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Revista Santa Cruz - 3 4 - Revista Santa Cruz EDITORIAL Nossa mãe terra, Senhor, Geme de dor noite e dia. Será de parto essa dor? Ou simplesmente agonia?! Vai depender só de nós! Vai depender só de nós! D (Refrão do hino da CF 2011) esde a quarta-feira de cinzas, a Igreja no Brasil se lançou num grande mutirão em defesa da sustentabilidade do planeta Terra. Para nós, franciscanos, esta luta remonta aos primórdios de nossa Ordem. Os filhos e filhas de São Francisco têm a grande responsabilidade de levar toda a sociedade a respeitar e preservar a mãe natureza que “geme em dores de parto”. Nesse espírito, apresentamos aos leitores o primeiro número da Revista Santa Cruz de 2011. Uma boa preparação para a Páscoa do Senhor! Revista Santa Cruz - 5 6 - Revista Santa Cruz SUMÁRIO EDITORIAL .......................................................................................... 5 VIDA DA PROVÍNCIA - PROFISSÃO SOLENE DOS FREIS KELISSON, LUIZ ANTÔNIO E VALTER (FREI OTON JÚNIOR) ............................................................................... 8 - NATAL CAMINHANDO (FREI ARLATON LUIZ SOARES DE OLIVEIRA) ............11 - ENTREVISTA COM OS FREIS HUGOLINO BROD E ADRIANO DE WIT (FREIS JÚNIO FERNANDO E OTON JÚNIOR) .................................................................13 MEMÓRIA 1. “IN MEMORIAM” DE FREI HUBERTINO BACKES (FREI FLÁVIO SILVA VIEIRA) ............................................................................................................ 22 2. UM SÉCULO DE PRESENÇA FRANCISCANA EM JEQUITINHONHA (SHEILA ALMEIDA N. LUNKES) ........................................................................................... 29 UMAS E OUTRAS - HUMOR FRANCISCANO ..........................................................................38 Revista Santa Cruz - 7 VIDA DA PROVÍNCIA Esta seção se abre com o relato da profissão solene dos confrades Kelisson, Luiz Antônio e Valter Júnior, seguido da crônica sobre o “Natal caminhando 2010”. Finalmente, uma interessante entrevista com os confrades Hugolino Brod e Adriano de Wit que, neste ano de 2011, celebram seu jubileu de ouro de ministério presbiteral. 1. PROFISSÃO SOLENE DOS FREIS KELISSON GERALDO, LUIZ ANTÔNIO E VALTER JÚNIOR Frei Oton da Silva Araújo Júnior “É isso que eu quero, é isso que eu procuro, é isso que eu desejo fazer de todo o meu coração”(1Cel 22). Após uma longa caminhada formativa, em contato consigo, com a fraternidade, em constante discernimento da vontade do Senhor Deus sobre suas vidas, os freis Kelisson Geraldo Machado, Luiz Antônio de Jesus Reis e Valter Pinto Vieira Júnior, entregaram suas vidas ao Altíssimo Senhor, por intermédio da Ordem Franciscana, por toda a sua vida. 8 - Revista Santa Cruz A celebração se deu na Igreja São Francisco das Chagas, no bairro de Carlos Prates, em Belo Horizonte, no dia 2 de fevereiro, festa da Apresentação do Senhor, na qual se recorda a Família de Nazaré, ao apresentar o seu ‘Bento Filho’ no Templo de Jerusalém. Muitas pessoas, testemunhas orantes junto a Deus na entrega destes três irmãos, marcaram presença. Na sua maioria, vindos da terra Natal de cada um deles, respectivamente: Itatiaiuçu, Itaguara e Ubá. Além destes, compareceram muitos religiosos e religiosas, frades da Província Santa Cruz, de outras entidades da Ordem e inúmeros amigos e companheiros de caminhada dos frades. de, uma vez que “levando à plenitude a consagração batismal e respondendo ao chamado divino, os irmãos consagram-se totalmente a Deus, sumamente amado, pela profissão da obediência, da pobreza e da castidade [...]. Contraem uma aliança com Deus, de modo que sua vida se torna, por toda a existência, um sacrifício oferecido a Deus na caridade” (CC.GG 5). Frei Kelisson (foto) concluiu, em 2010, o curso de Filosofia e, ao longo deste ano de 2011, fará sua experiência de “Presença Franciscana” junto á fraternidade do postulantado, em São João delRei. Em sua homilia, o Ministro Provincial frei Francisco Carvalho Neto agradeceu às famílias dos três professandos por terem doado seus filhos ao “serviço de Deus, da Igreja e da humanidade” (cf. Fórmula de Profissão, CCGG 5). As Constituições Gerais da Ordem dos Frades Menores ressaltam a importância deste momento para a vida do fra- Revista Santa Cruz - 9 Frei Luiz Antônio (foto) cursará, em 2011, o segundo ano de teologia. Frei Valter (foto abaixo), o primeiro ano. Ambos passaram a residir na fraternidade São Boaventura, na paróquia de Santa Isabel, em Betim. Aos nossos irmãos, os votos sinceros de uma feliz entrega ao Deus da vida, que nos chama em nossa fragilidade a respondermos, de forma livre e radical, aos apelos do Evangelho. 10 - Revista Santa Cruz 2. NATAL CAMINHANDO - 2010 seguinte, com Tiago Flores, leigo da Paróquia Santa Isabel de Betim (MG). Frei Arlaton Luiz Soares de Oliveira No ano de 2010, o Secretariado de Evangelização e Missão da Província Santa Cruz abraçou a proposta. A jornada teve seu início no dia 10 de dezembro, com uma “Celebração de envio”, realizada na igreja São Francisco das Chagas, em Belo Horizonte. Desde 2009, os frades, na sua maioria, professos temporários, decidiram fazer uma caminhada ao longo do leito do Rio Itanhém. Esta peregrinação se deu durante o tempo litúrgico do advento. A ideia fundamental era reviver o “Natal de Greccio” junto às comunidades ribeirinhas, além de chamar a atenção da população para a vida que nasce, frágil, dócil e que requer cuidados. A iniciativa visava também à conscientização dos ribeirinhos sobre as questões ambientais ligadas ao rio Itanhém, cuja nascente se dá no Nordeste de Minas Gerais e curso na cidade de Alcobaça (BA). O trajeto feito pela equipe missionária foi o mesmo do já percorrido por frei Adelmo Francisco desde 2007. Neste primeiro ano, frei Adelmo contou com a companhia de frei Júnio Fernandes e, no ano No dia seguinte, já em Fronteira dos Vales (antiga “Pam Pam”), todos puseram o pé na estrada. Foram 14 peregrinos, dentre eles, dois leigos (Tiago Flores e Ana Turolli) e um aspirante agostiniano (Leandro Santos). Os peregrinos percorreram os municípios de Fronteira dos Vales, Santa Helena de Minas, Revista Santa Cruz - 11 Bertópolis, Felisburgo, Machacalis e Umburatiba. Durante a caminhada, visitavam comunidades localizadas às margens dos rios Itanhém e Umburana. Foram até à nascente do rio Umburana que deságua no Rio Itanhém, na comunidade do Prata, distrito Bom Jesus da Vitória (Oropinha), em Santa Helena de Minas. Na ocasião, visitaram, ainda em Santa Helena, a aldeia Maxacali chamada Água Boa. Vale ressaltar a boa acolhida que os missionários tiveram nesses lugares. Na cidade de Felisburgo, visitaram o préassentamento do MST “Terra Prometida”. Nas comunidades onde os missionários se hospedavam, ocorriam diversas atividades, dentre elas visitas às casas, palestras, oficinas, e uma espécie de “Cinema na Praça” com filmes com temática franciscana, entre outras. As celebrações com as comunidades foram momentos muito ricos de espiritualidade. Entre os momentos orantes, merecem destaque as celebrações da Eucaristia e do “Lucernário”. 12 - Revista Santa Cruz Sob a orientação de frei Laércio Jorge, coordenador do projeto de Erradicação da Hanseníase, os missionários colaboraram no trabalho de informação das pessoas sobre o mal da Hanseníase, seu diagnóstico e tratamento. Com a celebração do Natal do Senhor, em Umburatiba, deu-se por encerrada a jornada. Os peregrinos retornaram para as suas casas, no dia 26 de dezembro. Todos puderam constatar, por um lado, que a presença dos franciscanos nesses locais foi muito significativa, pois, além de vivenciar, nas comunidades, a espiritualidade do Advento e do Natal, foi de muita valia o trabalho de sensibilização ecológica. Por outro lado, os peregrinos revisitaram os locais onde, no passado, houve a presença franciscana de missionários como frei Peregrino Loerakker (1910 - 1988), frei Afonso Muré (1914 - 1993) e frei Lauro de Koning (1912 - 1979). 