A evolução na Farmacoterapia - Biblioteca
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A evolução na Farmacoterapia - Biblioteca
Revista trimestral de ciência e investigação em saúde Nº11 - Ano 2008 - 4€ | Julho/Agosto/Setembro Tratamento Médico da Epilepsia A evolução na Farmacoterapia Neuromodulação cerebral Abordagem autónoma do enfermeiro na dor 2 Editorial «Quem tem coragem, é; Quem sabe, actua; Quem acredita, inova». Agostinho da Silva Foi com coragem que o ISAVE e a Ser Saúde ganharam esta forma, cresceram em vida, experiência e humanidade. Foi actuando diariamente, com paixão, em respeito pelos valores e pela ética que transformamos a educação em desenvolvimento e o trabalho em liberdade. Foi a acreditar que inovamos. No ensino, na ciência, nas pessoas, na Ser Saúde. Inovamos nos meios com a construção de um dos mais modernos institutos portugueses na área da saúde, inserido em meio rural, equipado com as últimas tecnologias. Inovamos no futuro ao proporcionarmos aos nossos alunos o ensino de valores e da excelência. Acreditamos e inovamos em múltiplos momentos, em todos, e será sempre esta a nossa forma de actuar, de ser, de estar… continuamos a sonhar, a acreditar nas pessoas, em Portugal e no mundo. A saber e a actuar. Sabemos que o nosso caminho, criado em bases sólidas e que se estendem pelo mundo, tem amanhã e perdura pela qualidade dos valores humanos que estruturam toda a nossa razão de ser e estar. Acreditamos que o saber não tem fronteiras e é na junção de saberes que a ciência se descobre nessa humildade de uma sabedoria de incerteza constante. Entregamos o prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde. Queremos deste modo contribuir para o desenvolvimento do conhecimento de Portugal e do mundo. Neste caminho, sempre connosco, um Homem: Monsenhor Cónego Doutor Eduardo de Melo Peixoto. “Quando a perda se reporta aos afectos, resta-nos a memória de um Homem único, maravilhoso… Obrigado Monsenhor. Adeus Amigo, até à Eternidade…”. José Manuel dos Santos Henriques Presidente do ISAVE 1 16 Ramiro Délio Borges de Meneses Juramento de Hipócrates Entre o sentido e o valor O ethos médico foi, desde longa data, expresso em juramentos e códigos, que ao mesmo tempo orientavam e protegiam o médico, proporcionavam confiança ao doente e à sociedade. Entre eles, merece especial relevo o célebre Juramento de Hipócrates, verdadeiro programa de inúmeras gerações de médicos e que, ainda hoje, é usado em algumas universidades, adaptado sob o nome de Declaração de Genebra. 2 32 Paulo Linhares Neuromodulação cerebral A neuromodulação cerebral é uma área em desenvolvimento crescente havendo cada vez mais indicações para a sua utilização. Perfeitamente estabelecida nalgumas patologias, permanece ainda em fase experimental em muitas das novas indicações. O melhor conhecimento da fisiopatologia das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas têm-na tornado numa cirurgia segura e eficaz, sendo uma ferramenta fundamental na neurocirurgia moderna. Poster Carla Susana Oliveira, Eduarda Bastos, Flávia Silva Onde está o exemplo? Reunião de Formação de Pediatria: Nutrição 42 Entrevista a Mário Simões Para o cérebro, pensar e imaginar é o mesmo que fazer Somos capazes, hoje, utilizando somente estados hipnoidais, de fazer realmente projectos de cura, por exemplo, na dor crónica, fobias, problemas de relações interpessoais, diminuir alguns sintomas de doenças graves, que não curamos, como cancros, neoplasias, mas melhoramos a qualidade de vida, aumentamos a sobrevida, porque vamos estimular no imaginário, através de visualização, defesas do indivíduo, tipo imunológico, através do ponto de vista imaginário. 56 Gilberto Alves, Nulita Lourenço, Amílcar Falcão Tratamento Médico da Epilepsia (Parte I) A evolução na Farmacoterapia A epilepsia não é uma condição patológica única, mas antes uma família de diversas perturbações do cérebro, de etiologias variadas, que têm em comum uma predisposição aumentada para interrupções recorrentes e imprevisíveis da função cerebral normal, designadas crises epilépticas. 68 Ana Azevedo, Isabel Maia, João Pedro, Jorge Ribeiro, Marta Barbosa Abordagem autónoma do enfermeiro na dor A singularidade e individualidade de cada pessoa confere ao fenómeno dor um carácter subjectivo e único que depende da percepção individual, da percepção do utente, influenciada por vários factores mas, também, da percepção do enfermeiro, sendo, mais uma vez, fundamental salientar a importância da sensibilização para este fenómeno e do desenvolvimento de uma relação terapêutica que irá consolidar a comunicação e a confiança entre enfermeiro/utente, pilar preponderante para o estabelecimento do plano terapêutico. 86 Felipe José Aidar, André Carneiro, António Silva, Victor Reis, Nuno Garrido, Rui Vieira Paralisia Cerebral e actividades aquáticas: aspectos ligados à saúde e função social A Paralisia Cerebral, segundo a World Health Organization, é denominada também como encefalopatia crónica não progressiva da infância. Os distúrbios caracterizam-se pela falta de controlo sobre os movimentos, isto devido a modificações adaptativas musculares, comprimento muscular e até com deformações ósseas. O quadro tende a comprometer o processo de aquisição de habilidades, com possibilidade de prejudicar actividades quotidianas realizadas por crianças durante o seu desenvolvimento. 96 Carla Cristina Alves da Silva, Sandra Maria Alves Branco Miguel Exercícios físicos no pós‑parto O período de puerpério, também conhecido como período pós-parto, dura cerca de seis semanas. Em nenhuma outra fase da vida da mulher as modificações físicas são tão grandes e acontecem em tão curto espaço de tempo. 106 Carlos Manuel de Sousa Albuquerque, Ana Paula Soares de Matos Área de formação e dimensões psicológicas: Um estudo com jovens estudantes universitários Reportando-nos aos resultados obtidos na nossa investigação, numa tentativa de elaborar o perfil dos estudantes com formação académica superior na área da saúde (comparativamente com os que não a têm) podemos dizer que, duma forma geral, se caracterizam por serem jovens para quem a vida faz sentido a nível cognitivo e emocional, que aceitam e dão sentido às experiências negativas tentando ultrapassálas, que acham que vale a pena investir nos problemas e exigências do dia a dia (que são desafios bem vindos e não ameaças a ser evitadas) e que acreditam que os resultados relacionados com a saúde não são contingentes à acção de outras pessoas mas que dependem sobretudo deles próprios, revelando-se mais autónomos e mais independentes de terceiros (familiares, amigos, etc.) na manutenção da sua saúde. 3 Actualidade 4 ISAVE desenvolve protector bucal Para além do desenvolvimento de trabalhos em prótese removível e fixa, o Laboratório de Prótese Dentária do ISAVE trabalha na criação de dispositivos desportivos para modalidades de forte contacto físico, os protectores bucais. Marisa Oliveira Licenciada em Prótese Dentária, pós-graduação em Ciências da Educação,Coordenadora do Curso de Prótese Dentária do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave O protector bucal é um dispositivo utilizado em algumas modalidades desportivas e que, pela sua importância, deveria ser mais valorizado e consequentemente mais utilizado. Quando se fala em protectores bucais, normalmente associamos sempre a sua utilização ao Boxe, Kick-boxing e Rugby, mas para além destas actividades desportivas existem outras modalidades em que os atletas estão sujeitos a grandes impactos físicos, como é o caso do hóquei em patins e do andebol. A realidade de uso destes dispositivos noutros países é muito diferente em relação à utilização em Portugal, que é muito baixa ou quase inexistente. No Reino Unido, todo o desporto universitário em que o contacto físico entre atletas esteja presente, o uso deste equipamento é obrigatório. Em Portugal, a falta de informação e motivação sobre a prática de utilização de protectores bucais, faz com que o uso desses dispositivos não esteja tão patente nas nossas modalidades, dado que os atletas não estão sensibilizados para os perigos que podem ocorrer e desconhecem os riscos que alguns desportos oferecem. A saúde deve começar pela prevenção e não pelo tratamento e, em Portugal, não existe esta cultura. É necessário divulgar e o desporto é uma boa maneira de promover a saúde, não só para os participantes como para os seus simpatizantes. Um estudo feito nos Estados Unidos demonstra resultados impressionantes. Mais de 5 milhões de dentes são perdidos todos os anos em actividades desportivas naquele país. São mais de 13 700 dentes por dia. A American Dental Association estima ainda que mais de 200 000 traumas orais são prevenidos anualmente devido ao uso de protectores bucais. Para além de protegerem os dentes, os protectores bucais redistribuem as forças de impacto evitando fracturas do ângulo ou côndilo da mandíbula, hemorragias cerebrais, desmaios e lesões do pescoço, sendo que o grande papel destes protectores é evitar que o maxilar inferior choque com violência contra o maxilar superior. As características referidas anteriormente são as mais importantes, mas é importante salientar o factor psicológico do atleta quando o está a utilizar, o que faz com que se sinta mais seguro e com confiança reforçada para o confronto e impacto do choque durante o tempo de competição. 5 Actualidade 6 Evidentemente, este objecto não apresenta apenas vantagens, tem algumas limitações. A dificuldade de comunicação com os companheiros de equipa e um desconforto sentido pelo atleta numa região um pouco sensível são as principais limitações destes dispositivos, mas que são facilmente ultrapassadas. Desta forma, treinadores, médicos e fisioterapeutas de uma equipa devem incentivar o uso deste equipamento. Quando um atleta usa um protector bucal tem de ter alguns cuidados. Deve ser lavado em água corrente, fria, pois o calor danifica o material, deve ser guardado em caixas perfuradas, e antes de uma nova utilização, deve ser novamente passado por água corrente fria. Quando o atleta usa este tipo de protector, sendo criança ou adolescente, deve ser controlado periodicamente a sua adaptação na boca, devido ao seu crescimento e erupção dentária. Tipos de Protector Bucal O protector bucal tem diversas formas de comercialização, sendo uns encontrados em lojas de desporto e outros confeccionados em laboratório de Prótese Dentária. Estima-se que cerca de 90% dos protectores bucais utilizados são adquiridos nas lojas de desporto, sendo apenas 10% diagnosticados, encomendados e confeccionados por um profissional de saúde nos referidos laboratórios. Esta discrepância de valores deve-se à falta de divulgação nos departamentos médicos dos clubes e aos próprios atletas. Podemos encontrar, três tipos de protectores bucais disponíveis no mercado: standard ou pré-fabricado, termoplásticos e individuais. Para além de protegerem os dentes, os protectores bucais redistribuem as forças de impacto evitando fracturas do ângulo ou côndilo da mandíbula, hemorragias cerebrais, desmaios e lesões do pescoço. Protector Bucal Standard ou Pré‑fabricado Este tipo de protector poderá ser encontrado em lojas de desporto, e disponível em três tamanhos: pequeno, médio e grande. De todos os tipos de protectores é o que tem menor retenção e é fixado na boca sob pressão oclusal. É desconfortável, exerce fraca protecção, interfere na respiração e na fala do atleta, são extremamente volumosos e têm uma retenção mínima, fazendo com que este protector bucal seja o menos aceitável e o menos protector. A principal vantagem é o seu preço acessível e está pronto a ser usado após a compra, pois não necessita de preparação adicional. Protector Bucal Termoplástico O protector bucal termoplástico é moldado e ajustável pelo utilizador. É de qualidade superior ao protector standard ou pré-fabricado, pois tem maior retenção e o seu valor comercial é de igual modo reduzido. Sendo constituído por um material termoplástico, deve ser previamente aquecido e depois moldado na boca do atleta. À primeira vista pode ser interpretada como sendo uma vantagem, mas muitas vezes torna-se incómodo, pois o atleta pode sofrer queimaduras na mucosa durante a adaptação do material. Outra grande desvantagem é o facto de poder ser feita uma má moldagem à boca o que implicará futuros problemas oclusais e a maior parte deste tipo de protectores não cobre por completo a arcada do indivíduo, mais precisamente a zona posterior. Este tipo de protector bucal é o mais procurado no mercado e encontra-se disponível por tamanhos base. Uma característica que se mantém, comparando com o protector anteriormente referido, é o facto de serem alteradas as propriedades do material por modificações feitas pelos seus utilizadores. São estes tipos de protectores que proporcionam um sentido falso de protecção, devido à diminuição significativa da espessura oclusal do equipamento, quando moldado à boca do atleta. 7 Actualidade 8 Protector Bucal Individual Dentro dos protectores bucais individuais há dois modelos de protectores confeccionados, os protectores bucais individuais realizados em sistema de vácuo e individuais realizados em sistema de vácuo sob baixa pressão. O protector bucal individual é confeccionado em silicone e pode ser feito com várias espessuras, quanto maior esta espessura maior será a protecção. Este tipo de dispositivo já pode ser adaptado a pacientes sujeitos a tratamento ortodôntico e com dentes em erupção. É considerado o mais elaborado e de melhor qualidade disponível no mercado, pois recobre todas as superfícies oclusais, previne lesões na ATM e a fractura mandibular. Este dispositivo é confeccionado num modelo de gesso, réplica da boca do atleta, a confecção é feita por adaptação de uma ou mais placas de silicone ao modelo numa máquina de vácuo. Tem a vantagem de poder ser modificado por adição de placas até que tenha uma espessura desejada para o atleta e a modalidade em questão. Máxima protecção Protector para desportos de alto impacto e/ou que envolvam a utilização de stiks. Constituído por 3 camadas: 1ª - 2 mm flexível, 2ª - 0,8 mm rígida, 3ª - 4 mm flexível. Exemplo: Rugby, kickboxing, boxe, hóquei, squash, etc. Excelente protecção/máximo conforto. Protector para desportos de alto impacto e/ou que envolvam a utilização de stiks. Constituído por 3 camadas: 1ª - 2 mm flexível, 2ª - 0,8 mm rígida, 3ª - 2 mm flexível. Exemplo: Rugby, kickboxing, hóquei, karaté, basquetebol, andebol, etc. O protector bucal individual é confeccionado em silicone e pode ser feito com várias espessuras… pode ser adaptado a pacientes sujeitos a tratamento ortodôntico e com dentes em erupção. É considerado o mais elaborado e de melhor qualidade disponível no mercado, pois recobre todas as superfícies oclusais, previne lesões na ATM e a fractura mandibular. Medium – média protecção Protector para a generalidade dos desportos onde haja risco de impacto com superfícies largas (braços, cabeças, etc.). Constituído por 2 camadas: 1ª - 2 mm Flexível, 2ª - 4 mm flexível. Exemplo: Basquetebol, andebol, luta livre, judo, etc. Light – leve protecção Protector para crianças com idade inferior a 10 anos e/ou desportos onde haja risco de impactos dos dentes inferiores com os superiores. Constituído por 2 camadas: 1ª - 2 mm flexível, 2ª - 2 mm flexível. Exemplo: Motocross, btt, etc. A criar, a inovar, o Laboratório de Prótese Dentária do ISAVE assume-se como pioneiro na criação de protectores bucais desenvolvidos conforme as necessidades de cada atleta. Feitos à medida, o Laboratório sabe que protege e cria um elemento fundamental para a protecção e saúde de atletas. O Laboratório de Prótese Dentária do ISAVE é único em Portugal no desenvolvimento de protectores bucais à medida de cada atleta. 9 15 Revista Trimestral de ciência e investigação em saúde 4 15 www.colegio7fontes.pt Futuro Modernidade Qualidade Rigor Tradição Colégio 7 Fontes Do Berço à Universidade, a Educar o seu Filho. Línguas Desporto Civilidade Ciências Artes Colégio 7 Fontes Academias: Colégio 7 Fontes Quinta do Cedro - Sete Fontes S. Victor 4710-348 Braga Telefone - 253.263.096/097 Fax - 253.263.098 [email protected] www.colegio7fontes.pt Conselho Científico Ser Saúde 12 Adelino Correia Carlos Albuquerque Fernando Schmitt Adília Rebelo Carlos Pedro Castro Fernando Ventura Adrian Llerena Carlos Pereira Alves Freire Soares A. Fernandes da Fonseca Carlos Valério Guilherme Macedo Alberto Salgado Carmen de la Cuesta Gustavo Afonso Albina Silva Catarina Tavares Gustavo Valdigem Alexandre Antunes Célia Cruz Helena Alves Alexandre Castro Caldas Célia Franco Helena Martins Alexandre Quintanilha Constança Paúl Henrique de Almeida Almerinda Pereira Daniel Montanelli Henrique Lecour Alves de Matos Daniel Pereira da Silva Isabela Vieira Amílcar Falcão Daniel Serrão João Costa Ana Preto Delminda Lopes de Magalhães João Luís Silva Carvalho António Miranda Dinora Fantasia João Pedro Marcelino António Paiva Duarte Pignatelli João Queiroz António Rosete Eduarda Abreu João Ramalho Santos Armando Almeida Elsa Pinto Joaquim Faias Arminda Mendes Costa Eurico Monteiro Jónatas Pego Artur Manuel Ferreira Fátima Francisco Faria Jorge Correia Pinto Berta Nunes Fátima Martel Jorge Delgado Carla Matos Fernando Azevedo Jorge Ferreira Carlos Alberto Bastos Ribeiro Fernando Duarte Jorge Marques Jorge Soares Manuel Mendes Silva Raquel Andrade Jorge Sousa Pinto Manuel Teixeira Veríssimo Regina Gonçalves José Amarante Manuela Vieira da Silva Rosa Martins José Carlos Lemos Machado Marco Oliveira Rui L. Reis José Eduardo Cavaco Margarida Soveral Gonçalves Rui de Melo Pato José Eduardo Lima Pinto da Costa Mari Mesquita Rui Nunes José Luís Dória Maria Júlia Silva Lopes Sandra Cardoso José Manuel Araújo Maria Manuela Rojão Sandra Clara Soares José Matos Cruz Maria Margarida Dias Sérgia Rocha José M. Schiappa Marina Pereira Pires Sérgio Branco José Rueff Mário Rui Araújo Sérgio Gonçalves Laura Simão Mário Simões Sérgio Nabais Liliana Osório Marta Marques Sónia Magalhães Lisete Madeira Marta Pinto Susana Magadán Lucília Norton Miguel Álvares Pereira Tiago Barros Luís Basto Paulo Daniel Mendes Tiago Osório de Barros Luís Cunha Pedro Azevedo Wilson Abreu Luís Martins Pedro Vendeira Veloso Gomes Luiza Kent-Smith Piedade Barros Victor Machado Reis Madalena Nunes Querubim Ferreira Virgílio Alves Manuel Antunes Ramiro Délio Borges de Menezes Manuel Domingos Ramiro Veríssimo 13 AG EN DA Julho - Agosto - Setembro Julho 14 The 25th International Literature and Psychology Conference 02 de Julho Lisboa Genetic manipulations in the fruit fly fight club: love and war in a single gene and other stories 04 de Julho Lisboa 18º Congresso Internacional de Szondi 10 de Julho Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa Na Fronteira da Ciência – Na fronteira do universo – Em busca do fim da idade das trevas 16 de Julho Fundação Calouste Gulbenkian Aeromonas and Plesiomonas 10 de Setembro UTAD e Hotel Miracorgo AGOSTO Caminhos de futuro novos mapas para as ciências sociais e humanas 19 de Agosto Coimbra SETEMBRO 6th Intenational Congress on Autoimmunity 03 de Setembro Centro de Congressos e Exposições Alfândega, Porto 7th International Conference On Disability, Virtual Reality And Associated Technologies 08 de Setembro Fórum Maia Transportes Transmembranares 10 de Setembro FMUP 5.ª Conferência de Actualização em Farmacoterapia 12 de Setembro Auditório do Hospital Fernando da Fonseca, Amadora/Sintra 6.ª Conferência de Actualização em Farmacoterapia 19 de Setembro Auditório do Hospital Fernando da Fonseca, Amadora/Sintra Centros de competência e redes de referência para as doenças raras na UE: estaremos nós à altura das expectativas? 