tona o pior lado dos personagens centrais – o casal George e Martha – num contexto de ofensas, competição e desencontros. George é um professor universitário, rotulado de fracassado pela sua esposa, e Martha – filha do diretor da universidade em que ele leciona – é uma mulher seis anos mais velha que o seu marido, acusada de futilidade pelo mesmo. A entrada em cena de um jovem casal, Nick e Honey, – um professor de Biologia com a sua mulher, frágil e aparentemente burra –, aprofunda ainda mais o conflito ao mostrar a hipocrisia existente nessas relações. A peça foi escrita nos Estados Unidos da década de 60, uma sociedade mergulhada no contraste entre a prosperidade econômica da década anterior – já em decadência – e a repressão cultural decorrente da Guerra Fria. O macartismo, uma verdadeira caça aos comunistas, exacerbava o clima de conservadorismo e nacionalismo, gerando severas críticas – como a do próprio Albee – ao american way of life. Talvez fosse por isso que, na primeira montagem, de 1963, o fundo do cenário tivesse dois retratos: o de George Washington – fundador da democracia americana – e o de Martha – sua esposa. O esgotamento da relação do casal de protagonistas – que a princípio poderia ter sido outro qualquer – tinha naquela ocasião um sentido metafórico, apontando também para a deterioração do capi- “A desaceleração das economias desses países tem gerado uma crise, diminuindo as exportações dos países emergentes para os países ricos e encolhendo os investimentos externos em suas economias.” talismo americano, ameaçado pela crise e pelo desemprego que geravam protestos de várias espécies: agitações, manifestações pacifistas, lutas contra o preconceito e movimentos estudantis, conviviam numa cena de desmoronamento das certezas que tinham sido construídas pelos filhos do baby boom. Num certo sentido, o atual cenário pode ser aproximado daquele dos anos 60, sobretudo se levarmos em consideração que as três maiores economias do mundo – Estados Unidos, Europa e Japão – pararam de crescer e começam a provocar uma reação em cadeia capaz de levar os demais países do mundo globalizado à recessão. A desaceleração das economias desses países tem gerado uma crise, diminuindo as exportações dos países emergentes para os países ricos e encolhendo os investimentos externos em suas economias. 1 Mas se existe alguma semelhança entre o atual contexto e o dos anos 60 no que se refere à crise econômica, as estratégias através das quais a sociedade vem reagindo diferem bastante daquelas em que os estudantes da universidade de Berkeley protestavam contra o treinamento militar (1959), os americanos faziam manifestações políticas contra a decisão do presidente Kennedy de rom- per relações diplomáticas com Cuba e proibir o deslocamento de americanos para aquele país (1961) ou contra a Guerra do Vietnã e os beats sugeriam como alternativa ao sistema uma saída coletiva, capaz de romper com o conformismo. Nestes tempos paradoxais em que a globalização de mercados e capitais e a dissipação das fronteiras convivem com o recrudescimento de lutas religiosas, segregações étnicas e nacionalismos xenófobos, o mundo parece caminhar em duas direções antagônicas: de um lado a planetarização política e econômica e de outro a fragmentação de lugares, ritmos, linguagens e desejos. (Carvalho, 1997:43) 2. A construção dos personagens Ao mesmo tempo em que a globalização tende a suprimir as diferenças, inúmeras culturas e subculturas emergem constantemente, apontando o desacerto dos profetas apocalípticos, que previam uma homogeneização e massificação das subjetividades como conseqüência da fabricação em série de produtos culturais através da indústria, bem como da sua divulgação maciça pelos meios de comunicação de massa. Na verdade, tais profecias parecem esbarrar num traço psíquico característico do ser humano, que, se por um lado constrói a sua identificação a partir da inserção num grupo específico, por outro lado carrega a particularidade de só ser capaz de se constituir enquanto sujeito na medida em que essa alienação ao outro possa se articular com uma separação que lhe garanta uma singularidade específica À impossibilidade estrutural de homogeneização total apontada pela psicanálise – e isto vale tanto para os sujeitos quanto para as culturas – a contemporaneidade vem somar uma realidade histórica que tem como característica a multiplicação incessante das identifica- 15 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ções. O mito da identidade unificada, construído pelo iluminismo, não se sustenta mais no atual contexto, “... as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (...) Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do eu’. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.” (Hall, 2000: 7-13) Nesse universo, o consumo revelase, cada vez mais, um campo frutífero para a expressão e emergência de milhares de desejos diferentes, na medida em que “nas novas gerações as identidades se organizam hoje tanto a partir dos símbolos nacionais como em torno daqueles produzidos por Hollywood, Televisa ou Benetton. Homens e mulheres, sobretudo os jovens, percebem que muitas perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, 16 como posso me informar, quem representa meus interesses – são respondidas mais pelo consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que pelo exercício das regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em partidos ou sindicatos desacreditados”. (Canclini 1999:63) Retomando a analogia sugerida no início deste artigo – para iniciar a montagem de uma nova cena –, é possível transportar a crise de relacionamento que constitui o cerne da peça de Albee para os dias de hoje, situando-a no núcleo de um conflito bastante atual: o embate entre consumidores que fazem da apropriação de bens um instrumento de ação política e aquelas empresas que insistem em não adequar as suas estratégias aos novos tempos, funcionando basicamente segundo o princípio do produzir e vender e situando o cliente no fim do processo. 3. A montagem da cena O consumo – assim como outras estratégias de manifestação social e cultural – é um fenômeno que só pode ser avaliado em relação ao contexto em que se situa, bem como à especificidade que os consumidores e produtores adquirem no mesmo. O ato de consumir tal como era realizado no início do capitalismo constituía um privilégio restrito, tanto em relação às mercadorias ofertadas quanto àqueles que tinham acesso às mesmas. Num contexto em que a produção de bens materiais prevalecia sobre a produção de bens imateriais e o foco das atenções estava preponderantemente voltado para os produtos, o consumo era avaliado como um fenômeno que tinha início na oferta de bens e culminava na demanda de uns poucos em relação a essa oferta. “Na ordem de produção tradicional, o cliente estava no final da cadeia. Os vendedores e as pessoas de marketing tinham a missão de empurrar para o mercado o que saía da linha de produção.” (Kotler, 2001) Como herança dessa origem, é freqüente encontrar nas Ciências Sociais análises que associam o consumo com gastos inúteis e compulsivos, estimulados a todo momento pelos meios de comunicação de massa. Trata-se de uma visão que, calcada numa interpretação específica da famosa frase de Marx – “‘Os homens fazem a história, mas apenas sob as Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 condições que lhes são dadas – tira dos indivíduos qualquer possibilidade de serem agentes da história, na medida em que eles só poderiam agir determinados por condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por gerações anteriores”’. (Hall, 2000: 34-35) Contestando esse enfoque determinista – que coloca os produtores e distribuidores de mercadorias no papel de vilões, e os consumidores como vítimas, meros receptores passivos daquilo que lhes é imposto pelo sistema –, estudos recentes sobre comunicação de massa têm mostrado a não-pertinência da compreensão das relações entre emissores e receptores de mensagens como meros vínculos de dominação. “A comunicação não é eficaz se não inclui também interações de colaboração e transação entre uns e outros” (Canclini, 1999), relações que nem sempre ocorrem de maneira harmoniosa mas que são permeadas por conflitos. “O consumo, diz Manuel Castells, é um lugar onde os conflitos entre classes, originados pela desigual participação na estrutura produtiva, ganham continuidade através da distribuição e apropriação de bens. Consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo.” (Canclini, 1999: 78) Nessa perspectiva, as relações de consumo aparecem como um campo privilegiado para entender as relações de poder na sociedade, relações que têm sido legitimadas através da criação de códigos do consumidor e que também vêm sendo estimuladas pelo aumento da concorrência decorrente da globalização. Michel de Certeau permite ampliar o entendimento das dimensões que toma essa estrutura de poder na contemporaneidade ao sugerir que “... a análise das imagens difundidas pela televisão (representações) e dos tempos passados diante do aparelho (comportamento) deve ser completada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural ‘fabrica’ durante essas horas e com essas “Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.” imagens. O mesmo se diga no que diz respeito ao uso do espaço urbano, dos produtos comprados no supermercado ou dos relatos e legendas que o jornal distribui”. (Certeau, 2000: 39) Aprofundar essa linha analítica mostra-se frutífero na medida em que alerta para o necessário redimensionamento da noção de produção: produzir passa a ser entendido enquanto um processo mais amplo, não se limitando ao ato de fabricar e oferecer bens, mas englobando também a fabricação simbólica efetuada aquém e além desses bens, sejam eles concretos ou não. Nesse sentido, toda análise das representações e do comportamento do consumidor de imagens deve ser avaliada enquanto uma relação produtiva da qual o consumidor também participa. Para o marketing – que também vem realizando um deslocamento análogo nos últimos tempos –, o abandono do determinismo está relacionado à compreensão de que as estratégias bem-sucedidas são aquelas que não se limitam à propaganda e vendas, ou a meras tentativas de aumentar a demanda. “Sempre tivemos e sempre teremos pesquisa, propaganda, promoção e força de vendas. O que muda é como cada uma dessas etapas acontece (...) O que funciona agora, e cada vez mais daqui para a frente ... é o chamado marketing reverso. Os preços são determinados pelos clientes. O material publicitário sobre a empresa não é empurrado aos consumidores, mas aceito por eles. Algumas empresas vão além e trazem os consumidores para a produção. São os prosumers (uma corruptela em inglês das palavras produtor e cliente). O exemplo máximo disso é a americana Dell, que produz computadores customizados sempre que um cliente faz um pedido (...) Há muito mais acontecendo (... ) A EMI é uma empresa de tecnologia que desenha equipamentos de armazenamento de informação com base nas necessidades do cliente. Ouvi dizer que na Internet há uma empresa que faz equipamentos para dentistas. E os profissionais que querem comprá-los respondem a um questionário em que dizem a altura que têm, se são destros ou canhotos. Eles podem fazer um equipamento especialmente moldado a essas características pessoais.” (Kotler, 2001) Para acompanhar essas mudanças de posicionamento, é fundamental que o consumo seja recontextualizado e entendido no âmbito da sociedade pós-industrial, em que a produção de bens materiais em grande escala vem cedendo lugar, em termos de importância, à produção de serviços, de informação, de estética, de símbolos e de valores. “A revolução digital alterou muitos aspectos da vida diária das pessoas e das empresas. Os consumidores podem fazer compras de suas casas ou de onde quer que estejam nas 24 horas do dia e nos sete dias da semana. Eles podem fazer pesquisas de preço pela internet. Algumas vezes, eles próprios determinam o preço de produtos disponíveis.” (Kotler, 2001) Longe de ser uma mera formalidade ou a manifestação de uma atitude politicamente correta, o entendimento deste novo estatuto da relação entre “produtores” e “consumidores” significa a possibilidade concreta de uma maior adequação à tendência que o consumo tem demonstrado de ser, muito mais do que um espaço restrito à troca de mercadorias, o cenário das mais variadas interações socioculturais “...o consumo é visto não 17 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 como a mera possessão individual de objetos isolados mas como a apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que proporcionam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens”. (Canclini, 1999:66) Deslocar o olhar de abordagens deterministas – baseadas na mera sobredeterminação da infra-estrutura sobre a superestrutura – não implica necessariamente cair num otimismo inconsistente – tão presente em interpretações que entendem o consumo de massa como uma mera democratização do acesso à cultura de grupos menos favorecidos –, isso na medida em que, segundo Bourdieu, os conflitos entre os diversos grupos que existem numa sociedade podem ser lidos através do estilo de vida adotado pelos indivíduos que deles participam. (Ortiz, 1983) 18 O gosto, para esse autor, consiste em objetividade interiorizada, que se bem é realizada por um indivíduo com características próprias, é sempre mediada pelo grupo ao qual esse indivíduo pertence. O habitus, nesse sentido, configura um espaço simbólico que é ao mesmo tempo social e individual. (Ortiz, 1983) Contrariando algumas previsões mais pessimistas, a cultura de massa não conseguiu nivelar a experiência estética nem reduzir o conceito de belo aos valores da sociedade burguesa européia, inversamente, ela abriu brechas para a múltipla expressão das mais diversas culturas e subculturas, que, se fenomenologicamente são bastante diversificadas, podem ser agrupadas, do ponto de vista estrutural, em dois polos: dominante, que Bourdieu denomina ortodoxia, e dominado ou heterodoxia. (Ortiz, 1983) “Como herança dessa origem, é freqüente encontrar nas Ciências Sociais análises que associam o consumo com gastos inúteis e compulsivos, estimulados a todo momento pelos meios de comunicação de massa.” A existência desses dois polos é por si só fonte de conflitos, uma vez que enquanto a ortodoxia procura conservar intacto o capital social por ela acumulado, a heterodoxia busca desacreditar esse mesmo capital, manifestando seu Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 inconformismo através de estratégias de “subversão” que a colocam em relações de permanente conflito com a ortodoxia. Paradoxalmente, a ortodoxia precisa da heterodoxia para existir, na medida em que sua oposição é ao mesmo tempo o reconhecimento da existência dos interesses que estão em jogo. (Ortiz, 1983) O espaço simbólico em que as posições dos agentes encontram-se fixadas a priori é denominado campo: lugar em que os atores travam uma luta em torno de interesses específicos, que caracterizam a área em questão. O campo é assim um espaço onde se manifestam relações simbólicas de luta pelo poder, estruturado a partir da distribuição desigual de um capital social que determina a posição que um agente específico ocupa dentro dele. Dominantes e dominados são aqueles que dispõem, respectivamente, de mais ou menos capital social específico no espaço concreto e simbólico em que estão situados. (Ortiz, 1983) As estratégias dos agentes orientamse no sentido de obter sempre uma “maximização dos lucros” a partir da posição que eles detêm no interior do campo. Os atores sociais tenderiam, nesse sentido, a investir em determinado tipo de capital, procurando sempre um meio de acumulá-lo o mais rapidamente possível. (Ortiz, 1983) Os agentes da ortodoxia criam uma série de instituições e mecanismos para assegurar a dominação. Quando ocorrem novos lançamentos no interior de um campo, eles celebram certos rituais junto a essas instituições – universidades, galerias, “Uma ética baseada na transparência e na coerência parece ser a única aposta possível para aqueles que estiverem dispostos a estabelecer relações fundadas na credibilidade.” casas de moda –, legitimando ou refutando o bem simbólico lançado no mercado. Isso significa que, para Bourdieu, a ordem social instaura-se tanto subjetiva quanto objetivamente e que a reprodução da ordem social inscreve-se em níveis tão profundos como as representações sociais ou as escolhas estéticas. (Ortiz, 1983) O reconhecimento de uma dimensão simbólica e política no consumo e do aumento no poder dos consumidores aponta para a existência de um núcleo comum no abandono das perspectivas deterministas – sugerido tanto pelo Marketing quanto pelas Ciências Sociais –, sinalizando a necessidade de um urgente redimensionamento da desgastada relação estabelecida há algum tempo entre “produtores” e “consumidores”, que é herdeira do capitalismo industrial. Emerge nesse cenário uma veemente necessidade: substituir as velhas, desgastadas e descontextualizadas convenções em que se fundam tradicionalmente essas relações, baseadas na certeza de uma suposta fidelidade, tão irrestrita quanto hipócrita. Tudo aponta para a necessidade de atitudes mais ousadas, mais provisórias mas também constantes, capazes de construir novos vínculos sem nenhuma garantia de durabilidade a priori mas que possuam uma frágil solidez, feita e refeita dia após dia através de instrumentos como a transparência e a ética. “Talvez, em vez de lealdade, a palavra mais correta seja relacionamento. O primeiro passo é fazer com que a mensagem que a companhia transmite em todos os momentos em que se relaciona com o seu cliente seja a mesma.” (Kotler 2001) Uma ética baseada na transparência e na coerência parece ser a única aposta possível para aqueles que estiverem dispostos a estabelecer relações fundadas na credibilidade. Fazer aquilo em que se acredita e acreditar naquilo que se faz é sem dúvida o melhor caminho para transmitir mensagens capazes de convencer o consumidor da pós modernidade a continuar se relacionando com uma empresa. Depois de tudo, analisando a mais recente montagem da peça de Albee no Brasil, Jurandir Freire Costa afirma que “George e Martha, versão 2000, não são pífios por se resumirem às aparências dos que fingem, (...) ou por fazerem do sofrimento a última razão do sentimento, como manda o romantismo. São artificiais e desabridos porque, como muitos, acreditam muito pouco no que dizem acreditar.” (Freire, Costa, 2000) NOTAS 1 Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, 26/08/01. BIBLIOGRAFIA ALBEE, EDWARD Who´s afraid of Virginia Woolf? New York: New American Library, 1988. CANCLINI, NÉSTOR GARCÍA. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999. CANCLINI, NÉSTOR GARCÍA. Culturas Híbridas. São Paulo, Edusp, 2000. CARVALHO, EDGAR DE ASSIS (org) Polifônicas idéias. Antropologia e universalidade. São Paulo: Ed. Imaginário, 1997. CERTEAU, MICHEL DE A invenção do cotidiano. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. FREIRE COSTA, JURANDIR “Sem medo de Virginia Woolf”, in: Folha de São Paulo, 26/11/00. GELDER, KEN and THORNTON, SARAH The subculture reader. London and New York: Routledge, 1997. HALL, STUART A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A Editora, 2000. KOTLER, PHILIP “Um pé aqui, outro lá”, entrevista concedida à Revista Exame, realizada por Cristiane Mano, edição 744 – 11/7/2001. ORTIZ, RENATO (org.) Pierre Bourdieu. São Paulo: Ed. Ática, 1983. • Valéria Ravier - Professora da ESPM - Desenvolve tese de doutorado sobre antropologia do consumo no programa de pós-graduação em Ciências Sociais – PUC/SP. [email protected] 19 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 “ * Francisco Serralvo * Wilson Weber 20 ” Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Q uantas vezes já ouvimos a frase “isso é puro marketing”? Geralmente, ela é empregada erroneamente, principalmente por leigos, com a conotação de irresponsabilidade, inconseqüência, más-práticas ou qualquer forma que apresente o marketing como algo que busca simplesmente “levar vantagem”. A revisão da literatura que se segue procura retomar os princípios históricos resgatando as principais linhas dos pensadores em marketing. Essa revisão centra-se nos principais autores da literatura norte-americana, não se estendendo aos demais países por ater-se apenas à evolução histórica do marketing. A evolução do pensamento do marketing foi mapeada por Bartels (1965), que identificou os seguintes períodos: descoberta (década de 1900), conceituação (década de 1910), integração (década de 1920 ), desenvolvimento (década de 1930), reavaliação (década de 1940) e reconceituação (décadas de 1950 e 1960). Sheth, Gardner e Garrett (1988) desenvolveram um estudo mais profundo, discorrendo sobre as escolas de pensamento em marketing. Elas foram formadas segundo a linha de pensamento dos seus principais autores com base nas propostas de investigação escolhidas, sendo diferenciadas em função da época em que surgiram (refletiam as variantes dos ambientes de negócios como meios de comunicação, desenvolvimento tecnológico, mudanças dos hábitos e comportamento das sociedades, e assim por diante) e das propostas ou campo de investigação apresentados (foco nas vendas, no produto, na comunicação, na distribuição, entre outros). Várias escolas coexistiram, com diferentes perspectivas, enquanto outras diferiram no tempo, mas aproximaram-se em suas propostas ou objetos de investigação. Essa contextualização histórica, mostrada a seguir, reforça os conhecimentos mostrados nos bons livros de marketing atuais, que na sua visão gerencial consideram os conceitos cria- “O consumidor era uma referência para classificar os produtos e não o foco conceitual da disciplina, mas já estava presente.” dos e aprimorados ao longo desse um século de desenvolvimento, não os identificando conforme suas correntes de pensamento, mas fazendo uso do que de melhor e mais útil cada uma delas forneceu. A Escola de Commodities O Marketing emergiu como disciplina independente no início do século XX. Seus primeiros estudiosos acreditavam que para ela evoluir seria necessário obter não só o respaldo científico, mas também o apoio dos profissionais, que assim garantiriam a disseminação das idéias. Buscando referências em outras disciplinas, constataram que as bem conceituadas baseavam-se em alguma forma de classificação de eventos, utilizada para prever acontecimentos em razão dessa classificação. Mesmo sem saber claramente o que buscar, fundaram a primeira escola de pensamento, a qual denominaram Escola de Pensamento de Commodities. Apesar de o nome refletir a força da economia agrícola da época, seus fundadores já estavam envolvidos com bens de consumo (embalados), não com produtos agrícolas. Nessa época, o marketing relacionava-se à movimentação de bens dos produtores aos consumidores, assim, seria natural sua concentra- ção nas transações, ou, por aproximação, nos produtos transacionados. Havia então um foco e o que classificar: produtos, mercados, funções do mercado e como os produtos chegavam a ele. Na busca do sistema de classificação, procuraram agrupar os produtos em categorias que permitissem adotar processos operacionais semelhantes para cada uma delas. Buscavam um “procedimento padrão”, ou “livro de receitas”. Melvin Copeland é considerado o criador do primeiro sistema classificatório. Dessas primeiras classificações resultaram alguns grupos encontrados nos livros atuais de Marketing, na abordagem das classificações de bens de consumo, como os bens de conveniência (já aparecia em 1912, no trabalho de Charles Parlin), de compra comparada, de especialidade e não procurados. Suas caracterizações foram alteradas ao longo do tempo e outros grupos foram criados e reclassificados. Grupos como Bens de Emergência, de Compra Rotineira e Bens de Preferência perderam parte do destaque. Essas classificações consideravam os mais variados aspectos da transação, como disponibilidade do produto, grau de esforço do comprador, nível de preço, preferência por marcas, disposição em retardar a satisfação de uma necessidade, perecibilidade do produto... O consumidor era uma referência para classificar os produtos e não o foco conceitual da disciplina, mas já estava presente. A Escola Funcional Nem todos os estudiosos se engajaram nas teorias da Escola de Commodities. Um grupo expressivo criou a Escola Funcional, também considerando ser essencial buscar a legitimidade acadêmica e demonstrar a aplicabilidade prática da disciplina. Em vez de buscar classificar produtos, focaram as atividades necessárias para efetivar as transações, buscando estabelecer referenciais em “como” elas se realizavam. 21 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 O “pai” da escola funcional é considerado Arch Shaw (1912), que num artigo no Quarterly Journal of Economics abordava os aspectos da utilização de intermediários na distribuição de mercadorias e nas funções genéricas que deveriam desempenhar, como, por exemplo, a divisão dos riscos, o transporte de mercadorias, o financiamento das operações, as vendas (comunicação de idéias sobre produtos), o recebimento, a classificação e o reenvio. Weld (1917) ofereceu uma alternativa de análise com funções básicas que não seriam necessariamente realizadas apenas pelos intermediários. Elas seriam: operações, que envolve todos os serviços de aquisição, fabricação, estocagem e assunção do risco; vendas, que se refere à criação da demanda dos bens (propaganda e promoção de vendas) e, por fim, o transporte, com o deslocamento e a disponibilização dos produtos para os consumidores finais. Alguns temiam que essas classificações transformassem as funções em estanques, perdendo-se a noção de suas 22 inter-relações. Para Franklin Ryan (1953), qualquer consideração que se fizesse tinha no final o objetivo de encontrar respostas para as funções gerais de distribuição que acrescentavam utilidades como de tempo, lugar, propriedade e posse para bens físicos, enquanto estes se moviam para o ponto de venda e esto-cagem, e para as funções distintivas, realizadas pelas empresas (assunção de risco e financiamento). Edmund McGarry (1950) sugeriu uma classificação que previa as funções de contato (prospecção e negociação com fornecedores e clientes potenciais); comercialização (atividades para adaptar o produto às idéias concebidas pelos compradores); definição de preço (preços aos quais os produtos são oferecidos, ou aos quais serão aceitos); propaganda (todos os métodos utilizados para persuadir o usuário potencial a se- “Em vez de buscar classificar produtos, focaram as atividades necessárias para efetivar as transações, buscando estabelecer referenciais em ‘como’ elas se realizavam.” lecionar o produto e gostar dele quando o tiver); distribuição (transporte e estocagem de produtos) e finalização (troca efetiva na custódia e responsabilidade dos produtos e encerramento do processo). Uma derivação de classificações apresentadas por teóricos como Shaw, Weld, Ryan e, especialmente McGarry, está refletida nos 4P’s, popularizados por McCarthy (1960). Para Lewis e Erickson (1959), o marketing tinha apenas duas funções: gerar demanda (propaganda, venda pessoal, promoção de vendas, planejamento de produto e definição de preços) e atender a demanda (estocagem, gerenciamento de inventários, transporte, processamento de pedidos e manuseio). Esses conceitos estão presentes na gestão de processos e administração da cadeia de fornecimento. A Escola Institucional Acompanhando a evolução social, criou-se a escola institucional, fruto da percepção dos consumidores de que os preços pagos no varejo eram injustificadamente elevados. Seus teóricos acreditavam que deviam prestar mais atenção nas organizações que efetivamente participassem da movimentação dos bens aos consumidores. Seu fundador foi Weld (1916), que escreveu The Marketing of Farm Products, mostrando sua preocupação com a eficiência dos canais de distribuição. Se os intermediários eram muito importantes, deveriam ser considerados em quantidades justificáveis para não inviabilizar o canal. Ralph Starr Butler (1923) escreveu Marketing and Merchandising, considerando a importância dos intermediários na criação de utilidade, pois eles traziam produtos de onde eram fabricados para onde seriam consumidos, disponibi-lizando-os quando necessários (tempo e local). Paul D. Converse e Harvey W. Huegy (1940), no texto Elements of Marketing, já mos- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 travam os riscos e benefícios potenciais da integração vertical nos canais, pois enquanto ela oferecia vantagens na redução das despesas de marketing e garantia o fornecimento das mercadorias, apresentava falhas quando envolvia muitas matérias-primas diferentes ou mesmo nas tentativas de um produtor operar no competitivo universo do varejo. Consideravam ser relativamente simples integrar atacado e varejo, mas não produção e varejo. A escola institucional atingiu seu ápice no período 1954-1973, quando passou a utilizar teorias econômicas para assuntos críticos como o surgimento dos canais de marketing, sua evolução e o desenho de estruturas institucionais eficazes e eficientes. Wroe Alderson (1954) escreveu Factors Covering the Development of Marketing Channels, onde se pode destacar: “...os intermediários crescem no processo de troca porque podem aumentar a eficiência do processo(...) Enquanto os economistas assumem, por certos propósitos, que a troca é feita sem custos, no mundo real as transações tomam tempo e utilizam recursos(...) Os intermediários criam as utilidades de tempo, lugar e posse porque as transações podem ser feitas por meio deles de forma mais barata do que na troca direta” (p.13-14). Bert McCammon (1963), um dos líderes dessa escola, mostrou que a eficiência não deveria ser o critério único no desenho dos canais. Preocupações excessivas com custos e receitas não explicavam o fato de algumas instituições resistirem às mudanças mesmo com vantagens econômicas aparentes, nem a persistência de canais não econômicos. Para explicá-las, McCammon sugeriu que se investigassem fatores sociológicos e psicológicos, e ofereceu algumas hipóteses, ainda válidas. No aspecto inovações, defendia que seu grau de difusão dependia da própria inovação, sendo mais facilmente aceitas as que não interferissem demais na situação atual; o inovador era um “estranho no ninho” dentro da organização; a velocidade e intensidade da adoção dependiam do risco ao negócio, sendo maiores as probabilidades de aceitação, quanto maiores as aspirações do empreendedor e sua adequação aos hábitos de decisão existentes. Lembrava que influenciadores e inovadores não seriam sempre as mesmas empresas. Ao advogar a inclusão de variáveis comportamentais na análise da evolução dos canais, McCammon (1965) buscava livrar seus colegas da prisão da perspectiva econômica. Ele adotou o tema da integração e apresentou três formas de canais centralmente coordenados: o sistema corporativo, pelo qual se combinavam vários estágios de produção e distribuição sob um mesmo proprietário; os administrativos, que coordenavam o fluxo de bens e serviços buscando economias sistêmicas, e os acordos contratuais, pelos quais empresas independentes podiam coordenar suas atividades buscando economias sistêmicas e impactos no mercado, impossíveis de serem obtidos individualmente. Essa abordagem se justificava pelos aumentos das exigências de capital e custos fixos mais elevados, pelo declínio das margens de lucro e retorno de investimentos, pelo aumento da complexidade dos processos de marketing e pelas economias potenciais da centralização do sistema. Mallen (1973) propôs o desmembramento funcional (Stigler, 1951) pelo qual a manutenção das atividades de marketing na empresa, ou sua transferência para intermediários, dependeria de quem as executasse melhor e mais eficientemente. Vários aspectos da escola são bastante atuais. A Escola Regional A escola regional é normalmente negligenciada quando se discutem teorias de marketing. Seus estudiosos percebiam o marketing como uma forma econômica de unir o espaço geográfico entre compradores e vendedores. Concordando que os produtos trocados mereciam ser estudados (commodities) e que as atividades de facilitação da troca deveriam ser investigadas (funcional), devotaram mais atenção para a separação física entre compradores e vendedores, tentando explicar que papel essa distância representava na decisão do consumidor de favorecer uma loja e não outra, ou como explicar o fluxo de bens entre várias regiões com recursos e necessidades diferentes. Era uma escola quantitativa originada de trabalhos anteriores em geografia e economia que relacionavam atividade econômica e espaço físico, e não uma criação da disciplina de marketing. Ela preocupou-se não só com a área de varejo, mas também com a de atacado. É a precursora dos estudos sobre a teoria da atratividade do varejo e da formação dos pólos de consumo. A Escola do Macromarketing Essa escola foca o papel e o impacto das atividades de marketing e das instituições na sociedade e vice-versa, e emergiu como conseqüência do crescente interesse pelo papel dos negócios na sociedade. No início dos anos 60, ganhavam fôlego expressões como fixação de preços, complexos industriais-militares e monopólios, e a opinião pública duvidava das intenções das empresas. Acidentes como o da Talidomida e os problemas com automóveis defeituosos e inseguros levaram as escolas a encorajar os seminários sobre limites e ética. Boa parte da imagem negativa do marketing vem da idéia de que ele é uma atividade de vendas, que envolve muitas práticas condenáveis, oriundas dessa época. Robert Holloway e George Fisk fizeram os primeiros trabalhos para tentar compreender essa percepção nas pessoas comuns. Holloway (1967) fez uma coleção de trabalhos sobre os ambientes 23 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 sociológico, político, econômico, legal, ético, competitivo e tecnológico. Fisk (1981) buscou o entendimento do papel do marketing na sociedade, descrevendo as inter-relações entre a economia da equalização, a estratégia e os mecanismos da gerência de marketing e as conseqüências sociais da atividade de marketing, fazendo também a distinção entre macro e microssistemas. Zif (1980) procurou demonstrar que a abordagem gerencial aplicada no micromarketing é aplicável às situações e problemas do macromarketing. “Gerentes do setor público, a cargo de problemas sociais, podem e devem se comportar de maneira semelhante aos seus pares do setor privado, a cargo de produtos e serviços comerciais”. As variáveis principais dessa atividade são: responsabilidades, objetivos, orientações, estratégias e tomada de decisão. Com algumas adaptações podem ser aplicadas aos fenômenos macro, que apresentam competição reduzida e aumento da cooperação. O estrategista passa a ser o integrador. Essa colocação ecoa no conceito ampliado de marketing desenvolvido por Philip Kotler (1972). O conceito de marketing evoluiu da percepção que considerava serem os negócios o objetivo de marketing, que se ocuparia de vendedores, compradores e produtos e ser- 24 viços “econômicos”, para a que considerava ser ele relevante para qualquer organização que oferecesse produtos e serviços (que tivessem valor) para seus grupos de consumidores, mesmo que gratuitamente, e, finalmente, para a que reconhecia sua relevância para todas as organizações no relacionamento com seus públicos, não apenas com clientes. O foco disciplinar de marketing era então a transação (troca de valores entre duas partes). A obra sobre macromarketing é vasta. Nos anos 70, houve grande interesse pelo marketing social, no seu papel nas mudanças sociais e