Carolina Zuccarelli Soares Segregação Urbana, Geografia de
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Carolina Zuccarelli Soares Segregação Urbana, Geografia de
Carolina Zuccarelli Soares Segregação Urbana, Geografia de Oportunidades e Desigualdades Educacionais no Rio de Janeiro Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Co-orientadora: Mariane Campelo Koslinski Rio de Janeiro 2009 1 FICHA CATALOGRÁFICA Z94s Soares, Carolina Zuccarelli. Segregação urbana, geografia de oportunidades e desigualdades educacionais no Rio de Janeiro / Carolina Zuccarelli Soares. – 2009. 106 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. Co-orientador: Mariane Campelo Koslinski. Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009. Bibliografia: f. 92-97. 1. Segregação urbana. 2. Rede de relações sociais. 3. Igualdade na educação. 4. Sociologia educacional. 5. Rio de Janeiro (RJ). I. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz. II. Koslinski, Mariane Campelo. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. IV. Título. CDD: 370.19 2 Carolina Zuccarelli Soares Segregação Urbana, Geografia de Oportunidades e Desigualdades Educacionais no Rio de Janeiro Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovado por: _______________________________________ Prof. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro – IPPUR/UFRJ (Orientador) ________________________________________ Prof. Mariane Campelo Koslinski – FE//UFRJ - (Co-orientadora) _________________________________________ Prof. Fatima Cristina de Mendonça Alves – Puc / RJ __________________________________________ Prof. Orlando Santos Junior – IPPUR/UFRJ Rio de Janeiro 2009 3 À minha mãe, meu exemplo de vida. 4 Agradecimentos Estes agradecimentos são às pessoas que, através da colaboração e entusiasmo, tornaram esta dissertação possível. A primeira pessoa que justifica estas palavras é o orientador desta dissertação. Tenho plena certeza de que se não fosse por sua paixão pela academia e pela constante troca de ideias sobre os mais diversos assuntos que tive o privilégio de ter com ele, minha trajetória acadêmica talvez fosse mais curta do que até agora. O professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro é o grande mentor de meus trabalhos e a quem eu devo sinceros agradecimentos. Co-orientadora do estudo, Mariane Campelo Koslinski, além de orientar minhas leituras, a organização do texto, ajudar na descoberta do meu objeto de estudo, tornouse uma sincera amiga. Tenho orgulho em dizer que, em sua primeira co-orientação, Mariane se mostrou fundamental para meu crescimento acadêmico e sei que temos uma longa trajetória de estudos em parceria (assim espero). Gostaria também de agradecer aos dois participantes da banca de qualificação e defesa: Fatima Cristina Alves, que forneceu os dados para a dissertação e compartilhou as diversas fases de construção da problemática como verdadeira entusiasta do tema das escolhas e a Orlando Alves dos Santos Junior que, através de diversas discussões sobre as ideias da pesquisa, contribui imensamente com o crescimento da mesma. Tenho o privilégio em dizer que Junior é um verdadeiro amigo e colaborador das nossas pesquisas no Observatório das Metrópoles. Ao integrantes do Observatório das Metrópoles, rede da qual faço parte desde 2004, que foram especialmente importantes no decorrer da minha trajetória e que posso dizer que também são amigos especiais. Aos amigos da turma de mestrado, aos funcionários e professores do IPPUR, meus sinceros agradecimentos. Aos companheiros da pesquisa território e educação, meu muito obrigada pela possibilidade de compartilhar bons momentos nos trabalhos de campo que realizamos e nas discussões realizadas semanalmente. Em especial a querida professora Maria Josefina Gabriel Sant’Anna que acompanha desde o início a pesquisa sobre o efeito do território sobre os resultados escolares. Agradeço a todos os companheiros desta pesquisa, aqueles que passaram e aqueles que ficaram. Devo, no entanto, enfatizar os 5 amigos de diversos trabalhos, especialização e mestrado, Ana Carolina Christovão e Gabriel da Silva Vidal Cid que tornaram essa trajetória certamente bem mais prazerosa. Aos moradores da Comunidade Canal do Anil e da Gardênia Azul que possibilitaram o trabalho de campo de forma sempre receptiva, meus sinceros agradecimentos e o registro de que sem sua valiosíssima ajuda essa dissertação não seria viável. À minha família e à minha grande companheira da vida, Cristina Zuccarelli, minha mãe, um exemplo de vida e a quem dedico esta dissertação. Por fim, a David da Costa Aguiar de Souza. Sem sua companhia e atenção certamente este trabalho e todos os outros que desenvolvi ao longo destes cinco anos em que estivemos juntos não teriam sido feitos de forma tão natural e prazerosa. A todos, meus sinceros agradecimentos. Carolina Zuccarelli Soares 6 Resumo Este estudo tem como objetivo investigar as diferentes estratégias de escolarização utilizadas por famílias de segmentos populares na Gardênia Azul, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. A ideia é buscar entender de que forma as redes de relações sociais conformadas na vizinhança podem afetar a percepção dos indivíduos ao escolherem a escola onde vão matricular seus filhos. O conceito de geografia de oportunidades foi fundamental nesse sentido, pois relaciona o processo de tomada de decisões com o contexto geográfico dos indivíduos. A hipótese é de que existem variações tanto objetivas quanto subjetivas associadas a esse processo. Dessa forma, buscou-se averiguar de que forma as redes de relações sociais podem funcionar como uma fonte de informações e de circulação de recursos que impacta na geografia subjetiva de oportunidades e que possibilita, tendo em conta a geografia objetiva de oportunidades, a circulação dos indivíduos na rede de ensino do Rio de Janeiro. Palavra chaves: Segregação Urbana; Geografia de Oportunidades; Estratégias Familiares; Redes de Relações Sociais 7 Abstract This study aims to investigate the different strategies used by families for schooling popular segments on Gardenia Azul, the neighborhood west of the city of Rio de Janeiro. The idea is to seek to understand how networks of social relations shaped in the neighborhood can affect the perceptions of individuals to choose the school where they enroll their children. The concept of the geography of opportunity has been instrumental in this sense, because it relates the process of decision making with the geographic context of individuals. The hypothesis is that there are variations both objectively and subjectively associated with this process. Thus, we sought to investigate how the networks of social relations can function as a source of information and movement of resources impacting on subjective geography and allowing opportunities, taking into account the geography objective opportunities, the movement of individuals in education network in Rio de Janeiro Keywords: Urban segregation; Geography Opportunities; Family Strategies, Networks of Social Relations 8 Sumário Introdução .....................................................................................................................12 Capítulo 1. Território e Oportunidades Educativas...................................................19 1.1 Relação família-escola...............................................................................................19 1.2 Efeitos da segregação urbana sobre a educação........................................................22 1.3 Capital social: revisão sobre conceito e forma .........................................................24 1.4 Segregação Urbana: consequências sobre o capital social........................................29 1.5 Geografia de Oportunidades : território e ação dos indivíduos.................................32 Capítulo 2. Oportunidades Objetivas no Rio de Janeiro ..........................................42 2.1 Desigualdades Educacionais no Território................................................................42 2.2 Território e decisão ...................................................................................................46 2.3 Breve Histórico do Processo de Segregação Urbana Brasileira................................47 2.4 Particularidades que definem o modelo carioca de segregação urbana.....................49 2.5 Gardênia Azul............................................................................................................51 2.5.1 Um pouco da história de Jacarepaguá.........................................................52 2.5.2 Histórico de ocupação da Gardênia Azul...................................................53 2.5.3 A Comunidade do Canal do Anil................................................................54 2.6 O bairro do Anil.........................................................................................................58 2.7 Barra da Tijuca..........................................................................................................59 2.8 Gardênia Azul, Anil e Barra .....................................................................................60 Capítulo 3. Geografia de Oportunidades e Escolha do Estabelecimento de Ensino.............................................................................................................................65 3.1 Observações sobre o campo......................................................................................65 3.2 Impressões sobre a Gardênia Azul............................................................................66 3.3 Impressões sobre a Comunidade do Canal do Anil...................................................68 3.4 Uma proposta teórica de entendimento.....................................................................70 3.5 Trabalho de campo....................................................................................................72 3.5.1 Primeira entrevista......................................................................................73 9 3.5.1 Segunda entrevista......................................................................................75 3.5.1 Terceira entrevista.......................................................................................79 3.5.1 Quarta entrevista.........................................................................................82 3.6 Análise das entrevistas...............................................................................................84 4. Considerações Finais.................................................................................................88 Referências Bibliográficas ...........................................................................................92 Lista de Gráficos Gráfico 01: Ideb das escolas no município do Rio de Janeiro em 2005 .........................44 Lista de Tabelas Tabela 01: Desempenho escolas Barra, Gardênia Azul e Anil........................................63 Lista de Mapas Mapa 01: Média dos Idebs da escolas localizadas por área de ponderação ..................45 Mapa 02: Mapa da Tipologia Socioespacial do Município do Rio de Janeiro por ÁREAIPPUR – 2000 ..................................................................................................................50 Mapa 03: Mapa de detalhe da Tipologia Socioespacial segundo o Clima Educativo – RMRJ por APOND – 2000..............................................................................................60 Mapa 04: Localização dos Alunos e Escolas do Anil e da Barra da Tijuca ...................62 Lista de Imagens Imagem 01: Gardênia Azul, Comunidade do Canal do Anil e Comunidade Jardim do Anil..................................................................................................................................54 Imagem 02: Trajeto Vidinha............................................................................................75 Imagem 03: Trajeto Marcela...........................................................................................79 Imagem 04: Trajeto Ariel................................................................................................82 Imagem 05: Trajeto Mateus.............................................................................................84 Anexo 1 - Fotos Foto 01 – Escola da Barra da Tijuca................................................................................98 Foto 02 – Escola do Anil.................................................................................................98 10 Foto 03 – Escola da Gardênia Azul.................................................. ..............................99 Foto 04 - Associação de Moradores da Comunidade do Canal do Anil........................99 Foto 05 – Chico City.....................................................................................................100 Foto 06 – São Sebastião.................................................................................................100 Anexo 2 – Roteiro de Perguntas ................................................................................101 11 # Introdução Até meados do século XX predominava, na comunidade acadêmica e até mesmo no senso comum, um certo otimismo que associava a escolarização a um processo de superação do atraso econômico, de construção de uma sociedade meritocrática, moderna e, principalmente, democrática. Acreditava-se que, através de um ensino público e gratuito, o acesso a educação estaria resolvido e, dessa forma, garantida a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos. Nas décadas de 50 e 60 a Sociologia da Educação é firmada como campo de pesquisa nos países industrialmente desenvolvidos. Os principais produtores de pesquisa são França, Inglaterra e Estados Unidos. Um novo ideário relativo ao papel social da educação aparece com força. São discussões a respeito das desigualdades educacionais (desigualdades de acesso, de desempenho, de trajetórias escolares) e das condições para a democratização das oportunidades escolares. (Nogueira, 1990) Na década de 50 havia a noção, baseada em teorias do capital humano, que atribuía à educação um papel fundamental para o desenvolvimento econômico. Essa teoria tem sua origem em meados dos anos 50 e tinha em Theodore W. Schultz o principal formulador da ideia de capital humano. A noção era de que, para ampliação da atividade econômica e, consequentemente, das taxas de lucro do capital, o trabalho humano deveria ser qualificado por meio da educação. Sua aplicação no campo educacional gerou uma visão tecnicista, quando vinculou a educação ao pressuposto do desenvolvimento econômico assim como do próprio indivíduo que, ao educar-se “valorizaria” a si próprio, seguindo a mesma lógica de valorização do capital. A educação era um “valor econômico”, e deslocava para o campo individual os problemas de inserção social, de emprego e desempenho profissional. A teoria do capital humano legitimou também a tese de que os investimentos em educação fossem determinados pelos critérios perversos do investimento capitalista, já que a educação era considerada essencial para o desenvolvimento. (Schultz,1963). Destaca-se ainda, neste período, os estudos que seguem a vertente do estrutural funcionalismo, principalmente nos Estados Unidos, com ênfase nos trabalhos de Parsons. O autor define a educação a partir de dois aspectos: como espaço de socialização e como instância de seleção social que contemple uma divisão social do trabalho cada vez mais complexa. Parsons associava modernização, racionalização e 12 educação e afirmava que, o processo educacional contribuiria para o processo de individualismo institucionalizado e de manutenção da integração social. Dessa forma, a educação passou a ser valorizada como instrumento de desenvolvimento e integração. (Ferreira, 2006) Em 1960 houve uma crise dessa concepção da escola, principalmente por conta das pesquisas surgidas no final da década de 50 que transformaram o olhar sobre a educação. Na Inglaterra, a chamada “Aritmética Política”; nos Estados Unidos, o Relatório Coleman; e pesquisas do INED da França ajudaram a mostrar o peso da origem social sobre o desempenho escolar (Nogueira, 2007). Essa primeira geração de estudos revelou a incapacidade da escola em reverter as desigualdades socioeconômicas de origem. No final da década de 70 esse tipo de abordagem foi questionado, e surgiram novos estudos voltados para a compreensão da dinâmica interna da escola, estudos que buscavam desvendar a “caixa-preta” da instituição escolar. Dentre estes estudos destacamos aqueles conhecidos como efeito-escola e escola eficaz e que, contrapondose ao discurso de que “a escola não faz diferença”, difundida a partir do Relatório Coleman, buscam provar que as diferenças nos resultados escolares não devem ser buscados apenas na família e no contexto extra-escolar do aluno. Para estes estudiosos “a escola faz diferença”. E uma terceira geração de estudos, realizados principalmente nas duas últimas décadas, conjugam abordagens da sociologia urbana e da sociologia da educação e tratam dos fatores relacionados à organização social do território e suas consequências sobre as oportunidades educacionais. (Ribeiro & Koslinski, 2008) Associado a essa mudança no olhar sobre a educação, tem-se os efeitos da massificação do ensino, que acabou por se tornar um dos principais pontos de discussão entre os analistas da educação. Se, na década de 70, países como Estados Unidos, França e Inglaterra já se preocupavam com a melhora na qualidade do ensino, no Brasil a questão é mais recente. Dada a tendência à universalização do acesso ao ensino fundamental, ocorrida apenas no final da década de 90 no Brasil, a discussão se localiza não tanto no acesso, mas, especialmente, para a melhoria da qualidade da educação como eixo principal das políticas educacionais. (Schwartzman, 2002) A literatura sobre o tema muito tem nos dito a respeito das características do núcleo familiar que poderiam pesar sobre os processos educativos: escolaridade dos 13 pais, nível socioeconômico, ocupação dos pais, capital cultural e social. Muito tem nos dito também a respeito do funcionamento da escola. No entanto, a dimensão espacial fica um tanto quanto reduzida nessas análises, muitas das vezes até presente, mas escondida pelo aspecto estrutural das ideias que não possibilitam aos autores enxergarem em seus próprios trabalhos a dimensão territorial. Nosso trabalho vem sendo desenvolvido de forma a incorporar a dimensão territorial nos estudos sobre as oportunidades educacionais e busca, entre outros, desvendar que mecanismos concorrem para a reprodução da desigualdade social e da pobreza, através da organização social do território. ... O interesse em estudar a relação entre educação e território começou em 2004 quando fui bolsista de iniciação científica do Observatório das Metrópoles, orientada pelo professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, na pesquisa Segmentação Social, Segregação Urbana, e Desigualdade Social: o “efeito vizinhança” e o “efeito escola” na explicação do desempenho escolar dos estudantes de quarta série do ensino fundamental. Com o intuito de melhor entender os processos desiguais pelos quais passa a educação brasileira, a pesquisa desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles buscava verificar, para além do efeito escola e de atributos familiares, o efeito do lugar sobre o desempenho dos estudantes da quarta-série.1 A proposta da pesquisa era avaliar de que forma as tendências ao isolamento sócio-territorial das camadas sociais em situações de fragilização social frente ao mercado de trabalho, à família e à habitação - podem atuar no sentido de anular o “efeito escola”2. Em 2006 ingressei no curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPUR/UFRJ) onde qualifiquei a monografia O efeito do lugar e a escolarização de crianças em 1 Para isso, a pesquisa estudou, nos anos de 2005 e 2006, na região metropolitana do Rio de Janeiro, um total de 16 escolas, nas quais foram aplicados questionários aos diretores, professores, pais, assistente de pesquisa, assim como provas de matemática e português a serem respondidas pelos alunos da quarta-série no início e no fim do ano. 2 A capacidade que a escola organizada institucionalmente tem, pelo menos em parte, de reduzir as diferenças de posição social dos alunos sobre seu desempenho escolar. (Barbosa, 2005) 14 estabelecimentos públicos3, um estudo de caso sobre uma escola municipal no Leme. Por fim, em 2007 comecei o mestrado em Planejamento Urbano e, como produto, surge essa dissertação que traz consigo algumas das experiências e inquietações vividas ao longo desse tempo em contato com o tema. A questão central aqui apresentada é: quais as características do bairro, tanto objetiva quanto subjetiva, que podem influenciar nas diferentes estratégias de escolarização perseguidas pelos responsáveis. A ideia é buscar entender de que forma a rede de relações sociais conformadas na vizinhança pode afetar a percepção dos indivíduos ao escolherem a escola onde vão matricular seus filhos. O estudo busca apreender as diferentes estratégias postas em prática pelos responsáveis no que tange à relação com a escolaridade dos filhos. Para isso, o conceito de “geografia de oportunidades” (Flores, 2008) nos é fundamental, pois relaciona o processo de tomada de decisões com o contexto geográfico dos indivíduos. A hipótese é de que existem variações tanto objetivas quanto subjetivas associadas a esse processo. A “geografia objetiva de oportunidades” se refere aos dispositivos urbanos que variam entre uma zona e outra como, por exemplo, sistemas sociais, mercados e instituições. A “geografia subjetiva de oportunidades” trata dos valores, aspirações, preferências e percepções subjetivas acerca das oportunidades e dos potenciais resultados da tomada de decisões. A geografia objetiva de oportunidades se relaciona aos equipamentos urbanos e a forma como eles são distribuídos pelo território. A ideia se aproxima de um modelo institucional defendido pelas teorias do efeito vizinhança que buscam entender de que forma a pobreza afeta os resultados individuais. (Mayer & Jencks, 1989) Podemos dizer que a sua forma subjetiva também se relaciona com os aspectos do território se pensarmos na maneira como o capital social se distribui espacialmente e na forma como a segregação residencial impacta na aquisição deste. Para este estudo, é fundamental a percepção dos indivíduos e a capacidade que tem em participar de processos de adaptação e resistência ao espaço que habitam. De fato, os indivíduos processam, de maneiras diferentes, os mecanismos relacionados ao bairro. (Small, 3 ZUCCARELLI, Carolina. O efeito do lugar e a escolarização de crianças em estabelecimentos públicos. 2006. 