A ROTACIZAÇÃO NA FALA DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS EM
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A ROTACIZAÇÃO NA FALA DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS EM
A ROTACIZAÇÃO NA FALA DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS EM DOURADOSMS Rosangela Villa da Silva1 Suelen Santin Alonso2 Diana Pilatti Onofre3 Resumo O presente artigo foi elaborado com base em um ensaio de análise Sociolinguística quantitativa, a partir de um pequeno córpus formado com oito entrevistas realizadas com empregadas domésticas da cidade de Dourados/MS. A análise em questão objetivou averiguar a frequência de uso do Rotacismo no interior da sílaba, caracterizado pela alternância das consoantes laterais /l/ ~ /r/. Os dados levantados foram tratados e analisados por meio do programa GoldVarb 2001, versão para Windows do programa VarbRul para análise quantitativa e estudos da modalidade oral da língua. Ao final do nosso trabalho, constatamos que o rotacismo é recorrente na fala das empregadas domésticas e que mais da metade das falantes entrevistadas tendem ao uso da variedade não padrão da língua. Palavras-chave: Rotacização, Variação Linguística, Sociolinguística Abstract The present article was elaborated with base in an assay of Sociolinguistics analysis from on a little corpus formed with base in eight interviews realized with domestic servants of Dourados, MS city. The analysis in question objectified to investigate the frequency of using of the Rhotacism in the interior of the syllable, characterized through the rotation of the lateral consonants /l/ ~ /r/. The lifted data were treated and analyzed through the GoldVarb 2001 program, version to Windows of the VarbRul to quantitative analysis and studies of the oral modality of the language. In the end of our work, we verified that the Rhotacism is recurrent on the speech of the domestic servants and more of the half of the interviewed speakers tend the using of the not standard variety of the language. keywords: Rhotacism, Linguistic Variation, Sociolinguistics 1 Considerações Iniciais A língua falada varia em tempo e espaço acompanhando também mudanças sociais, este fenômeno não é aleatório, pois cada língua existe com a função de nomear objetos, 1 Pós-Doutora em Sociolinguística, Professora do Mestrado em Estudos de Linguagens, responsável pela disciplina Sociolinguística: quadro social e variação, e Coordenadora do Curso de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Pantanal. 2 Mestranda em Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 3 Mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e professora de Língua Portuguesa e Literatura para o Ensino Médio SED/MS. elementos e situações da sociedade que representa (MONTEIRO, 2000, p. 18 e 19). Esta realidade linguística é passível de grande variação no Brasil por diversos fatores – intralinguísticos: classe morfológica do vocábulo, extensão, tonicidade, posição da palavra dentro da sentença; e extralinguísticos: localização geográfica, imigrantes de outras nações, renda, faixa etária, gênero, etc. – assim, em todo o território brasileiro a Sociolinguística (bem como todas as áreas de conhecimento que envolvam estudos da língua e as suas relações com a sociedade) tem encontrado um terreno fértil para a pesquisa, buscando “mostrar a covariação entre fenômenos linguísticos e sociais, procurando estabelecer entre eles uma relação de causa e efeito” (MARTINS, 2005, p. 82). A função da língua é de estabelecer contatos sociais e o papel social, por ela desempenhado, de transmitir informações sobre o falante, constituem uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade. (MONTEIRO, 2002, p.16) Pensando nessa relação e heterogeneidade da língua, nos propusemos desenvolver um ensaio de análise Sociolinguística, a partir de uma pequena coleta de dados, com o objetivo de averiguar o fenômeno do rotacismo no interior da sílaba, que consiste, basicamente, na alternância dos sons consonantais /l/ ~ /r/ na fala das empregadas domésticas residentes no município de Dourados/MS. Esta ideia surgiu a partir da observação da fala espontânea de funcionárias que trabalharam em residências familiares ao nosso convívio. Serviu de base para esse trabalho a Teoria Variacionista de Willian Labov, que analisa grupo de indivíduos, levando em