25 de Setembro Auditório do INSA, Lisboa 9th International Symposium on Director Eugénio Pinto [email protected] [email protected] Editores Isabela Vieira Rui Castelar Joana Sousa Dias Director de arte e grafismo Ângelo Mendes [email protected] Fotografia entrevista Jorge Gomes Publicidade Celmira Dias Propriedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave, SA Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso NIF – 504 983 300 Impressão Orgal, impressores Rua do Godim, 272 4300-236 Porto Tiragem 5 mil exemplares / trimestral Nº de Registo na ERC 124994 ISSN 1646-5229 Depósito Legal 246971/06 Feridas Crónicas 26 de Setembro Setúbal Contactos Ser Saúde Campus Académico do ISAVE Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253 639 800 Fax – 253 639 801 www.isave.pt [email protected] [email protected] _____________________________________ Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução parcial ou total, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita. 15 Ramiro Délio Borges de Meneses Professor do Instituto Politécnico de Saúde do Norte, Gandra; Investigador do Instituto de Bioética, Universidade Católica Portuguesa, Porto Juramento de Hipócrates Entre o sentido e o valor 17 Desde Hipócrates que os médicos vêm fazendo o juramento, que é o acto mais solene e importante da sua actividade clínica. Será apresentado como Código Deontológico, que inclui valores da ética e do humanismo. A prática sanitária planeia exemplos reais como a relação profissional/doente, a confidencialidade e o segredo profissional, o consentimento informado, a aceitação de participar em ensaios clínicos, a justa distribuição de recursos e o esforço para evitar a massificação na assistência. As deficiências éticas, nestas situações, são tão habituais que no final são credíveis como normais, porque dos costumes se fazem as leis. A palavra ética significa, na sua origem, costume, e chegou a designar a ciência que trata dos ideais das correlações humanas, sendo uma reflexão categoricamente normativa sobre o agir humano. Com o tempo, mudam os costumes, muito embora seja a essência da ética a mesma, a sua relação com a conduta dos indivíduos, na sociedade actual, é distinta, porque os valores sociais se modificam. Tais mudanças históricas denominam-se dinâmica dos valores sociais ou ética dinâmica. Esta transforma o nível intelectual, ao mesmo tempo que diminui a flexibilidade. As causas são múltiplas, mas entre elas está a nova mentalidade da cidadania, que mudou esta auréola em normas morais. López-Aranguren refere-se à moral como ética vivida e à ética uma moral pensada. A conduta do médico deverá pautar-se por um conjunto de valores, que norteiam a relação médico/doente, com nova leitura axiológica e sentido estético, que classificam a nossa conduta normativa do agir humano. O Juramento de Hipócrates contém uma afirmação e uma negação testemunhada. É a afirmação do compromisso de assumir determinadas condutas morais e a negação de realizar acções punitivas. A reprovação estará na consciência e na perda da auto-estima e consideração pelos demais. No juramento evidencia-se a dignidade profissional, o respeito ao mestre, a veneração pela pessoa total, particularmente a sua saúde e a sua vida e o segredo médico. O Juramento Hipocrático é um código deontológico, pelo qual o médico faz promessa clínica, que embora rotineiro não deixa de ser algo mais importante do seu serviço como acto, cuja simbologia só é verdadeiramente compreendida pelos mais humanistas. 1. Hipócrates (460 a.C. – 360 a.C.) foi um médico grego, neto e filho de médicos, que eliminou as explicações sobrenaturais da origem das doenças e desenvolveu um sistema racional baseado na observação. Atribui-selhe o Iusiurandum Hippocraticum, que era um código profissional de ética, que praticavam os iniciados na confraria de Asclépio. O Juramento contém uma afirmação ética testemunhada. Refere o compromisso de assumir determinadas condutas morais e a negação de realizar acções maléficas, filosoficamente a reprovação estava na consciência pela perda de auto-estima. No juramento, evidencia-se a dignidade profissional, o respeito pelo médico e pelo doente, em especial pela saúde e pela sua vida, bem como o “segredo médico”. 2. Juro pelo Apolo Médico (Deus do Sol, da razão e da Medicina), Asclépio, Higea, Panaceia e por todos os deuses e deusas, tomando-os por testemunhas, que cumprirei este juramento e ofereço a cumprir com todas as minhas forças e entendimento. Tributarei ao meu mestre de Medicina o mesmo respeito que aos meus pais, partilhando a minha vida com ele e socorrendo-os se necessário seja. Tratarei os seus filhos como meus irmãos, se quiserem aprender a ciência, ensiná-los-ei, quando estiver falto de meios, eu lhes porei à disposição, estimarei a sua família como se meus irmãos fossem; e lhes ensinarei a arte, se carecerem de apreendê-la sem salário e nem contrato; proporcionarei ensinamentos escritos, orais e de toda a outra espécie, aos meus filhos e aos do meu mestre e aos alunos inscritos, que prestam juramento segundo a lei médica e a mais ninguém. Instruirei com preceitos, lições orais e demais modos de ensino os meus filhos, os do meu mestre e os discípulos, que se me unam sob o convénio e juramento, que determina a lei médica e a mais ninguém. Usarei tratamentos para ajudar os que sofrem, segundo as minhas forças e o meu entender, evitando toda a injúria e toda a injustiça. Não darei veneno mortal algum a quem mo pedir, nem fornecerei tal conselho, abstendome igualmente de aplicar às mulheres pessários abortivos. Passarei a minha vida e exercerei a minha profissão com inocência e pureza. Não matarei e operarei os calculosos, deixando tal operação aos que se dedicam a praticá-la. Em qualquer casa que entre, vindo para auxiliar os doentes, livrando-me de cometer voluntariamente faltas injuriosas ou acções corruptas e evitando, sobretudo, abusar dos corpos de mulheres ou jovens, livres ou escravos. 19 Aquilo que eu vir e ouvir no exercício da minha profissão, ou mesmo fora dela, na vida corrente, que não convier divulgar, calá-lo-ei, entendendo que se não deve dizer, considerando o segredo como um dever sagrado. 20 Se eu cumprir, com rigor, este juramento e não o violar, seja-me concedido que ganhe, para sempre, fama, pela minha vida e pela minha arte, entre os homens. Se quebrar, sou perjuro, e caia sobre mim a sorte contrária1. 3. O ethos médico foi, desde longa data, expresso em juramentos e códigos, que ao mesmo tempo orientavam e protegiam o médico, proporcionavam confiança ao doente e à sociedade. Entre eles, merece especial relevo o célebre Juramento de Hipócrates, verdadeiro programa de inúmeras gerações de médicos e que, ainda hoje, é usado em algumas universidades, adaptado sob o nome de Declaração de Genebra (1948). O Juramento de Hipócrates reflecte os princípios universais da ética profissional médica. Foi apresentado como a primeira síntese deontológica para a classe dos médicos. Esta síntese de ética profissional não se sabe se terá sido influenciada pelo pensamento moral de Aristóteles, particularmente, porque o filósofo cita, numa obra, o fundador da Escola de Cós. A Declaração de Genebra foi aprovada pela Assembleia-Geral da Associação Médica Mundial (1948) e referenciada em Sidney (1968), podendo enunciar-se da forma seguinte: Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da humanidade, outorgar aos meus mestre o respeito e a beatitude que merecem; exercer a minha profissão dignamente e com consciência; velar solicitamente, antes de tudo, pela saúde do meu doente; guardar e respeitar o segredo profissional; manter incólume, por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica; considerar como irmãos os meus colegas; não fazer caso de credos políticos e religiosos, nacionalidades, raças, posição social e económica, evitando que se entreponham entre os meus serviços profissionais e o meu doente; manter o máximo respeito pela vida humana, desde o mesmo momento da concepção e não utilizar – incluso por ameaça – os meus conhecimentos médicos para infringir as leis da humanidade. Solene e espontaneamente, sob a minha palavra de honra, prometo cumprir tudo aquilo que foi dito anteriormente. Tratou-se, assim, de uma generalização do Iusiurandum Hippocraticum. 4. Este pequeno, mas profundo documento hipocrático, é um hino à vida, tal como referiu João Paulo II, “sicut iam, illud semperque validum confirmavit Hippocratis Iusiurandum, secundum quod cuique medico est ad laborandum pro absoluta vitae humanae reverentia eiusque sacra índole.”2, e que contribuiu para fazer da Medicina uma das mais nobres profissões, porque se apresenta, hoje e sempre, como a arte e a ciência do curar. Outros ditames morais terão influenciado este texto, nomeadamente os provenientes de Pitágoras (Samos, 570-489 a.C.) e de Aristóteles (Estagira, 384-322 a.C.), que os discípulos ou anteriores a Hipócrates utilizaram na redacção do Juramento. Segundo Ackernecht, Hipócrates foi o símbolo do primeiro período criativo da Medicina Grega, rompendo com a Medicina Sacerdotal, dos Asclepíades, seguindo-se, após a sua morte, a Medicina Diagnóstica. O Juramento de Hipócrates contém uma afirmação e uma negação testemunhada. É a afirmação do compromisso de assumir determinadas condutas morais e a negação de realizar acções punitivas. A reprovação estará na consciência e na perda da auto-estima e consideração pelos demais. 21 5. Alguns dos princípios éticos fundamentais, que constituem a principiologia contemporânea, encontram-se a fundamentar códigos médicos, no domínio ético, como é o caso do Iusiurandum. 22 O princípio da beneficência vem referenciado na conclusão ou cláusula final. O bonum est faciendum, que encontramos na Ética a Nicómaco, será o princípio ético primeiro das actuações médicas. Tal como se vincula moralmente, neste Iusiurandum, o princípio da beneficência obriga o profissional de saúde a usar a máxima ao atender o doente e fazer tudo quanto possa para melhorar a saúde. Trata-se, desde Hipócrates, em sentido etimológico, de um princípio básico, que se aplica não só ao doente, como também a outros, que poderão beneficiar do progresso clínico. Este tem como obrigação a “confidencialidade”. A designação hipocrática, que vem no Corpus Hippocraticum é: primum non nocere, na versão latina de Anuntius Frösius, de Frankfurt-am-Main, em 1624, que hoje em dia se qualifica como não-malificência, segundo Beauchamp e Childress. Estes consideram este princípio distinto do da “beneficência”, já que o dever de não causar dano é mais obrigatório do que a exigência de promover o bem. Para Hipócrates, o primum non nocere vem integrado no anterior princípio, tal como se refere nos Aforismos, seguindo o sentido da aretologia nicomaqueia: bonum est faciendum malumque vitandum (… e nunca para o seu mal, ao aplicar medicamentos), daqui teremos como obrigação a “fidelidade”3. O princípio da autonomia, não se encontra expresso no hipoeratismo ético, já que ele surgiu com I. Kant e passou, nos nossos dias, para a principiologia clínica. O paternalismo, na sociedade grega do tempo de Hipócrates, era um modo natural de tratar os doentes. Este paternalismo surge, sobretudo, nos escritos tardios do Corpus Hippocraticum. Segundo o pensamento hipocrático, o médico deve querer o maior bem para o doente, mas sem contar com a sua vontade, dado que ao doente falta, em princípio, a autonomia moral. Assim, surgem, na obra hipocrática – Decência – e, em muitas outras, os variados sentidos. A atitude do médico hipocrático é paternalista, no sentido em que considera os doentes como incapazes mentais, sendo pessoas que não podem nem devem decidir sobre a sua própria doença. Tal como se caracteriza no livro – Epidemia –, o paternalismo assume-se como algo de materno. K. Deichgraeber definiu o médico hipocrático com o título de medicus gratiosus, em virtude do termo grego, na obra referida. Segundo o pensamento kantiano, o princípio da autonomia baseia-se na convicção de que o ser humano deve ser livre do controlo exterior e ser respeitado nas suas decisões vitais. Trata-se de um princípio ético, enraizado na cultura ocidental, que tarda em ter repercussão na actividade clínica4. 6. O conceito de justiça, analisado por Aristóteles, no quinto livro da “Ética a Nicómaco”, definida como “equidade”, foi sistematizada, no século III, por Ulpiano, institia est constans at perpetua voluntas ius suum cuique tribuere, atravessa, como fundamento, todo o Iusiurandum Hippocraticum, tendo como obrigação a privacidade, da qual se fala, aquando do siggilum. Para Hipócrates, a justiça será um modo de ser da physis (natura per se), sendo esta um bem através da operação do médico, quer pela theoretica quer pela practica do Jusiurandum. A justiça é um conceito natural e ético, dado que a saúde é um estado vital justo. A justiça apresenta-se como elemento que define a condição da physis do homem. O médico sabe conduzir de novo ao que no corpo é natureza e justiça. Para o médico hipocrático, a doença é, de algum modo, uma injustiça. A justiça, no Juramento, abarca a distributiva, a cumulativa e a legal, tal como se verifica na aretologia teleológica. Para um grego, o bem moral não é possível sem a saúde. Olhando para o ajustamento das qualidades físicas, a equidade adequada determina a justiça moral. Pelo sentido hipocrático, a justiça consiste, segundo o pensamento socrático, no ajustamento da ordem da natureza, seja física, seja moral. O médico deve abster-se de causar um dano ou uma injustiça. O conceito de justiça surge em muitas obras do Corpus Hippocraticum. No Juramento hipocrático, a justiça insere-se na terceira parte, denominada habitus, porque, no serviço clínico, está sempre presente a virtude. Sem esta, nem a phrônesis funciona, surgindo um mau exercício da Medicina5. O ethos médico foi, desde longa data, expresso em juramentos e códigos, que ao mesmo tempo orientavam e protegiam o médico, proporcionavam confiança ao doente e à sociedade. Entre eles, merece especial relevo o célebre Juramento de Hipócrates, verdadeiro programa de inúmeras gerações de médicos e que, ainda hoje, é usado em algumas universidades, adaptado sob o nome de Declaração de Genebra. 23 24 7. O Juramento de Hipócrates enumera alguns procedimentos clínicos, que carecem de reflexão ética, correspondendo àquilo a que chamamos Bioética, nos dias de hoje (Van Potter) e estando integrados na vida hospitalar, e são eles: • Farmacovigilância e Farmacodinamia, em ordem à cura da doença, não provocando outras, desde um remédio mortal (veneno), segundo a toxicologia, aos fármacos; • O planeamento familiar, segundo a prática de substâncias não abortivas, para não permitir a morte fetal, seguindo-se métodos, que se conheciam desde a civilização egípcia (os métodos mecânicos e os químicos sugerem a condenação do aborto); • Há uma referência à eutanásia activa e indirectamente à forma passiva (conselho que leve o doente à morte): “não darei qualquer droga fatal a uma pessoa”. Desta forma, a escola hipocrática já se posicionou contra o que hoje denominamos como eutanásia e suicídio assistido. A mesma posição assumiram Pitágoras e Aristóteles. Não se referencia a distanásia e a cacotanásia. Era natural que estas referências não surjam nos Conselhos de Asclépio, mas estariam presentes em civilizações circunvizinhas. A cirurgia nunca foi grande apanágio da Escola de Cós, até porque muito se perdeu sobre os escritos hipocráticos, em virtude da extracção de cálculos, deixando a alguém que saiba cirurgia. Na interpelação deste ponto, surge a promessa de não praticar a cirurgia da litíase vesicular. Assim, Edelstein refere a aversão dos pitagóricos e da Escola de Cós à Cirurgia6. 8. No Juramento, múltiplas são as referências, quer directas, quer indirectas no âmbito da ética profissional, a começar pela responsabilidade. O termo spondere (spondeo) define etimologicamente um compromisso com alguém, possuindo um carácter religioso. No idioma grego, significa a “obrigação”, que deriva do rito. Segundo Hipócrates, as ocupações (cirurgia) estavam sujeitas à responsabilidade jurídica, enquanto as profissões (a arte de curar) estão sob orientação da responsabilidade moral. O profissionalismo responsável, na altura, era impune. Mas, o médico exerce, profissionalmente, uma proclamação e promete um sacerdócio fisiológico. O Juramento, no domínio da ética profissional, refere-se ao segredo, que poderá ter vários sentidos, desde o segredo religioso ou sacerdotal até ao familiar. Assim diz o texto: “tudo o que vir e ouvir no exercício da minha profissão e no comércio da vida comum e que não deva ser divulgado, conservar-se-á como segredo”. No exercício da sua profissão, o médico terá de cumprir deveres perante o doente, em relação com os outros médicos e frente à physis, que estão indirectamente expressos no Juramento e escritos noutros textos do Corpus Hippocraticum, que são matéria de Ética Profissional. O médico favorece o doente, quando, para tratar dele, escolhe os melhores recursos terapêuticos, ao seu alcance, e assim executa recta e belamente, quando é assíduo nas visitas e sabe respeitar o decoro do doente. A intuição do terapeuta terá em conta, além da saúde, a – euskhemosyne – do doente, porque na boa aparência resplandece a perfeição da physis. Logo, procedendo assim, o médico observa, com reverência, um decreto inabalável da divina natureza ao aceitar os limites da sua arte e o seu próprio limite, evitando um pecado da Hybris. Um ponto fundamental da relação ética, entre o médico e o doente, no aspecto profissional, refere-se aos “honorários”. Nos escritos hipocráticos, vitupera-se o lucro desonesto (diskhrokerdeie) e afirmam-se os riscos ao acreditar na força do dinheiro para comprar a cura. Segundo os “Preceitos” a relação económica entre o médico hipocrático e os seus doentes teve de se ajustar às seguintes normas: • Para o médico hipocrático, servidor da natureza, os honorários só se justificarão eticamente, quando a conduta profissional procura a perfeição na arte, que pratica. Não se pensa no salário, sem o desejo de buscar instruções. O bom médico deverá ser sempre aprendiz da sua arte, isto é, o que, em última análise, justificaria a sua ganância; • O médico honrado, segundo a rapidez do mal, não deverá buscar o que lhe dá proveito, mas aquilo que lhe dá glória; • O médico deverá ter em conta, ao estabelecer a quantia dos seus honorários, a situação económica do doente, sem abusar na exigência e na ausência de humanidade; • Muitas vezes, o médico prestará serviços gratuitamente, ora na recordação de um favor recebido, ora para conseguir fama. Assim, deverá proceder o médico, quando o doente for estrangeiro ou pobre. É neste contexto que surge a frase: onde há amor ao homem, surgirá o amor à arte7. Segundo a ética profissional hipocrática, a assistência gratuita, ao doente, tinha dois motivos fundamentais: ânsia de fama e o amor ao homem-doente. E, através deste, o amor à natureza. Resumidamente, diríamos que se trata de uma “filantropia fisiológica”. 25 26 9. O Juramento começa, desde logo, com uma evocação mitológica, na qual se define o “apolinischer Artz” e se apela aos deuses da saúde, para que o clínico cumpra, ora, segundo a norma objectiva da moralidade (recta ratio), ora, de acordo com a norma subjectiva, as virtudes noéticas. Já de si o preâmbulo, como cláusula inicial, inclui uma pedagogia e antropologia clínicas. O sentido pedagógico e antropológico do Juramento encontra-se delineado no empenho. Estimarei, como meus pais, aqueles que me ensinaram esta arte… e ensinar-lhe-ei a mesma, sem retribuição e sem promessa escrita. Aqui se refere ao ensino da Medicina, muito particularmente à Semiologia e Semióptica clínicas, apanágio do prognóstico da Escola de Cós, em oposição ao método de ensino da Escola de Cnide. No Iusiurandum, encontramos os três níveis de conhecimento clínico de P. Entralgo, isto é, conhecimento expositivo, conhecimento etiológico e conhecimento interpretativo. Assim surge a preocupação e a obrigação de ensinar e transmitir conhecimentos sobre a arte de curar. A saúde e a doença, na arte de curar, serão uma obrigação, não jurídica, mas religiosa e moral. O texto hipocrático cria uma obrigação, sendo uma espécie de promessa solene. Daqui se traduz o sentido da primeira parte do compromisso8. 