24 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 15 2004). A experiência individual da segregação urbana em termos da geografia de oportunidades tem potencias efeitos na tomada de decisões A hipótese é de que as redes de relações sociais podem funcionar como uma fonte de informações e de circulação de recursos que impacta na geografia subjetiva de oportunidades e que possibilita, tendo em conta a geografia objetiva de oportunidades, a circulação dos indivíduos na rede de ensino do Rio de Janeiro. A pesquisa só é viável dentro do sistema de ensino carioca uma vez que este possibilita aos responsáveis pelos alunos matriculados na rede municipal, caso estes não queiram seguir a orientação da CRE (Coordenadoria Regional de Ensino), matricularem seus filhos na escola de preferência.4 Por consequência, os alunos podem transitar pela rede de ensino carioca, independente do lugar de moradia. A rede de ensino no Rio de Janeiro é uma rede altamente segmentada quando consideramos as diferenças no setor privado e no público dentro do próprio sistema municipal. Essa segmentação que se dá dentro da mesma rede de ensino é o mais surpreendente: no Rio de Janeiro existem escolas municipais com bons índices de desempenho ao passo que existem outras com péssimos resultados educacionais.5 A oferta dessas escolas se distribui seguindo uma lógica diferenciada pelo território. Por isso, pensar o território para além da estrutura social objetivada, ou seja, pensar na relação entre as estruturas do espaço social e as estruturas do espaço físico (Bourdieu, 1997) nos ajuda a entender o papel que o território ocupa neste estudo. Desse modo, tendo em vista a oferta de boas escolas em determinadas áreas do território e a possibilidade de matricular seus filhos nestas escolas, mesmo que longe da residência, buscamos investigar por que alguns indivíduos de segmentos populares optam em matricular os alunos numa escola longe de casa e outros matriculam na escola próxima. Vale lembrar que o debate sobre a escolha do estabelecimento de ensino pelas famílias vem ganhando cada vez mais espaço nos estudos sociológicos, principalmente 4 Em outras regiões do país, como em Belo Horizonte / MG por exemplo, as inscrições são feitas no correio mediante a apresentação da conta de luz. Dessa forma, os alunos são matriculados na escola próxima a residência, limitando a decisão dos responsáveis no ato da matrícula. 5 A existência de avaliações como o Saeb, Prova Brasil e IDEB são instrumentos recentes para avaliação das oportunidades educacionais, possibilitando estudos que busquem entender a qualidade do ensino. 16 na sociologia norte-americana e inglesa . A discussão ainda é incipiente no Brasil, dada a ausência de políticas que estimulem as escolhas das escolas, mas, nem por isso, menos importante. ... Este estudo traz dados do trabalho de campo realizado no bairro da Gardênia Azul e na comunidade do Canal do Anil, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, onde alguns alunos estudam na escola próxima ao bairro e outros se deslocam cerca de 10 quilômetros para uma escola com melhores resultados educacionais na Barra da Tijuca. Neste trabalho, será de fundamental importância a pesquisa desenvolvida pela professora do Departamento de Educação da PUC - Rio, Fátima Alves, que busca investigar o efeito das escolhas familiares de instituições de ensino sobre a aprendizagem de alunos de diferentes origens sociais nas séries ou ciclos iniciais do Ensino Fundamental na cidade do Rio de Janeiro6. A análise dos dados mostrou uma acentuada concentração de estudantes da escola da Barra que residem na Gardênia Azul e na Comunidade do Canal do Anil. Nos indagamos a respeito do por que da opção em matricular alunos em uma escola longe da residência se, tanto na Gardênia Azul quanto no Anil (bairro vizinho) o ensino fundamental municipal é ofertado. Será que os responsáveis pelos alunos tem acesso a informações oficiais (como a que estamos usando) e fazem uma escolha orientada para a escola? Que recursos disponíveis no bairro eles tem acesso, em especial no que diz respeito as redes de relações sociais? Será que esses recursos incluem informações que circulam nas redes de relações sociais conformadas na vizinhança? Que tipo de estratégia de escolarização eles estão adotando? Para buscar entender as diferentes estratégias, tendo em vista a oferta de escolas municipais de ensino fundamental tanto no bairro da Gardênia Azul como no do Anil, foram feitas quatro entrevistas com moradores da região. Das quatro entrevistas, duas 6 As informações relativas aos resultados escolares, localização da escola e, principalmente, o endereço dos alunos só foram possíveis graças a colaboração da professora Fátima que é uma das coordenadoras da pesquisa “Estudo Longitudinal da Geração Escolar 2005 – Projeto GERES”, uma das fontes de dados deste estudo. 17 foram realizadas com responsáveis que matricularam o filho na escola da Barra da Tijuca e duas que matricularam na escola do Anil. Portanto, no capítulo 1 apresento o quadro conceitual da pesquisa. Primeiro, abordando a importância da relação entre família e escola para, em seguida, explorar a relação da vizinhança com essas duas esferas, levando em conta os efeitos da segregação urbana sobre os resultados escolares. Feito a discussão sobre família, escola e vizinhança, apresento um resumo das teorias sobre o capital social buscando trabalhar a forma como o capital social pode afetar a percepção do indivíduo. Por fim, discuto a geografia de oportunidades e a forma como ela pode influenciar nas estratégias e decisões dos responsáveis no ato da escolha do estabelecimento de ensino. Feita a exposição teórica, no capítulo 2 apresento a forma como a geografia de oportunidades se coloca no município do Rio de Janeiro, não sem antes apresentar as características do modelo de segregação carioca. Apresento também os três bairros envolvidos no estudo: Barra da Tijuca, Anil e Gardênia Azul. Como o estudo tem seu foco na Gardênia Azul e na Comunidade do Canal do Anil, especial atenção será dada a formação, história e características atuais das localidades em questão. Finalmente, os três bairros serão postos em comparação para a elucidação dos aspectos educativos que tangenciam as escolas neles inseridas. A análise das redes sociais locais conformadas na vizinhança e seus impactos sobre a percepção dos indivíduos inicia-se no terceiro capítulo, onde trago as quatro entrevistas realizadas na Comunidade do Canal do Anil. Em primeiro lugar, faço algumas observações sobre o campo, especialmente sobre a Gardênia Azul e a Comunidade do Canal do Anil. Após apresentar as entrevistas, faço um esforço de análise dos relatos, à luz das teorias discutidas no capítulo 1. Por fim, realizo uma síntese dos resultados apreendidos, relacionando-os com as principais teorias discutidas ao longo do trabalho, enfatizando a importância de novos estudos sobre o tema das estratégias familiares. 18 Capítulo I. Território e Oportunidades Educativas A primeira parte deste capítulo trata da relação família, escola e território, fundamentais para introdução ao tema das estratégias familiares. Em seguida, é feita uma revisão sobre o conceito de capital social e sua aplicabilidade na conformação da geografia de oportunidades. O conceito de capital social é relacionado com o de geografia de oportunidades: a) na sua forma objetiva, como o território, provido de valores e funções de utilidade, pode impactar na disponibilidade espacial dos recursos e b) na forma subjetiva como o capital social dá forma as aspirações, valores, preferências e percepções subjetivas acerca das oportunidades objetivas. Muito se tem escrito a respeito de como ele afeta tais oportunidades no mercado de trabalho7. Gostaríamos de trazer para o debate a forma como o capital social afetas as oportunidades educacionais. Nesse sentido, a adoção do conceito de capital social nos é útil para pensar a organização social do território de maneira “apropriável”, ou seja, pensar em uma rede de relações viável, intermediada pelo território, que possibilite o acesso a informações e recursos subjetivos que fundamentaria as “decisões” dos responsáveis pelos alunos por nós estudados. Por isso, ainda neste capítulo, é feita a discussão a respeito das diferentes estratégias postas em prática pelos responsáveis no que tange a relação com o estabelecimento de ensino. 1.1 Relação família-escola Nas décadas de 50 e 60, o empirismo metodológico já tratava macroscopicamente a relação entre família e escola. No período que seguiu a Segunda Guerra Mundial, os principais países ocidentais industrializados tiveram um grande crescimento de seus sistemas nacionais de ensino possibilitados, em grande parte, pela prosperidade econômica dos “trinta gloriosos” e pela constituição do “Estado de bemestar social”. Uma forte corrente de pesquisas surgiu para analisar a relação entre o sistema escolar e a estratificação social. Para tanto, foram feitos grandes levantamentos de dados, destacando-se o relatório Coleman (Estados Unidos), a aritmética política (Inglaterra) e a demografia escolar (França). Essas pesquisas empíricas viram no meio 7 Kaztman (2001) e Granovetter (1983) 19 familiar de origem um poderoso fator explicativo das desigualdades educacionais. (Nogueira, 2005). Essas pesquisas apontavam para o fato de que as vantagens econômicas tinham um efeito menor sobre o desempenho escolar do que fatores socioculturais tais como nível de instrução, atitudes e aspirações dos pais, hábitos lingüísticos, clima familiar, entre outros. Dessa forma, algumas famílias possuíam características socioculturais mais capazes do que outras de estimularem o êxito escolar de seus filhos, o que levou Floud a cunhar o termo famílias educogenas. O autor verifica que estas famílias tornamse mais comuns quando subimos na escala socioeconômica, mas não aprofunda seus estudos sobre os mecanismos a partir dos quais estas famílias exercem impacto sobre oportunidades educacionais. A década de 1970 é marcada pelo paradigma da reprodução difundido principalmente por Bourdieu e Passeron (1982). Foi um período onde os sociólogos postularam a transmissão, pela família, de uma herança (material ou simbólica) que seria determinante para os resultados escolares do indivíduo. De fato, a tradição francesa contribuiu, seguindo esta perspectiva, à crítica a educação em sua relação com a dinâmica da estrutura social. Os trabalhos desenvolvidos por Bourdieu e Passeron, diante da constatação empírica das diferenças entre as trajetórias educacionais de jovens de diferentes setores sociais, sugerem que a socialização no contexto familiar dotam os alunos de atitudes e ferramentas cognitivas que nem sempre se adaptam as exigências explícitas ou implícitas da escola. Essa diversidade de situações resulta num desajuste entre o habitus e as competências herdadas, por um lado, e o tipo de destrezas e disposições necessárias para participar das práticas educativas, tal como estão estruturadas, por outro. Os autores buscam demonstrar que a escola atribui títulos e reconhecimentos educativos a quem pertence a situações culturais, sociais e econômicas privilegiadas e que, deste modo, reforçam e legitimam as desigualdades sociais de origem. (Bourdieu e Passeron, 1982) Se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda a sociedade onde se proclamam ideais 20 democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. (Bourdieu, 1999, p.51) Nogueira (2005) afirma que essas análises, de caráter macroscópico, não analisavam o comportamento interno das famílias uma vez que eram medidos a partir da constatação de seus efeitos sobre os destinos escolares: “Significa dizer que o funcionamento interno das famílias – em suas relações com a escola – permanecia como uma caixa preta intocada.” (2005, pp. 567) O período atual, iniciado na década de 1980, é caracterizado por uma análise microscópica da esfera social, que reorganizou os métodos investigativos, possibilitando novos enfoques e objetos para a sociologia da educação. Nesse contexto que tem origem um novo campo de estudos que se ocupa das trajetórias escolares dos indivíduos e das estratégias utilizadas pelas famílias no processo de escolarização. O termo “estratégia” passa a ocupar uma posição central para se pensar a problemática família-escola. São estudos que se preocupam com a compreensão das diversas estratégias adotadas pelas famílias diante da escolarização dos filhos, como por exemplo, a escolha do estabelecimento de ensino. Os pesquisadores passam a se ocupar com a diversidade das famílias de um mesmo meio social e até mesmo com a heterogeneidade existente no interior do próprio grupo familiar para compreender a influência da origem social. Para Nogueira (2005) o debate atual em torno da relação família-escola diz respeito à natureza das lógicas que regulam as estratégias familiares no que diz respeito aos processos de escolarização: De um modo geral, os estudos sociológicos se dividem entre duas ênfases: aquelas que sublinham o caráter utilitarista das práticas familiares, acentuando as condutas de investimento que buscam a rentabilidade econômica e ocupacional dos produtos da escolarização (diploma, distinção profissional), e aqueles que acentuam a dimensão identitária das ações das famílias, que encontram sua lógica na mobilização em favor da constituição da identidade social e da aquisição de qualidades morais requeridas para uma boa integração a certos meios sociais. (Nogueira, 2005, pp.569) 21 O que mais chama a atenção, no novo contexto, é o intenso aprofundamento dos laços que unem família e escola, com a escola reconhecendo cada vez mais a importância da família como parceira para a realização de suas atividades de formação. Por fim, Nogueira (2005) aponta para três processos que respondem pelas metamorfoses na relação entre família e escola atualmente: o primeiro é o que chama de aproximação entre essas duas esferas; o segundo, decorrente do primeiro, é o de individualização da relação e o terceiro processo é o da redefinição de papéis (divisão do trabalho educativo entre as duas partes). 1.2 Efeitos da Segregação urbana sobre a Educação Para além da relação família e escola, o bairro se apresenta cada vez mais como foco de estudos dos pesquisadores da sociologia urbana. Estes estudos ajudam a pensar a relação entre segregação urbana e resultados escolares, não só no que diz respeito a concentração de pobreza do bairro e sua relação com os resultados escolares como também na tentativa de compreender os mecanismos pelos quais a segregação residencial impacta tais resultados. São diversos os mecanismos desencadeados por processos de segregação urbana que influenciam no resultado educacional de estudantes. A idéia é de que haveria algumas características particulares a vizinhança que afetariam no resultado escolar de crianças e jovens em idade de escolarização. A hipótese é de que alguns processos como a segmentação do mercado de trabalho, o enfraquecimento dos regimes de bem-estar social, as transformações territoriais decorrentes da liberalização do mercado de trabalho, entre outros, gere uma tendência ao isolamento social dos segmentos mais fragilizados em relação aos circuitos sociais e econômicos da cidade. Dessa forma, a concentração territorial dos segmentos vulneráveis transforma-se em segregação residencial, podendo “desencadear mecanismos de reprodução da pobreza e das desigualdades sociais, tornando mais difícil a manutenção da sociedade como um coletivo de indivíduos integrados sob os desejáveis princípios da equidade social.” (Ribeiro & Kaztman, 2008, pp.17) Diante dessa constatação, fica claro a existência de mecanismos invisíveis de injustiça que atuam sobre crianças e adolescentes decorrentes da combinação de famílias com frágeis laços com o mercado de trabalho; bairros com composição social homogênea e isolamento territorial, sociocultural e político com o restante da cidade. 22 Wilson (1987) explicita a hipótese de que viver em uma vizinhança com alta concentração de pobreza afeta negativamente as chances de vida de uma pessoa, independente do nível de pobreza do indivíduo. As hipóteses do efeito vizinhança estudadas pelo autor sugerem que viver em uma vizinhança pobre resulta, por exemplo, numa redução do controle social e contribui para o isolamento social o que, por sua vez, favorece baixos resultados educacionais assim como resultados ocupacionais. As autoras Ellen e Turner (1997), identificam seis mecanismos que podem influenciar nos desempenhos individuais. O primeiro refere-se à qualidade dos serviços locais – reconhecer que o bem-estar individual pode ser afetado pela disponibilidade e qualidade dos serviços oferecidos na vizinhança, como por exemplo, escolas, hospitais,...; o segundo mecanismo é a socialização através dos adultos, essencial para o monitoramento e suporte às atividades das crianças, portanto, para sua socialização; o terceiro diz respeito à influência dos pares, entendendo-se que valores e comportamentos de jovens são moldados ou influenciados pelos seus pares; o quarto mecanismo são as redes sociais, que podem servir de apoio ao conhecimento individual sobre serviços de suporte social, bem como de oportunidades econômicas, em especial oportunidades de trabalho; o quinto trata da exposição ao crime e à violência; o sexto e último mecanismo através do qual as condições de vizinhança podem influenciar desempenhos individuais é identificado através das idéias de distância física e isolamento. Kaztman (1997) já apontou para as três esferas em questão como instâncias socializadoras de crianças em idade escolar. O diagrama abaixo nos mostra a relação entre a vizinhança, a família e a escola sob a perspectiva de socialização das crianças em idade escolar. 23 Diagrama 01 – Principais âmbitos de socialização de crianças em idade escolar. Para este estudo interessa compreender especialmente a relação entre a vizinhança e família, a forma como a rede de relações sociais conformadas no território pode funcionar como uma potencial fonte de informações, circulação de recursos (sejam eles materiais ou simbólicos) que impactem nas estratégias de escolarização por parte destes responsáveis. Mais sobre a importância da vizinhança será retomada ao longo deste estudo. Vejamos agora de que forma o capital social pode impactar na geografia de oportunidades subjetiva, primeiro fazendo um apanhado sobre as teorias do capital social para depois trabalhar a forma como este pode afetar a percepção do indivíduo. 1.3 Capital Social: Revisão sobre Conceito e Forma Diversos autores já escreveram sobre a noção de capital social sob diferentes perspectivas, principalmente no que diz respeito ao seu papel no controle social, no apoio familiar e nos benefícios mediados por redes extrafamiliares. Para este estudo o que mais interessa é a forma como o capital social pode se transformar em recursos que circulam nas redes de relações, principalmente no bairro. 24 Nos últimos anos assistimos a difusão do conceito de capital social. No entanto, o termo não incorpora qualquer idéia nova para os sociólogos. De fato, como afirma Portes (1998), que o envolvimento e a participação em grupos pode ter conseqüências positivas para o indivíduo e para a comunidade é uma noção corrente, remontando a Durkheim e à sua insistência na vida em grupo enquanto antídoto para a anomia e a autodestruição, e à distinção efetuada por Marx entre uma “classe em si” atomizada e uma “classe para si” mobilizada e eficaz. (Portes, 1998, pp. 03) A ideia mais geral sob o conceito, tal qual nos fala Coleman (1993), afirma que os indivíduos se envolvem em diferentes tipos de redes de forma a ampliar os recursos disponíveis. O capital social visto dessa forma supõe a criação de um tipo de “contrato social” informal, baseado na confiança mútua (mecanismos de reciprocidade), garantido por um processo mais ou menos explícito de construção de normas e sanções. Para o autor existe um mecanismo determinante que fornece o contexto para a apropriação do capital social: a organização social “apropriável”. Seu pressuposto encontra razão no fato de que o capital social será maior na medida em que as interações correspondam a redes de relações densas, a laços fortes. Talvez por isso, os exemplos mais emblemáticos do conceito se relacionem às redes de capital social no âmbito da família, parentes e amigos. Para Bourdieu (1982) a noção de capital social centra-se nos benefícios adquiridos pelos indivíduos em virtude da participação em grupos, onde as redes sociais, não sendo um dado natural, devem ser construídas por estratégias de investimentos que institucionalizam as relações do grupo. A intangibilidade do capital social é salientada tanto por Bourdieu quanto para Coleman. Para possuir o capital social, o indivíduo precisa se relacionar com outros, a verdadeira fonte de seus benefícios. A motivação de terceiros para tornar recursos disponíveis em termos concessionários não é uniforme, pode se distinguir entre motivações altruístas e instrumentais (Portes, 1998). 