O ENCONTRO DO MORTO COM OS SEUSANTEPASSADOS E

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O ENCONTRO DO MORTO COM OS SEUSANTEPASSADOS E
O encontro do morto com os seus Antepassados ...
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Pe. Ezequiel Pedro Gwembe, Sj
O ENCONTRO DO MORTO
COM OS SEUSANTEPASSADOS
E COM DEUS NA RTA
Pe. Ezequiel Pedro Gwembe, Sj
INTRODUÇÃO
O tema que me foi dado a desenvolver é um tema
sugestivo e difícil de se tratar adequadamente. Sugestivo porque
ele implica a crença na vida do além: o encontro entre duas
pessoas, o morto e os seus antepassados; mas também difícil
porque ninguém foi à morada dos mortos e voltou vivo para nos
dizer como é que as coisas estão por lá.
Temos pois de encontrar uma chave de leitura para tratar
desse assunto, ainda que de modo inadequado. E a grelha de
leitura que me ocorreu é fazer uma leitura à luz de um Processo
Ritual, que é essencialmente um Processo Iniciático.
Falar da Morte como um Processo Iniciático é reconhecer
no fenómeno-morte a existência de um Rito de Passagem; e a
própria palavra “Encontro” implica essa passagem de um estado
para o outro. No caso vertente, o morto deixa o mundo dos vivos
visíveis para ir ao mundo dos vivos invisíveis, os mortos seus
antepassados...
Na visão banta, ninguém se torna antepassado logo a
seguir à sua morte. Tem que seguir um longo processo para chegar
ao mundo dos seus antepassados.
Os Ritos de passagem, como nos ensinou Arnald Van
Gennep, conhecem essencialmente três momentos ou fases
progressivas: existe uma fase de separação na qual uma pessoa é
arrancada, muitas vezes violentamente, de uma dada situação
presente para o projectar, muitas vezes também de modo violento,
numa nova condição de existência. À essa nova fase chamou Van
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Gennep de reintegração: é um momento em que o indivíduo é
inserido num determinado grupo que pode ser o mesmo de onde
saiu, mas que agora é inserido sendo conhecedor das regras do
jogo desse grupo. Entre a separação e a reintegração existe um
outro momento a que Van Gennep chamou de Isolamento. Neste
momento de facto o indivíduo em causa é isolado da vida normal
que levava antes da separação. Victor Turner, dedicou uma
atenção especial a essa fase que ele chama de liminalidade; ele
observou que um indivíduo na fase liminal, i.e, na fase entre-doismundos é caracterizado por uma espécie de isenção da
observância das regras ético-sociais, vigentes do mundo do dia-adia, porque se torna ritualmente impuro, portanto, incapaz,
indigno de conviver no grupo, por ser essencialmente perigoso.
Pessoalmente gostaria de chamar à fase da liminalidade
uma fase de identificação pessoal: é o momento em que os
Mestres dos Ritos transfigurantes ajudam o indivíduo a forjar a
identidade dessa nova condição.
Quer os Ritos de iniciação à condição de adulto, de
homem conscientemente responsável na sociedade, à condição de
um “reprodutor” consciente da sociedade, à condição nova de um
morto-vivo, todos eles são ritos que forjam no indivíduo em
questão uma identidade nova.
I. O LONGO PROCESSO DE ANCESTRALIZAÇÃO
É nesta perspectiva de um Processo iniciático que queria
“ler” este encontro do morto negro-africano com os seus
antepassados. E como em qualquer processo iniciático, também
aqui não é fácil delimitar com precisão os diversos momentos do
processo.
Vou considerar os ritos que se realizam à volta do morto
até ao enterro como ritos de separação. Nestes Ritos a principal
preocupação dos vivos é que a separação se dê e se dê bem. E uma
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maneira de se fazer bem a separação é que os ritos sejam bem
executados; i.e, completos e feitos com dignidade.
Uma “morte boa” é que pode permitir de facto a
realização digna dos Ritos segundo manda a Tradição. A
transmissão de Testamento na agonia, o último suspiro, o fechar
dos olhos, a lavagem do corpo, a acomodação do cadáver no
caixão, o velório, o momento da reconciliação na família, o
encaminhar das possíveis dívidas do morto, as recomendações do
membro sénior para o morto levar aos antepassados da família, a
própria maneira de como o morto sai (=é tirado)da casa, a
procissão para o cemitério, o deitar terra na sepultura, o lavar as
mãos em casa depois de regressados do cemitério: são outros
tantos ritos que querem marcar com clareza a ruptura radical que
deve realizar a separação entre o morto e os familiares que ficam
para trás.