consideração os aspectos sociais que interferem no vernáculo. Entendemos como vernáculo “A fala corrente, do dia-a-dia, numa determinada comunidade. O termo [...] é mais geralmente usado em contraste com a língua padrão. [...] quando essa fala é percebida como diferente da forma padrão da língua.” (TRASK, 2004, p. 304 – grifo nosso). Uma vez que a língua não é um produto individual, mas sim coletivo, um produto da comunidade de fala. Para Labov (1972 e 1999a apud MONTEIRO, 2000, p. 49) o vernáculo é a produção oral em que se dedica o mínimo de atenção quanto ao controle do discurso, ou seja, é a fala não policiada, mais espontânea possível. Para compor o pequeno córpus que serviu de base de dados para a pesquisa em questão realizamos oito entrevistas com empregadas domésticas moradoras em dois bairros da região periférica de Dourados/MS, as entrevistas foram feitas por meio de um questionário elaborado especificamente para essa finalidade, além de contarmos com o auxílio de figuras. Partimos da hipótese inicial de que a troca das consoantes líquidas é comum em todo o território nacional quando nos referimos a fala espontânea, como afirma Gomes e Souza (2004): “Sincronicamente, pode-se afirmar que a variação ocorre em qualquer dialeto urbano do português brasileiro e é fortemente estigmatizada. Já o apagamento de /r/ parece não se tão estigmatizado quanto o rotacismo.” (GOMES e SOUZA, 2004, p. 76). Assim, partimos do pressuposto que este fenômeno também seria encontrado na fala das empregadas domésticas. 2. Pressupostos teóricos 2.1 A Sociolinguística De acordo com Mollica (2007, p. 9), a Sociolinguística é uma das subáreas da linguística que estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando à atenção para o tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais, também chamados de intra e extralinguísticos. Esta ciência se faz presente no espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos completos, em especial os de caráter heterogêneo. A sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e Universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais. Tais fatores são também referidos como variáveis independentes, no sentido de que os usos de estruturas linguísticas são motivados e as alternâncias configuram-se por isso sistemática e estaticamente previsível. (MOLLICA, 2007, p. 10) Em outras palavras, as variáveis independentes podem influenciar diretamente a ocorrência da variável dependente (o fenômeno estudado), porém, cabe ao analisador averiguar quais têm mais peso ou são mais relevantes para a ocorrência da variável. A Sociolinguística investiga o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, cabe a ela diagnosticar as variáveis que tem efeito positivo ou negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático. Assim, a Sociolinguística analisa a língua tanto sobre o enfoque sincrônico como diacrônico, a fim de relacionar a analisar as mudanças na língua. De acordo com Labov (1968)4, “a língua é um conjunto estruturado de normas sociais”, ela não pode estar sozinha, é preciso de uma sociedade que a entenda e a use, ou seja, os falantes, e todo falante possui um conhecimento de língua. Na realidade, não constitui nada de novo dizer que a língua e a sociedade são duas realidades que se inter-relacionam de tal modo, que é impossível conceber a existência de uma sem a outra. Com efeito, a finalidade básica de uma língua é a de servir como meio de comunicação e, por isso mesmo ela costuma ser interpretada como produto e expressão da cultura de que faz parte. (MONTEIRO, 2002, p. 13) Dessa forma, a Sociolinguista é capaz de demonstrar quais são as relações dentro de uma comunidade que veem a influenciar a comunidade de fala e como essa mudança aconteceu no decorrer do tempo. Se compararmos o latim com o português atual ou até mesmo o galego-português, perceberemos que a mudança não aconteceu instantaneamente, mas foi um processo longo e gradual, acompanhando as mudanças sociais das gerações que se passaram – classes sociais e suas relações de prestigio e poder, gênero, relações etárias e culturais, etc. O criador deste modelo teórico-detodológico é Willian Labov, com seus estudos iniciais sobre a centralização de ditongos em Martha’s Vineyard e sobre a pronúncia do /r/ em Nova York (LABOV, 1972, apud SILVA, 2007, p. 67). Preocupado em