25 Tal qual as fontes, as consequências do capital social são diversas, onde destacase três funções básicas do conceito: a) fonte de controle social; b) fonte de apoio familiar; c) fonte de benefícios através de redes extrafamiliares. O capital social criado por redes comunitárias geralmente resulta no controle social e encontra sua fonte na solidariedade confinada e na confiança mútua. Sua principal função é tornar inúteis os controles formais ou explícitos. Portes (1998) relembra o discurso de Coleman à American Sociological Association, em que lamenta o desaparecimento das estruturas familiares e comunitárias informais que davam sustentação a esse tipo de capital e procurava a substituição dessas instâncias por organizações construídas pelo Estado para este fim, a chamada engenharia social, que substituiria as formas tradicionais de controle por incentivos materiais e de status racionalmente criado. Enquanto fonte de apoio familiar, muitos estudo mostram a importância do tipo de estrutura familiar para a aquisição do capital social. Famílias intactas e na qual um dos progenitores tem como principal tarefa criar os filhos possuem em maior quantidade esse tipo de capital do que àquelas famílias monoparentais ou em que ambos os pais trabalham. O apoio familiar pode ser ainda um contrapeso a perda de laços comunitários. Deixar uma comunidade tende a destruir os laços construídos e o apoio parental busca suprir a perda de laços mais fortes nas redes extrafamiliares. A fonte de benefícios mediados por redes exteriores é a que se atribui de forma mais comum ao capital social. Para Bourdieu, o apoio familiar se constitui no capital cultural ao passo que o capital social se refere a recursos acessíveis mediante a inserção em redes de relações. É nesse aspecto que a noção de estratificação social encontra maior campo, frequentemente explorada para a explicação ao acesso a empregos, mobilidade através de oportunidades profissionais, entre outros. O argumento central é de que os laços pessoais são instrumentais na promoção da mobilidade individual. Dois dos conteúdos mais importantes que participam da estrutura do capital social são a informação e os contatos. Na medida que a informação e os contatos podem ser considerados como bens de qualidade variável, sujeitos a mecanismo de exclusãoinclusão, o acesso a informação e a melhores contatos pode se constituir em um poderoso atrativo para a participação nas redes sociais, independente do nível de envolvimento dos participantes no sistema de normas e nas relações de reciprocidade. (Kaztman, 1997). Sendo assim, nem todas as formas de capital social residem na 26 natureza dos laços fortes. Pouco se tem escrito a respeito da natureza dos laços frágeis do capital social. Granovetter (1983) foi um dos pioneiros na questão quando escreve a respeito da “fortaleza dos laços frágeis” no mercado de trabalho: é mais provável que os indivíduos encontrem trabalho através de vínculos mais frágeis como, por exemplo, antigos colegas de estudo, do que com indivíduos que mantenham laços fortes, como amigos próximos e familiares. Isso porque quanto mais estreito são os vínculos, menor é o acesso a informação e contatos adicionais. O autor afirma ainda que os setores populares tendem a estabelecer relações fortes, homogêneas e pobres, o que não necessariamente gera uma mobilidade ascendente. O encerramento da estrutura de interação “entre iguais” se dá mais por uma capacidade de sobrevivência do que propriamente a incorporação a uma estrutura de oportunidades mais ampla. Neste processo, a mobilidade geográfica tem um papel decisivo. Umas das principais estratégias na aquisição de ativos é justamente o abandono do local de residência em busca de oportunidades em contextos mais dinâmicos. Buscar melhores oportunidades longe do local de moradia onde provavelmente será estabelecido um novo contexto de relações sociais é possivelmente a estratégia encontrada pelos responsáveis dos alunos da escola da Barra. Kaztman (1997) elabora uma tipologia na qual busca entender a natureza do capital social vista como a combinação entre as dimensões do grau de força dos vínculos e o grau de heterogeneidade da rede. O esquema fica assim: Grau de Heterogeneidade da Rede Baixo Grau de Força dos Laços Fraco Forte Alto 3 1 2 4 (Fonte:Kaztman, 1997) 27 Já falamos um pouco a respeito do grau de força dos vínculos. No que diz respeito a dimensão da heterogeneidade, esta pode ser entendida como um atributo da rede derivado de sua composição no sentido de maior ou menor igualdade entre seus membros. A heterogeneidade tem um sentido e uma direção que depende do posicionamento dos membros em relação aos recursos. Supõe-se que a heterogeneidade é relevante porque está positivamente correlacionada com a diversidade de recursos que circulam dentro da rede (Kaztman, 1997). No entanto, vale salientar que redes homogêneas, onde os recursos que circulam nessas redes são “apropriáveis”, ou seja, alto capital social, cultural e econômico, também agem de forma positiva sobre os indivíduos. ... As investigações sobre o capital social costumam ressaltar suas consequências positivas; no entanto, este mesmo recurso pode trazer resultados menos desejáveis, como por exemplo: exigência excessiva a membros do grupo; exclusão dos nãomembros, restrições à liberdade individual e normas de nivelação descendente (Portes, 1998) No primeiro caso trata-se do fechamento do grupo ou comunidade restringindo o êxito das iniciativas de seus membros. Portes (1998) destaca o estudo de Geertz em Bali quando do constante assédio por familiares que procuravam emprego na empresa de um dos membros da comunidade. As exigências eram pautadas nas normas que impunham a assistência no interior da sociedade. A consequência era a transformação de empresas promissoras em empresas de cunho assistencialista. O segundo efeito negativo do capital social advém de laços fortes que geram benefícios para os membros do grupo, mas que podem, também, barrar o acesso a terceiros. O contrário do primeiro, neste caso as relações sociais que fundamentam as normas do grupo restringem aqueles que lhes são estranhos. O terceiro efeito produz a redução da privacidade e da autonomia dos indivíduos. Por fim, em quarto lugar, situações em que as relações do grupo são fundamentadas em uma experiência comum de adversidade e de oposição às tendências dominantes da sociedade podem acabar por minar a coesão do grupo. Depois de 28 iniciada, essa perspectiva normativa pode ajudar a perpetuar a própria situação que a denuncia. (Portes, 1998) Putnam (2000) fala da distinção entre as duas formas que o capital social pode assumir: bridging (inclusivo) e bonding (exclusivo). O primeiro é baseado na “força dos laços fracos” - numa clara referência a obra de Granovetter8 - e reúne pessoas com diferentes características e valores. O segundo, voltado para dentro, refere-se a redes sociais compostas por grupos homogêneos e exclusivos. Pode ser eficaz quando se refere a um tipo específico de reciprocidade e de capacidade de mobilização. No entanto, no geral, o capital social bonding reforça a tendência a identidades excludentes. A discussão sobre as diferentes formas que o capital social pode assumir nos ajuda a pensar para além das consequências positivas proporcionadas pelo acesso a informações e pela rede de relações: devemos também ter em conta os resultados negativos trazidas pelo acesso ao capital social. 1.4 Segregação Urbana: consequências sobre o capital social. Kaztman (2001) destaca a coexistência da segmentação do mercado de trabalho, a progressiva redução dos espaços públicos que possibilitam o estabelecimento de contatos informais entre diferentes segmentos de classes sociais, e a crescente concentração dos pobres em espaços urbanos segregados, como uma tradução do isolamento social dos pobres urbanos no que diz respeito as demais classes da sociedade. Quase como uma homogeneização social do espaço urbano, nas grandes cidades, há um processo de isolamento dos setores mais pobres do restante da sociedade. Nesse sentido, o autor entende que a alta concentração territorial da pobreza acarreta, por um lado, numa debilidade dos vínculos com o mercado de trabalho, atingindo os trabalhadores de baixa qualificação, e por outro, num progressivo isolamento dos pobres urbanos do restante da sociedade. Aliado a esses fatos tem-se a segmentação do trabalho, da educação e a segmentação residencial. O autor afirma que a segmentação do trabalho diz respeito à redução da interação social entre os trabalhadores mais qualificados e os menos qualificados, 8 GRANOVETTER, Mark. The strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological Theory, v1, p. 201 – 233, 1983 29 restringindo estes últimos a adquirirem um possível capital individual que resultaria dessa troca. Já a segmentação da educação é vinculada ao enfraquecimento do processo de constituição de redes de estudantes de composição social heterogênea que, em sua análise, contribuiria para a equidade na distribuição de ativos9 de capital social, como veremos a seguir. A segregação residencial - o processo pelo qual a população da cidade vai se localizando em espaços de composição social cada vez mais homogênea - agrava esse quadro, levando ao crescente isolamento dos pobres urbanos. A proximidade física entre ricos e pobres evita o isolamento social e, segundo a hipótese de Kaztman, teria potenciais efeitos positivos no sentido de produzir atitudes e comportamentos mais adequados ao modelo dominante de integração social. Para o autor, tanto a segmentação residencial – que isola os pobres em espaço de composição social homogênea - quanto à segmentação do trabalho e a da educação que reduzem os âmbitos da sociabilidade informal com pessoas de outras classes sociais - conduzem ao isolamento social. Em contrapartida, uma vizinhança com uma estrutura social heterogênea teria potenciais efeitos integradores. Diferente dos autores vistos acima, Small (2004) investiga como viver em uma vizinhança pobre pode ser associado ou não a um baixo capital social. O autor, em seu estudo sobre Villa Victoria – Boston / EUA, busca entender como viver em uma vizinhança pobre pode afetar o capital social dos indivíduos. A análise visa compreender quais são os mecanismos que fazem com que pessoas que moram em vizinhanças pobres vivenciem uma diminuição da participação local da comunidade, redução dos laços com a classe média e mantenham laços fortes na vizinhança. A análise do autor mostra que em Villa Victoria as características espaciais da região reforçam, mais do que determinam, a diferença entre os residentes e os não residentes da região, onde a combinação particular de elementos como o espaço, raça e classe proporcionam para os residentes de Villa uma espécie de “cerca invisível”. Para o 9 Katzman (2001) define como ativos: o capital social individual referido à capacidade que uma pessoa tem de mobilizar a vontade de outras pessoas em seu benefício; o capital social coletivo que se refere à capacidade que tem de mobilizar as vontades de muitos na direção de uma meta coletiva; e o capital cívico referido à capacidade que tem de sentir e de compartilhar problemas e destinos de outras pessoas. 30 autor, a ideia de capital social está diretamente relacionada com a possibilidade de contato com diferentes classes sociais. Nesse sentido, afirma que quando as condições do espaço reduzem tais oportunidades, diminui o capital social e as possibilidades de se estabelecer “networks”. O autor afirma que, ao manter essas “networks”, os residentes de Villa Victoria podem ser expostos a “modelos de referência” e ter acesso a informações sobre recursos que possibilitariam a mobilidade social. Uma de suas questões centrais é, por que viver em uma vizinhança pobre limita a interação com a classe média. A hipótese é de que a pobreza da vizinhança, independente da pobreza individual, resulta numa desconexão com o mainstream. No entanto, a relação que os autores fazem na qual viver em uma vizinhança pobre necessariamente implicaria num isolamento da classe média precisa ser revista. A literatura sobre o tema nos mostra onde os indivíduos vivem e onde eles trabalham. Entretanto, a vida social não é limitada ao trabalho e a casa. Small (2004) afirma que examinar onde os indivíduos vivenciam o restante dos dias é indispensável para quem quer estudar capital social. Os elementos do comportamento social podem ser uma das fontes mais ricas para se capturar a relação entre a vizinhança pobre e a geração do capital social, principalmente no que diz respeito a interações informais. O autor mostra que a relação entre vizinhança pobre, recursos e capital social em Villa Victoria é perpassada por dois paradoxos: a relação entre vizinhança pobre e recursos e a relação entre os recursos e o isolamento social. Parece razoável supor que uma vizinhança pobre também seja pobre na oferta de seus recursos. Entretanto, uma observação mais cuidadosa mostra que o contrário é possível. Apesar de uma alta concentração de pobreza, Villa Victoria possui uma boa oferta de recursos (escolas, igrejas, mercados, centros comunitários, hospital). Essa oferta tem o efeito paradoxal de limitar as oportunidades dos residentes de Villa de interagir com a classe média. O efeito positivo da oferta de recursos contribui para o resultado negativo do isolamento social. Mais do que se perguntar qual o tipo de relação estabelecida entre os indivíduos, o mais importante para Small é questionar quem terá a oportunidade de estabelecer essa relação. As chances dos residentes de Villa Victoria em conhecer pessoas de outras classes são dramaticamente diminuídas frente a oferta de recursos na vizinhança. 31 Conforme a oferta de recursos cresce, o capital social fica limitado assim como aumenta o isolamento social. Mais uma vez vale lembrar que os indivíduos processam, de maneira diferente, os mecanismos relacionados ao bairro. A percepção e a capacidade dos indivíduos de participar do processo de adaptação e de resistência ao espaço varia de acordo não só das características individuais e familiares, mas também daquelas relativas ao espaço que habitam. Logo, como buscaremos demonstrar, alguns indivíduos optam por percorrer longas distâncias em busca de uma melhor oferta dos serviços essenciais, como a escola, numa clara demonstração da importância em reconstruir as motivações dos agentes e refletir sobre o fato social em questão como um resultado não apenas da estrutura social mas também das ações individuais. 1.5. Geografia de Oportunidades : território e ação dos indivíduos Em seu trabalho sobre segregação residencial e resultados educacionais em Santiago – Chile, Flores (2008) destaca as teorias sobre o efeito bairro referentes às consequências que as características contextuais tem sobre os processos e tomadas de decisões individuais. Em contextos onde a pobreza está espacialmente concentrada existem certos elementos situados geograficamente no bairro, particularmente nas redes sociais locais, que afetam negativamente as pessoas que ali habitam. No entanto, a autora enfatiza a importância da posição dos indivíduos nestas redes como fator que potencializa ou diminui o efeito do bairro. Sobre as teorias que estudam o efeito bairro, a autora aponta para três elementos presentes na comunidade, que são chaves para o processo de socialização do indivíduo que ali habita. São eles: eficácia normativa, no sentido da importância do consenso da comunidade acerca de normas e atitudes assim como a supervisão ativa das crianças por parte dos adultos da comunidade permitindo a transmissão de normas que são incorporadas pelas crianças em seu processo de desenvolvimento; mecanismos de informação, onde a informação disponível no contexto residencial explica, por exemplo, comportamentos como disciplina, hábitos de estudo, delinqüência, etc, relacionado com o que a literatura vem chamando como, de um lado, “efeito pares”10 e de outro, 10 O “efeito pares” está relacionado a um processo de contágio ou difusão de comportamentos entre uma criança e outra. 32 “modelos de papéis”11; oportunidades locais, ou seja, a qualidade das escolas, os recursos disponíveis e a capacidade de gestão tanto interna quanto externa, numa relação entre as instituições e a comunidade. Uma das mais importantes contribuições do estudo para este trabalho se refere ao que a autora chama de “geografia de oportunidades” que, como dito anteriormente, busca relacionar o processo de tomada de decisões com o contexto geográfico dos indivíduos. A geografia objetiva de oportunidades se refere a disposição dos equipamentos urbanos no território. Harvey (1980) trata esses equipamentos como recursos e afirma que sua disponibilidade depende da acessibilidade e da proximidade. Para o autor as decisões locacionais aumentam a disponibilidade espacial dos recursos: Uma asserção geral da teoria da localização e da teoria da interação espacial é a de que o preço local de um recurso ou proximidade é função de sua acessibilidade e vizinhança para o usuário (...) O domínio sobre os recursos (...) é assim função da acessibilidade e proximidade locacionais. (Harvey, 1980, pp 56) Small (2004), ao tratar da geografia objetiva de oportunidades, divide os dispositivos urbanos em recursos essenciais e recursos não-essenciais12. O primeiro diz respeito a serviços que todos precisam: escolas, hospitais, postos de polícia (serviços que os indivíduos terão que obter de todo modo). O segundo se refere a serviços não essenciais tais como recreação, shoppings, parques, entre outros. De acordo com o autor, os indivíduos dificilmente percorrem grandes distâncias para obter serviços essenciais que eles possuem na vizinhança. O contexto do bairro desempenha um papel central na conformação da geografia subjetiva de oportunidades. De fato, como afirma Flores (2006) A percepção subjetiva do indivíduo que toma decisões sobre a estrutura de oportunidades sobre a qual deve decidir será criticamente afetada pela informação disponível, que cria um filtro da percepção 11 A influência dos adultos pode funcionar ou não como exemplos a serem seguidos. 12 No original critical e nonciritcal resources 33 por meio do qual as oportunidades são entendidas e avaliadas. Este filtro da percepção das oportunidades disponíveis – que restringe as oportunidades realmente acessíveis – forma-se graças à informação proveniente de duas fontes principais: os meios de comunicação de massa e as redes locais sociais (Flores, 2006, pp. 203) Os autores Galster e Killen (1995) afirmam que as normas dominantes no grupo, os valores, os padrões de conduta aceitáveis e as trajetórias de vida esperadas para crianças e jovens variam segundo o contexto, e com ele variam também o tipo de informação ao quais os indivíduos têm acesso. Segundo esses autores, estas informações provêm principalmente das redes sociais locais, como a família, vizinhança, grupo de pares, instituições locais e outros. Sob esta perspectiva, as redes locais têm um papel fundamental na socialização dos indivíduos na medida em que proporcionam informações e ditam os parâmetros para o uso dessas informações. Wilson(1987) salienta que as redes locais podem reforçar ou invalidar certas normas e valores, e atuar diretamente nas aspirações dos jovens. Dessa forma, a informação disponível no bairro afeta diretamente a percepção subjetiva do indivíduo acerca da estrutura de oportunidades sobre a qual deve tomar uma decisão. Pode-se afirmar então que a segregação urbana dá forma a geografia de oportunidades, tanto em sua forma objetiva quanto subjetiva, ou seja, a segregação urbana permite predizer a existência de piores oportunidades a nível local, o que afeta os indivíduos na maneira pela qual eles enxergam essas oportunidades. Nesse sentido, a escolha do estabelecimento de ensino se coloca de forma diferenciada para os indivíduos que moram no mesmo bairro. Por isso, vale destacar a importância da posição dos indivíduos nas redes sociais que podem funcionar como um fator que potencializa ou diminui o efeito do bairro. As disposições construídas pela geografia de oportunidades no que tange a relação com a escolha do estabelecimento de ensino acarreta em diferentes estratégias postas em práticas pelos responsáveis. De fato, diante de uma organização mais complexa das redes escolares, as famílias tem a possibilidade de definir um projeto educativo e traçar estratégias para a escolha do estabelecimento de ensino. No entanto, as famílias são desigualmente equipadas no que concerne às condições para a “boa” escolha do estabelecimento de ensino. Os critérios usados para a escolha podem variar 34 de natureza quando se passa de um meio social para outro ou ainda pode variar de uma família para outra no interior de uma mesma condição social e espacial, conforme veremos adiante. Nogueira (1998), em revisão sobre o debate da escolha do estabelecimento de ensino pelas famílias, aponta para conclusões gerais as quais chegaram autores ingleses e franceses preocupados com a questão. Na vertente inglesa Nogueira (1998) destaca Ball, Gewirtz & Bowe. Inseridos num contexto de políticas educacionais neoliberais, vigentes desde os anos 1980 na Inglaterra, e que estimulava as famílias a cultura da escolha, os autores criticam a noção de que o mercado é neutro e o modelo de pai/mãe ideais (detentores das predisposições, habilitações e meios materiais para o exercício da escolha). Para eles, a escolha do estabelecimento de ensino e a competição por ele se dá dentro do “campo” educacional onde os difetentes tipos de capital (social, cultural e econômico) são utilizados como estratégias. Dessa forma, entendem que a escolha é concebida como parte da luta de classes simbólica, descartando o que chamam de “visão ingênua” de uma escolha concebida como ação individual. Concluem que a escolha do estabelecimento de ensino é diretamente relacionada a posição sociocultural da família e ainda que, em países afetados pelas políticas educacionais neoliberais, a escolha do estabelecimento de ensino é um fator de fortalecimento das desigualdades de oportunidades educacionais. Na vertente francesa, Nogueira (1998) abre espaço para quatro autores. Neste país, desde 1963 existe uma lei para rede pública que determina que a criança deve estudar no setor geográfico de seu domicílio. Frente a pressão da população, no início dos anos de 1980 a lei é flexibilizada, de modo que hoje as famílias podem, através de recursos jurídicos, revogar essa obrigação. É neste contexto que François Héran desenvolve suas pesquisas. Diante da possibilidade de matrícula em “escola particular”, “escolha pública escolhida” e “escola pública aceita”, o autor afirma que, para as duas primeiras alternativas trata-se de “escolhas ativas” em contraposição a última “escolha passiva”. Sua pesquisa mostrou que o comportamento da escolha varia significativamente de um grupo social para outro: os favorecidos cultural ou economicamente fazem a “escolha ativa” (com diferenças internas segundo as categorias profissionais) ao passo que as famílias desfavorecidas geralmente aceitam o estabelecimento imposto, a “escolha passiva”. Para a “escolha ativa” é necessário um bom conhecimento do funcionamento do sistema de ensino. As forma de obtenção de 35 informação sobre os diferentes estabelecimentos variam também de acordo com o meio social: se, por um lado, os mais favorecidos buscam a informação consultando o ranking das escolas (fornecido pelo órgão oficial do governo) por outro, as famílias das camadas populares obtém a informação principalmente através do boca-a-boca. Langouet & Leger são mais dois autores franceses utilizados por Nogueira (1998) para tratar do tema das escolhas. Os dois autores optaram em usar a noção de estratégia recusando a definição do individualismo metodológico e se aproximando mais do ponto de vista bourdieusiano que entende como estratégia as respostas prováveis dos indivíduos de acordo com as predisposições adquiridas no meio social de origem. No fim concluíram que a noção de estratégia deve ser usada com cautela pois envolve fatores que são extremamente associados á posição social ocupada o que faz com que a existência de estratégias e a possibilidade de escolhas estejam desigualmente acessíveis às diferentes classes sociais. Nogueira (1998) destaca três estratégias observadas no estudo de Langouet & Leger: estratégias de evitamento, famílias que evitam determinados estabelecimentos localizados em bairros populares ou com clientela de nível socioeconômico baixo; estratégias preventivas, que antecipam problemas esperados como, por exemplo, a mudança de escola com certo nível de dificuldade acadêmica para outra mais fácil na tentativa de evitar o fracasso escolar; estratégias de distinção, própria das elites, assegura a frequência a estabelecimentos seletivos e prestigiosos. Para Nogueira (1998) o nome de Robert Ballion é intimamente associado ao tema das escolhas do estabelecimento de ensino. Trabalhando com pesquisas sobre a relação entre a oferta de escolarização e a demanda, Ballion constata que a atitude das famílias frente a escolha da escola mudou consideravelmente ao longo das últimas décadas. Para ele, os pais atuais são “consumidores de escola” que buscam adequar o serviço educativo as suas demandas, de acordo com a oferta no mercado. Aponta para dois grandes tipos de conduta: as “condutas avaliatórias” reservam a escolha da escola por suas características educativas e/ou pedagógicas; as “condutas funcionais” ou “motivações domésticas” são escolhas de conveniência prática como proximidade geográfica, facilidade de transportes, etc. Quanto mais elevada a posição social, mais frequente são as condutas do primeiro tipo. 36 Todos os autores acima citados reconhecem o papel central do capital cultural familiar na escolha do estabelecimento, especialmente do capital de informações sobre o funcionamento do sistema de ensino. As estratégias e a possibilidade de escolha se colocam de forma diferenciada para as famílias. O objetivo deste estudo é apreender as diferentes estratégias postas em práticas pelos responsáveis no que tange à relação com a escolaridade dos