Estes e outros ritos de separação bem como alguns tabus a
serem rigorosamente observados, servem para garantir que os
laços existenciais por tanto tempo vividos, sejam realmente
rompidos a fim de que um outro tipo de relacionamento, não
menos existencial, se estabeleça. O morto deve realizar
efectivamente uma separação com os vivos em vista do encontro
que ele deve realizar com os seus antepassados.
Entramos assim na fase do luto, independentemente da sua
duração, fase essencialmente de liminalidade, na expressão de
Victor Turner, fase em que o morto deve assumir iniciaticamente
a sua nova identidade, a de morto, e esquecer a antiga, a de um
vivo.
Os Ritos realizados durante o tempo do luto, juntamente
com os Tabus que os acompanham, servem para, de um lado, o
morto ir assimilando a sua nova condição de existência, ao mesmo
tempo que os vivos vão assimilando a sua. Quanto mais estreitos
são os laços mais tempo precisam para se diluírem tais laços.
Suspeito que a psicologia mais elementar pode explicar este
fenómeno.
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O que mais caracteriza o período de luto como fase
liminal é o estado de impureza ritual que é altamente perigoso
para os outros e que por isso mesmo é rodeado de muitos e
pesados tabus. A pessoa em estado de impureza ritual é um perigo
não tanto para si mesma, quanto para os outros. Quem se metesse
por exemplo com uma viúva ainda em estado de impureza ritual,
seria ele e não a viúva que correria o risco de contrair uma doença
grave que até lhe pode levar à morte.
Sai-se de um estado de impureza ritual através de um Rito
de Purificação. Por rito é preciso entender qualquer gesto, acção,
palavra, pessoa ou coisa que deve ser tratada de uma determinada
maneira codificada, segundo estabeleceu a Tradição dos Antigos,
para surtir um determinado efeito.
Assim o acto sexual segundo nos descreveu o frei Amaral
nesta Semana Teológica, citando aliás vários outros autores, é um
acto purificador, portanto um acto ritual. E para ser ritual deve
preencher as condições de um Rito: um gesto que é feito de uma
determinada maneira, em um determinado tempo e espaço, por
uma determinada pessoa escolhida por uma determinada
comunidade, com uma finalidade bem concreta. Esse mesmo acto,
feito de qualquer maneira (=não ritualmente, portanto) não só
deixa a viúva ainda ritualmente impura como põe em perigo de
vida a outra pessoa. O acto sexual assim como fica descrito, é
portanto, um acto purificador e como tal é sem dúvida “um acto
sagrado. “Não chames impuro aquilo que purifica”, poderíamos
parafrasear. Foi nesta perspectiva que já em 1971 chamei de acto
litúrgico a este gesto.
O rito do “Pitakufa”, assim como inventado e vivido
pelos antepassados daqueles que o praticam é um acto ritual, um
“acto litúrgico” se assim quisermos: ele é uma linguagem
religiosa que quer restabelecer a Vida como foi deixada e ensinada
pelos Antigos.
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Se esta minha intuição não for tão estranha à realidade das
coisas, temos de concluir que estamos muito longe da visão éticosocial a que estamos habituados e longe do mundo feminista que
veria neste mesmo acto um daqueles momentos de opressão do
mundo feminino. Sem negar a validade destas visões, temos de
aceitar que se trata de grelhas de leitura diferentes. Numa atitude
científica temos a obrigação de procurar compreender o
significado profundo, de uma dada realidade mas a partir daqueles
que a instituíram, se não queremos viver de preconceitos.
E para nós agentes da Pastoral fica-nos sempre uma
pergunta incontornável: aquilo que de facto significa na tradição
dos povos, este modo de proceder (=este rito de purificação) é ou
não compatível com a Boa Nova trazida por Jesus Cristo? No caso
de uma negativa, que fazer para que o “combate” a esta tradição
não crie um vazio existencial que possa fazer mais mal do que o
mal que se queria evitar ao instituir o rito de “pitakufa” por
exemplo. Este é certamente um desafio para a inculturação, a real
incarnação do Evangelho numa determinada cultura.
O exemplo do acto sexual como acto purificador não é o
único modo de purificar uma viúva; tanto é assim que nem todos
os povos conhecem o “rito de pitakufa”. Mas certamente é um
desafio pastoral lá onde esse rito é vivido. Como é também um
desafio pastoral a destruição da palhota naqueles povos que a
praticam.