no gerenciamento do seu próprio ambiente. Hutt, Mokwa e Shapiro (1986) examinaram a política no marketing e sugeriram que paralelamente aos canais de distribuição existia uma rede política. “Sistemas de marketing devem ser definidos em termos de partes, relacionamentos e ações que ampliam e facilitam a performance e evitam ou proíbem trocas em marketing.” Arndt (1979) e Kotler (1986) argumentaram que os profissionais de marketing que quisessem operar com sucesso no ambiente de mercado deveriam adquirir habilidades políticas. Kotler abordou as dificuldades de entrar em mercados bloqueados ou protegidos, que transformavam essa entrada em um exercício político, no qual devia-se considerar mais benefícios às partes do que ao target, agentes, distribuidores e vare- “É a precursora dos estudos sobre a teoria da atratividade do varejo e da formação dos pólos de consumo.” jistas. Deviam-se incluir governos, sindicatos e outros grupos de interesse. Para Kotler, isso exigia o mega-marketing, que além dos quatro P’s considerava mais dois: poder e relações públicas. A Escola Funcionalista Essa escola concebia o marke-ting como um sistema de relacionamentos estruturais e de relações dinâmicas interdependentes. Sua abordagem também foi proposta por um pesquisador da linha econômica, mas que via o marketing da perspectiva sistêmica, na qual os processos econômicos eram apenas uma das partes inter-dependentes. Foi a escola de apenas um e produtivo estudioso, Wroe Alderson (publicações de 1945 a 1965). Hunt, Mun-cy e Ray (1981) tentaram esclarecer e integrar os trabalhos de Alderson formalizando sua teoria funcionalista a partir dos seus elementos básicos (grupos, comportamentos e expectativas). Merece destaque a afirmação de que “dada a heterogeneidade da demanda e do suprimento o propósito do marketing é efetuar as trocas combinando segmentos de demanda e fornecimento” (p. 89). Alderson (1954) afirmou que o funcionalismo “não hesita em utilizar outras disciplinas como economia, psicologia ou qualquer outra para fatos ou modelos conceituais que possam ajudar a encontrar a solução de um problema” (p. 40). Ele não foi o único a ver o marketing como sistema, mas foi o único que utilizou as ciências comportamentais na conceituação das relações entre suas várias unidades. Seus conceitos eram definidos considerando “as entidades que operam no ambiente de mercado” (Alderson, 1956, p. 7). Em um sistema de comportamento organizado, o elemento de organização é a expectativa dos membros que, como integrantes do sistema, irão obter um Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 excedente além do que poderiam conseguir com uma ação individual e independente. Sua fronteira é o senso comum de manutenção das condições vitais da organização. Como os sistemas de comportamento organizado interagem com o mercado, eles “fornecem a força motriz que mantém os processos de marketing em movimento” (Alderson, 1965, p. 37) de forma a maximizar seus interesses e sobrevivência. Alderson considerava os canais de marketing um pseudo-sistema, por haver senso de cooperação, mas sem comprometimento de longo prazo. Faltava-lhe o senso de sobrevivência. A empresa, como sistema organizado, está diretamente relacionada com mercados heterogêneos, cada vez mais complexos e diversificados, o que a leva a desenvolver habilidades e conhecimentos especializados para facilitar a troca e combinar suas necessidades com seus recursos. Essa heterogeneidade é a base da mudança. Seu princípio de mercado heterogêneo baseava-se no fato de que as necessidades de um indivíduo são diferentes das de outros, numa visão de mercado diferente da visão econômica de mercados homogêneos. Dada essa hetero-geneidade, propunha que a “diferenciação de produtos e serviços era a chave para definir o valor criado pelo marketing” e “o processo econômico básico era a diferenciação gradual dos bens...” (Alderson, 1957, p. 69). Era uma definição mais completa do que a que afirmava que marketing criava utilidades de local, tempo e posse. Se os mercados são heterogêneos, a demanda será heterogênea, e os processos de marketing serão os mecanismos que as combinem. Para Alderson, o processo de marketing era a série de escolhas e transformações pelas quais essa combinação era obtida, havendo a busca constante do equilíbrio entre o processo de marketing e o mercado heterogêneo. “Enquanto escolhas e transformações eram conceitoschave para o entendimento do mercado heterogêneo, a chave para sua análise era o conceito de “transvecção”.” Enquanto escolhas e transformações eram conceitos-chave para o entendimento do mercado heterogêneo, a chave para sua análise era o conceito de “transvecção”, termo cunhado por Alderson, que é a soma das escolhas e transformações ocorridas desde a escolha das matérias-primas até o produto final chegar ao consumidor. O conceito de heterogeneidade focava a sucessiva diferenciação, e o da transvecção a análise da eficácia e eficiência do processo. A Escola Comportamental É a escola de maior impacto no marketing depois da gerencial. Além das questões demográficas nos negócios, buscava-se entender por que o consumidor agia de determinada forma. A escola focou então no “porquê”. Seu florescimento ocorreu da percepção da necessidade de entender o consumidor e sua popularidade deveu-se à valorização do conceito de marketing e ao estabelecimento do corpo de conhecimento das ciências comportamentais. Nesse desenvolvimento, teve grande importância a passagem de economia de compra para economia de vendas após a Segunda Guerra Mundial, quando a competição acirrou-se em função dos excessos gerados pela excepcional capacidade produtiva. Instituições como a Fundação Ford alocaram somas consideráveis com o objetivo de ampliar o conhecimento nas ciências comportamentais e matemáticas que pudessem ser utilizados no conhecimento das áreas de negócios. Várias áreas, como a Antropologia, a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Clínica e a Sociologia, ofereceram contribuições que, aliadas a processos matemáticos, foram muito importantes. Os pioneiros da escola foram George Katona (1953), que mostrou as diferenças entre os comportamentos econômico e psicológico e foi também pioneiro nas técnicas de intenções e sentimentos de compra para previsão de comportamento; Lazarsfeld e Katz (1955) com a pesquisa em liderança de opinião e influência pessoal (boca em boca), que contribuiu também para a metodologia dos painéis como método de coletar dados e fazer tabulações cruzadas e hierarquizadas; Everett Rogers (1962) com seu livro sobre difusão de inovações; Leon Festinger (1957) com sua teoria da dissonância cognitiva, que é parte integrante da teoria de comportamento de compra; e March e Simon (1958) e Cyert e March (1963), que focaram o comportamento de compra organizacional. Outros trabalhos foram desenvolvidos, mas de forma fragmentada e não voltados ao marketing. 25 25 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Nos anos 50, foram identificadas três áreas de pesquisa: determinantes psicológicos racionais e emocionais do comportamento de compra (as compras são feitas por motivos emocionais e razões profundas que os consumidores não querem discutir, e muitas vezes nem percebem que existem, e que são conhecidos apenas por meio da psicologia clínica); determinantes sociais do comportamento de compra (um dos mais importantes é a influência dos grupos de referência na escolha de produtos e marcas, outro é a da força da palavra – boca em boca); e decisão doméstica (estudo do comportamento de compra familiar – como seus membros se ajustam no processo). A escola cresceu com estudos importantes como o da lealdade de marca entre compradores em supermercados, experimentos em laboratórios e o estudo dos riscos percebidos no comportamento do consumidor (Raymond Bauer defendia que os consumidores não maximizavam utilidades – economia – e sim reduziam seus riscos). A teoria mais abrangente do comportamento do consumidor foi proposta por Howard e Sheth (1969) utilizando conceitos conhecidos da psicologia que incluíam a teoria do aprendizado, o comportamento exploratório e as representações simbólicas. Daí sugeriram alguns axiomas: os consumidores gostam de simplificar situações de escolha complexas e complicar situações de escolha muito rotinizadas e/ou não-desafiadoras; experiências com produtos e marcas são determinantes de escolha mais fortes que as informações, estímulos provocados pelo produto físico são menos filtrados por mecanismos perceptuais de exposição, atenção e retenção que os estímulos provocados pela propaganda e venda pessoal; as informações de fontes sociais e neutras são menos filtradas que as das fontes comerciais; a satisfação do consumidor é psicológica e função direta da discrepância entre as expectativas e a experiência; fatores exógenos influenciam e controlam o processo de simplificação e complicação (caracterís- 26 “Arndt (1979) e Kotler (1986) argumentaram que os profissionais de marketing que quisessem operar com sucesso no ambiente de mercado deveriam adquirir habilidades políticas.” ticas pessoais, ambientes sociais, escassez de tempo e recursos). Simplificação e complicação diferem em função das características do produto, da importância ou envolvimento, e da percepção do risco associado às escolhas erradas. Essa teoria tornou-se mais popular por ter sido mais rigorosamente desenvolvida em termos científicos, ter validade por incorporar descobertas de marketing, psicologia e outras ciências comportamentais, e por ter sido comprovada em pesquisas de campo. Dada a grande evolução da escola, foi formada em 1969 a Association for Consumer Research – ACR –, para oferecer um fórum de discussão, estimular a pesquisa e disseminar as descobertas através de seminários, conferências e publicações. Tornou-se a alternativa à American Marketing Association – AMA – para os estudiosos do assunto. Em 1974, foi fundado o Journal of Consumer Research – JCR. Caracterizava-se assim o comportamento do consumidor como disciplina independente. Nos anos 70, uma das pesquisas mais importantes foi a do comportamento de compra organizacional (Robinson, Faris e Wind, 1967). Surgiram linhas com foco mais limitado e aplicação das teorias cognitivas em serviços públicos e educação, entre outros, na tentativa de aplicar conceitos de marketing em organi- zações sem fins lucrativos, ou focados nas integrações culturais (marketing internacional). Teve grande destaque o comportamento de compra familiar, no qual os comportamentos de compra individuais eram ao mesmo tempo influenciados e influenciadores. Martin Fischbein (1963 e 1967), reforçado pela posição de Fischbein Ajzen (1975), dizia que: “...a intenção de uma pessoa para dado comportamento é função de dois fatores: crenças pessoais sobre as conseqüências daquela ação, ou, crenças sobre as normas do seu grupo de referência serem a favor ou contra aquele ato (crenças pessoais ou normativas)”. (Fischbein, 1967, p. 71) Emergiu como corrente independente a linha do processamento de informações tendo como objeto de estudos o fato de como os consumidores utilizam, assimilam e fazem seus julgamentos sobre produtos e marcas. Os anos 80 caracterizaram-se como a nova era do comportamento do consumidor. Surgiram novas áreas de pesquisa interativas como as dos rituais e simbolismos, comportamento experiencial e de fantasia, impactos religiosos no consumo e preocupações multi e subcultural. A riqueza da escola sempre deu margem a novas idéias como a do exame da expertise do consumidor (dimensões inter-relacionadas: esforço cognitivo, estrutura cognitiva, elaboração, análise e memória) e semiótica. Suas maiores contribuições ainda são as teorias de consumo e o foco no consumidor. A Escola Gerencial O isolamento que alguns estudiosos de economia sentiam do mundo prático dos negócios no final dos anos 40 levou alguns deles, como Joel Dean e William Baumol, a desenvolver a “economia gerencial” para buscar traduzir as teorias freqüentemente abstratas dos acadêmicos Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 em princípios da prática de negócios que pudessem ser utilizados no dia-a-dia gerencial. Seguindo essa liderança econômica, alguns teóricos de marketing adotaram uma abordagem semelhante. John Howard (1957) publicou um texto intitulado Marketing Management, e Eugene Kelly e William Lazer (1958) editaram Managerial Marketing: Perspectives and Viewpoints. O núcleo da escola, entretanto, emergiu de uma série de artigos publicados entre os anos 50 e 60 por escritores como Theodore Levitt, Neil Borden e Wendell Smith, que introduziram conceitos como miopia em marketing, mix de marketing e segmentação de mercado (com semelhanças com o conceito de marketing heterogêneo de Alderson). Um dos marcos conceituais foi o conceito de marketing mix, que enfatizava a necessidade de se ver as tarefas de marketing como o processo de combinar ou integrar funções diferentes. Seus pioneiros foram Ed Lewis, E. Jerome McCarthy e Neil Borden (1964), que descreveu a filosofia do marketing mix da perspectiva da eficácia da propaganda. Foi extremamente importante a discussão nessa escola da miopia da busca da eficiência de produção. Era necessário considerar mais as necessidades e desejos dos consumidores antes de tomar decisões para o aproveitamento de oportunidades de produção. J. B. McKitterick (1957) afirmava que: O objetivo principal da função de marketing, num conceito gerencial, não é tanto ser especializado em fazer o consumidor agir como interessa ao negócio quanto ser especializado em conceber e então fazer o negócio agir para se adaptar aos interesses dos consumidores (p. 78). Franklin Houston (1986) defendia ser “tempo de reaprender que o conceito de marketing é um conjunto de três conceitos, marketing, vendas e produção, que formam a base do seu gerenciamento” (p. 49). Um dos artigos mais influentes da escola foi Marketing Myopia de Theodore Levitt (1960), que alertava para a crença ingênua de que uma situação lucrativa no presente seria eterna, pois qualquer empresa teria vulnerabilidades. Explicações para os ciclos de expansões generosas e decadências não detectadas, que atingiram muitas empresas, contemplaram a crença errônea de que o crescimento estava garantido por uma população crescente e mais afluente, por não haver substituto competitivo para o produto, por acreditar demais na produção em massa e suas economias de escala, e por concentrar-se demasiadamente nos produtos, negligenciando quem os consumia. Perceber o consumidor como motivo dos esforços de marketing permitiu entender que nem todos possuíam as mesmas motivações e objetivos. A primeira proposta de que os consumidores deveriam ser segmentados, e diferentes compostos de marketing utilizados, foi feita por Wendell Smith (1956). A segmentação de mercado consiste em “ver um mercado heterogêneo como um número de mercados menores, homogêneos, em resposta a produtos de diferentes preferências entre segmentos importantes”. É imputável aos desejos dos consumidores ou usuários finais o atendimento mais preciso da satisfação de seus desejos variados. Esse conceito foi muitas vezes interpretado erroneamente, levando à consideração dos diferentes níveis de demanda e não dos tipos de demanda. A preocupação com a aplicação da segmentação para mercados industriais surgiu apenas com Doyle e Saunders (1985). Nessa época também, vários estudiosos concentraram-se na forma como os elementos do marketing mix deveriam ser utilizados. Na área do produto, um conceito importante foi o do ciclo de vida, apoiado na fundamentação biológica intuitiva de nascimento, crescimento, maturidade e declínio. Sua simplicidade gerou focos de crítica por não permitir prever mudanças necessárias e nem quando um estágio sucederia o outro. Falhava também como modelo normativo que tentava prescrever estratégias alternativas para cada estágio. Gardner (1987) foi mais 27 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 incisivo, concluindo que o CVP não era uma teoria e tinha grandes fraquezas que exigiam a revisão do conceito. Apesar das críticas e fraquezas, continua sendo um elemento de orientação. Na área de preços, Joel Dean (1950) e Alfred Oxenfeld (1960) traduziram teorias econômicas em recomendações gerenciais. Das contribuições de Dean, as mais importantes foram os conceitos de desnatamento de preços (os preços são levados ao extremo, com fortes gastos de comunicação nos estágios iniciais, e depois reduzidos), sendo indicado para produtos que representem conceitos de ruptura. Obtém lucros rapidamente, mas dificulta a adoção imediata em larga escala) e preços de penetração (utilizamse preços mais baixos para chegar mais rapidamente ao mercado de massa) para produtos novos. Oxenfeld defendia a abordagem multiestágios para a definição de preços: seleção do target, escolha da imagem da marca, composição do marketing mix, seleção da política de preços, definição da estratégia de preços e definição do preço específico. Na área de distribuição John F. Magee (1960) escreveu um artigo clássico encorajando os gerentes a tratar a distribuição como um sistema e com a mesma importância dada a produto, preço e comunicação. As condições-chave eram o reconhecimento de que distribuição significava examinar o sistema completo de distribuição física, o uso de métodos quantitativos para analisar os trade-offs e as relações entre a operação, as políticas e o trabalho cooperativo de pessoas com conhecimento de vendas, marketing, transporte, manuseio e controle de materiais, e, por fim, o tratamento de informações. Neste ponto, vale mencionar que outras escolas preocuparam-se mais profundamente com aspectos da distribuição: a Funcional, a Institucional e a da Dinâmica Organizacional. Na área de comunicação, a escola ofereceu sugestões referentes à venda pessoal e propaganda. Em artigo no Journal of Marketing, Robert J. Lavidge 28 “Seu princípio de mercado heterogêneo baseava-se no fato de que as necessidades de um indivíduo são diferentes das de outros, numa visão de mercado diferente da visão econômica de mercados homogêneos.” e Gary A. Steiner (1961) argumentaram que o objetivo da propaganda deveria ser conduzir os consumidores por uma série de estágios que, eventualmente, levariam à compra do produto. Os níveis dos compradores eram baseados na sua distância até o caixa: os potenciais, que desconheciam a existência do produto/serviço; os que tinham mera consciência da sua existência; os que sabiam o que o produto oferecia; os que tinham atitude favorável em relação ao produto; os que chegavam a ter preferência; os que combinavam a preferência com o desejo de comprar; os que tinham convicção na compra, e os que a efetivavam. O marketing foi penalizado por táticas inconseqüentes e decepcionantes empregadas por vendedores mais afoitos. Por isso Cash e Crissy (1958) defendiam a adoção da teoria da “necessidade-satisfação” na venda pessoal. Por ela o vendedor evitaria falar de um produto até que tivesse descoberto as necessidades do cliente, num processo mais demorado, mas mais eficaz. A escola gerencial tem conteúdo muito vasto e inclui outros tópicos como posicionamento e inter-relacionamento funcional da organização encontrados nos inúmeros livros atuais. Ela exerce grande influência nos profissionais de marketing e ofereceu excelentes contribuições como o conceito de marketing que considera as necessidades dos clientes, e o marketing mix, que integra as funções e tarefas de marketing. A Escola Ativista Essa escola representa pensamentos e pesquisas relacionadas ao bem-estar e satisfação dos consumidores que focam o desequilíbrio de forças entre compradores e vendedores e as más-práticas de marketing. Originou-se nos movimentos consumeristas iniciados nos anos 30, e ganhou corpo no final dos anos 60, quando as reações dos consumidores se fizeram sentir mais fortemente. No início, os movimentos dos consumidores foram sustentados por várias instituições e publicações que mostravam os problemas com as práticas de marketing, mas seu desenvolvimento veio com as atividades de consumidores e políticos como John K. Galbraith, Vance Packard, Rachel Carson e o Presidente Kennedy. O mais popular defensor dos direitos dos consumidores foi Ralph Nader (1966), que denunciou o desrespeito aos consumidores às instâncias governamentais e legais, enfrentando a poderosa indústria automobilística norte-americana. As pesquisas referentes ao consumerismo podem ser divididas em várias áreas, sendo a maior delas a que envolve as más práticas de marketing, referentes à segurança e informações; outra aborda as minorias ou consumidores em desvantagem e outra a satisfação e insatisfação dos consumidores. Peter Drucker (1969) dizia que o consumerismo era a vergonha do marketing e que os elementos do marketing mix poderiam ser mais bem utilizados. Entre outras coisas, dizia que “é nosso trabalho fazer coisas simples que se adaptem à realidade do consumidor, não ao ego dos nossos engenheiros” (p. 60). Kotler (1972) defendeu que satisfazer o consumidor não era suficiente para gerar uma situação de “ganha-ganha”. Isso ocorria pela dificuldade de definir essa satisfação e pelo fato de às vezes o Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 consumidor desejar algo que não seja bom para ele, afastando a possibilidade de agradá-lo no médio ou longo prazo. Mais recentemente, a escola tocou na ética do marketing. Robin e Reidenbach (1987) enfatizavam a necessidade de incorporar as preocupações éticas no processo estratégico de marketing: Apesar de eficiência e lucratividade deverem permanecer como valores centrais na cultura organizacional, elas devem ser balanceadas por outros valores que auxiliem na definição dos limites das atividades definidas para atingir aqueles objetivos e por valores que descrevam outros comportamentos éticos e socialmente responsáveis No final dos anos 80, Garret estudou os boicotes e descobriu que os dos anos 60, baseados em pressão econômica, imagem e políticas eram o sinal da emergência dos movimentos consumeristas. A Escola Sistêmica Como outras escolas, ela surgiu de respostas a um ambiente mutante. É considerada dos anos 60, mas antes disso vários estudiosos já enfatizavam a necessidade de se ver o marketing como sistema. A palavra sistema foi popularizada na literatura gerencial pela influência das pesquisas de técnicas operacionais em outras disciplinas de negócios, e o uso crescente de mainframes poderosos. Em 1967, o tema da conferência da AMA foi “Changing the Marketing Systems”, enquanto até 1965 nenhum trabalho apresentado trazia a palavra sistema no título. Segundo a visão de Forrester (1958), que desenvolveu um trabalho multidisciplinar e mesclava ciências quantitativas e comportamentais baseado nas pesquisas operacionais adotadas na Segunda Guerra: A empresa era reconhecida não como uma coleção de funções separadas, mas como um sistema no qual o fluxo de informações, materiais, mão-de-obra, equipamentos e dinheiro se ajustam às forças que deter- “Várias áreas, como a Antropologia, a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Clínica e a Sociologia, ofereceram contribuições que, aliadas a processos matemáticos, foram muito importantes.” minam a tendência básica em direção ao crescimento, flutuações e declínio (p. 18). Ludwig von Bertalanffy (1968), na sua publicação General Systems Theory, propôs uma teoria para explicar qualquer sistema, abordando sistemas abertos que interagem com o ambiente recebendo inputs, processando-os, exportando outputs ao ambiente e trocando com ele informações e energia. Para Katz e Kahn (1966), que contribuíram muito com a perspectiva sistêmica no livro The Social Psychology of Organizations, os sistemas organizacionais são complexos, abertos e comportamentais. Identificaram nove “Várias áreas, como a antropologia, “Sua simplicidade a psicologia gerou focosa de cognitiva, psicologia clínica crítica por não e a sociologia, permitir prever ofereceram mudanças contribuições necessárias eque, nem aliadas a processos quando um matemáticos, estágio sucederia foram muito o outro.” importantes.” características importantes dos sistemas: importação de energia do ambiente, processamento, saídas, ciclo de eventos, entropia negativa, entrada de informações, feedback negativo e processo de codificação, estabilidade e homeostase dinâmica, diferenciação (sistemas abertos movem-se na direção da diferenciação e elaboração, no qual padrões gerais são substituídos por funções mais especializadas) e eqüifinalidade (um sistema pode atingir o mesmo estado final com diferentes condições iniciais e por vários caminhos). Mesmo antes de qualquer definição formal sobre sistemas, estudiosos das escolas de commodities, funcional, regional e institucional entenderam que os vários elementos de marketing eram interdependentes. Mackenzie e Nicósia (1968) mencionaram que no período de 1920-1950 “grandes esforços foram orientados para a obtenção de uma imagem de todo o sistema de marketing” (p. 17). Da mesma forma, Wroe Alderson (1957), da escola funcionalista, via o marketing pela perspectiva sistêmica. Usando técnicas de estimativa matemática, Farley (1967) demonstrou como a análise do sistema de marketing poderia ser utilizada, e Howard (1983) adotou a abordagem sistêmica integrando conceitos descritivos de ciclos de demanda e suprimento, hierarquia de produtos, estrutura competitiva e modelos de decisão do consumidor para formar a teoria de marketing da empresa. Ele julgava que os executivos de marketing sentiam falta de um corpo sistemático de conhecimentos para guiar suas decisões. Em um artigo que se tornou clássico, Dowling (1983) classificou a evolução dos sistemas de marketing conforme suas filosofias: produção, vendas, marketing e marketing social dentro dos ambientes propostos originalmente por Emery e Twist (1965). Ridgeway (1957) sugeria que o fabricante e seus intermediários poderiam ser considerados uma única organização, e ser administrados como um sistema. Staudt (1958) observou que a empresa 29 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 deveria ser vista como um sistema integrado com o mercado. Goldstucker (1966) apresentou o desenvolvimento da estrutura sistêmica para o varejo. Uhl (1968) abordou a necessidade de um sistema de informações de marketing com três subsistemas apropriados: disseminação seletiva, retrospectiva e espontânea. Na mesma linha de pensamento, porém com diferentes abordagens, vieram McNiven (1968) e Brien e Stafford (1968). Gardner (1973) trouxe para o marketing o conceito de homeostase dinâmica. Reidenbach e Oliva (1981) discutiram a teoria geral dos sistemas vivos. Há muito a oferecer pela visão sistêmica ao marketing, e bons indicadores da possibilidade de classificação dos conhecimentos e sistematização de relacionamentos foram os trabalhos de Michael Porter (1980 e 1985). A Escola das Trocas Sociais Apesar de os estudiosos de várias perspectivas teóricas reconhecerem que o propósito de marketing era facilitar as trocas entre compradores e vendedores, apenas na metade da década de 1960 um grupo deles advogou a ênfase mais explícita nas trocas sociais. Essa nova perspectiva era de Wroe Alderson e William McInnes. McInnes (1964) argumentava que: “Marketing é qualquer movimento ou atividade que concretize a relação potencial entre produtores e consumidores. A tarefa básica do marketing está, portanto, sempre relacionada ao mercado em primeiro lugar. O trabalho de marketing inicia sempre com a descoberta do mercado potencial” (p. 57). Defendeu ainda que “o modelo básico de marke-ting consiste de um conjunto de relacionamentos reais e potenciais em cinco dimensões: espaço, tempo, percepção, avaliação e propriedade...” (p. 53). O segundo grande impacto na escola veio no início da década de 70, com 30 Philip Kotler (1972) e seu conceito genérico de marketing com o foco na transação. Em suas próprias palavras: “Uma transação é uma troca de valores entre duas partes. As coisas de valor não estão limitadas a bens, serviços e dinheiro. Incluem outros recursos como tempo, energia e sentimentos... O profissional de marketing busca encontrar meios de aumentar a percepção na troca entre o que se receberá e se perderá adotando determinado comportamento.” (p. 48). Esse profissional é especialista no entendimento dos desejos e valores humanos, e sabe o que leva alguém a agir. Na metade da década de 70, Richard Bagozzi (1974) assumiu a liderança nessa escola de pensamento. Ele definiu o sistema de trocas como “um conjunto de atores sociais, seus relacionamentos com os outros e as variáveis exógenas e endógenas que afetam o comportamento dos atores nesses relacionamentos” (p. “ “O mais popular defensor dos direitos dos consumidores foi Ralph Nader (1966), que denunciou o desrespeito aos consumidores às instâncias governamentais e legais, enfrentando a poderosa indústria automobilística norte-americana.” ” 79). Analisando as várias posições de Alderson, Bagozzi e Kotler, Shelby Hunt (1991) afirmou que “o objeto básico de marketing é o relacionamento de troca ou a transação” (p. 8). Houston e Gassenheimer (1987) seguiram a linha de que o conceito central de marketing é a transação, dizendo que o relacionamento de troca é um conceito mais rico que a troca como ato isolado, fazendo a seguinte colocação: “A força motriz da troca é a satisfação das necessidades. Expressamos isso como a conscientização da utilidade, onde a função da utilidade é uma descrição geral de qual produto será usado para satisfazer necessidades...” (p. 59). Sem dúvida, a busca da delimitação do objeto de estudo do marketing, focado na transação, é uma das maiores contribuições que essa escola proporcionou ao campo do estudo do marketing. A Escola da Dinâmica Organizacional É descendente direta da escola institucional. Ambas buscam explicar o trabalho dos canais de distribuição, mas Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 com diferentes perspectivas. A escola institucional utilizava princípios econômicos para analisar como um canal de distribuição poderia ser desenvolvido mais eficientemente para beneficiar o consumidor e a da dinâmica organizacional mudou o foco do bem-estar do consumidor para a análise dos objetivos e necessidades dos membros do canal de distribuição. Viam o canal como uma coalizão competitiva baseada nos interesses comuns dos seus membros, que ao mesmo tempo em que deviam trabalhar em harmonia, lutavam para ficar com a maior fatia dos resultados. A escola buscava entender como o canal poderia funcionar efetivamente, tendo seus membros um conjunto contraditório de objetivos cooperativos e competitivos. É uma escola relativamente nova, com trabalhos a partir de 1970, mas com sementes plantadas no final dos anos 50. Um dos primeiros artigos sobre relacionamento do canal utilizando a orientação comportamental foi Administration of Manufacturer-Dealer Systems, de Valentine Ridgeway (1957). Nele Ridgeway considerava que o fabricante estava em melhor situação para administrar o canal, dado seu maior conhecimento do produto e sua operação com vários revendedores. Com a quebra de comando originada na transferência de propriedade o produtor “buscava o poder de administrar o sistema por meio de recompensas e punições aos revendedores”. O grande momento da escola aconteceu com a publicação de Louis Stern (1969) denominada Distribution Channels: Behavioral Dimensions, no qual criticava a perspectiva econômica da escola funcional. Em suas palavras: “Está ficando mais e mais aparente, entretanto, que é necessária uma conceituação, além daquela oferecida pela teoria econômica, se os estudantes, acadêmicos e profissionais de marketing buscam insights para a crescente complexidade e diversidade dos canais” (p. 1). Vários autores analisaram os aspectos poder, conflito, cooperação e barganhas, e seus impactos no canal, argumen- “A palavra sistema foi popularizada na literatura gerencial pela influência das pesquisas de técnicas operacionais em outras disciplinas de negócios, e o uso crescente de mainframes poderosos.” tando que formas não econômicas de poder seriam mais eficientes por conseguir adesões e reconhecimento de sua validade. Kasulis e Spekman (1980) propuseram que o administrador de canal deveria “buscar cultivar bases de poder que tendessem a extrair a internalização e identificação com os sistemas de metas e valores” (p. 147). Outros teóricos buscaram a criação de modelos de relações interorganizacionais. Stern e Reve (1980) e Achrol (1983) advogavam que os canais de distribuição deveriam ser classificados como economias políticas: “basicamente a abordagem político-econômica vê um sistema social como um conjunto de forças econômicas e sociopolíticas que afeta o comportamento e o desempenho coletivos” (p. 112), mas por outro lado, buscavam também uma ligação com a escola institucional. “... a teoria do canal é fragmentada em duas orientações incompatíveis: uma econômica e outra comportamental” (p. 156). A primeira tenta aplicar a teoria microeconômica e a análise da organização industrial ao estudo da distribuição, e tem sido essencia1mente orientada à “eficiência” focada em custos, diferenciação funcional e desenho do canal. A segunda usa as teorias da psicologia social e das organizações e tem sido essencialmente orientada ao “social” focada nos fenômenos de conflito e poder. Dwyer e Welsh (1985) desenvolveram um modelo baseado na crença de que a estrutura econômica permitia a interação entre as forças sociais e econômicas (internas e externas) do canal, e era recomendado para responder às “incertezas e restrições do ambiente do cana1”. Graham (1987) assumiu uma perspectiva sociopsicológica, propondo que restrições situacionais (relações de poder) e características de barganha (cultura, nacionalidade, orientação interpessoal e habilidade em ouvir) influenciariam o processo de negociação, que por sua vez afeta os resultados das negociações. Conclusão “Esse profissional é especialista no entendimento dos desejos e valores humanos, e sabe o que leva alguém a agir.” A retrospectiva das escolas de pensamento permite visualizar a evolução do Marketing à medida que várias linhas de pensamento foram em relação às outras ao mesmo tempo influenciadas e influenciadoras. Cada escola contemplou o marketing com foco no que julgou mais importante em sua época conforme suas concepções, como na eficiência dos canais de distribuição (ora com foco nos resultados para o consumidor, ora para os seus membros), na preocupação com o consumidor e no entendimento de sua heterogeneidade, na visão sistêmica da atividade, na definição 31 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 de ferramentas próprias e na utilização de conceitos e ferramentas de outras disciplinas, na adequação do mix mais apropriado, na imposição de limites de ação, na preocupação com a ética. A preocupação dos teóricos com o respaldo científico e as influências das linhas de pensamento moldaram o conceito de marketing até chegar-se à definição oficial da American Marketing Association, AMA, que considera o marketing como o processo de planejar e executar a concepção, a determinação de preços, a promoção e distribuição de idéias, bens e serviços para criar negociações que satisfaçam a metas individuais e organizacionais. Se, todavia, com toda a abragência “A escola buscava entender como o canal poderia funcionar efetivamente, tendo seus membros um conjunto contraditório de objetivos cooperativos e competitivos.” das concepções teóricas e ferramentas disponíveis, alguma má prática persistir, má prática essa que, definitivamente, não faz parte das práticas de marketing, a sociedade dispõe de todos os meios para coibi-la, seja por decisões e ações de instituições oficiais, por movimentos consumeristas, pelo aparato legal que regula as relações entre compradores e vendedores, e, sobretudo, por atitudes várias que reflitam a consciência de cidadania, pois o Marketing não existe a não ser na sociedade. Por isso, ao ouvir “isso é puro marketing”, e se for puro marketing mesmo, só poderá haver um entendimento: ótimo, alguém está se preocupando mesmo com você. Referências Bibliográficas ACHROL, R., REVE, T. & STERN, W. (1983) The Environment of Marketing Channels: A Framework for Comparative Analysis. 