filhos tendo em conta o conceito de geografia de oportunidade que, como já visto, relaciona o processo de tomada de decisões com o contexto geográfico dos indivíduos. O diagrama abaixo resume a idéia de como a geografia de oportunidades pode influenciar o processo de tomada de decisão dos indivíduos. O diagrama nos mostra a importância da relação entre família e vizinhança para o acesso a estrutura de oportunidades disponíveis a nível local e sua consequente relação com as estratégias familiares. A importância da relação entre família e vizinhança já foi descrita por Elias (2000) no estudo que fez em Winston Parva sobre a relação entre grupos já estabelecidos e grupos outsiders. Falaremos agora um pouco a respeito deste estudo pois ele será de fundamental importância ao tratarmos da Comunidade do Canal do Anil e da 37 Gardênia Azul e da possibilidade das relações estabelecidas no interior destas comunidades influenciarem significativamente no processo da escolha do estabelecimento de ensino. ... Elias (2000) faz um trabalho de campo de três anos em Winston Parva, cidadezinha no interior da Inglaterra. Seguindo os indicadores sociais correntes (renda, educação, tipo de educação), Winston Parva era uma comunidade relativamente homogênea. Porém, na percepção daqueles que ali moravam existia um grupo que se percebia como establishment e outro que se percebia como outsider. Estes grupos não diferiam quanto à classe social, nacionalidade, ascendência étnica ou racial. Sua única diferença era quanto ao tempo de moradia no local. O fator que diferencia os dois grupos não se baseia em qualquer critério étnico, racial ou socioeconômico: está fundado num vínculo inalienável que se estabelece entre os dois grupos, com base na possibilidade de ampliação dos excedentes de poder por parte dos estabelecidos. Esta possibilidade se fundamenta na coesão social dos estabelecidos, que permite que estes reservem para si as ocupações de maior prestígio social, em detrimento à falta de coesão e anomia identificados nos outsiders que, desta forma, não conseguem se organizar para fazer frente a subordinação imposta pelo grupo de estabelecidos. O grupo reconhecido como estabelecidos tem a identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência e baseiam seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros, um grupo social coeso. Já os outsiders formam um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos. A forma como o indivíduo, integrante de um determinado grupo, se percebe, sua auto-imagem, deriva do caráter geral do grupo ou do conjunto de características que o define como um grupo estabelecido ou outsider. Os estabelecidos, além de se subjugarem superiores e mais poderosos, contribuem para uma imagem negativa dos outsiders, fazendo-os se sentirem inferiores, carentes de virtudes. Os estabelecidos excluem os membros do outro grupo de todo o contato social não profissional através de 38 mecanismos de controle social como as fofocas elogiosas atribuídas a si e a ameaça de fofocas depreciativas contra os outsiders. O grupo estabelecido tende a atribuir ao grupo outsider as características “ruins” de sua porção anômica ao passo que modela sua auto-imagem com base em seu setor mais exemplar. Dessa forma, os outsiders são vistos como anômicos, ausentes de normas de controle dos aspectos em âmbitos grupal e individual. O contato travado entre os dois grupos faz pairar sobre os estabelecidos a ameaça de uma “infecção anômica” já que enxergam os outsiders como indignos de confiança, indisciplinados e desordeiros. A chegada dos outsiders representa um ataque triplo contra a hegemonia dos estabelecidos: contra seu monopólio das fontes de poder, contra seu carisma coletivo e contra suas normas grupais. Por isso a resistência e o revide dos últimos se dar de forma tão evidente. O que está em jogo é o fato dos dois grupos estarem intimamente ligados numa dinâmica onde um possui muito mais recursos de poder do que o outro, não sendo determinante para isso a cor da pele ou a origem étnica. A sociodinâmica das relações é determinada por sua forma de vinculação e não por qualquer característica que os grupos tenham. A antiguidade e a tradição familiar representam elementos de forte ampliação do status social nas sociedades tradicionais. A novidade do estudo de Elias (2000) é a aplicabilidade deste modelo as classes operárias. Antigo e novo representam os principais fatores de hierarquização. As entrevistas realizadas revelam que existe um conjunto de crenças e normas dominantes que exerce forte coesão na perspectiva individual de cada membro. Este conjunto se constrói com base na permanente troca de ideias entre os indivíduos dentro dos grupos e o constante reforço das posições através de mecanismos como a fofoca. Em regra, as comunidades estabelecidas esperam que os novatos se adaptem as suas normas e crenças, que se submetam as suas formas de controle social e demonstrem, de maneira geral, a disposição de “se enquadrar”. Nesse contexto, os termos “velho” ou antigo” não se referem apenas a quantidade de anos de existência de um bairro comparado com outro. Refere-se a uma configuração social específica, que indica que o patrimônio já não é mais uma condição essencial da “antiguidade” sociológica, como costumava ser. Já não se trata mais de herança de bens mas sim da “monopolização de posições-chave em instituições locais, 39 da maior coesão e solidariedade, da maior uniformidade e elaboração de normas e crenças, e da maior disciplina externa e interna que lhes é concomitante” (Elias, 2000, pp. 170) As comunidades e bairros formam um tipo específico de configuração. Invariavelmente as famílias de uma mesma comunidade logo são ligadas umas as outras pelos “fios invisíveis” da vizinhança. Na verdade, a natureza da estrutura familiar e os laços de família não podem ser entendidos como se as famílias vivessem num vazio comunitário ou como se a estrutura determinasse a estrutura das comunidades que vivem. O estudo de Elias em Winstom Parva possibilitou a comparação entre localidades de tipos diferentes. Essas comparações mostraram o quanto a estrutura familiar de um determinado bairro era altamente dependente da estrutura do bairro em que as famílias moravam. Elias percebeu que, ao falar em termos de uma “estrutura familiar”, deveria se referir também às estruturas das relações entre as famílias – à estrutura da vizinhança. Para o autor, Vez por outra, as famílias são representadas como entidades autônomas ou até como os elementos fundamentais – os “tijolos” – com que se constroem as sociedades. Mas até mesmo no âmbito deste pequeno estudo as diferenças entre os tipos de relações familiares encontradas nos diferentes tipos de comunidades de cada bairro foram suficientemente marcantes para sugerir que a idéia da “família” como unidade básica e primária da sociedade e como essencialmente autônoma e dispensando explicações constituía uma concepção equivocada ... Sem dúvida, ela é a unidade primária, do ponto de vista da criança. Mas, quando se observa que as configurações de pessoas a que nos referimos como “famílias” variam enormemente, tanto em sua estrutura quanto em seu tipo, e quando se indaga sobre a razão dessa variação, logo se descobre que as forças responsáveis por essas diferenças não se encontram no interior das próprias famílias. Só podem ser encontradas nas unidades maiores de que elas fazem parte. É impossível compreender por que as formas predominantes de famílias eram diferentes nas três zonas de Winston Parva sem fazer referência ao desenvolvimento e à estrutura dessas zonas e da comunidade que elas compunham em conjunto.” (Elias, 2000, pp 90) 40 O estudo das redes de relações no bairro também adquire importância no estudo de Elias (2000). O autor aborda a questão das famílias matrifocais, situadas nas zonas dos estabelecidos. Estas famílias primavam pelo seu alto status e estimulavam a morada de seus parentes na vizinhança, o que permitia uma maior coesão e estabilidade para estas famílias. O estreitamento dos laços sociais e a forte coesão possibilitavam “favores” como, por exemplo, deixar os filhos na casa do vizinho, o que não acontecia no loteamento, uma vez que os outsiders não desenvolveram uma rede forte de relacionamentos. É justamente a forma como a rede de relações sociais fundamentadas no bairro, sua conseqüente incidência sobre o processo de escolha e a relação que mantém com a estrutura social da Gardênia Azul e da Comunidade do Canal do Anil que nos interessa. Portanto, no próximo capítulo é apresentada a geografia de oportunidades objetivas nessas localidades para em seguida ser relacionada às relações de interdependência estabelecidas entre os indivíduos das diferentes localidades. 41 Capítulo 2. Oportunidades Objetivas no Rio de Janeiro Neste capítulo apresento os estudos de caso realizados e a metodologia utilizada. Na primeira parte, procuro mostrar a estrutura de oportunidades objetiva no município do Rio de Janeiro, traçando um panorama do funcionamento do seu sistema de ensino e revelando suas desigualdades internas e a forma como se apresenta no espaço físico. Na segunda parte apresento o território onde realizei o estudo de caso e suas características, dando especial atenção a Gardênia Azul e a Comunidade do Canal do Anil. 2.1 Desigualdades Educacionais no Território A municipalização do ensino fundamental vem ocorrendo, em diferentes graus de amplitude, nas várias regiões brasileiras. O município do Rio de Janeiro, devido a seu passado de capital federal, tem o ensino fundamental praticamente todo municipalizado13. A estrutura desse sistema municipal de ensino possibilita a escolha das escolas caso seja a vontade do responsável pelo aluno. No que diz respeito a distribuição dos alunos, a secretaria municipal de educação, através de portaria14 que regulamenta a matrícula no Ensino Fundamental, determina que é de responsabilidade das Coordenadorias Regionais de Educação (CRE) e das Unidades Escolares o planejamento e organização das matrículas. Dessa maneira, cabe a E/CRE a alocação dos alunos nas respectivas unidades escolares. No entanto é possível, de acordo com o mesmo documento, que o responsável pelo aluno escolha a unidade escolar de preferência, cabendo ao mesmo a procura pela efetivação da matrícula. Como já dito acima, dentro da rede municipal carioca, existem notórias diferenças relativas ao desempenho das escolas. O sistema educacional do Brasil hoje 13 O prazo para a municipalização do Ensino Fundamental no Rio de Janeiro - que, inicialmente, estava marcado para terminar no ano de 2008 - foi estendido até 2010 (Lei 5.311/08). 14 Portaria E/ATP n°18 disponível no endereço eletrônico http://www.rio.rj.gov.br/sme/noticias/downloads/portaria18ATP19122007.pdf 42 apresenta um Ideb/ 200515 de 3,8, para a primeira fase do ensino fundamental. A média para o Rio de Janeiro é de 4,4 pontos. Algumas escolas estão acima desse valor, e outras muito abaixo. Vale ressaltar que o desenvolvimento de sistemas nacionais de avaliação permitiram observar diferenças marcantes na qualidade da educação pública, especialmente após a implementação do Prova Brasil e do Indicador de desenvolvimento da educação básica (Ideb). A literatura costuma apontar para a segmentação escolar no que diz respeito a diferença entre a qualidade das escolas privadas e públicas. E ainda dentro do sistema público a diferença entre escolas federais e as demais. Entretanto é interessante notar que mesmo dentro do sistema público da rede municipal observamos uma distribuição desigual das escolas com grande diferença nos resultados. O gráfico a seguir, feito com base nos resultados do Ideb / 2005 para o município do Rio de Janeiro, nos mostra essa disparidade: 15 O IDEB é um índice que busca reunir num só indicador dois conceitos importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações, obtidos através do Censo Escolar e da Prova Brasil, respectivamente. 43 Gráfico 01: Ideb das escolas no município do Rio de Janeiro em 2005 60 Escolas 50 40 30 20 10 0 2,1 2,5 2,8 3,0 3,2 3,4 3,6 3,8 4,0 4,2 4,4 4,6 4,8 5,0 5,2 5,4 5,6 5,8 6,0 6,2 IDEB 2005 - 4ª serie Fonte: Ideb Podemos perceber a variação entre a menor nota – 2,1 – e a maior – 6,2 numa clara demonstração da desigualdade que opera dentro da rede. Diante de uma rede insatisfatória qualitativamente, a motivação em buscar melhores escolas acaba sendo a estratégia encontrada por alguns responsáveis. No intuito de observar como estas diferenças, que claramente representam oportunidades objetivas diferenciadas, se distribuem no território resolvemos georreferenciar esse resultado no mapa abaixo que mostra a média dos Idebs da escolas localizadas em cada área de ponderação : 44 Mapa 01: Média dos Idebs da escolas localizadas por área de ponderação Fonte: Observatório das Metrópoles / Ideb / IBGE O mapa nos ajuda a redimensionar a escala da segregação no Rio de Janeiro. Conforme afirma Lago (1999) , na década de 1970, havia uma divisão mais clara no território carioca- a zona sul da cidade com as áreas de maior prestígio econômico e, conforme se afastasse dessa área, concentração de pobreza, na clássica visão dual da distância física entre pobres e ricos. O argumento do modelo centro-periferia já não dá mais conta da estrutura territorial de hoje. Existem áreas periféricas no centro e áreas centrais na periferia. Neste mapa podemos perceber o quão diferenciado encontra-se a distribuição das oportunidades pelo território. Os pontos mais claros no mapa são aqueles que apresentam o melhor índice no IDEB. Quanto mais escura a cor, pior o índice. A diversificação desse índice espacializado no mapa nos mostra como a cidade do Rio de Janeiro apresenta um território um tanto quanto diferenciado e um potencial locus de estudo dos interessados em políticas públicas na área do planejamento urbano e da educação. Com a ajuda do mapa, temos uma clara indicação de que o território exerce um importante impacto sobre as oportunidades objetivas na oferta das escolas. 45 Quando nos referimos a geografia objetiva de oportunidades, falamos da possibilidade em usufruir dos equipamentos urbanos próximos ao local de moradia. Se uma das facetas da segregação urbana é justamente a crise da mobilidade que atinge mais fortemente os trabalhadores informais (Ribeiro, 2007) e se lembrarmos a afirmação de Small (2004) quando do uso daquilo que chama como serviços essenciais “residents are unlikely to travel far distances to obtain services they can obtain near home” (pp. 134) podemos nos questionar a respeito da decisão de alguns pais em matricular seus filhos longe da residência em busca de melhores escolas. Entretanto não só as oportunidades objetivas dariam conta de explicar o acesso diferenciado/segmentado a equipamentos de educação. 2.2 Território e Estratégia Se o capital social conformado no território pode funcionar como uma potencial fonte de informações e de recursos devemos então investigar as características desse território que influenciam na decisão dos indivíduos. Para isso, optamos em estudar quatro famílias da amostra GERES16 moradoras do bairro da Comunidade do Canal do Anil, na Gardênia Azul, onde foi possível perceber a presença de alunos que estudam na escola do entorno, mas também alunos que se deslocam cerca de 10 km para uma escola no bairro da Barra da Tijuca, também municipal. A ideia é isolar alguns efeitos que já é sabido exercerem impacto sobre os processos educativos: escolaridade dos pais, nível socioeconômico, profissão dos pais, bens econômicos, recursos culturais, entre outros, controlando pelo NSE dos alunos. Isolando esses efeitos tentamos investigar apenas como o território impacta no processo de tomada de decisão. 16 O Projeto GERES vem sendo desenvolvido desde 2005, em cinco grande aglomerados urbanos (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas, Salvador e Campo Grande) e é um estudo longitudinal que acompanhou, ao longo de quatro anos, a evolução do aprendizado em Leitura e Matemática de uma amostra de cerca de 21.000 alunos em início do processo de escolarização. O projeto leva em conta os fatores escolares e sócio-familiares que incidem sobre o desempenho escolar. Foram realizadas cinco “ondas” ou avaliações de alunos (março/2005, novembro/2005, novembro/2006, novembro/2007, novembro/2008) onde foram aplicados questionários às famílias, professores e diretores das escolas. Uma das maiores contribuições do projeto está na sua perspectiva de pesquisa longitudinal e, com informações referentes ao domicílio, na possibilidade de compreendermos melhor o contexto social no qual as crianças em idade de escolarização estão expostas. 46 A opção em estudar alunos que estavam cursando a quarta-série do ensino fundamental deve-se ao fato de que o primeiro segmento do ensino fundamental costuma receber alunos, em sua maioria, da vizinhança, o que torna sua composição social altamente dependente da composição social do bairro onde se instalam. (Kaztman & Retamoso, 2007) De fato, um estudo realizado por Alves (2008) revela que apenas 15% dos estudantes do primeiro segmento do ensino fundamental percorrem mais de 1.500 metros na ida para a escola. Os 85% restantes estudam a menos de 1.500 metros de casa. Buscamos responder quais são os motivos que levam os responsáveis desses alunos em matriculá-los nas escolas em questão: são decisões de cunho contingencial, ou de fato há um investimento por parte do responsável ao matricular o estudante em uma determinada escola? Será que as famílias dos responsáveis pelos alunos tem acesso a informações oficiais (como a que estamos usando) e fazem uma escolha orientada para a escola? Que tipo de estratégia de escolarização elas estão adotando? Que recursos disponíveis no bairro elas tem acesso, em especial no que diz respeito as redes de relações sociais? Será que esses recursos incluem informações que circulam nas redes de relações sociais conformadas na vizinhança? Optamos em realizar entrevistas na casa das quatro famílias selecionadas. Como em nossa hipótese o território exerce um papel fundamental, apresentaremos nos próximos itens características relevantes dos bairros da Gardênia Azul e da Barra da Tijuca. Para isso, é necessário falarmos um pouco das características do processo de segregação urbana brasileiro para depois detalharmos o caso específico do Rio de Janeiro. 2.3 Breve histórico do processo de segregação urbana brasileira Notoriamente o Brasil é um país que concentra a maior parte de sua população vivendo em cidades. Dados do Censo Demográfico 2000/IBGE mostram que é de 138 milhões a população urbana em oposição a 32 milhões da população rural, uma proporção de quase 80% de pessoas vivendo em cidades. Em 1940 a população rural era maior que a população urbana, mas sob o impulso da industrialização e da desruralização produtiva do campo, o Brasil transformou-se num território majoritariamente urbano, desigualmente distribuído em suas dimensões territoriais. 47 Por volta de 1990, a inserção brasileira na economia globalizada proporcionou dinâmicas políticas, econômicas e sociais que reforçaram o processo de fragmentação social brasileiro e que contribuíram para os efeitos crescentes da segregação urbana. De acordo com Ribeiro (2007) são três os processos que contribuem para o incremento da segregação urbana: a segmentação do mercado de trabalho; a crise da mobilidade urbana que atinge mais fortemente os trabalhadores informais; e a crise do sistema de previsão de moradias. A segmentação do mercado de trabalho encontra sua centralidade num vasto contingente de trabalhadores que exercem ocupações precárias, informais e transitórias, principalmente no setor de serviços pessoais e domésticos. Como alguma das conseqüências, vale destacar a natureza instável dos laços com o mercado de trabalho que fragiliza a função socializadora do trabalho, principalmente entre os mais jovens. E, ainda, a perversa relação entre inserção no mercado de trabalho e território. Como afirma Ribeiro (2007): “A segmentação do mercado de trabalho no sentido aqui utilizado torna os laços com o território o suposto da condição urbana, do direito à cidade, tanto em termos da integração à redes sociais quanto do acesso a oportunidade de ocupação e renda.” (pg. 31) Altamente relacionado a segmentação socioterritorial está a imobilidade urbana dos trabalhadores diante de um processo de imobilização territorial nas grandes metrópoles, bloqueando a acessibilidade a territórios onde se concentram as oportunidades de ocupação e de renda. A conseqüência da combinação desses dois processos é a pressão pela ocupação das áreas mais centrais gerando a segmentação sócio-territorial das metrópoles e a conseqüente expansão do habitat precário onde se concentram as camadas de maior renda. Daí o crescimento das favelas como a expressão da solução para os problemas da segmentação do mercado de trabalho, da imobilidade urbana e do déficit na provisão de moradias. De fato, como afirma Ribeiro: A estrutura demográfica resulta das disputas entre classes e grupos pelo uso e ocupação do território da metrópole, cujo fundamento é o acesso aos recursos urbanos que se acumulam. Estes recursos incidem sobre a qualidade de vida das pessoas, quando se trata de bens de consumo coletivo (equipamentos e serviços urbanos), 48 e sobre as possibilidades de auferir renda monetária, quando se trata do sistema de infra-estrutura urbana que permite a mobilidade da população entre os locais de residência e de trabalho. Da dinâmica de apropriação destes recursos resulta a divisão social do espaço, comumente conhecida como segregação urbana. (Ribeiro, 2001 , p. 03) 2.4 Particularidades que definem o modelo carioca de segregação urbana O Rio de Janeiro conforma um modelo de segregação sócio-territorial marcado pela combinação entre proximidade física e distância social entre as diferentes classes sociais. Como afirma Ribeiro & Kaztman (2008): “Trata-se de um caso excepcional de uma cidade-metrópole, ocupando lugar de destaque no ranking do sistema urbano mundial, mas na qual não ocorreu o processo clássico de separação territorial dos grupos e classes sociais, próprios das grandes cidades da era da industrialização.” A dinâmica demográfica da cidade do Rio de Janeiro combina traços de grandes cidades dos países pouco desenvolvidos com características que marcam importantes metrópoles dos países ricos. Se, por um lado, algumas das áreas da periferia carioca crescem fortemente, por outro, bairros das áreas centrais e suburbanas conhecem movimentos de perda de população, numa espécie de movimento do “núcleo para a periferia”. (Ribeiro & Santos Junior, 2007) As áreas chamadas de subúrbio próximo e subúrbio distante17 mostram comportamento similar às áreas centrais da cidade. Já a Zona Oeste e os bairros da Região Administrativa de Jacarepaguá e Barra da Tijuca mostram-se claramente como as principais frentes de expansão do município, com elevados índices de crescimento. Os dados demográficos do censo 2000 indicam que a R. A. de Jacarepaguá18 cresceu à taxa de 16%, na década de 1990, o equivalente a cerca de 80 mil novos habitantes. Esse marcante aumento populacional na segunda metade da década passada é resultante das altas taxas de crescimento verificada em alguns bairros, principalmente 17 Subúrbio Próximo: Portuária, São Cristóvão, Ramos, Inhaúma, Ilha do Governador, Jacarezinho, Complexo do Alemão e Maré . Subúrbio distante: Penha, Irajá, Anchieta e Pavuna. 