A vez dos gigantes

Transcrição

A vez dos gigantes
Saúde Animal
A vez dos
gigantes
O crescimento vigoroso do mercado brasileiro abre caminho
para novas fusões e aquisições
entre laboratórios nacionais e estrangeiros
A
negociação que selou a união das divisões de saúde animal da francesa
Sanofi-Aventis e da norte-americana
Merck, anunciada em março e atualmente em avaliação pelos órgãos antitruste internacionais, somou-se a uma lista de outras inúmeras transações registradas na área
de medicamentos veterinários ao longo da
última década. Para especialistas do setor
ouvidos pela DBO, a temporada de compra e venda nesse segmento ainda não chegou ao fim, sobretudo quando se olha para
Brasil, país onde o mercado veterinário ainda é pulverizado, com cerca de 150 empresas em operação, e apresenta grande potencial de crescimento, principalmente
na área de ruminantes.
“O mundo assistiu, na última década,
a grandes negociações envolvendo gigantes do setor farmacêutico; por isso creio
que, globalmente, as oportunidades para
novas transações do mesmo porte se reduziram. No entanto, ainda há espaço para
alguns negócios estratégicos nessa área no
Brasil”, afirma Emílio Salani, presidente
do Sindan-Sindicato
Nacional da Indústria
de Produtos para Saúde Animal, que reúne
90 laboratórios. Para
ele, as novas chances
de negócios nessa área
recaem sobre empresas brasileiras, que passam a ser assediadas por multinacionais
ainda ávidas por aumentar sua participação no mercado nacional.
Em contrapartida, diz Salani, o fortalecimento dos grandes grupos internacionais também abre caminho para a
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ocorrência no Brasil de fusões e parcerias
entre os próprios laboratórios nacionais.
“Quando se olha para o mercado veterinário brasileiro, percebe-se que existem
inúmeras companhias com vocações opostas, ou seja, enquanto uma determinada
empresa dirige seu trabalho exclusivamente para a área biológica, como a produção de vacinas, uma outra tem como
único foco o segmento farmacêutico,
concentrando-se nas vendas de antiparasitários, antibióticos, vitaminas, entre ou-
tros produtos”, diz Salani, que também é
diretor técnico da Merial, uma das empresas que serão integradas à nova companhia criada pelos grupos Sanofi-Aventis e Merck. “Não há antagonismo entre
os portfólios dessas empresas nacionais,
o que faz delas potenciais candidatos a engrossar a lista das que seguiram o caminho das fusões”.
“O movimento de fusões e aquisições
entre multinacionais do setor tende a seguir um ritmo mais lento daqui para
O faturamento da indústria
brasileira de saúde animal não para
de crescer (em R$ bilhões)
2004
Faturamento do
segmento veterinário
por categoria em 2009
(em R$ bilhões)
2.019
2005
2.166
2006
2.261
2007
2.442
2008
Fonte: Sindan
I DENIS CARDOSO
2.688
2009
2.823
Ruminantes
1.563
Aves
401.8
Pets
292.5
Suínos
431.0
Equinos
77.8
Outros
56.7
frente”, diz o presidente da Phibro Animal
Health no Brasil, Stefan Mihailov. “Em contrapartida”, acrescenta, “acelera-se a busca
por empresas brasileiras e também sul-americanas. Aí existem ótimas companhias, que
nada deixam a desejar para os grandes grupos estrangeiros”, afirma Mihailov, que
antes de assumir o comando da Phibro foi
diretor para a América Latina da Fort Dodge (divisão de saúde animal da norteamericana Wyeth, agora pertencente à Pfizer), além de presidente da filial italiana
nessa mesma companhia.
Segundo Jorge Espanha, diretor da Pfizer Sáude Animal no
País, atualmente, cerca
de 70% do mercado
brasileiro de produtos
veterinários (o equivalente a R$ 1,84 bi-
lhão) é controlado por dez empresas, e
outros 30%, ou o equivalente a R$ 1 bilhão em faturamento, estão repartidos entre 140 companhias, nacionais e multinacionais. “Isso mostra que ainda existe espaço para concentração do setor”, diz
o executivo da Pfizer, que, ao incorporar
a Fort Dodge no ano passado, tornouse líder mundial no setor – posto perdido agora para a nova companhia gigante, resultado da fusão das empresas Intervet/Schering-Plough, da Merck, e a
Merial, da Sanofi-Aventis.