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Journal of Marketing, 44, winter. * Francisco Antônio Serralvo - Doutor em CiênciasSociais - Professor da ESPM e da PUC-SP * Wilson Weber - Pós-graduado em Marketing - Mestrando em Administração de Empresas - Professor da ESPM 34 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 * MARCOS AMATUCCI “Isto é sangue do meu sangue, é o que Marx diria.” WEBER “Neste importante aniversário da escola, presto minha homenagem – à instituição e às pessoas – resgatando a história da ESPM e procurando explicar por que os nossos cursos de Administração são mais ESPM do que os cursos de Administração dos outros.” 35 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 O momento do surgimento da escola A história da ESPM é parte da evolução do pensamento de Marketing no Brasil e da estruturação do setor de propaganda – e uma parte importante. Segundo Aylza Munhoz (1982)1 , o pensamento mercadológico no Brasil é originariamente norte-americano, e a sua penetração aqui obedece a uma evolução que a professora divide em três etapas: a década do transplante, de 1950 a 1960, quando surgem os primeiros cursos na área; a década da implantação, de 1960 a 1970, quando os cursos proliferam e surgem as primeiras publicações, tanto traduções quanto de autores nacionais; e a década da adaptação, de 1970 a 1980, quando o Marketing nacional passa a preocuparse com a realidade especificamente brasileira. Nesse período, desenvolvem-se escolas, institutos e associações que disseminarão o ensino de Marketing e Administração para o público brasileiro. Além da ESPM, a autora destaca o papel da EAESP/FGV, fundada em 1954, nesse processo, partindo do pressuposto que o pensamento mercadológico foi formado em cursos de nível superior. No primeiro período e anteriormente, nota-se o aparecimento de cursos de cunho técnico, ministrados pelo IDORT (Instituto de Organização do Trabalho, fundado em 1931); pela Associação Brasileira de Propaganda (fundada em 1937), pela Associação Paulista de Propaganda (também de 1937), e, a partir de 1956, pela ADVB (Associação dos Dirigentes de Vendas). A ESPM surge em 1951, então sob o nome de Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, voltada para o curso técnico de propaganda, tendo elevado seus cursos ao status de nível superior em 1973. 36 Rodolfo Lima Martensen A fundação De acordo com a revista Propaganda (1989), o início da Escola Superior de Propaganda e Marketing remonta ao 1.º Salão Nacional de Propaganda, realizado pelo Museu de Arte de São Paulo em 1950. O sucesso de público angariado pelo evento teria feito Pietro Maria Bardi, diretor do Museu, comentar a Rodolfo Lima Martensen, então presidente da Lintas (agência de propaganda, nessa época ainda de propriedade da Lever2) e futuro diretor da escola: “Enquanto meus Rembrandt, Velasquez, Picasso e Renoir ficam às moscas, esperando uns poucos visitantes, vocês da Propaganda entulham os olhos do povo com toda a sorte de porcaria.” (Bardi, segundo depoimento de Martensen em Propaganda, 1989:6) Assim, Bardi, em reunião com Martensen e Napoleão de Carvalho (diretor dos Diários Associados), coloca o Museu à disposição de uma empreitada colaborativa, com o intuito de melhorar o padrão artístico da arte publicitária e fazer chegar esse elevado padrão a amplas massas. A idéia original era a de oferecer al- guns cursos de pequena duração, juntamente com os cursos de Arte Contemporânea já oferecidos pelo Museu. Entretanto, Martensen, a cargo do estudo do curso, traz um projeto de escola de formação profissional mais ampla do publicitário: “Durante nove meses eu me dediquei ao plano, consultando inclusive as principais universidades americanas envolvidas no ensino publicitário; visitando os cursos da Fédération Française de la Publicité e os da British Advertising Association; ou ouvindo dirigentes de Agências [de propaganda] daqui e do Exterior. A conclusão a que cheguei foi de que o Brasil não precisava apenas de um curso de Propaganda de teor artístico. O País pedia era uma escola de Propaganda profissionalizante, que, ao lado do aprimoramento artístico, desse aos alunos uma noção realística das responsabilidades sócioeconômicas do publicitário.” (Depoimento de Martensen, em Propaganda, 1989:6) Diante da envergadura do projeto, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, vem colaborar pessoalmente com ele. Em 27 de outubro de 1951, funda-se a Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo. Martensen comandaria a escola durante 20 anos. A comunidade publicitária (agências, veículos, fornecedores) deu forte apoio à iniciativa. “O primeiro curso foi lançado em março de 1952 e os principais líderes dos vários setores da atividade publicitária constituíram-se em professores. Perseguindo um lema que até hoje é praticado pela escola, ‘ensina quem faz’. Publicitários como Renato Castelo Branco [Thompson] e Geraldo Santos [McCann-Erickson] empenharam-se na estruturação dos cursos, organizando os currículos e participando da administração.” Dois professores da Universidade de São Paulo (Linneu Schutzer e Oswaldo Sangiorgi) são chamados a estruturar os aspectos pedagógicos; ainda nesse ano (1952), diversos outros nomes do meio publicitário são chamados a constituir o quadro de professores. A escola torna-se Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 um centro de convergência de profissionais do setor “interessados em contribuir para elevar o padrão da Propaganda entre nós”. No ano seguinte, em função do crescimento das atividades, constitui-se uma diretoria tríplice, composta por Saulo Guimarães (representante da Reader’s Digest no Brasil), Geraldo Santos (da McCann-Erickson) e Caio Aurélio Domingues (da agência J. W. Thompson; este vai para o Rio de Janeiro em 1957, sendo substituído por Italo Éboli, também da McCann-Erickson). foto masp Evolução Já em 1955, Pietro Maria Bardi, ao mesmo tempo em que felicita os diretores da escola pelo sucesso alcançado, comunica-lhes que o Museu não poderia mais comportar aquele nível de atividade da escola, que se tinha tornado um “Estado dentro de um Estado”: “A Escola de Propaganda cresceu demais. Tornou-se um Estado dentro do Estado. Orgulho-me do que os senhores fizeram, mas não podemos continuar juntos. Dou-lhes três meses para saírem do Museu.” (Bardi apud Castello Branco, Martensen e Reis, 1990:35) Novamente, a classe publicitária é mobilizada para viabilizar o surgimento de uma sociedade civil autônoma denominada Escola de Propaganda de São Paulo (EPSP). Em 1957, o 1.º Congresso Brasileiro de Propaganda considera a EPSP escola padrão para o Brasil, e em 1961, o 1.º Congresso Latino-americano de Publicidade aconselha a adoção dos métodos da escola em toda a América Latina. Nesse período, tendo em vista a avaliação da escola sobre as necessidades do setor, o curso básico teve sua duração dobrada, passando para dois anos. Otto Hugo Scherb (ex-Thompson e ex-Alcântara Machado), que já atuava como diretor de cursos, substitui Martensen na presidência da escola em 1971. Segundo este último, Otto consegue consolidar a escola, “... dando-lhe uma sólida base econômica e alcançando seu reconhecimento como opção do Curso de Comunicação Social, através do Decreto Federal n.º 75.775” (Depoimento de Martensen em Propaganda, 1989:8). O status de curso superior é então conquistado em 1973, e o nome da escola muda para Escola Superior de Propaganda e Marketing. Otto Scherb man- tém-se à frente da escola por 10 anos, aprofundando o currículo de Marketing, e fundando o curso de pós-graduação. Com seu falecimento em 1981, é substituído por Francisco Gracioso (da McCann-Erickson), ex-professor da escola, e atual presidente. Gracioso define os rumos da escola para os anos 80 nos termos do Quadro 1, abaixo: Quadro 1 Direcionamento Estratégico da ESPM para os anos 80 1 – Aprimoramento dos cursos de Propaganda e Marketing, atualizando-os e enriquecendo-os em conteúdo profissionalizante. 2 – Diversificação e expansão das atividades da escola, de preferência, em áreas mais próximas do mercado em que já atuava, visando atingir segmentos mais elevados (gerências e profissionais de nível médio). 3 – Reforçar a imagem da escola, principalmente entre as empresas empregadoras de seus alunos, caracterizando a ESPM como um centro pioneiro no debate e ensino da Propaganda e do Marketing. 4 – Finalmente, colocar a escola em bases empresariais, aumentando a rentabilidade e gerando internamente os fundos necessários ao investimento.” Fonte: Propaganda (1989:9-10). 37 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Em função dessas diretrizes, o curso de pós-graduação latu sensu consolida-se, surgem cursos de curta duração especiais (“intensivos”), cursos fechados para empresas e outras iniciativas, voltadas ao novo público de “gerência e profissionais de nível médio”. O Quadro 2 mostra a evolução dos cursos nessa década. certo grau de complexidade: ao lado do presidente, há um diretor administrativo-financeiro, um diretor-vice-presidente, um diretor de cursos superiores (faculdades), uma diretora e uma vice-diretora para a pós-graduação, entre outros cargos, que mantém em funcionamento seis tipos de cursos, e ainda os departamentos técnicos, englobando Quadro 2 Lançamentos de cursos na ESPM na década de 80 Ano Curso/Programas 1982 Curso de pós-graduação em Marketing na Nova Diretriz (módulos independentes) Curso Básico de Propaganda e Marketing Curso de Pós-Graduação em Marketing na ESPM-Rio Curso de Pós-Graduação em Marketing em Porto Alegre (ESPM/ADVB) Curso de Pós-Graduação em Propaganda Planejamento e Gerenciamento Estratégico – Programa de Desenvolvimento Orientado para o Mercado Aprovação do novo curso superior, Administração de Empresas, com enfoque na Administração de Marketing 1983 1984 1986 1987 1989 1989 Fonte: Propaganda (1989:9). Em 1989, a escola inaugura sua sede própria, onde se localiza hoje, em prédio especialmente projetado para ela por Ubaldo Carpegiani, arquiteto especializado em prédios escolares. Nessa ocasião, a administração da escola já conta com mais de 2.660 alunos regulares (Propaganda, 1989:7). Para a primeira década do Século XXI, a ESPM já tem um novo conjunto de diretrizes, consubstanciado nas estratégias mostradas no Quadro 3, abaixo. Otto Scherb O curso de Administração Ainda no ano de 1989, a professora Laura Gallucci3, juntamente com os professores Miguel P. Caldas e Francisco Vinci4, recebe a incumbência de organizar o primeiro curso de Administração, voltado para o Marketing. Um curso com o diferencial de equilibrar em seu corpo docente profissionais de mercado com professores de alta titulação. Como prosseguimento de sua linha de transformar-se numa Escola de Negócios orientada para o mercado, a ESPM ini- Quadro 3 Estratégias de longo prazo (1995-2000) da ESPM 1. Ampliar a base de atuação. A Escola começou, há muitos anos, como uma Escola de Comunicação, voltada para a Propaganda e para o Marketing. Caminha, cada vez mais, para se tornar uma Escola de Administração orientada para o mercado, com ênfase em Propaganda e Marketing. 2. Ampliar os níveis de atuação. Até agora, a Escola tem preparado jovens para cargos iniciais e de média gerência. Sem perder esses nichos, é preciso passar a preparar pessoas que se destinam à alta gerência e à diretoria das empresas. 3. Ampliar o foco de atuação. Sem deixar de preparar os especialistas, que hoje se formam na Escola, é preciso voltar a atenção para o preparo de pessoas aptas a pensar em termos globais e a combinar emoção, intuição e razão na sua atividade decisória. 38 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Os cursos de Administração da ESPM hoje5 Os cursos de Administração da ESPM estão hoje entre os 13 melhores cursos do Brasil – entre os 13 cursos cujos alunos lograram cinco “As” consecutivos no Exame Nacional de Cursos – o “Provão”. Ainda pelo critério do Provão, estamos ainda entre os seis melhores cursos de entidades privadas, e entre os quatro melhores de faculdades isoladas. Mas o que fazem esses cursos? Os cursos de Administração da ESPM formam profissionais generalistas especializados. O mercado busca administradores que possu- Fachada ESPM/Rio cia em 1995 a ampliação das especializações de seu curso de Administração, iniciando turmas de Administração com ênfase em Gestão de Negócios. Em 1998, reformula o leque de cursos, lançando mais duas opções: Finanças e Gestão Internacional; e transformando Gestão de Negócios, antes generalista, em Gestão de Recursos Humanos. Portanto, hoje os cursos de Administração contam com quatro especializações: Marketing, Gestão Internacional, Finanças e Recursos Humanos. Os currículos e a estrutura desses cursos são radicalmente reformulados para 1999: os quatro cursos de Administração passam a ser semestrais, por crédito, com duração de oito semestres, com uma ampla base comum entre eles, cerca de dois semestres caracterizando cada habilitação, e um último semestre “multidisciplinar”, com turmas misturadas, para realizar jogos de empresas e simulações. As mudanças têm a finalidade de acelerar os estudos (adequando-se, assim, à filosofia da nova Lei de Diretrizes e Bases), e aprofundar o grau de profissionalização dos cursos (aproximando-os do mundo do trabalho). am uma visão abrangente da empresa e dos negócios. Ao mesmo tempo, que tenham domínio de uma área específica. Este também é o sentido das quatro áreas de concentração: cobrir as principais especialidades necessárias para o aluno que quiser fazer carreira corporativa em empresas de primeira linha ou empreender seus próprios negócios . Curso de Administração em Marketing Este curso, o mais tradicional curso de Administração da ESPM, forma um administrador capaz de gerir a área de Marketing de um negócio, lançamento de produtos, estratégias mercadológicas, comunicação com o mercado, administração de marcas e outras atividades. Bem como dirigir seu próprio negócio voltado às necessidades do mercado. Curso de Administração em Gestão Internacional O mundo globalizado está interagindo, as empresas ultrapassam fronteiras, e o Brasil ainda está aprendendo a negociar com o mundo. Os mercados mundiais estão sofrendo profundas alterações com a formação de blocos econômicos, como o Mercosul. Importações e exportações começam a se tornar atividades comuns. O elo para que isso aconteça é um profissional com sólida formação em Administração, com visão estratégica, financeira e de mercado, além do conhecimento específico e atualizado de Economia Internacional, Geo-Economia, Cultura Internacional, Direito Internacional e Marketing Internacional. 39 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Quadro 4 Competências, valores e cultura da ESPM Curso de Administração em Finanças O curso com ênfase em Finanças forma um profissional especializado nas mais sofisticadas operações do mercado financeiro, que conhece em profundidade o funcionamento do mercado de capitais da controladoria, das avaliações de empresas e fusões e aquisições; além da sólida formação em Administração. Para dominar o mercado de capitais, nossos alunos efetuam simulações em computadores ligados on-line com a Bovespa, acompanhando informações reais em tempo real. Curso de Administração em Gestão de Recursos Humanos O curso de Administração com ênfase em Gestão de Recursos Humanos prepara o estudante para todas as fases da gestão: recrutamento, seleção, política de salários, desenvolvimento e carreira, ensinando a administração estratégica por processos, a gestão por competência, cultura e desenvolvimento organizacional; sempre com uma visão estratégica voltada para o mercado. Competências Básicas, Cultura e Valores da ESPM na Administração Mas, o que faz da Administração ESPM, ESPM? Em recente pesquisa realizada com professores, diretores e coordenadores de área dos cursos de Administração, investigamos os valores organizacionais segundo os quais a instituição é percebida, quais são suas competências básicas (core competences), e quais seriam as fontes destas competências. Para a obtenção dos dados, foram realizadas entrevistas em profundidade e uma 40 Conteúdo Característica Competências Valores e cultura Marketing/Foco no Mercado/ Capilaridade Social Informalidade/Flexibilidade Ambiente propício à inovação/ comportamento inovador Qualidade de ensino Teoria e Prática/Ensina quem faz Seriedade e Compromisso Transparência/identidade discurso-prática Respeito ao aluno Ocorrência nas entrevistas 67% 67% 53% 53% 53% 80% 60% 53% Fonte: Amatucci (2000) dinâmica de grupo. Os professores elegeram cinco competências básicas e três elementos valórico-culturais da instituição. O Quadro 4 resume as conclusões da pesquisa. A pesquisa destacou como principal valor da escola seriedade e compromisso, citado em 80% das entrevistas. Como competências, nossa expertise em Marketing, expressa no foco no mercado em todas as atividades, e que é resultado dos laços que a ESPM mantém com o próprio mercado – pois dele é oriunda (capilaridade social). Em seguida, ainda apontada como competência, nossa característica de informalidade e flexibilidade, que conferem agilidade aos nossos processos de inovação. A missão da empresa, explícita no documento ESPM (1996a), foi confrontada com os entrevistados, que afirmaram unanimemente acreditar que é o que a escola faz, ou persegue. Note-se que a transparência, ou a identidade entre o discurso e a prática, foi um dos valores observados pelos entrevistados. Todos acreditam que, goste-se ou não, a escola faz o que promete. São capazes de fornecer exemplos e histórias que corroboram suas opiniões. Coerentemente com isso, os elementos arrolados na missão aparecem no levantamento de competências, cultura e valores da organização – de maneira que reconhecer-se-á no Quadro 4 (acima) a filosofia do enunciado da Missão da ESPM: “Consolidar-se, cada vez mais, como um centro de excelência de estudo, ensino, voltado para a vanguarda do conhecimento nas áreas de atuação da escola. Neste sentido o foco deve ser a educação com qualidade, visando atender às necessidades e expectativas do mercado e da sociedade, de modo a assegurar a perpetuação da escola.” (ESPM, 1996a) A escola fala a língua do mercado, e age de acordo, pois são as mesmas pessoas – não há necessidade de um discurso diferente da prática. O resultado é pouca discrepância discurso-prática, o que é visto como transparência, gerando comprometimento. Esse comprometimento gera qualidade, reforçando os demais elementos. A competência em termos de Marketing e foco no mercado é fruto direto disto que aqui denominamos “capilaridade social”, ou seja, é proveniente da inserção que a escola possui dentro do mercado mesmo, através de profissionais que lidam com Marketing e Administração, e do relacionamento que a escola mantém com empresas, mais do que de conhecimento teórico de livros, ou de posse privada deste ou daquele professor. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Esse fato caracteriza a outra importante competência, que é esta relação peculiarmente imbricada entre a teoria e a prática existente na ESPM, refletida no lema da escola “ensina quem faz”. O recente recrutamento de professores titulados vem reforçar a qualidade, não inibindo as características culturais e a dinâmica geral. A dinâmica de grupo realizada com membros da organização pertencentes ao mesmo público selecionado para as entrevistas confirmou as características organizacionais derivadas das entrevistas. Conclusão A recente pesquisa com professores e dirigentes do curso de Administração da ESPM, confrontada com a história da Escola mostra claramente que os valores que moveram os Francisco Gracioso, diretor-presidente da ESPM fundadores ao esforço da construção de inovação dos cursos, na constante atuda Escola permanecem vivos nos cursos de alização da grade horária, dos programas Administração de hoje. das disciplinas, dos recursos e métodos de A cultura da instituição, forjada nas ensino, tendo-se tornado um de seus difemudanças, inovações e transformações nerenciais competitivos. cessárias para que a Escola se tornasse o O administrador da ESPM, de qualque é hoje, vive na espantosa capacidade quer das modalidades, tem seu olhar voltado para o mercado, possui uma postura informal e flexível, e, mais importante ainda, adquire a principal característica de todos aqueles que construíram nossa história: seriedade e compromisso. Referências Bibliográficas 1 Munhoz, Aylza M. 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Werner Sablowski, exexecutivo de Comunicação e ex-diretor do Curso de Comunicação da ESPM. 3 Laura Gallucci é hoje responsável pela Academia de Professores, inovador centro de desenvolvimento docente da ESPM. 4 Francisco Vinci responde hoje pela área de Economia e Direito da Graduação. 5 O texto que escrevêramos para o manual do candidato ao vestibular – e que aqui reproduzimos parcialmente – pareceu-nos o que melhor caracteriza as diferentes vertentes de nossos cursos de Administração. 2 * Marcos Amatucci Diretor Nacional dos Cursos de Graduação em Administração de Empresas da ESPM Doutor em Administração de empresas pela FEA/USP 41 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 * FRANCISCO GOMES DE MATOS [email protected] 42 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 O espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade total. Tornou-se imprescindível uma Pedagogia de Liderança que comece na concepção de Gerente-Educador. Numa época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo. Quem não está se atualizando e, mais do que isso, revendo criticamente seu posicionamento diante das conquistas científicas e das opções tecnológicas, está superado. Se ocupa posição de liderança na hierarquia organizacional, a deterioração do seu papel vai redundar em desagregação grupal. A obsolescência das organizações é fruto da desintegração das lideranças. A função básica de um líder é educar, pois a ele cabe formar equipes integradas e desenvolver talentos. O poder de influência das lideranças exerce-se através de processos educativos. É a atitude do líder, como padrão de desempenho, e seu comportamento, dominando habilidades interpessoais, que vão determinar o clima motivador à integração das equipes. Temos repetido exaustivamente que o que integra as lideranças são idéias e emoções, e não tecnologias. O fascínio do líder não resulta, necessariamente, de um carisma próprio, de uma “personalidade de líder”, mas do exercício das funções de liderança, que pressupõem: • descoberta e desenvolvimento do potencial humano (talentos); • estímulo à participação e à criatividade; • criação de clima motivacional à integração de equipes, através do consenso quanto às verdades comuns e a objetivos e metas compartilhados; • exercício regular da delegação de autoridade para aumentar o poder pessoal e a força da equipe; • avaliação de desempenho para que cada qual se posicione realisticamente e se sinta em condições de crescer na organização; • educação contínua, visando a desenvolver atitudes e habilidades. “Se ocupa posição de liderança na hierarquia organizacional, a deterioração do seu papel vai redundar em desagregação grupal.” O exercício das funções de liderança, num tempo de intensas transformações em que vivemos, induz as gerências a preocupação estratégica na linha de uma pedagogia renovadora. É preciso educar o tempo todo para que, como Alice no País das Maravilhas, possamos, “pelo menos, permanecer no mesmo lugar”. A inovação e a expansão do conhecimento transformam-nos em permanentes aprendizes e as organizações, em comunidades vivenciais de aprendizagem. O espírito de aprendiz é exigido ao profissional comprometido com o futuro. Para ter a imprescindível visão de oportunidades, é necessária a renovação contínua através da educação contínua. Educar, educar...educar é o segredo das organizações bem-sucedidas. Trabalhando com a educação, numa dimensão global de empresa, em nossa estratégia de consultoria, temos desenvolvido alguns conceitos fundamentais e suas tecnologias correspondentes: Liderança Integrada Este é o ponto essencial. Todos os problemas das organizações resultam, de algum modo, de uma causa: a desintegração das lideranças do sistema. Não é possível um organismo normal e saudável guiado por várias cabeças. E esse monstrengo organizacional é o fenômeno patológico mais encontradiço na realidade das empresas, a ponto de não mais gerar susto e até ser justificado por aqueles que, equivocadamente, defendem a competição predatória. A cabeça dividida gera a fragmentação, uma das tragédias mais características da atualidade social. Usamos uma frase para definir esse fenômeno nas organizações: “Ter diretores e não Ter diretoria”. Classificamos as empresas fragmentadas por ilhas de poder como arquipélagos organizacionais, onde em cada cabeça gerencial há uma “meiaverdade” levando as instituições a se tornarem uma mentira inteira. É quando a organização perde identidade e conceito público, tendendo a se tornar não uma empresa, mas um negócio especulativo, circunstancial e perecível. Integrar as lideranças é o esforço essencial para que haja consistência doutrinária, coerência estratégica e permanência na missão, como garantia à perpetuidade. Para tanto, é necessário o compromisso básico com as verdades comuns. Verdades Comuns É a base filosófica da empresa: as verdades condensadas, os credos e os princípios éticos que configuram a cultura organizacional. Sem o comprometimento com essas verdades comuns, a cultura torna-se algo tão impreciso que não corresponsabiliza ninguém. Todos sentem-se numa nau sem rumo seguro, preocupados em sobreviver ao naufrágio a qualquer hora. As verdades comuns nascem da contribuição criativa, da discussão e do consenso quanto a valores, missão, objetivos e metas. 43 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 A Filosofia da Empresa não é uma listagem de conceitos abstratos emoldurados na parede dos executivos, mas fruto da convicção coletiva, o que vale dizer: diretrizes nascidas de ampla discussão entre as lideranças e consolidadas para que sejam a fonte da qual resultam as formulações de todas as políticas organizacionais. Consistência, coerência e permanência são palavras-chave. Renovação Contínua Temos definido que uma empresa saudável consiste em ter homens em renovação numa organização em renovação contínua. É preciso manter as pessoas, mormente o sistema de liderança, compro- 44 metidas com a renovação, num mundo que se transforma vertiginosamente. Adotamos como diretriz a fala de um dos personagens de Berthold Brecht: é preciso transformar o mundo, depois é preciso transformar o mundo transformado. A renovação contínua significa viver. A vida inteligente e bem-sucedida só se viabiliza através do conhecimento aplicado e renovado. Para ter a imprescindível visão de oportunidades, é necessária a renovação contínua através da educação contínua.” É preciso conhecer, vivenciar, avaliar, enriquecer e reaplicar. É uma dinâmica de aprendizagem permanente que mantém pessoas de organizações vivas e empolgadas. A empolgação é uma palavra-chave. Significa pessoas motivadas, entusiásticas, envolvidas e dispostas a realizar, realizar e realizar pela motivação e pelo prazer do autodesenvolvimento. Realizar, realizandose. Daí resulta o ser feliz no trabalho. A empolgação expressa a convicção e o sentimento da renovação contínua. Quando tudo está sendo impulsionado por transformações aceleradas, profundas e irreversíveis, a renovação contínua é a segurança. Demanda aprendizagem e reaprendizagens. Comunidade Vivencial de Aprendizagem/Gerente Educador Numa organização integrada, todos são educadores e aprendizes. Todos ensinam e aprendem o tempo todo. A empresa torna-se, rigorosamente, uma comunidade vivencial de aprendizagem quando há estímulo à participação, através da atitude educativa das gerências e da abertura de canais informais de comunicação. Nessa linha, temos defendido como essencial à eficácia em gerência o conceito de Gerente Educador. Temos convicção de que ou o gerente é um educador, ou não é líder. A função básica da gerência é formar equipes e desenvolver pessoas para a realização de objetivos comuns. Sendo assim, seu compromisso é educar sempre, caso queira ser um líder e não um mero capataz encarregado de fiscalizar o trabalho. Todas as suas funções Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 implicam técnicas educacionais: recrutar, selecionar, planejar, estabelecer estratégias, treinar, avaliar, integrar, conquistar clientes, desenvolver oportunidades. Numa sociedade marcada pela velocidade e por decisões ágeis, os métodos convencionais de ensino não resolvem; nem nas salas de aula, muito menos na empresa. É imprescindível uma instrumentação dinâmica, inserida no próprio contexto de trabalho. Daí a metodologia interativa que concebemos à base do Gerente-Educador e tendo por cenário a própria realidade de trabalho. Renovação Interativa a Distância Possibilitar a renovação de todos, todo o tempo, ao mesmo tempo, é realizar plenamente o ideal da Renovação Contínua. Renovação Interativa a Distância é uma tecnologia que visa a eliminar as distâncias (mais psicológicas do que espaciais) entre gerentes e gerenciados. Consiste em usar uma metodologia interativa de ensino a distância e recursos que facilitem ao exercer no trabalho técnicas pedagógicas. Usando dos recursos da Internet, a metodologia privilegia as ações presenciais por sua força integradora. A seqüência de passos para implantação da metodologia pode variar de acordo com as peculiaridades de cada organização, mas, em essência, é a seguinte: 1.º passo: Seminário de Sensibilização para fixar os conceitos básicos e detalhar a metodologia, diagnosticar problemas e estabelecer prioridades de conteúdo. 2.º passo: Treinamento de Grupos sobre o papel da liderança, as funções do gerente educador e as práticas recomendadas pela metodologia. 3.º passo: Envio Sistemático dos Módulos de Aprendizagem – conteúdos selecionados, em linguagem induzida à aplicação, para estudo pelo gerente. “Integrar as lideranças é o esforço e essencial para que haja consistência doutrinária, coerência estratégica e permanência na missão, como garantia à perpetuidade.” 4.º passo: Reunião do Gerente com a sua Equipe para leitura em grupo, reflexões e debates, conclusões, elaboração de projetos e aplicação experimental. 5.º passo: Gabinete de Consultas. Todas as dúvidas e sugestões são encaminhadas à Coordenação Geral do Programa, que oferecerá respostas personalizadas ao consulente. Exercícios : os questionamentos, casos e problemas sugeridos nos módulos são respondidos e encaminhados à Coordenação Geral para análise e respostas personalizadas, com apreciação e recomendações. 