3. ENTREVISTA COM OS FREIS HUGOLINO BROD E ADRIANO DE WIT RSC: Fale-nos sobre sua vocação à vida religiosa. Por ocasião de suas bodas de ouro de ministério presbiteral, frei Hugolino Brod e frei Adriano de Wit concederam à Revista Santa Cruz (RSC) a seguinte entrevista: Frei Hugolino: Tudo começou com as visitas do vigário à casa dos meus pais, tomando chimarrão, conversando com as crianças. Neste ambiente surgiu o pensamento: “Ah! vou ser padre também, que nem ele!” Meus pais eram muito católicos, rezavam sempre o terço, todos os dias. Trabalhavam no campo com a plantação de arroz, feijão, milho (multicultura). Até aos 13 anos, eu ajudei meus pais nos trabalhos; durante as férias escolares também trabalhava. Filho de colonos (agricultores) tem que trabalhar. Os meus avós são da Alemanha, daí o sobrenome Brod. RSC: Por que o senhor decidiu ser frade franciscano? Frei Hugolino Brod Frei Hugolino: Os franciscanos visitaram a minha casa, na pessoa do frei Olímpio Reichert, descendente de alemão, foi um contato interessante. Outro motivo é que naquele tempo na Diocese os pais tinham que pagar os estudos. Já nos franciscanos, após o Noviciado, não precisava pagar os estudos. Honestamente, um dos motivos da opção pela vida franciscana foi de ordem econômica, porque eu não queria onerar meus pais Revista Santa Cruz - 13 que trabalhavam duro, no campo, durante os longos anos de vida no seminário. RSC: Como era a vida nas casas de formação em Daltro Filho, Divinópolis, Belo Horizonte? Frei Hugolino: Minha formação aconteceu antes do Concílio, era um tempo mais fechado. Fiz o Noviciado em Daltro Filho. Não era permitido fazer passeios. Geralmente não saíamos do convento. E se isso acontecesse, o mestre tinha que estar junto. A Filosofia também foi realizada em Daltro Filho, não tínhamos apostolado, não tínhamos nenhum trabalho nas comunidades. A Teologia aconteceu em Divinópolis, também sem atividade pastoral. No 4º ano do curso teológico, ensinávamos teologia nas escolas primárias (fundamental). Durante os anos de formação, o tempo era gasto na oração (breviário completo, ou seja, rezávamos praticamente todas as horas), missas, meditação pessoal (meia hora pela manhã e meia hora pela tarde) todos os dias, leitura pessoal e estudos. Em Belo Horizonte, fiz o ano pastoral. Fui ordenado presbítero no meio do 4º ano de Teologia. Quando cheguei a Belo Horizonte (Carlos Prates), já era padre. Durante a semana, 14 - Revista Santa Cruz tínhamos aulas de pastoral com o objetivo de aprender a trabalhar na paróquia e, nos finais de semana, íamos para as paróquias. Frei Bruno Götems, docente do ano pastoral, escolhia as paróquias para onde iam os jovens padres. Eu, geralmente, ia para São Joaquim de Bicas e Igarapé. Estas paróquias eram diocesanas, mas se encontravam sem padre. Frei Bruno tomava conta. RSC: E a opção de trabalhar como missionário na Indonésia? Frei Hugolino: Espírito aventureiro! Pediram-me para ir para a Indonésia e eu quis ver como era. Precederamme: Frei Vicente Kunrath, frei Oto Düpont, frei Antônio Mariani e frei Inácio Dresch. Pensei: “Bom, se eles foram eu também posso ir.” Outro motivo é que, naquele tempo, por questões políticas, os holandeses não podiam entrar na Indonésia, então a Província Mãe (da Holanda) pediu para que fossem enviados frades brasileiros para a Indonésia. Seria feita uma troca, a cada frade brasileiro enviado para a Indonésia, seriam enviados dois holandeses para o Brasil. Frei Hugolino no parque dos macacos Indonésia RSC: Como foi o processo de inculturação: a língua (bahasa indonésio), costumes, alimentação etc? Frei Hugolino: Nos primeiros meses, na cidade de Cicurug (interior), foi muito difícil aceitar, tragar a comida deles. Emagreci uns 5 quilos. A comida era feita de carne e queijo de soja, arroz sem sal, não tinha feijão. Depois percebi que a comida varia de acordo com a região. Na capital Jacarta, tinha mais variedades, a alimentação aproximava-se da culinária chinesa e, a meu ver, aproximava-se mais do meu costume alimentar no Brasil. Em Cicurug, comecei a aprender a língua com frei Vicente Kunrath, mas não aprendi nada, a gente só falava em português. Depois de um mês, fui para Jacarta, com a função de rezar a missa na casa das irmãs, isto era possível, pois ainda se utilizava o latim. Durante o dia, ia aprender o bahasa indonésio, com uma professora. Fiquei dois meses estudando em Jacarta. Depois fui trabalhar nas montanhas, a 100 km de Jacarta, e morar com um frade, irmão leigo, que só falava o indonésio. Aos domingos tinha que rezar a missa com o povo, fazer sermão na língua indonésia. Eu geralmente escrevia uma folhinha com o sermão e pedia a um professor da escola ao lado de nossa casa para conferir, ele sempre aprovava e dizia que estava muito bom. Então aprendi a língua com os professores, o irmão indonésio e o povo. RSC: Foram 39 anos de trabalho missionário na Indonésia. Que tipo de atividades o senhor realizou durante esses anos? Frei Hugolino: De 1963 a 1965, trabalhei como vigário da Paróquia Saint Paskalis. De 1966 a 1968, trabalhei na Ilha de Flores, “mais ou menos” como pároco, o termo correto não me lembro agora. Andá- Revista Santa Cruz - 15 vamos muito a cavalo, para atender as comunidades, às vezes, quatro horas seguidas. De 1968 a 1982, fui vigário, até 1971, e depois nomeado pároco provisório até 1982. De 1982 a 1990, fui pároco na Paróquia Saint Paulus, em Depok, a 30 km de Jacarta. De 1990 a 2001, trabalhei em um pensionato com 250 meninos. Tinha que procurar 120 quilos de arroz por dia, para alimentar as crianças, dentre elas muçulmanos e chineses. RSC: A Indonésia tem a maior população islâmica do mundo. Como é realizado o trabalho de evangelização? E como é a convivência entre cristãos e muçulmanos? Frei Hugolino: A primeira coisa é viver como São Francisco ensinou: viver e conviver no meio deles como cristãos, não fazer propaganda. Se for possível e conveniente, então abrimos a boca para anunciar o Evangelho. Nós tínhamos escolas com grande número de muçulmanos, nós dávamos aulas de religião, não especificamente cristã. Apresentávamos algumas passagens bíblicas, como as parábolas. Muitos alunos depois se tornaram católicos. Quanto aos islamitas, nunca batizávamos crianças ou adolescentes, cujos pais 16 - Revista Santa Cruz eram muçulmanos. Só batizávamos adultos para não causar problema. Quanto aos chineses era mais aberto, podíamos tranquilamente acolher a todos. Costumávamos observar se havia a possibilidade de os jovens continuarem sua caminhada na Igreja. Por meio das crianças, a religião entrou na vida de muitas famílias. Os pais diziam que as crianças ficavam melhores, mais maduras, por isso resolviam também aderir à religião cristã. Tinha crianças chinesas muito bacanas que viviam o cristianismo com muita maturidade. Às vezes, a influência da criança batizada atraía o resto da família que, em geral, era numerosa. Os islamitas se tornavam católicos por causa da convivência e escolas católicas. As escolas católicas eram, em geral, melhores que as estaduais e muitas outras particulares. RSC: Como está organizada a Igreja da Indonésia? Frei Hugolino: A conferência dos bispos é chamada de: Konperensi Waligereja Indonesia (KWI). A organização é bem parecida com a Igreja do Brasil com os bispados, paróquias, pastorais e movimentos. No entanto, os religiosos são mais numerosos que os diocesanos. Os missionários estrangeiros estão di- minuindo e está aumentando o número de religiosos e diocesanos nativos. RSC: Fale sobre a entidade franciscana que o acolheu na Indonésia. Têm surgido vocações