10. O Juramento, um dos mais célebres textos médicos de todos os tempos, contém os preceitos essenciais da deontologia profissional e clínica. Naturalmente, J. Jouanna salienta que este texto alia a elevação das ideias da arte de curar e a sobriedade da forma, onde a moral pagã atingiu de uma só vez o cume. Por isso, segundo este especialista da História da Medicina Grega, foi integralmente retomado pelos árabes e pelos cristãos, que se contentaram em substituir as divindades invocadas (Apolo Médico, Asclépio, Higeia e Panaceia, bem como todos os deuses e deusas) pelo seu Deus, uno e trino. Este texto, que marcou, durante dois mil trezentos e cinquenta anos, a civilização ocidental, é uma summula tão perfeita que continua na base dos juramentos dos graduados em Medicina, em uso, em vários países, incluindo o nosso. Com efeito, qualquer alteração substancial, que se faça na sua deontologia, logo denuncia uma mudança no paradigma de uma civilização. Segundo o pensamento kantiano, o princípio da autonomia baseia-se na convicção de que o ser humano deve ser livre do controlo exterior e ser respeitado nas suas decisões vitais. Trata-se de um princípio ético, enraizado na cultura ocidental, que tarda em ter repercussão na actividade clínica. Com o Jusiurandum, que se completa com outros escritos do Corpus Hippocraticum, fica bem clara a existência de escolas, onde se fazem estudos conducentes a uma profissão específica. Contudo, não fica esclarecida a exigência de qualificações legalmente reconhecidas.Tudo parece indicar que a frequência de centros, como Cós ou Cnide, era uma condição de preferência para a escolha no concurso ao lugar de médico da cidade/estado, auto-governada. Logo, comprovaram-no, como observou G. R. Lloyd, as inscrições a partir da época helenística. Note-se, pois, que já no século IV a.C., existiam decretos honoríficos, promulgados pelas cidades, em honra dos vencedores: médicos da cidade ou médicos públicos. Aqui surge um cargo que apresenta algumas semelhanças com as práticas hodiernas. Entretanto, era a Assembleia do Povo, onde estavam representadas várias profissões, que procedia à escolha. Assim se revela num texto de Platão-Geórgias (514 a.C.), que comprova, quando Sócrates dialoga com Cálicles: o mesmo se dirá de todas as outras coisas, por exemplo, se ambos decidíssemos candidatar-se a um lugar público como médicos competentes, não deixaríamos de nos examinar mutuamente. Pelos deuses, dirias ter, vejamos, que tal está Sócrates a respeito da saúde e se, além disso, já curou alguém, escravo ou homem livre. Eu procederia, certamente, da mesma maneira contigo. E se não achássemos ninguém, estrangeiro ou ateniense, homem 27 28 ou mulher, que tivesse recuperado a saúde por nosso intermédio, então Cácicles, por Deus, não seria verdadeiramente ridículo conceber uma pretensão tão insensata. Propriamente, mais do que especificar, sugerem-se aqui algumas das condições da aceitação. Uma era a saúde do candidato, como prova da sua capacidade de saber mantê-la, outra o êxito da sua terapêutica. Ao exemplificar com alguns doentes (escravos ou homens atenienses) eliminam-se muitos possíveis equívocos que, com a tendência para transferir para épocas passadas, as preocupações da nossa, chamaríamos discriminação social, do género ou de raça. A simples leitura das obras do Corpus Hippocraticum, como os tratados sobre as Epidemias, mostra que tais distinções não existiam. Recordemos ainda outro lado importante que nos é fornecido casualmente por um discurso do orador Antifone: ao médico não era imputada responsabilidade criminal, se o doente falecesse. Estes médicos da cidade estavam portanto, até certo ponto, dependentes da arte oratória, como se existissem. Esta circunstância explica que tenham redigido obras que ensinavam, também, a arte de refutar, como a retórica. Na verdade, havia outras oportunidades em que o médico deveria mostrar publicamente a sua capacidade de persuasão. Assim, era numa outra forma do exercício da Medicina, a dos chamados médicos itinerantes, que iam, de terra em terra, por conveniência ou para se tornarem conhecidos ou, ainda, para observarem os climas e as doenças locais. O exemplo mais clarividente deste último tipo de interesse será aquele que nos revela o tratado – Ares, Águas e Lugares –, onde se contrastam os povos da Europa com os da Ásia, relacionando as suas características e aptidões, com a influência do meio ambiente, como No exercício da sua profissão, o médico terá de cumprir deveres perante o doente, em relação com os outros médicos e frente à physis, que estão indirectamente expressos no Juramento e escritos noutros textos do Corpus Hippocraticum, que são matéria de Ética Profissional. 29 Bibliografia 30 1. Cf. M. HELENA DA ROCHA PEREIRA – Helade, tradução e adaptação de textos, 7ª edição, Imprensa Coimbra, Coimbra, 1998, pp. 225-226. 2. Cf. R. LUCAS (direc.) – Comentario Interdisciplinar a la Evangelium Vitae, B.A.C., Madrid, 1996, pp.185-186. 3. Cf. T. L. BEAUCHAMP; J. F. CHILDRESS – Principles of Biomedical Ethics, Oxford University Press, Oxford, 1994, pp. 150-230. 4. Cf. I. KANT – Fundamentação de Metafísica dos Costumes, Edições 70, Lisboa, 1995, pp. 85-87. 5.Cf. D. GARCIA – Fundamentos de Bioética, Eudema, Madrid, 1989, pp. 30-60. 6. Cf. R. D. BORGES DE MENESES – “Juramento de Hipócrates: implicações éticas e pedagógicas”, in: Medicina e Morale, 6 (2005, Roma), p. 120. 7. Cf. É. LITTRÉ – Ouvres Complètes d’Hippocrate, I volume, Belles Lettres, Paris, 1839, pp. 30-75. 8. Cf. J. A. ESPERANÇA PINA – A Responsabilidade dos Médicos, 2ª edição, Lidel, Lisboa, 1998, pp. 21-26. 9. Cf. P. L. ENTRALGO – La Medicina Hipocrática, Alianza Editorial, Madrid, 1987, pp. 380-390. 10. Cf. J. JOUANNES – Hippocrate, Belles Lettres, Paris, 1969, p. 184. 11. Cf. D. SERRÃO; R. NUNES (coord.) – Ética em Cuidados de Saúde, 3ª edição, Porto Editora, Porto, 1990, pp. 11-20. se refere numa das obras célebres do Corpus Hippocraticum. Outros textos descrevem os cuidados que o médico deve ter com a sua apresentação, vestuário e gestos, bem como o modo de falar ou de lidar com o doente9. 11. O Juramento de Hipócrates delimitase como documento sacerdotal, não típico dos conselhos de Esculápio das Asclépiades, com um conteúdo moral, que vai do espírito apolíneo (Deichgraeber), não se limitando ao pitagórico (Edelstein). O Juramento confronta-se com o espírito dionisíaco das práticas médicas, segundo F. Nietzsche. O médico é o homem distinto – Origem da Tragédia –, no exercício da arte de curar, guiado pelos ditames éticos, aqui professados. Este juramento constitui o paradigma, não só de ética clínica, como também de ética profissional. O médico hipocrático surge, ao abrigo deste documento, e por força da sociedade grega da época, como um sacerdote da natureza e não como sacerdote religioso. O Juramento deverá colocar-se mais ao nível da Medicina/ profissão, do que da Medicina/sacerdócio10. O ideal moral do Juramento atinge o seu ápice, quando, no primeiro parágrafo, se diz que a actividade do médico será Kalos kai Kagathos.Trata-se de um texto de ética racional e humanista. A excelência do homem, no mundo homérico, pela Kalokagathía, não será o aspecto físico ou moral das classes nobres; mas, antes, a virtude acessível, daqueles que praticam uma arte, no caso a arte de curar. O Iusiurandum é a expressão ética de uma axiologia humanista e de uma aretologia racional11. Revela-se na dualidade do espírito apolíneo e no espírito dionisíaco, pela leitura do pensamento de Nietzsche, na Origem da Tragédia. O médico, no processo de humanização, poderá associar o sentido e o valor pela besta loira e o homem distinto, no “Uebermensch”. Após esta reflexão sobre os elementos morais do Iusiurandum, poderemos afirmar, com Veatch, que nenhuma profissão foi tão consciente, desde a antiguidade, dos problemas éticos no seu exercício, como a arte e a ciência do curar. O ethos médico foi assinalado, ao longo de séculos, em códigos, sendo o seu mais lídimo representante dado no Juramento de Hipócrates. O ethos do Juramento situase na consciência moral do médico como plena Vontade de Poder, segundo a leitura de Nietzshe. Pelo Juramento de Hipócrates, está presente de um lado, o espírito apolíneo e, de outro, o espírito dionisíaco. 31 Paulo Linhares 32 Assistente hospitalar de Neurocirurgia, Serviço de Neurocirurgia, Hospital de São João, Porto; Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Neuromodulação cerebral A neuromodulação cerebral é a modificação reversível e ajustável da actividade cerebral por estímulos eléctricos externos. Evoluiu das técnicas ablativas, que foi substituindo progressivamente baseando-se no conceito de áreas cerebrais responsáveis por funções específicas, cujo funcionamento pode ser ajustado por estímulos excitatórios ou inibitórios. Introdução A neuromodulação cerebral é a modificação reversível e ajustável da actividade cerebral por estímulos eléctricos externos. Evoluiu das técnicas ablativas, que foi substituindo progressivamente baseando-se no conceito de áreas cerebrais responsáveis por funções específicas, cujo funcionamento pode ser ajustado por estímulos excitatórios ou inibitórios. A alteração anatómica irreversível das neurotomias foi substituída pela alteração funcional com preservação anatómica da neuromodulação. Os progressos constantes levam à sua utilização num número cada vez maior de patologias com resultados bastante encorajadores e desempenham um papel fundamental na medicina moderna. 33 34 A história e as patologias As doenças do movimento foram uma das primeiras patologias a ser alvo do interesse da modulação cerebral.As técnicas ablativas iniciaram-se nos anos 30 com a excisão de partes do córtex motor para controlo do tremor e dos movimentos distónicos nos doentes com doença de Parkinson, mas foram rapidamente abandonadas pela pouca eficácia e elevadas complicações, com taxas de mortalidade significativas. O aprofundamento do conhecimento das estruturas cerebrais ligadas aos movimentos involuntários, com o reconhecimento da importância dos núcleos cinzentos da base, acrescentou novos alvos de lesão, determinados por técnicas de localização puramente anatómicas até à introdução da estereotaxia. A utilização dos núcleos cinzentos da base surgiu em 1953 quando Cooper durante uma pedunculotomia num doente pós-encefalítico lesou acidentalmente uma artéria coroideia anterior necessitando de a laquear. Do consequente enfarte do pallidum resultou uma melhoria considerável dos sintomas motores da doença. Daí ao início da lesão destas estruturas foi um pequeno passo; primeiro por acesso intraventricular, depois por acesso transcortical, e posteriormente, por técnicas estereotáxicas. Concomitantemente com os estudos efectuados na doença de Parkinson, outras doenças do movimento foram sendo alvo da atenção dos investigadores e a neuromodulação cerebral passou a ser utilizada no tremor essencial e na distonia, nos anos 90. A neuromodulação não parou nas doenças do movimento. Nos anos 50 começou a ser usada no tratamento da dor crónica, com Heath, em 1954, a reportar o alívio doloroso por estimulação directa da região septal. Tal como nas doenças do movimento, também na dor, não estão cabalmente esclarecidos os mecanismos fisiopatológicos envolvidos dificultando a determinação da melhor técnica e do melhor alvo. Se não existe afinidade entre as doenças do movimento e a dor, excepto no seu tratamento, também só a mesma afinidade se encontra no terceiro grupo de doenças passíveis de neuromodulação cerebral, as doenças psiquiátricas, onde tem havido um crescente entusiasmo na sua aplicação. A doença obsessivo-compulsiva e a depressão grave são duas áreas onde a psicocirurgia tem rejuvenescido. Apesar dos substratos patológicos destas doenças serem bem compreendidos e as suas manifestações geralmente incluírem achados físicos e neurológicos, as bases biológicas de muitas das doenças psiquiátricas permanecem pouco compreendidas e a sua expressão envolve sintomas mentais sem sinais físicos objectivos. 10% dos doentes com Se não existe afinidade entre as doenças do movimento e a dor, excepto no seu tratamento, também só a mesma afinidade se encontra no terceiro grupo de doenças passíveis de neuromodulação cerebral, as doenças psiquiátricas, onde tem havido um crescente entusiasmo na sua aplicação. doença obsessivo-compulsiva apresentam um curso progressivo independente, apesar dos tratamentos farmacológicos. Baseado em estudos experimentais com cães, Bueckhardt, nos fins do século XIX, reportou uma série cirúrgica em que efectuou orifícios na cabeça de seis doentes psiquiátricos agitados graves.Apesar de ter sucesso em três casos e sucesso parcial em dois, a pressão dos colegas obrigou-o a abandonar esta técnica. Baseando-se no conceito de que malius anceps quem nullum, melhor um tratamento desconhecido do que nada, iniciou a guerra da psicocirurgia. No início do século XX, Fulton e Jacobsen mostraram alterações do comportamento com diminuição dos estados de ansiedade em chimpanzés após ablação de áreas frontais e Moniz, após análise crítica desta ideia, associou os comportamentos dos doentes psiquiátricos com substratos neurais anatomicamente normais mas funcionalmente desajustados, o que poderia ser corrigido cirurgicamente, desenvolvendo com Almeida Lima a leucotomia pré-frontal. Também uma pequena percentagem de doentes com depressão crónica major permanece mal apesar do tratamento médico e psicoterapêutico, o que levou à extensão da psicocirurgia a esta patologia cada vez mais prevalente. Estas são as duas entidades particulares em que a neuromodulação cerebral tem ganho terreno com resultados cada vez mais promissores. 35 Tão importante como a técnica cirúrgica é o estabelecimento do melhor alvo. Dois factores são cruciais, o controlo dos sintomas e a redução dos efeitos laterais e mortalidade. 36 Os alvos Tão importante como a técnica cirúrgica é o estabelecimento do melhor alvo. Dois factores são cruciais, o controlo dos sintomas e a redução dos efeitos laterais e mortalidade. Lesões bilaterais estavam associadas a complicações severas e, se o controlo do tremor era facilmente conseguido, o mesmo não acontecia com os outros sintomas motores da doença de Parkinson. O alvo talâmico inicial, o VIM, conseguia um controlo do tremor em mais de 70% dos casos, mas os efeitos na rigidez e na bradicinésia eram muito limitados. Também a talamotomia bilateral estava associada a graves complicações numa percentagem elevada de casos, tendo a maior parte dos tratamentos que ser unilateral. Os estudos efectuados por Leksell e, posteriormente, adoptados por Laitinen e Hariz, levaram à adopção do globo pálido interno como novo alvo terapêutico na doença de Parkinson. Não só era controlado o tremor como existia um claro benefício no controlo das discinésias, muito frequentes nestes doentes, passando a ser o alvo de eleição. Contudo, a palidotomia bilateral apresentava riscos reportando-se alterações da fala, do equilíbrio e da marcha, alterações dos campos visuais e défices cognitivos, continuando a necessidade de encontrar alvos e técnicas mais seguros. Nos anos 90 Benabid introduziu o núcleo subtalâmico, mostrando um benefício maior com menos efeitos laterais, tornando-se o principal alvo actualmente. Historicamente referem-se três alvos para o tratamento da dor. A substância cinzenta periaquedutal e que pelos seus efeitos laterais evoluiu para a estimulação do tálamo medial adjacente. O tálamo somato-sensitivo (VPM-VPL), estimulado inicialmente por Hosobuchi num caso de anestesia dolorosa e a estimulação talâmica ventrobasal intermitente para o tratamento da dor central. A multiplicidade de origens da dor e dos mecanismos envolvidos quer na sua génese quer na sua percepção tornam difícil a sua classificação e tratamento. A dor neuropática resultante da lesão primário ou da disfunção do sistema nervoso e a dor nociceptiva resultante da activação dos receptores periféricos parece serem os dois principais candidatos à neuromodulação cerebral. Em 1991 Tsubokawa introduziu a estimulação cortical para o tratamento da dor. Mais uma vez permanece incerto o mecanismo de acção, parecendo o efeito terapêutico dever-se à activação dos neurónios sensitivos não-nociceptivos que se crê exercerem um efeito inibitório nos nociceptivos e que persiste após a desactivação do neuroestimulador. As doenças psiquiátricas continuam em acesa discussão quer quanto à real indicação para cirurgia quer quanto aos alvos cerebrais envolvidos. O braço anterior da cápsula interna, o núcleo accumbens e zonas intermédias têm sido tentados para o tratamento da doença obcessivo-compulsiva grave. Também a depressão major resistente ao tratamento médico parece ter benefício com a estimulação destas áreas, mas a este momento ainda não existe o alvo ideal, permanecendo este tratamento em fase experimental. Pelo menos dois grupos europeus, um belga e um sueco e um grupo canadiano têm trabalhado em estreita colaboração na determinação do melhor alvo a estimular. A neuromodulação cerebral é uma área em desenvolvimento crescente havendo cada vez mais indicações para a sua utilização. Perfeitamente estabelecida nalgumas patologias, permanece ainda em fase experimental em muitas das novas indicações. O melhor conhecimento da fisiopatologia das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas têm-na tornado numa cirurgia segura e eficaz, sendo uma ferramenta fundamental na neurocirurgia moderna. 37 38 As técnicas Não só a técnica cirúrgica foi modificando como, e principalmente, o conceito, sendo o avanço mais importante a substituição da lesão estrutural pela estimulação eléctrica em 1993. A reversibilidade e a adjustabilidade da neuroestimulação transformaram-na na técnica de eleição para o tratamento sintomático das doenças do movimento, estendendo-se progressivamente a todas as outras patologias. A leucotomia pré-frontal foi desenvolvida e modificada, nem sempre da melhor forma, e tal como nas doenças do movimento com o aparecimento da DOPA, o surgimento da clorpromazina, em 1954, levou ao declínio da psicocirurgia. O renascimento surgiu com a estereotaxia com Spiegel e Wycis a fazerem a primeira talamotomia dorsomedial. Estava aberto o caminho para a neuromodulação cerebral nas doenças psiquiátricas, sendo a estimulação precedida pela cingulotomia, a capsulotomia, a tractotomia subcaudada e a leucotomia límbica. Hoje são as técnicas estereotáxicas que predominam na estimulação cerebral profunda e as técnicas de neuronavegação na estimulação cortical. Tão importante como a técnica cirúrgica em si, é a determinação correcta da localização do alvo escolhido. Existem vários programas informáticos que facilitam esta tarefa, não se justificando, hoje em dia, o recurso à velha ventriculografia. Os núcleos da base são identificados por dois métodos complementares. Uma primeira aproximação é feita tendo em conta o referencial comissura anterior – comissura posterior e as coordenadas estereotáxicas determinadas por atlas anatómicos sendo corrigidas em pormenor pela visualização directa dos núcleos em imagem de RMN. Efectuada a colocação do quadro estereotáxico, é realizada uma TAC ou RMN estereotáxicas. Exame de todo o crânio no plano axial com cortes de 2 mm de espessura. È feita de seguida a fusão da imagem com a de RMN previamente efectuada. È utilizado um protocolo de imagem que inclui a realização de RMN cerebral em aparelho de 1,5 Tesla nos dias prévios à cirurgia nas sequências T1 com GAD axial e T2 axial e coronal. As imagens são então introduzidas numa estação de tratamento com o software Framelink onde é realizada a fusão da imagem de TC estereotáxico com a imagem de RMN, o que permite a obtenção de imagem de RMN cerebral de alta resolução com os pontos de esterotaxia que vão permitir a determinação da comissura anterior e da comissura posterior para a determinação indirecta do núcleo e a visualização do núcleo subtalâmico para a confirmação directa do alvo. Após a determinação das coordenadas estereotáxicas são introduzidos os eléctrodos para registo e estimulação, que permitem a confirmação electrofisiológica e clínica do alvo. Novamente no bloco operatório e também sob anestesia local é realizado um buraco de trépano frontal de 14 mm de diâmetro e abertura da dura mater. São introduzidos os eléctrodos para a realização de micro-registo, electro-fisiológico e micro-estimulação. A avaliação clínica intraoperatória confirma o alvo definitivo. Após a verificação do benefício obtido com a estimulação é colocado o eléctrodo definitivo e a bateria. A colocação do gerador Kinetra é efectuada sob anestesia geral, numa bolsa subcutânea infraclavicular esquerda. A estimulação cortical é utilizada especialmente no tratamento da dor. A estimulação é efectuada na circunvolução pré-central na região suprassilviana na dor predominantemente da face e membro superior e na região paramediana na dor com predomínio no tronco e membro inferior. A identificação do sulco central é feita com técnicas de neuronavegação e monitorização intra-operatória dos potenciais evocados somato-sensitivos (inversão N20 e P 20) e por estimulação eléctrica cortical. É então colocado o eléctrodo de estimulação e conectado à bateria. Este tipo de estimulação cortical passou também a fazer parte das opções cirúrgicas da doença de Parkinson nos poucos casos em que a DBS está contra-indicada. A técnica utilizada na estimulação cerebral profunda para o tratamento das doenças psiquiátricas é similar à das doenças do movimento do movimento. Outro tipo de neuromodulação cerebral que tem ganho adeptos é a estimulação magnética transcraniana. Actua de forma transitória e não-invasiva e pode servir de teste à eficácia da estimulação cortical. Pode ser utilizada em casos de dor neuropática e na depressão grave. 39 Referências Krack P, Batir A,Van Blercom N, e tal. Five-year follow-up of bilateral stimulation of the subthalamic nucleus in advanced Parkinson’s disease. N Engl J Med 2003; 349: 1925-34. Goetz C, Poewe W, Rascol O, Sampaio C. Evidence-based medical review update: pharmacological and surgical treatments of Parkinson’s disease 2001 to 2004. Movement disorders 2005; 20 (5): 523-539. Weaver F, Follett K, Hur K, Ippolito D, Stern M. Deep brain stimulation in Parkinson disease: a metaanalysis of patient outcomes. J Neurosurg 2005; 103: 956-967. 