Introdução: O traumatismo cranioencefálico

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Introdução: O traumatismo cranioencefálico
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
Viviane Cordeiro Veiga
Salomón Soriano Ordinola Rojas
Elaine Aparecida Silva de Morais
Erica Cristina Alves dos Santos
Olga Oliveira Cruz
Andreia Maria Marchesini
Ligia Maria Coscrato Junqueira
I – Introdução:
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é definido como uma agressão ao
cérebro causada por agressão física externa, que pode produzir alteração no
nível de consciência e resultar em comprometimento das habilidades cognitivas,
físicas e comportamentais. O tratamento do TCE baseia-se inicialmente, no
entendimento do mecanismo da lesão traumática.
II – Fisiopatologia:
A fisiopatologia do TCE depende da relação entre a capacidade de
complacência cerebral e as alterações no fluxo sanguíneo cerebral. O
tratamento clínico do TCE consiste na otimização da oferta e diminuição do
consumo cerebral de oxigênio.
As principais causas de lesão cerebral secundária são:
- Sistêmicas: hipotensão, hipóxia, hiper ou hipocapnia, anemia,
febre, hiperglicemia, hiponatremia, sepse e coagulopatia.
- Intracranianas: hematomas, edema cerebral, hipertensão
intracraniana, herniação cerebral, vasoespasmo, hidrocefalia, infecções,
convulsões, lesões vasculares cerebrais.
III – Classificação:
A. De acordo com a causa:
Queda
Acidente automobilístico
Agressão
B. De acordo com o mecanismo:
Penetrantes
Não penetrantes
C. De acordo com a morfologia:
Fraturas
Lesões intracranianas
D. De acordo com os efeitos funcionais ou estruturais sobre o cérebro:
Focais: Hematoma extradural
Hematoma subdural
Hemorragia intracerebral
Contusão cerebral
Difusas:Concussão leve
Concussão clássica
Lesão axonal difusa
E. De acordo com gravidade: baseada na pontuação da escala de
Glasgow
Leve: entre 13 e 15
Moderado: entre 9 e 12
Grave: abaixo de 9
IV – Tratamento:
1. Evitar lesões secundárias, através da otimização da oferta e da
diminuição do consumo cerebral de oxigênio.
2. Manter vias aéreas pérvias:
Desobstrução de vias aéreas
Avaliação da respiração e ventilação
Oxigenioterapia suplementar, se necessário
Intubação orotraqueal se Glasgow < 9
- hiperventilação cautelosa: manter pCO2 entre 30-35mmHg
3. Volemia:
Manter normovolemia
Reposição deve ser feita preferencialmente com cristalóides (soro
fisiológico)
Evitar utilização de soro glicosado
Passagem de sonda vesical para controle do balanço hídrico
4. Controle do sódio:
Prevenir e tratar alterações nos níveis de sódio.
Sódio sérico de 3 em 3 horas nas primeiras 24 horas. Após, de acordo
com valores obtidos.
5. Sedação:
Narcóticos: fentanil ou morfina
Hipnóticos: propofol ou midazolam
Barbitúricos: o thionembutal deve ser utilizado somente se
hipertensão intracraniana refratária ou à critério da equipe
Bloqueador neuromuscular: pacientes com pressão intracraniana
de difícil controle ou à critério da equipe
6. Monitorização da pressão intracraniana (PIC), nos pacientes com
traumas graves. Manter abaixo de 20mmHg.
6. Manter pressão arterial média ≥ 90mmHg, com o objetivo de manter
pressão de perfusão cerebral maior que 70mmHg.
Se hipotensão: cristalóides ou drogas vasoativas (primeira opção:
noradrenalina)
7. Manitol:
Utilizar somente de acordo com equipe de neurologia
Dose: 0,25 – 1g/Kg em bolus (10 minutos).
8. Decúbito elevado a 30º com cabeceira centrada
9. Normotermia:
Se necessário, utilizar antitérmicos ou utilizar hipotermia para
proteção cerebral, se acordado com a equipe de neurologia.