religiosas e franciscanas por lá? Frei Hugolino: Fui acolhido na Província São Miguel da Indonésia, também fundada pela Província dos Santos Mártires Gorcumienses, da Holanda. Quando voltei para o Brasil, tinha 75 professos solenes, 42 professos temporários e 11 noviços. Hoje o número é bem maior. Da Província da Indonésia surgiu a Custódia Duta Damai (Mensageiros da Paz), em Papua, Nova Guiné. Há 10 anos aqui existiam 42 professos solenes, 9 professos simples e 6 noviços. A Província da Indonesia tem tido muitas vocações e atualmente tem muito mais frades que a nossa Província Santa Cruz. RSC: Certamente aconteceram fatos pitorescos nesta sua trajetória como missionário “ad gentes”. O senhor poderia citar algum? Frei Hugolino: Um dia entraram e roubaram todas as imagens da Igreja. Tinha um órgão bonito, o sistema de som era muito bom, mas eles não se interessaram por isso. Roubaram as imagens de Nossa Senhora, Santo Antônio e o Crucifixo. Nós estávamos tentando descobrir quem havia feito isto, estávamos desconfiados dos islamitas. Então aconteceu que, há algum tempo, havia um filho de uma família (católica) que, às vezes, sumia e depois retornava, após algumas semanas. Da última vez que sumiu não retornara. O pai foi à polícia. Lá mostraram as fotos das últimas pessoas que haviam sido assassinadas. Entre as fotos das vítimas, estava a do filho dessa família. O grupo que o havia assassinado ficou com medo, por que haviam encontrado o corpo. A mãe havia feito uma novena a Santo Antônio e dizia que ele tinha ajudado a encontrar o corpo. Então o grupo devolveu as imagens com medo de que a mulher continuasse rezando e assim descobrisse outros crimes por eles cometidos. O grupo que cometeu o assassinato era islamita e o filho do casal estava envolvido com drogas. RSC: Em 2002, o senhor resolveu retornar ao Brasil. Como se deu essa decisão? Frei Hugolino: Frei Patrício, frei Diogo e frei Luciano Brod, enquanto ministros provinciais, sempre me Revista Santa Cruz - 17 convidavam para retornar ao Brasil, mas eu não queria. Em 1990, pensei em voltar, mas a Província da Indonésia me pediu com insistência para assumir o internato e eu acolhi o pedido. Atualmente, eles não precisam mais de mim, eles podem mandar frades para cá. Pensei que poderia trabalhar no Brasil e ajudar a Província Santa Cruz. Também estou ficando velho e não queria morrer na Indonésia. RSC: Como tem sido a vida em Salinas? Que atividades o senhor vem desenvolvendo lá? Frei Hugolino: Trabalhando na paróquia e atendendo o Setor de Novo Horizonte. Descansando também, tomo uma cachacinha, de vez em quando. Na Indonésia não tinha cachaça, lá eu tomava uísque, mas não era tão caro como aqui. 18 - Revista Santa Cruz RSC: O que significa, para o senhor, celebrar 50 anos de ministério presbiteral? Frei Hugolino: Tudo passou muito rápido, ao longo destes 50 anos. Apesar dos altos e baixos, fui levando a vida. Não me arrependi de nada. Passei a maior parte deste tempo servindo o povo de Deus nas paróquias. Eu me considero um franciscano, mas não sei se consegui viver, de forma coerente, o ideal de São Francisco. RSC: Algum recado aos frades da PSC? Frei Hugolino: Que cada um continue com ânimo, trabalhando com empolgação e coragem para enfrentar as dificuldades. Às vezes, as fraternidades apresentam dificuldades, se a fraternidade não é como eu quero, então desisto e vou embora. Não é por aí, é necessário viver em fraternidade, saber viver e conviver com as diferenças e não querer moldar o outro segundo as expectativas pessoais. FREI ADRIANO DE WIT RSC: Frei Adriano, conte-nos um pouco sobre sua família, sua infância. Frei Adriano: Minha família era muito religiosa, muito católica. Meu pai tinha dois irmãos padres, um era padre secular e o outro cartuxo, e duas irmãs freiras franciscanas. Nós pertencíamos a uma paróquia franciscana, por isso desde pequeno fiquei muito familiarizado com os franciscanos. Enquanto cursava o 6° ano primário, o meu pai ficou sem empregados. Ele me chamou para ajudá-lo na fazendinha de gado de leite. Lá fiquei dois anos e meio trabalhando, enquanto frequentava um dia por semana uma escola primária de agricultura. Mas continuei pensando em ir para o seminário e ser padre. Depois de dois anos, criei coragem de falar com meu pai que sempre se orgulhava de me ter como seu ajudante na fazenda. Meu tio padre não gostava muito dos franciscanos, e, influenciado por ele, que frequentava muito a nossa casa, decidi ir para o seminário dos padres seculares, mas não passei pelo exame de admissão. Então, resolvi logo ir para o seminário dos Franciscanos em Megen, onde já havia alguns conterrâneos estudando. Lá também devia fazer um exame de admissão, mas lá passei. RSC: E a partir de então, o senhor se preparou para ser um franciscano... Frei Adriano: Sim. Durante este tempo de seminário em Megen, foi também crescendo meu conhecimento sobre São Francisco e assimilando o seu espírito. Não custou muito e logo quis me tornar franciscano. Muito me ajudaram nesta decisão o exemplo de vida dos freis e a convivência fraterna, no seminário. Revista Santa Cruz - 19 RSC: Como foi seu processo de adaptação no Brasil? Frei Adriano: Quando cheguei aqui no Brasil, em outubro do ano de 1961, eu não sabia falar nada de português. Por isso a primeira dificuldade de adaptação foi com a língua. Tive vários professores, mas a fluência nunca é a mesma da língua materna. Mas, mesmo assim, falando mal, os amigos sempre me animavam: “O senhor fala muito bem” etc. Nunca tive problema de adaptação com a comida brasileira, porque logo tive de seguir o regime alimentar para diabéticos. Quanto à parte pastoral foi tudo muito fácil. Na Holanda nunca tinha trabalhado na pastoral porque cursei aqui, em Belo Horizonte, o 5°ano de Pastoral, com os competentes professores frei Bruno e frei Félix. Portanto, foi mais um tipo de introdução do que problema de adaptação. RSC: Quais os principais lugares onde o senhor trabalhou? Frei Adriano: Os principais lugares onde trabalhei são três: A Paróquia de Santo Antônio dos Funcionários em BH, onde fiquei 12 anos como vigário paroquial, enquanto frei Hilário era o Pároco. Depois fui 20 - Revista Santa Cruz transferido para Ubá onde trabalhei com muito prazer, durante 9 anos, na Paróquia São Januário; depois fiquei 12 anos em Guidoval. RSC: Quais foram as maiores dificuldades que o senhor enfrentou enquanto religioso? Frei Adriano: Uma das maiores dificuldades que encontrei na minha vida de religioso são as mulheres, principalmente as mais bonitas e as mais simpáticas. Mas isto é próprio do ofício. Outra dificuldade tem a ver com o fato de eu ser um estrangeiro. Além de não ter conseguido aprender a língua perfeitamente, também não consigo entender tudo o que o povo fala, sobretudo as piadas, as gozações, as brincadeiras, etc. As transferências constituem para mim uma grande dificuldade. Quando a gente está se dando bem com o povo e o povo está gostando da gente, me pergunto: por que então transferir para outro lugar totalmente diferente? RSC: Certamente o senhor teve muitas alegrias, enquanto religioso franciscano... Frei Adriano: Com certeza. As alegrias foram muitas. Trabalhar na paróquia e poder atender as pessoas; ouvir uma pessoa dizer depois de tê-la atendido em confissão: “ah, que alívio estou sentindo em meu coração” e tantos outros casos que pude atender; também foi sempre uma grande alegria trabalhar com grupos e movimentos religiosos como: Apostolado da Oração, Irmandade do Santíssimo Sacramento, Vicentinos... e, principalmente, com o ECC (Encontro de Casais com Cristo). RSC: Finalizando nossa conversa, que mensagem o senhor deixaria para os leitores da Revista Santa Cruz? Frei Adriano: Quem sou eu para deixar uma mensagem a vocês, leitores da nossa Revista Santa Cruz. A única mensagem que posso dar é aquela que dei, certa vez, a um senhor que me procurou para confessar e, como penitência, lhe recomendei: “Leia durante uns 10 minutos algum trecho do Evangelho”. Depois ele me disse que gostou tanto que, desde então, não deixou mais de ler, todo dia, algum trecho do Evangelho. Isto vale também para todos nós. Fazer todos os dias uma leitura orante da Palavra de Deus é fundamental para o sustento de nossa vida. Revista Santa Cruz - 21 MEMÓRIA Desta vez, registramos em nossa “memória” a figura do saudoso confrade frei Hubertino Backes (+ 24/11/2010) e os 100 anos da presença franciscana na cidade de Jequitinhonha. 