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Os resultados No tremor essencial o VIM continua a ser o alvo de eleição, com melhorias superiores a 80%. Casos mais complicados de tremor como, por exemplo, os associados à esclerose múltima ou tremor cerebeloso também têm sido submetidos com algum sucesso a esta técnica, embora havendo uma maior variabilidade nos resultados. As formas primárias generalizadas de distonia respondem à estimulação do GPi com melhorias médias de 50% relativamente aos resultados pré-operatórios avaliados pela escala de distonias de Burke-Fahn-Marsden. Ayres-Basto M, Linhares P, Sousa A, et al. A imagem na cirurgia da doença de Parkinson. Acta Médica Portuguesa 2003; 16: 135-140. Slavin K, Thulborn K, Wess C, Nersesyan H. Direct visualization of the human subthalamic nucleus with 3T MR imaging. AJNR 2006; 27: 80-84. Machado A, Rezai A, Kopell B, Gross R, Sharan A, Benabid A. Deep brain stimulation for Parkinson’s disease: surgical technique and perioperative management. 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Subthalamic nucleus deep brain stimulation: summary and meta-analysis of outcomes. Movement disorders 2006; 21 Suppl 14: S290-S303. Linhares P, Aran E, Gonçalves J, Castro L,Vaz R. Biopsias estereotáxicas: revisión de una série de 80 casos. Está justificada la realización de una tomografía computarizada (TC) en las primeras horas tras el procedimiento? Neurocirugia 2002; 13: 299-304. Na dor uma resposta positiva surge em 44% a 100% dos doentes tratados e a principal indicação para esta técnica é a dor crónica neuropática refractária à analgesia convencional, estando a tornar-se o tratamento cirúrgico preferencial da dor neuropática central. Numa revisão recente de doentes com doença obsessivo-compulsiva, a cingulotomia foi eficaz em 56% dos doentes, a tractotomia subcaudada em 50%, a leucotomia límbica em 61% e a capsulotomia em 67%. Nos doentes com alterações afectivas major a cingulotomia foi eficaz em 65%, a tractotomia subcaudada em 68%, a leucotomia límbica em 78% e a cápsulotomia em 55%. Não podemos esquecer que se tratam de séries pequenas e de doentes criteriosamente seleccionados. A estimulação da substância branca do cíngulo e de áreas adjacentes também tem sido utilizada no tratamento da depressão grave resistente à terapêutica médica e a lesão tem sido progressivamente substituída pela estimulação, sendo que 25 a 50% dos doentes poderão beneficiar com esta técnica, com resultados ainda incipientes mas promissores. Esta é uma área onde as questões éticas se põem de forma marcada e os avanços são lentos e cautelosos. No presente, os resultados ainda são limitados e existe também uma indefinição relativamente aos alvos como a cápsula interna, o núcleo accumbens ou a base anterior. Há ainda evidência de que a estimulação da região talâmica adjacente ao núcleo centromediano pode ter benefício nos doentes com síndrome de Tourette. De forma ocasional têm sido reportados casos de epilepsia refractária tratados com estimulação cerebral profunda com taxas de redução das crises da ordem dos 50%, não sendo ainda esta uma indicação formal. As conclusões A neuromodulação cerebral é uma área em desenvolvimento crescente havendo cada vez mais indicações para a sua utilização. Perfeitamente estabelecida nalgumas patologias, permanece ainda em fase experimental em muitas das novas indicações. O melhor conhecimento da fisiopatologia das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas têm-na tornado numa cirurgia segura e eficaz, sendo uma ferramenta fundamental na neurocirurgia moderna. 41 Para o cérebro, pensar e imaginar é o mesmo que fazer Entrevista a Mário Simões Os Estados Modificados de Consciência abrem novas naus de conhecimento. Num apelo a memórias corporais e psicológicas de bem-estar, num imaginário vivido, sabe-se que através dos Estados Modificados de Consciência não se curam determinadas doenças, mas, em mais de 70%, cura-se a totalidade de sintomas e melhora-se a qualidade de vida. As próximas grandes descobertas em saúde, em ciência, podem nascer através desses estados que lidam com a emoção. Mário Simões, 59 anos, director do curso de pós-graduação em Hipnose Clínica e Experimental, professor de Psiquiatria e de Ciências da Consciência na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Numa das salas da Casa do Médico, no Porto, onde decorre o 7º Simpósio da Fundação Bial, Aquém e Além do Cérebro, Mário Simões fala dos Estados Modificados de Consciência. Em gestos que transportam palavras, uma certa musicalidade no tempo, diz que o marcou o ensino das ciências naturais junto ao mar, na serra, nas arribas a ver fósseis. Marcaram-no determinados professores que foram exemplo para a sua carreira futura. E na vida profissional, quando vai para a Suiça, e contacta com as áreas novas de fronteira, os Estados Modificados de Consciência, inicia-se nesse mundo de novos sonhos, novas naus. 43 44 E são essas áreas de fronteira que definem toda a sua vida? Escolhi psiquiatria por motivações filosóficas. Ouvia histórias contadas pelos pacientes com grande veemência, crença noutros mundos. Pensei: ou fico louco também ou tento estar próximo deles para os perceber na crença noutros mundos. Foi isso que me levou para psiquiatria. Onde estive, na Suiça, o projecto era estudar modelos experimentais da psicose, na altura estudava-se os Estados Alterados de Consciência, com a utilização de drogas, ficar na privação sensorial e silêncio total, ter a estimulação sensorial em sobrecarga, a meditação, a hipnose, tudo servia para modificar a consciência e criar situações semelhantes ao início de uma esquizofrenia, de uma psicose.Vi que havia um apelo grande como experimentação mas também vi o potencial terapêutico. Como ciência de fronteira, foi essa possibilidade de potencial terapêutico que o levou a seguir este caminho? Claro. Fiz doutoramento ligado à esquizofrenia, à consciência do eu, que é o reactor nuclear da esquizofrenia. Depois a investigação que se seguiu sobre os Estados Modificados ou Alterados de Consciência, com apoio da Fundação Bial, foi um tempo muito criativo, e continua a ser, embora tenha estado mais envolvido na preparação de provas de agregação. O que é um EMC (Estado Modificado de Consciência)? Modificado é em relação a este estado em que estamos agora, acordados. Neste momento temos uma consciência vigil. Quando modificamos esta consciência achamos que está modificado. Se esse estado modificado é demasiado profundo, no sentido em que fico um pouco sonolento, um pouco desconcentrado, a palavra passa a ser mais forte e digo Estado Alterado de Consciência. Mas hoje prefiro chamar modificado, pois já não se utilizam drogas para proporcionar estes estados. Que descobriu desde que se iniciou estes estudos até hoje? O que houve de evolução? Foram abandonados os recursos a químicos e o que evolui foi o modo de os provocar, de os produzir. Passou a utilizar-se, por exemplo, a meditação, a hipnose, a respiração holotrópica (respirar profundamente e rapidamente), a dança, meios mais suaves para modificar a consciência. Outra situação que evoluiu não foi só o aspecto experiencial para ver como é, o que é isso, mas a utilização deles para actividades curativas, isto é, psicoterapia sob EMC. Estas foram as grandes evoluções que aconteceram nos últimos tempos. Explique-me um caso onde possa ser utilizado um EMC para fim terapêutico. A utilização da meditação transcendental, para estados de relaxamento, de paz, de autodescoberta. No sentido da cura, sem recorrer a drogas alucinogéneas, utilizamos a hipnose.A hipnose é um EMC. A pessoa percebe a realidade de outro modo, sente que está diferente, mas continua acordada, pode abrir os olhos, nota que está a ter percepções diferentes das que tinha habitualmente. Somos capazes, hoje, utilizando somente estados hipnoidais, de fazer realmente projectos de cura, por exemplo, na dor crónica, fobias, problemas de relações interpessoais, diminuir alguns sintomas de doenças graves, que não curamos, como cancros, neoplasias, mas melhoramos a qualidade de vida, aumentamos a sobrevida, porque vamos estimular no imaginário, através de visualização, defesas do indivíduo, tipo imunológico, através do ponto de vista imaginário. Passamos a utilizar estes EMC para algumas situações mais ligadas à psiquiatria e psicologia. Quanto à medicina, temos a dor crónica, melhoria da qualidade de vida e da sobrevida em alguns casos, situações dermatológicas, verrugas, eczemas difíceis de tratar. Tudo através do imaginário. Como se cria esse imaginário? Primeiro, fazemos apelo a memórias que a pessoa tem, não só abstractas, mas corporais, de bem-estar.Vamos fazer a pessoa recuar no tempo, apelar a memórias corporais e psicológicas de bem-estar. Vamos recordar ao corpo, ao cérebro, esse bem-estar que a pessoa teve. Esse é o primeiro passo. Depois, introduzimos elementos do imaginário, como, por exemplo, uma infusão com soro, com estrelinhas, com uma capacidade de anticorpo fabulosa, capaz de reconhecer células cancerosas. Pomos um Somos capazes, hoje, utilizando somente estados hipnoidais, de fazer realmente projectos de cura, por exemplo, na dor crónica, fobias, problemas de relações interpessoais, diminuir alguns sintomas de doenças graves, que não curamos, como cancros, neoplasias, mas melhoramos a qualidade de vida, aumentamos a sobrevida, porque vamos estimular no imaginário, através de visualização, defesas do indivíduo, tipo imunológico, através do ponto de vista imaginário. 45 46 outro soro, tudo imaginário, um imaginário que a pessoa vive, uma cor rubra, mesmo roxo, que vai ter uma apetência para as células cancerosas. No soro vão estrelinhas com capacidade de anticorpo que vão matar as células más. É com este imaginário, que a pessoa vive intensamente, que este processo decorre. Outras vezes é à própria pessoa que digo: fale com o seu terapeuta interior, ele conhece-a melhor do que eu. O que é que ele lhe diz para curar? Estou a lembrar-me de uma senhora que tinha uma doença auto-imune. Perguntei-lhe o que dizia a sua terapeuta interior. Ela responde-me: Ela ataca as células porque não sabe que são minhas. Sabe? Vou pegar num carimbo e vou carimbar as células todas que o lúpus anda a atacar. Deixei-a meia hora a carimbar com o nome dela, Sofia. Fazia o gesto com a mão, como estivesse a carimbar alguma coisa. E já acabou? Ainda faltam mais 20 ou 30 células. Até hoje, já se passaram mais de 10 meses, não teve mais nenhum episódio de lúpus. É de atribuir à terapia? Penso que não, provavelmente trata-se da evolução da própria doença. O que é certo é que a pessoa nunca mais se queixou. Conte-me mais casos. Fiz uma reunião de trabalho para a Associação de Doentes com Células Falciformes, uma doença do sangue, hereditária, onde as células dos glóbulos vermelhos ficam com a forma de foice, alteram-se. E com aquela forma de foice não deslizam bem pelos vasos, encostam-se umas às outras e causam dores terríveis nas extremidades dos ossos onde circulam. As pessoas têm de ser tratadas com morfina, levam transfusões, é uma doença gravíssima que não podemos curar. Os exemplos que me dá podem ser considerados especulativos? Estou a dar exemplos de utilização, que diria, especulativa destes EMC para doenças que sabemos que não vão ser curadas. O que diminuímos foi o número de recaídas, o recurso às urgências, o absentismo no trabalho, porque comparamos com os anos anteriores e as pessoas, a fazer os tratamentos que faziam, melhoraram. E então dizia uma pessoa assim: é fácil, quando as células começarem a ficar esquisitas, logo que sinta que vem aí a crise, elas estão encostadinhas aos vasos, eu pego numa mangueira dos bombeiros e lavo o chão junto às artérias para as descolar dos vasos. Dizia outra: quando elas ficam assim todas paradas, encostadas umas outras, ponhoas a dançar, ficam quentinhas, e assim sinto-me melhor. Outra dizia: o que a gente tem de fazer é tirar aquela casca à volta do glóbulo vermelho, pelar o glóbulo vermelho, para ele ficar com aquela segunda pele, e fica mais móvel. Fizemos estas reuniões duas vezes e, porque tínhamos esse controlo, o número de vezes de crises e de absentismo, diminuiu significativamente. As pessoas estavam num EMC? As pessoas estiveram num estado de hipnose e nesse estado de hipnose viajaram para falar com o seu ou sua terapeuta. E nesse estado quem lhes diz o que fazer é o terapeuta. A partir daí vão por isso em prática em casa quando sentem que vem a crise. É uma subjectividade com um efeito objectivo? Passa a ter. Não cura, mas ajuda, melhora a qualidade de vida. Temos visto que em algumas pessoas, não em todas, conseguimos que as pessoas deixassem de fumar mas ao fim de seis, sete sessões. É como se necessitasse de vacinas injectadas psicologicamente. Como se faz? Temos de dar um imaginário de um futuro imaginado sem tabaco, a respirar bem, e volta para casa e os filhos dizem «pai que alegria nos deste por teres deixado de fumar», os amigos a dizer «podes ficar aqui, não precisas de ir para a varanda». Criamos futuros dessa imagem, pomos a pessoa a visualizar algo que fica como sinal pós-hipnótico. Depois da hipnose, se olhar para um maço de tabaco, fica com a visão turva, está a pegar no tabaco e o tabaco cai-lhe das mãos, e se colocar o cigarro na boca fica com o sabor a gasolina na boca.Temos de criar muitas imagens de certo modo aversivas, por um lado, e, por outro, o desejo de um futuro diferente. Leva sete, oito sessões até instilar isso com efeito residual permanente. Tem de haver uma motivação, a pessoa tem de querer, pela família, por questão de saúde. Só por ter de ser não chega. Precisa de uma grande criatividade para inventar os imaginários? É verdade. Tem de criar para cada pessoa um mundo próprio? Faço um protocolo para cada pessoa, um protocolo muito específico. Ouço, escrevo tudo o que leva a pessoa a sentir-se mal, pergunto sempre se estivesse bem o que faria, como se sentiria, o que poderia fazer da sua vida. E são essas palavras que ela me diz, que lhas vou devolver num EMC. O inconsciente não rejeita porque lhe vou dizer as mesmas frases que a pessoa me disse, mas num estado em que está ampliada a sua percepção das coisas, em que está mais concentrada naquilo que lhe digo. Dou-lhe aquilo que a própria pessoa já me deu antes. Esta parte aqui nem tem muita criatividade. Mas durante a sessão posso reforçar com música, para criar ambiente, posso tocar na pessoa. Há outros meios que posso utilizar para reforçar o mal-estar e o bem-estar. Existe uma quantidade de situações que podemos criar para melhorar a adesão ao projecto terapêutico. Dou aquilo que a pessoa quer. Mas num estado mais ampliado… Tudo começa por um estado de relaxamento. A respiração profunda é o início de tudo. Depois, damos sugestões de relaxamento. E nesse estado de paz, de grande relaxamento, iniciamos o processo. Apesar do estado de grande relaxamento corporal, a pessoa está com uma mente aguda, atenta, brilhante, as capacidades estão ampliadas. Penso que, mas é 47 48 Ouço, escrevo tudo o que leva a pessoa a sentir-se mal, pergunto sempre se estivesse bem o que faria, como se sentiria, o que poderia fazer da sua vida. E são essas palavras que ela me diz, que lhas vou devolver num Estado Modificado de Consciência. A respiração profunda é o início de tudo. Depois, damos sugestões de relaxamento. E nesse estado de paz, de grande relaxamento, iniciamos o processo. Apesar do estado de grande relaxamento corporal, a pessoa está com uma mente aguda, atenta, brilhante, as capacidades estão ampliadas. especulação, neste estado pomos a funcionar áreas que geralmente estão adormecidas. Os EMC fazem ligações entre áreas que normalmente estão adormecidas, áreas cerebrais. É como se estivéssemos a criar um estado que não é sono nem sonho. Disse: As novas naus são feitas das matérias dos sonhos. Fernando Pessoa escreveu que os novos descobrimentos irão ser feitos com as naus da mesma matéria que os sonhos são feitos. É isto. Estas são as naus que utilizamos. Relaxamento, uma indução para aprofundamento de relaxamento e, depois, passamos a navegar na mente. Nos EMC são as novas naus. Fernando Pessoa antecipou-se. Se, como Portugueses, vamos descobrir alguma coisa de novo, nos mundos interiores, porque nos mundos exteriores não temos tecnologia para isso, não sei. Acho que as grandes descobertas, sobre os mundos interiores, virão pelos EMC. Pouco percebidas pelas pessoas. São áreas de fronteira. Se não estudamos, se não nos dedicamos, vamos dizer que os EMC não passam de um fenómeno de placebo mal entendido. A pessoa não tinha nada e, somente, sugeriram-lhe o contrário. Os estudos placebo dizem que o modelo existe no modelo animal e o animal não vai pela sugestão, como no ser humano existem estudos que comprovam que a utilização de um medicamento placebo vai activar quase as mesmas áreas que o medicamento activo, 49 50 só que a pessoa não sabe que está a tomar medicamento placebo. Sabe-se hoje que são activadas as mesmas áreas, o cérebro activa quando faz uma acção ou quando pensa nela. Pensar e imaginar é o mesmo que fazer. A pessoa faz, mas o que imaginou é diferente, e o que recorda foi o que imaginou e não o que fez? Exactamente. Para o cérebro, imaginar ou fazer são áreas idênticas que são postas a funcionar. Na hipnose, se é o mesmo para o cérebro, ele não sabe, imagina e isso funciona como fosse realidade, mas virtual. Qualquer pessoa pode utilizar esta terapia? Qualquer pessoa, sem dúvida, pode beneficiar destes EMC para uma terapia. Algumas pessoas são mais predispostas, é algo que nasce connosco. Algumas vão ter muitos mais benefícios do que outras, em algumas não se consegue nada. Esse grau de adesão a estes estados nasce connosco, pode ser um pouquinho modificado mas muito pouco. E porque é que alguns nascem com essa apetência e outros não? Já se descobriu um gene que, de certo modo, está ligado ao grau de adesão a este tipo de modificação da consciência. Possivelmente, há combinações genéticas que facilitam para que umas sejam mais do que outras. Fernando Pessoa escreveu que os novos descobrimentos irão ser feitos com as naus da mesma matéria que os sonhos são feitos. É isto. Estas são as naus que utilizamos. Relaxamento, uma indução para aprofundamento de relaxamento e, depois, passamos a navegar na mente. Mas que futuro para tratamentos com EMC? A nível psicoterapêutico vamos mais longe, de forma mais profunda, mais rápido e eficazmente, de forma mais duradoura. Não estou a rejeitar, estou antes a ampliar o modo e o potencial que todas essas psicoterapias já estabelecidas têm utilizando os EMC. Será o futuro das psicoterapias. Recebemos os casos de fim de linha, pessoas que experimentaram tudo e nada resultou. Temos os casos mais difíceis, e nesses, em dez, ou melhoramos ou curamos definitivamente sete. Podemos dizer que há um remanescente de 30%, casos muito difíceis que, por qualquer motivo, orgânico, por exemplo as neoplasias, determinantes genéticos não deixam alterar. Há um remanescente que não podemos curar. Há alterações de tipo orgânico, estrutural, que não são alteráveis por estes métodos ou, filosoficamente, porque aquela pessoa teve uma certa experiência de vida que por mais boa vontade que tenhamos não podemos alterar. Mas os EMC sempre foram ligados a supostas vidas passadas e, talvez, tenha nascido esta certa confusão destas novas terapias aliadas a um certo folclore. A má imagem dos EMC utilizada em psicoterapia vem, sobretudo, de dois aspectos: a visibilidade pública destes estados utilizados em palco. Se é para diversão, muito bem. Mas o local próprio para terapia é o consultório, feito por pessoa treinada. Quando sai disso é o ridículo. Por outro lado, foi o acesso através de livros, ou outros meios, e as pessoas autodenominarem-se com títulos terapêuticos que não sabem manejar, levando ao descrédito, pois não há sucesso e temos de receber pessoas vítimas dessa má utilização. Palco e charlatanismo criam um mal-estar, um mau nome, uma má visibilidade, uma desconfiança. Também, com estas técnicas, começou a pensar-se que, sobre hipnose, sobre EMC, era possível ter acesso a memórias passadas.Temos acesso a memórias a partir dos nossos dois anos, para trás é muito difícil, quase impossível obter. Mas sobre hipnose temos atitudes próprias de um ano, seis meses, pessoas que recordam situações reais no momento de parto e, até aí, não temos dúvidas. Mas começaram a surgir pessoas a relatar memórias de vida intra-uterina. Seguem todas um certo padrão, recordam-se de frases, situações ligadas à mãe, ao pai. Não podiam ter conhecimento disso. Registamos e as pessoas vão confirmar. Começaram ainda a contar coisas mais estranhas ligadas a outros tempos, a outros espaços geográficos e personagens, com uma riqueza de pormenores tal, nunca tendo lido nada sobre isso; e, ainda mais estranho, é que nesse estado de hipnose não só assume as personagens, como gestos, mas tem performances, não é uma palavra isolada numa língua, pessoas que nunca falaram alemão, inglês, e que falam fluentemente essa língua nesses estados. Isso começou a por a hipótese que utilizando a hipnose se tem acesso a vidas passadas. Esta história começou nos anos 70/80 com a terapia das vidas passadas. Existem explica- 51 Para o cérebro, imaginar ou fazer são áreas idênticas que são postas a funcionar. Na hipnose, se é o mesmo para o cérebro, ele não sabe, imagina e isso funciona como fosse realidade, mas virtual. 