Efeitos Jurídicos da lei da abolição da escravatura Lei Áurea
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Efeitos Jurídicos da lei da abolição da escravatura Lei Áurea
EFEITOS JURÍDICOS DA LEI DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA LEI ÁUREA Geysa de Carvalho Oliveira Silva¹, Jailson Rocha Siqueira² ¹Graduanda do curso de Direito. Faculdade Guanambi – FG/CESG ²Advogado. Docente da Faculdade de Guanambi – FG/CESG RESUMO: Este artigo revela os efeitos jurídicos que acarretou aos ex-escravos, que embora livres não gozavam efetivamente de liberdade, tendo como marco inicial de pesquisa o fim da abolição da escravatura e a decorrência da Lei Áurea para os que se encontravam em situação de penúria em busca constante de liberdade, dignidade e igualdade, como ser humano livre e pensante em seu mundo e quais as consequências de “liberdade” às gerações futuras. Faz-se necessário um arcabouço histórico entre a história da escravidão com a vinda dos primeiros escravos negros saídos da África para o Brasil até à sua libertação com a assinatura da lei, perfazendo um trajeto, desde a vinda dos primeiros povos da África até a sua exploração física e mental no Brasil colonial, buscando interpretar as diferentes visões à cerca do tema escravidão no Brasil e a eficácia da Lei Áurea. Assim é notório vislumbrar a necessidade de um estudo aprofundado que aborde o princípio basilar do ser humano a dignidade da pessoa humana inserida na Carta Magna de 1988, bem como, a carência de regulamentação da Lei Áurea. Palavras-chave: Brasil, Dignidade da Pessoa Humana. Escravidão. Lei Áurea. Negro. Regulamentação. LEGAL EFFECTS OF THE LAW ABOLISHING SLAVERY AUREA LAW ABSTRACT: This article reveals the legal effects that it resulted to the ex slaves, that although free, did not effectively enjoy freedom, taking as a starting research point the end of the slavery abolition and the result of the Áurea Law for those who were in shortage in constant search of freedom, dignity and equality, as a thinking and free human being in his/her world and what the consequences of “freedom” to the future generations. It is necessary a historical outline between the history of the slavery with the arrival of the first black slaves that came from Africa to Brazil until the manumission with the signature of the law, making a route, since the arrival of the first people from Africa until his/her physical and mental exploration in the colonial Brazil, it searches to interpret different visions about the theme slavery in Brazil and the effectiveness of the Aurea law. So, it is notorious to gleam the need of a deepened study that approaches the basic beginning of the human being the human person dignity inserted in the Magna Letter from 1988, as well as, the lack of regulation of the Áurea law. Aurea Law. Black. Brazil. Human Person Dignity . Key words. Regulation. Slavery. INTRODUÇÃO Fazer uma abordagem sobre trabalho em regime de escravidão é de vital importância, pois desperta interesse tanto para os historiadores e pesquisadores, quanto na área das ciências humanas e nas ciências sociais na esfera do Direito. Durante o período colonial no Brasil foram deixadas marcas profundas que foram gravadas na sociedade brasileira, bem como, esquecer os efeitos jurídicos que acarretaram aos seus descendentes. O que leva a indagar, que mesmo sendo livres de direito não eram livres de fato, sua condição social avançava na deploração e exploração do ser humano como pessoa, isto porque, mesmo transcorridos mais de cem anos de libertação, a exploração continua e os que dela se originam permanecem a serem excluídos de sua liberdade e dignidade. Destaca ainda, a eficácia da Lei Áurea no âmbito de sua validade, isso quer dizer que para ser eficaz uma lei tem que ser revestida de um fim social de eficácia tendo o ideal de justiça na prevalência do seu surgimento. Necessário que se faça uma abordagem que permeiam no âmbito jurídico, o princípio norteador, o alicerce dentre os demais inseridos na Constituição Federal de 1998, a dignidade da pessoa humana, que faz ao seu conceito ao destacar a prevalência sobre o ser humano, em sua abordagem temática, e à procura de um viés norteador para análise do que seja a dignidade para o povo negro. Dessa forma, a libertação não ocorre de maneira linear em todos os momentos no Brasil, a busca pela liberdade plena ainda perdura os caminhos de uma sociedade que vive marginalizada e almeja alcançar a dignidade como pessoa, ser humano pensante e atuante no mundo. Neste sentido esse artigo aborda a trajetória histórica e jurídica do processo da abolição da escravatura e as consequências que acarretaram aos seus descendentes e os efeitos que provocam na estrutura econômica e principalmente social no Brasil no período colonial até à atualidade. BREVE CONTEXTO HISTÓRICODA ESCRAVIDÃO NO BRASIL Durante séculos em nome da lei, da crença, da conquista ou tradições, europeus, árabes, africanos e indianos escravizavam-se uns aos outros, isto porque, a prática de apropriar-se do outro ser humano existe na Terra desde o surgimento das primeiras civilizações, o que leva a pensar por que o homem escravizou o próprio homem. Nas civilizações antigas como em Roma e no Egito, por