1. “IN MEMORIAM” DE FREI HUBERTINO BACKES Frei Flávio Silva Vieira 22 - Revista Santa Cruz Frei Hubertino (Josef Backes), filho de Johann Josef Backes e Maria Agnes Backes Olivier, nasceu no dia 13 de abril de 1914, em Würsel, na Alemanha. Sua família, naturalizada holandesa, migrouse para o sul daquele país, onde o pai foi trabalhar nas minas de carvão. Fato é que o jovem Josef foi crismado na Holanda, na paróquia São Pedro (Pietersrad, diocese de Roermond), no dia 16 de setembro de 1925. No dia 7 de setembro de 1933, ingressou no noviciado em Hoogcruts (Holanda) e, no ano seguinte, fez a sua profissão temporária. Três anos depois, em 08/09/1937, professou solenemente na Ordem dos Frades Menores, em Alverna. Foi ordenado diácono em Weert, no dia 08 de Setembro de 1937 e, na mesma cidade, recebeu o presbiterato no dia 3 de março de 1940, durante a segunda grande guerra. Até 1947 permaneceu na Holanda, preparando-se para ser missionário na China. Entre seus documentos, consta que, no ano de 1942, participou de um curso preparatório para missionários, realizado em Nijmegen, tendo inclusive estudado chinês. A ida à China A revista Neerlandia Seraphica do ano de 1947 deixou registrado que, no dia 21 de fevereiro daquele ano, frei Hubertino embarcou na Antuérpia, num navio cargueiro, repleto de dinamites, rumo à China. No dia 13 de março, no porto de Gênova, o referido navio explodiu. Nosso missionário escapou por milagre! E por causa da bagagem a bordo não arredou pé de perto do navio em chamas. No dia 19 do mesmo mês, retornou à Holanda. Dessa vez, de trem. Em 25 de abril do mesmo ano, vai novamente a Gênova onde embarca rumo a Pequim. Antes de sua vinda ao Brasil, como bem disse frei Feliciano Van Sambeek (Santa Cruz, out./dez. 2010, p. 143), frei Hubertino “deu uma verdadeira volta ao mundo”. Enquanto estava em Pequim estudando chinês, Mao Tsé Tung toma o poder e expulsa os missionários. Num artigo de frei Arnulf Camps, “Novas e Animadoras Informações sobre a Igreja católica na China” (Santa Cruz, fev. 1998), o tradutor do referido artigo assim se expressou em nota: “Nessas nossas dioceses muitos confrades têm feito bons trabalhos, mas depois sofreram muito dos japoneses, dos comunistas e das revoluções Revista Santa Cruz - 23 chinesas: Fr. Leônides Bruns foi martirizado, muitos missionários confinados em campos de concentração como nossos confrades Leônides Schoorl e Álvaro Van de Reep. Nosso frei Hubertino conseguiu fazer seu curso de chinês em Pequim, mas não achou ambiente para evangelizar. Voltou para a Holanda e veio depois para o Brasil” (art. cit., p 12). Na verdade, frei Hubertino com outros missionários da diocese de Shansi fugiram para o Japão, certos de que a ditadura de Mao não duraria muito, podendo então retornar à China. Não foi o que aconteceu. Fato é que não demorou muito e Hubertino se dirige à Califórnia, nos EUA, onde estuda inglês e chinês. A decisão de vir ao Brasil Ao que parece, nosso confrade, convencido de que a situação na China não mudaria como o esperado, tomou a decisão de oferecerse como missionário no Brasil. Nas “Notícias do Comissariado da Santa Cruz”, do ano de 1949, assim lemos: “Acabamos de receber, por intermédio do Secretariado de Weert, a notícia de que o Revmo. Pe. Fr. Hubertino Backes, ex-missionário na China, atualmente em Oaklandia, Califórnia, está destinado ao Brasil. Seja Bem-vindo!” (Rev. 24 - Revista Santa Cruz cit. p. 114). Na página 134 da mesma revista se lê: “No dia 24 ou 25 espera-se no Rio o Revmo. Pe. Frei Hubertino Backes, proveniente de New Orleans (Louisiana), onde tomou o vapor Del Aires que partiu daí em 08 de agosto. Seja bemvindo!” Certo é que, no dia 27 de setembro de 1949, frei Hubertino finalmente desembarcou no Brasil. A vida em Belo Horizonte De 1950 a 1967, nosso confrade viveu e trabalhou em Belo Horizonte, no convento São Bernardino. Já em 1951, juntamente com frei Abel Snel, matriculou-se no curso de línguas anglo-germânicas na Faculdade Santa Maria, futura Universidade Católica de Minas Gerais, bacharelando-se no dia 10 de dezembro de 1952. Além disso, na mesma faculdade, cursaram pedagogia durante dois anos. Na Santa Cruz de maio de 1954, lemos: “Menção honrosa – o nosso confrade frei Hubertino Backes foi nomeado lente na Faculdade de Filosofia da futura Universidade Santa Maria em Belo Horizonte, para lecionar Didática Especial das línguas anglo-germânicas”. Durante sua longa estadia em Belo Horizonte, nosso confrade exerceu várias funções: discreto da residência, conselheiro do diretor do Colégio Santo Antônio em BH, professor, diretor, vice-diretor, secretário do colégio, capelão das irmãs clarissas, além de diretor da florescente Ordem Terceira, no Colégio Arnaldo. Apenas por um lapso de tempo (de maio de 1961 a janeiro de 1962) foi diretor provisório do Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei. o então provincial frei Erardo Veen lembra-lhe a nomeação capitular e lhe recomenda paciência com dois padres novos que ali estão para estudar português. Ademais, pouco se sabe sobre o tempo de sua permanência em Visconde. Frei Hubertino era o homem do silêncio e pouco escrevia. Três anos depois de sua chegada àquele lugar, o governo provincial o nomeia cooperador do pároco de Nanuque, devendo residir em Serra dos Aimorés, na divisa com a Bahia. A vida entre os pobres de Serra dos Aimorés A transferência para Visconde do Rio Branco Em janeiro de 1968, por decisão do Congresso Capitular, frei Hubertino foi nomeado guardião do convento Santo Antônio de Visconde do Rio Branco, deixando definitivamente o Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte, que ajudara a fundar. Em carta de 19 de janeiro de 1968, De 1971 a 1973, nosso confrade ali viveu e trabalhou. Não é difícil imaginar o que essa transferência representou para um homem acostumado às lides acadêmicas. Agora se vê diante de uma realidade paroquial com suas exigências, além da dureza da vida dos pobres do lugar. Há quem diga que frei Hubertino sequer sabia como requerer uma certidão de Batismo! Ademais, para sobreviver, vai lecionar na única escola pública do lugar. Numa de suas correspondências ao velho amigo Abel Snel, descreve a vida que leva, fala do sofrimento dos pobres do lugar e o descaso do poder público. Mas não se queixa de nada. Revista Santa Cruz - 25 Contudo, de julho a dezembro de 1973, passa a lecionar provisoriamente no Ginásio Santo Antônio de Nanuque. Transferência para Muzambinho Após o Capítulo Provincial de janeiro de 1974, Hubertino é nomeado coadjutor em Muzambinho, sendo o então pároco frei Ambrósio Boude. Ali no Sul de Minas permanece até a entrega da paróquia à diocese de Guaxupé, no dia 28 de fevereiro de 1988, ocasião em que recebe o título de cidadania honorária do lugar, juntamente com frei Francisco Duarte Júnior, responsável pela paróquia até então (cf. Santa Cruz, fev. 1988, p. 8). Em Muzambinho o nosso confrade Hubertino permaneceu por 13 anos. 26 - Revista Santa Cruz De Muzambinho a Divinópolis Entregue a paróquia São José de Muzambinho, frei Hubertino é transferido como residente para o convento Santo Antônio de Divinópolis, onde permanece