Apesar da ofensiva da concorrência,
a Pfizer não estuda novas fusões e aquisições, pelo menos por enquanto, informa Espanha. “No momento, não há previsão de novos negócios. O grupo está
concentrado no processo de integração
com a Fort Dodge, ainda em andamento em diferentes países, incluído o Brasil”, diz. “No entanto, a Pfizer é uma empresa dinâmica e está atenta às oportunidades”, acrescenta. Ele ressalta a importância do Brasil como plataforma de
exportação para outros países, principalmente para o continente sul-ameri-
1997
1999
2004
2007
2009
Nasce a Merial, resultado da
fusão entre a Merck Sharp &
Dohme e a Rhodia-Mérieux.
Surge a Aventis, união entre
a Hoechst Marion Roussel e
a Rhonê-Poulenc/Rhodia.
Sanofi-Synthélabo
compra a Aventis e cria
a Sanofi-Aventis
Schering-Plough adquire a
Organon BioSciences, e
passa a controlar a Intervet
Pfizer compra a Wyeth e
incorpora a Fort Dodge.
Merck Sharp & Dohme adquire
a Schering-Plough/Intervet
Merck vende sua parte (50%) na
Merial para a sócia Sanofi-Aventis
2010
Merck e a Sanofi-Aventis
criam uma nova gigante do
setor, que reúne os ativos
da Intervet, Schering-Plough
e Merial.
Dois grandes grupos detêm 50% do mercado
O movimento de concentração do setor de saúde animal se intensificou a partir da criação da Merial, em 1997, que
surgiu da união dos ativos veterinários
pertencentes à norte-americana Merck
Sharp & Dohme e da francesa RhodiaMérieux. Dois anos depois, em 1999,
aparece no mercado a Aventis, resultado da fusão entre a alemã Hoechst Marion Roussel e o grupo francês RhonêPoulenc/Rhodia.
Em 2004, o grupo franco-alemão
Aventis aceitou a proposta de compra do
laboratório francês Sanofi-Synthélabo,
negócio que resultou no surgimento da
Sanofi-Aventis, na época, a terceira
maior companhia farmacêutica do mundo e a maior da Europa. Em 2007, a norte-americana Schering-Plough anunciou
a compra da Organon BioSciences, divisão farmacêutica da indústria química
holandesa Akzo Nobel, levando para a
casa a Intervet, a divisão de saúde animal do grupo.
A resposta da norte-americana Pfizer
veio em janeiro de 2009, quando a empresa anunciou a aquisição, por US$ 68
bilhões, da companhia farmacêutica
Wyeth, incorporando ao seu portfólio os
negócios veterinários da Fort Dodge. Três
meses depois, em março de 2009, a
Merck Sharp & Dohme (ou MSD, no Brasil), então dona de 50% da Merial, acerta a compra da rival ScheringPlough/Intervet por US$ 41 bilhões.
Como Merial e Intervet tinham linhas de
produtos veterinários líderes de mercado em diversos países, para não criar atrito com os órgãos antitruste, a Merck decidiu vender, em junho do ano passado,
sua parte (50%) na Merial para sua sócia na empresa, a francesa Sanofi-Aventis, que desembolsou US$ 4 bilhões
para deter 100% do ativo.
O acordo de venda da Merial incluía, porém, uma cláusula que dava a
Sanofi a opção de se associar à IntervetSchering. Foi exatamente essa a escolha exercida pela empresa ao decidir reunir, em uma única empresa, as controladas Intervet/Schering-Plough e Merial. Assim, a volta da parceria entre
Merck e a Sanofi-Aventis, caso passe
pelo crivo dos organismos reguladores
antitruste dos EUA, Europa, Brasil e outros países, criará a maior companhia de
saúde animal do mundo, com mais de
US$ 5,5 bilhões em vendas e um participação no mercado mundial de 30%,
bem acima da fatia global de 21% detida pela Pfizer/Fort Dodge, agora segunda
colocada no ranking. Dessa forma, o setor veterinário, que movimentou US$ 19
bilhões em 2008, contará agora com dois
grupos detendo mais de 50% do mercado global.
abril de 2010 DBO
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cano. “A nossa fábrica de GuarulhosSP possui tecnologia de ponta na manufatura e cumpre as exigências de diversas agências regulatórias do mundo, o que
nos credencia para exportarmos produtos como antibióticos e antiparasitários
para as nossas unidades localizadas em
outros países”, afirma. Em 2009, a Pfizer Brasil exportou o equivalente a US$
80 milhões (incluídas as divisões de
saúde humana, consumo e saúde animal)
para 60 países.