exemplo, o escravo era considerado um instrumento de trabalho que falava. Normalmente eram os prisioneiros de guerras, outros eram capturados de aldeias invadidas, soldados derrotados, ademais pessoas que haviam sido vencidos ou conquistados. Segundo de Maestri quando ocorria a captura e a escravização do negro na África, muitos deles eram levados para lugares e reinos distantes de sua origem, os que não tinham sido vendidos ou resgatados eram feitos escravos na própria África, como demonstra relato de um prisioneiro no reino de Benin. Após ser escravizados escreveu suas memórias relatando: Os prisioneiros de guerra que não tinham sido vendidos ou resgatados, nos os retínhamos como escravos. Mas como eram distintas as suas situações das dos escravos das Índias Ocidentais! Os nossos (escravos) trabalhavam mais do que os restantes membros da comunidade, entretanto, os alimentos, a roupa e o alojamento dos seus amos quase iguais aos que eles possuíam (...) (MAESTRI, 1994, p. 40). Pedro & Lima (2010) aborda a escravidão no Império Egípcio, como sendo uma prática habitual, pertenciam ao Estado, prestando variados serviços e participavam das atividades econômicas e da agricultura. O aprisionamento de indivíduos pelos europeus ocorreu com intensidade na Costa Ocidental e Sudoeste do continente africano, espaço em que o poder militar e alianças politicas eram decisivas para a austeridade e poder, visto que, a substituição do escravo indígena pelo africano escravizado, tornou-se alvo das nações que desejavam lucrar com esse rentável negócio humano. Pedro & Lima alega que existia abundancia de terras na África, mas a disputa maior era por gente, assim afirmam: A abundância de terras na África fazia do escravo a principal fonte de riqueza. Enquanto na Europa a disputa era por terra, na África era por gente. Para muitos povos africanos, a terra não era vista como propriedade individual; era um bem comum, mãe de todos, fundamento da vida, não uma mercadoria que se compra e vende. A riqueza e o poder se assentavam na capacidade de mobilizar e controlar o trabalho. O escravo era reserva de valor e de mão de obra. Os reinos se expandiam usando escravos para derrubar florestas, abrir novas áreas agrícolas e atrair colonos. (PEDRO & LIMA, 2010, p.142). Esse lucrativo comércio envolvia europeus que em nome do rei era possível ser comercializado, sobre ordens expressa do soberano, que introduziam em larga escala produtos da África e do Oriente que viam do Mediterrâneo e do Atlântico. A procura por novos mercados que aumentou a demanda, o tráfico, por essa nova mercadoria, o escravo africano. Entretanto, varias são as indagações à cerca do tema em debate, como um povo podia escravizar o seu da mesma espécie? Essa resposta se refere aos povos africanos que apesar de viverem num mesmo continente, não faziam deles irmãos. Vários motivos os impulsionaram para que isso viesse acontecer, primeiro foi à punição e cumprimento da lei, segundo para fugirem de uma situação de penúria e garantir a liberdade do seu próprio povo. Para que se fizesse justiça, várias sociedades africanas possuíam uma organização social interna baseado no escravo, que podia ser um prisioneiro de guerra ou um individuo que cometeu um delito e sua pena seria a perda da liberdade, que eram vendidos ou trocados nas feitorias por produtos ou armas. Pedro & Lima (2010) aborda a escravização na África como sendo uma prática de uma sociedade organizada em castas, que vendiam prisioneiros de guerra, entretanto não se vendiam, alfaiates, ceramistas, joalheiros, carpinteiros, tecelões, pessoas que eram considerados profissionais especializados, mas a venda de quem cometeu ato de feitiçaria, adultério, devedor relapso, entre outros. Maestri (1994) aponta os caminhos que levaram os prisioneiros ao cativeiro: primeiro a falta de divisão de classes, a não obediência a instituições estatais como a politica e a prisão, segundo as penas que existia diziam respeito a perda da liberdade como exemplo o pagamento de uma divida que não foi honrado, o adultério, o roubo, o crime de sangue, a antropofagia, a feitiçaria. Todos esses males eram considerados motivos para que fossem prisioneiros e perdessem sua liberdade. Muitos reinos africanos viviam na penúria e na fome, viviam apenas da agricultura e da criação de armas, não conheciam o arado, sendo sua produtividade baixa, o que levava reinos como o Congo a submissão de grupos menores para torna-los escravos, aumentando os preços dos alimentos, animais e tributos. Com a falta de alimentos e o encarecimento dos gêneros alimentícios, as aldeias acabavam produzindo e vendendo a mercadoria humana, que era apreciada e procurada no século XVI, os cativos como eram chamados, vendiam o que tinha de mais valor, o ser humano, existiam ainda a prática considerada crime pelos povos africanos como o rapto de crianças, jovens e mulheres, se fosse capturado os raptores eram executados e vendidos. Assim, o comércio de escravos, seja anterior à chegada dos europeus e teve como consequência a marginalização desse povo, ocorria com habitualidade e consequentemente os reinos africanos escravizavam uns aos outros, fez com que essa prática transcorresse os continentes. Durante o período colonial