52 ções alternativas para isso, desde pessoas que propõem uma memória genética, outros dizem que é fraude, outros que é imaginação, um mito. Existem sete ou oito explicações alternativas para este tipo de vivências, daí que a designação de vidas passadas deve ser abandonada. Prefiro dizer que as pessoas vão recorrer a mitos pessoais, será um mecanismo de censura de mim mesmo, desloco isso para outro espaço, para outra época, apetece-me ter um mito. É difícil dizer que é vidas passadas, e hoje diz-se que são supostas vidas passadas e entrega-se isso ao paciente. Para mim não me interessa, o que me interessa é o material, tudo aquilo que vem vivido, que eu trabalho terapeuticamente, se é verdade ou não, não me interessa, porque para o cérebro é igual. Hoje, faço uma terapia pela reestruturação, vou reestruturar aquilo que vem, o que quer que seja a explicação que esteja para trás, de forma vivencial e cognitiva. Hoje a designação é Técnica de Reestruturação Vivencial e Cognitiva. Há evidências, somente, que existe algo que sobrevive à morte física. Mas que grande indicação para este tipo de terapia? São as relações interpessoais perturbadas, familiares, amorosas ou profissionais, o autoconhecimento, a potenciação de algo que está em nós como, por exemplo, a capacidade de desenhar, de falar línguas ou actualizar algo que está em potencial dentro da pessoa, as doenças psicossomáticas onde o componente psicológico no sentido de precipitar, manter ou agravar uma doença física está muito presente, fobias, crises de pânico. Estas são as grandes indicações. Mesmo nas doenças com componente mais orgânico, mesmo nessas, conseguimos produzir uma melhor aceitação e maneira de lidar com o sofrimento, melhoramos a qualidade de vida e tentamos aumentar a sobrevida nas doenças incapacitantes ou mesmo graves, mas isso é apenas um desejo. Nestas o importante é fazer do paciente um co-terapeuta da sua própria doença. Nesta terapia há uma operação cerebral? Sim, é uma operação cerebral simbólica. É como se nós ao evocarmos algum tipo de conhecimento ou informação que a pessoa possui, seja de maneira simbólica, imaginal no sentido de ter acontecido ou do domínio do possível, seja uma criação no momento da sessão, esse conhecimento activará áreas do cérebro que estavam mudas. A pessoa obtém uma determinada informação que recontextualiza a anterior. No fundo, quando se visualizam novos dados, quaisquer que eles sejam, reais, imaginários ou outros, o corpo envolve-se, e o corpo inclui o cérebro. Há aí qualquer modificação nos estados cerebrais e essas visualizações vivenciadas, que estudei com o professor Luís Sobrinho, alteram até a parte neuroquímica hormonal de acordo com as imagens serem ou não serem mais ou menos impactantes. Estudamos bastantes doentes no IPO e chegamos à conclusão de que as pessoas com imagens negativas, de violência, de luta, têm uma produção aumentada das hormonas ligadas ao stress. Nessa visualização não estamos apenas a tratar informação, porque se fosse um tratamento de informação, só isso, teríamos a mesma resposta a um tratamento de uma imagem com a mesma qualidade de impressão, qualquer que fosse o conteúdo. Imagens de um carro ou de uma pessoa a matar outra podem ter a mesma qualidade de impressão, mas a informação é diferente. Há algo que esta ciência dita cognitiva e de processamento de informação esquece. Estamos a lidar com emoção. É como andássemos só ao nível do córtex cerebral. Mas esquecemo-nos de um cérebro mais antigo, o cérebro reptliano, que dá o colorido à vivência, à cognição, dá cor. Capto a imagem impressa de informação, mas depois tenho um cérebro mais abaixo do cortéx que dá colorido, dá cor, e que diz isto é violento, isto é crime. Como houvesse informação à priori? Sim. A tal operação trata disso. Ao visualizarmos, o corpo envolve-se nisso, altera-se até quimicamente, porque há emoção e vivencia. Aí há novas áreas, ou melhor, novas conexões neuronais que vão ser activadas com a prática, com a submissão a uma, duas, três, dez sessões de terapia. Além disso, damos um outro contexto àquilo que a pessoa traz.Tenho medo de cães porquê? É como se a pessoa tivesse um azulejo pequenino que encontrou caído no chão de um painel de azulejos, e tem um cão a ladrar. E tem medo dos cães. Quando a pessoa é colocada em frente desse azulejo (reestruturação vivencial) começa a ver que à volta do cão há uma outra pessoa que está a ser torturada pelo cão, há outras pessoas a 53 E em relação a estas novas abordagens e técnicas terapêuticas, pelo menos, manter a dúvida, isto é, não dizer isso é impossível, isso não resulta, não vale a pena, mas manter uma certa sabedoria da incerteza. Porque se passam a ter certezas nunca vão descobrir nada de novo. Dizer: não sei, não rejeito, vou ver. Viver na incerteza é um acto de sabedoria… 54 Uma operação com regras, bem definida… Sim, trata-se de uma terapia onde se aprende a lidar com este tipo de fenómenos. Se for feito por uma pessoa que não conheça estes estados modificados de consciência pode fazer com que a pessoa saia dessa vivência ainda pior. Se não limpou, se não tratou, se não recontextualizou, se não deu sentido e traz a pessoa de novo para o estado vigil e o deixa ficar naquela vivência onde esteve, pode andar durante dias a vivenciar aquelas cenas como se se tratasse de um flash-back. É preciso ter cuidado com quem se vai ter para fazer uma terapia destas. Os pacientes têm de ser acompanhados à posteriori, naquele estado não há vontade completa sobre o acontecer, nem o terapeuta nem o paciente sabem para onde vão durante a sessão. Há um acontecer, um fazer-se, um trabalho em progresso. Este tipo de terapias têm de ser feitas com um certo cuidado, com um certo recato, em contexto terapêutico e com pessoas que saibam. em muitas áreas da ciência, que se conhece muito, mas sabe-se pouco, para ilustrar o que acabo de dizer. Valor como conhecimento pessoal não há dúvida. Mas a experiência subjectiva tem interesse para a ciência e é possível ser validada. A experiência subjectiva de 500 pessoas tem pontos comuns. Se há pontos comuns, há indícios fortes de que a experiência subjectiva que é comum porventura existe, tal e qual como existe a ilusão. A ilusão existe. A ilusão tem poder para alterar o meu comportamento e não deixa de ser uma experiência subjectiva. Se estou desiludido, é porque andava iludido e a ilusão fez-me ter comportamentos nesse sentido. A experiência subjectiva pode estar a falar de mundos subjectivos que são comuns à humanidade e que são capazes de provocar comportamentos. Tem uma consistência, talvez não palpável, mas tem a consistência da nossa cultura. As regras sociais, que não são palpáveis, existem e influenciam-nos. A ciência também deve recorrer da experiência subjectiva que é tratada inter-subjectivamente, ouvindo muitas experiências, e a certa altura passamos a ter consciência de mundos que diria subjectivos, imaginais, mas com capacidade de influenciar o nosso estar no mundo actual tal e qual como objectos reais. E como se estuda a experiência subjectiva? Primeiro deve ser considerada tão válida como qualquer outra como forma de obtenção do conhecimento. Conhecimento com valor para a ciência? É outra questão. Diz-se, Esta ciência tem uma carga subjectiva imensa… Sou médico, não rejeito nada, absolutamente nada, das teorias psicoterapêuticas, seja do próprio modelo biomédico. Pelo contrário, isto é apenas para potenciar, para aumentar assistir, afinal estou a perceber, a pessoa está ali porque era um lutador por uma causa, é um mártir (tem a visão do painel). Contextualizou aquele azulejozinho que trouxe e criou um painel. o poder terapêutico. Sendo placebo ou não, não me interessa. Sei que melhora a qualidade de vida das pessoas e, eventualmente, pode levar à cura de algumas situações que até ali, pelos métodos anteriormente usados, não foi possível. É importante manter isto. Não é rejeitar de modo nenhum nenhuma das outras abordagens, pelo contrário, integro-as e potencio-as. E é nessa integração que se consegue criar uma unidade mais válida. Não estou a tratar uma doença, estou a tratar a pessoa.Vejo a pessoa como uma unidade. Com os EMC consegue-se ter uma melhor vida? Nas neoplasias, em várias localizações, é o tempo de sobrevida que as pessoas têm, é a diminuição de dias de mal-estar, o aumento de qualidade de vida. A evolução dos marcadores tumorais é muito mais lenta, pelo menos em alguns casos. Em termos de dor crónica estou a lembrar-me de cefaleias resistentes ao tratamento, com consumo grande de fármacos, em situações agudas. Num estudo que fizemos, descobrimos que essa dor vinha sempre de humilhação ligadas à infância, não de quedas, mas de maus-tratos em público. Tratados e trabalhados sobre estado de hipnose, tivemos os resultados, e eram todas situações de fim de linha, de 1/3 melhorarem francamente, 1/3 ficou livre, sem mais dores, no outro terço nada conseguimos. Que palavras para profissionais de saúde? Ter uma atitude benevolente querendo bem à saúde mental. Não haver uma desconfiança apriorística e aceitar que grande parte do nosso mal-estar vem exactamente de emoções perturbadas muito ligadas à saúde mental, ter uma certa aceitação de que existem pessoas capazes de lidar com essas situações e não ter receio de recomendar quando o próprio profissional de saúde não consegue lidar com as situações. Encaminhar para o psiquiatra ou psicólogo de modo a que pessoa não se sinta rejeitada. E em relação a estas novas abordagens e técnicas terapêuticas, pelo menos, manter a dúvida, isto é, não dizer isso é impossível, isso não resulta, não vale a pena, mas manter uma certa sabedoria da incerteza. Porque se passam a ter certezas nunca vão descobrir nada de novo. Dizer: não sei, não rejeito, vou ver.Viver na incerteza é um acto de sabedoria, porque se há certezas absolutas, vai continuar a dizer que a produção da úlcera gástrica, como aprendi, era devido ao excesso de ácido, e chupavam-se umas pastilhas, davam-se umas papas e bebiase muito leite. Mas porque houve alguém que não tinha a certeza e veio a descobrir uma bactéria, embora quando o disse foi ridicularizado.Vinte e seis anos depois tem o Prémio Nobel da Medicina pela descoberta da bactéria. É fundamental manter essa humildade de uma sabedoria de incerteza constante. 55 56 Gilberto Alves Farmacêutico e Estudante de Doutoramento do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade de Coimbra Nulita Lourenço Médica Interna do Serviço de Medicina Interna; Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco Amílcar Falcão Professor Catedrático do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade de Coimbra (Parte I) Tratamento Médico da Epilepsia A Evolução na Farmacoterapia Introdução O cérebro é talvez o órgão mais admirável e enigmático do ser humano e continua a inquietar toda a comunidade científica. A última década do século passado foi considerada a “Década do Cérebro”. De facto, desde o início dos anos 90 que se tem assistido a um aumento exponencial da investigação na área das neurociências. Os novos conhecimentos têm, indubitavelmente, permitido um entendimento crescente das funções cerebrais e dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes a diversos distúrbios neurológicos, porém, muito mais estará ainda por desvendar. Na realidade, apesar dos avanços recentes na genética e na biologia molecular, do desenvolvimento de novas técnicas de imagiologia e da descoberta de novas estratégias terapêuticas, muitas são as doenças neurológicas que continuam a afectar a qualidade de vida de milhões de pessoas, entre elas a epilepsia. A epilepsia não é uma condição patológica única, mas antes uma família de diversas perturbações do cérebro, de etiologias variadas, que têm em comum uma predisposição aumentada para interrupções recorrentes e imprevisíveis da função cerebral normal, designadas crises epilépticas (Fischer et al., 2005). A epilepsia compreende, efectivamente, um grupo heterogéneo de perturbações neurológicas com mais de 40 síndromas diferentes e cujas manifestações clínicas apresentam grande variabilidade (McNamara, 2006). Estima-se que afectem cerca de 3% da população em algum momento das suas vidas, com maior incidência em doentes com menos de 1 ano e naqueles com mais de 75 anos (Jarrar e Buchhalter, 2003; Berkovic et al., 2006). Nota O artigo Tratamento Médico da Epilepsia é constituído por IV partes. Publicada neste número a Parte I – A Evolução na Farmacoterapia, nos próximos três números da Ser Saúde são publicadas as partes II – A Cirurgia (Ser Saúde 12), III – A Estimulação Vagal (Ser Saúde 13) e IV – A Dieta Cetogénica (Ser Saúde 14). 57 58 A epilepsia não é uma condição patológica única, mas antes uma família de diversas perturbações do cérebro, de etiologias variadas, que têm em comum uma predisposição aumentada para interrupções recorrentes e imprevisíveis da função cerebral normal, designadas crises epilépticas. Opções terapêuticas O tratamento das perturbações epilépticas é quase sempre multifacetado, ou seja, é orientado em diversas vertentes de forma a tratar as condições subjacentes que causam ou contribuem para as crises, a evitar os factores precipitantes e a suprimir as crises epilépticas, sem esquecer alguns aspectos de natureza psicológica e social. A terapia farmacológica com os antiepilépticos disponíveis está estabelecida como a primeira opção terapêutica para o controlo e prevenção das crises epilépticas, porém, outras terapias não farmacológicas como a cirurgia, a estimulação do nervo vago e a dieta cetogénica parecem constituir alternativas a considerar nas situações de epilepsia fármaco-resistente (Costa, 2002; Sheth, Stafstrom e Hsu, 2005; Oijen et al., 2006). Fármacos antiepilépticos Apesar do progresso no entendimento da patogénese das crises epilépticas, a base celular da epilepsia humana não está ainda totalmente compreendida e, na ausência de uma etiologia específica, a terapia farmacológica é dirigida directamente ao controlo dos sintomas, ou seja, à abolição das crises (Loscher e Schmidt, 2002). De facto, hoje, tal como aconteceu no passado, a administração crónica de fármacos antiepilépticos continua a ser a modalidade de tratamento inicial para a vasta maioria dos doentes com epilepsia (Glauser et al., 2006). Então, os objectivos do tratamento da epilepsia passam por alcançar uma condição de completa ausência de crises sem originar efeitos adversos significativos, reduzir a morbilidade e a mortalidade associada e, naturalmente, melhorar a qualidade de vida dos doentes (Gidal e Garnett, 2005; Sander, 2004). boa tolerabilidade em animais de laboratório. A partir desse momento a indústria farmacêutica e a academia começaram a explorar novos métodos de indução de crises em animais e a testar experimentalmente a potência anticonvulsivante das novas moléculas sintetizadas (Krall et al., 1978). Desde a descoberta da FNT até ao início dos anos 70 muitos foram os fármacos antiepilépticos introduzidos na clínica, designadamente, a primidona (PRM), a etossuccimida (ESM), a carbamazepina (CBZ), o ácido valpróico (AVP) e algumas benzodiazepinas (BZDs), particularmente o diazepam, o clonazepam (CNZ) e o clorazepato (Krall et al., 1978; Bazil e Pedley, 1998; Perucca, 2001). O surgimento da maioria destes fármacos proporcionou vantagens importantes em relação ao FB, especialmente uma melhor tolerabilidade e, concretamente no caso do AVP, um espectro de eficácia mais alargado contra os diferentes tipos de crises (Perucca, 2001). A abordagem farmacológica da epilepsia com o intuito de prevenir a ocorrência das crises epilépticas iniciou-se há cerca de 150 anos com a introdução dos brometos. Estes compostos mostraram eficácia na redução da frequência das crises e, apesar da sua toxicidade, constituíram os únicos compostos usados durante cerca de 55 anos. Em 1912, casualmente, foi descoberta a actividade antiepiléptica do fenobarbital (FB), o qual provou ser mais eficaz e menos tóxico que os brometos. Mais tarde, em 1938, a fenitoína (FNT) foi introduzida na prática clínica depois de ter demonstrado actividade anticonvulsivante e Até ao início da última década do século XX, proclamada a “Década do Cérebro”, as opções farmacológicas disponíveis para controlar a epilepsia limitavam-se aos principais antiepilépticos clássicos ou de primeira geração tais como o FB, a FNT, a PRM, a ESM, a CBZ, o AVP e algumas BZDs. No entanto, estes fármacos mostraram-se insuficientes para responder com sucesso ao pressuposto mais elementar do tratamento da epilepsia, ou seja, ao controlo das crises epilépticas. Estes fármacos antiepilépticos de primeira geração possibilitam o controlo das 59 O tratamento das perturbações epilépticas é quase sempre multifacetado, ou seja, é orientado em diversas vertentes de forma a tratar as condições subjacentes que causam ou contribuem para as crises, a evitar os factores precipitantes e a suprimir as crises epilépticas, sem esquecer alguns aspectos de natureza psicológica e social. 60 Tabela 1 Tipos de crises epilépticas e principais opções farmacológicas Tipos de crises Opções Farmacológicas 1ª Linha 2ª Linha Outras CBZ, LTG, OXC, AVP,TPM GBP, LEV, PGB, TGB, ZNS CNZ, FNT, FB a) Tónico-clónicas CBZ, LTG, AVP, TPM LEV, OXC, ZNS CNZ, FNT, FB b) Ausências ESM, LTG, AVP CNZ,TPM c) Mioclónicas AVP,TPM CNZ, LTG, LEV, ZNS d) Tónicas LTG, AVP CNZ,TPM, ZNS e) Atónicas LTG, AVP CNZ,TPM, ZNS 1. Parciais a) Com ou sem generalização 2. Generalizadas FBM, LEV, FB, FNT ZNS, FBM, LEV, FB Adaptado de Ducan et al., 2006. crises epilépticas somente em 50% dos doentes que apresentam crises parciais e em 60/70% daqueles que desenvolvem crises generalizadas (Ducan, 2002). Para além da ausência do controlo das crises epilépticas em mais de 30% dos doentes, estes fármacos exibem uma margem terapêutica estreita e uma variabilidade inter-individual pronunciada na sua farmacocinética, sendo candidatos à monitorização farmacoterapêutica e à individualização da posologia para minimizar a ocorrência de efeitos adversos (Gatti et al., 2000; Johannessen e Tomson, 2006). Infelizmente, alguns dos efeitos indesejáveis são clinicamente relevantes, salientando-se a sedação causada pelo FB, PRM e BZDs, as reacções de hipersensibilidade induzidas pela CBZ, a hiperplasia gengival e o hirsutismo devidos à FNT e o aumento de peso provocado pelo AVP (Gatti et al., 2000). Estes fármacos muitas vezes podem também causar distúrbios cognitivos, hematológicos e endócrinos ou mesmo induzir efeitos teratogénicos (French, 2001; Beghi, 2004; Stefan e Feuerstein, 2007). Além dos inconvenientes já referidos, a maioria dos fármacos antiepilépticos de primeira geração apresenta um elevado potencial para interacções farmacológicas, pois são potentes indutores ou inibidores das enzimas hepáticas, limitando a sua utilização em regimes de politerapia (Brodie e French, 2000; Gatti et al., 2000; Beghi, 2004). Face à necessidade de alternativas farmacológicas melhoradas e em resultado do conhecimento crescente acerca da neurobiologia da epileptogénese, desde o início da década de 90 que se tem assistido a progressos consideráveis na farmacoterapia da epilepsia (Bazil e Pedley, 1998; Loscher e Schmidt, 2002). A partir de então foram introduzidos na prática clínica diversos novos fármacos antiepiléticos ou de segunda geração, entre eles a vigabatrina (VGB), o felbamato (FBM), a gabapentina (GBP), a lamotrigina (LTG), o topiramato (TPM), a tiagabina (TGB), a oxcarbazepina (OXC), o levetiracetam (LEV), a zonisamida (ZNS) e a pregabalina (PGB), e de formulações melhoradas de alguns antiepilépticos de primeira ou de segunda geração (Johannessen e Tomson, 2006; Bialer et al., 2007; Stefan e Feuerstein, 2007). O aparecimento repentino de uma nova geração de fármacos antiepilépticos proporcionou um alargamento considerável nas opções terapêuticas farmacológicas para prevenir a ocorrência das crises epilépticas parciais e generalizadas (Tabela 1), constituindo novas oportunidades para os doentes com epilepsia intratável (French, 2001). Efectivamente, o principal factor que impulsionou o desenvolvimento dos antiepi- 61 Face à necessidade de alternativas farmacológicas melhoradas e em resultado do conhecimento crescente acerca da neurobiologia da epileptogénese, desde o início da década de 90 que se tem assistido a progressos consideráveis na farmacoterapia da epilepsia. 