18 Anil, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara, Gardênia Azul e Vila Valqueire 49 na Gardênia Azul (49%).19 Voltaremos a falar mais adiante do crescimento da Gardênia Azul, mas vale dizer que chama a atenção de quem anda pelas ruas do bairro o sem número de construções financiadas principalmente pela milícia que atua na região, como foi dito pelos moradores e por jornais cariocas. Os dados acima confirmam a tendência a estagnação demográfica das áreas centrais e a emergência de pólos dinâmicos de expansão urbana na região oeste da cidade. O mapa abaixo, com destaque para o bairro Gardênia Azul, nos mostra a espacialização do convívio entre as diferentes classes sociais. Ele é feito com base na tipologia socioespacial elaborada pelo Observatório das Metrópoles que se caracteriza, de maneira sucinta, como uma hierarquização social do espaço da cidade do Rio de Janeiro construída a partir de variáveis relativas a ocupação das pessoas residentes na cidade carioca. Mapa 02: Mapa da Tipologia Socioespacial do Município do Rio de Janeiro por ÀREA-IPPUR – 2000 19 Informações retiradas do site http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/interna.php?n0=1&n1=4&n2=6&rn0=8&rn1=1 50 O mapa nos mostra uma forte relação entre estrutura social e divisão espacial. Uma primeira evidência diz respeito a concentração das categorias “superiores” na zona sul, área que possui maior concentração de empregadores e trabalhadores dirigentes, intelectuais. A área se estende pela parte central da cidade e parte da zona oeste, muito por conta do bairro da Barra da Tijuca. Poderíamos falar da formação de um espaço central que imporia distâncias sociais até as periferias cariocas. Contudo, é interessante notar que duas situações rompem com essa lógica: a primeira é a presença de traços médio-superiores e médios na zona oeste da cidade bem como em alguns bairros do subúrbio carioca, o que expressa uma forte tendência a diversificação social de parte da periferia; a segunda evidência ocorre da presença de favelas – tipo popular e operário – nas áreas superiores, característica do modelo carioca de segregação urbana. No destaque do mapa, o bairro Gardênia Azul, é praticamente tomado pela tipologia popular. No entanto, a sua margem direita apresenta uma mancha mais escura, da categoria popular inferior, a última das tipologias socioespaciais. É nessa mancha, que fica a Comunidade do Canal do Anil. Vejamos agora um pouco mais sobre o bairro e a comunidade que faz fronteira com ele. 2.5 Gardênia Azul O bairro Gardênia Azul fica na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro e pertence a XVI Região Administrativa de Jacarepaguá que conta ainda com mais dez bairros: Anil, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara e Vila Valqueire. A Região de Jacarepaguá é limitada pelas encostas atlânticas do Maciço da Pedra Branca, a leste, pelo Maciço da Tijuca, a oeste, pelas lagoas de Jacarepaguá, Camorim e Tijuca, ao sul, e pela Serra do Valqueire, ao norte. Estas lagoas formaram-se após um processo de assoreamento marítimo que resultou na restinga onde se situa a Região Barra da Tijuca. A Região Jacarepaguá apresenta alta densidade de drenagem, formada pelos rios Guerenguê e Passarinhos provenientes do Maciço da Pedra Branca, pelo Rio Grande (maciços da Tijuca e Pedra Branca) e pelos rios Pedras e Anil (Maciço da Tijuca). 51 2.5.1 Um pouco da história de Jacarepaguá Até as primeiras décadas do século XX a Região de Jacarepaguá ainda era zona rural, no início com uma agricultura de exportação e, posteriormente, como fornecedora de alimentos à população da metrópole que já se mostrava como potencial mercado consumidor. Nascida de antigas sesmarias doadas a grandes senhores pelo rei de Portugal, a Baixada de Jacarepaguá foi, em grande parte, domínio da sesmaria de Estácio de Sá. No entanto, também faz parte desta história não apenas os parentes de Estácio de Sá mas também a família do juiz Teles de Menezes e dos Taquaras, seus herdeiros. Em 1824 o engenho da Taquara pertencia ao comendador Francisco Pinto da Fonseca, delegado de Jacarepaguá, e a Dona Maria Teles de Menezes, pais do futuro barão de Taquara. Além do engenho tradicional, o Barão de Taquara (falecido em 1918), possuía ainda o engenho d’água, onde seu filho, o vereador e médico Francisco Pinto da Fonseca, o Pitutinha, criaria cavalos e fundaria o bairro da Gardênia Azul. (Brasil, 1965) Até meados do século XIX dominou, nesta região, a monocultura da cana-deaçúcar, uma agricultura de baixada que visava a exportação. Com o início do ciclo do café e a exigência de solos bem drenados e arejados, a lavoura subiu para as encostas das serras, principalmente de Campo Grande, deixando a região numa prolongada fase de estagnação econômica. As atividades na região durante esse período foram a exploração do carvão e da lenha, indústrias caseiras e pequenas lavouras de subsistência. O relato desta época é muito bem feito por Brasil (1965) que, ao falar do então chamado “sertão carioca”, o faz de maneira minuciosa, ilustrando a evolução desse Jacarepaguá antigo, de fazendas e engenhos tão prósperos a decadência do açúcar e do café. Centenas de oleiros, tamanqueiros, vassoureiros e outros pequenos comerciantes deram vida a uma indústria doméstica variada que só desapareceu após começarem os grandes loteamentos. Na terceira década do século XX a região passa a ser produtora de banana destinada ao mercado externo, possível por conta da drenagem e do saneamento das baixadas ocorridos no início da década de 1930, o que possibilitou também o cultivo de hortaliças, ainda para abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. 52 Curiosamente, as mesmas obras de engenharia que possibilitaram a agricultura na região, provocaram a expulsão do cultivo da banana e das hortaliças para dar lugar a pequenos lotes que passaram a ser vendidos aos habitantes da cidade. Dessa forma a região passa a ser incorporada como “franja urbano-rural” da cidade do Rio de Janeiro e por volta da década de 50, começa a ocorrer sua ocupação, de forma gradativa, acompanhando principalmente o desenvolvimento dos meios de transporte como o trem e o bonde. (Fontes, 1984) 2.5.2 Histórico de Ocupação da Gardênia Azul Em 1953, com o loteamento e a venda das terras de José Padilha Coimbra, que iam da Estrada do Engenho D’Água até a Avenida Tenente Coronel Muniz de Aragão, teve início a ocupação da Gardênia Azul. O nome do bairro surgiu em função das plantas ornamentais que José Padilha cultivava em seu jardim. Neste período, o pedreiro Severo Silveira Maciel construiu grande parte das casas na região tornando-se, posteriormente, líder comunitário. No início da década de 80, houve uma invasão de terras ao final da Avenida Tenente Coronel Muniz de Aragão (Vale, 2006). Essa invasão deu origem a uma comunidade de baixa renda, que se diferencia dos demais aspectos da Gardênia Azul. A Gardênia Azul apresenta-se com um bairro fundamentalmente residencial com construções, em sua maioria, de um pavimento que ocupam o terreno todo. No entanto, o crescimento na região é visível, muitas construções em andamento e novos prédios surgindo na região, financiados, de acordo com os moradores, pela milícia que atua na zona oeste. Chama a atenção no bairro a grande quantidade de pequenos comerciantes que atendem a população local: são farmácias, padarias, armarinhos, quitandas, lojas de material de construção, salões de beleza, pequenos restaurantes, bares. Muita das vezes esse comércio é aberto no primeiro andar das casas, como uma continuação de seus lares. No ano de 1999 existiam cinco grandes indústrias no bairro. A fábrica de Linho e a fábrica da Antártica fecharam e hoje existem apenas três: Guaravita (setor de bebidas), Canonne (setor alimentício / confeitaria) e a Beton. Alguns funcionários são moradores na região mas, de acordo com o gerente de produção da Canonne, esse 53 número vem caindo substancialmente, principalmente por conta da automação da indústria e de sua consequente necessidade de mão de obra especializada. Na Gardênia existe apenas uma escola municipal de ensino fundamental, a que chamamos aqui de Escola da Gardênia Azul. No anil, bairro vizinho, existem mais cinco escolas municipais de ensino fundametal: Marechal Canrobert Pereira da Costa, Victor Hugo, Naturalista Augusto Ruschi, Jorge Amado e Maria Florinda Paiva da Cruz. Para cursar o Ensino Médio é necessário um deslocamento maior para Freguesia, Barra da Tijuca, Taquara ou Rio das Pedras. 2.5.3 A Comunidade do Canal do Anil A descrição do bairro até agora ficou no que podemos chamar da parte “nobre” da região. Existem notórias diferenças entre duas partes da região da Gardênia Azul. Na parte de acesso ao bairro, a parte “nobre”, encontram-se construções regulares, pavimentação, ruas nomeadas e numeradas... Caminhando pelo bairro, na sua parte final, começam a aparecer construções apenas de tijolo misturadas com casas pintadas e com fachada. O limite não é bem delimitado mas, quando menos se espera, já estamos na comunidade do Canal do Anil, como é conhecida a parte mais desprivilegiada que faz fronteira com o bairro. É nessa comunidade que escolhemos os estudos de caso. O acesso a ela pode ser feito pela Avenida Canal do Anil ou pela Rua Izabel Domingues. Imagem 01: Gardênia Azul, Comunidade do Canal do Anil e Comunidade Jardim do Anil 54 Vale (2006) em estudo sobre o desenvolvimento local na Comunidade do Canal do Anil fez um levantamento a respeito do início e formação da comunidade. Constatou que o histórico de ocupação dessa parte do bairro é relativamente recente. Em 1957 havia apenas duas casas feitas de sapê na margem do rio, que era apenas um fio de água límpida com cerca de cinquenta centímetros de largura que desaguava na lagoa de Camorim. O caminho até essas casas era estreito e de terra mas foi se alargando conforme a comunidade foi crescendo. Hoje esse caminho é a Avenida Canal do Anil. O riacho transformou-se no rio por onde trafegavam canoas e barcos em direção a lagoa. Em 1966 a margem esquerda do rio foi loteada e vendida. A comunidade começou a crescer, primeiro pela margem esquerda e depois pela margem direita do rio. No final da Avenida Canal do Anil formou-se uma colônia de pescadores com sede na Rua Melo onde hoje se encontra a Associação de Moradores. A sede da colônia foi transferida para o final da Avenida Canal do Anil. Com a coordenação de dois líderes comunitários, foi construída a Capela de São Pedro, padroeiro dos pescadores. Na década de 1970 havia uma festa em homenagem ao santo e os pescadores enfeitavam seus barcos, navegavam pelo rio até a lagoa em direção a Barra da Tijuca. Os moradores participavam da festa montando barraquinhas e ouvindo música. Em 1976 houve um novo loteamento de terrenos que deu origem ao lugar hoje chamado de Chico City. No entanto, tratava-se de uma propriedade privada e em 1979 o governo quis desapropriar as casas. Aconteceu então a primeira grande mobilização da comunidade. As pessoas fizeram barricadas para que as máquinas da prefeitura não passassem e fizeram uma comissão para negociar com o prefeito Julio Coutinho e com o governador Chagas Freitas. A comunidade conseguiu evitar o despejo dos moradores. A água e luz chegam a comunidade em por volta de 1967, por intermédio de um líder comunitário que obtinha lucro com os serviços. Mobilizadas em acabar com a lucratividade do líder, em 1977, 20 mulheres se uniram e, em 1980 fundaram a Associação de Moradores da comunidade. Entre 1982 e 1986, durante o governo Brizola, a Associação conseguiu que o fornecimento de luz e água fosse feito direto pelas companhias. A região é considerada uma área de risco para construção por ser insalubre e estar sujeita a inundações. Em 1996 houve uma grande enchente na comunidade do 55 Canal do Anil que causou inúmeras perdas para os moradores. Após a enchente a prefeitura iniciou uma obra de alargamento e canalização do rio Anil. Para dar continuidade a obra, foi necessário a remoção das casas do lado esquerdo do rio ao longo de toda a Avenida do Canal do Anil. Como em toda obra que envolve remoção das famílias já estabelecidas no local, houve muita dúvida e insegurança por parte dos moradores afetados, pois a prefeitura indenizaria as pessoas pela casa. Com o valor conseguido era impossível a compra de outro imóvel na região. Após a organização dos moradores, a prefeitura optou em construir novas casas num terreno próximo, onde hoje é a Comunidade do Jardim do Anil. Alguns aceitaram a indenização e saíram da comunidade, outros juntaram um pouco mais de dinheiro e por lá permaneceram e outros se mudaram para as novas casas, entregues em 2002. A associação de moradores da Comunidade do Jardim do Anil está de tal forma organizada que possui um site na internet, com atualizações frequentes. Nele podemos ver o histórico de construção da Associação e as atividades que desenvolvem no local como aulas de futebol e atividades para a terceira idade. A Associação é declarada como pessoa jurídica e conta ainda com estatuto que regulamenta a associação.20 Essa nova comunidade possui melhor infraestrutura de água, esgoto, luz e asfalto. As casas são bem construídas, as ruas asfaltadas, tendo uma ampla área verde onde são realizadas as atividades da associação da Comunidade do Jardim do Anil. Cruzando o Jardim Anil, chega-se ao Jardim Clarice, um condomínio de alto padrão habitacional e que permite o acesso a Estrada de Jacarepaguá. Existe uma grande diferença entre as comunidades apesar de sua proximidade geográfica como podemos observar na foto acima. Para pegarem o transporte coletivo regular, é necessário que os moradores da Comunidade do Canal do Anil percorram cerca de 1,5 Km para chegar ao centro da Gardênia Azul, ou a Estrada do Engenho D’água ou ainda a Avenida Ayrton Sena, lugares de ponto dos transportes regulares da cidade. Na falta de transporte perto, as kombis e vans ocupam um lugar de destaque na mobilidade dos moradores. O movimento nesses transportes é regular, fazendo o trânsito na Rua Izabel Domingues e na Avenida Canal do Anil bastante intenso. Como não existem calçadas nem ciclovias na região, o trânsito de pedestres tem que ser feito em meio a vans, kombis, carros e 20 Informações retiradas do site www.amaja.org.br 56 muitas, muitas bicicletas. Existe um comércio local que atende os moradores da Comunidade do Canal do Anil e que se distingue daquele encontrado na Gardênia Azul. Nesse caso são comerciantes de menor porte, a maioria biroscas, alguns salões de cabeleireiro, casas de material de construção e de gêneros alimentícios. Para outros serviços a população recorre ao comércio do centro da Gardênia, do largo do Anil e, em último caso, da Freguesia. A comunidade do Canal do Anil cresceu ao longo da margem do Rio Anil. Sua expansão, atualmente, segue em direção a Avenida Ayrton Senna. No estudo que fez sobre a comunidade, Vale (2006) identificou cinco subdivisões: Avenida Canal do Anil (início), Avenida Canal do Anil (meio, na altura da Rua Melo), Avenida Canal do Anil (final), Chico City e São Sebastião. No levantamento realizado na época de seu estudo, Vale (2006) contabilizou vinte e cinco mil moradores na região. As casas localizadas na Avenida Canal do Anil possuem maior valor econômico. As pessoas que moram na primeira parte da Avenida não gostam de ser relacionadas aos moradores da Comunidade do Canal do Anil, buscando realizar suas atividades no centro da Gardênia Azul ou no Anil. Para um observador que tenha chegado recentemente na comunidade, fica difícil estabelecer divisões dentro dessa comunidade. Ela lembra muito o estudo feito por Elias (2000) em Winston Parva: assim como naquele estudo, aqui temos uma forma distinta de estratificação social. As diferenças entre a comunidade dificilmente podem ser taxadas como diferenças de classe. Na verdade, podemos falar de diferença na posição social do lugar. Numa tentativa de hierarquização dos valores dos imóveis na região, de acordo com os moradores, é a seguinte: Avenida Canal do Anil, início, meio e fim; Chico City; e São Sebastião. Esta última foi a de ocupação mais recente e, talvez por isso, trate-se da parte mais desprivilegiada da região. Apesar de ser aparentemente uma zona uniforme, na Comunidade Canal do Anil é notável a hierarquia interna de status na região. Contem “subzonas de status superior” e outras de “status inferior”, apesar de não ser possível presumir de antemão quais famílias ocupam posição mais elevada que outras residentes na região: “Ali como noutros lugares, excetuadas as camadas mais alta e mais baixa, a classificação hierárquica das famílias e indivíduos desafiava qualquer tentativa de simples representação numérica” (Elias, 2000). 57 Mais adiante, na parte do trabalho de campo, retomo o caso da Comunidade do Canal do Anil. Por hora, vejamos sinteticamente as características do bairro do Anil e da Barra da Tijuca, onde ficam as escolas também objeto deste estudo. 2.6 O bairro do Anil O Anil é um bairro de grandes contrastes, dividido entre pequenas favelas e vilas de baixa renda e entre condomínios com elevado padrão econômico, nos moldes dos conhecidos na Barra da Tijuca. Assim como quase toda a região de Jacarepaguá, no início do século XVIII, o Anil foi tomado pela plantação de café. Antes, porém, o bairro era tomado por arbustos nativos, as anileiras, que produziam uma tinta azulada através de seus frutos, daí o nome do bairro. Contando com uma população de aproximadamente 21 mil habitantes, o bairro ainda reserva ares coloniais em seu interior. Suas vias principais são a Estrada do Engenho D’água e a Estrada de Jacarepaguá e tem em seu limite a Estrada Coronel Muniz Aragão. É justamente nessas vias e no seu entorno que fica a maior parte do comércio do bairro. São bancos, farmácias, grandes redes de supermercados, correios, postos de gasolina, entre outros. A população da Gardênia Azul e da Comunidade do Canal do Anil usualmente recorrem ao comércio do Anil. De acordo com a tipologia elaborada pelo Observatório das Metrópoles, o Anil apresenta concentração da categoria “média”. A renda média da população moradora do Anil é de 8 salários mínimos e a taxa de alfabetização no bairro fica na média entre 95 a 96%. Os bairros da Cidade de Deus, Jacarepaguá e Gardênia Azul possuem a menor taxa de alfabetização, de 84 a 87%.21 O mesmo quadro feito para população com nível superior revela que o Anil apresenta uma concentração de 15 a 23 % ao passo que a Gardênia Azul apresenta uma variação de 2 a 3% de pessoas residentes com nível superior, marca equivalente apenas a Cidade de Deus. 21 Informações extraídas do Plano Estratégico da Cidade, em que foram analisados os dados extraídos de fontes oficiais, de reuniões regionais e da Pesquisa de Percepção da População. http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/ 58 Na conversa com os moradores da Comunidade Canal do Anil, era notória a posição que o Anil ocupava na percepção dos entrevistados: na maior parte dos casos, a aspiração para uma vida melhor era primeiro a mudança para o centro da Gardênia Azul e depois para o Anil, bairro de “gente com dinheiro e mais bem cuidado”. A seguir, a caracterização da Barra da Tijuca, bairro em que se localiza a escola para onde vão alguns dos alunos da Comunidade do Canal do Anil. 2.7 Barra da Tijuca A Barra da Tijuca é um bairro que concentra uma população com alto nível socioeconômico, grandes shoppings e condomínios de casas e prédios de elevado padrão de sofisticação. A região é de recente ocupação22 e é caracterizada, principalmente, pela grande quantidade de condomínios fechados. A renda média no bairro fica entre 24 a 46 salários mínimos, uma das maiores taxas da cidade. A população residente que tem nível superior é de 28 a 57%23, taxas consideravelmente superiores quando comparadas aos bairros por nós estudados. Diversos estudos já apontaram para o aspecto autossegregador do bairro e para o surgimento de uma nova espacialidade urbana. Trata-se de um lugar marcado pela privatização do espaço público, a partir da presença de condomínios fechados das camadas sociais mais abastadas. Caldeira (1997) fala de enclaves fortificados, que seria uma alternativa para a vida urbana das camadas superiores e que estabeleceria uma nova sociabilidade e um novo estilo de vida. Nesse novo estilo de vida, baseado num movimento de autossegregação das camadas sociais superiores, é notório o conteúdo social homogêneo que funciona de acordo com dinâmicas próprias e possui em comum um estilo de viver que difere do restante da cidade. Os espaços fechados dos condomínios residenciais da Barra revelam um novo padrão de organização espacial urbano, que se fundamenta na qualidade de vida e na segurança para sua reprodução e valorização imobiliária. Nesse novo modo de viver, existe uma lei que que regulamenta a cessão de área e obrigação de construção de escola como condição para o licenciamento de grupamento de edificações, ou condomínio fechado.24 22 Na década de setenta, começa a construção de condomínios residenciais horizontais e verticais na região 23 Informações retiradas do Plano Estratégico da cidade do Rio de Janeiro 59 2.8 Gardênia Azul, Anil e Barra Como visto acima, estamos trabalhando com oportunidades no território em três localidades: Gardênia Azul, Anil e Barra da Tijuca. Já vimos como esses bairros diferem consideravelmente entre si, formando uma hierarquização em suas características sociais e econômicas que ficaria assim: Gardênia Azul, o mais pobre dos bairros; Anil, que possui ainda uma diferenciação interna bastante forte e Barra da Tijuca, quase homogeneamente um bairro de alto prestígio econômico. Podemos observar também a mesma hierarquização no que diz respeito ao clima educativo nessa região no mapa abaixo. Nele, observamos que a Gardênia Azul aparece com o pior índice, seguido pelo Anil e Barra da Tijuca. Mapa 03: Mapa de detalhe da Tipologia Socioespacial segundo o Clima Educativo – RMRJ por APOND – 2000 Fonte: Observatório das Metrópoles Mais uma vez nos indagamos a respeito do por que da opção em matricular alunos em uma escola longe da residência se o bairro da Gardênia Azul oferece o ensino 24 A lei existe desde 1976 no Regulamento de Zoneamento aprovado pelo Decreto N. 322 de 3 de março de 1976, que sofreu modificações nos artigos referentes a essas obrigações em 1984. 