no século XVI, foram trazidas para o Brasil pessoas que eram escravos. Elas eram tidas como coisas que poderiam ser apropriadas por aqueles que possuíam maior poder aquisitivo, ou seja, dinheiro. No universo colonial os proprietários das terras usavam a força desse trabalho escravo nas lavouras com “predominância” do latifúndio e do plantation. Nessas categorias os escravos, libertos e seus descendentes também foram agentes que transformaram o seu tempo. Os escravos eram trazidos da África por navios conhecidos como tumbeiros ou negreiros, recebiam esse nome pelas péssimas condições que levavam o contingente de pessoas em seus porões. A administração portuguesa submetia o comércio negreiro a uma dupla taxação, primeiro os escravos eram embarcados na África, depois eram levados e desembarcavam na América. Os traficantes compravam a preços baixos e vendia a preços exorbitantes, os tumbeiros como os navios eram chamados transportavam os escravos africanos, essa travessia pelo Atlântico demorava aproximadamente de 35 a 40 dias o que inviabilizava a chegada de todos com vida, pois às péssimas condições de higiene no qual eram submetidos faziam com que muitos não conseguissem chegar ao destino final como Salvador e o Rio de Janeiro. Além do trabalho escravo nas lavouras de cana-de-açúcar, havia ainda o trabalho nas minas à procura de metais preciosos que exigiam cada vez mais contingentes de trabalhadores braçais que eram vindos da África negra. Wehling destaca a formação do Brasil colonial como sendo uma época de consolidação colonial, com a descoberta do ouro e diamantes no centro do país e como as técnicas de exploração evoluíram muito. Antes era feito de maneira rudimentar depois foi se aperfeiçoando, utilizando as bateias para separar o cascalho, o ouro e os diamantes, depois passou para as peneiras, quando já não se localizavam as pedras preciosas com facilidade. E no final já utilizava um sistema para canalizar a água e a construção de reservatórios e uso de madeiramento e cordas. Mas o trabalho árduo era feito pelos índios caiapós, com o tempo foi sendo substituído pelos escravos africanos, de preferencia os negros “minas’ da etnia iorubas (jejês e nagôs), considerados verdadeiros sustentáculos da produção aurífera do século XVIII, auge da exploração desse povo. Dessa forma a escravidão africana extirpava do ser humano qualquer sentimento de identidade e principalmente a formação da pessoa e sua dignidade, como o principio basilar da dignidade da pessoa humana. O comércio de escravos seja anterior à chegada dos europeus, teve como consequência a marginalização desse povo que perdura até os dias atuais. Freire analisa a questão da escravidão no seu cotidiano da vinda dos negros da África desde a casa-grande até a senzala, vislumbrando as diferenças vitais na formação da etnia que formou o Brasil, algo novo e abordando o tema como sendo de vital importância nos conceitos de discriminações que eram consideradas como normais e aceitáveis em uma sociedade patriarcal como a do início da colonização brasileira. Em seu livro ele descreve a formação como sendo: Vencedores no sentido militar e técnico sobre as populações indígenas; dominadores absolutos dos negros importados da África para o duro trabalho da braçadeira, os europeus e seus descendentes tiveram entretanto de transigir com índios e africanos quanto às relações genéticas e sociais. A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e vencidos, entre senhores e escravos. Sem deixarem de ser relaçõesas dos brancos com as mulheres de cor-de “superiores” com “inferiores” e, no maior número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstancias e sobre essa base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distancia social que de outro modo se teria conservado enorme entre acasa-grande e a senzala. O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de aristocratização, extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos, com uma rala e insignificante lambujem de gente libre sanduichada entre os extremos antagônicos, foi em grande parte contrariado pelos efeitos da miscigenação. A índia e a negra-mina a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a quadrarona, a oitavona, tornando-se caseiras, concubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil (FREIRE, 2004, p.33). Vários foram os caminhos percorridos pelos escravos negros para alcançar a liberdade muitos foram às revoltas e as fugas praticadas por eles, e assim chegar a sonhada liberdade de um povo. Dentre o fenômeno mais conhecido de fuga foi o Quilombo dos Palmares em Alagoas. Entretanto com a decretação do fim do tráfico de escravos vindos da África, a lei de 7 de novembro de 1831, a partir daquela data estava proibido a compra e venda do negro para o Brasil. Art. 1.º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres. Excetuam-se: 1.º Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes a país, onde a escravidão é permitida, enquanto empregados no serviço das mesmas embarcações. 2.º Os que fugirem do território, ou embarcação estrangeira, os quais serão entregues aos senhores que os reclamarem, e exportados para fora do Brasil. Art. 2.