62 Tabela 2 Mecanismos de acção dos principais fármacos antiepilépticos Mecanismo de acção Fármacos Antiepilépticos 1ª Geração 2ª Geração a) Bloqueio de canais de Na+ CBZ*, FNT*, AVP† LTG*, OXC*, FBM#, TPM#, ZNS#, GBP† b) Bloqueio de canais de Ca2+ ESM*, FB†, AVP† GBP*, PGB*, TPM#, ZNS#, FBM†, LTG†, LEV† 2. Potenciação da neurotransmissão gabérgica FB*, BZDs*, AVP# TGB*, VGB*, FBM#, GBP#, TPM#, LEV† 3. Redução da neurotransmissão glutamatérgica FB†, AVP† FBM#, TPM#, LEV† 1. Modulação dos canais iónicos 4. Ligação à proteína 2A das vesículas sinápticas * LEV* Mecanismo primário; # Mecanismo provável; † Mecanismo possível. Adaptado de Kwan e Brodie, 2006. lépticos de segunda geração foi a necessidade premente de controlar as crises epilépticas nos doentes refractários aos antiepilépticos clássicos (Gatti et al., 2000). Contudo, os resultados subsequentes não corresponderam às expectativas esperadas. Os estudos de eficácia com os novos fármacos antiepilépticos, em terapia adjuvante, têm indicado uma redução de 50% na frequência das crises apenas em 32/37% dos doentes refractários e quando consideradas as doses mais altas testadas (French, 2007). Concretamente, apenas 15/20% dos doentes refractários aos antiepilépticos clássicos parecem permanecer livres de crises ao usufruir da terapia com os antiepilépticos de segunda geração (Perucca, French e Bialer, 2007). Em adição, nos doentes com epilepsia não tratada ou recém diagnosticada, as evidências decorrentes de diversos estudos clínicos em monoterapia, não têm demonstrado uma eficácia superior dos antiepilépticos de segunda geração comparativamente aos da primeira geração, considerando vários tipos de crises epilépticas em diferentes grupos etários (Glauser et al., 2006). Apesar dos novos fármacos antiepilépticos não apresentarem uma eficácia claramente superior em relação aos antiepilépticos clássicos, o valor adicional que representam para a prática clínica é inquestionável. De facto, para além de permitirem a redução na frequência das crises em alguns doentes com um impacto positivo na qualidade de vida, oferecem ainda um espectro de actividade alargado, novos mecanismos de acção, um perfil de tolerabilidade melhorado, características farmacocinéticas favoráveis e menor potencial de interacções farmacológicas (French, 2001; Deckers et al., 2003). Atendendo à cronicidade da epilepsia, à elevada incidência em idades extremas e aos inconvenientes evidenciados pelos antiepilépticos clássicos, as propriedades farmacológicas melhoradas dos novos fármacos garantem uma maior segurança no tratamento de determinadas populações especiais: crianças, idosos e mulheres em idade fértil (Brodie e French, 2000; Leppik, 2001; Deckers et al., 2003; Glauser et al., 2006). Por outro lado, quando o tratamento em monoterapia não possibilita um controlo adequado das crises epilépticas, os regimes de politerapia são uma opção a considerar. Efectivamente, os antiepilépticos de segunda geração para além de proporcionarem um maior espectro de opções disponíveis, apresentam ainda características farmacológicas benéficas para os regimes de terapia combinada. A combinação de fármacos antiepilépticos com mecanismos de acção complementares parece ser uma opção bem 63 64 sucedida em alguns casos de epilepsia refractária (Stephan e Brodie, 2002; Kwan e Brodie, 2006). Os mecanismos de acção propostos para os principais fármacos antiepilépticos são apresentados na Tabela 2. Globalmente, perante as evidências científicas actuais, os antiepilépticos de segunda geração apenas são recomendados como primeira escolha em condições clínicas específicas em que os antiepilépticos clássicos tenham mostrado inefectividade ou estejam contra-indicados (Perucca, 2002; Deckers et al., 2003; Beghi, 2004; Glauser et al., 2006). Porém, alguns dos novos fármacos antiepilépticos já são considerados fármacos de primeira linha em diversos tipos de crises epilépticas (Tabela 1). Neste momento é importante focar que, embora os novos fármacos antiepilépticos pertençam a uma mesma geração, todos eles são fármacos com características próprias em que a relação risco/benefício intrínseca a cada um deles deverá ser avaliada individualmente e a sua utilização na terapêutica terá sempre que atender à situação clínica específica do doente. As únicas propriedades que estes fármacos partilham são uma experiência clínica a longo prazo mais limitada e um maior custo que os antiepilépticos clássicos (Tomson, 2004). Infelizmente, a recente introdução na prática clínica de diversos fármacos antiepilépticos não foi suficiente para reduzir substancialmente o número de doentes com epilepsia intratável. De facto, apesar da disponibilidade actual de mais de 15 fármacos antiepilépticos, cerca de 30% dos doentes mantêm-se refractários à terapêutica farmacológica (Perucca, French e Bialer, 2007). Mesmo nos doentes em que a farmacoterapia é eficaz, os fármacos antiepilépticos existentes parecem não impedir a progressão da epilepsia e, por vezes, os efeitos laterais que apresentam impedem o seu uso continuado. Além disso, os antiepilépticos actualmente disponíveis parecem não interromper o desenvolvimento da epilepsia após determinados danos iniciais, tais como traumatismo craniano e acidente vascular cerebral (Loscher e Schmidt, 2006). Neste momento, mais de 20 novos compostos com actividade antiepiléptica potencial estão em diferentes fases de desenvolvimento clínico e alguns deles parecem ser candidatos para a neuroprotecção (Perucca, French e Bialer, 2007; Stefan e Feuerstein, 2007). Alguns destes novos candidatos a fármacos antiepilépticos são análogos estruturais de fármacos antiepilépticos já existentes, outros visam modular substratos fisiológicos específicos implicados na geração e propagação das crises epilépticas e outros ainda resultaram de processos de screening em vários modelos animais apropriados para a identificação de compostos com acção anticonvulsivante (Bialer, 2006; Perucca, French e Bialer, 2007). Por outro lado, quando o tratamento em monoterapia não possibilita um controlo adequado das crises epilépticas, os regimes de politerapia são uma opção a considerar. Efectivamente, os antiepilépticos de segunda geração para além de proporcionarem um maior espectro de opções disponíveis, apresentam ainda características farmacológicas benéficas para os regimes de terapia combinada. 65 Bibliografia 66 Bazil, C.W.; Pedley,T.A. – Advances in the medical treatment of epilepsy. Annu. Rev. Med. 49 (1998) 135-162. Beghi, E. – Efficacy and tolerability of the new antiepileptic drugs: comparison of two recent guidelines. Lancet Neurol. 3 (2004) 618-621. Berkovic, S.F. [et al.] – Human epilepsies: interaction of genetic and acquired factors. Trends Neurosci. 29:7 (2006) 391-397. Bialer, M. – New antiepileptic drugs that are second generation to existing antiepileptic drugs. Expert Opin. Investig. Drugs. 15:6 (2006) 637-647. Bialer, M. [et al.] - Progress report on new antiepileptic drugs: A summary of the Eigth Eilat Conference (EILAT VIII). Epilepsy Res. 73:1 (2007) 1-52. Brodie, M.J.; French, J.A. – Management of epilepsy in adolescents and adults. Lancet. 356 (2000) 323-329. Costa, J.C. – Surgical treatment of epilepsies in children. J. Pediatr. (Rio J.). 78:Supl 1 (2002) S28-S39. Deckers, C.L.P. [et al.] – Selection Criteria for the Clinical Use of the Newer Antiepileptic Drugs. CNS Drugs. 17:6 (2003) 405-421. Ducan, J.S. – The promise of new antiepileptic drugs. Br. J. Clin. 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Assim, o número elevado de moléculas com actividade antiepiléptica potencial, presentemente em ensaios clínicos, é mais um sinal de esperança para os doentes com epilepsia não controlada. 67 Ana Azevedo Licenciada em Enfermagem, Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstétrica, docente na Escola Superior de Saúde de Bragança, mestranda em Ciências de Enfermagem Isabel Maia Licenciada em Enfermagem, docente no ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, mestranda em Ciências de Enfermagem João Pedro Licenciado em Enfermagem, Enfermeiro Graduado no Serviço de Medicina no Hospital Pediátrico de Coimbra, mestrando em Ciências de Enfermagem Jorge Ribeiro Licenciado em Enfermagem, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, Enfermeiro Graduado no Serviço de Neurocirurgia 1 dos Hospitais da Universidade de Coimbra, mestrando em Ciências de Enfermagem Marta Barbosa Enfermeira no Serviço de Hemato-oncologia do Instituto de Oncologia do Porto, mestranda em Ciências de Enfermagem 68 Abordagem autónoma Resumo A dor é um fenómeno complexo, uma realidade com um grau de abstracção e indefinição sujeita a constantes transformações, que pode interferir nas vertentes biofisiológicas, bioquímicas, psicossociais, comportamentais e morais das pessoas. É, portanto, difícil de definir. No entanto, esta dificuldade não deve, em momento algum, interferir na sua valorização, compreensão e, consequentemente, seu controlo. O controlo da dor é um desafio que deverá estar presente no dia-a-dia de qualquer profissional de saúde e que, «pode e deve ser tratada, com perspectivas de êxito proporcionais ao entendimento que dela temos e fazemos, à adequação e preparação científica dos serviços e profissionais de saúde envolvidos e ao manejo judicioso de todos os recursos, técnicos e humanos disponíveis» (Direcção Geral de Saúde, 2001). 69 do enfermeiro na dor A singularidade e individualidade de cada pessoa confere ao fenómeno dor um carácter subjectivo e único que depende da percepção individual, da percepção do utente, influenciada por vários factores mas, também, da percepção do enfermeiro, sendo, mais uma vez, fundamental salientar a importância da sensibilização para este fenómeno e do desenvolvimento de uma relação terapêutica que irá consolidar a comunicação e a confiança entre enfermeiro/utente, pilar preponderante para o estabelecimento do plano terapêutico. Com este propósito, iremos, inicialmente, referir algumas definições de dor e sua evolução histórica enquanto preocupação humana, bem como abordar questões relacionadas com a percepção da dor, actividade neurofisiológica, características e tipos de dor e a sua avaliação. De seguida, iremos contextualizar as intervenções autónomas dos enfermeiros nesta temática e proceder a abordagem de intervenções não farmacológicas. Utilizaremos como metodologia a pesquisa bibliográfica e a reflexão, individual e em grupo. Dor O conceito dor tem evoluído, fruto de investigações, experiências e estudos acerca desta problemática.Vários autores debruçaram-se sobre esta temática, dedicaram-se ao estudo da dor e tentaram elaborar um conceito que a definisse claramente. A International Association for the Study of Pain, IASP, define dor como «uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano tecidular presente ou potencial, ou descrita em termos de tal dano» (CORDEIRO et al, 2005). Passa a estar implícito o seu carácter subjectivo como corroborado por MCCAFFERY (1989) quando diz que dor «…é aquilo que a pessoa que está a sentir diz que é…». 70 Ainda de acordo com a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem, CIPE, (2000), «dor é um tipo de sensação com as características específicas: aumento da percepção sensorial de partes do corpo habitualmente acompanhada por experiência subjectiva de sofrimento intenso, com expressão facial característica, olhos baços e apagados, olhar sofrido, movimento facial fixo ou disperso, esgares, alteração do tónus muscular, variação da apatia à rigidez, comportamento autoprotector, estreitamento do foco de atenção, alteração da percepção do tempo, fuga do contacto social, compromisso do processo de pensamento, comportamento de distracção marcado por gemidos, choro, andar a passos largos, procurar sem descanso outras pessoas ou actividades…». Devido a este carácter subjectivo torna-se praticamente inviável uma definição mais objectiva que restrinja o âmbito de avaliação da dor. Não há meios objectivos para confirmação da existência de dor. Na tentativa de objectivar o mais possível a abordagem à dor, a Direcção Geral de Saúde, em 2003, considera a dor como o 5º Sinal Vital e define-a como «…uma experiência multidimensional desagradável que envolve não só a componente sensorial como uma componente emocional da pessoa que a sofre. Por outro lado, a dor associa-se ou é descrita como associada a uma lesão tecidular concreta ou potencial». Assim, e dada a sua complexidade/subjectividade importa fazer uma abordagem da pessoa e do seu quadro de dor da forma o mais abrangente possível para melhor conhecer o que está a ser vivenciado. A partir deste pressuposto será possível planear estratégias conjuntas, as mais adequadas possíveis àquela pessoa, para controlo eficaz da dor. Percepção da dor Existe no fenómeno da dor um marcado toque pessoal, constituindo uma experiência singular, cuja percepção pode ser influenciada por vários componentes, segundo Metzger et al (2002). A dor é um fenómeno complexo, uma realidade com um grau de abstracção e indefinição sujeita a constantes transformações, que pode interferir nas vertentes biofisiológicas, bioquímicas, psicossociais, comportamentais e morais das pessoas. É, portanto, difícil de definir. No entanto, esta dificuldade não deve, em momento algum, interferir na sua valorização, compreensão e, consequentemente, seu controlo. Componente sensório-discriminativa Corresponde aos aspectos qualitativos e quantitativos da sensação dolorosa, ou seja, aquilo que a pessoa sente. Algumas questões simples permitem delimitar esta componente. Onde se localiza a dor? Em que sítio? É superficial ou profunda? Tem irradiação? A que se assemelha? Qual é a sua intensidade? O que a alivia ou agrava? A componente sensório-discriminativa tem valor semiológico porque as respostas às perguntas feitas permitem evocar possíveis causas. Esta componente é a que com mais frequência é evidenciada. Componente afectiva e emocional Corresponde aos aspectos desagradáveis e penosos da dor, isto é, ao modo como a pessoa a sente. A dor pode ser descrita como um simples mal-estar suportável ou como penosa, terrível, fatigante, deprimente e insuportável. A componente afectiva e emocional depende essencialmente do carácter e da personalidade da pessoa que a sente. Componente cognitiva Corresponde aos processos mentais postos em jogo pela dor, ou seja, aos significados (conscientes ou não) que o doente lhe atribui. Esta componente depende, eminentemente, de factores sócio-culturais bem como da história pessoal e familiar da pessoa. São muitos os factores intricados de modo determinante na componente cognitiva. A relação que o indivíduo mantém com a dor, depende, antes de mais, da sua educação, do meio familiar e social em que cresceu, sendo primordial a atenção que esse meio prestou aos acidentes dolorosos na infância. Como qualquer dor inflige limitação dos movimentos do corpo, a 71 72 relação com este, que depende da educação e da profissão, influencia igualmente os processos cognitivos. A natureza da afecção responsável pela dor condiciona-a igualmente, porque é evidente que o significado não é o mesmo consoante se trate de uma afecção de evolução aguda, curável, ou de uma afecção grave de evolução inelutável. Por fim, as circunstâncias em que a dor sobrevém, assim como os eventuais benefícios primários (atenção dispensada ao doente, isenção de impostos pesados) ou secundários (compensação financeira no caso de acidente de trabalho) também influenciam o significado da experiência dolorosa. Componente comportamental Corresponde ao conjunto de todas as manifestações da dor, conscientes ou não. Entre as manifestações inconscientes existem, para além das reacções neuro-endócrinas e neurovegetativas, manifestações não verbais, ou seja, atitudes e mímicas, bem como manifestações verbais, palavras e expressões, que podem traduzir muito sobre a origem da dor. As dores violentas revelam-se, quase sempre, através de manifestações extremas: gritos, lamentações, palavrões, choro, palidez, taquicardia ou bradicardia que podem levar à perda de consciência. Atendendo aos elementos evocados pelas componentes cognitivas e afectivo-emocionais, compreende-se que, apesar de um mesmo mecanismo e de uma mesma causa de dor, as pessoas não se queixam todos da mesma maneira. Características e tipos de dor No que respeita à duração, METZGER et al (2002) considera a dor aguda e crónica. Assim, sistematizando podemos considerar a dor aguda aquela que é provocada por uma lesão interna ou externa, cuja intensidade se correlaciona com o estímulo desencadeante, é claramente localizada e tem, como já foi exposto, uma função de advertência e protecção. A dor crónica é aquela com duração superior a seis meses, que não se associa à ocorrência que a provocou, cuja intensidade deixa de estar correlacionada com um estímulo causal, sem função de advertência ou protecção, e que se tornou por si só numa doença, o que representa um desafio terapêutico especial. A dor nociceptiva surge por estimulação dos nociceptores e pode estar relacionada com um estímulo sem lesão tecidular como no caso do choque eléctrico e, se não alterar o funcionamento das vias nociceptivas, provoca uma dor passageira; ou derivar de uma lesão tecidular real que pode ser aguda, como é o caso das queimaduras e fracturas, ou crónica, como é o caso do cancro em evolução Nestes casos (lesão tecidular real) podem surgir fenómenos de sensibilidade periférica ou central. A dor neuropática surge no decurso de uma lesão do sistema nervoso central ou periférico, com diminuição dos mecanismos A singularidade e individualidade de cada pessoa confere ao fenómeno dor um carácter subjectivo e único que depende da percepção individual, da percepção do utente, influenciada por vários factores mas, também, da percepção do enfermeiro, sendo, mais uma vez, fundamental salientar a importância da sensibilização para este fenómeno e do desenvolvimento de uma relação terapêutica que irá consolidar a comunicação e a confiança entre enfermeiro/ utente, pilar preponderante para o estabelecimento do plano terapêutico. inibidores nociceptivos, por disfunção das vias nociceptivas, ou por irritação/lesão de qualquer um dos elementos que as constituem. Estas alterações podem ser de origem traumática, tóxica, metabólica, entre outras. A dor psicogénica parece não possuir uma base fisiológica. Na ausência comprovada de qualquer prejuízo orgânico observável, as queixas dolorosas referidas podem ser devidas a patologia rara desconhecida, patologia qualificada de funcional, enquadrada nas afecções psicossomáticas ou uma psicopatologia. Avaliação da dor Os profissionais de Enfermagem têm dedicado cada vez mais importância à avaliação e controle da dor. A avaliação é uma actividade integrante das suas funções, por ser indispensável, de acordo com os padrões de qualidade da Ordem dos Enfermeiros, à excelência e qualidade dos cuidados de saúde prestados. Uma avaliação da dor a mais correcta e objectiva possível é o ponto de partida para o início e optimização das medidas de controlo deste sintoma tão temido. Esta premissa levanta algumas questões, como a dificuldade em conhecer o desconforto real vivenciado pela pessoa com dor, as respostas e adaptações orgânicas diferentes relativamente à dor e a interpretação de escalas de avaliação da dor numa perspectiva que não a das pessoas com dor. 73 Cada pessoa experimenta e expressa a dor de forma única, assim como lhe atribui significados ou explicações pessoais diferentes. Os significados que o enfermeiro atribui à dor podem interferir e não corresponder à avaliação que o doente esperava. Avaliar a dor é muito mais do que tornar objectivo algo subjectivo e pessoal. Avaliar a dor é descobrir a verdadeira natureza e o significado da experiência e vivência dolorosa, ou seja, engloba um conjunto de informações, história de dor, que são fundamentais para a identificar e quantificar. 