6º passo: Reuniões de Reforço. Periodicamente, são realizadas reuniões gerenciais de reforço conceitual e metodológico, análise de dificuldades e de situações críticas, com vistas na atualização e no enriquecimento do processo. O sistema natural é dinâmico, envolvido com as necessidades reais das pessoas e da organização, de modo a se tornar um canal preferencial à transmissão do conhecimento e das emoções dos participantes. Estratégia de Empresa Outro conceito que temos procurado enfatizar é Estratégia de Empresa, cuja importância definimos através da proposição: estratégia todas as empresas têm; Estratégia de Empresas, poucas. Quer isso dizer que, diante dos desafios naturais de mercado e das crises conjunturais, todas as organizações e mesmo as pessoas armam estratégias de intervenção, reativas ou mais reflexivas e até altamente sofisticadas. Estratégia de Empresa todavia, significa uma concepção integrada por filosofia, políticas e estratégias, ou seja: • possuir verdades comuns (valores, crenças, princípios éticos); • políticas comuns (orientações claras e aceitas); • estratégias comuns (linhas de ação assumidas por consenso para a ação coerente e eficaz). É a Estratégia de Empresa que comunica identidade, consistência interna e conceito público. Como corolário, equacionamos quatro dimensões características e integradas às organizações que possuem Estratégia de Empresa: Empresa Profissionalizada – não é aquela que tem, simplesmente, profissionais competentes, mas que faz da competência traço peculiar de ações integradas, interna e externamente. Para tanto, cria-se a cultura do profissionalismo à base de verdades, políticas e estratégias comuns. Empresa Descentralizada – a delegação de autoridade é fundamental às gerências para superarem suas limitações e promoverem o desenvolvimento das equipes e da organização. Portanto, a descentralização é requisito essencial às organizações para tornarem-se flexíveis e ajustáveis às exigências do mercado em transformação. Empresa Moderna – não o modernismo de fachada, mas a modernidade autêntica, fundada na inovação e na renovação. Homens e organizações renovando-se continuamente. Empresa Humana – não há desenvolvimento sem valorização humana. A preocupação com o bem estar e a felicidade ganha sentido estratégico, hoje, onde os grandes desafios e complexida- 45 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 des só são aceitos e respondidos por pessoas motivadas – e, acrescento, felizes. Empresa Feliz – este é um conceito conclusivo de toda uma teoria empresarial. Vejamos alguns tópicos: • Só pessoas felizes são realmente produtivas. • Felicidade no trabalho é objetivo lógico para quem passa dois terços de sua vida em ambiente produtivo. • Só organizações felizes podem proporcionar o clima adequado à felicidade no trabalho. •A infelicidade não gera lucros. O infeliz é um desagregador, um destrutivo. Talvez não seja fácil determinar com precisão o que seja uma pessoa feliz e uma Empresa Feliz, mas certamente qualquer um de nós tem condições de dizer o que seja uma pessoa infeliz e uma empresa infeliz. Esta pode ser uma “entrada” de referência a um modelo de gestão. Definimos Empresa Feliz como: a Empresa Bem Administrada, com ênfase na Valorização Humana, na Renovação Contínua e na Lucratividade Sustentada. Construímos esse modelo e propomos uma metodologia (no livro Empresa feliz, Makron Books) baseada em quatro redescobertas que ressurgem hoje, sob o influxo de uma vertiginosa mudança de cenários, fruto dos avanços das ciências sociais e da tecnologia. Tentaremos esboçar alguns pressupostos: Redescoberta do Homem • Mais educado, o homem é mais livre e mais líder. • A preocupação estratégica é o cliente personalizado. “Sendo assim, seu compromisso é educar sempre, caso queira ser um líder e não um mero capataz encarregado de fiscalizar o trabalho.” • Só livre o homem é pleno em dignidade. • Maior liberdade, maior conhecimento e maior poder de influência. • Todos somos influenciados e influenciamos o tempo todo, daí o exercício da liderança generalizar-se. • Na empresa, o gerente, cuja função é formar equipes e desenvolver pessoas para resultados, tem como papel liderar e sua função básica e ser um Líder Educador. Redescoberta do Cliente • Mais educado, o cliente torna-se mais exigente em qualidade. • O marketing massificado esgotouse como modelo. Redescoberta da Organização Flexível • A organização é cada vez mais um instrumento facilitador, propiciando participação e criatividade. • A organização burocrática, rígida e autocrática, embota o desenvolvimento humano e organizacional. • As palavras de ordem são: globalização, parceria, descentralização e solidariedade. Redescoberta da Cidadania • Maior consciência de dignidade da pessoa e maior contribuição à causa comum. • Só há desenvolvimento autêntico com a afirmação da cidadania e do sentido ético de vida. Concluindo • Não se constrói sobre a infelicidade. • Uma Sociedade Saudável depende de organizações saudáveis. • Uma Organização Saudável é a que desenvolve uma cultura de participação e criatividade criando as condições para que o homem realize no trabalho. O lucro é conseqüência. A Felicidade sintetiza o objetivo do quadro conceitual e metodológico em uma visão ampla, na linha da Educação Empresarial. * Francisco Gomes de Matos é consultor de empresas e autor de 22 livros sobre administração e negócios, tendo recebido o prêmio Jabuti 1997. [email protected] 46 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 * Aluizio R. Trinta 47 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 E ntre os últimos escritos do filósofo romântico alemão A. Schopenhauer figura uma coleção de ensaios, aforismos e pensamentos intitulada Parerga und Paralipomena. Data do ano de 1851. Em um de seus capítulos, “Sobre o livro e a escrita”, aprende-se que a leitura representa o encontro do livro lido com a cabeça do leitor. E, ironiza o filósofo, se dessa colisão provier um som oco, não terá ele, necessariamente, sido causado pelo livro. É provável que, com essa alegoria, Schopenhauer estivesse sugerindo que tudo se passa como se as reflexões, postas no papel, fossem semelhantes a pegadas na areia molhada: ao notá-las, vemos o caminho que alguém percorreu e, logo, podemos segui-lo se assim desejarmos. Todavia, se quisermos saber o que ele em seu percurso viu, estaremos obrigados a exercitar nossa própria capacidade de ver. Faremos, então, da leitura algo como uma forma primária de arte, ao menos pela seletividade informada, que exige, e o afinamento da sensibilidade, que proporciona. Será o leitor legítimo senhor daquilo que pensa, jamais escravo de seu pensamento próprio. Dono de sua voz e não (a) voz de seu dono, ele sonha o sonho do homem e acorda o homem do sonho. Ler e selecionar constituem atividades afins, sempre que da busca de alguma verdade se trate, seja ela a verdade factual, negada pela mentira; seja a verdade científica, cujo contrário é o erro; seja, ainda, a verdade filosófica, cuja antítese é a ilusão. De resto, a verdade, como queria Sócrates, não está com os homens, senão entre os homens; do mesmo modo, de acordo com outro filósofo grego, Aristóteles, de muitas maneiras se diz a verdade. O que significa, porém, leitura? Sob a forma, hoje desusada, de lectura provém o termo da tradição latina, tendo por origem imediata o verbo grego lego; e este, de par com a forma nominal logos, diz respeito a uma síntese filosófica, reunindo “ser”, “saber” e 48 “Será o leitor legítimo senhor daquilo que pensa, jamais escravo de seu pensamento próprio.” “fazer”. Entre as numerosas acepções que possui, logos inclui a de “parábola”, isto é, manifestação verbal ou narração alegórica; portanto, pelo que delas se puder colher, chegar-se-á a uma “compreensão superior”. Quanto à forma verbal correspondente, aceita ela traduções como “recolher”, “coletar” e “coligir”; secundariamente, as de “dizer”, “proferir”, “declarar” e “recitar”. Já legere, a forma latina do verbo “ler”, alterna e combina as idéias de “colher”, “selecionar” e “eleger”. Isto posto, tem-se que leitura quer dizer processo de identificação e reconhecimento do plano da expressão de um texto, ou melhor, sua superfície visível; será, portanto, “ação de ler-se um texto escrito”. A “reconstituição do sentido”, que de imediato o leitor opera, faz da leitura “construção de um objeto dotado de significado”. Entretanto, pelo fato de não se empenhar em profunda discussão no tocante ao plano de conteúdo do texto, mas, antes, buscar a fruição (por empatia) que a “criação artística” favorece, o leitor a si próprio qualifica como “(co-) produtor” deste mesmo texto, escapando ao anonimato inerente à condição de mero consumidor. A leitura será função de um repertório, acervo cultural próprio a cada um: quanto mais amplo e variado for, mais proveitosa e diversificada será a “colheita espiritual” feita. A tarefa daquele que lê é compatibilizar o texto lido com seu cabedal, seu patrimônio pessoal constituído por conhecimentos, vivências e experiências. Dizendo-se de outro modo, seu “horizonte de expectativas”. Ocupando-se da arte literária, o filósofo francês Jean-Paul Sartre escreveu ser a leitura uma síntese de percepção e criação: o leitor desvela e cria, ao mesmo tempo; desvela ao criar e cria ao desvelar. Leitura corresponde a “aclaramento” ou “elucidação”, rumo a um sentido constituído pela totalidade formada pela obra. Por outro lado, a conhecida noção de “obra aberta”, introduzida pelo escritor italiano Umberto Eco, encontra seus fundamentos no princípio de que as modernas obras de arte se caracterizam por uma indeterminação estrutural, induzindo a que se creia no caráter ilimitado de suas possibilidades estéticas. Vale lembrar que não poderiam mesmo ser obras de arte se, liminarmente, dispensassem a cumplicidade construtiva de um fruidor avisado. Por tal razão, será declarada “aberta” – mas jamais “escancarada” – a obra de valor cultural e artístico que não somente ofereça um leque de decisões interpretativas, senão também a que faz desta desejável multiplicidade um programa estético, inscrevendo-a em sua estrutura. Por sua vez, cogitando de uma leitura plural (e, não obstante, finita), o escritor francês Roland Barthes adverte que reduzir um texto à unidade do sentido, por meio de uma “leitura unívoca”, é esgarçar, sem qualquer proveito, sua tessitura simbólica. A extensa gama de significados que podem ser associados a um texto de corte poético, tanto quanto a possibilidade de a ele serem atribuídos significados exclusivos, talvez expliquem não somente a pluralidade das “leituras”, senão também sua (por vezes espantosa) arbitrariedade. A impressão de “abertura ilimitada” de uma obra será pouco mais do que um devaneio, porque a leitura (parcelar e parcial) de algumas de suas seqüências, arranjos ou combinações pode proporcionar ilações Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 não referendadas, em última análise, por outras unidades formais congêneres, e co-presentes. De todo modo, às coerções impostas por convenções artísticas vêm somar-se as do meio social e cultural, além daquelas atinentes ao repertório do leitor, para nada dizer do ímpeto avassalador de seu manifesto desejo. Leitura designará uma atividade essencial da inteligência humana, pela qual, mediante um conjunto de operações mentais, formas de comunicação possam ser percebidas e apreendidas, resultando sua ulterior assimilação em processo gerador de novas idéias. Do mesmo modo, e por semelhante arrebatamento, uma vez organizadas por um ato de disciplina em esforço consciente – possam as informações obtidas ser assimiladas como dados de conhecimento. O leitor se apercebe de sua situação de “criador”: pela leitura que faz, coleta sentidos; e, pela natureza e o grau da informação que detenha, os seleciona e elege. Somente pelo pleno atendimento desta exigência pode a leitura erigir-se em genuína intelecção. Portanto, ler é inquirir a obra e perscrutar seu alcance ideológico, sua proposição mítica, ao tempo em que se indaga de sua essência filosófica; é perquirir o fundo sóciocultural que a constitui; é perceber o seu não-dito, suas omissões, aquilo sobre o que ela silencia. A leitura se afigura, desde logo, concretização possível ou fixação provável do que uma obra traz como indeterminado. Também por leitura poderá ser chamado o “comentário mundano”, quer o de cunho pessoal, quer o de procedência jornalística ou publicitária, tal como ocorre em sociedades urbanas. Dá-se assim conta de um desfrute estético ou por tal modo se assinala uma identidade cultural, afirmando-a em sua competência própria. Pelo fato de um vivo sentimento de admiração desempenhar em tal leitura importante papel, julgamentos de valor, idiossincrasias, atitudes de natureza impressionista, aprovações incondicionais ou repúdios mal justificados, a par de uma variada gama de manifestações de humor, costumam vir misturados em sua base crítica. E o claro risco, que aqui se corre, é o de produzir-se pouco mais do que a expressão, algo desorganizada, de um feixe de impressões pouco consistentes e fugidias. Em nossos dias, chamamos leitura ao processo de descortino de (novos) horizontes e à afirmação de uma autonomia filosófica do leitor, que, por méritos de uma conquista pessoal, estará habilitado a fazer valer uma visão subjetiva e particular do mundo, uma Weltanschauung rigorosamente personalizada. Todavia, não percamos de vista que se, tal como o faz o senso comum, tomarmos por leitura a “interpretação levada a termo em função de atitudes espirituais, lastreadas por idéias, ideais e convicções previamente assu- “A tarefa daquele que lê é compatibilizar o texto lido com seu cabedal, seu patrimônio pessoal constituído por conhecimentos, vivências e experiências.” midos”, estaremos admitindo que, não raro, o leitor toma por exatas, verdadeiras e universais, noções que lhe são somente familiares e caras, pois integram o seu repertório. E, se aí se encontram, já não mais constituem informação perturbadora, capaz de abalar certezas e produzir desconforto intelectual. A leitura, neste caso, pode reduzir-se tanto à adesão entusiástica, quanto à rejeição sumária. Num e noutro casos, lamentavelmente, se verifica idêntica ausência de um esforço aturado de compreensão, respaldado por um tino crítico que não faça de um prato fino um prato feito. Vamos que a leitura se faça simples apreensão em plano de superfície e, não obstante sua estrita literalidade, arrogue a si direitos de pensamento crítico, expresso em arrazoado estético ou filosófico. A revelação (e, no leitor, a repercussão) de distintos conteúdos, de fundo ideológico, psicológico ou outro, não tardará a imprimir forma e a prover substância ao que foi lido, como sempre ocorre em toda leitura em sentido integralmente substantivo. Como, ante tais circunstâncias, se pode pretender mediar, moderando-a, uma subjetividade real por uma suposta objetividade? Procedimentos tradicionais de leitura crítica, tais como a exegese, tinham em vista “estabelecer o sentido de um texto”, situando-o, por exemplo, em sua perspectiva histórica. Essa compreensão tende, porém, à imposição doutrinária, a um fastidioso fechamento intelectual, de feitio 49 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 dogmático, por formar um discurso que somente flui para o interior de suas proposições peculiares. E, assim fazendo, não assinala nem relaciona evocações simbólicas que possam desafiar propósitos de um entendimento unívoco. A isto, o senso comum evoca pela expressão “jogar-se fora a criança com a água do banho”. Em virtude uma proposta existencial, a leitura estima e dispõe; revela e implicita; envolve e institui, podendo por tudo isto servir como uma apreciação de valor a priori. Em caso-limite, será afirmação de uma falta de medida do leitor, que voluntariamente valoriza ou deprecia um autor e sua obra. Por sua vez, a interpretação, fundando-se em decisão filosófica, pondera e propõe; desvela e explicita; devolve e constitui, podendo por tal motivo representar juízo crítico a posteriori. Onde quer que um homem sonhe, profetize ou se ponha a teorizar, um outro pode erguer-se para interpretar. E lá onde alguém interpreta – o ofício do psicanalista, com sua “leitura do humano” – o outro dele mesmo pode levantar-se para sonhar e afirmar em estado poético. Interpretação traduz construção regrada de significados e anotação de sentidos, a que se incorporam o talento e a força operante da imaginação. Trata-se, portanto, de algo distinto de uma decodificação prosaica, de um rasteiro entendimento, ainda que sejam um e outro competentes a seu modo. Enxerga-se no intérprete o “viajante intelectual”, o caminhante determinado, que descobre coisas, adquire conhecimentos e a si próprio enriquece. Está disponível e disposto a fazer contatos como novas realidades, apreciar paisagens sociais e se empenhar em conhecê-las de bem perto. Nessa sua trajetória, ele se aparta do turista acidental que, contando apenas com informações, segue um itinerário, encontra e retoma sendas batidas, as quais passa a conhecer e registra sem jamais se aperceber de que viveu uma aventura intelectual. Se a si próprio o intérprete expressa 50 “E o claro risco, que aqui se corre, é o de produzir-se pouco mais do que a expressão, algo desorganizada, de um feixe de impressões pouco consistentes e fugidias.” com rigor crítico, também exercita, com engenho e arte, um autêntico intelleto d’amore. Sua argumentação, enunciada por uma seqüência de raciocínios finamente encadeados, se sustenta em (e por) um ethos, respeitante àquele que argumenta; por um logos, referente à razão pela qual argumenta; e um pathos, que se relaciona à paixão que desperta em quem ouve ou lê seus argumentos. Raro e seleto é o prazer que as grandes obras proporcionam, dando a ouvir a voz de um autor, a força de sua expressão vigorosa, original e única. Uma leitura facultará a participação emocionada, por exemplo, no universo ficcional proposto por uma obra de arte literária; reconhece, de plano, que tal obra traz, artisticamente inscritos em sua composição, seus próprios referentes. E estes últimos, por força de uma mediação significativa, podem ser atualizados pelo e para o interessado leitor. Quanto à interpretação, que sobrepõe um sentido figurado a um sentido literal, servirá ela como “tradução”, “transcriação” e “atualização poética”. Aliada a uma técnica, assim como a amplos e diversificados conhecimentos, a interpretação se faz teoria (“contemplação educada”); deve, porém, observar seus próprios limites, para que não se torne “cinzenta” (débil e inexpressiva) ante o “verdor da preciosa árvore da vida”, no dizer do poeta romântico alemão W. Goethe. A crítica norte-americana Susan Sontag se declarou inequivocamente “contra a interpretação”, opondo, por inconciliáveis, teoria e experiência. Afirmou que toda interpretação faz supor um valor (possivelmente, o da construção teórica que a sustém), ao passo que uma leitura testemunha acolhida e aceitação de natureza qualitativa, nutridas que são pela experiência sensível. Donde a valia catártica (terapêutico?) de toda leitura. Se interpretar significa “tornar inteligível”, “descerrar o verdadeiro sentido”, então uma ação interpretante deverá ser avaliada de acordo com a perspectiva própria da consciência humana. Dependendo do contexto social e histórico e social em que se aliste, a interpretação, assim concebida, será “libertadora” ou, mais comumente, “reacionária”. Interpretar, faz crer Sontag em seu enlevo antiintelectualista, é alterar, talvez mesmo adulterar, na medida em que há esmero em se fazer versão do fato. Revelar programaticamente o conteúdo de uma obra de arte implica “domesticá-la”, tornando-a “manipulável”, como tem ocorrido com a literatura. A interpretação tende a considerar favas contadas a experiência dos sentidos primários, traindo seu desinteresse em valorizá-la. Já a “crítica sensível da arte”, acrescenta esta ensaísta, ávida por encontrar a “transparência” – à qual chama de “luminosidade do objeto artístico em si mesmo” – irá fazer de um tudo para “mostrar o que é”, não “o que significa”. Deixará em segundo plano o “conteúdo” em benefício de uma “visão da coisa em si mesma”, vigorosa em suas formas aparentes, imediatamente perceptíveis, palpáveis, que se ofertam à experiência dos sentidos elementares. Assim procedendo, restaura incontinenti o gume de nossa lâmina sensorial. Em resumo, as astúcias de Eros são preferíveis aos diligentes esforços de Hermes. Interpretar quer dizer “estabelecer um preço”, “proceder a uma aferição”; é compreender pelo recurso a uma explicação. A genuína prática interpretativa exibe, em Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 filigrana, a urgência sentida de uma lição bem informada, que tem em conta e respeita a heterogeneidade congenial à obra de arte. Vigorosa e vigente, traduz um modo de restituição integral da obra, pelo qual o intérprete reconhece e afiança, corajosamente, que, tomada em si mesma e por si mesma valendo, tal ou qual obra prevê e provê sua melhor descrição. Como vimos, leitura e interpretação designam práticas de compreensão analítica que incidem sobre textos, sejam verbais, sejam visuais; sejam, ainda, verbo-voco-visuais, como os da poesia concreta. Um texto é um tecido de palavras, imagens e idéias; de formas de expressão e referências no mundo; enfim, de cores e volumes. Um texto supõe uma estruturação, em muitos casos análoga a um jogo prazeroso. Dessas definições elementares podemos saltar para o hipertexto, forma contemporânea de indexação associativa ou cruzada de dados armazenados em memória eletrônica: cada fragmento de informação ou parcela de conhecimento reenvia, automaticamente, a um outro, em virtude de uma contigüidade. Formase um corpus textual, sempre provisório; uma coleção de informações que, em moto perpétuo, se faz e se refaz. À diferença dos volumes inertes, representados por uma enciclopédia impressa, o hipertexto configura uma expressão dinâmica, movente, mutante. Se, no curso da História, estivermos passando de uma escrita (documental) a uma leitura (instrutiva), então estaremos chegando à comunicação de informações, à partilha de conhecimentos. Sob aplausos gerais, pode retornar ao proscênio intelectual a arte da interpretação, hoje potencializada pelas excelências do tratamento informático. Denomina-se hipertexto a um procedimento de consulta de documentos (manuscritos, textos impressos, fotos e reproduções em geral) que opera de maneira não linear, pondo em relevo imagens ou palavras-chave que passam a se chamar hiperliames, pois conduzem de “Num e noutro casos, lamentavelmente, se verifica idêntica ausência de um esforço aturado de compreensão, respaldado por um tino crítico que não faça de um prato fino um prato feito.” uma parte a outra de um mesmo documento, bem como de um documento a outro. Um documento – algo que serve à instrução – remeterá a outros, por meio de nexos claramente designados. Em sua totalidade ou mesmo em qualquer de suas partes constitutivas, todo documento se faz núcleo ou malha de uma imensa rede, cujo centro (de articulação semântica) é ou está, de algum modo; e cuja periferia (de significações propostas) ainda virá a ser, pela interposição e o uso criterioso de um aparato tecnológico. Cada leitor, agora nutrido pela obtenção rápida de informações suplementares à sua leitura, a ela imprimirá, com toda veemência, uma configuração singular. À sua ma- neira própria, criará seu itinerário de cognição, anteriormente determinado por sentimentos, experiências e distintos graus de capacidade abstrativa, bem como por circunstâncias individuais. Como jamais o fizera antes, ele dá os nós, forma as malhas de sua rede para, temporariamente satisfeito, nela enredar-se, deitando e rolando. Uma representação hipertextual fica a exigir um recorte do texto e uma definição simples de suas estruturas; caso este texto comporte capítulos, subcapítulos, parágrafos, etc., tal como sucede com manuais e compêndios, bastará dar à máquina indicações precisas acerca da estruturação do documento, bem como as referentes à correspondência, termo a termo, com a estruturação que se deseje estabelecer. Um programa (conjunto de instruções) se encarrega de determinar possíveis conexões e liames de significação. Claro está que, dependendo do talento, do preparo e da competência individuais, serão atados laços significativos de maior ou menor grau de originalidade, permitindo ao consulente abrir “trilhas semânticas” (não seqüenciais) por esta “floresta de signos” a que todo texto dá origem e incita a percorrer. Eis que contos e romances já podem ser escritos para uma leitura realizada exclusivamente na tela do computador; e 51 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 este já não mais pode ser tido como uma “máquina de escrever iluminada”. Antes, para escritores que adotam a ciber-escrita, o computador é mesmo uma máquina de escrever... mas dotada de luz própria! Para fins que são os seus, a ficção em hipertexto retoma o formato característico das páginas da Internet. Esses novos textos não estimulam o leitor a enveredar por uma só senda de sentido, em um trajeto que leva da primeira à ultima linha. Diante dos atalhos e as bifurcações que lhe são mostrados, compete ao leitor soberano determinar seu percurso, assumindo, porém, um risco calculado: com o apoio (multimidiático) de sons e imagens de síntese, a narrativa, embora sensorialmente envolvente, se faz obra de Dédalo. Ao leitor, recomenda-se concentração e muita paciência, para não perder o fio da meada, buscar seu fio de Ariadne e bem se orientar neste labirinto informático. O Minotauro parece estar sempre à espreita. Críticos militantes têm ponderado que, no âmbito literário, merece o hipertexto ser tido na conta de um instrumento de trabalho em processo de contínua perfectibilidade. Demais, está hoje posto a serviço, quer da criação autoral, quer da fruição de um lector in fabula afeito e afeiçoado às lides informáticas. Àqueles que o utilizam o sistema hipertextual confia a tarefa de compor sua base de dados, além do tipo de conexões a serem estabelecidas e dos arquivos a serem organizados. Do mesmo modo, cabe a cada um deles a decisão de que núcleos mobilizar e de que maneira, em última análise, proceder. Se a sua capacidade de formar nexos associativos for reduzida, levando-o a criar liames de significação frouxos e débeis, então a base proposta despertará pouco interesse, até mesmo por força de sua limitada utilidade ou de sua difícil utilização. Aos nexos “coletivos”, de que todos fazem algum uso, vêm somar-se nexos “particulares”, de responsabilidade exclusiva do usuário desta novel inteligência planetária. Seja como for, será preciso atentar 52 “Em caso-limite, será afirmação de uma falta de medida do leitor, que voluntariamente valoriza ou deprecia um autor e sua obra.” para os liames de significação efetivamente criados, tendo-se por intento evitar referências obscuras e estabelecer conexões inaproveitáveis. Se assim não proceder, o usuário – situado entre o livre arbítrio do cidadão e as determinações do consumidor – corre o risco de se perder e tudo pôr a perder, haja vista o perímetro e o volume das referências (literalmente, em tela); a este perigo pode vir a somar-se a carência eventual de uma visão crítica atilada e a ausência sentida de uma segura orientação interpretante. O “novo leitor”, que se debruça sobre documentos digitalmente codificados tende a transformar o que seria sua leitura em efeito de um scanning (um “visionamento”?) de ordem mental. É “Raro e seleto é o prazer que as grandes obras proporcionam, dando a ouvir a voz de um autor, a força de sua expressão vigorosa, original e única.” que, muitas vezes, ele se limita a percorrer com a vista somente sumários, compilações, relatórios, relatos de pesquisa e resumos de artigos, tomando-os na qualidade de “bancos de dados”. Não mais se interpreta ou, por desfastio e prazer lúdico, lê-se; hoje, explora-se ou viaja-se de um modo ao qual se costumou chamar de “interativo” pela ação recíproca levada a termo por usuários, de um lado, e interfaces de sistemas automatizados (cada vez mais “amigáveis”), de outro. O ciber-usuário se desloca (“navega” ou “surfa”) estático (extático?) no mar aberto da informação, ao sabor das vagas e dos vagares de seu gosto intelectual e no sentido estrito de sua inteira satisfação. Singra “mares nunca dantes navegados”, acrescentando anotações e agregando comentários – escrevendo seu “diário de bordo” – ao material virtual consultado. Já o filósofo J.S. Mill dissera ser inquestionável o fato de a arte da navegação fundar-se na astronomia, uma vez que verdadeiros marinheiros não poderiam mesmo aguardar a criação de um almanaque náutico para com ele realizar seus cálculos. Lançam-se ao mar com quase tudo já calculado, ainda que de modo precário e sujeito a viravoltas de última hora. Stuart Mill pretendia mostrar que se pode usar utilmente um dado saber, alocado a uma área, para solucionar problemas emergentes em uma outra, bastando, para tanto, que se verifique se requisitos para a transferência desejada foram adequadamente atendidos. Hipertexto é passagem, trânsito de uma tela a outra. Em uma prancha virtual, o “nauta-surfista” se vê, complacente, num mar alto de objetos únicos, talvez insubstituíveis. Quem elabora sua rota? Na ausência de uma carta de navegação, correrá ele o risco de ficar para sempre à deriva? Naufragará ou encontrará sua “praia”? Servindo, em sua condição de farol iluminado, à “inteligência coletiva” (à cooperação de intelectos), hipertextos fulguram na aurora de um (admirável) “mundo novo” da significação, da informação orientada, do conhecimento (que Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 se pretende) instantâneo. Na tela de cristal líquido lampejam pontos, nós e elos em construção sempre recomeçada, em organização sempre retomada, pelo modo fractal. São espirais de sentido em expansão incontida, infinita. O simples acesso imediato (e, aparentemente, irrestrito) à informação nem sempre resulta em conhecimento adquirido. A informação possui, por característica básica, alto grau de novidade, indo sempre pelos sentidos elementares à inteligência; já o conhecimento pressupõe sedimentação, indo da experiência primária, pela capacidade de imaginar, à inteligência. Esta última assume então um compromisso insubornável com o caráter, forjando-se o destino. Ser inteligente é saber que, para bem se aproveitar a informação, faz-se necessário ter algum conhecimento. Antes de se ficar rico com a posse da informação, deve-se enriquecer com a busca do conhecimento. A nova escrita hipertextual se assemelha mais à montagem de um espetáculo do que a uma forma de redação, em que um autor se afana em infundir coerência a um texto linear e estático. Passa-se do documento ao monumento. Com o hipertexto, a máquina (desejante) eletrônica se oferece como “espaço técnico” capaz de organizar textos (enlaces ordenados de sons, traços e imagens) e listar opções de apreciação crítica. Avaliação irredutivelmente pessoal, uma leitura pode ser encontrar suporte na constelação hipertextual, levando a que, pela destreza facultada e desenvolvida por sua prática, se alcance certa “autonomia interpretativa”. Em sua conhecida proficiência, programas informáticos fazem com que a seqüência narrativa e o ritmo do espetáculo suscitem algo como um “novo olhar”, uma leitura tecnologicamente mediada e que se pretende interativa. Leitor e espectador incorporam uma mesma pessoa, passando a, de maneira consciente, mesmo intencional, dar alegre curso a transformações significativas operadas no e pelo texto que lêem, ouvem ou vêem. Em um de seus livros dedicados ao exame descritivo das novas tecnologias e seu impacto na cultura do tempo presente, o filósofo francês Pierre Levy propõe um estatuto hermenêutico para a história da ciência contemporânea, bem como a da arte e a da técnica – dadas a riqueza e a variedade das interpretações que, de um modo ou de outro, sempre ensejaram. Uma utilização tecnológica ficará, portanto, a exigir a posse e o uso adequado de um instrumento apto ao exercício da interpretação, até porque um invento ou uma inovação técnica movem, ao menos potenci- almente, à instauração de novas significações, isto é, “signos em ação” na vida cotidiana. Dela é hoje parte essencial o espetáculo midiático, com sua (re-) conhecida pompa e circunstância. Ao articular ações e ocorrências, este espetáculo provoca o êxtase contemplativo do espectador (“usuário estético”?), pela absorção mais ou menos consciente que faz de estímulos (informação) a ele destinados. A leitura, em sua feitura instantânea por força da rapidez tecnológica, se apresta ao exercício da interpretação, agora alçada ao elevado patamar da arte. Seu cultivo, ontem, hoje e amanhã, abrirá caminhos, porque é mediado pelo sentimento, timbrado pela experiência e colorido pela palheta matizada do conhecimento. E poderá interiorizar-se, de modo filosófico, em sabedoria. Lembrando a Hermes, deus mitológico grego – cognominado “mensageiro” ou “intérprete” dos deuses da Grécia antiga – não são poucos os que, há algum tempo, chamam a tal arte de hermenêutica. Referências bibliográficas BARTHES, Roland. S/Z. Paris: Seuil, 1970. ECO, Umberto. Opera Aperta. Milano: Valentino Bompiani &C., 1967. _______. Lector in fabula; a cooperação interpretativa nos textos literários. Trad. M. Brito. Lisboa: Editorial Presença, 1983. LEVY, Pierre. As tecnologias da inteligência; o futuro do pensamento na era da informática. Trad. C. I. da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. SARTRE, Jean-Paul. Qu’est-ce que la littérature? Paris: Gallimard, 1948. SCHOPENHAUER, Arthur. Essays and Aphorisms. Trad. R. J. Hollingdale. London: Penguin Books, 1970. SONTAG, Susan. Against interpretation; and other essays. New York: Dell Publishing Co., 1964. • Aluizio R. Trinta – Doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ, Mestre em Letras e Lingüística pela Faculdade de Letras da UFRJ, Professor de Graduação e Pós-Graduação da UFRJ. 53 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Mesa-Redonda sobre o Ensino Superior no Brasil Ensino Superior no Brasil Ensino Superior no Brasil Mesa-Redonda sobre o (com ênfase em cursos de comunicação social e administração de empresas) A discussão entre os participantes da mesaredonda levantou algumas questões fundamentais para o futuro da educação superior em nosso país. De um lado, o Sr. Luiz Edmundo Costa sugere que o principal papel da universidade é preparar seres humanos bem formados, aptos a enfrentar problemas e tomar decisões, capazes também de pensar estrategicamente e de relacionarse harmoniosamente com os seus companheiros de trabalho. Com isso concordou a Prof.ª Aylza Munhoz, enfatizando o que chama de formação holística dos jovens graduandos e dos executivos que fazem os cursos de pós-graduação. Já o Prof. Francisco Gracioso discorda dessa tese. Embora concorde com a necessidade de incutir valores e exemplos de vida aos alunos, acha que a formação de seres humanos perfeitos é uma tarefa ampla demais para ficar a cargo apenas da universidade. Segundo ele, as escolas superiores devem também zelar pela geração de novos conhecimentos, conceituando e contextualizando experiências que – de outra forma – se perderiam. O Prof. Marcos Amatucci vai além. Afirma que o papel da graduação é a profissionalização dos seus alunos, preparando-os para enfrentar as exigências do mercado de trabalho, as quais, na prática, não são as descritas por Luiz Edmundo Costa. A Prof.ª Gloria Lima também defende a necessidade de preparar os alunos para enfrentar os desafios profissionais. Mas enfatiza também o papel da universidade na transmissão de conhecimentos, que ela distingue da mera informação. Esta, sim, é perecível. Já o conhecimento é a base do desenvolvimento futuro do jovem graduando. É preciso levar em conta que os participantes desta mesa-redonda estão mais familiarizados com empresas e escolas de alto nível, acostumados a critérios estritos e elevados padrões de excelência em tudo o que fazem. O teor das discussões reflete, de certa forma, este ambiente específicio que não é, necessariamente, comum à maioria dos cursos superiores de comunicação social e administração de empresas, em nosso país. 57 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 JR – Quero pedir ao Prof. Gracioso que fale sobre o ensino superior no país. Você acha que o Brasil está ganhando ou perdendo a guerra da educação? Participantes • Aylza Munhoz – Diretora dos Cursos de PósGraduação da ESPM • Francisco Gracioso – Presidente da ESPM • Gloria Lima – FG – Nós – que estamos envolvidos com o ensino superior – sabemos que nossos problemas são de dois tipos: até uns 4 anos atrás, os números do ensino superior brasileiro eram surpreendentemente baixos. Basta que se diga que a população universitária brasileira era inferior à da Argentina, país que tem 5 vezes menos habitantes. O outro aspecto é o qualitativo. Quando o ministro Paulo Renato assumiu, havia no Brasil 1.480 milhão de alunos em universidades. Hoje, estamos com 2.570 milhões – mais de um milhão a mais. Ele praticou uma política deliberada de expansão do ensino superior, naquilo em que podia interferir, que era a escola particular, o ensino privado, porque as universidades públicas são mais resistentes às mudanças e mesmo o ministro da educação não consegue mexer muito com elas. Nesses 5, 6 anos em que ele está lá, desse milhão de novos alunos, praticamente 4/5 vieram das escolas particulares. Hoje, há 1.670 milhão de alunos nas escolas particulares e 900.000 nas públicas. Nos últimos 3 anos em particular – estou ci- 58 Fundação Carlos Chagas • Luiz Edmundo Costa – Diretor de RH do Grupo Accor • Marcos Amatucci – Diretor dos Cursos de Administração de Empresas da ESPM J. Roberto Whitaker Penteado – Moderador tando dados oficiais do MEC – , houve um crescimento muito grande e até as escolas públicas cresceram 18%. As particulares, entretanto, no mesmo período, cresceram 41%, dando uma média de 32% para o total. Então, o ensino superior, nos últimos 3 anos, cresceu à “...até uns 4 anos atrás, os números do ensino superior brasileiro eram surpreendentemente baixos.” taxa acumulativa de 10% aa. É surpreendente. Dependendo da demanda, creio que essas matrículas continuarão a crescer nessa proporção nos próximos anos. O MEC inverteu uma política de anos. As grandes escolas particulares de nível superior gozavam de uma autêntica reserva de mercado. O MEC praticava a política de evitar ampliar o número de matrículas, alegando sempre que era preciso preservar a qualidade. Pouquíssimos cursos novos, em qualquer modalidade, foram criados. De lá para cá, as coisas mudaram e estamos, hoje, diante de uma verdadeira economia de mercado. As escolas competem de fato pelos alunos e só as melhores conseguem preencher integralmente as matrículas. E todos aqui sabem que o “provão” – fantasma de muitas escolas – está até ajudando, na qualidade. Por bem ou por mal – para evitar falatório e noticiário negativo – muitas escolas estão sinceramente preocupadas em melhorar, investindo. E isso é bom para todos nós. Ao contrário do que dizem, não acho que temos número exagerado de alunos em cursos universitários no Brasil. Creio mesmo que, nos próximos 5 anos, vamos chegar a 4 milhões de alunos, aumentando ainda mais o peso das particulares. E a qualidade do ensino está melhorando. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 mesmo nível do Paraguai – o que é triste. Quer dizer, há um espaço para crescimento a ser ocupado na formação de lideranças, na formação de detentores de tecnologia, de pessoas para dirigir empresas. Além disso, há outra dimensão, que é a concentração: os estudantes por região, cerca de metade deles estão na região sudeste. JR – Amatucci, você tem alguma coisa a acrescentar a essa análise quantitativa do Prof. Gracioso? Amatucci – Os números que eu tenho batem com os do Prof. Realmente, temos hoje uma proporção invertida, tanto de oferta de vagas quanto de matrículas, e a diferença é em favor da escola privada. O que posso acrescentar, em termos de números, reforça o comentário do Prof. A proporção entre universitários na população é muito pequena. Em termos de números de estudantes universitários, para cada 100 mil habitantes, temos 1/3 da Argentina e metade do Chile. FG – Isso, naturalmente, na faixa etária atingida pelo ensino universitário… Amatucci – Na faixa etária, diferem pouca coisa. Esse número refere-se ao percentual da população com curso universitário ou que estão na universidade, atualmente. Estamos no “O MEC praticava a política de evitar ampliar o número de matrículas, alegando sempre que era preciso preservar a qualidade.” FG – Um dado que levantei, recentemente – para uma palestra que fiz em Gramado – é que, dos 120 mil alunos dos cursos de comunicação social existentes no Brasil, 60 mil estão em São Paulo. Amatucci – É a mesma proporção para todos os cursos. Não exatamente São Paulo, mas 50% estão na região sudeste. JR – Estamos lidando com números. Mas será que é o papel do ensino superior ter 2% da população ou ter 4%? Essa comparação com o Paraguai será que faz sentido? Qual é, de fato, o papel da universidade na sociedade brasileira? Luiz Edmundo – Eu vejo o sistema educacional como uma cadeia de valor, hoje, pré-estendida até para as idades iniciais – as crianças estão entrando nas escolas, nas creches, entrando em contato 59 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 com os sistemas de educação formais muito cedo. Além de toda a influência que já recebem pela televisão, desde cedo. Estima-se que uma criança de 4 anos já tenha assistido entre 4 e 6 mil horas de televisão. É extraordinário, do ponto de vista da socialização – e assustador. Quando as pessoas ingressam na universidade, são o resultado do que puderam aprender em todo esse processo e trazem, em si, um conjunto de deficiências, com que a universidade se defronta. Deficiências que podem ser divididas em duas naturezas: as relacionadas ao mundo do trabalho e as deficiências relacionadas à vida. Acho que é aí que a questão se coloca. Qual o papel da universidade e o que ela deve fazer para transformar a sociedade num país como o nosso? Represento, aqui, o setor das empresas, mas quero afirmar que as universidades não se deveriam subordinar ao mundo do trabalho. Nós mesmos devemos olhar esse mundo com olhos diferentes. Hoje, nas empresas, estamos passando por um processo incrível de transformação. Acabo de participar da organização de um fórum de presidentes, em que se discutiu talento humano – com mais de 100 presidentes de empresa. Tínhamos ali representado, aproximadamente, 1/3 do PIB empresarial. A discussão do talento passa 60 “Estamos no mesmo nível do Paraguai – o que é triste.” pela questão da universidade e, ao mesmo tempo, mostra que essa questão está sendo recolocada. Não podemos pensar que o mundo do trabalho se pauta pelas mesmas regras. Por exemplo, não se pode preparar o administrador para servir apenas ao acionista. Devemos prepará-lo administrador para servir aos stakeholders, que são o acionista, mas também os colaboradores, os clientes, os fornecedo- “Qual o papel da universidade e o que ela deve fazer para transformar a sociedade num país como o nosso?” res da empresa – e a comunidade. Temos de preparar o administrador para servir a todos esses. A responsabilidade social das empresas, por exemplo, é uma questão que as universidades têm que discutir a fundo. Mas esse é apenas o mundo do trabalho. Há toda uma tarefa de preparação para a vida. Muitas vezes, pergunto-me por que as pessoas conseguem concluir cursos universitários sem responder questões fundamentais sobre a vida. Como é possível que terminem o curso universitário sem saber ser um bom pai ou uma boa mãe? Alguém pode dizer que isso não faz parte do currículo de uma universidade, mas então poderia ser parte do currículo de ensino fundamental, ou secundário, mas alguém tem de fazer alguma coisa. Não que a universidade deva assumir a responsabilidade de todas as deficiências do sistema educacional. Mas ela pode fazer muito mais do que está fazendo hoje, no sentido de preparar as pessoas para a vida e para o trabalho. FG – Tenho certeza, Luiz, de que algumas dessas indagações vão ser debatidas aqui, mas registro o meu temor de que estejamos esperando demais das universidades ou de qualquer outro sistema de ensino. Porque tudo na vida depende das emoções, do Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 imponderável, do subjetivo. Até que ponto uma escola pode ser responsabilizada pela formação – não apenas intelectual, mas também emocional – de um indivíduo? JR – Aylza, o que você acha disso? Aylza – Se a gente parte do pressuposto de que educar é transformar, acredito basicamente nisso – que educação é um processo de transformação do ser humano. E a transformação não se dá só intelectualmente. Ela tem que se dar no seu todo – o ser humano tem de ser transformado de forma global. Uma prova disso é que na Escola, na pósgraduação, quando vamos fazer a avaliação do aluno, avaliamos o que chamamos de “produto do aluno” – que é a produção intelectual – mas avaliamos também o processo dele, que é exatamente o que você disse, Luiz. Fiquei satisfeita de ouvir isso porque, no fundo, sempre achei que as empresas são em parte culpadas da falta de embasamento que as universidades podem dar porque, no afã de ser prático, prático, esqueço que conceituar é muito mais importante. Se tenho uma forte base conceitual, consigo interpretar qualquer realidade. Pode ser de uma empresa de serviço, pode ser uma empresa indus- trial. O que é, na realidade, um grande executivo? É alguém que tem uma boa base acadêmica e um pensar estratégico muito bom – e essas questões a universidade dá, mas dá através do exercício acadêmico, da base conceitual. Porque, caso contrário, colocamos nas empresas indivíduos que conhecem uma técnica, mas que não “Devemos preparar o administrador para servir aos stakeholders.” têm postura profissional. Não sabem se virar dentro de outros ambientes. Gloria – Quando você diz “a universidade tinha que fazer alguma coisa, não se voltar só para o mundo do trabalho, mas também para a vida”, na verdade, incomoda-me ver, assim, separados, o mundo do trabalho e a vida. O mundo do trabalho está dentro da vida. Ao debater isso, a gente vê que não nos temos preocupado, ultimamente, com o indivíduo, com o ser humano integral. Quer dizer, a professora, ao separar o produto e o processo, quando vai avaliá-lo – ele vem sendo avaliado, às vezes, mais pelo produto, às vezes pelo processo. Isso precisa ser feito integradamente. Se as empresas, as institui- 61 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ções, agora, estão discutindo essa necessidade, isso é reflexo do que está ocorrendo no mundo da educação. Temos muitas pesquisas sendo desenvolvidas que tentam chegar aos meninos – desde os pequenos até os pósgraduandos – e avaliar as habilidades de vida, mais do que as habilidades de conteúdo ou as especificações técnicas. Porque o que se percebe é que, se não tenho o ser integral, ele não pode estar bem preparado. Ou, se ele é muito espiritualizado, onde é que está esse equilíbrio para chegar à melhor produção, à melhor produtividade? Foi um engodo acreditar que, se tivesse um preparo eficiente, isso era suficiente. FG – Acho que estamos falando em termos muito amplos. É preciso definir melhor até onde a universidade pode chegar. Ela não pode responder pela conduta futura do aluno na vida. Nós podemos, no máximo, fazer dele um cidadão bem integrado no seu ambiente profissional e, por decorrência, no seu ambiente familiar. Mas, a partir do ambiente profissional. É para isso que o preparamos. Luiz Edmundo – Concordo com o Gracioso. Talvez, seja uma questão de co-responsabilidade. Incluo todos, os es- 62 “Por que as pessoas conseguem concluir cursos universitários sem responder questões fundamentais sobre a vida?” tudantes, os professores, a sociedade, como co-responsáveis. A universidade não pode ser a panacéia da formação, mesmo tendo uma missão extremamente nobre de transformação. Ela tem que descobrir o seu posicionamento, de uma maneira exemplar. Um das maneiras que vejo é construindo a visão do que é estar preparado para a vida e para o trabalho. Estou fazendo essa cisão, mas não “Se tenho uma forte base conceitual, consigo interpretar qualquer realidade.” perdendo o seu conceito, Gloria, de que o ser humano é único. Mas para reconhecer que essa cisão, em algum momento, foi feita. E, por ter sido feita, hoje precisamos reintegrá-la. Por exemplo, nesse fórum de presidentes, o que discutimos é que essa cisão leva inexoravelmente a empresa a precisar, hoje, rever e reintegrar o ser humano de uma maneira mais completa dentro do contexto das empresas. Para que ela possa, de fato, responder a um meio ambiente tão complexo, tão difícil, com tantas mudanças, em que o ser humano tem que estar muito mais capacitado a pensar para poder agir. E esse embasamento, que a Aylza descreve, passa a ser fundamental na capacidade de decidir. Então, na construção de uma visão do que é o ser humano deste milênio, deste século que começamos, acho que a universidade tem uma responsabilidade enorme, mesmo que não seja o único agente responsável pela formação. JR – Então, o que deve ser cobrado da universidade? Qual é o papel que a universidade desempenha na sociedade brasileira? Aylza – Acho que deve ser cobrado um pouco mais do que o que o Gracioso acredita. Tem Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 que ser cobrada a educação dos alunos para a vida. O trabalho faz parte da vida; ser pai faz parte da vida. Evidentemente, não imagino que a universidade vá ter um cursinho de paternidade ou de maternidade. Mas uma coisa que falta, no meu entender, nas universidades é que precisamos passar valores de forma mais clara. FG – Acho que me expressei mal. Eu próprio, como professor, nunca dei uma aula na vida sem me preocupar em passar, também valores de comportamento, de vida, de experiência pessoal, que tenho certeza são tão úteis quanto o conteúdo do ensino. Não há dúvida. Aylza – É nesse sentido que acho que o papel da universidade é mais amplo do que simplesmente ensinar técnicas e transmitir conhecimentos. Ela tem que participar dessa educação sobre a qual o Luiz falou. Se as empresas pensarem dessa forma, daqui para frente, vamos dar um salto qualitativo incrível. Imagine se elas viessem à universidade para dizer: “Por favor, ensinem a pensar, que tudo mais se resolve. Não ensinem só a fazer a prática”. Ao transmitir técnica, não se prepara o ser humano, não lhe damos uma escala de valores, parâmetros de comportamento profissional. Educar é tudo isso. JR – Quero dirigir uma pergunta ao Amatucci, que lida com o dia-a-dia dos jovens na graduação. Quando os alunos chegam ao último ano, o que é que desejam? Amatucci – Acontece desde o primeiro ano. A escola tem os seus stake-holders também. E nem sempre todos eles estão de acordo. Aliás, quase nun- “Incomoda-me ver separados o mundo do trabalho e a vida. O mundo do trabalho está dentro da vida.” ca. A escola, hoje, é uma solução de compromisso entre vários antagonismos. Um deles é esse antagonismo entre o mundo da vida e o mundo do trabalho. Uma discussão que existe na universidade é que ela deveria estar mais voltada para o cultivo das artes liberais – a transmissão de toda a herança cultural que temos. Evidentemente que a parte de ser pai diz mais respeito ao desenvolvimento de sensibilidade, ao desenvolvimento de relações humanas e de valores, do que, evidentemente, saber trocar fraldas. Entre essas artes liberais e a tecnologia – que é uma premência, porque trabalhar nas empresas hoje requer tecnologia, requer preparo. Nós temos o debate de artes liberais, tecnologia, ensino de qualidade, ensino para muita 63 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 gente, saber durável, conceitos e teoria e aulas atraentes para os alunos. Mas os alunos não querem saber. É uma luta, falar de valores, de conceitos, de saber durável, para os garotos que dizem: “Eu quero é fazer estágio na Unilever, como é que vou usar esse negócio?” Eles pressionam para o outro lado. O que acontece hoje, a universidade prática, a real que existe é uma solução de compromisso, às vezes, um pouco mais para lá, às vezes, um pouco mais para cá, entre essas diversas variáveis. É claro que somos diferentes. Somos educadores, temos paixão pelos valores, pelos conceitos, pela teoria. Mas o jovem, basicamente, busca a profissionalização. Então, isso tem que ser colocado com muita paciência, porque ele realmente deseja e cobra, desde o primeiro ano, a coisa prática. Luiz Edmundo – Talvez fosse interessante pensar que essa profissionalização como, muitas vezes, é esperada, também é algo que se encontra em profunda transformação. Hoje, consigo identificar várias empresas tradicionais que querem pessoas meramente instrumentais, que dominam a tecnologia. Não estão interessados em pessoas que pensam, mas pessoas que cumpram ordens, que re- 64 “A universidade tem uma responsabilidade enorme, mesmo que não seja o único agente responsável pela formação.” presentam um passado que está em extinção. E há empresas voltadas para todo um mundo de oportunidades, de descobertas, de inovação, de criatividade, de proximidade com o cliente. Descobrir, pela imaginação, o que um cliente quer, o que uma comunidade precisa, com visão de responsabilidade social – isso requer um outro tipo de pessoa, menos instrumental. Alguém que pode até dominar o saber instrumental, mas que precisa re- “É uma luta, falar de valores, de conceitos, de saber durável, para os garotos que dizem: ‘Eu quero é fazer estágio na Unilever’.” fletir e se posicionar diante das oportunidades de uma maneira positiva. O aluno, quando entra na escola, não está preparado, às vezes, para esse mundo, porque ele espelha o mundo dos pais, que provavelmente foram formados e aculturados nesse primeiro bloco. Interessante é que, da mesma maneira que percebem ser necessário, muitos deles não querem trabalhar mais nessas empresas. Eles não gostariam de repetir a vida dos pais, porque essa vida alijou-os da qualidade de vida, da felicidade, da alegria – como se, no trabalho, não fosse possível equilibrar alegria, felicidade, com realização. JR – Essa não é uma visão um pouco idealizada da empresa? Será que elas realmente querem gente criativa? Aylza – Há uns cinco anos, quando eu ia às empresas para fazer levantamentos para montar um curso in-company, eu ouvia: “Olha, professora, a senhora seja muito prática. Nada de conceitos, de academia, aqui dentro”. E eu ficava furiosa. Engolia a seco e pensava: “por que ele não vai buscar alguém no Sesi em vez de me chamar?” Hoje, a coisa mudou radicalmente. Quando a gente chega em uma empresa, eles dizem: “Pelo amor de Deus! Ensine o meu pessoal a Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 pensar, a inovar, a entender esses novos desafios que temos pela frente”. É uma coisa inédita. Temos feito muitos programas fechados, ensinando a pensar estrategicamente, dando as bases do pensamento estratégico. JR – Você confirma que existe uma tendência nesse sentido? Aylza – Com certeza. Não é nada de poético, não. As grandes empresas, as empresas mais inovadoras, estão positivamente nessa linha. FG – Quero fazer uma ressalva, apenas. É evidente que depende do tipo de empresa e do estágio em que ela atravessa no mercado, a necessidade de determinadas capacitações, habilidades, natureza. Uma empresa que vende commodities, que se preocupa em otimizar quantidade e baixo custo, não está muito preocupada em inovar. Quer manter o status quo. Vai precisar de executivo de um tipo diferente dos que o Grupo Accor, por exemplo, precisa para criar sempre novos nichos de oportunidade no mercado hoteleiro e assim por diante. Acho que, na prática, no mundo real, esse ideal que as empresas têm, agora, de criatividade, e ênfase na inovação, no raciocínio estratégico, acaba se acomo- dando à realidade das próprias necessidades. Mas não cabe à escola determinar e decidir qual é esse nível de necessidade. A escola deve visar sempre para cima. Luiz Edmundo – Gostaria de acrescentar uma questão que considero importante. O antigo modelo industrial ainda é muito forte e internalizado na cabeça de todos nós. No começo do século passado, de 1901 até a metade do século passado, prevaleciam as indústrias. Nos anos 50, metade da população, em alguns países, estava diretamente ligada às indústrias. Mas o setor de serviços, o comércio, são hoje a nova realidade do mundo. Em São Paulo – que é o Estado mais adiantado – já temos 80% da população economicamente ativa trabalhando em empresa de serviço. Nos Estados Unidos, o setor primário, agrícola, representa menos de 4%. O industrial, menos de 30%. Essa “Eles não gostariam de repetir a vida dos pais, porque essa vida alijou-os da qualidade de vida, da felicidade, da alegria.” é uma tendência inexorável de um mundo muito mais complexo, em que a própria indústria, cada vez mais, se “comoditiza”, onde a indústria se integra ao setor de serviços e, 65 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 dentro delas, expande-se a área de serviços. Nessa área, o perfil das pessoas muda extraordinariamente, porque as próprias pessoas estão mudando, lá fora, e as empresas têm que responder a essas mudanças das pessoas. Isso é uma transformação a que temos que dar atenção. O modelo em que fomos formados – da indústria, de divisão de trabalho, de processos bem estabelecidos e definidos – está profundamente alterado. Certos conhecimentos, ferramentas, tornaram-se obsoletos. Não há outra maneira, a não ser dar às pessoas a condição de pensar. Aylza – O papel da escola, no meu entender, é estar 10 anos à frente: à frente das empresas e não a reboque delas. Pressupõe que a universidade seja um centro de estudo, de pesquisa, de disseminação de conhecimento. Ela não pode ficar olhando o que a empresa faz, para sair correndo atrás dela. Ao contrário, seu papel é dizer: “Olha, no futuro terá de ser assim. As tendências mostram isso, o cenário mostra aquilo”. Se as empresas estão mudando nessa velocidade, imagine a velocidade em que nós, da escola, teremos que mudar. E nisso acho que reside a nossa falha principal. Acho que ainda não temos essa capacidade de inovação o sufi- 66 “Quando a gente chega em uma empresa, eles dizem: ‘Pelo amor de Deus! Ensine o meu pessoal a pensar’.” ciente – não estou dizendo nós ESPM; mas nós, sistema de ensino, nós, universidade brasileira. As empresas ainda não nos olham como fonte de inovação e de conhecimento. JR – A Aylza está admitindo uma deficiência da nossa universidade – do ensino de modo geral – de não ser inovador, de não estar abrindo caminhos, não estar na vanguarda. Será “Nos anos 50, metade da população, em alguns países, estava diretamente ligada às indústrias.” isso mais verdadeiro, talvez, na graduação do que na pósgraduação? Amatucci – Em termos de universidade – enquanto instituição – a Aylza tem toda razão. É uma das coisas mais lentas que existe. Talvez só perca para o estado moderno. Existem problemas dos mais diversos, alguns parecidos com os problemas das empresas. É incrível que a velocidade da mudança não esteja ligada ao saber, à tecnologia, mas ao processo de tomada de decisão. Na universidade, há ainda muito comportamento conservador das pessoas. Isso é um dos fatores. Mas há também o fator estrutural. O curso de graduação dura 4 anos. Nenhum aluno termina o curso com o currículo que começou. Todos enfrentam mudanças. A cada dois anos, a gente muda e eles têm que se adaptar. Só que isso ocorre na ESPM. Como consultor ad hoc do MEC, visitei várias escolas e isso não acontece. As mais inovadoras mudam a cada 4 ou 5 anos. Esperam uma turma acabar, para depois implementar as mudanças, e a última turma fica 5 anos defasada. JR – Ou seja, há uma certa rigidez na graduação... Gloria – De qualquer manei- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ra, você tem de levar em conta como é que o garoto chegou aos 20 anos; quais foram as expectativas, o que ele está esperando. A pergunta era qual é o objetivo ou qual é a finalidade. Você tem, aí, uma representação desse garoto. Ele acredita no curso que vai fazer. Ele vai sofrer o processo de apropriação de conhecimento, de habilitação técnica, de formação, de domínio, mas ele entra com uma expectativa de que aquilo é uma porta, um acesso para o mercado de trabalho. É assim que ele entra na escola. E, muitas vezes, chega com “gaps”, com as deficiências todas – que impossibilitariam qualquer escola de cumprir os objetivos definidos. Você pega um garoto de 20 anos, que acha que vai sair profissionalizado. Que a graduação vai dar a ele possibilidade de entrar para o mercado de trabalho, em melhores condições do que se ele não a fizesse… ao se apropriar de alguns instrumentos ou de algumas tecnologias, e/ou de alguns conhecimentos numa determinada direção? Ele e a família fazem qualquer sacrifício para que possa conseguir isso, na crença de que o curso superior lhe dará acesso a melhores condições. Luiz Edmundo –Talvez ajude JR – Mas isso não é uma expectativa correta? Não é isso que ele deve esperar? Gloria – Sim, é o que ele espera. Mas e o que nós fazemos? É esse o objetivo? O que a universidade tem que fazer? Tem que unir habilidade de vida com mercado de trabalho? Tenho que satisfazer a ele? Ou dizer que ele melhorou como gente, como pessoa, “O papel da escola é estar 10 anos à frente das empresas e não a reboque.” colocar para vocês o que nós valorizamos quando vamos contratar uma pessoa que vem da universidade. Talvez ajude a ver que os critérios mudaram muito e que temos dado prioridade ao que não se dava, no passado. O mais importante é que não medimos o conhecimento das pessoas; não fazemos um “provão”, isso não interessa. O que interessa são as competências que as pessoas apresentam e que as possam ajudar a dar uma resposta diferente, no mundo do trabalho. Na nossa programação de trainees, valorizamos competências como saber ouvir, saber se relacionar, ter empatia pelo outro, capacidade de solução de problema, de perceber o outro e ser solidário. Valorizamos toda atividade voluntária, toda atividade 67 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 passado, congelados na expectativa de ter a universidade como a antiga provedora. Acho que a universidade pode prover várias coisas, mas o mais importante dela prover é aquilo que o Gracioso disse, os valores que ele coloca nas aulas, mas também a visão. A visão é superior, porque pela visão a gente consegue identificar valores novos. Precisamos de valores novos para olhar esse mundo e transformá-lo para que seja diferente. social, porque isso demonstra a possibilidade de desenvolver o espírito empreendedor e a usar imaginação e criatividade. Isso desenvolve a liderança, a capacidade de empatia e de encontrar soluções novas – e pesa fortemente nas nossas contratações – o trabalho voluntário. Como também pesa as pessoas que cuidam do corpo, que desenvolvem atividades físicas. Assim, como pesa também o domínio de idiomas. E a capacidade da pessoa aprender a aprender, por conta própria – o que até desobriga a universidade como única provedora. Não podemos basear-nos nas expectativas do 68 FG – Luiz, você deixou claro o que espera do produto final da universidade. Não está, entre as coisas que você citou, um ponto que, para nós do mundo acadêmico, parece muito importante, que é a produção de co- “Nisso Freside a nossa falha principal: ainda não temos essa capacidade de inovação o suficiente.” nhecimento. Na verdade, se você perguntar a qualquer reitor de universidade pública principalmente, como é que ele justifica o elevado custo por aluno – até R$100 mil por aluno ao ano, ele dirá: “Bom, nós aqui não formamos apenas estudantes, nós produzimos conhecimentos. Tantos doutores, tantos mestres, tantas teses publicadas”. Mas você, em momento algum, sugeriu que espera, das universidades, novos conhecimentos. A Escola, sob esse aspecto, reage mais do que age. Ela deve manter-se ligada ao mundo real, ao mundo das profissões, para perceber as coisas novas, tendências, novas necessidades. E, muito mais do que produzir conhecimentos novos, conceituar, colocar em perspectiva aquilo que vem do campo, do mundo real e – se não fosse tratado pela universidade – acabaria se perdendo. Por exemplo, lembro de dois casos concretos. A matriz BCG e o PIMS que foram fruto de professores da Harvard e do Grupo de Boston de modo geral. A matriz BCG e o PIMS não foram totalmente criados pela universidade, mas desenvolvidos, pouco a pouco, por consultores, empresas; mas foi um grupo de professores que pegou tudo aquilo, enfeixou e transformou num instrumento que, durante anos, tem ajudado as empresas do mundo in- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 teiro. O que podemos fazer realmente, na universidade, que seja de valor para vocês, no mundo real? Luiz Edmundo – A Aylza ajudou, na resposta dela, que quero retomar. Distingo capacidade de conceituação, de conceituar e de refletir do que a gente chama de conhecimento. O conhecimento é perecível; a capacidade de aprender é a possibilidade que se dá à pessoa de se renovar; a capacidade de resolver problemas é a capacidade que ela tem de dar uma resposta virtuosa e de receber, em troca, alguma coisa pela resposta que deu. Se nos centrarmos em função do conhecimento, não estaremos nos concentrando naquilo que me parece vital. JR – Prof.ª Gloria: qual é o processo ideal de avaliação de desempenho do aluno na graduação? E na pós-graduação? Gloria – Temos trabalhado nessa direção, de que não tem sentido você cobrar do aluno só informação. Temos de cobrar competências e habilida- des, apresentando desde o primeiro e segundo grau o “conhecimento em situação”. Quer dizer, propondo ao garoto desde pequeno, contex-tualizando e situacionando, problematizando para que ele resolva por seus próprios meios. Apesar de o conhecimento ser perecível, ele é fundamental. Não se “Nenhum aluno termina o curso com o currículo que começou. Todos enfrentam mudanças.” consegue recriar ou repensar sem as bases do conhecimento, não é suficiente. O conhecimento é um pouco mais do que a informação. É perecível, se identifico conhecimento com informação. O conhecimento em si pressupõe todas essas outras possibilidades de trabalhar com a informação. Transformá-la, recriála e poder adequá-la. Então a informação é perecível; o conhecimento é o que se solidifica. E acho que essa pessoa – que a gente está idealizando, ou procurando, ou tentando avaliar – é a que conseguiu desenvolver conhecimento a partir das informações. Mesmo um gênio não existe no vazio; mesmo o gênio precisa ter as informações, para rearranjá-las. FG – Então, se eu entendi, nos seus processos de avaliação de aluno, a aferição do conhecimento continua sendo muito importante. Gloria – Sim. Com certeza. JR – Nesse sentido, o provão funciona ou não? 69 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Gloria – Funciona. JR – Funciona porque não tem nada melhor ou funciona porque é bom? Gloria – Funciona porque pretende – e tem conseguido – avaliar competências e habilidades. O provão não está se limitando a avaliar quantidade de informações. O pressuposto do provão, para os 20 cursos atualmente avaliados, é um perfil, para cada uma das 20 áreas determinadas. E esse perfil é definido por vocês, empresas – quais são as habilidades e competências que os jovens têm que mostrar. E, para isso, quais são os conteúdos abordados. Aí sim, são todos aqueles componentes curriculares da universidade. Aylza – Gloria, quero fazer uma pergunta, fugindo um pouco da pauta, por curiosidade. Por que é que o nosso aluno, de forma geral, não quer ser avaliado? O aluno de pós-graduação diz: “Sou adulto e não preciso que ninguém me avalie. Isso é coisa de criança”. Gloria – Não é só o aluno. É todo adulto, que se sente perseguido. Avaliação é uma coisa muito persecutória. Aylza – Professor odeia ser avaliado. De resto, eu também odeio ser avaliada. A não ser 70 “O que interessa são as competências que as pessoas apresentam e que as possam ajudar a dar uma resposta diferente no mundo do trabalho.” que me avaliem bem. Gloria – Não estou defendendo o provão, só contando como ele é. Tenho trabalhado na sua execução e posso dizer que faz isso. Por isso, são 20 as áreas. Se fosse medir só habilidades e competências, poderia ser um único para todos. Amatucci – Fiz uma pesqui- “A matriz BCG e o PIMS Fforam fruto de professores da Harvard e do Grupo de Boston.” sa com “headhunters” sobre o que esperavam do egresso do curso de administração de empresas. Entrevistei uns 15, e perguntei: faz mesmo diferença para você se ele é administrador, psicólogo ou engenheiro? Disseram: “De forma alguma. Ponho todos na mesma roda. Tenho uma lista de habilidades que a empresa que me contratou está procurando. Tento identificar as habilidades de cada um. Agora, o que ele estudou é problema dele”. Gloria – Sim, mas para determinadas funções. Amatucci – No provão, ele tem que avaliar se o curso é bom ou não. JR – Ouvi, do Luiz, uma coisa que sempre me incomodou – até porque não aprendi língua na escola; aprendi porque viajei. Mas ouço isso nas empresas: “Quero um profissional que conheça idiomas”. No plural. E não vejo, nem na graduação nem na pós, o ensino do inglês, do francês ou espanhol. Amatucci – É um problema de “core-competence”. Nós somos incompetentes para fazer isso. JR – Mas o Luiz acaba de dizer que é uma das coisas importantíssimas, que a empresa dele avalia na contratação... Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 FG – Mas você sabe que não é aos 20 anos que se aprende uma língua estrangeira. As línguas, bem aprendidas, começam bem cedo. JR – Então, o que a universidade pretende é que pertença ao curso fundamental ou à escola livre, o ensino de idiomas? Luiz Edmundo – Acho que a questão pertence ao aluno; não a nenhum dos ensinos. Quando alguém chega à universidade e não sabe outros idiomas, a universidade não tem obrigação de dar isso para ele, mas tem a obrigação de abrir a visão de o quanto isso é relevante. Acho que se ela fizer isso, já cumpriu seu papel. Ela tem a obrigação de lembrar que – em última análise – quem é responsável pelo próprio desenvolvimento é ele e não a universidade. Aylza – Você chegou a um ponto crucial, no meu entender. Enquanto não conseguirmos deixar claro – para alunos e professores – que o ensino e a aprendizagem são um processo de co-responsabilidade, nada acontecerá. Já disse que toda generalização é burra – mas não acredito que todos os professores estejam convencidos da sua parte de responsabilidade nesse processo. E os alunos também não. Há uma dificuldade muito grande, por “Apesar de o conhecimento ser perecível, ele é fundamental.” parte do aluno, de entender que você pode ter o melhor professor – didaticamente falando – mas você ainda é responsável por mais de 50% da aprendizagem. Nenhum professor – pode ser um grande comunicador, um grande didata – vai ensinar tudo de que o aluno precisa, sem que o aluno faça boa parte da própria lição. Esse processo de co-responsabilidade acho muito sério, e temos batido nisso no pós-graduação. JR – Isso é uma visão da pósgraduação ou deve ser uma visão da graduação também? Aylza – Não sei como o Amatucci faz, mas, na pós-gra- “Por que é que o nosso aluno, de forma geral, não quer ser avaliado?” duação, é uma filosofia que estamos tentando implantar, com muita seriedade. FG – Amatucci, na graduação, seria possível interpretar o que a Aylza chama de consciência da responsabilidade por parte do aluno, como motivação? Amatucci – É uma das batalhas que a gente trava diariamente. Pegamos o aluno recém-saído do ensino médio, ainda com os traços do ensino fundamental, onde foi tratado como criança. Então, a tendência automática – tanto de alunos quanto de professores – é continuar essa relação paternalista. Estamos mudando isso aos poucos; o principal obstáculo é mudar a atitude do professor, porque, se o professor deixa de ser paternalista, o aluno não tem escolha. A necessidade faz o sapo pular. Quase metade dos nossos professores está consciente disso. Eles mesmos dizem: “Paramos de ser bonzinhos”. E o aluno aprende mais com o professor “mau”, porque esse professor diz a ele que ele tem que se virar. Mas não é coisa simples. Se “deixa no automático”, a relação se inverte. Ou seja, o aluno cobra que o professor ensine a ele, enquanto ele fica lá “sendo ensinado”. JR – A escola, no Brasil, desde o fundamental, é sempre de 71 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 tempo parcial. Os internatos acabaram. E há, por parte do MEC, uma insistência de que o professor deve dar tempo integral. Por que não também o aluno – como nas universidades americanas? Amatucci – Isso está relacionado com a questão do conhecimento e da pesquisa na universidade. Descobri isso tardiamente, na metade do meu doutorado. A principal contribuição da universidade para a sociedade não é a produção de conhecimento; sua principal contribuição é a formação de líderes, de dirigentes, de pessoas capacitadas a gerir a sociedade. Veja, por exemplo, Prof. Gracioso, o que o Sr. disse sobre o Grupo de Boston, da Universidade de Harvard. Se compararmos, quantitativamente, quantos instrumentos produziram, para serem usados, e quantos profissionais eles colocaram no mercado – vamos comprovar isso. A pesquisa é ingrediente indispensável. O professor-professor, que gosta de dar aula, é didático, consegue ensinar, é punido, no sistema acadêmico tradicional porque não está publicando, não está pesquisando. Mas são coisas diferentes. Na Europa, existem institutos de pesquisa separados da universidade porque a pesquisa não tem de ser feita necessariamente na universidade. Pode 72 “Tenho uma lista de habilidades que a empresa que me contratou está procurando. Tento identificar as habilidades de cada um. O que ele estudou é problema dele.” ser, o conhecimento está ali próximo, são coisas que têm sinergia, mas não são a mesma coisa. A sociedade do Brasil – e do terceiro mundo em geral – não dispõe de alunos com dinheiro para ficar durante 4 anos em tempo integral, sem trabalhar – só estudando. Quando o MEC exige tempo integral do professor, está querendo que ele, quando não estiver dando aula, fique fazendo pesquisas, que geram conhecimento. A sociedade precisa que o profissional hoje passe pela universidade, porque a sociedade precisa de ci- “Em última análise, o responsável pelo próprio desenvolvimento é o aluno e não a universidade.” ência no trabalho. O nível de desenvolvimento tecnológico é tal, que sem a ciência não dá. Mas mesmo esse conhecimento científico – que não é só informação –, pela própria definição da ciência, é provisório. Pode até ser questionado. Mas não é por ser provisório que não é necessário. É necessário, sim, mas não se constitui na principal contribuição da universidade. Luiz Edmundo – Gostaria de esclarecer um ponto. Acho fundamental o conhecimento. Mas um conhecimento que se transforme, para responder à própria evolução da sociedade. Quando não damos ênfase à fotografia do conhecimento, mas preferimos a capacidade de aprender a aprender, estamos pressupondo que essa habilidade é mais difícil de ser aprendida do que a demonstração de um saber determinado. Isso não quer dizer desprezo pelo conhecimento. Mas há um rigor maior sobre o que precisa ser conhecido. É um sentido de “estratégia do que deve ser sabido”. É quase fazer uma hierarquia do que eu preciso para ser um ser humano feliz e realizado. Vou dar um exemplo. Conheci um professor de uma grande universidade européia, uma pessoa fantástica, que acabara de ter um ataque cardíaco. Ao conversar com ele, surpreendi-me de que Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 não soubesse o que era um radical livre; não soubesse quais os alimentos que poderiam reduzir a gordura que tinha em excesso; não soubesse fazer um relaxamento; nem quais os conceitos básicos de qualidade de vida. Surpreendi-me que – diante de tantos conhecimentos que essa pessoa tinha acumulado – não soubesse os essenciais para viver e ser feliz. E estamos quase perdendo essa pessoa tão importante... FG – Mas não é próprio de todo especialista? Um grande esportista especializado em salto em altura, às vezes, morre do coração, porque esquece do que não diz respeito ao momento do salto. Luiz Edmundo – E a não-especialização em nós mesmos. Quer dizer, é a especialização que se sobrepõe a uma visão mais íntegra do que é ser feliz, do que é ser corpo, ser alegria. “Esse processo de co-responsabilidade é muito sério, e temos batido nisso no pós-graduação.” FG – Aliás, gostaria de dizer, Aylza, que – para escolas como a nossa que, afinal de contas, quer queiramos quer não, existe para formar especialistas em comunicação e administração – esse é um ponto muito importante. 