de abril de 1988 a abril de 1990, data em que é transferido para o sítio Rivotorto em Areias, Ribeirão das Neves. Numa das poucas correspondências dirigidas a algum dos provinciais, encontra-se uma de nosso confrade ao então provincial frei Luciano Brod. Em face do Capítulo a ser realizado em janeiro do ano seguinte – a carta é datada de 29 de dezembro de 1991 –, Hubertino manifesta a frei Luciano Brod seu desencanto com o sítio de Areias, sobretudo por causa do isolamento, e sugere sua transferência, seja para o Convento São Bernardino, em Belo Horizonte, ou novamente para Divinópolis. Com a cortesia e elegância de sempre, brinca com o Provincial: “Pedir não é proibido. Não se trata de ‘súplica’”. Diante de tal pedido, o Governo Provincial achou por bem transferi-lo novamente para Divinópolis, onde ficará apenas por alguns meses (de 1º de março a 1º de setembro de 1992), retornando novamente para Areias. Em São Francisco das Chagas: o Alverne de frei Hubertino A partir de novembro de 1997 a fraternidade de Carlos Prates, em Belo Horizonte, será aquela na qual nosso confrade viverá até o fim de seus dias entre nós. Ali viveu por 13 anos. Sua transferência de Areias se deveu antes de tudo pelo seu estado de saúde, inspirando cada vez mais cuidados. Aliás, desde 1986, já vinha manifestando sinais de debilidade. Naquele ano foi diagnosticada uma diverticulite. Além disso, já não andava mais com a mesma agilidade. Da fraqueza nas pernas resultou uma queda com a fratura de quatro vértebras, em agosto de 1998. Em setembro de 1999, é submetido a uma laparotomia (cirurgia de desobstrução dos intestinos). Em 2001 é internado por mais de um mês no hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, por conta de uma úlcera duodenal e a consequente hemorragia. Mas nosso guerreiro sempre se recuperava, voltando alegre e animado para o convívio fraterno, agora sob os cuidados zelosos da equipe de enfermagem do Convento São Francisco das Chagas. Em janeiro de 2003, é novamente internado para tratamento de desidratação e pneumonia, após o qual retorna para casa, para viver seu silêncio e cortesia para com todos. Contudo, cada vez mais enfraquecido, agora com dificuldade de engolir, é submetido, em agosto de 2004, a uma gastroctomia (colocação de sonda definitiva para receber alimentação diretamente ao estômago). Desde então, nosso confrade não se levanta mais de seu leito. Durante longos seis anos ficará ali imóvel, vivendo até o fim a sua configuração ao Cristo, na serenidade e tranquilidade que lhe eram próprias. Acompanhava a vida diária pelo ouvido e pelo olhar sem, no entanto, poder falar. Revista Santa Cruz - 27 A Páscoa de frei Hubertino No dia 24 de novembro de 2010, fomos surpreendidos com a notícia de que o Senhor chamou a si seu servo fiel, na idade de 96 anos, 70 deles dedicados ao ministério presbiteral e 77 no seguimento de Cristo na vida franciscana! Faleceu de uma hemorragia na região terminal dos intestinos. Foi sepultado no dia seguinte, no cemitério provincial de Areias, Ribeirão das Neves. O ministro provincial frei Francisco Carvalho Neto, quando do comunicado de seu falecimento à Província assim se expressou: “Celebramos a páscoa de nosso saudoso frei Hubertino Backes, um irmão que permanecerá na nossa memória e no nosso coração como exemplo de frade menor. Permanece em nós o testemunho da sua cordialidade, da sua serenidade e da sua mansidão (Comunicações do Definitório Provincial, n. 67, dez. 2010). Considerações finais Revisitar a história desse nosso irmão me faz pensar na VI admoestação de Nosso Pai São Francisco: “Irmãos todos, prestemos atenção ao Bom Pastor, que, para salvar suas ovelhas, suportou a Paixão da Cruz. As ovelhas do 28 - Revista Santa Cruz Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação e em outras coisas mais; e, a partir disso, receberam do Senhor a vida eterna. Daí, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito as obras, e nós, proclamando-as, queiramos receber a glória e a honra” (Da imitação de Cristo - Escritos de São Francisco). Que nosso santo confrade Hubertino, agora envolvido no abraço terno e fraterno da Trindade Santíssima, interceda por nós, filhos de tristes e vergonhosos tempos de tão pouca profecia e tanta busca de glórias e honrarias. RIP. 2. UM SÉCULO DE PRESENÇA FRANCISCANA EM JEQUITINHONHA (Apontamentos) Sheyla Almeida N. Lunkes O começo Em outubro de 1911, o novo Comissário do então Comissariado da Imaculada Conceição, frei Júlio Berten, ansioso por melhorar e aumentar a nossa missão, esteve em Diamantina com dom Joaquim Silvério de Souza. Este lhe ofereceu diversas paróquias. Frei Júlio, porém, preferia paróquias que ficassem mais perto de Teófilo Otoni e citou Araçuaí e Jequitinhonha. O bispo consentiu, com a ressalva de que os vigários diocesanos continuassem em suas funções na sede e os freis fizessem o trabalho mais pesado fora, na roça. Para Jequitinhonha foi designado frei Samuel Tetteroo, que viajou em março de 1912 para lá. A Paróquia foi criada em 1831. Em 1912 era vigário (desde 1872) o padre Emerenciano Alves de Oliveira, muito estimado por suas virtudes sacerdotais. Já estava idoso, mas ainda dava conta da sede. Frei Samuel foi residir em Jo- aíma, a 36 km de Jequitinhonha. Daquela residência os frades faziam suas longas e pesadas viagens pela imensa paróquia. Em 25.08.1913, Jequitinhonha passou a pertencer à nova diocese de Araçuaí, cujo primeiro bispo foi dom Serafim Gomes Jardim, outro grande amigo dos franciscanos. No ano de 1917, o velho pároco não tinha mais condições de assumir nem mesmo a igreja matriz. Desde então, frei Flaviano van Liempt passou a residir com ele, na cidade de Jequitinhonha. Com o falecimento do padre Emerenciano, em 16.12.1921, frei Flaviano foi nomeado pároco, no dia 15.01.1922. Nesse mesmo ano, no dia 23 de julho, o ministro provincial da Holanda, frei Simão Bennenbroek, esteve em Joaíma e resolveu suprimir esta residência, sempre problemática, transferindo provisoriamente seus moradores, frei Gualberto Schoonhof e frei Luiz Geldens, para Jequitinhonha. Juntamente com os freis Flaviano e Querubim Breumelhof, davam assistência também a Joaíma. Frei Querubim nos informa: “Foi no dia 06 de dezembro de 1922 que frei Flaviano recebeu, como presente de São Nicolau, os freis moradores da extinta residência “São Francisco Solano” de Joaíma. Se gostou do presente? Ele o diga! Certo é que, desde aquela data, os Revista Santa Cruz - 29 Frades Menores moraram definitivamente em Jequitinhonha, onde havia uma velha matriz e uma residência nas mesmas condições. Ambas precisavam ser renovadas. Mas como?” A Câmara Municipal, por meio do decreto-lei n. 153 de 08.10.1925, concedeu uma grande área com pequeno outeiro para a nova matriz e, quase anexo, outro terreno (o antigo cemitério) para a casa. Frei Flaviano iniciou as obras. “Em decorrência do Capítulo Provincial realizado na Holanda (12. 