10. Manter glicemia entre 100 – 180 mg/dl
Dextro de 3/3 horas
Se paciente necessitar de bomba de insulina: dextro 1/1h
11. Aporte nutricional adequado: dieta de acordo com as condições clínicas.
Introduzir dieta (vo, enteral ou parenteral) o mais precocemente possível
12. Passagem de sonda nasogástrica ou orogástrica (se trauma de base de
crânio ou fraturas na face)
13. investigar traumas associados:
Manter coluna imobilizada se suspeita de TRM
14. Profilaxia de trombose venosa profunda: meias elásticas, dispositivo antitrombótico, heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 40mg sc 1x/dia) –
após liberação da equipe de neurocirurgia
15. Corticosteróides: não recomendada utilização.
16. Se hipertensão intracraniana persistente:
- Hipotermia: efeito neuroprotetor pela diminuição do consumo
cerebral de oxigênio e pelo bloqueio da cascata inflamatória.
- indicações: pós-PCR, pós-TCE grave, pós-AVEI extenso
- hipotermia cerebral (com bolsas de gelo na região cefálica
e na região lateral cervical)
- utilização de colchão térmico ou lavagem gástrica com
soro gelado.
- deve-se atentar para o reaquecimento que deve ser feito
de forma lenta (1º a cada 8 -12h).
Efeitos adversos:
- infecções (solicitar hemograma, PCR e coleta de
culturas diariamente)
- coagulopatias
- distúrbios hidroeletrolíticos
- hiperglicemia
- aumento da amilase
- Craniectomia descompressiva: à critério da neurocirurgia.
V - Cuidados de enfermagem:
1. Protocolo de avaliação neurológica
2. Manter vias aéreas pérvias:
quando necessário, aspiração orotraqueal para manter boa oxigenação.
Se lesões faciais: não aspirar narinas.
Oximetria de pulso, para detecção precoce de qualquer nível de
hipoxemia.
Avaliação da respiração e ventilação
Antes da aspiração: sedação de acordo com o valor da PIC.
Utilização de cânula de Guedel se mordedura ou queda da base da
língua, retirar assim que possível.
Capnógrafo: manter pCO2 entre 30-35mmHg
3. Manter acesso venoso calibroso ou cateter venoso central, para
quantificação da volemia. Realizar balanço hídrico de 1 em 1 hora.
4. Imobilização da coluna até descartar trauma raquimedular (colar cervical,
prancha rígida e mobilização em bloco).
5. manutenção de pressão arterial média ≥ 90mmHg.
6. Passagem de sonda nasogástrica para descompressão gástrica. Em caso
de lesão facial ou trauma de base de crânio (confirmado ou suspeita), é contraindicada a passagem nasogástrica, devendo ser feita orogástrica.
7. Sonda vesical de demora para controle do balanço hídrico.
8. Controle de glicemia capilar na admissão e de 3/3 horas. Se necessidade
de bomba de insulina, glicemia capilar de 1/1 hora.
9. Manter cabeça alinhada e decúbito elevado a 30 º
10. Controle da temperatura (manter normotérmico). Se necessário: utilizar
antitérmicos ou hipotermia.
12. Evitar uso de soro glicosado.
13. Atentar para crise convulsiva e utilizar protetores nas laterais da cama.
14. Avaliar distensão, hematoma e dor em região abdominal.
15. Proteger os olhos entreabertos aplicando creme protetor ocular
(Epitezan®) na pálpebra inferior a cada oito horas.
16. Cuidados com a pele:
- descartado trauma raquimedular, realizar mudança de decúbito a
cada duas horas. Se hipertensão intracraniana: manobras descompressivas
utilizando coxins
- colchão perfilado, protetores de calcâneos e de cabeça.
- proteger proeminências ósseas com bóia-gel ou coxins.
- manter a pele hidratada com creme hidratante.
- inspecionar couro cabeludo, genitálias, membros inferiores e
superiores, condutos auditivos e narinas para pesquisa de abaulamentos,
ferimentos corto-contusos e saída de secreções.
17. Profilaxia de trombose venosa profunda: ver protocolo de TVP
VI - FISIOTERAPIA
1. Avaliação neurológica (ver protocolo de avaliação neurológica).
2. Inspecionar pele para avaliar possíveis contusões/fraturas.
3. Avaliar déficits motores e sensitivos que auxiliam na localização da lesão.
A . FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA:
1. manter vias aéreas pérvias. (isolar risco de fratura de face. Neste caso,
não realizar aspiração nasotraqueal).
2. manter oxigenação adequada com cateter, nebulização ou máscara de
Venturi, para manter SpO2 ≥ 95% e PaO2 80-120mmHg.
3. Avaliar pneumopatias prévias.
4. Avaliar sinais de desconforto respiratório, hiperventilação, ritmo irregular
ou padrões respiratórios anormais.