60 fundamental na escola do bairro. Será que os responsáveis pelos alunos tem acesso a informações oficiais (como a que estamos usando) e fazem uma escolha orientada para a escola? Será que trata-se de informações que circulam nas redes de relações sociais? Ou será que estamos diante de escolhas de cunho contingencial, ou seja, trabalho no lugar que tem escola perto e aproveito e matriculo meu filho nesta escola? Essas perguntas podem ficar inexplicáveis se esta investigação ficasse restrita às medições estatísticas de variáveis. No entanto, foi imprescindível fazer uso de tais medidas para chegarmos ao trabalho de campo em questão. Com a ajuda dos dados fornecidos pelo GERES, foi possível averiguar a grande incidência de alunos moradores da Gardênia Azul e da Comunidade Canal do Anil que estudavam na escola da Barra e na do Anil. O mapa que segue mostra o lugar de moradia dos alunos que estudam na escola da Barra e na escola do Anil. Os pontos verdes no mapa são os alunos que estudam na escola da Barra e os pontos azuis os que estudam na escola do Anil. Podemos observar a concentração dos estudantes da escola da Barra na Gardênia Azul. 61 Mapa 04: Localização dos Alunos e Escolas do Anil e da Barra da Tijuca Fonte: Observatório das Metrópoles / GERES / IBGE O mapa nos mostra também a concentração dos chefes de família com até 4 anos de estudo por áreas de ponderação. A Gardênia Azul apresenta o pior desempenho, com uma taxa que gira em torno de 20 a 32% dos chefes de família com até 4 anos de estudo. Já no Anil e na Barra da Tijuca esse índice cai para 1,3 a 6,5%. Podemos observar nele a geografia objetiva de oportunidades escolares disposta em cada bairro. No Anil existem quatro escolas e na Gardênia Azul apenas uma. Como não temos informações para todas as escolas no banco de dados do Prova Brasil25 25 Os motivos para que não haja aplicação do Prova Brasil: A escola (ou a rede) tem que ter participado da Prova Brasil, já que essa participação se dá por meio de adesão das redes (estadual ou municipal) de educação 2. Número mínimo de alunos matriculados nas séries avaliadas. Em 2005, esse número mínimo era de 30 alunos. Em 2007 foi de 20 alunos por série. 3. Escolas localizadas em rede rural não participam da avaliação. 4. Municípios devem ter redes próprias de ensino nas séries avaliadas pela Prova Brasil. 5. Número significativo de alunos participantes da Prova Brasil com relação ao número de matriculados na série. As escolas em que a participação dos alunos no dia da aplicação do exame foi muito pequena não tiveram seu desempenho divulgado. 62 utilizamos o banco de dados do Prova Rio de Janeiro26. Abaixo tabela que indica as notas das escolas do Barra da Tijuca, da Gardênia Azul e do Anil. Tabela 01: Desempenho escolas Barra, Gardênia Azul e Anil Escola Escola da Barra da Tijuca Escola da Gardênia Azul Escola do Anil Matemática 206,355 193,7909 186,0764 Português 202,1945 174,6399 160,2497 Fonte: Banco de dados do Prova Rio de Janeiro Notamos que a que apresenta um pior desempenho é a escola do Anil. Curiosamente, os casos escolhidos dos alunos que estudam nessa escola tem em seus responsáveis a percepção de que esta é uma escola melhor do que a da Gardênia Azul. Não é o que nos mostra a tabela. De outra maneira, a escola da Barra apresenta um resultado significativamente superior aos demais. Mais a frente voltaremos a falar sobre esse aspecto. A escola da Barra se localiza dentro de um condomínio de alto padrão de casas e prédios. A escola do Anil fica em uma tranquila rua, bem perto da Gardênia Azul. Por sua vez, a escola localizada neste bairro fica em frente a um campo de futebol no início do bairro. (ver fotos 1, 2 e 3) A escola do Anil possui uma estrutura diferente das escolas da região. O primeiro aspecto a chamar a atenção é o muro baixo da escola que também não possui grades. Localmente conhecida como “brizolinha”, a escola é pequena mas reserva um pequeno pátio em seu interior para os intervalos dos alunos. O alunado é composto por moradores do Anil, da Gardênia Azul e da Comunidade do Canal do Anil. A maior proporção fica entre os moradores do próprio bairro. Já a escola da Gardênia Azul chama a atenção para a grande quantidade de carros parados no portão da frente, indicando que os professores certamente não são moradores do bairro. Os muros da escola são altos e o portão está sempre fechado. Bem em frente a escola fica uma outra escola, particular de ensino fundamental. O barulho é grande na rua e os alunos da escola municipal costumam usar o campo em frente a 26 Nesse banco dispomos das notas de português e matemática aplicadas a alunos da rede municipal em 2001. 63 escola para a prática da educação física. Seu público é formado majoritariamente por crianças da Comunidade do Canal do Anil e, em menor proporção, da Gardênia Azul. Além de um elevado desempenho nas diversas avaliações realizadas para a escola da Barra, sua infra-estrutura e equipamentos estão em ótimo estado. (Zuccarelli, Christovão & Cid, 2007). A escola atende a alunos de diversos bairros do município que exercem uma situação periférica à Barra. No entanto é notória a concentração desses alunos nos bairros do Anil e da Gardênia Azul. Nos indagamos a respeito dessa relativa aglomeração nesses dois bairros, como podemos notar no mapa acima. Será que diz respeito a formação de uma rede de relações concentrada nessa área, possibilitada pela acumulação do capital social disponível dos bairros? Faz parte da geografia subjetiva de oportunidades possibilitada por esse acesso ao capital social? Qual o tipo de informação que circula nas redes? Quem tem acesso a elas? Como são internalizadas essas informações pelos indivíduos? Para responder essas e outras questões optamos em realizar um estudo qualitativo. No próximo capítulo exploraremos esse estudo e a forma como a geografia subjetiva de oportunidades afeta a escolha das escolas. 64 Capítulo 3 – Geografia de Oportunidades e Escolha do Estabelecimento de Ensino Neste capítulo apresento os estudos de caso realizados nas quatro famílias moradoras da Comunidade do Canal do Anil. O objetivo principal foi investigar de que forma as redes de relação estabelecidas no bairro podem influenciar na decisão dos responsáveis ao procurarem a escola para matricular seus filhos. Para melhor elucidar a questão, optei por entrevistar quatro famílias que morassem próximas mas que experimentam a vivência no bairro de forma diferente. Duas famílias matricularam os filhos na escola da Barra da Tijuca e duas na escola do Anil. Conforme visto anteriormente, o problema da definição do estabelecimento escolar é um fenômeno emergente no Brasil uma vez que essa definição, para os pais da geração passada, não se colocava. Uma organização mais simples das redes escolares (uma rede mais homogênea) limitava a necessidade de se fazer escolhas. No entanto, tendo em vista as novas políticas educacionais e a crescente heterogeneidade das redes de ensino, as famílias agora encontram um campo maior de possibilidades para fazer a escolha do estabelecimento de ensino. (Nogueira, 1998) É justamente esse o caso das famílias entrevistadas: diante de um campo maior de possibilidades, algumas optam em matricular seus filhos longe de casa em busca de uma “escola melhor” ao passo que outras famílias matriculam naquela mais perto de casa. Neste caso, tendemos a achar que a escola mais próxima a residência é aquela que fica no próprio bairro. Entretanto, a diferença da distância percorrida para chegar tanto na escola da Gardênia Azul quanto na do Anil é pequena: de um ponto central da Comunidade do Canal do Anil até a escola da Gardênia Azul são aproximadamente 1.400 metros; até a escola do Anil 1.500 metros. 3.1 Observações sobre o campo Para elucidar as questões postas pelo nosso estudo, optamos em coletar os dados através do trabalho de campo onde, além das entrevistas com os responsáveis pelos alunos selecionados, foi feito um estudo sistemático sobre o bairro em questão com a ajuda de alguns depoimentos feitos pelos moradores da região. 65 A preocupação em desvendar os fenômenos urbanos sob o viés da antropologia vem de uma época recente: de acordo com Velho (2003), foi sobretudo a partir da década de 1970 que se incorporou, de forma mais sistemática, a cidade ao campo de investigação antropológico. Observar o familiar tornou-se um dos problemas de ordem teórico-metodólogia que se impunha aos pesquisadores que investigavam universos tão próximos ao seus. Na verdade, é extremamente importante o exercício do pesquisador de estranhar o familiar mesmo havendo a dificuldade de desnaturalizar noções, categorias e impressões. O fato é que hoje já são inúmeros os estudos sobre o próximo, o amigo, o vizinho. Nesse sentido, a proposta de um estudo de cunho etnográfico torna-se viável para o entendimento da cidade como um todo: deixa-se de lado a perspectiva macro, que pensa a cidade como “ resultado de forças econômicas transnacionais, das elites locais, de lobbies políticos, variáveis demográficas, interesse imobiliário” (Magnani, 2002) e privilegia-se as redes de sociabilidade e a apreensão de determinados padrões de comportamento de atores sociais cuja vida cotidiana transcorre na paisagem da cidade e depende de seus equipamentos. Dessa forma, alguns aspectos da dinâmica urbana que passariam despercebidos das visões mais globais da cidade, podem aqui ser apreendidos através do viés antropológico e da mudança de foco que ele possibilita. Aquela dicotomia que nos grandes centros urbanos opõe os indivíduos e as instituições urbanas aqui serão postas de lado. 3.2 Impressões sobre a Gardênia Azul As informações que eu tinha a respeito do bairro Gardênia Azul eram aquelas recolhidas no Observatório das Metrópoles que me informava que tratava-se de um bairro popular e que, pela visualização do satélite, apresentava diversas construções irregulares. Um colega de pesquisa foi comigo em minhas primeiras idas ao campo, não apenas pelo seu interesse acadêmico, mas também para oferecer uma ajuda caso houvesse maiores complicações ao longo do estudo. Procurei na internet informações sobre o bairro e rapidamente encontrei o contato de uma Igreja católica na região. Diogo, meu companheiro de campo, entrou em 66 contato com a Igreja e marcamos o encontro na manhã de uma quarta-feira. Procurei no google maps27 a melhor forma de chegar lá (depois descobri que era a pior). Nos encontramos com a secretária de escola que foi bastante receptiva as nossas questões. Nos disse que poderíamos andar livremente pelo bairro pois, apesar de ser pobre, não oferecia riscos a quem não conhecia a região e nem era conhecido por seus moradores. Logo em seguido o padre da Igreja reforçou a indicação da secretária. Partimos então para uma primeira impressão do bairro tentando conhecer toda sua área. Como o bairro não é muito grande (aproximadamente 1,23 Km²)28, procuramos andar por toda sua extensão. A primeira coisa a chamar a atenção no bairro é a quantidade de construções que surgem na paisagem urbana. São inúmeros prédios, com no máximo 5 andares, a maioria kitinets que se concentram na parte mais central do bairro (foto 04). Quase no final do estudo, questionei um senhor que mora há mais de 25 anos no bairro a respeito das construções. Sua resposta: “ É um bom negócio caso você tenha um dinheiro guardado. Compra o terreno, o pessoal financia e depois você aluga. Pode alugar por R$250,00 até R$300,00, dependendo do estado do imóvel. Pode até se aposentar e viver de renda.” O pessoal ao qual o morador se refere é a milícia da região que financia a construção dos novos prédios. As milícias são bandos armados, grupos paramilitares formados em geral por policiais da ativa ou ex-policiais, bombeiros, entre outros. Constituem um novo tipo de domínio nas favelas. Impõe-se pela força mas tem menos rejeição moral do que os bandos de traficantes. Os moradores da localidade onde a milícia atua geralmente a classificam como tranquila e provida de proteção contra a violência, caso da Gardênia Azul e da Comunidade do Canal do Anil. (Machado, 2008) Mas, apesar do boom de construções, o bairro se caracteriza pela construção de casas de um pavimento (poucas tem dois andares), comércio local de pequeno porte, muitas biroscas, quitandas, oficinas, salões de cabeleireiros. Não vi um único banco no bairro, a não ser por um caixa 24 horas em frente a uma loja popular de móveis (no estilo das grandes lojas no mercado que oferecem crediários a perder de vista com alta 27 Serviço de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite gratuito fornecido pelo google 28 Informação retirada do site http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/ 67 taxa de juros). Também não tem correio, hospital, clínicas médicas, laboratórios, quase nada além do que pode ser construído na parte da frente das casas. O bairro lembra muito alguns bairros do subúrbio carioca, muitas pessoas nas ruas, as portas abertas como numa extensão da casa para a rua, vizinhos conversando na porta das casas. O movimento aumenta bastante com o cair da tarde. Passado o primeiro impacto da descoberta da Gardênia Azul, me senti segura o suficiente para seguir sozinha no trabalho de campo. Meu companheiro de trabalho me acompanhou ainda a mais três incursões ao local, depois passei a ir sozinha. Apesar da desmistificação do lugar, ainda me preocupava algumas coisas no bairro. Não tirava fotos quando havia muito gente na rua, procurava usar calça comprida e blusas em tons cru e sempre tentar passar um ar de naturalidade nas minhas caminhadas pela região. Nem ao fim da pesquisa consegui me desvencilhar da precaução em andar nas ruas da Gardênia Azul e, principalmente, da Comunidade do Canal do Anil. Havia uma parte do bairro, que surgia aos poucos, onde eu interrompia minhas caminhadas e conversas. Era um lugar visivelmente mais pobre, com construções ainda no tijolo, bastante amontoadas. Era a Comunidade do Canal do Anil e seu acesso apresentava uma forte barreira social e econômica para mim. Não tinha nenhum contato na Comunidade então achei por bem enviar cartas aos responsáveis explicando a pesquisa e dando o telefone da minha casa e do meu celular caso eles desejassem entrar em contato para esclarecimentos. Enviei vinte cartas e apenas um responsável retornou minha ligação. Era Dona Elizabeth interessada em saber mais sobre a carta. Aproveitei sua ligação e marquei um encontro com ela em sua casa na semana seguinte. Ainda não havia entrado na Comunidade do Canal do Anil. Antes de chegar a casa de Dona Elizabeth me informei com uma balconista de uma loja de biscoitos sobre o endereço e ouvi da atendente que “o lugar era tranquilo, sem violência, que apesar de pobre eu poderia andar lá a vontade”. Segui em direção a casa de Dona Elizabeth. 3.3 Impressões sobre a Comunidade do Canal do Anil A rua principal que leva a Comunidade, a Avenida Canal do Anil, é pavimentada e tem um relativo fluxo de carros, principalmente por conta das fábricas situadas em sua parte inicial. Na parte central esse fluxo diminui e na parte final ele praticamente não 68 existe mais. Trataremos aqui apenas da parte central e final da Avenida, onde fica a Comunidade. As ruas que desembocam na Avenida são de pavimentação antiga, estreitas e bastante esburacadas. Lá também existe um comércio nos moldes da Gardênia Azul só que em menor porte. Alguns moradores equipam a parte térrea de suas casas e abrem comércios. Nessa região destaca-se a grande quantidade de vendinhas que comercializam produtos alimentícios. Quanto mais entramos no miolo da Comunidade, notamos piores construções, ruas de terra e quase mais nenhum comércio. Chama a atenção a quantidade de jovens, principalmente homens, conversando nas ruas. Não fui parada por ninguém uma única vez para saber o motivo da minha ida ali mas nem por isso me senti a vontade para bater fotos no local. As que bati, foram em lugares de menor movimento com quase ninguém olhando. O lugar também é bastante barulhento, as pessoas escutam música em casa em alto volume muita das vezes de porta aberta. Ouve-se muito funk e algumas músicas evangélicas. As vielas da Comunidade são estreitas, o sol não bate e são bastante úmidas. O dono de uma vendinha de doces disse que é comum ratos na região, principalmente nessas vielas. Para ele, os ratos tem seus ninhos na viela, aguardando a noite para se espalhar pela comunidade. O esgoto é lançado in natura para o Rio do Anil o que acarreta em um mau cheiro constante na região. Cheguei a me perder diversas vezes pela Comunidade. Na procura pelos endereços dos responsáveis, percebi como as ruas são conhecidas por nomes dados pela Comunidade e a necessidade de placas é quase nula para aqueles que ali moram. Na maior parte dos casos, as ruas não tem nome e seguem uma numeração desordenada. Para conseguir achar as casas selecionadas, tive que ir perguntando nos bares, padarias, vendinhas da região. Como só conhecia o nome do aluno, ficava difícil pedir a informação. Era perguntada pelo nome do adulto ou apelido. Só consegui achar as casas que eu procurava com a ajuda de Dona Elizabeth, meu primeiro contato na Comunidade. Seguia andando até perceber que a rua era sem saída. Em uma dessas vezes fui avisada por um morador que estava sentado em frente a sua casa numa cadeira de sol de que a rua era sem saída. Era por volta de meio dia e fazia bastante calor. Primeiro ele pediu desculpas pra mim e depois afirmou que eu não era daquele lugar. Parei para 69 conversar com esse senhor, que devia ter por volta de uns 75 anos e descobri que ele foi um dos “fundadores” da comunidade: “São tempos que não voltam mais, as festas com barcos no rio, a comunidade junta, todo mundo se conhecia. Agora é isso, passo os dias aqui, vendo o movimento, de vez em quando conversando com um e outro. Sou uma relíquia aqui do Chico City”. 3.4 Uma proposta teórica de entendimento Antes de começar os relatos das entrevistas realizadas, retomo brevemente a discussão sobre a escolha dos estabelecimentos de ensino. O campo ajudou a responder quais os critérios utilizados para a escolha do estabelecimento de ensino. De acordo com Nogueira (1998) estes variam significativamente de acordo com o meio social e até mesmo de uma família para outra no interior de uma mesma condição social. Famílias de diferentes meios sociais são desigualmente equipadas no que concerne às condições necessárias à escolha do estabelecimento escolar. Para a autora, embora falem de estratégias para relacionar as condutas familiares de escolha, os diversos autores que tratam sobre o tema são facilmente divididos em duas concepções: aqueles que vêem as condutas de escolha como “estratégias de classe”, que visam a manutenção das distinções sociais e educacionais, sob influência das idéias de Bourdieu e aqueles que analisam as condutas como “estratégias de consumo”, adequando “produtos oferecidos a necessidades experimentadas”, alinhado à corrente do individualismo metodológico. Em revisão sobre o debate acerca do tema, Nogueira (1998) fala sobre algumas das conclusões a que chegaram atores franceses e ingleses preocupados sobre a questão. Na Inglaterra, destacam-se três autores que discutem a política educacional do país. São eles: Stephen Ball, Sharon Gewirtz e Richard Bowe. Diante da política educacional neoliberal vigente no país a partir dos anos 80, que adotou as forças de mercado como solução para os problemas escolares, as famílias se viram diante de uma poderosa ideologia de mercado e de uma cultura de escolha por parte dos pais. O modelo assentase na ideia de que o mercado é neutro e de pais e mães ideais, ou seja, detentores das predisposições necessárias para o exercício da escolha, reduzindo o ato de escolher a uma questão de competências individuais. 70 Na análise sobre o trabalho de Ball, Gewirtz e Bowe, Nogueira (1998) ressalta a crítica que esses autores fazem a ideia de escolhas através de competências individuais à luz da teoria de Bourdieu. Os autores consideram que a escolha do estabelecimento escolar e a competição por eles estão inseridas dentro do “campo” educacional onde os diferentes tipos de capital são utilizados como estratégias de classificação / distinção social. Pensada como uma dimensão da luta de classes simbólica pela apropriação dos bens culturais, a escolha é uma adequação entre o habitus familiar e o habitus escolar. Para demonstrar essas ideias, é feita uma pesquisa empírica nos anos de 1991 e 1994 em três áreas da cidade de Londres onde os autores entrevistam os pais no momento que precedia a escolha do estabelecimento secundário. Após a análise do discurso dos pais em torno de suas escolhas, os autores construíram uma tipologia na qual identificaram três tipos ideais. Nos deteremos na explicação destes tipos ideais pois acreditamos identificar alguns dos casos por nós entrevistados nas categorias a seguir: 1.Privileged / skilled choosers: de acordo com Bourdieu, esses são os “herdeiros” do sistema educacional. Composto por pais profissionais liberais e pela classe média, possuem uma maior propensão à escolha e valorizam o ato de escolher. A maior posse de recursos culturais, aliado a rede de relacionamentos da família (ou o capital social, de acordo com Bourdieu) e econômico, os possibilita “decodificar” o sistema escolar, ao mesmo tempo em que os habilita a lidar com várias fontes de informação. Vale ressaltar que, para esses pais, a composição social da clientela do estabelecimento é um fator decisivo para a escolha. 2. Semi-skilled choosers: é um grupo socialmente misto composto por pais nas mais variadas ocupações: são comerciários, motoristas, donas de casa, etc. Apesar de mostrarem uma forte inclinação para a escolha, essas famílias possuem pouca capacidade de discriminar e de escolher o estabelecimento de ensino justamente porque conhecem mal seu funcionamento. Por serem desprovidas dos recursos culturais e das relações sociais que funcionariam como fonte de informações, essas famílias são tidas como “outsiders” em relação ao sistema de ensino. Com frequência tomam suas decisões baseadas em opiniões alheias, colhidas através de pessoas que julgam ser mais entendidas na questão. Chegam a lamentar o excessivo número de colégios sobre os 71 quais podem escolher por não possuir critérios objetivos e seguros para o fazer. Como no primeiro grupo, valorizam a composição social do público do estabelecimento. 3. Disconnected choosers: composto por pais da classe operária, geralmente possuem baixo grau de instrução. Fracamente ligados ao mercado escolar, pouco inclinados a escolher e a participar da escolha, operando na “estrutura superficial da escolha”. Sua escolha é regida por lógicas práticas, tais como: distância da residência, segurança, facilidade de locomoção e transporte. Não que esses elementos não estejam presentes nos dois grupos anteriores mas aqui eles ocupam uma posição central. As fontes de informação das quais são expostos são limitadas e informais baseadas na rede de relacionamentos locais da família (amigos, parentes, vizinhança). São famílias mais dependentes do contexto local e, apesar de exprimirem o desejo de uma “boa” educação, não manifestam a intenção de buscar isso em outros lugares. À luz destes três tipos ideias elaborados por Ball, Gewirtz e Bowe, trago agora as entrevistas realizadas. Elaborei um roteiro de perguntas para que cada entrevista pudesse revelar as mesmas questões. As famílias entrevistadas foram selecionadas tendo em vista não apenas o fato de estarem muito próximas no bairro mas também de possuírem quase o mesmo nível socioeconômico.29 Para cada casa que fui, percorri o caminho feito pelas crianças até a escola com o auxílio do GPS que gravava todos os pontos pelo qual passava. As imagens dão uma dimensão do deslocamento feito pelos alunos para a escola. 3.5 Trabalho de Campo Todos os relatos abaixo são de moradores da Comunidade do Canal do Anil, lugar onde a pobreza está espacialmente concentrada. No entanto, existem certos elementos situados geograficamente no bairro, especialmente nas redes sociais locais, que afetam as pessoas que ali habitam. Vamos levar em conta a posição que o indivíduo ocupa nestas redes, como fator que potencializa ou diminui o efeito do bairro. 