desenvolver um método que pudesse analisar as variações e comprovar que elas não acontecem ao acaso, mas que respeitam critérios sociais. As variáveis linguísticas, de acordo com Tarallo (1986, p.8), são “são as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade”. Assim, variação pode acontecer em todos os níveis da língua, seja fonológico, morfológico, sintático ou lexical. No campo fonológico podemos citar exemplos como a troca da lateral [l] pela vibrante [r] em bicicreta, borsa, craro ou ainda a supressão da vibrante em pØobrema. No campo morfológico uma variação recorrente em língua portuguesa é na concordância dos sintagmas nominais, as meninas bunitaØ ou as meninaØ bunitaØ (TARALLO, 1999, p. 9). No nível sintático, a pesquisadora Mollica (2004, p. 83) cita a variação quanto a função dos termos da oração, como a ocorrência do pronome-cópia, como na sentença “Aí esse rapaz aí que eu conheci ele, ele estava lá na festa também”, outro tipo de variação sintática também citada por Mollica (2004, idem) é o uso de nós ou a gente para a 4 LABOV, 1968, p. 241 apud MONEIRO, 2002, p. 13. primeira pessoa do plural. Já no campo lexical podemos citar: mandioca, aipim, macaxeira, e ainda, abóbora, girimum, palavras utilizadas em diferentes regiões do Brasil para fazerem referência ao mesmo tipo de alimento. No caso do rotacismo, a alternância /l/ ~ /r/ acontece no nível fonológico, no qual as consoantes chamadas líquidas, por sua proximidade articulatória, tendem a serem substituídas, como afirmam Gomes e Souza (2004, p. 75): “A lateral e a vibrante compartilham uma série de propriedades fonéticas.”, como veremos no item 2.2. 2.2 O Rotacismo Fenômeno antigo em língua portuguesa, a troca da lateral /l/ pela vibrante /r/ é um fenômeno linguístico bastante estudado no âmbito acadêmico. Datado bem antes de Cristo, pesquisadores encontraram textos em latim nos quais estão registradas ocorrências desta troca, como em flagellum nom fragellum, citado no artigo de Cox (publicado na quarta edição da revista virtual Linguasagem, 2008). O Rotacismo atravessou séculos, é possível encontramos registro deste fenômeno em galego-português, por volta de XII e XVI, como é o caso de pubrico, citado pela mesma autora. Até mesmo o próprio Camões, na obra clássica “Os Lusíadas”, registrou a variação em versos célebres, frauta, frecha, pranta, pruma. (Cox, 2008, p. 2). Gomes e Souza (2004), seguindo esta mesma linha diacrônica, afirmam que o rotacismo é um fenômeno muito antigo da língua e que “(...) em determinado momento, deixou de ser um processo de mudança e passa à condição de variação estável (...)” (GOMES & SOUZA, 2004, p. 78). Isso acontece por que os sons consonantais /l/ e /r/ possuem pontos de articulação muito próximos, como podemos comparar na figura que segue: Figura nº 1: Articulação fonemas /l/ e /r/ em Português do Brasil Na figura nº 1, podemos visualizar com clareza a proximidade articulatória dos fonemas consonantais /l/ e /r/ em português, nos quais somente o modo de articulação os difere, um é lateral e o outro vibrante. Ambas consoantes são referidas por Bagno (2007, p. 92) como “parentas muito próximas” o que corrobora para que uma seja substituída pela outra. Tanto em posição de coda silábica, como em borsa, armoço, tarco, ou no interior da sílaba, como é o caso dos encontros consonantais craro, frecha, craridade, prantinha. Hoje, o Rotacismo é marca linguística de determinadas regiões brasileiras e estigma das classes sociais marginalizadas, vítimas de preconceito social e linguístico. Para Bagno (2007), O rotacismo participou da formação da língua portuguesa padrão, como já vimos em branco, escravo, praga, fraco etc., mas ele continua vivo e atuante no português nãopadrão, como em broco, chicrete, pranta, Cráudia, porque essa variedade não-padrão deixa que as tendências normais e inerentes à língua se manifestem livremente. Assim, o problema não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito lingüístico é decorrência de um preconceito social. (BAGNO, 2007, p. 42 – grifo nosso) Assim, palavras como frorido, crareia, bicicreta, brusa, praca, prantou são exemplos (presentes em nosso córpus) de ocorrências do rotacismo no interior da sílaba na fala das empregadas domésticas douradense, grupo incluído entre os profissionais de baixa renda (cujo salário base é o salário mínimo estipulado pelo governo federal e/ou estadual5). 