Segundo o diretor da Pfizer, outro caminho a ser perseguido é o das parcerias
entre empresas para complementação
de portfólio ou serviços. “Um exemplo
é o nosso acordo firmado com a Chr.
Hansen Brasil (empresa de origem dinamarquesa) para a distribuição de seus
probióticos para aves, indicados para o
aumento de ganho de peso dos animais
e melhora da conversão alimentar”, afirma. “Distribuímos também produtos da
Dow Agroscience (multinacional norteamericana) e da Virbac (francesa)”,
acrescenta.
O presidente
do Conselho Nacional da Pecuária de Corte,
Sebastião Costa
Guedes, também
enxerga oportunidades para novos negócios entre laboratórios
no País. “Algumas aquisições já podem estar em andamento por aqui”, observa
O processo de concentração no setor frigorífico, que atingiu o seu ápice em setembro de 2009 com a fusão entre os gigantes
JBS-Friboi e Bertin, deixou muitos pecuaristas temerosos de possível manipulação no preço do boi. Com menos
compradores no mercado, eles preveem
maior dificuldade para negociar o valor da
arroba. No caso do setor de saúde animal,
os efeitos das fusões e aquisições tendem
a ser menos nocivos aos produtores. É o
que admite a veterinária Maria Gabriela Tonini, analista da Scot Consultoria, de Bebedouro-SP. “O movimento de concentração
preocupa, em qualquer área de negócio.
Mas, diferentemente do que ocorre com os
frigoríficos, a relação entre o produto e a indústria de insumos sempre foi mais amigá-
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Guedes, que também é diretor da IFAHInternacional Federation For Animal
Health em Bruxelas, na Bélgica. Segundo ele, o movimento de fusões e aquisições da última década refletiu, em parte,
o interesse das empresas multinacionais
em unir forças apenas no segmento farmacêutico, desfazendo-se da área de saúde animal. “E algumas companhias decidiram vender suas divisões veterinárias
porque não tinham faturamento e margens
suficientes para viabilizar os altos custos
de pesquisa, desenvolvimento e registros
de novos produtos”, diz.
Segundo Guedes, o setor de saúde
animal tende a sofrer cada vez mais os
efeitos da globalização e da busca de
maior competitividade entre os fornecedores de insumos. “As firmas médias e
pequenas estão menos competitivas, à
medida que muitos criadores começam a
dar preferência para os produtos inovadores oferecidos por empresas de grande porte”, diz. Diante disso, afirma, as
companhias menores não terão chance de
inovar e terão de concorrer com os preços baixos das commodities (produtos genéricos e ou similares sem patentes), o
que apertará ainda mais as suas margens.
A nova
empresa criada pela Sanofi-Aventis e
Merck vai acirrar ainda mais o disputado mercado brasileiro de saúde animal.
No ano passado, de acordo com dados do
Sindan, apesar da crise financeira mun-
CONCORRÊNCIA ACIRRADA –
Efeitos
da
concentração
vel, facilitada pela necessidade que têm os
fornecedores de fidelizar o cliente”, observa Tonini.
Segundo a veterinária da Scot, é comum
dial, o segmento registrou um crescimento de 6% e um faturamento de R$
2,84 bilhões. Somente o setor de ruminantes, que responde por 55% das vendas totais, cresceu 4,5%, com faturamento de R$ 1,563 bilhão. “O aumento
no poder aquisitivo contribui para o
avanço do consumo de carnes”, afirma
Espanha. “Lá fora, o Brasil é visto
como o país que mais tem capacidade
para elevar a produção de carnes, e
com certeza a indústria de insumos vai
acompanhar esse crescimento”, afirma
Stefan Mihailov.