09.1925) - escreve frei Letâncio Vaske -, houve uma troca de cargos entre os freis Flaviano e Querubim (que residia até então em Teófilo Otoni). Frei Flaviano partiu de sua “querida Jequitinhonha” com lágrimas nos olhos e chumbo nas botas”. A viagem de 37 léguas (222 km), a cavalo, foi dura por causa das pesadas chuvas e inundações naqueles meses. Com muita dificuldade, frei Querubim chegou a seu novo destino, sendo, porém, recompensado por encontrar ali um clima, especialmente reservado para ele. 30 - Revista Santa Cruz A construção da Matriz e da Casa Paroquial Igreja em construção A empreitada da construção da matriz e da casa paroquial coube a frei Querubim, conforme ele mesmo registrou: “Ao sermos nomeado vigário de Jequitinhonha em maio de 1926, recebemos também a incumbência de construir uma nova matriz e nova casa paroquial. Foi logo organizada uma grande comissão dos principais homens do lugar, a fim de apressar os necessários preparativos para a construção da nova matriz. Como tínhamos de ir, em férias, à Holanda (junho de 1926), aproveitamos os conhecimentos de nossos parentes e tomamos lições de fazer e queimar tijolos, de misturar cal, areia, terra e cimento, como fechar os arcos de janelas e saber qual a grossura de cimento armado, calculada pelo peso etc.. Quando voltamos para o Brasil, em junho de 1927, trouxemos as plantas da matriz e da casa, feitas gratuitamente por um irmão nosso: a ideia principal: Jesus que é a cúpula com os quatro Evangelistas que são os quatro cantos de apoio à cúpula. O projeto, embora simples, era difícil de executar por falta de material, de pessoal competente, sendo o meio de transporte o lombo de burros. Por isso desistimos de fazer a cúpula de cimento armado e resolvemos usar madeira, ainda abundante na região e garantida pelos fazendeiros: cedro, vinhático, ipê e aroeira. Além da planta trouxemos também a maquete da cúpula à escala de 1:100, como também uma escada caracol em miniatura. Estávamos com toda a planta com seus pormenores na nossa cabeça. Na nossa passagem pelo Rio de Janeiro, compramos 300 bombas de dinamite e vários quilos de aço para bater as brocas. Em Jequitinhonha obtivemos uma boa pedreira para tirar as pedras: todos os dias, às 16h30min, durante um ano inteiro, os encarregados tinham de dar sete tiros e ficávamos parados em qualquer parte da cidade para contar os tiros de dinamite. Instalamos uma olaria, onde queimamos 110.000 tijolos. No antigo cemitério, fincamos os paus para os serradores que, em número de quatro, durante dois anos, sem parar, serraram toda a madeira necessária. Dom Serafim já aprovara a planta e, em julho de 1927, começamos a abrir as primeiras covas. Dois rapazes de 18 anos entraram como pedreiros e um carpinteiro com seu ajudante para todos os trabalhos do seu ofício. Compramos uma junta de bois com carro para buscar pedras na pedreira. Pedimos a frei José de Haas, então vigário de Araçuaí, para comprar cal e nos mandar por canoa (222 km); contratamos um tropeiro para trazer o cimento. Por falta da necessária firmeza, aprofundamos as covas até seis metros de altura e um metro de largura, para alcançar a rocha viva e levaram seis meses para saírem do chão. Nesse trabalho encontramos uma camada de um metro de grossura de pura areia, a qual foi aproveitada para fazer a massa de cal e cimento. Os alicerces custaram 50 contos. Levantamos as paredes até 15 metros; essa construção contou com a proteção especial de Deus, e do Padroeiro São Miguel. Basta só lembrar os meios primitivos, por exemplo, os andaimes de madeira roliça, torta, amarrados com arame; para colocar a cúpula (centenas de quilos), tivemos que armá-la e deixá-la suspensa no ar, pendurada nos andaimes numa altura de 30 metros, para depois de Revista Santa Cruz - 31 armada, deixá-la descer nos quatro cantos de apoio. Honra aos dois pedreiros e aos dois carpinteiros, pois os 4 cantos, onde a cúpula ia pegar, de fato, as paredes, estavam na sua justa medida, e receberam a cúpula de tal forma que, uma vez colocadas todas as peças, ela não se mexeu mais de forma alguma... No fim de 1930, tivemos a festinha ‘da cumeeira’, pois o telhado, a cúpula, a cruz na altura de 28 metros estavam colocadas; e gastos 170 contos. Uma vez coberta a Igreja, os trabalhos continuaram devagar, aprontando a igreja por dentro. E nestes dias, no dia 25 de junho de 1936, tivemos o prazer de tomar definitivamente posse da nova matriz, abandonando e fechando a velha. Até a data de hoje gastamos a importância de 240 contos; para o completo acabamento está orçada a importância de 80 contos. Gratidão para com o bom povo da paróquia que nunca permitiu que faltasse dinheiro, ao contrário, sempre houve sobra”. A nova residência Continua frei Querubim: “[...] Grandes dificuldades nessa construção (conforme a planta da nossa casa em Corinto), o vigário não as encontrou, a não ser que, por capricho do prefeito, a obra fi- 32 - Revista Santa Cruz cou parada um ano, como se estivesse fora do alinhamento. O povo já criticava o prefeito; outra medição provou que estava tudo certinho. No mesmo dia que a nova matriz começou a funcionar, a nova residência recebeu seus moradores, no dia 25 de junho de 1936. A casa, por dentro, está arrumada, só faltando o forro dos quartos; por fora falta o reboque. O primeiro hóspede foi o padre Comissário, frei Serafim Lunter, que, no dia 6 de julho de 1936, benzeu a casa. Terminamos estas ligeiras notas com as palavras que o Padre Comissário escreveu no livro testemunhal de visitador: ‘Que a bênção de Deus e do Seráfico Pai Francisco desça sobre este novo convento e todos os seus moradores atuais e futuros. Jequitinhonha, 7 de julho de 1936’”. Em janeiro de 1936, frei Constantino van Rijn, recém chegado da Holanda (14.10.1935), foi nomeado coadjutor (vigário paroquial) de Jequitinhonha. Ele mesmo escreve (Santa Cruz, agosto de 1936, p. 74-76): “‘Então você vai para Jequitinhonha? Ali o vigário fez uma igreja, uma obra holandesa, uma construção ótima’. Cheio de curiosidade fui chegando à cidade, e, à distância de meia légua, do cume de um morro, avistei a cidade. Um telhado vermelho, com a cúpula e pequena torre, dominava a casaria baixa e espalhada em redor. É a igreja que cada vez se destaca à medida que íamos chegando... Tudo na igreja inspira tranquilidade, a gente se sente em casa. A igreja está coberta de ardósias (plaquetas) de amianto, todas vermelhas, a cor do amor, exceto por cima da capelamor, onde são da cor cinza, para indicar que ali está o Tabernáculo. A planta da igreja é uma cruz grega; no meio se levanta a cúpula de 40m de circunferência e que se eleva a 28m. A cúpula cria uma atmosfera de devoção por causa das suas 32 janelas de vidro opaco vermelho. Em cima de tudo se eleva a cruz de 2 m, cujas lâmpadas, à noite, espalham seus raios luminosos e chamam a todos para se reunirem em redor de Cristo. A igreja tem 31m de comprimento por 21 de largura. As 15 janelas de 5m de altura e de largura competente, todas de vidro opaco branco, deixam entrar o ar em abundância e impedem a luz direta. Ao lado direito da capela-mor encontra-se a sacristia que mede 6x4; nos três outros ângulos da cruz grega estão incrustadas as capelas, de modo que nada na igreja nos distrai do ponto central, mas tudo se dirige para o altar-mor. Altar da igreja O altar é moderno: uma mesa de pedra, monolítica, descansa sobre quatro colunas; o conjunto é abobadado por um cibório, encimado este por uma estátua do Padroeiro da Igreja, São Miguel. Nas paredes laterais da capelamor há 15 pequenas janelas de vidro verde, o que é muito devoto; dois degraus dão acesso do altar para o corpo da igreja; segue-se um espaço de 3 a 4 metros para a mesa de comunhão. Depois vêm os estrados para os bancos. O resto do chão, os corredores estão cobertos de 6.000 ladrilhos. O coro, Revista Santa Cruz - 33 sobre a entrada principal tem as dimensões de 5x13 m. Ao lado da porta principal acha-se, dentro da igreja, a porta que dá acesso ao campanário, o qual, ao lado de fora, se encosta à igreja; uma escada de caracol, fechada, passa pelo coro e conduz ao campanário. As ardósias da torre são cor de cinza. Apesar de todas as crises e lutas políticas locais, a obra se está aproximando da conclusão. Oxalá seja realmente o que deve ser: a casa de Deus, onde todos, sem exceção, se reúnam para oferecer ao Criador, ao nosso Pai comum, um sacrifício magnífico e agradável! Que todos sejam um! Frei Constantino”. “Além dessas construções, frei Querubim dirigiu a construção do hospital que abrigava dez doentes e socorria com remédios um sem Igreja concluída 34 - Revista Santa Cruz número de ambulatórios, também fora da cidade” (Santa