5 Segundo o MTE – Mistério do Trabalho e do Emprego. Para Silva, Cazarotto e Onofre (2009), No Português do Brasil, o rotacismo é marca linguística nos falantes da classe marginalizada da sociedade, por isso sofre grande preconceito linguístico mesmo sendo um fenômeno comum em todo o território nacional. Fato este que nos permite afirmar ser o rotacismo um fenômeno constituído não somente de fatos linguísticos, mas também de características sociais. (SILVA, CAZAROTTO e ONOFRE, 2009, p.5) Dentro desse contexto, cabe a Sociolinguística observar e analisar a língua sob uma perspectiva social, buscando minimizar o preconceito linguístico gerado pelos estigmas sociais. 3 Análise dos dados Após estudos teóricos sobre a linguagem falada e o Rotacismo, elaboramos um córpus com base em oito entrevistas com empregadas dométicas entre 20 e 45 anos de idade, com nível de escolaridade entre o ensino fundamental e o ensino médio. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, de acordo com as normas para transcrição de entrevistas seguindo a metodologia sociolinguística. Os dados levantados foram codificados e analisados com o auxílio do programa GoldVarb 20016, versão para ambiente Windows do pacote de programas VarbRul7, desenvolvido especialmente para apoio à análise quantitativa de dados linguísticos. Para compor o envelope de variação, os dados foram codificados observando-se elementos intra e extralinguísticos: Variáveis linguísticas: Grupo 1 – a- presença de /l/; b- presença de /r/ Grupo 2 – classe da palavra: c- substantivo; d- verbo; e- adjetivo Grupo 3 – número de sílabas: f- 1 sílaba; g- 2 sílabas; h- 3 sílabas; i- 4 sílabas. Variáveis sociais: Grupo 4 – idade: j- até 40 anos; l- acima de 40 anos. 6 GoldVarb 2001 é um aplicativo executável, para análise binomial, com base na versão anterior GoldVarb 2.0 de Rand & Sankoff (1990) para Macintosh. O GoldVarb 2001 foi desenvolvido na Universidade de York, como um projeto colaborativo entre o Departamento de Língua e Linguística e o Departamento de Ciências da Computação. Para mais informações sobre o projeto, sugerimos a leitura de ROBINSON, LAWRENCE & TAGLIAMONTE, 2001, disponível em ambiente virtual. 7 Do inglês Variable Rules analysis, “é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado para acomodar dados de variação Sociolinguística” (GUY e ZILLES, 2007, p. 105). Grupo 5 – grau de escolaridade: m- ensino fundamental (completo, incompleto); n- ensino médio (completo, incompleto). Após as rodadas de análise com o programa GoldVarb 2001, obtivemos os seguintes resultados: Gráfico nº 1: Recorrência /l/ ~ /r/ na fala das empregadas domésticas de Dourados/MS Com base no gráfico nº 1, depreendemos que a alternância /l/ ~ /r/ apresenta-se de forma equilibrada na amostra estudada. Nela 47% das informantes apresenta rotacização na fala, totalizando 31 ocorrências da pronúncia segundo a variedade não-padrão da língua, já 52% das informantes, com 34 ocorrências, utilizaram a variedade padrão da língua. Nossos resultados são consoantes com a pesquisa realizada por Silva, Cazarotto e Onofre (2006) no município de Angélica/MS, no qual 47% das palavras codificadas apresentaram rotacização, enquanto 52% mantiveram a variedade padrão da língua. É importante frisar que o ato de ser entrevista causa grande inibição na maioria dos informantes e, consequentemente, um policiamento maior durante a fala diante do gravador. Isso foi contatado ao analisarmos o córpus colhido, no qual identificamos, na fala da mesma informante, presença e ausência de rotacização em palavras diferente como podemos verificar nos três excertos que seguem: “... uma calça jeans e uma brusa” “... uma flor, uma flor bem bonita...” “Ah... eles tão passiando de bicicreta, né...”(Informante 3, S.A.S., 24 anos, ens. fundamental) 8 8 Os nomes das informantes foram codificados para manter sua integridade. Dos exemplos transcritos da fala da informante, verificamos que a rotacização ora é positiva, como em brusa e bicicreta, ora negativa, como na palavra flor, de acordo com o grau de policiamento da informante durante a entrevista. 