º Os importadores de escravos no Brasil incorrerão na pena corporal do art. 179 do Código Criminal imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres, e na multa por cabeça de cada um dos escravos importados (BRASIL, 1831). Ao longo da História foram editadas leis para a libertação dos escravos como a Lei Euzébio de Queiroz, Lei do Sexagenário, Lei do Ventre Livre e finalmente, em 1888, com o apoio dos republicanos paulistas e dos conservadores liderados por Antônio Prado, foi aprovada a Lei Áurea, pela Princesa Isabel em 1888. A primeira legislação de 1850, Lei Euzébio de Queiroz, decretava o fim do tráfico negreiro, proibiu o comércio internacional de escravos, mas a escravidão e o comércio interno continuaram existindo. LEI Nº 581, DE 4 DE SETEMBRO DE 1850. Estabelece medidas para a repressão do trafico de africanos neste Imperio. Dom Pedro, por Graça de Deos, e Unanime Acclamacão dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assemblea Geral Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte. Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriaes do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação heprohibida pela Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, serão apprehendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos aquellas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porêm que se encontrarem com os signaes de se empregarem no trafico de escravos, serão igualmente apprehendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos (BRASIL 1850) Lei dos sexagenários (1885) libertava todos os escravos acima de 60 anos, entretanto essa lei não representou grandes benefícios aos escravos, pois os poucos que conseguiam sobreviver até essa idade não tinham mais forças para o trabalho, na essência da lei representou um amparo legal aos senhores de escravos, que se sentiram desobrigados dos escravos incapacitados para o trabalho. Lei nº 3.270, de 28 de Setembro de 1885 Regula a extincção gradual do elemento servil. D. Pedro II, por Graça de Deus e Unânime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos subditos que a Assembléa Geral Decretou e Nós Queremos a Lei seguinte: DA MATRICULA Art. 1º Proceder-se-ha em todo o Imperrio a nova matricula dos escravos, com declaração do nome, nacionalidade, sexo, filiação, si fôr conhecida, occupação ou serviço em que fôr empregado, idade e valor, calculado conforme a tabella do § 3º. § 1º A inscripção para a nova matricula far-se-ha á vista das relações que serviram de base á matricula especial ou averbação effectuada em virtude da Lei de 28 de Setembro de 1871, ou á vista das certidões da mesma matricula, ou da averbação, ou á vista do titulo do dominio, quando nelle estiver exarada a matricula do escravo. § 2º A' idade declarada na antiga matricula se addicionará o tempo decorrido até o dia em que fôr apresentada na Repartição competente a relação para a matricula ordenada por esta Lei. A matricula que fôreffectuada em contravenção ás disposições dos §§ 1º e 2º será nulla, e o Collector ou Agente fiscal que a effectuar incorrerá em uma multa de cem mil réis a tresentos mil réis, sem prejuizo de outras penas em que possa incorrer. Art. 3º § 10. São libertos os escravos de 60 annos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando, porém, obrigados, a titulo de indemnização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de tresannos (BRASIL, 1885). Entretanto essa lei não representou grandes benefícios aos escravos, pois os poucos que conseguiam sobreviver até essa idade não tinham mais forças para o trabalho, na essência da lei representou um amparo legal aos senhores de escravos, que se sentiram desobrigados dos escravos incapacitados para o trabalho. Lei do Ventre Livre – n° 2040 de 28.09.1871 libertava os filhos de escravas nascidos após 1871, mas um dos seus artigos destaca que os proprietários podiam dispor dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. Dessa forma, os senhores usariam a mais produtiva fase de trabalho dos libertos entre 13 e 20 anos. Lei nº 2.040, de 28 de Setembro de 1871 Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annual de escravos. A Princeza Imperial Regente, em nome de Sua Magestade o Imperador e Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral Decretou e ellaSanccionou a Lei seguinte: Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle e que o menor chegar á idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor (BRASIL, 1871). A Lei Áurea de 13 de maio de 1888 é finalmente assinada pela princesa Isabel, que regia o trono e extinguiu a escravidão no Brasil. Declara extinta a escravidão no Brasil: A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67.º da Independência e do Império. Princesa Imperial Regente. Rodrigo Augusto da Silva Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar, declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara. Para Vossa Alteza Imperial ver. Chancelaria-mor do Império - Antônio Ferreira Viana.Transitou em 13 de maio de 1888.