29 O nível socioeconômcio engloba as seguintes variáveis: bens econômicos, educação e ocupação dos responsáveis 72 3.5.1 Primeira entrevista Cheguei por volta das 15 horas de uma segunda-feira, horário combinado com Dona Elizabeth30, e estacionei o carro na praça central do bairro. Andei um bom pedaço até chegar a casa de Da Elizabeth, que fica no Chico City. Para chegar a casa da primeira visita, tive que adentrar pelas diversas ruas curvilíneas que cortam a comunidade. O chão é de terra e nota-se algumas casas já pintadas, outras ainda no tijolo. Entrei no beco onde faria a entrevista, um beco escuro e bastante úmido. A casa de Dona Elizabeth é bem pequena, de dois andares. No primeiro andar ficam a sala e a cozinha (do tipo americana) bastante arrumadas, contando com diversos eletrodomésticos em bom estado de conservação. Não conheci o andar de cima mas sei que são dois quartos, um para o casal, outro para as meninas. Moram na casa a mãe, o pai e as duas filhas, uma de 21 anos e Vidinha, de 11. O pai, seu Raimundo, possui o ensino fundamental incompleto, é autônomo, trabalha com engessamento e tem uma renda que gira em torno de R$3.000,00. Da Elizabeth possui o ensino fundamental completo e ajuda o marido nas faxinas da empresa. A filha mais velha, após repetir três vezes o terceiro ano do ensino médio e pegar o diploma, aguarda para começar em julho um curso de enfermagem. Na verdade, sua vontade é fazer uma faculdade de fisioterapia. A mãe espera que ela trabalhe para pagar seus estudos. A filha mais velha já não mora mais com os pais, é casada e tem um filho de três anos. Chegou ao final da entrevista. A mais nova, que durante a entrevista estava na escola da Barra, estuda lá desde os 5 anos. A menina carece de atenção especial, pois tem alguns problemas de saúde e, de acordo com a mãe, déficit de aprendizado. Já sendo a exceção das 20 cartas que enviei aos responsáveis, Da Elizabeth e seu marido se mostraram um tanto quanto preocupados com a educação de seus filhos. As duas primeiras estudaram na escola que fica na Gardênia Azul e, por isso mesmo, de acordo com seus responsáveis, não tiveram êxito na trajetória escolar. A mais velha nem concluiu o ensino médio. Quiseram fazer diferente com Vidinha. Após conversar com seu vizinho sobre a escola da Barra e fazer uma visita as instalações da instituição, Da. Elizabeth ligou para o diretor da escola na ocasião, por intermédio de seu vizinho, e conversou a respeito da matrícula de sua filha. No dia seguinte Vidinha passou a frequentar o colégio. Antes, a menina estudava numa escola particular do bairro. Como 30 Todos os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados. 73 a situação financeira da família piorou, o vizinho indicou a escola e o transporte para a mesma. Como não teria mais que pagar as mensalidades da escola, Da Elizabeth prontamente passou a pagar R$90,00 para o ônibus escolar da Tia Soninha. Devido ao fato de morarem em uma casa de difícil acesso, o ponto de busca e entrega de Vidinha é em frente a fábrica do Guaravita, uns 5 minutos de caminhada. Diferente do que imaginava, a matrícula na escola, de acordo com Da Elizabeth, é bem fácil. “O vizinho falou tem vaga,vou falar com o Paulo. Depois me deu o telefone do diretor e eu liguei. Fui lá, fiz a matrícula e no dia seguinte a Vitoria foi pra escola. A matrícula foi fácil demais.” Na verdade, pelo fato de a escola ser na Barra e exigir um certo investimento para que as crianças se desloquem até lá, muita gente não matricula seus filhos nesta escola, apesar de saberem que o ensino é bom. Preferem matricular na escola do bairro ou na escola do Anil. Para Da Elizabeth, o ensino da escola é bom pois “Por ela ser na Barra, ela é obrigada a ter um nível de ensinamento de particular. Eu acho que é uma boa escola até porque eu não endento nada do que a Vidinha trás para casa, até pago uma menina pra ensinar pra ela. Com as minhas outras filhas eu ainda ajudava, a Vidinha, já no 3° ano eu já não conseguia ensinar ela...” Apesar de morar no bairro desde os 11 anos, Dona Elizabeth não gosta do lugar. Em suas palavras: “Aqui tem acesso a lugares rápidos mas gostar, gostar daqui eu não gosto não. Da vizinhança, não gosto da falta de educação das pessoas. Eles botam uma música alta, cheia de palavrão.” Notoriamente o relacionamento de Dona Elizabeth com seus vizinhos não é dos melhores. Dentre seus relatos, destaca-se o vizinho da frente que, ao limpar sua casa, jogou água de esgoto para dentro da casa de Dona Elizabeth que prontamente revidou jogando ovos na casa em frente. Seu marido diz não dar atenção para essas coisas pois diz saber que não vale a pena. Diferente de sua mulher, Seu Raimundo gosta de morar no bairro que vive desde os vinte e poucos anos e onde conheceu sua mulher. Para ele “O lugar não é o que eu sonhei mas dentro da realidade... É bom, você não depara com bandido. Viciado tem, mas tem em tudo quanto é lugar. Eu gosto. Fui criado em São João de Meriti. Sai daqui e vai pra lá que você vai ver o que é a realidade da vida... Eu gosto daqui.” Suas filhas não podem ficar na rua e chegam a ser chamadas de metidas por não “se misturar”. Para o pai, “criança que fica muito na rua aprende besteira”. Um dos 74 motivos da matrícula de Vidinha na escola da Barra foi a possibilidade de conviver com crianças que não são da Gardênia Azul. No dia anterior, domingo, Dona Elizabeth disse que três amiguinhas de Vidinha foram em sua casa para brincar e ressaltou que o pai de uma delas fez questão de levar e buscar de carro as meninas. A imagem abaixo mostra o trajeto feito por Vidinha de sua casa para a escola da Barra. São 9.500 metros percorridos na ida e 8.040 metros na volta num total de 17.540 metros percorridos. Em vermelho, o caminho da ida. Em azul, o da volta. Imagem 02: Trajeto Vidinha 3.5.2 Segunda entrevista Por volta de 09:00 horas da manhã de uma quarta-feira cheguei a Gardênia Azul para tentar fazer mais algumas entrevistas. Não havia nada programado, não tive a sorte de ter nenhum outro responsável me telefonando. Logo, dessa vez, teria que bater na casa das pessoas na expectativa da recepção. Era um dia chuvoso, havia poucas pessoas na rua. Os endereços que tinha constavam o nome da rua, a quadra, o lote e o número da casa. Do endereço só consegui localizar o nome da rua, os demais componentes pareciam não seguir lógica alguma. Resolvi então entrar no açougue e buscar 75 informação. O dono do estabelecimento não soube me indicar o endereço mas perguntou alguma referência de quem eu estava procurando. Como só possuo o nome do aluno, percebi que ficava difícil fornecer alguma outra informação que pudesse fazer com que os moradores me ajudassem a encontrar as casas que eu havia selecionado para as entrevistas. Tentei ainda com outros moradores, mas não conseguia a informação que buscava. O único lugar que consegui achar (e esse foi sozinha) foi a casa que ficava na Avenida Canal do Anil mas não havia ninguém para me receber. Chovendo, sem informações, sem conseguir as entrevistas, resolvi voltar em um outro dia talvez mais proveitoso. Na semana seguinte usei uma nova estratégia para tentar fazer as entrevistas: fui na hora do almoço, horário de saída e entrada das escolas municipais da região. De fato, como já esperava, havia muitas crianças de uniforme nas ruas, algumas indo pra casa, outras brincando no campinho, soltando pipa, andando de bicicleta. Cheguei a casa de meu segundo entrevistado, na Avenida Canal do Anil próximo a fábrica do Guaravita (assim era seu endereço nas informações que peguei do GERES). Não havia campainha na porta então tive que bater palmas e chamar “ô de casa” para ser atendida. A casa é de dois pavimentos e tem um muro que tampa a fachada inteira, tendo apenas uma pequena porta por onde entrei. Quem abriu o portão foi o irmão mais velho de Marcela, João Vitor. João, de 13 anos, havia acabado de chegar da escola. Expliquei a ele quem eu era e pedi que chamasse o responsável naquele momento. Veio até a porta então a mãe dos meninos. Mais uma vez expliquei quem eu era, o que fazia ali e perguntei se ela concederia alguns minutos para responder minhas perguntas. Dona Sonia prontamente se colocou a disposição para responder minhas perguntas contanto eu ficasse com ela na cozinha pois estava finalizando o almoço. Enquanto terminava de cozinhar o arroz, conversei com Dona Sônia. Sonia (como preferiu ser chamada) é uma mulher de 33 anos que tem três filhos: João Victor, de 13, Marcela de 12 e Fernando de 3 anos. Presentes na hora da entrevista estavam, além de Sonia e João Victor, Marcela. Fernando passa o dia na casa da avó, que mora bem próximo, para que a mãe possa realizar as atividades domésticas. Os dois filhos de Sonia estudam na escola do Anil, “como quase todas as crianças da região”. Segue afirmando que “a escola é muito boa, tem o ensino bom e professor também.” Para Sonia a escolha foi natural. A escola é perto de sua casa e seus 76 filhos vão e voltam com os amigos. Questionada o por que de não ter matriculado seus filhos na escola da Gardênia Azul, responde: “Nem pensei em matricular o João e a Marcela lá. Acho que a escola deles é mais perto e o pessoal daqui estuda lá. É só pegar esse retão aqui (a Avenida Canal do Anil) virar a direita que já sai na escola. É bom que eles vão e voltam com os amigos”. Sonia concluiu o ensino médio e vê na educação uma possibilidade de mobilidade social para seus filhos. No entanto, a universidade pública não se mostra como uma opção viável: “Já falei com João Victor, assim que ele acabar os estudos vou botar ele pra trabalha junto com o pai na churrascaria pra ele pagar uma faculdade pra ele. Trabalha de dia e estuda a noite, isso não é nenhuma vergonha não.” Nessa hora Fernanda interrompe a entrevista e diz que nunca vai trabalhar com o pai em churrascaria muito menos sendo garçonete. Diz que está treinando pra ser jogadora de futebol. A mãe dá um sorrisinho e diz que ela treina no campinho ali perto e, logo em seguida, manda a menina subir e deixar ela em paz com a “pesquisadora da UFRJ.” Nesse momento ela me pergunta qual a contribuição da minha pesquisa para o futuro do Brasil. Respondi que faria uma dissertação sobre o tema e me comprometi a entregá-la o resultado final do trabalho. Achei o momento oportuno para lhe entregar o kit que montei com caderno, lápis, caneta, borracha e apontador. Por sorte tinha três em mãos e pude dar para as três crianças da casa. Sonia gosta de morar na Comunidade Canal do Anil mas diz que já sofreu muito com as inundações que antes ocorriam ali. Agora, depois da obra da prefeitura, não enche mais e ela diz que lugar melhor pra morar que aquele não há: “Aqui não tem bandido, é perto do trabalho do Gumercindo, eu pego serviço nas casas aqui da Freguesia, as crianças tem escola boa perto. O ruim mesmo é a pobreza do lugar, aqui é feio, tem um monte de cachorro na rua, você tá vendo né? Tenho certeza de que onde você mora é mais bonito que aqui.” Diz ainda que os amigos dela e de seus filhos são todos da Comunidade ou dos arredores. Para Sonia, a convivência com crianças da vizinhança é benéfica pois “eles falam a mesma língua, se vestem igual, brincam das mesmas coisas”. No primeiro pavimento da casa tem a cozinha, espaçosa comparada com os demais cômodos da casa, uma sala e a área onde fica seu cachorro vira-latas. Na parte de cima ficam dois quartos e o banheiro e ela diz que só não me convidou para subir e conhecer pois “a casa tá uma zona, nem as camas tive tempo de fazer”. 77 Gumercindo não concluiu o ensino fundamental, parando de estudar na antiga 3° série. O marido de Sonia é garçom numa famosa churrascaria na Barra da Tijuca. Ela diz que ele ganha bem, principalmente com as gorjetas, e que dá pra viver bem e ainda ter lazer. Perguntei então qual era o lazer deles: “Agente gosta mesmo é de fazer churrasco com os vizinhos no fim-de-semana. Sempre tem um que chama, aí é bom que agente divide as carnes e a cerveja, muita cerveja e as crianças ficam brincando pela rua”. Como a maior parte dos garçons da cidade do Rio de Janeiro, Gumercindo é cearense e está no Rio tem mais de 20 anos. Sonia é nascida em Belford Roxo mas assim que sua mãe conseguiu juntar um dinheiro se mudou para a Comunidade do Canal do Anil, na década de 1980, em busca de melhores oportunidades de emprego. Como pude perceber a relação de Sonia com seus vizinhos é boa mas a porta de sua casa está sempre fechada. Ela diz que tem que saber dividir a casa da rua e que tenta sempre ensinar isso pros filhos: “Tem a hora de ficar em casa, estudar, ver tv e tem a hora de brincar na rua”. O horário de brincadeira na rua é sempre restrito e sob os cuidados de Sonia. Ela diz que por voltas das 18 horas bota a cadeira em frente a casa, conversa com os vizinhos e fica de olho nos filhos. Como o horário do marido é incerto, às vezes trabalha de dia, às vezes de noite, Sonia diz preferir não incluí-lo na rotina das crianças: “Quando dá agente tentar almoçar ou jantar juntos mas tem vezes que Gumercindo demora demais, parece até que se perde no caminho...” O percurso percorrido por Marcela totaliza 2.600 metros, feitos a pé. Abaixo a imagem. 78 Imagem 03: Trajeto Marcela 3.5.3 Terceira entrevista Entusiasmada com o êxito da primeira entrevista, pedi ajuda a Sonia para encontrar o outro endereço. Por sorte, tratava-se de uma colega de sala de Antonio Carlos. A casa de Ariel, nossa terceira entrevista fica bem no final da Comunidade do Canal do Anil, numa rua transversal a principal. Já vimos que quanto mais pro final da comunidade, piores são as condições estruturais do ambiente. Pois bem, cheguei acompanhada de Sonia e encontrei Ariel, em casa, sozinha. A mãe de Ariel, Guiomar, é diarista e trabalha de segunda a sexta, às vezes sábado também. Ariel é filha única de uma mãe que veio do norte em busca de trabalho há 20 anos. Para Ariel não ficar totalmente sozinha, Guiomar paga R$50,00 a vizinha que, de vez em quando, vai ver como está Ariel. Liguei para Guiomar de sua casa e consegui marcar uma entrevista para sábado, às 16 horas. Conversei um pouco com Ariel sobre a escola e o bairro mas não consegui nada além de respostas monossilábicas. Tive sorte de ter Sonia o tempo inteiro ao meu lado pois, caso contrário, acho que Ariel nem abriria a porta para mim. Às quatro horas do sábado estava batendo na porta de Guiomar para começar a entrevista. Me recebeu uma mulher de uns 40 anos, bem magra e um pouco desconfiada 79 de minha presença. Após explicar a pesquisa e minha ida a sua casa, começamos a conversa. A casa de Guiomar é de um pavimento. A cozinha é bem pequena, assim como a sala. No único quarto da casa dormem Guiomar e Ariel na cama de casal. Uma casa com televisão de 29 polegadas, um sofá confortável de dois lugares, plantas pela sala, quadros expostos, dando um certo ar de aconchego no ambiente. Guiomar me oferece um pedaço de bolo de laranja que parece ter sido feito para me aguardar. Assim que chegou do norte, Guiomar foi trabalhar em uma casa de família no bairro da Tijuca, zona norte da cidade. Ali conheceu o pai de Ariel, sobrinho do porteiro do prédio. Guiomar chegou a viver com ele por algum tempo na casa que ele morava com a mãe, também na Tijuca. A casa era de uma senhora de quem a sogra de Guiomar tomava conta. Quando a senhora morreu, todos se mudaram para a Comunidade do Canal do Anil, onde a sogra de Guiomar tinha uma casa. Depois de uma briga em que saiu machucada, Guiomar alugou uma casa na Comunidade e desde então vive lá. Diz que não pode se afastar da família do pai de sua filha pois conta com sua ex-sogra para ajudar a olhar Ariel. Guiomar já morou em diversas casas da comunidade, mas já mora há cinco anos em sua casa atual. Da família da Tijuca, Guiomar ainda faz faxina para duas pessoas. Os outros dias são ocupados por pessoas indicadas por essa família. Seu trabalho se divide entre a Tijuca e a Barra. Para Guiomar ir para Barra é mais fácil, para Tijuca tem que pegar dois ônibus. Como a sogra trabalha durante a semana e ela não tem mais com quem contar, Guiomar dá R$50,00 para a vizinha olhar Ariel. Ela diz que Ariel não pode brincar na rua e que esse dinheiro é basicamente para a vizinha ver se realmente Ariel tem ficado em casa. Ela diz que paga também “explicadora” para a filha três vezes por semana, por R$100,00 ao mês. A vizinha, que também tem filho estudando na Naturalista, leva e busca Ariel. Perguntada o por que de Ariel não estudar na escola mais próxima, Guiomar, que estudou até a antiga 4° série, responde: “A Ariel foi para a escola do Anil porque os primos dela estudaram lá. Eu também acho a escola boa, o ensinamento lá é bom e é perto daqui também né?” Diz não gostar que a filha brinque na rua porque tem “gente com ideia ruim na cabeça, tem menino que quer fazer mal, engravidar e sair fora, tem gente que oferece tóxico, na rua tem de tudo.” A menina só pode brincar com a filha da vizinha, em casa, e por pouco tempo. Ariel não sabe fazer nada em casa, ela só esquenta o almoço que a mãe deixa pronto. Guiomar diz que o tempo dela é pra estudar 80 mas que na verdade ela sabe que a menina passa o dia em frente a televisão por conta de suas péssimas notas. Guiomar se relaciona bem com alguns de seus vizinhos, mas diz “odiar” os evangélicos que moram perto dela. Contou algumas histórias de perseguição que sofre por parte deles por ser sozinha com uma filha. Diz que já chegaram a ficar fazendo despacho nela enquanto ela ia para casa. Por essa e por outras, Guiomar diz selecionar os vizinhos com quem mantém amizade. Desses poucos nutre uma amizade verdadeira e diz que no mundo todo só tem a filha para contar. O ex-marido, segurança de uma empresa privada, casado novamente e com dois filhos, dá uma pensão de R$110,00 para Ariel. Guiomar diz cobrar, em média, R$60,00 por faxina, tendo uma renda de R$1.500,00 por mês. O aluguel de sua casa é R$200,00. Acostumada com a pobreza de sua cidade natal, Guiomar diz que “tá quase virando uma princesa, só falta mesmo o príncipe.” A milícia da região prometeu a ela um terreno para que ela pudesse construir sua casa: “ O terreno é aqui por perto, ainda não sei aonde mas é só eles me darem que eu já subo o muro pra garantir a terra”. Ariel resmunga um pouco essa hora e diz que eles deveriam dar um terreno num lugar melhor pra elas. Ariel, presente a entrevista inteira e um pouco mais falante agora, diz gostar da escola em que estuda e do bairro que mora. Mas diz ter um sonho: ser enfermeira e poder comprar uma casa num lugar melhor para ela e para mãe, longe da comunidade do Canal do Anil, “pode ser até mesmo na Gardênia”, numa clara distinção entre a Comunidade e o bairro constituído. O caminho percorrido a pé por Ariel, ida e volta somam 3.398 metros. Abaixo a imagem de percurso. 81 Imagem 04: Trajeto Ariel 3.5.4 Quarta entrevista Sai da casa de Guiomar e fui a casa do responsável de meu quarto e último entrevistado, Mateus, 12 anos. Já sabia um pouco sobre a criança pois ele estuda na mesma sala da minha primeira entrevistada, Vidinha. Por intermédio de Dona Luciana, sabia que Mateus ficava a semana inteira sob os cuidados da avó pois a mãe trabalha como doméstica numa casa na Barra da Tijuca onde ela tem que dormir, retornando apenas nos fins-de-semana. Para chegar a casa de Mateus, passei antes na de Dona Elizabeth que prontamente me levou até lá. Antes, fui alertada para a “metideza” da mãe de Mateus. Já escurecia quando cheguei na casa de Dona Nadir, a que pior me recepcionou de todas as entrevistas. Permaneci o tempo inteiro fora da casa, onde fiz a entrevista em meia hora (as demais duraram, no mínimo, 1 hora). A casa de Dona Nadir fica no início da Comunidade Canal do Anil, na Rua Isabel Domingues. O início dessa rua é na Avenida Ayrton Senna e percebemos que, quanto mais próximo da Avenida Canal do Anil, piores são as construções. A casa em questão fica bem em frente a fábrica do Guaravita, 82 margeando um córrego que parece um esgoto a céu aberto. É uma casa de tijolos, sem muro ou quintal. Na casa moram Dona Nadir (nos fins-de-semana), Mateus, André (22 anos), irmão de Mateus, a avó de Mateus (Dona Geralda) e a tia de Mateus com seus dois filhos. Dona Nadir trabalha há mais de dez anos em uma casa num condomínio de luxo na Barra da Tijuca, o mesmo onde fica a escola da Barra da Tijuca. Ela diz que Mateus estuda ali pois, além de ser uma escola boa, que “dá matéria e cuida das crianças, que os professores não faltam”, é uma oportunidade de ela vê-lo sempre na hora do almoço, quando ele está chegando na escola. Mateus estuda na escola da Barra desde o jardim. No início, quando ainda não dormia na casa de seus empregadores, Dona Nadir buscava o filho na escola e pagava transporte escolar de ida para levá-lo. Agora Mateus vai no mesmo transporte de Vidinha, o ônibus escolar da Tia Soninha. O irmão de Mateus trabalha como ajudante de serviços gerais em um escritório da Barra da Tijuca e, assim que puder pagar, começará um curso técnico na área de desenhista. Dona Geralda é aposentada e cuida de Mateus na ausência da mãe. A irmã e os sobrinhos estão passando um tempo na casa (que já dura dois anos) para ver se tem volta o casamento ou então para ela decidir o que vai fazer da vida. Dona Nadir diz ter certeza de que eles nunca mais saem de sua casa, que é própria e foi comprada as custas de muito esforço dela e da mãe. Dona Nadir não fala no pai de Mateus, mesmo quando eu pergunto, ela diz preferir não tocar nesse assunto. Gosta de morar na Gardênia Azul, diz ser um bom lugar para criar os filhos. Afirma que a vizinhança é livre de violência e de tráfico de drogas. Seus amigos são quase todas da Comunidade e diz que Mateus tem muitos coleguinhas da escola da Barra que moram ali. Para ela, essas crianças são diferentes das demais da Comunidade pois “só pelo interesse da mães em matricular os filhos fora daqui é porque já demonstra que elas querem coisa melhor. Prefiro que o Mateus brinque com elas mas agora, por exemplo, ele tá na casa de nem sei quem jogando vídeo game. Aqui é tranquilo assim, não tem que ficar na neurose não”. Diz que gostaria que Mateus estudasse em universidade pública e tivesse um diploma. Dona Nadir, que concluiu o ensino médio, é uma espécie de “governanta” na casa onde trabalha. Diz gerenciar outros dois empregados da casa, graças ao estudo e ao jeito correto de falar e de se posicionar. De fato, Dona Nadir se expressa muito bem 83 mas, nem por isso, levou a conversa adiante. Disse que tinha um compromisso agendado, eu entendi, agradeci pela entrevista e fui embora, esbarrando com Mateus na saída que chegava da casa de um amiguinho ali perto. Mateus percorre um total de 16.840 metros de ônibus escolar. Em vermelho a ida com 9.140 metros e em azul a volta com 7.700 metros. Imagem 05: Trajeto Mateus 3.6 Análise das entrevistas Nos relatos acima, encontramos casos de forte pertencimento a comunidade local e outros que buscam se desvencilhar das redes locais de sociabilidade. A família de Dona Elizabeth, o primeiro caso, é composta por ela, o marido e as três filhas (uma já não mora mais na casa mas permanece na Comunidade do Canal do Anil com seu marido e filho). Dona Elizabeth possui o ensino fundamental e Seu Raimundo tem o ensino fundamental incompleto (ele não soube detalhar em qual série parou de estudar). Dona Elizabeth deixou claro não gostar do lugar em que vive e nem da vizinhança, impossibilitando as filhas de estabelecerem relações com os