3.1 Classe morfológica Nesse primeiro grupo de fatores analisamos em quais classes morfológicas é mais recorrente o fenômeno estudado. A tabela nº 1 demonstra estes resultados: /r/ /l/ oc % oc % peso Verbos 10 62 6 37 .63 Substantivos 16 48 17 51 .48 Adjetivos 5 31 11 68 .31 Tabela nº 1: Classe Morfológica e o Rotacismo Na tabela nº 1, constatamos que as falantes entrevistadas tendem a utilizar o rotacismo com mais frequência em verbos, com peso relativo .63, compondo 62% das ocorrências; seguidos dos substantivos, com peso .48, e, por último, os adjetivos, com poucas probabilidades de ocorrência de alternância /l/ ~ /r/, com peso .31. Nota-se que o substantivo e o verbo são as duas classes de palavras mais numerosas em língua portuguesa, assim, entendemos ser natural que ambas sejam mais recorrentes, em casos como “Ela prantou uma mudinha, né...” ou ainda “Crariou tudo!” (informante 6, L.G.S. 42 anos, ensino médio; e informante 8 M.S.G., 37 anos, ensino fundamental, respectivamente) nas quais o verbo apresentação a rotacização. E em substantivos como “... uma praca di carru” ou “... uma brusa preta” (informante 7, B.B., 38 anos, ensino fundamental). 3.2 Extensão dos vocábulos Nesta etapa da pesquisa, buscamos aferir se a extensão do vocábulo pode interferir na presença ou ausência do rotacismo. Com base nos resultados do GoldVarb, contatamos que /r/ /l/ oc % oc % peso Polissílabas 10 62 6 37 .63 Dissílabas 13 54 11 45 .54 Trissílabas 7 43 9 56 .44 Monossílabas 1 11 8 88 .11 Tabela nº 2: Extensão da palavra e a frequência do rotacismo Os resultados da tabela 2 mostram que os vocábulos mais extensos parecem favorecer o fenômeno do rotacismo, com peso .63, seguido dos vocábulos dissílabos, com peso .54 e dos trissílabos, com .44 de peso relativo. Já os vocábulos monossílabos parecem desfavorecer a regra de aplicação de rotacização na fala do grupo analisado, com peso relativo .11, conforme resultados acima. Nota-se que, mesmo que as polissílabas não sejam em grande número em nosso córpus, mais da metade apresentou rotacização, entre elas destacamos o substantivo “bicicreta”, que apareceu em todos os inquéritos, mas somente duas vezes foi pronunciada segundo a norma padrão. Dissílabas e trissílabas, como “frorido” e “prantou”, são mais recorrentes, porém as dissílabas apresentaram-se mais rotacilizadas (com uma diferença de .10 pontos). É se grande importância pontuar que o programa GoldVarb 2001 é uma ferramenta para estudos quantitativos com bases em dados linguísticos, seu princípio de análise é binomial, ou seja, é necessário que existam pelo menos uma ocorrência e uma ausência do fenômeno estudado, totalizando dois dados (por isso binominal), para que o programa seja executado. No caso das monossílabas nenhuma das palavras abstraídas do nosso córpus apresentou rotacização, assim tivemos que somar um dado fictício para que o programa terminasse as rodadas. Com base nisso, constamos que, no grupo de falantes analisado, a possibilidade da ocorrência do rotacismo em monossílabas é nula. Quanto aos fatores sociais, observamos a influência dos fatores faixa etária e grau de escolaridade no favorecimento à regra de aplicação de rotacização na fala de empregadas domésticas de Dourados. A variável gênero (sexo) foi descartada, pois nosso córpus é composto somente por falantes do sexo feminino, uma vez que é muito raro encontramos um homem atuando nesse setor profissional. 3.3 Faixa etária Dividimos nossas informantes em dois grupos etários, abaixo de 40 anos e acima de 40. Assim, obtivemos os seguintes resultados: /r/ /l/ oc % oc % peso Abaixo de 40 anos 19 57 14 42 .58 Acima de 40 anos 12 37 20 62 .38 Tabela nº 3: Faixa etária Analisando a tabela nº 3, depreendemos que o rotacismo é mais recorrente entre as informantes com idade inferior aos 40 anos, com 57% das ocorrências, e entre as informantes acima de 40 anos, com 37% das ocorrências. Os pesos atribuídos a estas faixas confirmam que há uma maior tendência em que este fenômeno se mantenha na faixa inferior aos 40 anos, com peso relativo .58. Embora ambas faixas etárias utilizem /r/ em lugar de /l/, percebemos que a rotacização é mais recorrente em falantes mais jovens. Assim, podemos presumir que a rotacização está se fixando cada vez mais neste grupo de falantes, uma vez que se os falantes mais velhos utilizassem mais esta variedade, ela tenderia a desaparecer junto com eles, seguindo a “lei da vida” (como sugere Costa, 2006, p. 104). 