- José Júlio de Albuquerque (BRASIL, 1888). Ademais, o texto de lei era muito curto e não previa indenizações aos donos dos escravos e nenhum auxilio por parte do governo. A lei não determinava se os ex-escravos se tornariam cidadãos brasileiros no momento da assinatura da lei, ou mesmo dos direitos às milhares de pessoas que se tornaram juridicamente livres tampouco a responsabilidade do Estado em relação a eles, sua dignidade, sua honra, e principalmente, sua “liberdade”. A lei estava voltada para os interesses da aristocracia que se viu aliviada, e durante quatrocentos anos enriqueceu com o trabalho desses homens, buscando a sua dignidade, a dignidade da pessoa humana, princípio basilar da constituição do Brasil de 1988. Priore (2001) aponta o impacto da abolição em relação ao governo, proprietários de terras e os ex-escravo sendo devastador entre os proprietários de escravos e o governo, isto porque na época em que foi sancionada, não era possível a indenização aos senhores das terras, visto que, os 700 mil escravos existentes no Brasil estavam estimados 210 milhões de contos, moeda da época, enquanto o orçamento do Império estava avaliado em 165 milhões de contos. Mesmo assim a campanha abolicionista rompeu o dualismo emancipacionista, conquista tanto os escravos quanto dos homens livres que estavam apoiando o movimento abolicionista. Todo esse contexto é visível que mesmo livres os negros e seus afrodescendentes continuam marginalizados e alvo da própria elite, isto porque a Lei Áurea em seu artigo memorável extinguiu a escravidão, no entanto, a sua norma não foi considerada ineficaz para que houvesse concretude em seus objetivos, que era a liberdade definitiva de todos os negros no Brasil, então porque dizermos que os mesmos não conseguiram a liberdade de fato, e porque, a abolição da escravatura não significou a isenção do negro na vida social, econômica e política do país. De acordo com alguns historiadores isso se deve ao fato de que a lei chegou tardia e inadequada ao Brasil, não houve a inserção do negro na sociedade de direitos, e suas condições de vida continuam à margem do poder político e social dos brancos. Após a abolição a vida dos negros não sofreu alterações, uma vez que não houve preocupação política em integrá-los a uma sociedade. Alguns ex-escravos plantaram pequenas roças de subsistência. Os que não quiseram permanecer na atividade agrícola migraramdos campos para os grandes centros à procura de emprego,precários em sua grande maioria, inaugurando, dessa forma, amão de obra marginalizada. O mercado de trabalho nas capitais não conseguiu absorver todo o contingente, o que levou, naturalmente, a um grande o númerode desempregados e subempregados. Assim, os negros foram considerados preguiçosos, malandros e vadios pelas elites, juízosde valor que, em certa medida, persistem, numa evidência de queo preconceito é continuamente alimentado por uma situação de inferioridade (BRAICK, MOTA, 2007, p. 488-489). Passados dois anos após a promulgação da Lei Áurea, metade da população negra já não existia mais, por tudo isso é notório dizer que a Lei Áurea decretou a liberdade do povo negro, mas não a liberdade de direito, dando a esse povo a ideia da tão sonhada liberdade, e poder assim andar com os seus pés calçados. EFICÁCIA DA LEI DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA Para que uma lei seja eficaz é necessário que seja regulamentada, mas isso não ocorreu com a Lei imperial n. 3.353/88, em que o seu conteúdo social não estava revestido de eficácia, ou seja, não se esteve atento, ou não houve qualquer preocupação quanto às questões sociais, e muito menos no que diz respeito à questão das consequências ocasionadas com a libertação dos negros no país, resultando assim, na ineficácia da Lei, pois não prevê as situações que concretude de justiça aos “libertos” e tão pouco com os seus descendentes. Para que ocorra a regulamentação é necessário que seja provido por um ato administrativo Meirelles (1997, p. 391) conceitua como sendo “regulamento é espécie de ato administrativo, explicativo ou supletivo da lei e inferior a ela”. Já Canotilho (2012, p. 829) descreve o regulamento “o regulamento é uma norma emanada pela Administração no exercício da função administrativa e, regra geral, com caráter executivo e/ou complementar da lei”. É de competência a regulamentação da Lei Áurea ao poder Legislativo ou Executivo, conforme Mello (2013) aborda em: Não serem os regulamentos expedidos pelo órgão encarregado da edição das leis, Poder Legislativo, mas sim pelo Poder Executivo, no exercício de uma das suas funções normativas secundárias, com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei, cuja aplicação demande atuação da Administração Pública (MELLO, 2013, p.311). Revestida de poderes de Chefe do Executivo, a princesa Isabel, emanava todo o conteúdo social, que nesse momento, possuía todo o arcabouço, capaz de fomentar os direitos fundamentais dos mais de 720 mil negros. Caberia então ao Estado a tutela desses direitos, sendo o elo fraco da relação jurídica negando aos mesmos a eficácia da lei, competindo a Administração Pública a regulamentação da lei, e a cobrança no âmbito social e judiciário. Bobbio (2003) aborda o problema da validade da norma como sendo um problema da existência da regra e independe de valor, se ela é justa ou não, o problema da justiça se resolve com juízo de valor, enquanto a validade se resolve com juízo de fato, quando se verifica se existe ou não uma regra a ser seguida, como na proclamação da Lei Áurea não houve esse juízo de valor, entretanto sua lei se tornou válida em todo o território nacional. O problema da eficácia da norma é o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou. Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida (BOBBIO, 2003, p. 47). Bobbio (2003), afirma que existem três critérios para a valoração da norma, primeiro uma norma pode ser justa sem ser válida, ou seja, o teórico do direito natural formulava seus tratados partindo de princípios jurídicos universais, visando à justiça; segundo uma norma pode ser válida sem ser justa, é o que ocorreu com a Lei Áurea, que mesmo sendo válida não havia justiça em seus feitos, não se preocupou com a vida dos que ganharam a liberdade de direito e não a de fato; terceiro, uma norma pode ser justa sem ser eficaz, equivale ao fato de uma norma ser justa sem ser válida, sem ser eficaz, isto se refere ao fato de uma norma para ser eficaz tem que ser válida. Vasconcelos enfatiza o caráter sociológico da eficácia e como se projeta no fato social, tornando indissoluvelmente ligadas as ideias de utilidade e de justiça, destacando o conceito da vigência: Enquanto o conceito de vigência se esgota no âmbito da norma lega, o de eficácia tem sua projeção dirigida para o fato social, no qual se concretiza. Reponta a importância da valoração do fato, para que a norma seja eficaz, ou melhor, para que haja Direito. Se o legislador não o distinguiu, desconhecendo sua influencia, ele assim mesmo tem condições de insinuar-se no mundo do Direito. (VASCONCELOS 2002, p.229) Dizer que a norma adquire validade social, se refere ao momento que é recepcionada pela sociedade em seu contexto histórico, assim ela será eficaz significa que a norma desempenha sua função social quando mantem sua ordem e justiça. Para que a Lei Áurea fosse revestida de eficácia é de extrema importância a regulamentação por meio de um decreto de competência do Poder Executivo, e que se preocupasse com a questão social envolvendo a escravidão, como a demarcação de terras, conferindo aos libertos o necessário para a sua família e condições para a permanência no seu local de origem, trabalho digno, saúde, educação pública e de qualidade, bem como as garantias constitucionais de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, princípios estes que são conferidos a todos os cidadãos na Carta Magna de 1988. Atualmente muitos juristas admitem que lei sem regulamentação ou mesmo que ocorra a regulamentação ela tem que ser eficaz, entretanto e a lei Áurea era desprovida de eficácia, ferindo o principio contido na constituição Federal de 1988, da liberdade e da legalidade de acordo com a afirmação de Reale (1980, p. 54): “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, válida e eficaz”. Ferraz aborda a eficácia da norma jurídica como sendo: A capacidade de produzir efeitos depende de certos requisitos; alguns de natureza fática, outros de naturezatécnico-normativa. A presença de requisitos fáticos tornaa norma efetiva ou socialmente eficaz, ou seja, quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos. [...]. Assim, se uma norma prescreve a obrigatoriedade do uso de determinado aparelho para a proteção do trabalhador, mas esse aparelho não existe no mercado nem há previsão para a sua produção em quantidade adequada, a norma será ineficaz nesse sentido. Se a efetividade ou eficácia social depende de requisitos inexistentes de fato, a ausência deles pode afetar não a validade da norma, mas a produção dos efeitos, conforme conhecida regra de calibração ‘adimpossibilia nemo tenetur: ninguém é obrigado a coisas impossíveis (FERRAZ, 2003, p. 199-200). Dessa forma, é importante que se faça uma análise pretendida pela lei que extinguia a escravidão, e que os direitos almejados para comunidade negra não foram atingidos, nem mesmo tiveram acesso impedindo os efeitos da norma e por fim sua eficácia. HANS KELSEN E A VALIDADE DA LEI ÁUREA Para Kelsen (2003) em sua obra Teoria Pura do Direito, aborda a vigência da norma jurídica, como a validade e a eficácia, a primeira ocorre quando a norma entra no ordenamento jurídico, ou seja, a norma é válida quando retirada de uma norma superior, a segunda está relacionada com a sua legalidade, ou seja, o ser da norma é requisito para a eficácia da norma. Se não houver aplicabilidade da norma ela se torna inválida, isso significa que: “os homens realmente se conduzem de acordo com as normas aplicadas e cumpridas porque houve aceitação” (KELSEN, 2003, p. 285). É de vital importância a análise de Leite, quanto ao entendimento eficácia social da norma, que para ser eficaz tem de ser justa, ou seja, para que tenha um fim social à norma é revestida de eficácia como ideal de justiça: Uma norma para ser eficaz deve ser também justa, fim social da norma, dos ordenamentos e do direito como ideal de justiça. O jurista esclarece que há três modos de se examinar o direito: a partir do seu valor ideal – justiça, do seu valor formal –, validade ou do seu cumprimento prático – eficácia (LEITE São Paulo: 2000). Kelsen (2009) em sua obra Teoria Pura do Direito aborda a questão da eficácia da norma como sendo necessário para que ocorra a vigência da norma a questão