73 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Aylza – E que temos levado em consideração, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Tanto é que começamos agora com programas que tratam dessas questões pessoais. O Amatucci, ao falar sobre a função da universidade, tirou-me uma grande preocupação, quase um sentimento de culpa, de não termos pesquisa. Acho que temos é de educar mesmo. E uma das coisas que a gente ouve muito – do nosso professor principalmente – é que ninguém educa 40 alunos numa sala de aula, nem educa só com 3 horas à noite. Queria colocar e ouvir a opinião de vocês. Discordo profundamente. Acho que podemos educar 40, 120 ou 200 em meia hora. Por que? Porque acho que educação é um processo holístico. Às vezes, um exemplo dado por nós, lá na frente da sala, educa mais do que horas e horas de estudo. Mas como esse é um assunto polêmico, gostaria de debate-lo. Temos 40 alunos em sala de aula, eles vêm duas noites por semana, em média, e passam umas 3 horas conosco. Se estudam mais uma hora aqui dentro, ficam conosco 8 horas por semana. E tenho a pretensão de ser educadora e conseguir levar esse processo adiante. Isso é possível, Gloria? 74 “Ouço nas empresas: ‘Quero um profissional que conheça idiomas.’ E não vejo, nem na graduação nem na pós, o ensino do inglês, do francês ou espanhol.” Gloria – Na pós-graduação? Sempre é. Desde que motivado, o homem sempre é transformável. Se você conseguir fazê-lo enxergar o significado, ele se encanta, se envolve e vai nessa direção. Encanta-se no sentido de se sensibilizar, internaliza isso como valor. Aylza – Então, essa primeira responsabilidade é nossa, como educadores? “O aluno cobra que o professor ensine a ele, enquanto fica lá ‘sendo ensinado’.” Gloria – De alguma forma, sim. De alguma maneira você tem que abrir este caminho. Aylza – O processo começa conosco? Gloria – Começa e esse é o papel do professor. JR – Aliás, há uma palavra que não é de muito uso nas universidades, mas que se ouve muito em cursos menos informais, que é o “facilitador”. Até que ponto o professor moderno deixou de “professar” para ter a função maior de facilitar? FG – Acho que a palavra motivação, que a Gloria usou, é mágica, é muito importante. Nós sabemos, entretanto, que, muitas e muitas vezes, na graduação mais do que na pósgraduação, o aluno não tem motivação. O que fazer, Gloria? Até onde o professor pode intervir para que o aluno encontre essa força mágica, sem a qual não vai aprender nada? Gloria – Eu discordo, Prof. Acho que ele tem motivação sim. Ele chega à faculdade com uma supermotivação. O fato dele ter entrado já tem a ver com a grande motivação que tinha, a grande expectativa, a esperança que depositava nessa sua trajetória. Mas estou falando do aluno. Onde está o professor? Esse media- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 dor, esse facilitador, essa presença e, às vezes, não é só a figura do professor. É a própria proposta institucional. É como aquele curso, aquela matéria, aquela disciplina, aquela atividade pode estar refletindo a sua comunidade, as suas necessidades, os seus valores, as suas aplicações. É isso que motiva, basicamente. Luiz Edmundo – Você respondeu bonito à provocação do Gracioso. Acredito muito nisso. Quando o aluno entra na universidade, ele está numa era de ouro, em que está aberto para questionar – e essa energia precisa ser bem canalizada, por uma metodologia que dê espaço para ele refletir. Mas, ao mesmo tempo, para perceber limites, para perceber o contexto, para que ele descubra.. Também, concordando com a Aylza, não vejo limites em 40 alunos. Já tive oportunidade de organizar, na empresa, eventos educacionais em que havia 600 pessoas, numa sala de aula. Podem achar isso absurdo – e não foi palestra. Todos estavam divididos em pequenas células de 5 pessoas que, por sua vez, formavam grupos de 50. Mas 80% da atividade se passava em grupos de 5 pessoas – o fundamental era discutir casos concretos da vida deles. Esperava-se que usassem a imaginação, a reflexão, simples- “O professor que gosta de dar aula, consegue ensinar, é punido no sistema acadêmico tradicional.” mente estavam todos juntos para compartilhar algo maior, as suas visões. Fazíamos várias pesquisas, ao longo do dia, apresentando as visões daqueles pequenos grupos de tal forma, que fossem cristalizando a percepção de qual era o caminho que estavam escolhendo. Com essas 600 pessoas, conseguimos desenvolver atividades fantasticamente participativas e criativas, com pessoas altamente motivadas, onde trabalhávamos mais de 8 horas por dia. As pessoas interrompiam, às ve- “Escolas como a nossa, afinal de contas, Fexistem para formar especialistas.” zes, para cantar; havia espaço para alegria, para a criação de coisas. Os grupos até compunham músicas. O que quero dizer é que precisamos resgatar o sentido profundo de cliente, de olhar o indivíduo que está na nossa frente, entender as suas motivações, criar um ambiente vivo para que elas apareçam. É bem mais do que um currículo. Vejo a necessidade de um trabalho de preparação dos professores, não cada um, com a sua disciplina, mas como equipe – equipe que compartilha de uma visão; que tem senso de propósito; que compartilha do compromisso da andragogia e que entende do que significa formação, motivação, valorização, iniciativa. Acho que precisamos ter a referência do currículo – que somos obrigados a ter –, mas podemos ter outras referências que transcendam aos currículos e tenham a ver com as posturas. Aylza – Você acabou de descrever o que a gente faz na academia de professores da ESPM. Ela foi criada com essa finalidade. Acho até que há um passo anterior – a criação de um modelo. Uma organização qualquer – não precisa ser de ensino – é tão forte quanto forte for o seu modelo e compartilhado, aceito e legitimado por todos que trabalham nela. Acho que a primeira questão na formação do professor é 75 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 dizer: “Olha, vamos construir o modelo juntos e vamos falar desta forma, nesta linguagem. Aí, você começa o processo de motivação”. Não que ele seja sem percalços. Acho que há e são muitos, mas é assim que o processo começa. E temos insistido nessa proposta de ensino, que é como vamos motivar esses alunos – que, por sinal, não chamamos de “clientes” porque não são. Eles são cidadãos, mas não são nossos clientes. Ao dizer: “Eu sou cliente”, querem dizer: “Não me avaliem e me dêem o diploma porque eu comprei”. Nós vamos além. Consideramos que o aluno e cidadão são mais importantes ainda do que cliente, e não têm direito ao diploma só porque pagaram o curso. Mas também acredito que a motivação começa pelo professor, e isso é muito complicado quando você precisa ter executivos dando aula 1 ou 2 noites por semana, sem tempo para dedicar mais à escola. Esse é um dos grandes dilemas da pós-graduação na área de negócios. Preciso de executivos, mas os executivos não têm tempo suficiente para ficar aqui e dedicar-se um pouco mais aos alunos. JR – Esse é outro lado da questão que se coloca na graduação, com essa crescente exigência do MEC, de que os professores sejam mestres, 76 duação, não é? “Às vezes, um exemplo dado por nós, lá na frente da sala, educa mais do que horas e horas de estudo.” doutores. Eles não terão, nas matérias profissionalizantes, aquela visão “lá de fora”. Ou isso não é verdade? Amatucci – Novamente, é um daqueles paradoxos e existe uma solução compromisso. O pós-graduação stricto sensu, que forma os professores no Brasil, na verdade, forma o professor pesquisador; não forma o professor-professor. Quer dizer, a carga de didática, quando existe, é reduzidíssima. Gloria – Didática, só na gra- “Desde que motivado, o homem sempre é transformável. Se você conseguir fazê-lo enxergar o significado, ele se encanta.” Amatucci – Alguns programas de doutorado têm, mas pouco – um ou dois semestres. Outros nem têm, sequer. Não raro, o professor doutor não sabe preparar uma prova, e o aluno tem que tentar adivinhar o que o professor gostaria de que ele escrevesse. A complementação didática na formação do professor, por mais laureado que seja, é essencial. Sem isso, não funciona. Efetivamente, o nosso stricto sensu forma o pesquisador. Na graduação, quando se precisa profissionalizar, necessitamos desse profissional – como a Aylza bem colocou: é mais pelo exemplo do que pela palavra. Não adianta ele falar uma coisa e fazer outra. O comportamento ético, o comportamento moral, o comportamento de liderança, isso é que marca. Precisamos, sim, de acadêmicos que tenham a parte da teoria, mas os profissionais também são indispensáveis. JR – Acho que o tema ensino superior, o tema “educação” é extremamente abrangente, mesmo que a gente só trate do ensino superior. A pauta proposta foi coberta. Gostaria de promover uma “volta” para que cada um faça as suas colocações finais. Vamos começar pelo Luiz. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Luiz Edmundo – Temos uma oportunidade fantástica, de pensar a universidade do futuro, hoje; uma universidade muito mais aberta, mais preparada para educar no sentido amplo, para interagir com tudo que está disponível. Ela é mais do que as próprias disciplinas; mais do que apenas um conjunto de ótimos e bons professores; mais do que as suas idéias; do que as salas de aula, laboratórios, centros de ensino. Ela deve estar aberta para uma comunidade com que possa interagir, pode aprender dessa comunidade e pode interferir positivamente nela, mas tem que ter um sentido de direção, precisa ter uma alma. Acho que o que diferencia uma instituição é a sua alma. Alma, por exemplo, que vejo aqui na ESPM e que a distingue com muita clareza que muito mais do que ela fez – é o que ela é. Convidaria cada instituição a aperfeiçoar e desenvolver a sua alma para tocar as pessoas naquilo que é mais essencial. Porque as pessoas, mais do que conseguir uma profissão, precisam descobrir um sentido diferente da vida, no sentido de realização. Precisamos descartar idéias do passado, de que trabalho seja uma coisa dolorida, sinônimo de necessidade, mas que casa com infelicidade. Os paradigmas são outros. As “Já tive oportunidade de organizar, na empresa, eventos educacionais em que havia 600 pessoas, numa sala de aula.” pessoas não querem mais viver o mundo dos pais. Elas querem transformá-lo, e a universidade pode ajudar. Não podemos deixar ninguém sem ser “tocado”. Acho que a universidade tem que tocar pela perspectiva, pelos valores que evoca e cria, sem a pretensão de ser a única detentora do conteúdo. E deve saber juntar os players da própria comunidade; precisa interagir mais com as empresas; com as ONGs – tem de ser o catalisador de uma grande comunidade de ensino. Esse papel de liderança compete à universidade e ela pode liderar isso com uma visão mais moderna, mais abrangente. Acredito que o Brasil possa ter uma universidade nessa linha, num país que tem a virtude de ter pessoas que convivem facilmente com a emoção e com a razão. Essa integração que se pode fazer da emoção, com a razão, o sentimento, reflexão, para um ser humano mais completo. Amatucci – Debates como esse são necessários, pela situação de complexidade em que o ensino superior se insere. Ele é o encontro de ideologias, de paixões, de posições financeiras e ferrenhamente defendidas no tocante ao tipo de ensino, ao tipo de financiamento, ao tipo de orientação. É impossível deixar de fazer essa discussão com paixão, porque as pessoas que trabalham nesse ramo só podem 77 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ser apaixonadas. Não há outra explicação possível para fazer o que a gente faz. Mas é necessária a abertura, é necessário aceitar soluções e compromissos que não são o que a gente acha ideal. A educação, em particular a educação superior, é uma função necessária à sociedade. E cada sociedade vai achar a solução própria por um caminho, por outro, único, diferente. Então, é necessário abertura para saber que – naquilo que a gente ensina – não há verdades permanentes. Gloria – Acredito que essa mesa e esse encontro têm a ver com o que vimos discutindo e vivendo, que ser educador é estar preocupado com um sonho, com a realização do homem e do mundo melhor. Quer dizer, ela é superior e coloca-se como educação superior. Que destinação, que objetivos, que finalidades tem? É tornar o homem superior, é melhorar o homem. Para mudar o mundo mudando o homem, que tem de se tornar este ser superior para transformar este mundo. Não é a escola, são as pessoas. FG – No nosso debate, a Gloria, em dado momento, falando da motivação dos jovens que procuram um curso superior, disse aquilo que todos nós 78 “Aluno e cidadão são mais importantes do que cliente, e não têm direito ao diploma só porque pagaram o curso.” reconhecemos. Eles, em primeiro lugar – e suas famílias por trás – querem uma chance de ascensão social e profissional na vida. Não devemos esquecer disso, quando falamos dos objetivos da universidade. Não é apenas – e muito pouco talvez – servir o mercado de trabalho; é dar aos clientes – e nesse sentido, são clientes realmente – a oportunidade de ascender na vida. Comentava com o Amatucci, antes do debate, que completamos, há “O pósgraduação stricto sensu, que forma os professores no Brasil, na verdade, forma o professor pesquisador.” poucas semanas, um estudo sobre o destino profissional dos formandos da ESPM há 5 anos. Dos alunos formados na graduação, em 1995, 56% deles hoje exercem cargos de diretoria, gerência, supervisão e chefia. E se incluirmos duas outras categorias igualmente nobres – professores e consultores – chega a 62%. Estamos realmente formando uma elite de dirigentes, mas, acima de tudo, estamos dando a esses jovens, que nos procuraram, a oportunidade que tinham em mente, de subir na vida. Acho que esse é o sentido por trás de tudo que fazemos para servir bem à nossa clientela. Aylza – Minha conclusão é de que, se o nosso papel é formar esses jovens para o mercado de trabalho, para a vida, atender às motivações que os trazem aqui, não podemos enganá-los. Apesar deles, a gente tem de educálos. E como é que se educam executivos, com mais de 26 anos, que, depois de um dia de trabalho, vêm para cá ter aula com um professor executivo que também teve seu dia de trabalho? Pois acho que é exatamente da mesma maneira que se educa todo mundo. E, se nós não quisermos enganar esses alunos, temos que os educar de uma forma completa, de uma forma holística. Educar quanto Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 a conhecimento, educar quanto a habilidades, competências. Aquilo que, talvez, toscamente, chamo de educá-los para o produto intelectual, acadêmico, mas também para o processo, que é o seu comportamento, a sua atitude diante da vida, diante do trabalho, diante de tudo. Mas francamente, acho que a gente mal arranhou a questão de educação. Não sou educadora; acho que fiquei educadora, de repente, por pura paixão. Como diz o Amatucci, só por paixão fazemos isto. Sei que existem perguntas e mais perguntas que não consegui- mos responder neste debate. Vale a pena continuar indagando, porque a geração que está hoje na universidade é completamente diferente. O mundo deu uma virada, com essa nova geração, e nós ain- “Dos alunos formados na graduação da ESPM, em 1995, 56% Fhoje exercem cargos de diretoria, gerência, supervisão e chefia.” da os conhecemos muito pouco. Uma vez alguém me disse que a única coisa que o liberta é o conhecimento. A ignorância escraviza e o conhecimento liberta. Ao longo desses 20 anos, como professora, tenho podido ver essa liberdade, essa libertação daqueles que realmente acreditam e partem para a viagem com a gente. Eis porque vale a pena. 79 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Entrevista com Jacques Marcovitch Reitor da Universidade de São Paulo Com o tema da Educação em pauta, a revista da ESPM foi entrevistar um grande especialista, atual responsável pela USP – a universidade brasileira que melhores resultados apresenta em todas as avaliações feitas, tanto as oficiais, como os "provões" do MEC, como as baseadas em pesquisas de opinião, como da revista Playboy. Jacques Marcovitch exerceu diversos cargos na USP, até chegar à reitoria. E foi, também, presidente das Empresas de Energia Elétrica do Estado de S. Paulo, coordenador da área de assuntos internacionais do IEA, membro do Conselho Superior do International Institute da OIT, assim como presidente da Asociación Latinoamericana de Gestión Tecnológica e membro do Conselho Superior do Instituto Roberto Simonsen, ligado à FIESP. É membro da Socieda- 80 de Brasileira para o Progresso da Ciência, Strategic Management Society e World Future Society. É autor de 9 livros, em autoria e co-autoria, inclusive o último (resenhado nessa revista) Universidade Viva; Diário de um Reitor. Sua palavra complementa e enriquece os temas abordados na Mesa-Redonda que a Revista realizou na ESPM (e que também está nessa edição) especialmente pela sua lúcida visão sobre o papel do ensino público superior no Brasil. A questão da educação no Brasil deve passar pelo reconhecimento de que não se trata, apenas, de um problema a ser resolvido pelo Governo ou pelas escolas. A recente revolução nas tecnologias da comunicação, com seus altos e baixos, vem mostrando que, hoje em dia, não se trata apenas de transmitir a informação, mas de transformá-la em conhecimento. Isso é função da educação – mas também é tarefa para toda a sociedade, para enfrentar um antigo e novo desafio, em relação ao qual – nas palavras do reitor –, podemos "ser absolutamente ousados em relação ao futuro". J. Roberto Whitaker Penteado Entrevista Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 JR – Acho que vou começar com uma "provocação" ao invés de uma pergunta. O Brasil, na sua opinião, está ganhando ou está perdendo a guerra da educação? JM – O Brasil tem feito muito, mas não o suficiente. Para poder entender a batalha da educação é preciso olhar para o país na sua especificidade. O Brasil viveu nos últimos 100 anos uma evolução demográfica que não tem comparação, em escala mundial. Olhando os últimos 100 anos, veremos que houve um crescimento demográfico que triplicou a população mundial. O Século XX começou com uma população de 1.6 bilhões e terminou com 6.4 bilhões. A Europa mal duplicou sua população. Países como a Irlanda mantiveram a mesma po- pulação do início do século. Índia e China, que são grandes países, começaram com 300 e 400 milhões respectivamente e terminaram com 1 e 1,2 bilhão. O Brasil começa o século com 17 milhões, chega em 1925 com 30, 1950 com 54, 1975 com 108 e chega no Século XX com 166 milhões. Para 2030, a previsão está em torno de 230 milhões de habitantes. Isso quer dizer que o Brasil, a cada 25 anos, precisa se redescobrir e deve ser reconstruído. É diferente de outros países, onde o sistema educacional atende a uma população com lenta evolução. Muito se fez no Brasil para responder a essa evolução demográfica, mas não o suficiente para preparar os tempos vindouros. A proposta de universalização do ensino – começando pelo ensino primário e secundário – procura "O Brasil, tem feito muito, mas não o suficiente." atender à evolução passada. A questão que se coloca, é como preparar o Brasil para os 230 milhões. Como assegurar às crianças que estão nascendo, a capacidade de liderança para repensar e reconstruir as nossas infra-estruturas físicas, sociais e econômicas? Isso inclui os temas da eqüidade, da justiça, do transporte, das telecomunicações. Tudo isso exige lideranças e aí certamente, estamos longe de ganhar essa batalha. O Brasil fez muito mas não o suficiente. 81 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 JR – Dessa forma que o Sr. coloca, não só estamos perdendo a batalha da educação como estamos também perdendo a batalha do desenvolvimento... JM – Mesmo com avanços expressivos, ainda não estamos ganhando. Se olharmos o Brasil na sua perspectiva histórica, percebemos que correspondem à vitórias parciais. Mas, o fato de não ganhar uma batalha, não significa que a guerra foi perdida. O Brasil continua sendo pólo de atração de fluxos migratórios, que até hoje buscam no país a esperança do novo e da construção do futuro. A vinda dos investimentos não se deu unicamente porque o Brasil estabilizou a sua moeda. Os investimentos foram canalizados para a infraestrutura física, como as telecomunicações. A área financeira, por exemplo, por atender mercados em expansão, constitui-se em oportunidade de ocupação de novos nichos. Em muitos países isto já não é mais viável. Refiro-me especialmente à Europa, onde a estabilidade demográfica gerou um envelhecimento da população e uma diminuição do empreendedorismo. Estudos recentes, realizados tanto na Europa como nos Estados Unidos, vêem no Brasil um espaço para novas iniciativas e de inovação que merece a atenção dos estudiosos. As conquistas são parciais e a perseverança na melhoria da qualidade do ensino, na expansão do acesso e na universalização da educação, devem ser preservadas, porque são esforços que exigem continuidade. JR – O Sr. fala de lideranças, lideranças têm a ver com formação, e formação tem a ver com educação. Como é que o Sr. vê o desempenho do sistema educacional brasileiro nessa formação de lideranças, que o Sr. 82 "Estudos recentes, realizados tanto na Europa como nos Estados Unidos, vêem no Brasil um espaço para novas iniciativas e de inovação que merece atenção dos estudiosos." mesmo aponta como um dos caminhos para o nosso desenvolvimento e até sobrevivência? JM – Com certa preocupação. Vejo que parte do sistema educacional brasileiro encontrou esse caminho para ensinar a conhecer, a pensar, a fazer. Houve uma evolução. Mas carecemos de um maior convívio com o outro. A formação de lideranças resulta em traços de habilidades, de competências que são forjados no convívio com o outro, na interação com pessoas diversas, pessoas diferentes de nós. Vejo com preocupação, no processo educacional, a valorização do acesso à informação através de meios eletrônicos. No passado a "turma" ingressava em uma escola ou faculdade, vivenciava o processo educacional ao longo de 4 anos, e fazia da formatura uma aprendizagem coletiva. Esse conceito de "turma" cria oportunidades para forjar lideranças, criar redes duradouras, que passam a alimentar projetos ousados e ambiciosos. Hoje, a fragmentação das estruturas educacionais oferece a possibilidade de fazer uma disciplina aqui ou acolá e acessar as informações pela via da Internet. Isso é meritório, mas quando se prescinde do convívio com o outro, perde-se a oportunidade de criar, no processo educacional, o espaço para forjar lideranças, que anima a assumir novas responsabilidades. A idéia de que a escola forma unicamente para o mercado, tira dela a responsabilidade de tratar dimensões importantes para um projeto de vida. Refiro-me, por exemplo, à cidadania. A profissão que leva ao sustento é uma pré-condição sine qua non para uma pessoa se inserir na sociedade. Mas, a dimensão familiar e uma visão mais ampla do seu papel nessa sociedade são também necessárias. O processo educacional deve criar oportunidades de convívio com pessoas diferentes. Estou-me referindo não só ao convívio dentro da sala-de-aula, mas com camadas sociais distintas. Conhecer as diferenças culturais e étnicas ajuda, ao longo da vida, a viver em sociedade. Torna o projeto de vida mais rico do que somente um projeto profissional. E isso cabe ao processo educacional – inserir no jovem essa sensibilidade pelas dimensões múltiplas, sem minimizar a importância dos objetivos profissionais, mas não fazendo deles o único projeto na sua trajetória de vida. JR – O Sr. parece estar descrevendo o sistema ideal. Confesso que não reconheço o nosso sistema de ensino nesse que o Sr. descreve. JM – Acho que todos os sistemas educacionais sempre foram imperfeitos para os momentos que uma sociedade enfrenta. Nas análises do Século XIX encontraremos críticas semelhantes às de hoje. Obviamente, não a respeito da tecnologia da informação, pois esse é um fenômeno novo. Há cinco séculos, quando do surgimento da palavra impressa, acenava-se com o desaparecimento da escola e do professor, porque seriam substituídos pelo livro. Hoje, novamente, o espaço digital se ofe- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 rece como o substituto do professor e da sala-de-aula. No corpo docente de toda a escola, de toda a faculdade, encontramos professores, educadores preocupados em antecipar o seu tempo. Em minoria, em algumas delas, e em maior número, em outras. É o desenvolvimento do senso crítico que buscamos nesta Universidade, pela via das tutorias, pela orientação pré-vestibular, pela orientação dos professores –– dissemina-se a idéia de que a universidade não é um lugar onde o jovem somente viabiliza o seu projeto profissional. Numa universidade pública, como a USP, surge, às vezes, um outro extremo, que é só pensar no projeto de cidadania, colocando um segundo plano o projeto profissional. Encontramos jovens que optam por outra via como, por exemplo, uma carreira política, por entender que a sua vocação é servir à sociedade pela via dos partidos. Nas esferas municipal, estadual e federal encontramos inúmeros egressos desta Universidade ocupando posições de destaque. JR – O Sr. falou de uma coisa que considero estimulante: o convívio com a diversidade. Mas continuo tendo dificuldade para ver esse modelo funcionando na prática. Até agora, o nosso sistema de ensino – especialmente o básico – não conduz a essa diversidade. Na realidade, existem certas concentrações que chamaria – em termos de marketing – de socioeconômicas, em relação aos alunos. O Sr. concorda? JM – Em parte. Tenho que me basear na universidade que conheço melhor, que é a USP, mas isto se aplica a outras instituições. A universidade, entendida como instituição, caracterizase como um encontro de tempos, de gerações e culturas. Mesmo em es- da área de Comunicação – lidando com a televisão, cujo tempo é medido em segundos, induzindo ao imediatismo. JR – O Sr. está falando dos professores? colas isoladas, esses encontros ocorrem mas, talvez, sem a mesma intensidade de uma universidade tão diversificada quanto esta. Temos aqui, de um lado, os departamentos de Física ou de Astrofísica, que pensam o mundo dentro da sua visão universal, ou seja, de 12 a 14 bilhões de anos. Os astrofísicos procuram a origem e o destino do universo. Eles procuram compreender, não só o sistema solar, mas outros sistemas solares que podem existir. No outro extremo, vamos encontrar colegas "Vejo com preocupação, no processo educacional, a valorização do acesso à informação através de meios eletrônicos." JM – Estou falando de áreas do conhecimento humano. Isso inclui alunos e professores de Meteorologia ou de Antropologia. Os alunos de Antropologia trabalham numa escala de milhões de anos. Os alunos de Letras, de Grego, de Latim, pensam em milênios. Alunos de Contabilidade priorizam o ano fiscal que é de doze meses. O futuro médico trabalha numa escala que corresponde à vida do ser humano. Pode pensar numa geração antes e numa geração depois, mas o tempo do médico é o tempo de uma vida. Aí temos diversidade de tempos. A diversidade de gerações decorre da universidade que cuida da creche até a universidade aberta à terceira idade. Os alunos de terceira idade têm aulas junto com os alunos de graduação. Salas de graduação têm uma presença que pode variar de 5 a 10 alunos de terceira idade. O encontro de gerações valoriza a diversidade. Temos cerca de 2.100 inscritos no projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, numa instituição que conta com 25.000 alunos de graduação. Isto representa quase 10%. JR – Qual é a faixa etária desse grupo? JM – Começa aos 60 e vai até 85 anos aproximadamente. Eles convivem com os jovens. Outra convivência ocorre na pós-graduação, onde 2/3 dos alunos são originários do Estado de São Paulo e 1/3 de outros estados brasileiros e de outros países. Em termos de classe socioeconômica, 22% vêm de escolas públicas e 78% de escolas privadas. Nas 83 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 humanidades a diversidade socioeconômica é maior do que nos cursos de Medicina, por exemplo. Essa diversidade no seio da universidade ou em instituição de ensino superior é possível e necessária. Não precisamos de uma política de cotas. A presença negra é mais visível na pós-graduação, por causa dos critérios de acesso. Quem acaba fazendo uma pós-graduação, preparou-se numa boa graduação. Não se deve distorcer o processo de ingresso através de uma intervenção governamental. A diversidade é enriquecedora na universidade e nas empresas. Muitas empresas que, para conquistar nichos étnicossociais de mercado, contratam pessoas vindas desses nichos. Essa integração acabará ocorrendo pela via do convívio na diversidade, o que é melhor. JR – O Sr. falou de público e privado, e esse é um dos temas que gostaria de tratar. Acredito que 22 e 78% reflitam o quadro da universidade pública brasileira de um modo geral. Qualitativamente – público e privado – quais são as diferenças? JM – Os egressos de escolas públicas que ingressam na universidade, precisam, além do ensino gratuito que a mesma oferece, de um apoio que transcende o custo do ensino. Eles devem ser beneficiados com um maior número de bolsas-trabalho, bolsas-alimentação, bolsasmoradia e bolsas-saúde. Um dos problemas das desigualdades socioeconômicas brasileiras é que não basta o jovem ingressar. Ele precisa também se formar. Os estudos do NUPES –– Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior, mostram que esses jovens, provenientes de classes sociais de menor renda, precisam de mais apoio para se formar e desempenhar um papel 84 "Acho que todos os sistemas educacionais sempre foram imperfeitos para os momentos que uma sociedade enfrenta." integrador na sociedade. Outras iniciativas como os cursos pré-vestibulares de reforço, como o Cursinho da Poli ou o do Núcleo de Consciência Negra, procuram tornar mais acessível o vestibular, preservando os padrões de mérito. Uma limitação que existe antes do vestibular é a formação recebida, prejudicada por professores mal remunerados e sem o suficiente preparo. As escolas do interior do Estado conseguem oferecer melhores condições de vida aos seus professores. Há um maior número de alunos que ingressam na USP vindos de escolas públicas do interior do que da Capital. Isto mostra que as condições de vida do professor são determinantes na qualidade do ensino oferecido ao aluno. JR – Sabemos que os números, hoje, são aproximadamente 2/3 dos alunos no ensino superior na escola particular e 1/3 nas escolas públicas – como é que o Sr. vê a qualidade do ensino nesses dois setores? JM – Tanto no setor público quanto no setor privado, encontramos desempenhos excelentes e desempenhos inaceitáveis. Isto pouco tem a ver com a origem da iniciativa – se é pública ou privada. O que então caracteriza a qualidade do ensino superior? Não só um corpo docente competente, mas a inquietude provocada pela busca do conhecimento novo, a pesquisa, a descoberta das novas práticas. Isto torna o ensino mais do que transferência de informação, mas o despertar da inquietude no jovem para "aprender a aprender". E a melhor forma dele desenvolver a habilidade da aprendizagem é ter um professor que seja um estudioso. O professor que preparou o seu curso há dez anos e tende a repetir-se a cada ano, contribui para criar uma disciplina de memorização e talvez de raciocínio no estudante. Está longe do papel de um ensino superior, que é o de despertar o senso crítico. Somente o professor que está pesquisando pode inseminar, no jovem, a vontade de aprender pelo resto da vida. E para isso, a pesquisa é necessária. Pelo fato das universidades públicas estarem mais comprometidas com uma visão de longo prazo, sendo mantidas pelo Estado, suas capacidades de se projetar no futuro são maiores. Infelizmente, elas não têm crescido quantitativamente para responder às demandas da sociedade. O estudo "Presença da Universidade Pública", lançado no ano passado, inclui comparações entre o ensino superior público e o privado. Temos, do lado privado, instituições comprometidas com projetos educacionais. Algumas são tradicionais, outras recém-criadas. Entre estas, algumas almejam unicamente a rentabilidade por isto, investindo em educação que pode assegurar um alto retorno. Quanto à alegada ineficiência da universidade pública, cabe depurar dos seus orçamentos as distorções provocadas por gastos com aposentadorias, precatórios e hospitais universitários, para uma correta comparação de custos entre os dois modelos de ensino no Brasil. A simples soma do orçamen- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 to e a divisão pelo número de alunos não é conclusiva e dificulta uma comparação instrutiva e necessária. JR – A outra observação diz respeito a professores. Existe hoje uma tendência a dar ênfase à titulação. Por outro lado, existe uma falta de sintonia entre a obtenção dessa titulação e a realidade da sociedade, que o Sr. disse ser tão importante. Essa ênfase exagerada na titulação não prejudica exatamente essa busca da diversidade que o ensino deveria dar, em especial na área dos cursos superiores? JM – Escolas constituídas por um corpo docente que provém da vida prática, precisam de docentes com mestrado para assegurar a sistematização do conhecimento. O doutorado, onde o professor é avaliado por uma banca, induz a pesquisa para viabilizar o avanço do conhecimento. O mestrado sistematiza o conhecimento existente; o doutorado sistematiza a busca do conhecimento novo. Cabe valorizar os autodidatas, pessoas criativas que, por vezes, nem terminaram seus primeiros ciclos de formação. Pela sua competência profissional, trazem algo de estimulante e insubstituível para o jovem. No entanto, é difícil imaginar que todo um corpo docente pode ser constituído por autodidatas ou profissionais de sucesso. Na USP, não temos só doutores e mestres. Nos cursos profissionalizantes, abrem-se exceções, como na Escola de Comunicações e Artes ou na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, para receber professores que vêm da vida prática trazendo sua valiosa contribuição. JJR – Mas – nas medidas objetivas que o MEC utiliza – o Sr. terá menos pontos por causa disso. Nossa Escola, por exemplo, é muito liga- da ao mercado de trabalho, e essa excessiva exigência de titulação, na minha opinião, acaba baixando a qualidade do ensino. JM – Mesmo nessas áreas, em disciplinas básicas como Antropologia, Sociologia, Economia ou História, professores com uma formação acadêmica avançada, com pós-graduação concluída, podem contribuir para elevar o nível de ensino. JR – Nessas avaliações, tanto dos "Provões" como da Revista Playboy a USP acaba sempre faturando os primeiros lugares. O que é que vocês vêm fazendo de certo? "A simples soma do orçamento e a divisão pelo número de alunos não é conclusiva e dificulta