Segundo prevê o Sindan, o mercado
veterinário irá avançar de 7% a 10%
anualmente, nos próximos anos, mantendo o ritmo médio de crescimento de
7,5% registrado entre 2002 e 2009. “No
mundo, o crescimento do setor é mais
modesto, em torno de 1% ao ano”, informa Mihailov.
Embora faça parte da diretoria da Merial, Salani diz que ele – e nenhum outro executivo da empresa no Brasil – foi
autorizado pela matriz norte-americana
a fazer comentários sobre a joint venture anunciada pela Sanofi-Aventis e
Merck. “O que posso afirmar é que, em
se tratando de negociações mundiais de
grande porte, não há fusões totalmente sinérgicas, sem que haja alguma duplicidade”, diz. Alguns meses antes da anúncio oficial da criação da nova empresa,
o presidente executivo da Sanofi-Aventis, Christopher Viehbacher, disse, em teleconferência à imprensa, que enxergava pouca duplicidade na aliança entre as
as empresas de saúde animal venderem
seus produtos associados a um pacote de
serviços de apoio ao produtor, tanto na área
gerencial, como auxílio na avaliação de
custos, quanto na parte técnica, com
apoio ao manejo”, diz ela.
Para Jorge Espanha, apesar da concentração, existe no País uma concorrência muito grande entre empresas e produtos ligados ao setor veterinário. “Alguns
segmentos como ivermectinas e endectocidas têm mais de 60 marcas competindo”, afirma. Na visão de Sebastião Guedes, do CPNC, as novas fusões e aquisições
irão trazer mais vantagens que desvantagens ao pecuarista. “O fortalecimento das
empresas do setor garante produtos inovadores e com mais qualidade”, diz Guedes.
Saúde Animal
duas empresas, uma vez que a Merial se
concentra no mercado pet, enquanto a Intervet é forte na área de ruminantes. Uma
fonte de uma indústria veterinária no Brasil, porém, tem opinião diferente. Para
ela, é provável que a nova joint venture
forçará desinvestimentos em algumas
áreas de negócios dessas empresas, “especialmente no segmento de vacinas
bovinas e aviárias, onde há sobreposições
de produtos”.
Tomando-se como base o histórico
das últimas grandes negociações envolvendo empresas do setor, o trabalho de
avaliação da nova fusão por parte dos órgãos antitruste pode arrastar-se por quase um ano. Anunciada em janeiro de
2009, a aquisição dos negócios globais
da Wyeth/Fort Dodge somente foi aprovada pelas autoridades americanas dez
meses depois – em outubro do ano passado. Mesmo assim, segundo Espanha, no
Brasil as duas companhias continuam a
operar como empresas independentes, reportando o faturamento separadamente.
“A existência de possíveis sobreposições
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União da francesa
Sanofi-Aventis com a
norte-americana Merck
dará a nova empresa
uma fatia de 24% do
mercado brasileiro
ainda está sendo avaliada”, afirma o
executivo. Mas é sabido que a Fort Dogde traz uma ampla gama de produtos
complementares para o portfólio da Pfizer, com destaque para a linha de biológicos (vacinas) para aves e produtos
para equinos”, informa Espanha. A aquisição ainda está em processo de avaliação pelo Cade-Conselho Administrativo
de Defesa Econômica.
No ano passado, sozinha, a Pfizer
Saúde Animal faturou R$ 354 milhões,
um crescimento de 12% em relação ao
ano anterior, o dobro da taxa média do
mercado. A unidade de negócios de bovinos representou 57% das vendas totais.
Se fosse agregado o faturamento da Fort
Dodge no ano passado (R$ 168 milhões), os resultados da multinacional
norte-americana no Brasil na área veterinária subiriam para R$ 522 milhões
(18% do faturamento total do setor). A
Merial, a maior concorrente da Pfizer, faturou R$ 300 milhões em 2009, e também
obteve elevada taxa de crescimento, de
12,7%. Ao se somar as vendas da Intervet/Schering-Plough no ano passado, de
R$ 380 milhões, a nova empresa criada
pela Sanofi-Aventis e Merck surge com
um faturamento no Brasil de R$ 680 milhões – R$ 160 milhões a mais que a concorrente Pfizer/Fort Dodge –, apropriando-se 24% do mercado. Porém, Intervet/Schering-Plough e a Merial irão
continuar operando de forma independente até o fechamento da transação.