74 METZGER et al (2002), salienta a ideia de que para efectuar uma correcta avaliação da dor o enfermeiro deve apoiar-se numa entrevista e na observação, tendo também em consideração os aspectos comportamentais e fisiológicos da pessoa, não esquecendo que estes não podem ser utilizados como indicadores exclusivos da existência de dor, na medida em que, muitas vezes, algumas pessoas fazem algum esforço para a tentar ocultar do enfermeiro. A avaliação da dor deve começar por uma entrevista destinada a recolher a história da dor vivida pelo doente. Não deve ser exaustiva, no entanto, de acordo com CARDOSO (1999), deve permitir dar uma série de resposta: • História de vida do doente; • Circunstâncias em que a dor aparece; • História da dor; • Localização da dor; • Qualidade da dor; • Frequência da dor; • Intensidade da dor; • Repercussões sobre as actividades de vida e sobre a qualidade de vida. A relação que o indivíduo mantém com a dor, depende, antes de mais, da sua educação, do meio familiar e social em que cresceu, sendo primordial a atenção que esse meio prestou aos acidentes dolorosos na infância. Como qualquer dor inflige limitação dos movimentos do corpo, a relação com este, que depende da educação e da profissão, influencia igualmente os processos cognitivos. Quantificação da dor O Plano Nacional de Luta Contra a Dor (2001) denomina a dor como um verdadeiro problema de saúde pública em virtude das incapacidades por ela geradas e a grande influência na qualidade de vida de cada um, assim como o impacto económico derivado do nível de absentismo por ela provocado. Trata-se de uma área que importa explorar para melhor conhecer, valorizar e definir actuações ajustadas. Na avaliação da dor, o auto-relato deve ser uma fonte primordial para a avaliação, podendo igualmente recorrer-se ao uso de escalas de avaliação da dor para melhor a quantificar e objectivar. Para a avaliação da dor existem dois métodos, a auto-avaliação, avaliação realizada pelo próprio, em que a pessoa quantifica a sua dor com base no significado e percepção da sua experiência dolorosa, e a hetero-avaliação feita pelo enfermeiro, utilizando escalas comportamentais ou mistas (contendo itens fisiológicos e itens comportamentais). Este método de avaliação apenas deve ser realizado quando a auto-avaliação é impossível. A circular normativa da Direcção Geral de Saúde em consonância com a Comissão de Acompanhamento do Plano Nacional de Luta contra a Dor considera como norma de boa prática a utilização para mensuração da intensidade da dor, uma das seguintes escalas validadas internacionalmente, Escala Visual Analógica convertida em escala numérica para efeitos de registo, Escala Numérica, Escala Qualitativa ou Escala de faces. Autonomia do enfermeiro no controlo da dor MCCaffery (1989) salienta que a profissão de enfermagem deve interiorizar que a avaliação e o controle da dor é uma responsabilidade dos enfermeiros. É conhecido pelo senso comum que nas unidades de saúde são os enfermeiros que mais tempo passam com os doentes, com os quais estabelecem uma ligação mais directa. No dia-a-dia os enfermeiros têm o dever de avaliar e controlar a dor dos doentes que cuidam, contribuindo para a satisfação das suas necessidades. Sendo assim, o alívio da dor é um direito do doente e um dever dos profissionais de saúde.Torna-se urgente e eticamente correcto o seu alívio, pois é uma experiência negativa não só a nível físico, mas também psíquico, social e espiritual. Na presença de um doente com dor torna-se necessário que o enfermeiro conheça o ponto de vista deste em relação à sua dor. Por vezes, esta é considerada numa perspectiva biológica, sendo o resultado de uma doença física, e ignora-se o seu aspecto pessoal, ou seja, é imprescindível estabelecer com o doente uma relação de empatia e compreensão para que o enfermeiro consiga ajudar, tendo como objectivo controlar a dor. O enfermeiro intervém no controlo da dor através da sua avaliação, ensinos, intervenções farmacológicas e não farmacológicas, monitorizando a eficácia das mesmas e os efeitos adversos. 75 Os factores intrínsecos ao cuidador, enfermeiro, são também para ter em consideração. O enfermeiro é também uma pessoa com um passado de vivências e com percepções próprias. Os juízos que faz enquanto profissional, assim como a sua tomada de decisão, são influenciados pela sua subjectividade. Ao considerar a dor como o 5º sinal vital, tentou-se objectivar tanto quanto possível a intensidade da dor para que seja percebida da mesma forma por todos os cuidadores. O mesmo tende a acontecer com as intervenções a levar a cabo para o controlo da dor. 76 Conforme as orientações do Plano Nacional de Luta Contra a Dor, se nos debruçarmos sobre a vertente do ensino/educação para a saúde, o nosso objectivo será a colaboração do cliente, de forma esclarecida, no controlo da dor. De acordo com WATSON (2003) é o doente quem sabe o que dói e quem presta os cuidados deve permitir que a orientação do processo terapêutico parta do doente. Assim a auto-ajuda passa por: • Ensino sobre a auto-avaliação da dor; • Ensino sobre as formas de controlo dos estímulos desencadeantes da dor e dos sintomas que podem diminuir a sua tolerância; • Ensino relativo à medicação antiálgica; • Ensino sobre o auto-controlo da dor (técnicas não farmacológicas). São diversas as oportunidades de actuação para o enfermeiro recorrendo a medidas não farmacológicas. No âmbito deste tipo de actuação importa ter presente que são um número considerável aquelas que podem, com facilidade, integrar as intervenções de enfermagem, do plano de cuidados de um doente com dor. São medidas simples, de conforto e aumento do bem-estar que o enfermeiro pode colocar em prática. Este tipo de intervenção será mais explorado no capítulo seguinte. Nas questões de saúde, em geral, e no alívio/ controlo da dor, em particular, haverá toda a vantagem em aproveitar o que cada vertente tem para oferecer. Assim, seria ideal a adopção de uma abordagem integral (ou integrada) em que o objectivo primordial seria o melhorar a qualidade de vida da pessoa, como defende CAVALHEIRO citado por MALTA (2003). As intervenções farmacológicas, resultantes da administração de medicação, são também áreas de intervenção do enfermeiro. A questão da autonomia a elas inerente é ainda alvo de discussão. Assim, as tendências actuais, seja para intervenções farmacológicas ou não farmacológicas, rumam para a diminuição do juízo individual. Tem-se vindo a tentar protocolar uma hierarquia de intervenções (farmacológicas e não farmacológicas). Se cada um reflectir sobre a sua realidade de trabalho, poucos são os que não chegarão à conclusão de que, ainda que informal, o seu serviço tem uma forma de actuação comum aos vários elementos da equipa. São os valores que se perpetuam na integração de novos elementos, que se partilham em passagem de turno. Cada pessoa experimenta e expressa a dor de forma única, assim como lhe atribui significados ou explicações pessoais diferentes. Os significados que o enfermeiro atribui à dor podem interferir e não corresponder à avaliação que o doente esperava. Avaliar a dor é muito mais do que tornar objectivo algo subjectivo e pessoal. Avaliar a dor é descobrir a verdadeira natureza e o significado da experiência e vivência dolorosa, ou seja, engloba um conjunto de informações, história de dor, que são fundamentais para a identificar e quantificar. Intervenções não farmacológicas no controlo da dor A tolerância à dor é diferente de pessoa para pessoa e no próprio indivíduo, a intensidade pode variar de acordo com diversos factores, pelo que o seu tratamento constitui um desafio para os profissionais de saúde e, em particular, para os enfermeiros. Para Caunt (1993) a dor pode ser controlada com métodos farmacológicos e/ou não farmacológicos, estes últimos mais no âmbito específico das intervenções autónomas de enfermagem. As actividades autónomas da enfermagem no controlo da dor passam pelo uso de técnicas que podem não eliminar totalmente a dor, mas pelo menos vão actuar como adjuvantes de outras medidas terapêuticas. As técnicas seleccionadas podem ser utilizadas em ambiente hospitalar e fazem parte da intervenção autónoma do enfermeiro porque, como referimos no capítulo anterior, dependem do diagnóstico, prescrição e avaliação deste. 77 Ambiente físico O enfermeiro desenvolve um papel fundamental na promoção de um ambiente terapêutico, isto é, optimiza todas as vertentes do ambiente de forma a proporcionar bemestar físico, psicológico, emocional e espiritual ao doente. Ruído CARR (1990) acrescenta que o nível excessivo de ruído pode causar ainda irritação, frustração e agressividade, pelo que o enfermeiro deve, sempre que possível, promover um ambiente isento de ruído (actividades desenvolvidas, equipamento utilizado, horário de visitas). Temperatura ambiente Compreende-se que um quarto extremamente aquecido ou arrefecido possa contribuir para um mau-estar que alguns doentes referem. Do mesmo modo, vestuário limpo, uma mudança de roupa de cama e esforços para manter a pessoa fresca são medidas que frequentemente aumentam o nível de conforto e melhoram a eficácia das medidas de controlo da dor. Termoterapia Representa a utilização do calor e/ou do frio com intuitos terapêuticos. Podem ser utilizados sacos específicos (contendo algodão e sílica) que provocam uma libertação gradual do calor. 78 Iluminação É fundamental na concepção dos espaços de cuidados incorporar o máximo possível de luz natural balanceada com a luz artificial. Nestes espaços a iluminação deve ser projectada para aumentar a capacidade funcional do indivíduo, minimizar o desconforto e potenciar um completo bem-estar. O acesso à luz natural deve ser promovido por ocorrer estimulação dos sistemas circadianos e neuro-endócrino que regulam a homeostase do organismo, contudo tal exposição requer ponderação de acordo com a situação clínica de cada doente. Odor Este é provavelmente o mais subestimado de todos os sentidos, apesar da sua grande influência no bem-estar do cliente, nomeadamente na sensação de dor. Calor Consiste na aplicação de água quente provocando vasodilatação e suavização do tecido, o que permite a eliminação do material tóxico do corpo com diminuição do espasmo muscular e relaxamento dos músculos do tracto gastrointestinal. O calor pode ser aplicado em forma de esponja, compressas ou panos quentes. Está contra indicado nas situações de pós trauma, massa tumoral e doença vascular periférica. Frio O frio estimula a síntese de noradrenalina cuja secreção excessiva faz com que uma pessoa se sinta controlada, confiante e excitada. O frio também retarda a condução do impulso, mantendo o tónus muscular e relaxando o músculo.A aplicação de gelo provoca vasoconstrição, reduz ou evita o edema, diminui a inflamação e alivia a dor (pós-traumática inicial). Está contra indicado nas seguintes situações: doença vascular periférica, doença cardíaca, sensibilidade ao frio e aumento da dor com a sua aplicação. 79 Precauções na utilização do calor e crioterapia: • Proteger a pele com toalhas; • Não exceder os vinte minutos de aplicação; • Verificar se existem sinais de lesão de cinco em cinco minutos; • Redobrar a atenção em pessoas com a sensibilidade diminuída ou com limitações da comunicação. 80 Mobilização Neste contexto o enfermeiro tem um papel crucial quando o doente não é independente na sua mobilidade. Apresentam-se seguidamente as considerações de METZGER et al (2002) e de CAMPOS et al (2001) relativas às questões da mobilização no controlo da dor. Factores de atenuação da dor Para o doente: • Para evitar qualquer sensação de insegurança (apreensão, medo antes da mobilização, medo de cair) e consequentemente reflexos de defesa, rigidez e crispações que dificultariam a mobilização, é necessário explicar ao doente os objectivos da manobra e a ajuda que se espera dele; • Aquando da mobilização é necessário não esquecer a configuração vertebral do doente, respeitar e apoiar as articulações e restantes partes do corpo. Será igualmente necessário atender à fragilidade óssea de alguns doentes (idosos, doentes oncológicos com metástases ósseas) e à existência de equipamentos terapêuticos (sonda nasal, tubo endotraqueal, sonda nasogástrica, sonda vesical, cateteres periféricos ou centrais, drenos). Para o(a) enfermeiro(a): • Executar gestos precisos, coerentes, concertados e sincronizados com os do ajudante, sem precipitação; • Utilizar técnicas de postura correcta (costas direitas, joelhos flectidos, braços estendidos); • Usar calçado anti-derrapante para garantir apoio estável e vestuário amplo para facilitar os movimentos. Posicionamentos Consiste em alternar os decúbitos do doente (com ou sem a sua colaboração), respeitando a posição anatómica, o peso corporal e as zonas de proeminência óssea e atendendo à caracterização da sua dor, às limitações decorrentes da doença ou da intervenção cirúrgica a que tenha sido submetido. Tem como objectivos: estimular a circulação, respiração, eliminação e exercício; facilitar a mobilidade de secreções brônquicas; manter a amplitude articular; manter a integridade cutânea; prevenir atrofias musculares; proporcionar conforto e bem-estar; alternar o campo visual e favorecer a independência do cliente. O doente pode ser posicionado na cama ou num cadeirão, quando possível. Por vezes, exige a colaboração de várias pessoas e de algum equipamento (almofadas, lençóis, talas ou outros suportes ortopédicos). Toque É uma técnica que tem por base a comunicação com a finalidade de compreender melhor o empenhamento recíproco na relação de intimidade, confidencialidade e confiança entre o enfermeiro e o doente. Permite ao enfermeiro modelar-se progressivamente enquanto indivíduo e profissional e ajustar-se continuamente à procura da ética e distância ideal do gesto nos cuidados (Sociedade Francesa de Acompanhamento e de Cuidados Paliativos, 1999). Num caso de experiência de dor, o simples estar por parte do enfermeiro pode contribuir para a redução da ansiedade com consequente diminuição da dor. O toque é também uma técnica de comunicação na qual o enfermeiro consegue transmitir alguma sensação de tranquilidade ao doente, pois muitas vezes este gesto tão simples é interpretado pelas pessoas como presença se algo acontecer, que a pessoa não se encontra só, há alguém que toma conta dela. 81 82 Técnicas de relaxamento O relaxamento muscular progressivo e o relaxamento pela respiração são as duas técnicas mais difundidas. O relaxamento progressivo dos grupos musculares foi desenvolvido pela primeira vez por Jacobson, o qual refere que a ansiedade e o relaxamento muscular produzem estados fisiológicos antagónicos, logo não podem coexistir. Este tipo de relaxamento consiste num processo gradual de contracção (tensão muscular) e relaxamento de todos os grandes grupos musculares. No final da técnica esperase que todos os músculos estejam relaxados. O exercício respiratório tem um papel fundamental no controle da dor. Inspirações e expirações lentas e profundas à medida que a dor aumenta até à respiração superficial quando esta atinge o seu máximo. Estes exercícios têm especial utilidade em procedimentos dolorosos de curta duração. O treino autógeno, desenvolvido por Schutz, é uma técnica de relaxamento e controlo fisiológico que usa a auto-sugestão; a pessoa repete para si mesma, frases sugerindo alterações no sentido do relaxamento e do auto-controlo. (METZGER et al 2002). Técnica de imaginação guiada A imaginação é uma forma de aliviar a dor através de vários mecanismos e constitui uma intervenção semelhante à distracção, excepto o facto de que com esta abordagem a pessoa concentra-se em tentar reviver as situações que tenham ocorrido durante uma experiência agradável anterior. Técnicas de distracção Esta técnica tem como objectivo encorajar e incentivar a pessoa com dor a focar a sua atenção numa imagem ou estímulo especial, «relegando» para segundo plano a dor. Como exemplos de técnicas de distracção a serem utilizadas temos: jogar jogos; técnicas de respiração; assistir a filmes; ler; cantar mentalmente; marcar o compasso de uma música com os pés e com as mãos; imaginar cenas agradáveis. O objectivo é produzir relaxamento, praticar o bem-estar, retirar o foco da dor e diminuir a sua percepção. Aromaterapia A aromaterapia é uma arte antiga. Já há mais de 6 mil anos que o valor de óleos de plantas naturais foi reconhecido, quer pelas suas propriedades curativas, purificadoras e de melhoria do estado de espírito, quer pelo prazer das suas fragrâncias (McGILVERY et al., 1998). A arte da aromaterapia faz uso das potentes essências puras das plantas, flores e resinas aromáticas, actuando nos sentidos do olfacto e do tacto, para restabelecer a harmonia do corpo e da mente. Sendo assim, o alívio da dor é um direito do doente e um dever dos profissionais de saúde. Torna-se urgente e eticamente correcto o seu alívio, pois é uma experiência negativa não só a nível físico, mas também psíquico, social e espiritual. Na presença de um doente com dor torna-se necessário que o enfermeiro conheça o ponto de vista deste em relação à sua dor. 83 Uso da música Sendo a dor uma experiência pessoal e sensorial, a música altera a percepção de dor e desvia a atenção do foco doloroso, constituindo um método de distracção. Diminui também a ansiedade, promovendo a qualidade do sono. O uso da música pressupõe que o doente escolha a que mais lhe agrada (BLACK & JACOBS, 1996). Massagem É uma técnica terapêutica manual que consiste na aplicação de uma série de movimentos que proporcionam um intercâmbio entre o emissor (terapeuta) e receptor (doente) cujo objectivo final é a eliminação das tensões, é a linguagem do tacto, ou linguagem estabelecida através da pele, é uma transmissão e uma forma de estabelecer uma comunicação ou conexão sem palavras, é um conjunto de toques exercidos sobre o corpo. Segundo a Sociedade Francesa de Acompanhamento e de Cuidados Paliativos SFAP (1999), é um acto privilegiado que permite comunicar calor humano, apaziguar e não é invasivo. Bibliografia Vida. 1ª Ed. [S.I.]: Novartis, 2005. ISBN 972-9119-94-5. CONSELHO INTERNACIONAL DE ENFERMEIROS – Classificação internacional para a prática da enfermagem (CIPE/ICNP). Beta 2. Lisboa: Associação Portuguesa de Enfermeiros, 2000. ISBN 972 – 98149-1-0. CORDEIRO, Sara; [et al.] – O Cancro e a Qualidade de Vida. 1ª Ed. [S.I.]: Novartis, 2005. ISBN 972-9119-94-5. Direcção Geral da Saúde – Divisão de Doenças Genéticas, Crónicas e Geriátricas – A Dor como 5º sinal vital. Registo sistemático da intensidade da Dor. Lisboa: DGS, 2003 (Circular Normativa n.º9/DGCG/2003). Direcção Geral da Saúde – Plano nacional de luta contra a Dor. Lisboa: DGS, 2001. METZEGER, Christiane; [et al] – Cuidados de enfermagem e dor. Camarate: Lusociência, 2002. ISBN 972-8383-32-0. SOCIEDADE FRANCESA DE ACOMPANHAMENTO E DE CUIDADOS PALIATIVOS – Desafios da enfermagem em cuidados paliativos: Cuidar – Ética e práticas. Loures: Lusociência, 1999. ISBN 972-8383-17-9. WATSON, J. – In TOMEY, A., M; ALLIGOOD, M., R. (Ed) – Teóricas de enfermagem e a sua obra. (Modelos e teorias de enfermagem). 5ª Ed. . Loures: Lusociência, 2003. 84 BLACK, J. M.; JACOBS, M. E. – LUCKMAN & SORENSEM - Enfermagem médico cirúrgica: uma abordagem psicofisiológica.Vol. 1. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan , 1996. ISBN 85-277-0346-7. CAMPOS, Ana; [et al] – Manual de normas e procedimentos técnicos de enfermagem: Sistema de classificação de doentes baseado em níveis de dependência de cuidados de enfermagem. Lisboa: Ministério da Saúde Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, 2001. CARDOSO, M. – Manual de tratamento da dor crónica. Lisboa: Lidel Edições Técnicas, 1999. CARR; Eloise – Métodos não físicos no alívio da dor. Nursing. ISSN 0871-6196, N.º 31, (1990) 7-9 . CAUNT, Helen – Reduzindo o impacto psicológico da dor pós-operatória. Nursing. ISSN 0871-6196, N.º 71, (1993) 26-29. CONSELHO INTERNACIONAL DE ENFERMEIROS – Classificação internacional para a prática da enfermagem (CIPE/ICNP). Beta 2. Lisboa: Associação Portuguesa de Enfermeiros, 2000. ISBN 972 – 98149-1-0. CORDEIRO, Sara; [et al.] – O Cancro e a Qualidade de … Podemos dizer que o enfermeiro assume um papel preponderante no reconhecimento e avaliação da dor, sendo o elemento da equipa multidisciplinar que pode ter grande influência na decisão das estratégias a aplicar. Conclusão A abordagem da percepção da dor como experiência singular e pessoal e a importância de sensibilizar os enfermeiros o seu controlo, bem como da relação terapêutica de fundamental estabelecimento, vem dar ênfase à nossa visão deste fenómeno. Igualmente relevante foi o desenvolvimento da temática sobre a autonomia/intervenções autónomas dos enfermeiros no controlo da dor. E, de acordo com a teoria de Watson, os enfermeiros podem estabelecer uma colaboração para auxiliar a pessoa a obter controlo, conhecimento e saúde. Desta forma, e após a reflexão efectuada, podemos dizer que o enfermeiro assume um papel preponderante no reconhecimento e avaliação da dor, sendo o elemento da equipa multidisciplinar que pode ter grande influência na decisão das estratégias a aplicar. 85 Felipe José Aidar Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais, Gabinete Militar do Governador (CEDEC/GMG – MG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil; Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais André Carneiro Faculdades Unidades do Norte de Minas (FUNORTE), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil António Silva Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Victor Reis Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Nuno Garrido Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Rui Vieira FTCD Palavras-chave: Paralisia cerebral, exercícios aquáticos, função social Este artigo foi originalmente publicado na revista Motricidade, vol. 02, n.