Aquilo que aqui importa salientar é a necessidade
fundamental de compreender o significado de tais gestos, para que
se possa dar uma evangelização real e adequada. Os muitos e
diversos ritos de purificação muito bem descritos e analisados pelo
Frei Amaral, mostram a importância não só de acompanhar os
membros directamente afectados pelo fenómeno da morte, mas
também um processo de os libertar de todo e qualquer contágio
que a situação criou. Este processo é ao mesmo tempo um
processo iniciático de reintegração, na sociedade de todos os dias.
É também um acto de libertação definitiva para a viúva,
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permitindo-lhe, por assim dizer, retomar a sua vida normal,
sobretudo aqueles gestos em relação directa com a transmissão da
vida.
A omissão desse rito pode trazer tristes e graves
consequências não só para a viúva, como até para a comunidade
inteira. Pela clara incompatibilidade com a mensagem evangélica
e pela crescente repugnância que as novas gerações sentem por
ele, talvez fosse necessário encontrar um novo rito de purificação,
capaz de convencer e tranquilizar as consciências das pessoas
envolvidas e assim evitar criar um vazio perturbador.
Os ritos do período liminal servem para acabar com o
carácter de “invisibilidade” desse período não só das pessoas
directamente envolvidas, mas também do próprio morto. Por
“invisibilidade” entende Victor Turner, a condição de impureza
ritual em que se encontram as pessoas de modo a terem que estar
rigorosamente isoladas, como que “invisíveis”. O morto já esteve
no mundo visível dos vivos mas não pode continuar nele. Então, é
preciso acompanhá-lo e iniciá-lo na sua nova condição de um
morto-vivo. Durante esse período de iniciação, o período de luto,
ele se comporta como se não existisse, portanto, como se não fosse
visível.
O rito de ukubuyisa entre os Zulus de África do Sul, esse
rito de “trazer o morto para casa”, é um rito de reintegração do
morto não só na sua nova condição definitiva, de um integrado no
mundo dos mortos-vivos, no mundo dos antepassados, mas
também é uma espécie de entronização na sua nova função: de um
espírito que está activamente presente no seio da sua família
terrestre para a proteger dos eventuais perigos e abençoá-la,
sobretudo as bênçãos da vida: a harmonia familiar e social, a
fecundidade, a paz.
Existe, pois, um processo longo e difícil de
ancestralização do morto: é um caminho iniciático no qual o
morto é ajudado a afastar-se mais e mais do mundo a que esteve
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habituado, o mundo dos vivos, para se adentrar irresistivelmente
no mundo dos antepassados, esses mortos-vivos.
II-
BREVES NOTAS SOBRE O MUNDO DOS
ANTEPASSADOS
Chegados aqui somos obrigados a tecer, ainda que mui
brevemente, algumas palavras sobre o mundo dos antepassados.
Não temos outra fonte de informação a não ser a própria crença
bantu sobre os antepassados.
1- Um estudo linguístico da terminologia usada para
designar os Antepassados pode-nos levar à conclusão de que não
existe nas línguas bantu uma palavra genérica para designar os
antepassados; existem sim vários termos que nos apontam vários
atributos dos mortos: mizimu (com as suas variantes em diversas
línguas) designa a condição essencialmente espiritual dos mortosvivos: os antepassados são essencialmente espíritos vivos. Akuluakale (os Anciãos de antigamente): reconhece-se a ancianidade
daqueles que nos precederam no tempo e no espaço. Abapansi (=
os que vivem debaixo da terra), designando os mortos pela sua
nova morada: a Terra-Mãe.
2- No imaginário negro-africano existe uma morada dos
antepassados, a aldeia dos antepassados. Conforme o habitat
ecológico de cada Povo, essa aldeia pode situar-se para além da
floresta, e um caminho longo, largo e bonito para lá nos conduz.
Outros situarão tal aldeia para além do grande Rio que marca os
confins do nosso mundo. Para outros ainda ela se situa debaixo da
Terra-Mãe, e nesse imaginário, a termiteira é o lugar privilegiado
de encontro entre os vivos e os mortos. Réplica fiel do mundo dos
vivos, a aldeia dos mortos é, no entanto, mais bonito. Uma
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característica típica é que lá no mundo dos mortos não se sofre
mais, não se morre mais.
3- Um mundo destes não pode ser para todos
indistintamente: no limiar da nova vida o morto é examinado pelos
antepassados; há, portanto, um juízo particular: os que foram
maus, aqueles que devotaram a sua vida à destruição das vidas dos
outros, como são os feiticeiros (abathakati, baloi. Mfiti) são
implacavelmente rejeitados e os que favoreceram a vida são
acolhidos. Assim pensam os Yaka do Congo Kinshasa.