3.4 Escolaridade Procurando analisar se o grau de escolaridade influencia ou não na rotacização na fala das informantes, o grupo foi dividido entre informantes que completaram o Ensino Fundamental, e informantes que completaram o Ensino Médio. Os resultados foram organizados na tabela nº 4, onde constatamos que a baixa escolaridade favorece a realização de fenômenos lingüísticos estigmatizados, consoante com os estudos de Costa (2006): /r/ /l/ oc % oc % peso Ensino Fundamental 19 59 13 41 .59 Ensino Médio 12 36 21 63 .36 Tabela nº 4: Escolaridade A escola é um dos veículos mais fortes na sociedade enquanto difusora da variedade padrão da língua. Para Costa (2006), “A escola, como etapa posterior a família no processo de socialização do individuo, exerce influência sobre seu comportamento linguístico” (COSTA, 2006, p. 95). É na escola que o falante tem acesso a norma, como os conceitos de certo e errado de acordo com a norma. Segundo Votre (2004), “A escola controla, evita e pune, com veemência, o uso de formas com supressão e/ou troca de liquidas, como framengo e pobrema(...)” (VOTRE, 2004, p. 53). Assim quanto maior o contato com a escola, maior o contato com a língua padrão. Fato este que se reflete nos dados apresentados na tabela nº 4, na qual as falantes com escolaridade de nível fundamental tende a alternar com mais frequência as laterais /l/ ~ /r/, com peso relativo .59. Já as falantes que possuem nível médio, por terem um contato maior com a modalidade padrão da língua, tendem a desfavorecer a regra de aplicação do fenômeno de rotacização, com peso relativo .36. 4 Considerações Finais Após as análises dos dados levantados, contatamos que o rotacismo, assim como em outras pesquisas realizadas por estudiosos como Bagno (1999), Gomes e Souza (2004) ou Cox (2008), é um fenômeno recorrente nesta categoria profissional, pois esteve presente em quase 50% dos vocábulos codificados (47%) e que convive com a variedade padrão da língua, que compõe 52% dos dados. Contatamos também que a classe morfológica é o grupo de fatores que mais influencia o rotacismo no grupo em questão, apontado como mais relevante na rodada stepping up9 do GoldVarb 2001. Das classes morfológicas o verbo favorece mais a ocorrência do fenômeno 9 Stepping up é a etapa de análise do GoldVarb que permite a seleção dos grupos de fatores mais relevantes, ou seja, aqueles que mais contribuem para a ocorrência do fenômeno linguístico estudado. observado, com peso .63. Ainda, observando os fatores intralinguísticos, contatamos que as palavras mais longas tendem ao rotacismo, com maior peso que as demais (.63). Ao observar os fatores extralinguísticos, contatamos que as falantes mais jovens tendem à variedade não padrão da língua, pois esse grupo de fator apresentou peso relativo .58 na análise quantitativa, o que demonstra que a rotacização permanecerá . Quanto ao grupo de fator escolaridade, ficou claro que o papel da escola é fundamental enquanto entidade mantenedora da modalidade padrão da língua, pois as falantes com menos contato com a escola, as com nível fundamental completo ou não, apresentaram maior tendência a empregar a rotacização, apresentando peso relativo .59, em relação às informantes com nível médio. Atualmente, pesquisadores em Sociolinguística têm se ocupado em defender o valor social da língua, como um dos meios de expressão da cultura brasileira, tentando, assim, minimizar o preconceito linguístico. Enfatizamos aqui o papel do professor neste processo e a importância de ensinar a norma da Língua Portuguesa sem estigmatizar grupos sociais já postos à margem por sua classe ou origem, mas sim, mostrar aos alunos que a variação existe em grande quantidade no Brasil (um país pluricultural), e que todo o falante com competência linguística pode decidir em quais momentos utilizará a língua formal ou informal – assim, ensinar a variação na escola é uma forma de traduzir o respeito linguístico e social. 5 Referências BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz? 49ª edição. São Paulo: Loyola, 2007. COSTA, Luciane Trennephol da. Estudo do rotacismo: variação entre consoantes líquidas. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2006. Disponível em < http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8036/000565418.pdf?sequence=1 >, acesso em 09.05.2010. COX, Maria Inês Pagliarini. Línguas misturadas: para além de bem e mal. 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