moradores da Comunidade. O oposto é seu marido que diz gostar da Comunidade do Canal do Anil 84 pelo lugar ser central e livre da ação de traficantes. No entanto os critérios de avaliação parecem ser diferentes: seu Raimundo analisa a posição estratégica do bairro e a ausência de violência ao passo que Dona Elizabeth parece estar mais preocupada com a rede de relações as quais suas filhas podem ser expostas. Apesar de sua restrição a Comunidade, Dona Elizabeth obteve a informação sobre a Escola da Barra graças a seu vizinho de porta. No seu entendimento, a escola é boa por ser na Barra e, por isso, oferece um ensino de qualidade. Nesse aspecto a mobilidade geográfica é fundamental: apesar da distância, a Barra da Tijuca se apresenta como um lugar de fácil acesso aos moradores da região. O abandono do lugar de moradia em busca de melhores oportunidades e de contextos mais dinâmicos é uma das principais estratégias de aquisição de ativos. Um novo contexto de relações é estabelecido, como fica claro nas amizades de Vidinha, que não são moradoras da Comunidade. No entanto, a circulação da informação no bairro, que proporcionou a Dona Elizabeth inclusive ter acesso ao telefone do diretor da escola assim como o telefone da Tia Soninha, que faz o transporte escolar na região, é um forte indício de como a geografia subjetiva de oportunidades age. Nesse caso, a percepção subjetiva do indivíduo que toma a decisão foi diretamente afetada pela informação disponível no bairro, gerando um filtro de percepção das oportunidades objetivas (Dona Elizabeth conhecia a escola da Gardênia Azul e do Anil). Conforme nos fala Flores (2006), esse filtro de percepção das oportunidades disponíveis é formado, neste caso, pelas redes sociais locais. A inserção no bairro de nossa segunda entrevistada é bem diferente da primeira. Sonia, que matriculou seus filhos na escola do Anil, se relaciona muito bem com os vizinhos e parece estar extremamente enraizada em sua comunidade. Casada com o pai de seus três filhos, Sonia concluiu o ensino médio e ajuda o marido pegando serviço (roupa pra passar) nos bairros próximos, como a Freguesia. Gumercindo, garçom numa churrascaria grande da Barra, não concluiu o ensino fundamental, parando de estudar na terceira série. A escolha em matricular seus dois filhos na Escola do Anil foi a opção natural para Sonia: tanto os vizinhos quanto os primos das crianças estudam lá. Apesar de ter um resultado inferior a Escola da Barra e da Gardênia Azul, Sonia considera a escola de seus filhos boa. Aprova a relação deles com os vizinhos, a maioria estudantes da escola do Anil, pois afirma que eles compartilham do mesmo padrão normativo vigente na Comunidade. As fontes de informação a qual está exposta são limitadas e 85 informais, baseadas na rede de relacionamentos locais. Trata-se de um caso de uma família altamente dependente do contexto local e, apesar de desejar uma boa educação para seus filhos, dificilmente buscaria isso em outros lugares. Esse caso nos lembra Granovetter (1983) quando fala a respeito do encerramento da estrutura de interação “entre iguais”. Para o autor isso acontece mais pela capacidade de sobrevivência do que pela incorporação a uma estrutura mais ampla de oportunidades. Parece que estamos diante de uma forte rede de relação sociais na vizinhança mas que nem por isso implica na possibilidade de se adquirir ativos. O autor afirma que os setores populares tendem a estabelecer relações homogêneas, fortes e pobres. Guiomar, a terceira entrevistada, se assemelha bastante com o caso acima, excetuando o fato de não deixar a única filha brincar na rua com os vizinhos. Matriculou sua única filha na escola do Anil porque os primos estudam lá. Migrante nordestina, sem ter o apoio familiar e separada, Guiomar estabeleceu uma rede de relações um tanto quanto fraca tanto na sua Comunidade quanto no ambiente de trabalho. Esse é um bom exemplo para a “fortaleza dos laços frágeis”: em uma das casas onde trabalha, Guiomar recebe assistência dentária para ela e para a filha e diz receber apoio para estimular os estudos da filha. A estratégia de investimento da explicadora também é um exemplo de como a vivência com pessoas de outro meio social pode ser benéfica para a educação de sua filha. Guiomar, que estudou até a quarta-série, pensa em matricular a filha em um cursinho para que ela tente prova para o Colégio Militar, onde estuda um dos filhos de sua patroa. Guiomar possui baixo grau de instrução e pouco conhece sobre o sistema educacional. Considera o ensino na Escola do Anil de boa qualidade mas é pouco inclinada a escolha, opera na chamada “estrutura superficial da escolha”, regida por lógicas práticas tais quais distância da residência e segurança para ir e vir. Por fim, o último caso é aquele de uma escolha quase contingencial: a mãe trabalha perto da escola da Barra e matricula seu filho nela. Separada do marido, de quem se recusou a falar, Dona Nadir passa apenas os fins-de-semana na Comunidade: durante a semana fica na casa de seus empregadores no condomínio onde fica a Escola da Barra. Apesar de não deixar claro, como Dona Elizabeth, a posição de não gostar que seu filho brinque com as crianças da vizinhança, Dona Nadir diz preferir que seu filho brinque com os colegas da Escola da Barra. Para ela, o investimento das famílias em 86 optar pela matrícula nesta escola representa um diferencial que é benéfico para as relações sociais estabelecidas pelo seu filho no âmbito da escola. Mas, vale lembrar, as oportunidades locais estão postas para essa mãe: o ônibus escolar da Tia Soninha, por exemplo, faz parte do fluxo de informações que circulam pela Comunidade. Ela só soube desse transporte pela sua vizinha que também tem filho estudando na escola da Barra. Em comum, todos os entrevistados têm parentes residindo no bairro. Elias (2000) já chamou a atenção para a relação entre a estrutura familiar e a estrutura da vizinhança da qual faz parte. De fato, não podemos analisar as entrevistas sem levar em conta as diferenças entre os tipos de relações familiares encontradas e que podem ser explicadas, dentre outros, por conta de uma unidade maior da qual fazem parte: a comunidade. E, ainda que morando muito próximos, na mesma comunidade, os indivíduos têm uma vivência diferenciada no bairro. Small (2004) já havia observado como as características do bairro, ou o isolamento social afetam, de maneiras diferentes, diferentes grupos sociais moradores de um mesmo bairro. Os quatro casos estudados revelam que, de fato, os indivíduos são afetados de forma desigual pela experiência no bairro. 87 4. Considerações Finais Já sabemos da forte correlação entre o estabelecimento de ensino e a posição sociocultural da família. O que buscamos trazer neste trabalho foi compreender como a geografia de oportunidades pode alterar a correlação entre o estabelecimento de ensino e a posição sociocultural da família. As decisões dos indivíduos ganham consistência a partir do delineamento do que a geografia de oportunidades possibilita. A viabilidade de suas realizações vai depender de diversos fatores em ação no campo das escolhas. Existe uma corrente de estudos que, ao recorrer a ideia de estratégia dos indivíduos, remete a noção de estratégias racionais, ou seja, a elaboração de um cálculo custo-benefício que visa a maximização dos investimentos. É o caso do individualismo metodológico de que nos fala Boudon (1981), que busca reconstruir as motivações dos agentes e refletir sobre o fato social em questão como um resultado das ações individuais. De encontro com a teoria da escolha racional, a hipótese é de que as decisões individuais incorporam aspectos desligados de situações estratégicas e de interesse pessoal. Para Boudon (1981), as decisões individuais são aspectos relacionados a dimensões sociais que estão, de certa forma, fora do controle dos agentes. Nesse sentido, o plano metodológico dessa teoria não pressupõe que se analisem as sociedades como conjuntos de átomos independentes, mas que busque entender a relação entre as atitudes e o espaço social, pois somente essa relação possibilita identificar e justificar uma ação como racional. Importa, entretanto, ressaltar que a escolha do estabelecimento de ensino é uma tentativa de se aliar as oportunidades dispostas no território, a geografia objetiva de oportunidades, a percepção subjetiva sobre a qual o indivíduo modela suas estratégias. Nesse sentido, ainda que como uma opção generalizadora, os tipos ideais nos servem para uma aproximação daquilo que foi originalmente pensado. Naturalmente, lendo os relatos das entrevistas, tendemos a enquadrá-los naquele grupo socialmente misto composto por pais em diferentes ocupações e desprovidos de recursos culturais. A escolha, nesse caso, seria tomada com base em opiniões alheias, fortemente relacionadas as redes de relações. De fato, o primeiro tipo ideal construído por Ball, Gewirtz e Bowe, os “herdeiros” do sistema educacional, dificilmente se enquadraria nos nossos casos. A baixa incidência ou a falta de recursos culturais e econômicos faz com 88 que esses pais não sejam profundos conhecedores do funcionamento do sistema educacional, impossibilitando-os de “decodificar” o sistema escolar. Apesar de possuir pouca capacidade para discriminar e escolher o estabelecimento de ensino, o único caso que pode ser considerado como uma escolha é o primeiro. Apesar de ter obtido a informação através de seu vizinho, Dona Elizabeth, antes de matricular sua filha, foi até a escola conhecer sua infra-estrutura e clientela. Só após aprová-las, matriculou sua filha nela. O caso do outro aluno que também estuda na escola da Barra é relacionado a uma escolha de cunho contingencial, onde a matricula numa escola longe do bairro não se deu por um conhecimento do sistema, mas sim por questões operacionais. Os outros dois casos parecem ter sido regidos por lógicas práticas, principalmente relacionada a distância, facilidade de locomoção, transporte e informações obtidas na vizinhança. Ainda que presente nos casos da Escola da Barra, nos outros dois eles ocupam posição central. São famílias mais dependentes do contexto local e, apesar de buscarem uma “boa educação”, não se mobilizam para fazê-lo fora de sua vizinhança. Mais uma vez, temos que reconhecer a importância do capital familiar para se fazer as escolhas, em particular para optar, dentre a oferta das escolas, aquela na qual matricular seus filhos. Temos que reconhecer também a importância do capital de informações sobre o funcionamento do sistema de ensino. Uma das fontes de aquisição deste capital pode ser encontrada no bairro, principalmente nas redes sociais locais. Nesse sentido, a percepção subjetiva do indivíduo que faz a escolha sobre a estrutura de oportunidades é criticamente afetada pela informação disponível no contexto do bairro, que cria um filtro de percepção no qual as oportunidades são entendidas e avaliadas. (Flores, 2006) A inserção no bairro, as formas pelas quais os indivíduos se sociabilizam nas redes sociais locais podem diferenciar um dos outros na forma com a qual fazem a escolha. O grau de reciprocidade nessas redes pode ser benéfico, mas também pode ser desvantajoso. Conforme visto no primeiro capítulo, a combinação entre as dimensões do grau de força dos vínculos e o grau de heterogeneidade da rede pode resultar em diferentes práticas para os indivíduos. No que diz respeito a dimensão da heterogeneidade vale lembrar que ela tem um sentido e uma direção que depende do posicionamento dos membros em relação aos recursos disponíveis. A noção mais corrente é a de que a heterogeneidade é relevante porque está diretamente relacionada com a diversidade de recursos que circulam na rede. De fato, 89 Kaztman e Retamoso (2008) constatam que “crianças que provêm de lares de escassos recursos, têm melhores resultados acadêmicos quando moram em vizinhança de composição social heterogênea, do que aquelas que vivem em vizinhanças onde a grande maioria dos domicílios tem poucos recursos.” Diante de uma realidade social homogênea e de recursos redundantes, a combinação entre baixa heterogeneidade nas redes sociais e um forte grau de força nos laços sociais se mostrou desvantajosa para os moradores da Comunidade do Canal do Anil. Dentre aqueles que optaram em fazer a escolha mais tradicional, era notório o grau de inserção no bairro e a redundância das informações na rede dos quais faziam parte. Amigos, vizinhos, familiares funcionaram como potencial fonte de informações para a escolha da Escola do Anil. Por outro lado, um fraco grau da força nos laços sociais combinado com a baixa heterogeneidade da vizinhança resultaram em um desfecho diferente no tocante as estratégias familiares. Se a informação foi obtida através do vizinho, não implica em dizer que estamos diante de uma forte relação estabelecida na vizinhança. Dentre as diferentes estratégias postas em práticas pelos responsáveis, a opção em matricular os alunos na escola particular que fica em frente a Escola da Gardênia Azul pode representar também a “fuga do lugar” por parte de algumas famílias da Gardênia Azul. Não houve tempo hábil dentro da pesquisa para investigar quem é o público desta escola. Supõe-se que sejam alunos moradores da Gardênia Azul e que seus responsáveis, ao optarem em matricular na escola particular, possam estar traçando estratégias de diferenciação para com os moradores da Comunidade do Canal do Anil evitando, dessa forma, o contato com os outsiders da região. De fato, como afirma Elias (2000): era graças a seu maior potencial de coesão, assim como à ativação deste pelo controle social, que os antigos residentes conseguiam reservar para as pessoas de seu tipo os cargos importantes das organizações locais, como o conselho, a escola ou o clube, e deles excluir firmemente os moradores da outra área, aos quais como grupo, faltava coesão. Assim, a exclusão e a estigmatização dos outsiders pelo grupo estabelecido eram armas poderosas para que este último preservasse sua identidade e afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em seu lugar (Elias, 2000, pp. 22). 90 A estrutura de oportunidades está posta para os responsáveis da Gardênia Azul e da Comunidade do Canal do Anil. A experiência no campo mostrou como as redes sociais locais podem influenciar no que diz respeito a escolha do estabelecimento de ensino. Costa e Koslinski (2008) perceberam a existência de um forte quase-mercado educacional na rede municipal de ensino fundamental na cidade do Rio de Janeiro, identificando a acirrada competição por escolas públicas, mesmo entre aquelas que não são tradicionalmente consideradas escolas de padrão comparável ao das boas escolas privadas ou federais, destacando a importância das redes de contatos sociais. Para Alves (2008) as escolhas familiares representam ações voltadas para a superação ou moderação da estratificação educacional. De modo que, como visto, as famílias processam de maneiras diferentes as oportunidades objetivas do sistema escolar. São esses mecanismos desiguais de estratégias para a escolha do sistema de ensino que começam a se tornar alvo de pesquisas no âmbito da sociologia da educação.31 Fica o desejo e incentivo para que novos estudos sejam feitos nessa direção e desvendem os mecanismos, ainda um tanto quanto ocultos, das estratégias familiares para a escolha do estabelecimento de ensino. 31 Diversos estudos têm sido feitos nessa direção. No Rio de Janeiro, Fatima Alves estuda as escolhas familiares no contexto da estratificação educacional e residencial. E, ainda no Rio de Janeiro, Mariane C. Koslinski e Marcio da Costa estudam o quase-mercado e a disputa por escolas públicas. Em Minas Gerais, Maria Alice Nogueira estuda a influência da família no ato de escolha do estabelecimento de ensino. 91 Referências Bibliográficas ALVES, Fatima. Escolhas Familiares no Contexto da Estratificação Educacional e Residencial no Rio de Janeiro. 32° Encontro Anual da Anpocs. 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E qual a frequencia com que a senhora verifica se o dever de casa foi feito? Desde o início deste ano, quantas vezes a senhora ou outra pessoa da família conversou com a professora desta criança sobre assuntos da escola ou desta criança? Foi sua iniciativa ou da professora / direção? A senhora diria que em geral a escola ensina ao seu filho: (0) – Nada. (1) – Pouco. (2) – Muito. (3) - Não sei CONHECIMENTO DO FUNCIONAMENTO DA ESCOLA A associação de pais é organizada pelos próprios pais. A senhora (o senhor) sabe se existe associação de pais na escola de seu filho? A senhora (o senhor) sabe se existe um colegiado ou conselho na escola de seu filho? (Se sim) Já participou de reuniões do colegiado/conselho ou é membro do colegiado/conselho? O (a) Diretor(a) da escola do seu filho foi escolhido (a) através de eleição? GRAU DE ENVOLVIMENTO DO RESPONSÁVEL COM A ESCOLA A senhora (o senhor) participa das atividades da escola? Por exemplo, festas, Atividades cívicas, Eleições, reuniões? A senhora (o senhor) sabe se são aplicados testes pela Secretaria nos alunos da escola de seu filho? 32 O roteiro a seguir serviu como orientação para as entrevistas e para observações no domicílio. 101 A senhora (o senhor) verifica os resultados obtidos pela escola do seu filho nestes testes? EXPECTATIVA / CONHECIMENTO DO SISTEMA ESCOLAR Que nível de escolaridade a senhora gostaria (idealmente) que seu filho completasse? Que nível de escolaridade a senhora avalia que ele (ela) vai de fato completar? O que é uma boa escola, na sua opinião? Em sua opinião, quais as melhores escolas do Rio de Janeiro? Em sua opinião, quais as melhores faculdades do Rio de Janeiro? Como foi a escolha da escola para sue filho no 6° ano? Quais fatores foram levados em conta? E o ensino médio, a senhora já pensou? Para você, o que é mais importante em uma boa escola? (0) boa infra-estrutura (quadra esportiva, laboratório, biblioteca (1) bons métodos de ensino e aprendizagem (2) disciplina e formação moral INFORMAÇÕES DO BAIRRO Nome do bairro: _____________________________________ O que você acha de morar nesse bairro? O que você mais gosta do bairro onde você mora? E o que você menos gosta? Percebe alguma diferenciação interna no bairro? (lugares melhores ou piores) Como você se relaciona com os seus vizinhos imediatos? Você tem parentes residindo no bairro (ou nas proximidades)? Quando necessita que alguém cuide de seus filhos, conta com quem? Quando necessita que alguém lhe empreste dinheiro em caso de emergência, conta com quem? 102 A quantidade de pessoas moradoras do bairro que pede para você cuidar dos seus filhos é? A quantidade de pessoas moradoras do bairro que lhe pede dinheiro é? INFORMAÇÕES RELATIVAS A ESCOLHA DA ESCOLA Quais foram as razões que levaram a senhora a matricular seu filho na escola em questão? Opções de Resposta (0) Foi escolhido pelo horário das aulas (1) Foi escolhida pela qualidade de ensino (2) Foi escolhida pela recomendação de parentes (3) Foi escolhida pela recomendação de amigos que possuem filhos estudando na escola (4) Foi escolhida por sua localização (5) Foi escolhida pelos alunos que lá estudam (influência dos pares) (6) Outro. Especifique S2: Se a resposta for 1, como soube da qualidade da escola? (0) Pelos amigos (amigos que tem filhos que estudam na escola?) (1) Pelos vizinhos (vizinhos que tem filhos que estudam na escola?) (2) Informações midiáticas (qual tipo de mídia?) (3) Outros. Especifique. S3: Se a resposta for 3, de onde são os amigos? A senhora tem conhecimento da clientela da escola? (0) Da vizinhança (1) De infância (2) Do trabalho (3) Da comunidade religiosa (4) Outro. Especifique S4: Se a resposta for 4: (0) Perto do trabalho (1) Perto da residência (2) Longe da violência? (3) Longe / perto – influência dos pares. (4) Outro. Especifique. S5: Qual a PRINCIPAL razão para a escolha dessa escola: (0) Horário das aulas / funcionamento da escola (1) Qualidade de ensino (2) Recomendação de parentes (3) Recomendação de amigos que possuem filhos estudando na escola (4) Localização 103 S6: Antes de matricular o aluno desta escola, você (ou outro responsável) realizou alguma das ações abaixo? (0) Telefonou para a escola para obter informações (1) Visitou a escola para conhecê-la melhor (2) Conversou com alguém da escola (diretor, professores) (3) Conversou com vizinhos, parentes ou outros pais de alunos da escola (4) Informou-se sobre a escola através dos meios de comunicação (5) Outro. Especifique A senhora sabe alguma coisa sobre o desempenho escolar da escola (ranking no enem, notas do prova brasil, etc)? (a análise possui critérios objetivos ou subjetivos? S7: Como se deu o processo de matrícula na escola? Precisou da ajuda de alguém para conseguir a vaga? A senhora conhece a escola? Como considera o aspecto físico dela? S8: É possível ir a pé para a escola de seu filho? S9: Seu filho vai sozinho à escola? APENAS PARA ESCOLA DA BARRA Por que seu filho não estuda na escola pública do bairro? Como é o deslocamento dele para a escola? CARACTERISTICAS DA FAMÍLIA Profissão dos pais Quantos irmãos? Idade? Escolaridade? - Para análise do pesquisador CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO D1: Quantas pessoas moram nesse domicílio? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) D2: Quantos cômodos têm esse domicílio? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) D3:Quantos são utilizados como quarto? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) D4: Tipo de residência: 104 (1) casa (2) casa em vila (3) apartamento (4) sobrado (5) outros D5: Este terreno é: (1) próprio com escritura (2) próprio sem escritura (3) cedido (4) invadido/ocupado (5) não se aplica (6) ns/nr D6: Este domicílio é: (1) próprio (adquirido - comprou terreno/casa) (2) próprio (auto-construído – comprou só o terreno) (3) alugado (4) cedido por empregador (5) cedido por particular (6) invadido/ocupado (7) ns/nr D7: Se for próprio, qual é o valor atualizado aproximado deste imóvel ? _____________________ D8: Se for alugado, qual o valor do aluguel? _____________________ D9: Há quanto tempo você mora nesse domicílio? (ANOS) (1) Menos de 1 ano (2) 1 ano (3) 2 anos (4) 3 anos (5) 4 anos (6) 5 anos (7) de 5 a 10 anos (8) mais de 10 anos E4: Quanto a senhora (o senhor) gasta diariamente em transporte do (a) seu (sua) filho(a) para a escola? _______________________________. E5: O seu (sua) filho (a) recebe da Secretaria ou da escola algum dos seguintes tipos de ajuda: a) Bolsa escolar (0) Não (1)Sim b) Transporte escolar (0) Não (1)Sim c) Ajuda para uniforme (0) Não (1)Sim E9: Qual é a cor da criança? _________________________________. E10: Qual é a cor da mãe da criança? ___________________________. 105 E11: Qual é a cor do pai da criança? ____________________________. F1: Qual a relação de parentesco do chefe de família com a criança da 4ª série? (1) Pai (2) Mãe (3) Irmão(ã) (4) Tio(a) (5) Avô(ó) (6) Padrasto (7) Madrasta (8) Outros – Explique: ___________________________________________________________________ F18: Atualmente o (a) senhor (a) vive com companheiro ou cônjuge?(0) Não; F19: Se sim, é casado: (1) Civil; (2) Religioso; (1) Sim (3) União Consensual F20: Há quantos anos o (a) senhor (a) vive com esse companheiro ou cônjuge? ____________ Qual a sua religião e de seu marido? Frequencia a igreja: Qual cidade nasceu? Há quanto tempo vive no RJ? 106