4- Os Antepassados são tidos como tendo uma missão bem
especifica: estão sempre presentes no dia-a-dia dos seus
descendentes para os proteger e defender. Travam uma luta
ferrenha contra “inimigos da vida”. Eles manifestam as suas
vontades através dos sonhos; manifestam o desejo de algum deles
incarnar nalguma criança. São eles que chamam este ou aquele
membro da família para junto deles. Numa palavra, os
Antepassados estão activamente presentes na vida do clã.
5- Para além da vaga ideia da “Terra dos Mortos”, os
vários povos determinaram para os seus mortos habitações
concretas. Determinada Árvore dos Antepassados, o curral dos
bois, a termiteira, o umsamo da casa entre os Zulus. Estes são
sítios onde com facilidade cada clã pode entrar em contacto vivo
com os seus Antepassados.
Podemos dizer como conclusão a estas breves notas que,
se existe um lugar onde se pensa viverem todos os Antepassados
de uma etnia, houve contudo uma necessidade psicológica de cada
clã localizar os seus antepassados.
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III-
CRISTO, ANTEPASSADO DOS
ANTEPASSADOS: UMA LEITURA NEGROAFRICANA DE COL. 1, 15-20
O tema de Cristo visto como Antepassado, não é novo.
Charles Nyamiti estudou-o no seu Christ as our Ancestor; e
Benezet Bujo centra muita da sua reflexão sobre le Christ ProtoAncêtre. Consultando a bibliografia que vem no fim das Actas da
Segunda Semana Teológica da Beira, compilado pelo Padre
Vincent Bailey, podemos ver que o tema já fascinou muitos
investigadores.
Quando me foi pedido apresentar umas notas sobre a RTA
aos Bispos da Imbisa reunidos em Pretória, África do Sul
(dezembro 1993) em vista da preparação do Sínodo Africano
foquei dois aspectos: 1º que a veneração dos antepassados era o
cerne da RTA e 2º que um conhecimento mais aprofundado dos
antepassados levar-nos-ia a um conhecimento mais aprofundado
de Cristo e não dos Santos. Estava a contrariar claramente a visão
de que os Antepassados não são para se compararem com os
santos, mas sim com Cristo. Estas afirmações levantaram três
reacções muito típicas entre os Bispos, reacções que eram, ao fim
e ao cabo, sinal da longa e difícil caminhada que a Igreja de Deus
em África está a empreender para uma maior assimilação da
mensagem evangélica.
Retomei a ideia na II Semana Teológica da Beira.
Também hoje quero continuar o tema, mas a partir duma leitura
negro-africana da carta de Paulo aos cristãos de Colossenses (Col.
1, 15-20).
1. Jesus Cristo é imagem visível do Deus invisível: Uma
imagem é mais do que um símbolo. Existe uma certa identidade
entre a imagem e a coisa que essa imagem representa; não é
apenas uma fotografia, mas a presença viva daquilo que a imagem
quer significar. Existe na Religião Tradicional Africana (RTA)
uma ideia vaga de que há uma ligação existencial entre os
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Antepassados e Deus, sobretudo o Antepassado-Fundador. Uma
criança ou um descendente é imagem viva do antepassado
sobretudo quando ela carrega o nome desse Antepassado. Cristo é
a imagem viva do Deus invisível.
2. Primogénito de toda a criação: Primogénito implica
ser primeiro na ordem da existência. A noção de primogenitura é
muito importante em África; é um dos três princípios à volta dos
quais se organiza a sociedade negro-africana (idade, sexo, estatuto
social). A primogenitura implica antecedência no tempo e no
espaço. E o respeito que se dá ao ancião é por causa da sua
senioridade. Na longa cadeia das gerações, o primogénito é o que
está mais próximo da fonte original da vida. Cristo é Primogénito
“pois n´Ele tudo foi criado”. O Primogénito é em África o
candidato por excelência para se tornar Antepassado, é um
antepassado por vocação.
IV-
“TUDO FOI CRIADO POR ELE E PARA ELE
(16C)
1) “Criado por ele”, implica que a criação depende
existencialmente de Cristo, pois sem ele não teria existido.
Estamos aqui no âmago do mito de criação. Em África muitas
vezes o Criador “faz” a sua criação não directamente, mas através
de um mediador. Assim o Antepassado –Fundador é o instrumento
ideal de mediação na criação. Aqui Cristo seria esse mediador
através do qual Deus faz a sua criação.
a) “... e para ele”. Cristo não só é origem, mas
também fim da criação. Ele o sentido último de tudo quanto
existe. Cristo é, portanto, também o Antepassado dos negroafricanos. Cristo está na origem e na meta dos nossos
antepassados. E isto porque Cristo existe antes de qualquer
antepassado mesmo fundador de clãs. Por isso, Bujo lhe
chama de ProtoAntepassado.