da validade, que ocorre quando esta é elaborada no ordenamento jurídico, ou seja, a norma que é hierarquicamente superior. Entra no ordenamento e passa a valer dos comportamentos no qual foi elaborada com o dever-se e o ser da norma para que tenha validade. Assim ele aponta: Do fato de que a validade de um ordenamento jurídico, como um sistema fechado de normas jurídicas, depende de sua eficácia, ou seja, do fato de que a realidade, à qual o ordenamento jurídico se refere, com seu conteúdo, como um todo, não se conclui que esse ordenamento corresponda, de modo geral, à validade de uma norma jurídico única, na mesma relação de dependência de sua eficácia. Já a validade de um ordenamento jurídico como um todo não é afetada pelo fato de faltar eficácia, tão-só, a uma norma jurídica única desse sistema. Essa norma continua valendo, enquanto permanecer na conexão criadora de um ordenamento válido (KELSEN, 2009, p.130). Dessa forma, os homens se organizam de acordo com as normas que são aplicadas e cumpridas, desde que houvesse aceitação. Isso nos impera a analisar a Lei Áurea se estava ausente de eficácia social e de justiça, pois não se preocupou com o âmbito da sociedade totalmente hierarquizada e um escalonamento não só da lei como também na mente das pessoas que viveram naquela época, isto porque, quanto maior a ascensão social, maior a discriminação e o preconceito sobre o negro, que não deixaria de ser considerada uma mercadoria de um momento para outro no curso da História. O NEGRO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo1º III declara que: DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político (BRASIL, 1888). O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado basilar dentre os direitos fundamentais, necessário a todas as pessoas sem distinção, partindo do questionamento de que é a essência do ser humano, sendo irrenunciável, inalienável e intangível. Bulos (2009) em sua análise sobre a Constituição Federal aborda o princípio da dignidade da pessoa humana e a sua relação com um imperativo de justiça social, e abarca três dimensões, a fundamentadora, a orientadora e a crítica. A primeira diz respeito ao núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico-positivo, a segunda profere sobre as metas ou finalidades predeterminadas e a terceira evolui para as relações de condutas, para a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Bulos (2009) aponta ainda os direitos e as garantias constitucionais que são garantidos ao homem e destaca o valor constitucional supremo que está agregado ao homem, e que a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais ao homem estejam expresso na Constituição Federal de 1988, abordando assim o direito à vida, as pessoas tradicionais, aos direitos sociais, econômicos, educacionais e as liberdades publicas como um todo. Sarlet conceitua o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo uma qualidade que está inserida no homem, e que faz do Estado o garantidor do cumprimento dos direitos descritos na Constituição artigo 1º III, assim ele aponta que: Temos por dignidade da pessoa humana aqualidade intrínseca e distintiva de cada Ser humano que o faz merecedor do mesmorespeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem apessoa tanto contra todo e qualquer ato. De cunho degradante e desumano, comovenham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vidasaudável, além de propiciar e promover sua. Participação ativa corresponsável nosdestinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (SARLET, 2001, p.152) As relações sociais estão a todo instante em determinada pessoa e que a violação deste princípio sempre é ocasionada por um terceiro, como preceitua Sarlet: Parece-nos irrefutável que, na esfera das relações sociais, nos encontramos diuturnamente diante de situações nas quais a dignidade de uma determinada pessoa (e até mesmo de grupos de indivíduos) esteja sendo objeto de violação por parte de terceiros, de tal sorte que sempre se põe o problema – teórico e prático – de saber se é possível, com o escopo de proteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade do ofensor, que, pela sua condição humana, é igualmente digno, mas que, ao mesmo tempo naquela circunstância, age de modo indigno e viola a dignidade dos seus semelhantes, ainda que tal comportamento não resulte – como já anunciado alhures – na perda da dignidade (SARLET, 2001, p.152). Partindo destes conceitos e premissas sobre a dignidade da pessoa humana é notório vislumbrar a necessidade para a obtenção de condutas que sejam de vital importância para o ser humano, em relação aos respeitos à vida, visto que o homem sendo considerada como “coisas”, “mercadoria”, “objeto”. No âmbito da atualidade passa a ser visto não como um instrumento de trabalho, mas sim como ser capaz de construir o seu ideal de liberdade, liberdade essa que não poderia ser adquirida pelos escravos no período colonial e perpassa às gerações futuras, isto porque, a inserção do negro na sociedade brasileira é calçada de pilares muitas vezes difíceis de ser ultrapassados, sejam pela cor, pela discriminação no trabalho, pois os mesmos não conseguem adquirir a mesma ascensão social que os brancos, ou mesmo a predominância de que são inferiores e assim deverão permanecer. Com a Constituição de 1998, cabe ao Estado como mecanismo central na ordem econômica e social de todos os cidadãos, o negro em especial, por ser tratado de maneira desigual para conseguir a sua igualdade, por ações que propiciem o direito do negro e seus afro descendentes no seio da sociedade. Ademais é de vital importância a análise da inserção do negro no mercado de trabalho, na educação, no esporte, no lazer. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana é algo que nasce com o próprio homem, é de vital importância, para o ser humano dotado de diretos e deveres, cidadão capaz de lutar pelas suas convicções e ideologias. DISCRIMINAÇÃO RACIAL Com o negro não poderá ser de maneira diversa ao intitulado na Carta Magna, entretanto a realidade é perturbadora e cruel, visto que, por ser considerado diferente em sua cor escura, e principalmente por sua longa trajetória desde o período de colonização do Brasil até os dias atuais, perdura no contexto sócio cultural a referencia do negro quanto ser incapaz de ocupar locais, vagas e prestígio em decorrência de ser discriminado na sociedade brasileira. Entretanto, é visível a discriminação do negro por sua cor escura, em vários cenários da vida cotidiana, que pode ser direta ou indiretamente a pessoa, no âmbito pessoal ou profissional. O Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/10), aponta o conceito de discriminação como sendo: Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. Art. 3o Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira (BRASIL, 2010). Há em dois tipos de discriminação racial, a discriminação racial direta e a discriminação racial indireta. A discriminação racial direta é simples de ser identificada pois resulta do comportamento humano, o qual transparece através de atitudes de cunho negativo, como ofensas, xingamentos, segregação ou até mesmo violência física. Esses comportamentos são lançados em face da cor, atingindo diretamente a pessoa ofendida em seu âmago. Existem casos de discriminação com o negro quando o mesmo sai à procura de um emprego e se depara com situações exorbitantes, pois ao ver o homem como um negro e o discrimina somente pela sua cor, mesmo tendo uma ótima formação acadêmica, o mesmo é discriminado diretamente quando no momento da entrevista observa-se que o não consegue a vaga de emprego oferecida na empresa e que a mesma acaba sendo ocupada por um de cor branca e sem a qualificação profissional desejada. Nesse contexto a marginalização se proliferou com uma intensidade nos “guetos” das cidades, a partir do momento em que foi dada a sua liberdade, mas que liberdade essa que não foi efetivada por uma lei que não se preocupou com a vida desses seres humanos que continuam a serem marginalizados pela sociedade, sociedade essa que se camufla em ações de inserção do negro no mercado de trabalho, não conseguindo a sua identificação cada vez insuficiente para prosseguir no seu contexto de discriminação e violência. CONSIDERAÇOES FINAIS Importante salientar nesse estudo linear do arcabouço histórico, a construção de uma visão criteriosa sobre a formação da nação brasileira a partir do trabalho escravo feito no território brasileiro, destacando a predominância do povo negro em momentos importantes da nossa história, verificando o quanto eles foram e continuam sendo o elo fraco da relação jurídica entre o branco e o negro. É notório vislumbrar ainda a necessidade de se verificar a falta de regulamentação da lei Áurea, colocando em extensa gama de concorrentes para a marginalização e a discriminação que envolve essas pessoas, principalmente as consequências que geraram e continuam gerando a todos os que dela participaram, bem como, os seus afros descendentes com uma linguagem acessível a todos que assim praticam ou exercem a liderança em busca de um ideal comum a liberdade de fato e não somente de direito. Nesse estudo houve a preocupação em relação a dignidade da pessoa humana que abrange o princípio basilar da Constituição Federal que não pode ser passado despercebido, haja vista, o quanto almejam dignidade, que sejam respeitados apesar da discriminação que ainda persiste, ressurge e prolifera nos tribunais do país. A Lei Áurea assegurou a liberdade dos negros no período colonial, mas não foi possível por falta de regulamentação, as garantias de direitos fundamentais as pessoas sem qualquer discriminação, como à moradia, à terra, à saúde e que fossem permitido exercerem a cidadania como requisito básico para a constituição de uma sociedade que ampare os seus descendentes, que cada vez mais crie políticas públicas de inserção do negro no mercado de trabalho, nas universidades com o sistema de cotas, e que principalmente, seja visto como um ser capaz de produzir e contribuir para a riqueza do país. REFERENCIAS BOBBIO, N. Teoria da norma jurídica: Tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 2° ed, São Paulo: Bauru, editora Edipro, 2003. BOBBIO, N. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniela B. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000. BRAICK, R. P., MOTA, M. B. História: das cavernas ao terceiro milênio. 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