5. Avaliar necessidade de ventilação não-invasiva em casos de desconforto
respiratório (CPAP, BIPAP, RPPI). Nestes casos, atentar às contra-indicações,
relativas ou absolutas e instituir suporte ventilatório somente após liberação
médica. São contra-indicações:
- presença de traumas orofaciais
- enterorragias
- sangramentos no conduto auditivo, que pode estar relacionado à
fratura de articulação
têmporo-mandibular.
- rebaixamento do nível de consciência.
- alteração na deglutição e/ou dificuldade de manipular secreções
- deterioração respiratória
- agitação ou não adaptação a ventilação não invasiva
- incapacidade de manter a permeabilidade das vias aéreas ou obstrução
mecânica das vias aéreas superiores.
- pneumoencefalo ou fístulas liquóricas
6. Em casos de sinais de falência respiratória ou Glasgow < 9: sugerir
intubação orotraqueal (IOT), mantendo pressão de cuff entre 20 e 25 cmH2O.
7. Auxiliar IOT e adequar os parâmetros ventilatórios e capnógrafo.
Parâmetros ventilatórios:
Preferencialmente ventilação a volume (VC = 6 – 8 ml/Kg);
PEEP = 5 cmH2O ou de acordo com a complacência pulmonar (atentar às
repercussões no valor da PIC).
FR – 12 a 15 ipm ou alterar volume corrente, de acordo com a saturação
de oxigênio, para manter a oxigenação adequada (Sat O2> 95%).
Preferencialmente não utilizar FR > 16 ipm para evitar auto-PEEP, se
necessário, alterar a relação I : E (1: 2 ou 1:1).
]
Em pacientes com risco de HIC e monitorização da PIC:
Cabeceira centralizada e elevada a 30º
Monitorização por capnografia contínua
Manter normoventilação / leve hiperventilação (PaCO2 30-35mmHg)
Evitar qualquer assincronia entre ventilador mecânico e paciente. Se
necessário, sugerir aumento da sedação.
Evitar manobras que aumentem a pressão intratorácica.
Manter pressão média menor possível para prevenir lesões pulmonares
induzidas pela ventilação mecânica e diminuir repercussões da pressão
intratorácica sobre a hemodinâmica e a resistência ventilatória da
paciente.
A hiperventilação prolongada e profilática não deve ser utilizada devido
ao risco de isquemia por diminuição do fluxo sanguíneo cerebral (FSC).
Em casos onde há deterioração neurológica súbita ou a HIC é refratária
a outras medidas, a hiperventilação otimizada poderá ser adotada
por curtos períodos, preferencialmente determinada pela monitorização
tecidual, através da utilização da monitorização da oximetria cerebral
pelo cateter de Licox® (valores inferiores a 25mmHg) e oximetria de
bulbo jugular (saturação bulbo jugular > 55%).
Retornar a
normoventilação entre 4 e 8 horas.
Evoluir desmame ventilatório depois de ultrapassado o pico do brain
swelling, de acordo com o protocolo.
B. FISIOTERAPIA MOTORA:
1. Minimizar as mobilizações e manobras fisioterapêuticas nos pacientes
com HIC até término da fase aguda.
2. Nos casos de trauma raquimedular associado: mobilizar em bloco,
mantendo colar cervical e tração.
3. Observar a presença de assimetrias, deformidades, encurtamentos,
déficits e posturas de decorticação ou decerebração.
4. Realizar mobilização passiva, exercícios metabólicos e posicionamento
adequado.
5. Instalar Compressão Pneumática Intermitente (CPI) para profilaxia de
TVP (ver protocolo)
6. Avaliar necessidade de protetor de pé eqüino (disponível na UTI). Em
casos de padrões neurológicos já instalados: órteses.
VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. Advanced Trauma Life Support Instructors Manual, 1997.
2. de Andrade, AF; Marino Jr, R; Ciquini Jr, O et al. Guidelines for neurosurgical trauma in
Brazil. World J Surg 2001; 25:1186-201.
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Londres: Mosby, 2000. 101-15.
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swelling: indications and results. J Neurosurg 1999; 90 (2):187-96
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10. McIntyre, LA; Fergusson, DA; Herbert, PC et al. Prolonged therapeutic hypothermia
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11. Guerra, WK; Gaab, MR; Dietz, H et al. Surgical decompression for traumatic brain
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tratamento. Ed. Manole, 2006.
11. Vender JR. Hyperventilation in severe brain injury revisted. Crit. Care Med.
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