Cruz 1959, p. 15-21). De fato, não havia muita união na sociedade jequitinhonhense; pelo contrário, os partidos políticos eram bem ferrenhos e frei Querubim convicto em seu PSD. Havia ainda os tais coronéis, duros mandões, que queriam ‘ensinar o Pai-nosso ao vigário’. Como aconteceu com frei Floriano Groen, coadjutor em Jequitinhonha, na sua visita à capela de Joaíma. Um fazendeiro, mais rico em gado e “massa” do que em boas maneiras, havia de ser padrinho de dois casamentos. Ele exigia que o frei fizesse tais casamentos fora do horário. O Frei, porém, com muita calma e delicadeza - pois notava que o padrinho, vazio de educação, estava cheio de cachaça - procurava explicar-lhe que neste particular não podia ir ao encontro do seu desejo. Foi o bastante: qual faísca elétrica que pega na gasolina do motor, o qual a todo gás começa a chispar - a nossa pipa de cachaça despejou um turbilhão de impropérios e desaforos sobre o pobre frei. Este soube, heroicamente, guardar a calma e teve o consolo de ver o povo em peso colocar-se ao seu lado. Houve, porém, exploração política, publicada no jornal “Estado de Minas” (31.01.1936): “[...] Sacerdote agredido! Cena de vandalismo praticada por um prócer perremista contra um ilustre prelado!” (Santa Cruz, 1936, p. 40). Apesar dos pesares ou talvez por causa dos pesares, as coisas iam melhorando. Frei Querubim escreveu: “A situação religiosa melhora lentamente. Aos domingos, prega-se nas missas, como também nas festas de preceito, e nos dias de reunião da Ordem Terceira e nas primeiras sextas-feiras. Nas viagens, prega-se diariamente e se dá catecismo. Na matriz e nas capelas filiais, há catecismo semanalmente pelas catequistas; no Grupo Escolar, quatro vezes por semana e quatro vezes por todas as professoras. Na Escola Normal, duas vezes por semana pelo vigário. A Ordem Terceira está em progresso lento. Todas as terças-feiras há Bênção do Santíssimo Sacramento, e, anualmente, uma grande festa em honra de Santo Antônio” (Santa Cruz, 1937, p. 57). No dia 08 de agosto de 1938, frei Querubim parte de Jequitinhonha em viagem de férias à Holanda. Na mesma data, frei Virgílio Hoogenboom se encarregou, como substituto, da cura de almas de toda a freguesia de Jequitinhonha, à qual foi pertencer também provisoriamente a paróquia de São José de Vigia, cujo pároco falecera: assim duas paróquias imensas. Pouco depois, frei Constantino foi transferido para Divinópolis, sendo aqui substituído por frei Teodulfo Kamsma. No começo de 1939, frei Querubim foi nomeado vigário de Figueira (Governador Valadares), ficando frei Virgílio vigário (pároco) em Jequitinhonha. Avenida em frente ao mercado Frei Virgílio - poeta-cronista – deixou registrado o seguinte: “Pediram-me uma pequena crônica que acompanhasse o relatório anual de 1938 da freguesia. Não pode ser senão uma crônica truncada e defeituosa, pois, tendo chegado a Jequitinhonha, em fins de julho, para servir apenas de tapaburaco ou substituto na ausência do vigário, surpreendeu-me, em Revista Santa Cruz - 35 fevereiro p.p., uma ordem do Revmo. Padre Comissário que me transformou de substituto em sucessor. A nova Matriz: por sua solidez, simboliza perfeitamente a vontade e a força dinâmica do vigário-construtor, pois ela é uma verdadeira fortaleza, baluarte indestrutível do Guerreiro Celeste São Miguel Arcanjo. Seu estilo? Holandês? É estilo “Frei Querubim”. Pena é que a planta não acertasse as exigências do nosso clima, pois a nova matriz é um forno! Ela não está toda pronta, faltam: todo o reboque por fora, o púlpito, mesa de comunhão, confessionários, altares laterais, cronômetro etc. De sorte que, por enquanto não podemos cruzar os braços. Amém! O hospital: dez doentes, todos indigentes; um sem número de ambulatórios; dois médicos. Damas de Caridade visitam os doentes e angariam esmolas. A enfermeira, com família, mora no Hospital, toma conta dos doentes e da casa. É fala geral por aqui que o Hospital já não existiria mais se a direção não tivesse ficado nas mãos de frei Querubim. A casa paroquial: é espaçosa, alta, sólida, é simplesmente franciscana e franciscanamente simples, agradável, tem todos os confortos modernos e satisfaz às exigências da higiene contemporânea. O movimento religioso: a vida religiosa nas mesmas condições do comércio: parada, sem progresso; o grande impedimento que emba- Igreja, Casa paroquial e Rádio Santa Cruz 36 - Revista Santa Cruz raça a vida espiritual é a política partidária que o Estado Novo do Getúlio Vargas não conseguiu dominar. As Associações todas semimortas, pouca frequência; catecismo bem organizado em 20 pequenos centros, com catequista que dá aula todos os domingos ao meio-dia. No Grupo Escolar, todas as professoras, ajudadas pelo vigário, ensinam catecismo dentro do horário oficial. Na freguesia não há protestantes nem espiritismo, mas uma verdadeira praga são os amasiados, muitos dos quais só casados no civil. As missões: o acontecimento mais importante do último semestre de 1938 foi a pregação de missões pelos padres Redentoristas de Curvelo. Excetuadas as missões, fala-se nesta crônica só da cidade e não do serviço na roça; visitei duas vezes Joaíma, que tem uma população quase igual à de Jequitinhonha; está em franco progresso material, mas com uma religiosidade muito superficial; é visitada pelo padre ao menos uma vez por mês. Todo o serviço religioso da roça estava ao cargo do zeloso vigário coadjutor. O novo coadjutor é frei Teodulfo, que fez apenas o primeiro giro para acostumar-se com o serviço. Já está gostando do trabalho e vai se acostumando aos poucos” (Santa Cruz,1939, p. 72-75). Continua no próximo número... Revista Santa Cruz - 37 UMAS E OUTRAS Por fim, mais uma boa pitada de “humor franciscano”, para alegrar a vida. “Como é, não vai pagar?” Em estágio por Salinas, frei Júnio Fernando se sentiu muito bem acolhido pela fraternidade local. Frei Hugolino, num dia de passeio pela cidade, levou o jovem frade 38 - Revista Santa Cruz a uma loja de material esportivo. Frei Júnio, cruzeirense da gema, ficou babando pelas camisas que viu de seu time. O anfitrião então perguntou se ele não iria escolher uma. Ora, se era assim, claro: escolheu logo a mais cara do estabelecimento. Mas o sonho da juventude terminou aí. Ao se encaminharem para o caixa, frei Hugolino devolveu a mercadoria para frei Júnio: “Como é, não vai pagar?”. Tadinho do freizinho! Achou que iria ganhar uma camisa lindona do seu time do coração! Mas as frustrações fazem parte da vida... Papai Prick-Noel A alquimia de um frade Durante um de seus experimentos, frei Paulo Afonso deixou uma panela em fervura no fogão enquanto fazia outra coisa. Acontece que a poção começou a incandescer, tornando-se uma labareda digna de Hollywood. Quando o fradeguru retornou e se deu conta do sucedido, perguntou a frei Eduardo Metz por que ele não fizera nada para evitar o fogaréu: “ué, achei que o fogo fazia parte da receita”. Assim como não há Páscoa sem coelho e chocolate, não há natal sem o “Bom Velhinho”. Pois lá estava ele: Prickemente vestido, alegrando a criançada, em Carlos Prates. How, how, how. Revista Santa Cruz - 39 Onde o Judas perdeu as botas Eu não sou cachorro, não Para acolher os novos moradores, a residência da fraternidade São Boaventura, na paróquia Santa Isabel, vem passando por reformas. O guardião, preocupado com o bem-estar do pedreiro, comprou um par de botas ad usum. Terminada a empreitada, o pedreiro disse que depois voltaria para “pegar as botas”. Isso foi motivo de grande litania entre os confrades: a bota era ou não era do pedreiro? Quem podia ou não dar-lhe esse regalo? Certamente este assunto constará na pauta do próximo capítulo da fraternidade. Em Itaguara, durante o tríduo preparatório para a profissão solene de frei Luiz Antônio, a cachorrada da cidade fez a festa. Nunca se tinham visto tantos frades juntos. Por onde iam, os frades eram escoltados por uma incontável matilha da região. Tamanha amizade certamente faria inveja ao lobo de Gúbio. 