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2) “Tudo nele se mantém”. Fora dos antepassados
não se pode conceber, no mundo negro-africano, nada de real.
Não há um negro-africano que seja primariamente indivíduo,
um ser isolado, subsistindo por si mesmo. Eu sou eu porque
sou mlauzi, em relação vital com todos aqueles que carregam
o mesmo sangue de mlauzi, faço parte dessa longa cadeia de
negro-africanos que se mantêm unidos porque neles circula o
mesmo sangue que se convencionou de chamar de mlauzi. Em
Cristo, tudo e todos, inclusive os mlauzi, se mantêm relação
com tudo e com todos.
3) Ele é a Cabeça do Corpo. O primogénito,
antepassado por vocação, é na família, isso mesmo: cabeça,
chefe, representante de todos perante os antepassados, elo
incontornável de ligação. Prescindir dele é prescindir da vida,
da existência. Cristo é isso mesmo, elo incontornável de
ligação de tudo e de todos, portanto também dos meus
antepassados, elo de ligação com Deus: não se pode ir
directamente a Deus sem passar por Cristo.
4) Ele é o começo. Toda a genealogia tem começo.
Podemos recuar sempre para trás até mais não conseguir
recuar porque tenho de parar algures, nalguém que deu início,
um começo a tudo quanto existe deste clã; é ele que iniciou a
linhagem dos mlauzi; sem esse começo eu nunca seria mlauzi.
E Cristo é isso mesmo: o começo de tudo e de todos, também
dos mlauzi.
5) Primogénito dentre os mortos. No mundo negroafricano, falar dos antepassados é falar necessariamente do
mundo dos mortos; e nesse mundo Cristo também é
primogénito, o primeiro de todos os mortos “porque Ele
ressuscitou verdadeiramente e não morre mais”.
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6) “Pois aprouve a Deus fazer habitar nele a
plenitude da Divindade”, e certamente também a plenitude da
Humanidade. De facto, os antepassados são aqueles que
durante a sua vida realizaram o que se espera de um
verdadeiro homem, dum verdadeiro munthu. Cristo é o
Munthu por excelência por ser a imagem do Deus invisível, a
realização plena do Homem ideal segundo planeou esse Deus,
à sua imagem e semelhança.
7) E tudo reconciliar por meio dele e para ele.
Reconciliar é aqui o termo fulcral. A harmonia universal
espelha-se na harmonia clãnica e esta existe quando se
observam as regras estabelecidas pelos Antigos, os
antepassados. Sabemos que a reconciliação é uma demarche
necessária para a harmonia social. Estar em paz com os outros
membros do clã é fundamental para estar em paz com os
antepassados e vice-versa. Estar em paz com os outros é
condição `sine qua non´ para estar em paz com Cristo: “tudo o
que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a mim que
o fazeis”.
8) Tendo estabelecido a paz pelo sangue da sua cruz.
Entre Cristo e os Antepassados tem de haver uma diferença
radical. Não é pelo sangue da geração física ou pela vontade
da carne que Cristo trouxe uma paz definitiva, mas sim pelo
sangue da sua cruz. O sangue é o que identifica um negroafricano. O sangue de Cristo é o que dá identidade ao cristão,
seja qual for o sangue clinico que carrega nas suas veias.
CONCLUINDO
O que tentei dizer neste tema, em resumo, é isto: o
encontro do morto com os seus antepassados é um longo processo
iniciático de ancestralização, no qual os vivos, através de ritos e
tabus, ajudam o morto a assumir a sua nova condição de
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existência: deixar o mundo dos vivos para entrar no mundo dos
mortos.
Essa entrada no mundo dos antepassados dá-se com o fim
do luto em que os vivos afectados são de novo reintegrados na
vida normal do clã; e o morto, através do rito do ukubuyisa por
exemplo, é integrado no mundo dos seus antepassados e trazido
para junto dos familiares vivos, mas numa nova condição e
função: o morto de ontem tornou-se hoje também um antepassado
que protege e abençoa.
Esse encontro com os seus antepassados não podia deixar
de ser um encontro com Jesus Cristo, o ProtoAntepassado, o
Antepassado dos antepassados, Ele que é a origem e fim de toda a
criação.
Cristo é um Antepassado não na longa cadeia de gerações
físicas, mas na nova cadeia de “gerações” no sangue da sua Cruz.
É ali, no sangue da sua cruz, que Ele se torna o Primogénito, o
Princípio e o Fim de todas as Tribos, raças, línguas, para a glória
de Deus Pai.
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