uma comparação instrutiva e necessária." JM – Primeiro, associando sempre o ensino à pesquisa. Em segundo lugar, assegurando ao professor uma opção para a carreira acadêmica, como um projeto de vida. Isso não quer dizer que ele não pode, ou não deve, viver a prática e ter a possibilidade de lidar com o mundo real. Ele decide abraçar a carreira acadêmica como um projeto de vida. O estudante então percebe rapidamente quando o professor não é somente um horista, mas faz parte de uma instituição com um passado, um presente e um futuro. O mérito de uma boa instituição deve ser repartido entre os seus professores, à sua infra-estrutura, ao seu corpo funcional, e também à qualidade do seu corpo discente, que é escolhido pelo mérito. São escolhidos pela FUVEST bons alunos. Eles se sentem imbuídos de uma identidade que os apoia ao longo de toda a sua vida. O processo seletivo é importante para assegurar uma adesão do aluno à instituição que ele integra. Além disso cabe registrar as atividades de pós-graduação e de extensão que beneficiam a qualidade do ensino de graduação recebido pelos alunos. JR – Não é muito caro para a sociedade que, para ter um cidadão contribuindo economicamente, ele, que estudava 12 anos, passou a ter 85 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 que estudar 16 e agora, com o pósgraduação, terá de fazer 20 e poucos anos de estudo. Isso não representa um problema? JM – Para responder à sua pergunta, ela deve ser inserida no momento de transição que estamos vivendo. Se olharmos a evolução da sociedade humana, ele só viveu momento semelhante duas vezes antes. O primeiro momento foi quando ela mudou da fala para o escrito. E o segundo, quando ela imigrou do escrito para o impresso. A cada uma dessas migrações – uma ocorreu há 10 mil anos e a outra há 500 anos – viveu-se uma revolução no conhecimento humano. Refiro-me às revoluções científicas e tecnológicas. JR – Parece que as primeiras preocupações escritas foram preocupações contábeis. JM – O Sr. tem razão. São preocupações contábeis, é a questão dos registros, para viabilizar as trocas decorrentes dos primeiros excessos acumulados pela agricultura perene. Mas, depois, surgem ícones que simbolizam ações. Na área de gestão surge a prospectiva e a estratégia. Ela aparece nos hieroglifos com a forma de uma girafa com o seu olhar em todas as direções e desejo de enxergar mais longe, o seu pescoço esticado mas com os pés no chão. Toda vez que passamos para uma nova era, há um sentimento de descoberta que toma conta da sociedade. São 10 a 12 anos de formação na área da Medicina – que é um ciclo longo de formação – a partir do momento em que o jovem inicia a graduação até ele começar a trabalhar. Por quê? Porque a revolução do conhecimento é tão rápida que ele precisa se imbuir da tradição do passado e também no que há de mais avan- 86 "Temos aqui, de um lado, os departamentos de Física ou de Astrofísica, que pensam o mundo dentro da sua visão universal, ou seja, de 12 a 14 bilhões de anos." çado. Em outras áreas novas, como a Computação, os alunos no 4º ano de graduação já estão sendo atraídos pelo mercado de trabalho. Isso é típico dos momentos de transição. Agora, quando a esperança de vida aumenta, todos precisam da aprendizagem contínua. Para atravessar a transição, o ser humano procura conectar-se com o mundo através da aprendizagem. Caso contrário, pode se isolar pela via do fundamentalismo religioso ou filosófico. Escolhe um só livro e faz dele a principal fonte de inspiração para viver. Cabe ao ser humano inspiração filosófica ou religiosa, mas mantendo-se conectado com o mundo em evolução. Cabe evi- "A diversidade de gerações decorre da universidade que cuida da creche até a universidade aberta à terceira idade." tar a armadilha dos extremos. De um lado, uns querem ler tudo. Eles lêem 5 jornais, 4 revistas, tentam acompanhar tudo que é publicado. Isto provoca uma alta ansiedade decorrente de uma sobrecarga de informações, sem a possibilidade de devolver à sociedade algo para deixar o mundo melhor. Do outro lado, o fundamentalista inspira-se em uma única idéia e quer que o mundo seja explicado por um livro. Os extremistas tolhem a liberdade do outro de pensar de forma diferente. As pessoas mais sábias acabarão encontrando o meio termo. Dada a velocidade das mudanças, precisam de uma inspiração mais elevada, baseada em valores. Precisam de uma doutrina que vem da sabedoria acumulada por várias gerações. É preciso manter-se conectado e isso significa entrar e sair do sistema educacional várias vezes durante a vida, como os participantes do projeto "Universidade Aberta à Terceira Idade". JR – O que causa uma certa neurose é que o mercado de trabalho valoriza o "jovem". Há uma exigência de juventude na maioria das atividades – talvez, não na medicina que o Sr. citou – mas para a maioria das atividades econômicas, hoje, o perfil etário é muito jovem. Isso torna a aposentadoria aos 50 ou 60 anos um absurdo social, mas continua sendo praticada. JM – Aqui na USP, a aposentadoria é compulsória aos 70 anos. Pedimos aos aposentados que continuem trabalhando na Universidade em seus projetos. Muitos deles, como os professores Miguel Reale e Crodowaldo Pavan, com mais de 80 anos, trabalham com lucidez e trazem para a juventude, que vive a ansiedade da velocidade das inovações, a sabedoria do mais expe- Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 riente. Penso que as próprias empresas estão começando a reconhecer que uma idade média muito baixa pode aumentar a capacidade inovadora, mas reduz a lealdade e, por decorrência, a estabilidade da empresa. O jovem traz com ele a contribuição da resposta às mudanças, mas não a experiência. O encontro dos mais velhos com os mais jovens, cria, dentro da empresa, uma saudável complementaridade. As empresas, mais cedo ou mais tarde, começarão a perceber isto, como já aconteceu em relação aos produtos étnicos, quando tiveram de contratar negros para trabalhar em empresas de higiene e alimentação, e assim conhecer os hábitos daquele segmento étnico-social. De nada adianta querer pessoas vindas de outras camadas sociais para servir a outras que não conhecem. A pesquisa de mercado tem as suas limitações. Está acontecendo o mesmo com o nicho de mercado de terceira idade, que se torna expressivo. É preciso saber o que esse consumidor quer, como quer, quais são os seus hábitos e quais são as suas necessidades. JR – A visão de marketing trata isso como "oportunidade de mercado". Aliás, entrevistei o presidente da Philips, e ele disse: "Ah! Estamos tentando criar aparelhos cada vez mais amigáveis". Professor, temos uma tradição, nessa entrevista – que é lida por alunos e professores – de pedir a pessoas sábias que já adquiriram bastante conhecimento – e, além disso, militam nesse setor – se têm algum conselho ou sugestão? O que o Sr. diria aos alunos da ESPM? JM – Em primeiro lugar, que a ansiedade do jovem em relação ao futuro é saudável e previsível. Todas as gerações viveram essa mesma ansiedade, antes de se realizar, de se afirmar e de se inserir na sociedade. Isso é típico de uma geração que tem muita capacidade inovadora e criativa, mas que ainda não acumulou experiência. O que eu recomendaria é que, na escola, o jovem possa usufruir da diversidade dos conhecimentos oferecidos – na ESPM, onde são oferecidas disciplinas de ciências sociais, disciplinas básicas que, muitas vezes, o jovem menospreza porque entende que as aplicadas são aquelas que vão inseri-lo mais rapidamente no mercado de trabalho. O que insere um jovem no mercado de trabalho é a clareza de um projeto de vida e a qualidade da sua reflexão. E isso provém da boa leitura e do acesso à informação de qualidade. Eu vejo os jovens, muitas vezes, menosprezarem a leitura e a boa leitura. Mas ela desenvolve uma capacidade estruturante de reflexão. E, com isso, disciplina o raciocínio, a clareza do projeto de vida, a capacidade de transformar sonhos em projetos, projetos em resultados. Todo jovem que possuir um diploma de ensino superior, foi escolhido para cumprir uma 87 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 missão nessa sociedade. E não se deve preparar sozinho, mas no grupo, para escolher, de forma empreendedora, prioridades que possam ser viabilizadas ao longo dos próximos 10 a 30 anos. Esses jovens são os nossos mensageiros até 2070. Não temos forma, hoje, de prever o que será o Brasil no mundo depois de 2015, 2020, no máximo. De 2020 até 2070, quando esses jovens terão entre 40 e 80 anos de idade, precisarão ter uma bagagem de valores, da sua estrutura de pessoa, para poder lidar com um mundo que, hoje, mal podemos antever. Daí a importância de oferecer uma referência de valores, uma estrutura de reflexão e uma capacidade de treinar a transformação de sonhos em projetos e resultados, em todas as áreas do conhecimento. No caso da ESPM, estamos falando da área de publicidade, de marketing que são áreas que induzem à esperança, que se alimentam dos sonhos para despertar e atender necessidades. Portanto, são profissionais que têm a responsabilidade enorme de fazer com que essa nossa sociedade se inspire nas necessidades e viabilizá-las em resultados. Apesar de todos os imponderáveis, no Brasil as oportunidades surgem, olhando para o futuro. Se olharmos o Brasil da década de 50 e o Brasil de 2000, e projetarmos isso para o Brasil de 2050, não há motivo para não sentirmos, nessas alturas, ameaçados pelo futuro. O nosso currículo dos últimos 50 anos mostra que houve, sim, problemas não resolvidos – e são muitos – mas também foram muitos avanços, que podem nos inspirar, a ser absolutamente ousados em relação ao futuro. "A presença negra é mais visível na pós-graduação, por causa dos critérios de acesso." 88 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 A USP hoje A Universidade de São Paulo é a maior instituição de ensino superior e de pesquisa do País e está classificada entre as primeiras cem organizações similares dentre as cerca de seis mil existentes no mundo. Ela foi criada em 1934 num contexto marcado por importantes transformações sociais, políticas e culturais, no governo de Armando de Salles Oliveira. Teve como mentor intelectual Júlio Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo. As unidades de ensino da USP estão distribuídas ao longo de seis campi: um em São Paulo, capital, e quatro no interior do estado, em Bauru, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto e São Carlos. A infra-estrutura administrativa da universidade e 23 das 35 unidades de ensino estão situadas na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira. A USP oferece cursos de bacharelado e de licenciatura em todas as áreas do conhecimento. Na pós-graduação, dez dos vinte e três programas nacionais receberam nota máxima atribuída pela Coordenação de Cooperação de Pessoal de Nível Superior (Capes), do MEC. Em 1999, eram oferecidos cerca de 617 cursos, sendo 130 de graduação, freqüentados por cerca de 40.000 estudantes, e 487 de pós-graduação, dos quais 257 de mestrado e 230 de doutorado. A USP forma, anualmente, na graduação cerca de 4.600 estudantes. Em recursos humanos, ocupa 4.705 professores e 14.659 funcionários. Atividades de extensão como o Projeto Avizinhar, as Cooperativas Populares e o Projeto Universidade Aberta à Terceira Idade cumprem um importante papel na transformação do meio social das comunidades próximas ao campus universitário. Os museus e a Estação Ciência recebem juntos quase um milhão de visitantes. Os hospitais universitários da capital e do interior servem a uma comunidade de mais de um milhão de pessoas. Além destes serviços, o campus de São Paulo ainda possui um Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp), parques para cooper e serviços de análises clínicas e genética e atendimento psicológico e odontológico. Possui também um Hospital Universitário, um Hospital Veterinário e parcerias com o Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina, e com o Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo. Ela também integra, na Coordenadoria de Comunicação Social (CCS), todas as mídias – a Rádio USP, a TV USP, a Agência USP, a Revista USP, o Jornal da USP, o Portal Web da USP e a Revista Espaço Aberto. (Saiba mais sobre a USP em www.usp.br) 89 Um case em foco Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Desde a sua privatização, a atual Telefônica (antiga Telesp) realizou em poucos anos o que parecia impossível: universalizar o uso do telefone nas áreas de sua concessão. Mas tudo isso foi apenas um preâmbulo para a nova fase que se inicia em 2002, com a abertura do mercado da telefonia à competição. Este case historia o que já foi feito, descreve os novos desafios e coloca em discussão os caminhos que o novo presidente da empresa deverá tomar, para enfrentar os concorrentes. Este case foi preparado sob a supervisão do professor Alexandre Gracioso Este case faz parte da coleção da Central de Cases ESPM/EXAME, criada para estimular a utilização de cases nas escolas brasileiras. 91 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 I. Introdução Da sua sala no 9.º andar do prédio ocupado pela Telefônica* na avenida Brigadeiro Faria Lima, na cidade de São Paulo, o Sr. Manoel Amorim pode ter uma boa idéia do tamanho dos seus próximos desafios. O mercado brasileiro de telecomunicações está se tornando mais competitivo e a Telefônica, que até agora atuava praticamente sozinha no estado de São Paulo, terá que tornar os seus clientes cada vez mais fiéis. Amorim não tem dúvidas de que a fidelização passaria por oferecer cada vez mais qualidade aos clientes. O grande problema é que ele sabe que os concorrentes também sabem disso e que também são capazes de oferecer serviços de qualidade. Além disso, embora a privatização das empresas de telefonia no Brasil só tenha ocorrido há poucos anos, os consumidores se sofisticaram rapidamente e passaram a exigir das empresas cada vez mais, melhor e mais barato. A percepção do público em relação ao serviço prestado também é fundamental. Amorim reconhece que não basta possuir dados internos de que os serviços estão sendo prestados adequadamente e com qualidade, o consumidor deve reconhecer isso também e nesse ponto reside uma fraqueza da empresa. Embora os fatos comprovem que os serviços prestados têm melhorado ao longo do tempo, esse fato ainda não foi aceito pela população na mesma proporção. Enquanto essa percepção não mudar, os esforços da empresa terão resultados aquém do esperado em termos de fidelização da base de clientes. Outro fator importante é que a concorrência no mercado de telecomunicações será liberada a partir de 2002, tornando relativamente curto o tempo disponível para implementar as mudanças necessárias para tornar a Telefônica mais capaz de enfrentar o novo panorama competitivo. Considerando o avançado da hora, quase meia-noite, Amorim decide ir jan- 92 tar em um restaurante próximo ao seu escritório. Uma coisa, porém, não abandona o seu pensamento durante a refeição: Como aumentar a fidelidade de sua base de clientes? II. Sistema telefônico durante a gestão estatal Até julho de 1998, a prestação de serviços de telecomunicações advinha do monopólio estatal. O Sistema Telebrás era uma holding controlada pelo Governo Federal, que comandava as 27 operadoras estaduais de telefonia fixa, 26 operadoras estaduais de telefonia celular e uma operadora de longa distância. A Telebrás foi a maior empresa de telefonia da América Latina. Vultosos investimentos foram feitos no setor, mas sem o resultado esperado. Além disso, ao longo do tempo a Telebrás perdeu a sua capacidade de investimento e, ao final de sua vida, a estatal sequer tinha verba para arcar com os custos de instalação de linhas fixas demandadas, o que deu origem ao mercado clandestino e em esperas de até cinco anos por uma linha. Inicialmente, porém, a Telebrás atendia às expectativas. Criada em 72 com o intuito de planejar e coordenar as telecomunicações no Brasil, a Telebrás adquiriu e absorveu as empresas de serviços telefônicos, organizou o sistema de telefonia nacional e deu um perfil profissional às telecomunicações. Esse cenário, inicialmente próspero, teve seu fim devido a uma série de motivos que causou o colapso do sistema. Dentre as principais razões podemos citar as seguintes: • A falta de cobrança de resultados às empresas estatais (cada uma fixava suas metas de acordo com as conveniências empresariais e limites orçamentários); • A acomodação, resultado do monopólio exercido; • A fixação de tarifas sob determinação do governo, cujo foco estava na contenção da inflação. Além do desconhecimento da demanda, a concentração das linhas telefônicas estava em cerca de 20% das famílias brasileiras com renda mensal superior a mil reais e havia muitos problemas causados por serviços degradados. Em linhas gerais, quando enfim decidiuse pela desestatização, o antigo Sistema Telebrás já não cumpria suas funções básicas. Para se ter uma idéia do problema que havia na época, a fila de espera já estava na casa dos quatro milhões. III. A privatização Diagnosticada a ineficiência estatal, a prestação de serviços de telecomunicações, concessão do Governo Federal, foi dividida em 12 empresas, de acordo com a modalidade e região (três de telefonia fixa, uma operadora de longa distância e oito de telefonia celular), permitindo a exploração dos serviços à iniciativa privada através do leilão e que, só com o arremate da Telesp, reverteu para o caixa R$ 5,8 bilhões, com ágio de 64% sobre o preço mínimo estipulado. O processo de privatização iniciouse em julho de 1997. O ponto de partida foi a atualização da regulamentação do setor, obtida através da edição da “Lei Geral de Telecomunicações” LGT (Lei n.º 9.472, de 16/07/97). Essa lei reviu por completo a classificação dos serviços das teles; criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), órgão com competência reguladora sobre o sistema de telecomunicações brasileiro, e estabeleceu os princípios básicos para a desestatização. A segunda parte do processo ocorreu com a entrada de operações das empresas espelhos (atuação na mesma área das operadoras fixas) em janeiro de 2000. As espelhos foram introduzidas como forma de fomentar a competição e impedir a formação de monopólios nas áreas de concessão. No que diz respeito à telefonia fixa, o Brasil foi dividido em quatro áreas de atuação das antigas estatais e suas espe- * Seguindo as regras gramaticais da língua portuguesa, no Brasil o nome é grafado com acento circunflexo. Quando escrita sem acento, referese à marca. Aos demais países, com acento agudo. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Linhas de negócio da Telefónica lhos. A I abrange parte da região Sudeste, todo o Nordeste e parte da região Norte do país. A área II abrange todo o Sul, todo o Centro-Oeste e o restante da região Norte. A área III compreende o estado de São Paulo e a IV cobre as ligações de longa distância, nacionais e internacionais. BUSINESS Basic service Telemar Brasil Telecom Telefónica Embratel IV. O Grupo Telefónica Telefónica Wireline in Spain Wireline in Latin Media Broadband Internet Vésper GVT Vésper Intelig Com a mudança na administração do setor e o vigor das normas e controle da Anatel, hoje, pode-se obter muito mais qualidade e diversidade dos serviços prestados, preços mais competitivos e melhorias no atendimento aos usuários, decorrente da concorrência entre as empresas do setor. Telefónica Telefónica Mobility Região Concessionária Autorizada (Espelho) I II III IV TELEFÓNICA’S POSITION Content Telefónica Telefónica Wireline in Spain Wireline in Latin Terra Lycos Telefónica Data TPI Telefónica Terra Lycos TPI Media Terra Lycos Telefónica Media Telefónica Data Fonte: Site da Telefónica. Em um mercado no qual tamanho e economias de escala são muito importantes, a Telefônica atingiu uma posição de destaque: • 5.a operadora móvel • 2.ª operadora mundial de transmissão de dados; • 3.ª provedor mundial de Internet; • 3.ª operadora da Europa em telefonia fixa. A Telefónica S.A. é uma das maiores companhia de telecomunicações no mundo. Mesmo sendo a Espanha e América Latina os principais mercados, a expansão dos negócios deu-se também através de licenças de telefonia celular e serviços para empresas na Europa e no norte da África, especialmente no Marrocos, e com menor relevância na Ásia. Atualmente, a Telefónica está presente em vários setores da indústria de telecomunicações, conforme mostra a figura a seguir. Em seu conjunto, as unidades de negócio da empresa permitem que ela ofereça virtualmente qualquer tipo de serviço relacionado a telecomunicações, incluindo Internet. Fonte: Site da Telefónica Em termos geográficos, a Telefônica está presente em 24 países. O seu foco recente de expansão tem sido a América Latina, com um mercado potencial de mais de 500 milhões de usuários e com o qual a Telefónica possui fortes laços culturais. Atualmente, a Telefônica já conta com uma base de aproximadamente 65 milhões de clientes na região. Presença na América Latina MÉXICO Wireless Bajacel: 100% Movitel: 90% Norcel: 100% Cedetel: 100% Internet: Access: n.º 2 Portal: nº 1 VENEZUELA Wireline: CANTV 6,4% BRAZIL Wireline: TeleSP 86,6% Wireless: Teleleste Cel: 10,8% Telesudeste: 81,6 CRT 43,4% Internet: Access: n.º 2 Portal: n.º 2 PERU Wireline: T. de Peru: 93,2% Wireless: T. de Peru: 91% Internet: Access: n.º 1 Portal: n.º 2 CHILE Wireline and Wireless: CTC: 43,6% Internet: Access: n.º 1 Portal: n.º 2 SPAIN Wireline: TdE 100% Wireless: TME Internet: Access: n.º 1 Portal: n.º 1 ARGENTINA Wireline: TASA: 97,9% Wireless: TASA Moviles: 96% Internet: Portal: n.º 3 93 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Conforme dito anteriormente, tamanho e escala são importantes no mercado de telecomunicações, portanto a Telefônica é orientada para o crescimento constante. Em termos de grandes estratégias de negócios, esse crescimento está suportado por um tripé: Crescimento na base de clientes, crescimento nas taxas de utilização dos serviços atuais e crescimento no portfólio de serviços. A empresa é responsável por quase 60 mil postos de trabalhos (divididos na Telefônica e nas prestadoras de serviços), o que a coloca entre as maiores empregadoras do país. Atualmente, a Telefônica oferece a uma grande parcela da população brasileira serviços nas áreas de telefonia fixa e celular, transmissão de dados, soluções integradas de voz, dados e imagens, além de serviços de internet, entre Alavancas do crescimento contínuo outros. Os usuários Crescimento na base de telecomunicade clientes ções podem ser segmentados, em Crescimento no uso CRESCIMENTO uma primeira de serviços atuais análise, entre residenciais e Ampliação do corporativos. portfólio de servços Dentro dessas categorias, ainda poderíamos segFonte: Site da Telefónica. mentar os usuários residenciais por nível de consumo, como alto, médio e baixo e os usuários corporativos por tamanho da IV.1. Telefônica empresa. no Brasil Uma das estratégias da Telefônica para melhor servir os seus clientes é A Telefônica começou atuar no país ampliar a sua oferta de serviços. Atualem 1996, como participante do consórmente, são oferecidos ao segmento cio que adquiriu a Companhia residencial serviços como a linha inteliRiograndense de Telecomunicações, orgente (2 milhões de pontos), caixa posganizada a partir do modelo de tal (3,5 milhões), Multilink (tecnologia privatização das operadoras de telefoRDSI, que transforma a linha telefônica nia do país. Hoje, ela está presente em em duas) e o serviço Speedy, de acesso São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande rápido à Internet, baseado na tecnologia do Sul, Bahia, Espírito Santo e Sergipe, ADSL. Já para a demanda corporativa, através do controle das operadoras: Temontou-se um pacote, Telefônica Emlecomunicações de São Paulo S/A, presas, que, além de serviços de voz, Telesudeste Participações S/A, Celular inclui acessos RDSI, fornecimento de CRT S/A e Tele Leste Celular ParticiPABX, serviços de 0800 e 0800 naciopações S/A. A única operação de telenal (em parceria com as outras concesfonia fixa da empresa no Brasil é a do Estado de São Paulo. Em todos os outros Estados, a Telefônica oferece serviços de telefonia móvel. Grupo Telefónica Brasil TELESP ASSIST 94 TPI Telefónica Empresas TESB Telefónica B2B - Adquira - Mercador - Construção - Transporte TERRA sionárias locais), 0300-Tarifa Única, X.25, Frame Relay e interligação de CPDs com canais Escon (parceria com a IBM). Apesar do esforço realizado pela empresa, no entanto, os serviços oferecidos no Brasil ainda não contemplam todo o espectro de serviços oferecidos no exterior, especialmente nos EUA, onde a competição é ainda mais intensa e o mercado mais sofisticado. IV.1.1. Gestão Manoel García García Se por um lado a entrada da empresa espanhola foi bem-sucedida no leilão, por outro lado ao pisar na "terra da garoa", seu começo foi difícil: linhas cortadas ou trocadas, faturas erradas, serviços interrompidos e comunicação truncada. Grande parte dos problemas foi herdada da antiga Telesp, mas o consumidor não aceitava essa justificativa facilmente. Por outro lado, a nova controladora também não estava feliz com a situação que encontrou e a primeira tarefa foi colocar ordem na casa. Foi com essa missão do que assumiu o primeiro presidente da empresa no Brasil, o espanhol Manoel García García. Sempre que se fala em "pôr ordem na casa", questões como o quadro de funcionários e relacionamento com fornecedores vêm à tona. No primeiro caso, entre enxugamento de quadro e um programa de demissão voluntária, a Telefônica diminuiu o quadro da antiga Telesp em mais de 60%. Atualmente, após novas contratações, a empresa conta com 13 mil funcionários. ATENTO Telefónica Celular EMERGIA - Teleleste Celular - Telesudeste Celular - CRT Celular Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Um outro problema foi em relação aos serviços terceirizados das empreiteiras. Antigamente, esse serviço podia ser oferecido por mais de 300 empreiteiras existentes; hoje, existem 35. Reduzir o número e impor mais controle foi a forma que García García encontrou para aumentar os controles sobre a qualidade dos serviços prestados por terceiros e ainda poupar quase um bilhão ao ano. Outra opção feita na época foi a de priorizar a universalização do serviço. Isso significa que a principal meta da Telefônica ao assumir o controle da Telesp era tornar o telefone mais acessível à população. Esse objetivo foi atingido e beneficiou principalmente as classes mais humildes, pois junto com a universalização veio a diminuição nos preços das linhas. Essa opção foi feita muitas vezes às custas da qualidade do serviço prestado ao usuário. Hoje, se por um lado é verdade que uma linha fixa de telefone está muito mais acessível do que no passado, também é verdade que os usuários ainda não estão totalmente satisfeitos com o serviço prestado pela empresa. Após dois anos de privatização, a empresa pôde colher os frutos da primeira gestão: • O ritmo mensal de instalação linhas novas passou de 30.000 para mais de 250.000; • A fila de espera por uma linha foi reduzida de 6 milhões de clientes para 2 milhões; • O preço de cada linha baixou para cerca de 70 reais; • A oferta de serviços como caixa postal e acesso rápido à Internet aumentou; • A transformação da cultura interna da Telesp de empresa estatal para privada foi iniciada. IV.1.2. Gestão Manoel Amorim A partir de 2002, quando a Anatel irá abrir as portas para a concorrência, o cenário passará da "água para o vi- nho". Mais concorrência significa que os consumidores têm mais opções de escolha e, em sendo assim, fidelidade passa a ser crucial. Para as operadoras telefônicas, está bastante claro que fidelidade é alcançada através de dois fatores: Serviços diferenciados de boa qualidade e preço. Cada vez mais, o lucro da telefonia vem - e virá – da gama de serviços oferecidos às diversas necessidades dos usuários. Instalar linhas telefônicas em casas e empresas é apenas cereja do bolo desse negócio. Assim, mesmos com todos os resultados positivos, faltava algo à Telefônica: a mudança de perfil. Essa tarefa coube ao brasileiro Manoel Amorim, sucessor de García García, o qual foi incumbido de consolidar a imagem da Telefônica como uma vendedora de serviços e não apenas de linhas telefônicas, através da mudança de cultura interna a qual encontrou ao assumir a Telefônica. Para tanto, algumas metas precisam ser cumpridas: • Instalação de dois milhões de novas linhas em um ano; • Ampliação da oferta de serviços personalizados, para aumentar o retorno da empresa; • "Convivência" com as concorrentes que entrarão no mercado; • Preparação da empresa para operar nacionalmente, e não somente em âmbito regional; • Redução dos custos de operação e dos serviços oferecidos. De acordo com Amorim, a dimensão de qualidade aos clientes reflete-se em oferecer novos serviços, digitalização das linhas em 100% e regressivas taxas de falhas no serviço. IV.1.3. Resultados já alcançados Desde a privatização, muita coisa mudou no cenário paulista. Só na planta instalada total, ultrapassou 12 milhões de linhas até o ano passado, o que equivale a dizer um aumento de quase 100% na telefonia fixa. Hoje, a teledensidade (linhas/100 habitantes) do Estado de São Paulo – quase 30 – é superior à média brasilei- 95 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ra – 20 – e a de países como Argentina (20,5) e Chile (20,8). Quanto ao crescimento do Índice de Digitalização da planta, até dezembro de 2000, o índice ultrapassara a meta de 85% de digitalização para 2001 em 10%. Como se pode verificar na tabela abaixo, o percentual de lares com linha telefônica cresceu significativamente, porém ainda existe espaço para mais crescimento. Como seria de se supor, o crescimento numérico da base virá das classes sociais mais baixas, pois as classes superiores já tinham telefones mesmo nos tempos da administração estatal. semestre de 2000 proveio novamente dos serviços de voz – telefonia fixa comutada e celular móvel. Esses dois segmentos responderam por mais de 70% do faturamento total do setor. Os serviços de voz atraíram muito interesse do mercado por várias razões. Primeiro, porque é a forma natural de as pessoas se comunicarem. Além disso, os serviços telefônicos tradicionais também são muito confiáveis e fáceis de ser usados por qualquer pessoa, independente de idade, nível de escolaridade ou sócioeconômico. O mesmo ainda não pode ser dito a respeito de muitos dos outros serviços. No próximo ano, iremos ver um Lares com telefone no Estado de São Paulo (em %) aumento significaClasse A Classe B Classe C Classe D tivo na competição dez/97 94 8 75 35 entre as empresas de telefonia, pois a dez/00 98 42 94 69 legislação do setor de telecomunicações permite que se posFonte: Marplan Brasil Pesquisas. sa atuar além do limite de sua área de No que diz às reclamações ao concessão a partir de 31 de dezembro Procon/SP, elas caíram 93,15%, enquande 2001. Existe uma condição para isso, to a base de clientes cresceu 28,4%. no entanto: A empresa interessada deve Esse resultado sem dúvida impressioantecipar o cumprimento das metas prena, mas a pergunta então é por que a vistas para 31 de dezembro de 2003. Ou população não reconhece essa melhoria seja, a Anatel está forçando as operadona mesma proporção. Resolver essa ras a correr contra o tempo. Como conquestão não é simples e pode envolver seqüência, todas elas já colocaram o pé até mesmo a forma como a empresa se no acelerador para ampliar a cobertura relaciona com os meios de informação. da área de concessão e a oferta de serviços. Reclamações de clientes ao PROCON 1999 2000 Queixas 10.045 688 Clientes 3,4 milhões 5,0 milhões Existe uma outra razão para levar os serviços ao máximo possível de clientes antes da abertura do mercado prevista para o ano que vem: As operadoras, compreensivelmente, querem cobrir qualquer vazio existente nas áreas que ocupam antes que os concorrentes cheguem. Embora a experiência dos EUA mostre que não é impossível para uma operadora qualquer conquistar o cliente de outra, sem dúvida essa conquista seria mais facilitada se esse cliente nem tiver sido atendido ainda. Uma outra perspectiva importante para o mercado brasileiro diz respeito à evolução do número de acessos (cada linha é um acesso) fixos e móveis, ou seja o número de telefones fixos e móveis, em atividade no Brasil. Embora o número de linhas móveis ainda seja inferior ao de linhas fixas, o número de aparelhos móveis vem crescendo rapidamente no país e deverá alcançar a marca dos aparelhos fixos em breve. Esse crescimento se deve tanto à conveniência e acessibilidade de um aparelho móvel (do lado do usuário) como pela menor necessidade de investimento em uma rede móvel, em comparação a uma rede fixa (pelo lado da operadora). O crescimento mais acentuado dos usuários de telefones móveis e a necessidade de crescimento constante de uma operadora telefônica explicam por que essas empresas se esforçam para estar presentes nos dois mercados. A fim de que o número de telefones Evolução do número de acessos móveis Fonte: Telefônica – dados auditados. V. Perspectiva de mercado V.1. Mercado no Brasil A maior fonte de receitas das operadoras de telecomunicações no primeiro 96 1 - The Economist Pocket Word in Figures 2000 Edition. Fonte: Anatel – Paste 2000 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 móveis continue a crescer rapidamente nos próximos anos, é necessário que o preço da ligação realizada a partir de um celular caia. Dados de outros países nos permitem concluir que isso irá acontecer no Brasil, assim como já aconteceu no exterior. O que se verifica, analisando dados de uma amostra de países, é que conforme o percentual da população que possui telefones celulares aumenta, o prêmio do preço do impulso do telefone celular com relação ao do telefone fixo diminui. Em outras palavras, o preço da ligação a partir de um telefone celular se aproxima do preço de uma ligação a partir de um telefone comum. De acordo com o censo da FCC – Federal Communications Commission, em 1999, a cobertura de telefonia fixa atingira quase 95% das residências. Somando-se a esse dado o fato de que, nos últimos oito anos, houve uma queda de cerca de 8% nos preços, e o aumento da demanda por minutos já não compensava, muitos novos serviços foram criados. Hoje, encontram-se cerca de 200 serviços aos clientes, os quais podem aderir a diferentes tipos de planos tarifários, conforme o seu perfil (one rate plan). Ou também optar, de acordo com seus hábitos de uso (descontos em tarifas noturnas, finais de semana, ou para determinado país) e até mesmo, serviços Evolução do número de acessos móveis e fixos no Brasil (Milhões) Fonte: Anatel – Paste 2000. V.2. Outros países V.2.1. Estados Unidos Em poucas palavras, os EUA caracterizam-se pela sua liderança mundial em Internet, seu atraso na telefonia móvel em relação à Europa e Japão e o aumento de fusões e aquisições de empresas. Esta última reflete a necessidade, não só norte-americana, de maior dimensão para competir no mercado mundial e no local. como friends and family (amigos e família), em que o usuário pagará menos nos dez números mais acessados, por ele determinado. V.2.2. Espanha A Espanha, terra natal da Telefônica, não poderia deixar de estar bem em um estágio avançado de desenvolvimento na área de telefonia fixa. Além de oferecer todos os serviços que já são oferecidos no Brasil, a empresa disponibiliza serviços muito interessantes como serviços de controle de consumo e cartões para telefones. A categoria de controle de consumo abrange uma grande variedade de serviços que vai desde ofertas simples como uma fatura personalizada até serviços sofisticados que avisam o usuário quando um determinado nível de consumo foi atingido ou até mesmo garante um determinado consumo máximo. Neste último caso, a operadora atua como uma empresa de seguros, garantindo um gasto máximo com contas telefônicas. Cartões para chamadas telefônicas são oferecidos em diversas configurações. Um dos cartões mais interessantes é um que permite ao usuário realizar chamadas e navegar pela Internet, enviando a conta pelo consumo direto para a conta da linha telefônica atrelada ao cartão (que foi devidamente cadastrada pelo usuário quando o mesmo comprou o cartão). Para empresas são oferecidos serviços inovadores como voz sobre IP (VoIP, Voice Over IP), que consiste em utilizar a Internet para realizar uma ligação telefônica. Para o usuário, o custo da ligação cai bastante, pois ele não paga como uma ligação normal, mas como utilização da Internet. Na verdade, no caso de empresas com canais dedicados, o serviço de voz sobre IP não tem um custo adicional significativo (mais informações sobre os serviços disponibilizados pela Telefónica na Espanha podem ser obtidas no endereço http:// www.telefonica.es/telefonia/ ). V.3. Tendências Há pouco mais de um mês, a operadora japonesa NTT DoCoMo tornou-se a primeira a empresa do mundo a disponibilizar a novidade: a tecnologia de telefonia móvel de terceira geração, ou 3G. Mesmo ainda em fase de teste, visto que sua estréia comercial estava prevista para 1.