40 - Revista Santa Cruz Polegares, polegares, onde estão?... O esbelto frei José Roney, que antes de ingressar na Vida Religiosa animava muitos bailes por aí, teve seus dias de instrumentista ameaçados num estalar de dedos, ou melhor, no bater de uma porta. Na saída da kombi do convento de Betim, um desavisado lhe fez o favor de achatar seus dedinhos delicados, prendendo-os na porta traseira. A vantagem é que ninguém debochou de tamanha sorte (se é que isso pode ser chamado de sorte). aguaceiro, pondo os alpinistas em pronta retirada, rolando, cantando e seguindo a canção. Farinha ou açúcar? Tanto faz! Chuva na pedreira Frei Valter, em Ubá, sua terra natal, pôde realizar um sonho de infância: fazer seus confrades subirem a Pedra Redonda, um dos pontos turísticos da região. O que não estava previsto - ou pelo menos não foi levado a sério - era uma chuva das fortes. Quando estavam “lá em riba”, veio o maior O pior dos “frades internacionais” é que encontram escapatória pra tudo. Numa das refeições da fraternidade, frei Basílio de Resende pôs uma boa dose de açúcar na comida, pensando ser farinha. Os frades, em silêncio, aguardavam a reprovação, mas pra não dar o braço a torcer, o decano se saiu bem: “No Paquistão se come muito agridoce”. E se fartou como se nada tivesse acontecido. Vai um bife com açúcar aí?! Revista Santa Cruz - 41 Casa-mãe tomada por ratos O recreio do convento de Carlos Prates teve uma agitação incomum. Um festival de vassouradas e porretes, seguido de gritos desesperados, anunciava a chegada dos invasores. Frei Joaquim Fonseca, em vez de se inspirar no flautista de Hamelin (irmãos Grimm), preferiu mesmo foi uma batucada com cassetete. Salve-se quem puder, cambada de roedores! E por falar em ratos, em nossa última edição, apresentamos aos leitores o gatinho mais fofo da Província, o bichano Dunga, da fraternidade Rivotorto, em Areias. Pois há uns dias, sem um porquê, fugiu de casa e foi se instalar no alto de uma árvore, deixando a fraternidade visivelmente abalada. Com muito custo, ele foi localizado, mas desceu como um tiro, e escondeu-se de novo. Na manhã seguinte, após terem acionado o Corpo de Bombeiros e espalhado cartazes com fotos do bichano pela Grande BH, lá estava ele, deitado no chão. Afinal, o bom filho à casa torna. Que o diga o “filho pródigo”. Dilema perante a invenção de Grahan Bell Procura-se Dunga, o gato mascote Atenção! Nesta, vamos deixar o autor às escondidas. Daremos so- 42 - Revista Santa Cruz mente algumas dicas veladas, para manter sua identidade protegida. De antemão, alertamos o(a) leitor(a) para a estrutura nada convencional do relato: foi uma tentativa de caracterizar a linguagem “rococó” do protagonista em questão. Um belo dia, repleto de calor e luz (que embriaga o ser, dando-lhe força e motivação), o telefone tocava libidinosamente, impulsionando o corpo do frade (que sente dor e prazer) a ir atendê-lo. Porém, o seguidor de São Francisco (aquele santo de ternura e vigor, de impulsos e afetos) não contava com um despropósito da natureza (essa força descomunal, capaz de tornar a criatura humana frágil e indefesa). Havia vários aparelhos telefônicos juntos, cada um em um canto. “E agora!? (pensou o frade, no íntimo de seu ser, imerso na dúvida, tencionando-o a tomar uma atitude que poderia mudar o rumo de sua existência mortal) qual desses estará tocando?” Tentou o primeiro, nada. Atendeu o segundo, mas não saiu nenhuma voz humana (capaz de amar e odiar). Ah, sim, o terceiro era o que clamava com toda a força vital (como se vida tivesse) para que lhe ouvissem. Após saudar a quem ligava por mais de trinta segundos, o frade pôde acalmar seu coração (este pulsante vital, sede das paixões e ódios animalescos...). Grande Prêmio de automobilismo da PSC - 2 E as emoções do campeonato provincial de automobilismo continuam. Durante as provas no fim do ano, vários competidores tiveram o sonho de assumir a liderança do campeonato adiadas, pelo menos temporariamente. Frei Eron, ao voltar para os boxes, passando pelo circuito da avenida Marco Túlio, durante uma chuva torrencial, teve o carro tomado pelas águas, capaz de derrotar cavalos e cavaleiros. A água do rio chegou ao motor, mas por sorte não o fez parar. Já a dupla de rali formada por frei Edson Máximo e frei Basílio também teve um susto quando a saveiro da equipe deles bateu na vala lateral e rompeu o eixo dianteiro. Fora os pneus carecas e a falta de uma revisão ‘daquelas’, nada de mau Revista Santa Cruz - 43 aconteceu. Frei Geraldo Machado também teve seu momento de glória ao ser abordado por um ACNI (Animal corredor não identificado) que deixou seu possante de pneus pra cima. Bem, amigos, o campeonato continua eletrizante. Esperemos novas emoções e que Jesus tome conta! Sai, “espírito de porco!” O bolo diabético O aniversário de frei Leto deveria ser comemorado com pompa, desejara o zeloso guardião. Como aniversário que se preze não pode passar sem bolo, surgiu então a dúvida: fazê-lo ou não, visto que o aniversariante tem problema de glicose. Porém, mais uma vez o guardião se saiu bem: “Ora, isso não é problema. Vamos fazer um bolo diabético!”. Afinal, será que se usa insulina na receita? 44 - Revista Santa Cruz Para comemorar a profissão solene dos confrades Valter, Kelisson e Luiz Antônio, o guardianato de Areias ofereceu aos frades uma leitoa assada de primeira. Como o arroz ficara preso na Linha Verde, os salivantes convivas resolveram atacar a suína com farofa. Tudo correu às mil maravilhas, muita festa, muita fraternura, até que o espírito da intrépida porquinha decidiu atormentar alguns frades ao cair da noite, forçando-os a permanecer às claras. Nem morta e assada a danada não sossegou. Especial do “Natal Caminhando” Os frades que participaram da caminhada pelo nordeste de Minas tiveram experiências inesquecíveis. Relembrando os reis magos, puseram-se a seguir a estrela-guia, mas, lá pelas tantas, ela resolveu fazer greve, deixando os pobres frades num mato sem cachorro, literalmente. O trecho entre Oropinha e Bom Jesus da Vitória foi feito à custa de muito mato na cintura, atoleiros e uma fome de leão. Já em Umburatiba, os filhos de São Francisco tiveram a oportunidade de conhecer um artista local, poeta dos mais comoventes. Como homenagem (vai que ele fique famoso!), registramos aqui dois de seus versos: “Lagartixa na parede / parece um camaleão / mulher feia na cozinha / parece um gato ladrão”; “Eu fui para uma festa / com sapato de algodão. / O sapato pegou fogo / e eu dancei com pé no chão”. Mas o melhor ainda estava por vir. A ceia natalina foi servida com grande regalia: uma sopinha de macarrão com legumes e suco de pacote. Nos dias de regressarem, alguns frades ainda foram presenteados por incômodos intestinais e estomacais, o que fez com que a viagem dobrasse a quilometragem. Mas, entre mortos e perdidos, os caminhantes puderam ver o Menino envolto em panos, só não tinham ouro, incenso e mirra. Para alegrar o Recém-nascido, puseramse a cantar: “Lagartixa na parede / parece um camaleão...” Revista Santa Cruz - 45 Curso sobre férias Estão abertas as inscrições para o curso de “Horas de férias”. O curso visa dar aos participantes a sensação de estarem de férias, mesmo dormindo em casa e retornando sempre às atividades. Com um pouco de criatividade, a pessoa se autoconvence de que está vacante, apesar de tudo à sua volta dizer o contrário. Os interessados podem procurar frei Basílio de Resende, especialista no assunto que, como passarinho acostumado à gaiola, mesmo livre, sempre volta ao refúgio de sempre. 46 - Revista Santa Cruz Revista Santa Cruz - 47