º de outubro em virtude de algumas falhas técnicas, o lançamento 97 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 formato, é preciso frisar que redes 3G exigem elevado investimento em infraestrutura cujo custo, segundo a consultoria americana Shosteck Group, pode chegar a US$ 200 por usuário. Isso sem falar dos gastos com comunicação, da qual toda "novidade" faz uso em seus primeiros passos. No Brasil, de acordo com o presidente da Anatel, Renato Guerreiro, as licitações para os serviços de 3G, o qual "colocará à disposição de todos as vantagens já usufruídas com as redes fixas, televisão e acesso à Internet", poderão ser realizadas em 2002. do primeiro serviço de telefonia móvel de terceira geração causa furor nas teles mundiais: operadoras ao redor do mundo já investiram mais de US$ 87,5 bilhões investidos só em licenças de operação1 e já estão fazendo tudo a seu alcance para fazer dos celulares 3G um sucesso rápido de vendas. Embora as operadoras, de forma geral, estejam pagando preços elevados pelas licenças, os valores variam bastante de um país para o outro. Os leilões ocorridos na Inglaterra e Alemanha, no primeiro semestre de 2000, o custo per capita das licenças oscilou entre US$ 550 e US$ 600; enquanto em março de 2001, atingiu-se US$ 30 per capita no leilão australiano. Mas, o que explicaria investimentos desse porte? O 3G oferece um salto muito grande na taxa de transmissão de informações, permitindo que o usuário de telefones celulares tenha acesso a serviços atualmente vistos como dependentes de conexões fixas, como multimídia (combinação de texto, voz, imagem e vídeo). No entanto, não será fácil, nem barato, tirar proveito dessas oportunidades. Além de os novos serviços exigirem um universalização ainda não foi completamente cumprido. Terá realmente chegado o momento para se abandonar esse objetivo em função de outro? Como comparar estrategicamente dois objetivos que podem ser contraditórios entre si? A oferta de novos serviços também oferece desafios. Quais segmentos devem ser priorizados, a lucrativa mas pouco numerosa classe alta, ou as mais numerosas mas menos afluentes classes média e baixa? Que tipo de serviços poderiam ser lançados para cada segmento? Como se poderia estimar a receita que cada serviço irá auferir? E quanto ao segmento corporativo, que produtos podem ser introduzidos nesse segmento? Como a empresa deveria organizar a sua força de vendas para atender às empresas? Deve-se fazer alguma distinção entre pequenas, médias e grandes empresas na forma de atendimento? Todas essas são questões que devem ser tratadas detalhadamente, de preferência antes de se tomar decisões que não ofereçam possibilidade de retorno. Mas a Telefônica não tem muito tempo para decidir. VI. Conclusão Para Amorim, a trajetória futura da empresa é clara: A Telefônica deve obrigatoriamente oferecer mais qualidade aos seus clientes, mas não só isso, os clientes devem perceber qualidade nos serviços prestados. Isso irá requerer grandes mudanças na empresa, desde a cultura organizacional até o portfólio de produtos, passando pela forma como a empresa se organiza e trabalha. Por outro lado, o desafio da VII. Anexos VII.1. Cronograma Anatel A legislação prevê que a partir de 31/12/2001 o mercado de STFC estará aberto para a competição. Modalidades Local Intra-Regional Até 31 de dezembro de 2001 Concessionária Local Autorizada Local Concessionária Local Autorizada Local Concessionária LD Autorizada LD Concessionária LD Autorizada LD 1.º de janeiro de 2002 1.º de janeiro de 2003 De 1.º de janeiro de 2004 em diante Abertura para Entrada de empresas que novos anteciparem competidores as metas de 2003 Abertura de mercado para empresas autorizadas que não anteciparam suas metas Abertura de mercado para empresas concessionárias que não anteciparam suas metas 1 A licença de operação permite que uma operadora telefônica opere em um determinado espectro de freqüência. Por exemplo, recentemente foram leiloadas licenças para operar o sistema PCS no Brasil, na freqüência de 1800MHz. Essas freqüências são um recurso finito e escasso e as operadoras que não conquistam uma licença de operação se vêem impossibilitadas de oferecer serviços. No montante pago pela licença, não estão considerados os investimentos em infraestrutura da rede, que devem ser adicionados a este preço para se ter um quadro mais real do investimento total realizado pela operadora. 98 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 VII.2. Principais indicadores Plano geral de Metas de Universalização – PGMU Implantar acessos individuais (linhas telefônicas) em localidades com mais de Ativação de telefones de uso público (TUP) Quantidade Até 713.200 31/12/1999 835.000 31/12/2000 981.300 31/12/2001 Habitantes Acessos individuais (linhas telefônicas) a serem ofertados Quantidade Até 25,1 milhões 29,0 milhões 33,0 milhões 31/12/1999 Até 1.000 31/12/2001 600 31/12/2003 300 31/12/2005 Prazos máximos para atender solicitações de acessos individuais nas localidades com o STFC 31/12/2000 Prazo A partir de 31/12/2001 4 semanas 3 semanas 2 semanas 1 semana 31/12/2001 31/12/2002 31/12/2003 31/12/2004 Densidade mínima de TUPS por mil habitantes = 3 Metas de Universalização Deslocamento máximo na área das localidades para se alcançar um TUP Distância Atender solicitação de telefone de uso público (TUP) para deficientes físicos, auditivos e da fala Atender solicitação de acessos individuais para deficientes auditivos e da fala A partir de 800 metros 31/12/1999 500 metros 31/12/2001 300 metros 31/12/2003 A partir de Prazo 12 semanas 6 semanas 3 semanas 2 semanas 1 semana Prazo 31/12/1999 31/12/2000 31/12/2001 31/12/2002 31/12/2003 8 semanas 4 semanas 2 semanas 1 semana Atender de telefone de uso público (TUP) as localidades com mais de Habitantes Até 1.000 31/12/1999 600 31/12/2000 300 31/12/2003 100 31/12/2005 A partir de 31/12/1999 31/12/2000 31/12/2001 31/12/2003 Plano Geral de Metas de Qualidade – PGMQ Solicitação de reparo por 100 acessos, não exceder a Chamadas locais e nacionais devem ser completadas em % partirdede A Apartir 60 31/12/1999 31/12/1999 65 31/12/2001 31/12/2001 70 31/12/2003 31/12/2003 Atendimento de reparos até 24h residência e até 8h comercial Solicitação A partir de % A partir de 31/12/1999 31/12/2001 31/12/2003 31/12/2005 95 96 97 98 31/12/2001 31/12/2002 31/12/2003 31/12/2004 3,0 2,5 2,0 1,5 Metas de Qualidade Mudança de endereço de usuário residencial em 3 dias e comercial em 24h A partir de % 31/12/1999 31/12/2001 31/12/2003 31/12/2005 95 96 97 98 Contas com erro (reclamadas) por 1.000 contas A partir de Máximo 31/12/1999 31/12/2000 31/12/2003 4 3 2 Congestionamento admitido nas chamadas locais e nacionais A partir de % 31/12/1999 31/12/2001 31/12/2003 6 5 4 99 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 VII.3. Demonstrativo antes/pós privatização A telecomunicação brasileira passou, após as privatizações de 1997-98, por profundas mudanças estruturais, causadas pelo ambiente concorrencial instituído e pela rapidez nos avanços tecnológicos do setor. A disponibilidade de terminais de telefonia fixa em todo o país aumentou de 19 milhões, em 1996, para 27,8 milhões no final de 1999 – 110,8% da meta. O mesmo ocorreu com a telefonia celular, que elevou sua participação de 3,2 para 15 milhões de acessos no mesmo período – 101,6% da meta – e com telefones públicos, que em 1997 totalizavam 740 mil – 102,8% da meta. O tráfego eletrônico local aumentou 900% e o interurbano 1.700% nos últimos 20 anos. As operadoras investiram US$ 7 bilhões até o início de 2000. O Ministério das Comunicações estima que a demanda potencial por novos terminais é da ordem de 25 milhões de usuários, sendo que 98% das propriedades rurais do país não possuam telefone fixo. 2000 – O Brasil é o quinto país com maior número de telefones fixos instalados no mundo, com cerca de 37 milhões de aparelhos, perdendo apenas dos Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Os dados da Anatel revelam que de 97 para 98 foram instalados 2,5 milhões de telefones em todo o país, o que repre- senta um crescimento de 14% em número de linhas. De 98 para 99, o mercado recebeu mais 4,9 milhões de terminais, um crescimento de 25% no total de aparelhos. Em outubro de 2000, o Brasil somava 35,4 milhões de telefones fixos, superando as expectativas da Anatel que esperava fechar o ano com 35,1 milhões de linhas. "O resultado é bastante significativo porque coloca o Brasil como primeiro do ranking na relação dos países que apresentam maiores taxas de crescimento em redes de telefonia fixa", afirma o conselheiro da Anatel, Antônio Carlos Valente. VII.4.Tabela de Evolução Anual do Serviço Telefônico Fixo Comutado 100 "A propaganda é e continuará a ser a força motriz em marketing, mas ela sozinha não é mais suficiente para assegurar o êxito em um mercado global, no qual há abundância de concorrentes e onde os consumidores estão cada vez mais conscientes". Essa é a premissa dos autores desse livro, Don Schultz e Beth Barnes, que acreditam que, no futuro, a forma vital de comunicação será mais ampla do que simplesmente propaganda ou marketing. "No Século XXI, o importante será a marca, afinal é com ela que os clientes atuais e prospectivos interagem", explicam. Don E. Schultz e Beth E. Barnesv CAMPANHAS ESTRATÉGICAS DE COMUNICAÇÃO DE MARCA Editora Qualitymark, Rio de Janeiro, 2001 416 p. – R$ 75,00 Gilberto Strunck COMO CRIAR IDENTIDADES VISUAIS PARA MARCAS DE SUCESSO Editora Rio Books, Rio de Janeiro, 2001 160 páginas David A. Aaker, V. Kumar, George S. Day OS DESAFIOS DO MARKETING Aprendendo com os mestres da Kellogg Graduate School of Management Organização de Dawn Iacobucci Prólogo de Sidney J. Levy e Prefácio de Philip Kotler Historicamente, os profissionais de comunicação detinham o controle do mercado – pois tinham acesso privilegiado à tecnologia de informação – e os consumidores apenas reagiam. Com maior acesso à informação, ao conhecimento e à tecnologia, o poder está se deslocando para o consumidor, pois, com um simples clique no mouse, ele pode ter acesso a produtos, comparar preços, identificar fornecedores, avaliar a capacidade de entrega, e, com base nisso tudo, fazer seu pedido e receber o produto em casa. A tendência, de acordo com Schultz e Barnes, é que no século XXI as organizações de marketing, os canais, a mídia e os consumidores dialoguem, partilhando informação e tecnologia. A propaganda tradicional, apostam, evoluirá para a comunicação de marketing integrada com a comunicação de marca. Eles explicam que a gestão de comunicação de marca é muito mais ampla do que a publicitária porque inclui todas as maneiras pelas quais os clientes atuais ou prospectivos entram em contato com a marca. Isso inclui, além do próprio produto, embalagem, canais, fixação de preços, distribuição, localização, etc. É, portanto, a soma de tudo sobre o consumidor e a marca, e sobre o relacionamento entre eles no mercado. Eis um livro importante e atual. Importante porque o assunto é da maior pertinência, numa época em que a comunicação de marketing se diversificou de tal maneira que marcas tendem a ser, agora, uma espécie de core-business dos comunicadores. Atual, porque Gilberto Strunck é diretor da Dia Design, uma das poucas empresas brasileiras especializadas na construção de marcas lança e o livro está recheado de exemplos brasileiros, criados e vividos no dia-a-dia da nossa realidade. Ele contém mais de 450 ilustrações que exemplificam a conceituação e a criação de identidades visuais, com foco nas marcas nacionais – além de exemplos internacionais. Segundo diz Strunck no prefácio do livro, "como é importante o trabalho que fazemos para criar a personalidade visual de uma marca”. E, vai além, no capítulo "Pensando...com o coração", onde reflete sobre a importância das emoções associadas às marcas: "da mesma forma que escolhemos nossas amizades, racional ou emocionalmente...vamos escolhendo as marcas que amamos." Isto sem dúvida vai se refletir nos impulsos de compra e na criação de uma relação de empatia entre o consumidor e as marcas. O livro trata do mundo das marcas e de como possuí-las legalmente, branding, posicionamento, mercado e elementos institucionais entre outros ítens relevantes para o entendimento completo das ações determinantes para a construção de marcas de sucesso. Ressalta a qualidade dos jovens designers de hoje e mostra através de uma abordagem conceitual e estratégica o valor das marcas numa economia cada vez mais competitiva. E Gilberto reflete, ainda, sobre as ações do mercado que, hoje, já incorporou preocupações ecológicas, de cidadania e de responsabilidade social que inexistiam há uma década. É leitura indispensável para profissionais e estudantes de marketing, design gráfico, comunicação e publicidade. Gilberto Strunck, formado pelo ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial – e Mestre pela Escola de Comunicação da UFRJ, é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ e tem sido freqüentemente convidado para palestras e conferências na ESPM/RJ. Os Desafios do Marketing pretende ser um livro de marketing que se diferencia dos outros, pois apresenta diferentes perspectivas para assuntos relativos ao marketing, através de uma série de compilações de textos de docentes do departamento de marketing da Kellogg Graduate School of Management, da Northwestern University, (classificada pela Business Week como “segunda melhor universidade do mundo” na área de marketing). Com organização de Dawn Iacobucci e prólogo de Sidney J. Levy, professores da instituição e prefácio e participação do "papa", Philip Kloter, há 39 anos na Kellogg, reune um "mix" de idéias atuais sobre marketing estratégico. É leitura estimulante para executivos e estudiosos, pois a variedade de capítulos sugere soluções criativas para muitas das principais questões do cotidiano. Dentre as reflexões apresentadas destacam-se as relacionadas às tendências do marketing para o futuro, a importância do pensamento estratégico centrado no cliente, o posicionamento e gerenciamento de marca, a releitura dos 4Ps do marketing e os serviços a clientes. O livro é dividido em duas seções. A primeira, Estratégia: pensando no cliente e no mercado é composta por cinco capítulos que abordam os elementos que devem ser observados quando se pensa no cliente de maneira estratégica. Na segunda, há informações úteis sobre as necessidades e os desejos dos clientes na tomada de decisões sobre gerenciamento de marketing. Philip Kotler assina, em parceria com o professor de comércio eletrônico e tecnologia Mohanbir Sawhney, o último capítulo do livro denominado O marketing na era da democracia da informação. Editora Futura, São Paulo 464 p. – R$ 45,00 101 leitura recomendada Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Barbara R. Lewis, Dale Littler DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MARKETING Editora Atlas, São Paulo, 2001 336 p. – R$ 55,00 Jacques Marcovitch UNIVERSIDADE VIVA – Diário de um Reitor Editora Mandarim, São Paulo, 2001. 672 p. – R$ 48,00 A publicação de "dicionários" na área de marketing não é um evento freqüente ,e este livro, em particular, é bem-vindo. Apesar de ter sido criado e produzido nos Estados Unidos, as definições e explicações são claras, atualizadas e informativas sobre os principais conceitos que são encontrados em uso no marketing contemporâneo – e a tradução é, em geral, correta. O dicionário não é volumoso, mas parece ser bastante completo e abrangente (é quase impossível testar esse tipo de livro de referência, a não ser ao longo do tempo), dando tanto ao especialista como ao novato apresentações sucintas dos assuntos de marketing mais tradicionais e alguns mais modernos. Os verbetes têm tamanho variado, indo de explicações amplas sobre os tópicos mais importantes a definições curtas de termos-chaves. A cobertura da área de marketing inclui meio ambiente, administração de marketing, comportamento do consumidor, segmentação, marketing organizacional, preço, comunicações, varejo e distribuição, gerência de produto, pesquisa e marketing internacional. Há referências cruzadas para facilitar a pesquisa, além de referências bibliográficas relevantes para estudos posteriores. Barbara Lewis pertence ao quadro da Manchester School of Management e é autora de publicações na área de marketing de serviços e comportamento do consumidor. Dale Littler é professor de Marketing na mesma escola e autor de publicações sobre vários aspectos de marketing estratégico e de desenvolvimento de novos produtos. Quando entrevistado pela Revista da ESPM, em agosto, o reitor da USP acabava de editar, pela Editora Mandarim, seu mais recente livro Universidade Viva: Diário de um Reitor. Não deixa de ser uma curiosidade o fato de que, na divulgação, Jacques Marcovitch é apresentado como "o primeiro Reitor a escrever um livro que narra suas experiências na gestão acadêmica". O fato de que este relato se refere à Universidade de São Paulo, a maior do país, acrescenta, certamente, interesse à narrativa. No cargo desde 1998, Jacques Marcovitch descreve, na forma de um diário, o cotidiano do seu trabalho por meio de reflexões – que qualifica de "não burocráticas" de temas que agitam a Universidade, suas Faculdades, Museus e Institutos Especializados. Propõe-se também a apresentar "questões de amplitudes nacional e internacional" e uma série de particularidades que envolve essa grande instituição. Nesse livro, portanto, pioneiro, o autor passeia pela trajetória histórica da USP, suas tendências atuais, os desafios enfrentados no começo do novo século e o imenso complexo de pesquisa que ela engloba, comportando cerca de 70 mil alunos, 5 mil professores e 14 mil funcionários. Segundo o empresário José Mindlin, "Universidade Viva é um repositório de informações, um relato informal que se torna referência importante para quem deseja conhecer uma instituição como a USP e a posição do professor Jacques Marcovitch ao defender a permanência e continuidade da universidade pública". Num momento em que o ensino superior do Brasil está sendo alvo de muitos questionamentos – e em especial o do setor público – o depoimento do CEO da maior (e melhor – de acordo com as avaliações tanto oficiais como não-oficiais) universidade brasileira traz uma importante contribuição a esse debate, expondo – com lucidez e sólida argumentação – o ponto de vista da Universidade pública. Esse pretende ser um livro sobre a empresa brasileira, "no que se refere a sua natureza, seus valores, seus relacionamentos". "Para pensar a empresa brasileira", esclarece a autora, "foi necessário percorrer um caminho mais longo, que passa pela reflexão sobre os dois principais modelos de gestão, o norte-americano e o japonês". A indagação central do livro pode ser então sintetizada na seguinte questão: Por que as empresas brasileiras são como são? Angela Rocha EMPRESAS E CLIENTES Um Ensaio sobre Valores e Relacionamentos no Brasil Editora Atlas, São Paulo, 2001 216 p. – R$ 30,00 102 Duas questões principais orientaram a elaboração deste volume. A primeira delas resulta da não-aceitação das explicações econômicas tradicionais para o atraso da empresa brasileira. Por que as empresas brasileiras são em geral pequenas, frágeis e atrasadas, comparativamente às grandes empresas dos países desenvolvidos? A segunda questão, aparentemente independente da anterior, tem relação com uma constatação empírica baseada na experiência do dia-a-dia: Por que os clientes são tão maltratados pelas empresas no Brasil? Na busca de respostas para essas questões, a autora utilizou-se de duas linhas de estudo de que se ocupou nos últimos anos; marketing e negócios internacionais. Como professora de Marketing, em 25 anos de carreira acadêmica no Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, e como consultora de empresas nessa área. É também co-organizadora de Marketing de serviços, publicado pela Atlas. Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 ANUÁRIO DO CLUBE DE CRIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO - 2001 Edição CCRJ, 2001 335 p. – R$165,00 (R$ 85,00 para estudantes de comunicação) Michael J. Silverstein e George Stalk Jr. (The Boston Consulting Group) Tradução: Juliana Saad ROMPENDO HÁBITOS DE CONSUMO Potencializando as oportunidades com criatividade, flexibilidade e coragem Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001 304 p. – R$ 44,00 Celso Campos A ORGANIZAÇÃO INCONFORMISTA Editora da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2001 132 p. – R$ 19,00 Que não nos interpretem mal os publicitários do Rio de Janeiro, mas o seu anuário de 2001 é uma das melhores peças criativas produzidas ultimamente pelo mercado carioca. A publicação reúne o que de melhor foi criado no ano anterior, e tem um significado especial para seus criativos, que na última década, viram o mercado diminuir e, por conta disso, sua entidade representativa desaparecer. Reativado em 1999 e cheio de projetos, o CCRJ mostra com o novo anuário que a publicidade no Rio está a pleno vapor e, principalmente, que no Rio se faz propaganda muito boa. O anuário divide-se nas categorias Televisão, Rádio, Mídia Impressa, Mídia Exterior e Web, e foi projetado – literalmente – para ser uma verdadeira "Bíblia" para profissionais e Estudantes. Com criatividade e bom humor, Alessandra Migani, diretora de arte da Ogilvy e Carlos Di Célio, da Propeg Rio, responsáveis pelo design da publicação, buscaram inspiração no livro básico da cristandade: a publicação ganhou Capa Preta e Coroa de Cristo. Para Alessandra, o anuário busca inspiração na Bíblia "também como uma visão bem humorada do egocentrismo divino do publicitário, além de ser uma homenagem ao maior best-seller de todos os tempos". André Eppinghaus, ex-presidente do CCRJ e atual diretor de criação da Thompson-Rio, foi o líder do movimento que resultou na revitalização do Clube, é o maior entusiasta do Anuário. "O lançamento deste Anuário encerra o que o próprio mercado convencionou chamar de retomada do CCRJ”. A escolha das peças publicitárias que compõem o Anuário foi realizada através de um Festival – "Melhor do Rio – em que foram inscritos 2 mil trabalhos, com 56 agências participantes. Em cada uma das quatro etapas, um júri formado por oito profissionais de criação selecionou os melhores trabalhos dos quatro meses anteriores. O que é preciso para ser mais ágil e dinâmico do que os concorrentes? Ou como estar à frente dos mercados em mutação? Neste volátil mercado globalizado, a inovação é decisiva, segundo os especialistas. Como demonstram algumas histórias de sucesso ao longo do tempo, a chave para o crescimento sustentável no mundo dos negócios é inovar e saber como transgredir as normas que alguns setores impõem a seus clientes. Membros do conceituado Boston Consulting Group mostram, neste livro, como empresas do porte da Chrysler, Coca-Cola, Amazon.com, entre outras, atingiram o crescimento sustentável rompendo hábitos estabelecidos e se distanciando da tradicional equação entre cliente/produto. Um dos principais tópicos abordados pelo livro é sobre como se deve posicionar estrategicamente a organização a fim de gerenciar continuamente novas oportunidades de crescimento, baseadas na inovação. A obra reúne em livro, pela primeira vez, artigos que foram publicados na Action in Consumer Markets, uma publicação mensal do setor de Consumo e Varejo do BCG. As mais recentes estratégias relacionadas a marcas, comércio eletrônico, mercados globais, retenção de clientes e outros itens são focalizadas no livro, calcado nas experiências de trabalho do BCG em muitas das maiores empresas do mundo. A vice-presidente sênior do Departamento de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da PepsiCo, Inc. Indra K. Nooyi, é citada na capa, afirmando: "As idéias contidas em Rompendo Hábitos de Consumo irão ajudá-lo não somente a sobreviver diante das turbulências de seu setor, mas também a estabilizá-lo, a fim de que você obtenha um melhor desempenho e retornos mais altos." Michael J. Silverstein é chefe do Departamento de Consumo e Varejo e George Stalk Jr. coordena a área de Inovação e Marketing do Boston Consulting Group. Qual é o modelo ideal de organização para enfrentar a globalização? Segundo o professor Celso Campos, da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da FGV (Rio) essa foi a pergunta mais freqüente feita por seus alunos nos últimos anos. A partir dessas indagações, Campos resolveu aprofundar seus estudos e pesquisas, que resultaram no livro A organização inconformista: como identificar e transformar mentes revolucionárias em um diferencial competitivo, lançamento da Coleção FGV Negócios. O livro procura mostrar como as organizações brasileiras que atuam ou pretendem atuar nesse universo globalizado, podem ampliar seus negócios a partir de um modelo de organização denominado de inconformista. A razão da utilização desse modelo, segundo o autor, é reduzir o efeito traumático geralmente movido pelas resistências psicológicas ao novo. Ou seja, a transformação de uma organização tradicional em uma organização revolucionária. Na visão de Campos, para que uma organização inconformista obtenha vantagens competitivas sustentáveis é necessário buscar meios de incentivar seus funcionários a gerar informações e conhecimentos com ações "revolucionárias" para enfrentar a competição acirrada. O autor alerta que a empresa que não apresentar novidades permanentes corre o risco de ser rapidamente esquecida ou de não ser percebida no mercado. Além do mais, surge agora como "uma grande tendência" a necessidade da valorização e de investimentos no capital intelectual,. "As organizações que não desenvolverem seus funcionários não se desenvolverão. Serão mentes revolucionárias, com idéias impactantes que farão a diferença", assegura o autor. 103 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 CANNES 2001 -– Um passeio pelo mais concorrido festival de publicidade do planeta PÁG. 9 DARLAN MORAES JR. Cannes é a Copa do Mundo da publicidade. O festival mais concorrido do planeta mostrou quais são as agências que estão batendo um bolão em nosso setor. O Brasil mais uma vez marcou um gol de placa e a agência F/Nazca Saatchi & Saatchi foi eleita a melhor do ano. Saiba mais sobre as categorias que estão ganhando representatividade, as tendências e posicionamentos mais utilizados pelos criativos que ganharam um leão, a evolução da Internet, o polêmico grand prix em mídia impressa e por que Cannes é uma das cidades mais badaladas do mundo. QUEM TEM MEDO DO CONSUMIDOR? PÁG. 14 VALÉRIA RAVIER Na pós-modernidade o consumo tem se tornado cada vez mais expressão da emergência de milhares de desejos diferentes. A reorganização das identificações em torno de questões que vão muito além dos nacionalismos faz com que a cidadania seja exercida mais pelo consumo privado de bens e dos meios de comunicação do que através de outras estratégias de participação, que eram características do capitalismo industrial, como sindicatos ou partidos políticos. É nesse contexto que deve ser pensado o relacionamento entre “produtores” e “consumidores”, se quisermos libertá-lo do desgaste e da hipocrisia característicos de relações baseadas em princípios que foram construídos no âmbito de uma outra realidade histórica. ISSO É PURO MARKETING PÁG. 20 FRANCISCO SERRALVO E WILSON WEBER Não raro o marketing é visto como uma forma de levar vantagem, e ao se dizer "isso é puro marketing" muitas vezes sobressai uma ponta de ironia. Entretanto, a análise dos fundamentos de marketing mostra que ele agrega uma série de atividades que visam a satisfazer expectativas de produtores e consumidores de bens e serviços num ambiente em evolução contínua, que exige adaptação e inovação constante. Com base nos trabalhos de Sheth, Gardner e Garrett, os autores discorrem sobre as várias escolas de pensamento que transformaram o marketing em uma disciplina eclética e inspiradora. Várias escolas de pensamento foram entre si influenciadas e influenciadoras, não hesitando em buscar em outras disciplinas conceitos que as tornassem mais abrangentes. Essa exposição e pré-disposição da disciplina ao novo permitiu que ela evoluísse da sua origem puramente econômica para o entendimento de que as pessoas são diferentes e por isso têm expectativas diferentes merecendo que as empresas busquem soluções não apenas rentáveis para elas, empresas, mas que também satisfaçam suas expectativas, de forma eficaz, eficiente e ética. A viagem pelos quase cem anos de vida de marketing e suas várias linhas de pensamento oferece aos leitores uma série de elementos para reflexão que demonstram a seriedade e responsabilidade necessárias para que possamos dizer que praticamos o puro marketing. 104 NOSSOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO SÃO MAIS ESPM QUE OS OUTROS PÁG. 35 MARCOS AMATICCI A ESPM surge em 1951, então sob o nome de Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, voltada para o curso técnico de propaganda, tendo elevado seus cursos ao status de nível superior em 1973. A evolução da Escola faz parte do processo de maturação do próprio Marketing no Brasil que, em termos da Escola, reflete-se na expansão de seus interesses da propaganda para o Marketing, e deste para os negócios. Daí o surgimento dos cursos de Administração da ESPM, na década de 1990. Estes nascem com as características que forjaram o crescimento da Escola: olhar voltado para o mercado, empreendedorismo, flexibilidade e informalidade ao lado de seriedade e compromisso. Uma pesquisa com professores da instituição mostra como os valores e a cultura dos fundadores estão fortemente arraigados nos cursos de Administração, ainda nos dias de hoje. EDUCAÇÃO EMPRESARIAL PÁG. 46 FRANCISCO GOMES DE MATOS O espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade total. Tornou-se imprescindível uma Pedagogia de Liderança que comece na concepção de Gerente-Educador. Numa época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo. O exercício das funções de liderança induz as gerências à preocupação estratégica na linha de uma pedagogia renovadora. É preciso educar o tempo todo para que, como Alice no País das Maravilhas, possamos, "pelo menos, permanecer no mesmo lugar". Numa organização integrada, todos são educadores e aprendizes. Todos ensinam e aprendem o tempo todo. A empresa torna-se, rigorosamente, uma comunidade vivencial de aprendizagem quando há estímulo à participação, através da atitude educativa das gerências e da abertura de canais informais de comunicação. LEITURA OU INTERPRETAÇÃO? PÁG. 47 ALUIZIO R. TRINTA Em nosso tempo, a leitura – entendida como “doação de sentido” por parte de um fruidor (um leitor, na plena acepção da palavra), por exemplo, a uma obra de arte – parece suplantar, tanto em relevo, quanto em importância, a antiga prática da interpretação. Formas estáveis (e historicamente atestadas) do comentário, uma e outra remetem a atividades, criteriosamente exercidas, de intelecção, aferição e estimativa. Não obstante resultarem ambas de um mesmo esforço, realizado em prol do entendimento a ser alcançado pela inteligência e da apreciação a ser formulada pela estima afetuosa, seus contrastes são marcantes, à vista das diferentes lições que proporcionam. Na leitura, prevalecem sensações, correspondências e afinidades eletivas; na interpretação, preponderam o senso crítico, a discriminação judiciosa, a explicação minudente. A moderna noção de hipertexto – texto que a tantos outros se articula, em infinitas conexões virtuais – vem, por via de conseqüência, acrescentar-se a esta problemática. Discutir-se-á então a propriedade de uma leitura, tida por exemplar; e da oportunidade de uma interpretação, doravante requerida, ante um sentido que se esvaece em volteamento infindo. 105 Sumário Executivo Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001 PONTO DE VISTA Fim de século, fim de ciclo Francisco Gracioso Presidente da ESPM N ós, os humanos, somos muito presos a formalidades. Todos se lembram da controvérsia em torno da data exata do início do Século XXI (ou do 3.º milênio). Mas o que está em jogo não é o calendário gregoriano, mas sim tudo o que caracterizou o Século XX – os valores, crenças e atitudes de uma sociedade que não existe mais. Sob esta óptica, o Século XXI já começou há muito tempo, talvez no dia em que caiu o muro de Berlim. Nesse dia, o nosso planeta começou a viver sob o signo da Pax Americana. Se a Pax Americana repetir a Pax Romana dos primeiros séculos de nossa era, ela será benéfica para o mundo. A maior circulação das idéias, pessoas e riquezas, que no início (sob o eufemismo da “globalização”) beneficia apenas os países ricos, acabará com o tempo beneficiando também as economias emergentes ou periféricas, como a nossa. 106 Mas, como em tudo na vida, haverá um preço a pagar. Teremos de reconhecer a futilidade de nos rebelarmos contra essa nova ordem mundial e nos integrar ao mundo global. Aqui na ESPM, temos plena consciência desses fatos e procuramos formar jovens que encarem sem medo esse mundo novo e assustador. Se a Pax Romana legou ao mundo a ética e as leis romanas, a nova Pax Americana trará com ela a moral protestante, o respeito ao mérito e a obsessão pelo lucro. Cada vez mais, obrigadas a competir num ambiente globalizado, as empresas procurarão jovens executivos capazes de se movimentar com desembaraço, nesse novo mundo de mudanças bruscas e ações rápidas, em condições de incerteza permanentes. Por outro lado, as empresas precisarão também de detentores de conhecimentos e capacitações que as escolas tradicionais ainda não dominam. Não por mera coincidência, foram esses os temas dominantes, na mesa-redonda sobre educação superior que acabamos de realizar e cuja transcrição aparece nesta revista. Em retrospecto, podemos afirmar que a ESPM foi uma instituição típica do Século XX e formou milhares de alunos aptos a competir no mundo dos últimos 50 anos. Esse mundo não existe mais; começou a tomar forma uma nova era que exigirá um novo tipo de escola. Será uma escola que preservará certos valores eternos, como a retidão e a decência, e acrescentará valores novos, tirados do novo contexto global. Será, enfim, a ESPM do Século XXI – multicultural, poliglota e ecumênica. Mas cujos professores e alunos nunca deixarão de torcer pelo Guga e rezar pela seleção. Porque, ao contrário do que pensam alguns, quanto mais internacionais nos tornamos, mais conscientes ficamos da nossa identidade cultural.