º 02, Abril 2006 86 Paralisia Cerebral e actividades aquáticas: Resumo Fundamentação: Os casos de Paralisia Cerebral (PC) têm aumentado nas últimas décadas em todo o mundo. No Brasil, estimase que existam cerca de 30 mil a 40 mil novos casos ano. A PC afecta o sistema nervoso central, sendo que a disfunção está predominantemente aliada à parte sensoriomotor, com distúrbios de tónus muscular, postura e movimentação involuntária. Objectivo: Avaliar a área da função social em portadores de paralisia cerebral submetidos a um programa de actividades físicas aquáticas, com adopção do Inventário de Avaliação Pediátrica de Disfunção (PEDI). 87 aspectos ligados à saúde e função social Materiais e métodos: Foram acompanhadas 27 crianças portadoras de PC nas suas manifestações, predominantemente, espástica e atetosa, com idade variando de um ano e três meses a seis anos e sete meses. Foi utilizada a avaliação da função social no que se refere à assistência do adulto e sua melhoria antes e depois da prática de exercícios físicos aquáticos. Foi utilizado para a avaliação o Pediatric Evaluation Disability Inventory – PEDI, na parte de função social. Resultado: Houve melhoras significativas na parte da função social nos alunos que foram submetidos a actividades físicas aquáticas. Discussão e conclusão: Os resultados encontrados no estudo inferem tendências no sentido de que a prática de exercícios físicos aquáticos demonstram indícios de contribuição na melhoria motora, com consequente melhoria na função social, trazendo uma maior independência para a criança portadora de PC. 88 A Paralisia Cerebral, segundo a World Health Organization, é denominada também como encefalopatia crónica não progressiva da infância. Os distúrbios caracterizam‑se pela falta de controlo sobre os movimentos, isto devido a modificações adaptativas musculares, comprimento muscular e até com deformações ósseas. O quadro tende a comprometer o processo de aquisição de habilidades e com possibilidade prejudicar actividades quotidianas realizadas por crianças durante o seu desenvolvimento. Introdução A PC, segundo a World Health Organization,WHO32, é denominada também como encefalopatia crónica não progressiva da infância. Os distúrbios caracterizam-se pela falta de controlo sobre os movimentos, isto devido a modificações adaptativas musculares, comprimento muscular e até com deformações ósseas 27. O quadro tende a comprometer o processo de aquisição de habilidades e com possibilidade prejudicar actividades quotidianas realizadas por crianças durante o seu desenvolvimento 20, 30. No Brasil, estima-se que ocorram cerca de 30 mil a 40 mil novos casos ano8. Noutros países considerados em vias de desenvolvimento, a incidência pode chegar a sete casos por mil nascimentos10. Nos países considerados desenvolvidos, a PC tem apresentado prevalência de casos considerados moderados e severos, com incidência indicada de cerca de 1,5 a 2,5 por grupo de mil nascimentos12, 26. A gravidade do comprometimento neuromotor de uma criança com PC pode ser caracterizada como leve, moderada ou severa, e a gravidade apresenta relação directa com o meio de locomoção da criança23, 25. Para WHO32, a PC pode também resultar em incapacidade, como limitações no desempenho de actividades e tarefas quotidianas da própria criança e de seus familiares. Dentro desta premissa, o presente estudo tem por objetivo a avaliação na área da função social de um programa de actividades físicas aquáticas, adotando-se o Inventário de Avaliação Pediátrica de Disfunção (PEDI)14. Metodologia Amostra Foram avaliadas 27 crianças com idade compreendida entre um ano e três meses e seis anos e sete meses, sendo 11 do sexo feminino e 16 do sexo masculino, com idade média de 4,2 anos ± 3,2, portadoras de PC moderada ou severa e, principalmente, na predominância das manifestações espática e atetosa (Tabela 1). Para a recolha de dados foram observados os instrumentos éticos com a assinatura de consentimento por parte dos responsáveis pelos sujeitos. Os responsáveis pelos alunos foram informados do estudo que obedeceu aos critérios da Declaração de Hensinke 1975. Tabela 1 Dados dos Sujeitos Ocorrência Idade (média ± desvio padrão) 4,2 ± 2,0 Idade (média ± desvio padrão) – masculino 4,4 ± 2,3 Idade (média ± desvio padrão) – feminino 4,0 ± 1,4 Sexo (homens/mulheres) (%) 16 (59,3)/11 (40,7) 89 90 Instrumentos Os materiais utilizados foram uma piscina de 25x12,5 m, com profundidade média de 1,8 m, não aquecida, do Corpo de Bombeiros, além de aqua tube, pull bóia, pranchas e outros apetrechos destinados à prática de actividades aquáticas. Os alunos forma submetidos ao Pediatric Evaluation Disability Inventory – PEDI14, 15. Foi utilizada somente a parte do questionário, PEDI, relacionada com avaliação da função social, com acções relacionados somente com assistência por parte do adulto. A avaliação levou em consideração a compreensão do significado das palavras, compreensão de sentenças complexas, uso funcional da comunicação, complexidade da comunicação expressiva, resolução de problemas, interacção com companheiros, brincadeiras com objectos, auto-informação, orientação temporal, tarefas domésticas, funções comunitárias e jogos sociais interativos. No PEDI, quanto maior a pontuação, maior a independência, ou seja, menor o nível de comprometimento do sujeito. O estudo foi realizado no período de Março a Junho de 2004, tendo a duração de 16 semanas. A frequência das aulas foi de duas vezes por semana com duração máxima de 45 minutos cada, os alunos tiveram a opção de fazer os exercícios no período das 07h00 às 19h00. Os sujeitos foram submetidos a avaliação antes de iniciarem os trabalhos e após 16 semanas de actividades físicas aquáticas. Estatística O tratamento estatístico foi feito em relação ao pré e pós-teste, sendo utilizado o teste t para amostra emparelhada. Foi feita a verificação da homogeneidade da amostra através do teste de Shapiro Wilk uma vez que a amostra é de 27 sujeitos. Foi considerado um p<0,05, sendo a análise feita no programa SPSS for Windows versão 12.0. Resultados O teste adotado, segundo Haley et al.15, visa principalmente três áreas de desempenho, auto-cuidado, mobilidade e função social, área esta foco do estudo. O teste é utilizado para crianças de seis meses a sete anos e meio de idade. Os resultados encontrados dentro da metodologia propostas estão apresentados na tabela 2. Comparando-se os dados antes e depois do início dos exercícios físicos verifica-se estatisticamente uma melhoria no nível da função social do grupo como um todo. Discussão e conclusão A educação física e o desporto, no contexto do processo da educação do indivíduo, teriam, entre outros objectivos, os de recrear e resgatar a infância e o prazer pelo movimento. Isto proporcionaria e facilitaria a inserção no meio social devido à redução de preconceitos e da melhoria na condição de aprendizagem28. si próprio. A necessidade seria a mesma para o portador de necessidades especiais, porém o método é que se encontraria alterado para este segmento31. A actividade física seria uma acção feita por todos com vista a melhorias motoras, sociais e mentais e não como, simplesmente, uma actividade que visa a competição e a educação física de forma elitista21. A educação física para todos teria como característica a busca da alegria, diversão, prazer, socialização, recreação e saúde. A água, pelo Princípio de Arquimedes, exerce uma força de baixo para cima igual ao volume deslocado subtraindo o seu peso, e isto tende a promover uma flutuação, que seria utilizada para proporcionar um maior relaxamento e fortalecimento inicial para os músculos mais fracos, maior mobilidade articular, um stress biomecânico menor, auxílio e resistência aos movimentos, uma vez que diminui a sobrecarga, mas por outro lado tem uma resistência maior do que a do ar9, 24. A água ainda estimularia a circulação periférica, facilitando o retorno venoso e melhoraria a respiração, oferecendo um efeito de massagem, estimulando uma melhor contração muscular, o que promoveria uma melhoria na postura7. Os portadores de necessidades especiais tendem a isolar-se1. O indivíduo somente trabalha ou mesmo existe satisfatoriamente dentro de seu ambiente, quase em relação directa com a sua habilidade e aceitação de outras pessoas, da capacidade dos outros em aceitá-lo e de sua tolerância em aceitar a As actividades físicas têm-se demonstrado um meio eficaz na melhoria da mobilidade em portadores de PC5, 11. Tabela 2 Análise antes e depois da prática de exercícios físicos Variável Antes da prática de exercícios N 27 Média 15,2 Desvio Padrão 3,1 Mínimo 9 Máximo 20 Depois da prática de exercícios 27 28,1* 2,3 21 38 *p<0,05 91 92 Os resultados apresentados indicam que os exercícios físicos, mais especificamente os feitos no ambiente aquático, tendem a melhorar a função social em portadores de Paralisia Cerebral, permitindo maior participação uma vez que o questionário utilizado avalia, entre outros progressos, as melhorias na resolução de problemas, interacção com companheiros, brincadeiras com objectos, tarefas domésticas, funções comunitárias e jogos sociais interactivos, e apresenta-se como forma de promover uma maior independência, com consequente participação social mais efectiva, e com tendência à melhoria na qualidade de vida e na saúde do portador de Paralisia Cerebral. O conjunto de respostas cardiovasculares à imersão, incluindo bradicardia, vasoconstrição periférica e desvio preferencial do sangue para áreas vitais, é colectivamente conhecido como reflexo de mergulho29. O reflexo de mergulho ocorreria de várias maneiras, inclusive durante exercícios e terapias aquáticas. Uma resposta imediata à imersão em água fria seria o aumento do metabolismo, evidenciado por um aumento no consumo de Oxigénio29. A água apresentar-se-ia como um meio único para a realização de exercícios, e algumas respostas ao exercício na água seriam melhores do que aquelas em terra para portadores de PC18. Durante o exercício dinâmico leve e moderado na água, o metabolismo seria basicamente aeróbico promovendo uma melhora na respiração18. Actividades com a água na altura do peito levariam a um aumento da pressão hidrostática nas paredes do peito e abdominais durante a respiração3. A água faz resistência à respiração, principalmente em pacientes com baixa capacidade vital, entre outros. Actividades aquáticas, aliadas a exercícios respiratórios, como respiração na água (fazer borbulhas), são benéficas aos pacientes que tenham problemas respiratórios18. Durante os exercícios há uma expiração forçada13. Isto pode ser potencializado em trabalhos na água. O programa de natação apresentou respostas melhores que outros tipos de actividades físicas para portadores de PC consistindo num exercício respiratório eficiente17. No mesmo sentido, outros estudos têm demonstrado que actividades feitas de forma continuada e mais intensa têm demonstrado melhorias na mobilidade de portadores de PC22. A actividade na água seria a melhor de todas as formas de exercícios, sustentando que a natação é um exercício excelente para restaurar e manter o condicionamento de muitas condições, sendo um meio valioso para recreação e desporto, devido aos factores aliados ao meio líquido7. Outros facilitadores do meio líquido é o facto de a água ser 770 vezes mais densa do que o ar, quanto mais imerso está à parte do corpo na água menor é a sobrecarga acarretada, a frequência cardíaca apresenta-se menor do que exercícios em terra, acabando por proporcionar uma situação de maior mobilidade e benéfica para portadores de PC, dentre outros benefícios já citados9, 18. 93 Referências 94 1. Alfred N. Daniel, Jeffrey A. MC Cubbin, Lee Rullman, Ronald C. Adams. (1985) Jogos, esportes e exercícios para o deficiente físico. (3 ed.) Barueri: Editora Manole Ltda. 2. Atwater SW. (1991) Shold the normal motor developmental sequence be used as a theorical model in pediatric physical therapy? In: Contemporary management of motor control problems: proceedings of II STEP Conference. Alexandria: Foundation for Physical Therapy. 89-93. 3. Bates A, Hanson N. (1998) Exercícios aquáticos terapêuticos. São Paulo: Editora Manole Ltda. 4. Bee H. (1996) A criança em desenvolvimento. (7 ed.) 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As evidências sobre o desempenho funcional de crianças consideradas normais já é bem definido4, 16, e estes mesmos parâmetros acabam por nortear o processo de avaliação e tratamento de crianças portadoras de PC19, e este procedimento baseado em que a sequência e o tempo de desenvolvimento infantil poderia ser semelhante, acaba por induzir a uma melhoria em relação ao portador de PC2. Por outro lado, a criança com PC tende a ser mais dependente e ter menor participação social6. Outro ponto observado relacionado com a parte social, é que estudos têm demonstrado que actividades físicas tendem a melhorar a participação em grupos considerados especiais, notadamente os portadores de PC11. Os resultados apresentados indicam que os exercícios físicos, mais especificamente os feitos no ambiente aquático, tendem a melhorar a função social em portadores de PC, permitindo maior participação uma vez que o questionário utilizado avalia, entre outros progressos, as melhorias na resolução de problemas, interacção com companheiros, brincadeiras com objectos, tarefas domésticas, funções comunitárias e jogos sociais interactivos, e apresenta-se como forma de promover uma maior independência, com consequente participação social mais efectiva, e com tendência à melhoria na qualidade de vida e na saúde do portador de PC. 95 96 Carla Cristina Alves da Silva Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE; Serviço de Radiologia, aluna do II Curso de Pós-Licenciatura de Especialidade em Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia Sandra Maria Alves Branco Miguel Hospital Geral de Santo António, EPE; Serviço de Neurocirurgia, aluna do II Curso de Pós-Licenciatura de Especialidade em Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia Exercícios físicos no pós-parto Desenvolvimento Logo após o parto dá-se a involução uterina (retorno do útero ao tamanho que tinha antes da gravidez), que poderá ser coadjuvada com início da amamentação materna. A fragilidade da vagina e do períneo causada pela dilatação dos tecidos e estruturas durante o trabalho de parto, leva à necessidade da mulher executar exercícios de fortalecimento dos mesmos. Resumo O período de puerpério, também conhecido como período pós-parto, dura cerca de seis semanas. Em nenhuma outra fase da vida da mulher as modificações físicas são tão grandes e acontecem em tão curto espaço de tempo. Todos os órgãos, principalmente os genitais, recuperam-se das alterações ocorridas ao longo da gravidez e do parto. Nesta fase inicia-se também, à partida, a lactação. Não podemos descurar também as importantes modificações a nível psicológico e de dinâmica familiar e relacional. No caso de episiotomia, ter em atenção o início das primeiras relações sexuais que devem apenas acontecer após a completa cicatrização das regiões traumatizadas. Nas primeiras relações sexuais, a penetração deve ser mais cuidadosa, pois o revestimento da vagina está mais fino e menos lubrificado. A elasticidade dos ligamentos permanece frágil por quatro a cinco meses pelo que a mulher deve manter uma boa postura. A região abdominal também está enfraquecida e deve ser fortalecida após o fortalecimento do períneo. No pós-parto a mulher poderá ter dores lombares devendo preveni-las com uma boa postura e a realização de exercícios físicos. As pernas podem estar doridas, pesadas e edemaciadas, devendo a mulher fazer exercícios com as pernas elevadas. Se se tratar de alguém susceptível a tromboembolismo, encorajar o uso de meias de descanso. A incontinência urinária caracterizada pela perda involuntária de urina após a mulher tossir, espirrar, fazer um esforço, poderá ser normal no final da gravidez e nos primeiros três meses após o parto. Não será normal após este período. Há que manter uma boa postura para consequentemente haver um bom posicionamento dos órgãos internos, fazer fortalecimento da musculatura da coluna e do períneo, evitando assim a incontinência urinária. 97 Há que activar a circulação sanguínea através de uma respiração adequada e exercícios recomendados. A puérpera deve descansar mas deve evitar permanecer muito tempo deitada. Deve deambular precocemente e tentar manter uma boa postura caminhando com os pés paralelos. Os exercícios do pós-parto são muito importantes para o mais rápido restabelecimento da puérpera. Poderão surgir-nos algumas questões tais como Quando?, Onde?, Como? e Porquê? a necessidade destes exercícios. 98 Estes exercícios devem ser iniciados logo após o parto desde que a mulher tenha capacidade para os desempenhar e não tenha nenhuma contra-indicação. Poderão ser executados na sua própria casa ou em locais onde existam profissionais capacitados para orientar os exercícios nomeadamente o enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica. Também em parques, com caminhadas leves, respirando e apreciando a paisagem. Os exercícios devem ser orientados por profissionais capacitados, para segurança da puérpera. Estes exercícios têm como finalidade libertar ou reduzir a ansiedade da puérpera e mãe; fazê-la recuperar a silhueta corporal anterior à gravidez ou mesmo melhorá-la; melhorar a disposição para cuidar do bebé; também tem como objectivo reduzir algias nomeadamente das costas. Recuperar a figura anterior à gravidez cada vez mais é um desejo da puérpera. O exercício físico pode começar logo após o nascimento da criança. Deve-se encorajar a mulher a iniciar exercícios simples progredindo gradualmente para os mais complexos. O período de puerpério, também conhecido como período pós-parto, dura cerca de seis semanas. Em nenhuma outra fase da vida da mulher as modificações físicas são tão grandes e acontecem em tão curto espaço de tempo. Os exercícios para a musculatura que forma o revestimento da bacia podem ser iniciados no dia seguinte ao parto, realizados várias vezes ao dia e praticados por toda a vida. Eles reforçam a sustentação da bexiga e do intestino, fortalecendo a vagina e diminuindo o risco do aparecimento futuro de problemas como perda de urina (incontinência urinária) e queda da bexiga. Os exercícios físicos para corrigir a flacidez abdominal e o contorno corporal podem ser iniciados após duas semanas do parto normal, iniciando com poucos minutos, até atingir 20 a 30 minutos por dia. De maneira semelhante, pode ser iniciada a prática desportiva. Quando o parto tiver sido cesariana, o seu início deve aguardar cerca de seis semanas. Os seguintes exercícios físicos podem melhorar as condições musculares da mulher e devem ser iniciadas após avaliação do seu estado geral e realizados em local e horário adequado. Devem ser orientados da seguinte maneira: Exercício 1 – Respiração abdominal. Deitada de costas com os joelhos flectidos, inspira profundamente pelo nariz. Mantendo as costas fixas, permitir a expansão do abdómen. Expirar lenta, mas totalmente, enquanto se contrai os músculos abdominais; mantendoos contraídos por 3 a 5 segundos enquanto expira. Exercício 2 – Rolar ambos os joelhos. Deitada de costas com os joelhos dobrados e mantendo os ombros e os pés assentes no chão, rolar lenta e suavemente para a esquerda até tocar o chão. Mantendo os movimentos suaves movimentar os joelhos para a direita até tocar o chão.Voltar à posição inicial e relaxar. Exercício 3 – Rolar um joelho. Deitada de costas com a perna direita esticada e a perna esquerda dobrada pelo joelho, manter os ombros no chão, rodar lenta e suavemente o joelho esquerdo por cima do direito até tocar no chão, retomar a posição inicial. Inverter a posição das pernas. Rodar o joelho direito sobre o esquerdo, tocar no chão e voltar à posição inicial. Relaxar. Exercício 4 – Rolar a perna. Deitada de costas com as pernas esticadas, manter os ombros no chão e as pernas esticadas e levantar lentamente a perna esquerda, rolando-a até que toque no chão do lado direito e voltando à posição inicial. Repetir com a perna direita o mesmo exercício. Relaxar. 99 A fragilidade da vagina e do períneo causada pela dilatação dos tecidos e estruturas durante 100 Exercício 5 – Levantar os braços. Deitada de costas com os braços esticados a um ângulo de 90º do corpo, levantar os braços para que estes fiquem perpendiculares e as mãos se toquem. Descer lentamente. Exercício 6 – Deitar de costas, sem travesseiro, com as pernas esticadas e juntas, e os braços ao lado do corpo. Respirar profundamente expandindo o peito e contraindo a barriga. o trabalho de parto, leva à necessidade da mulher executar exercícios de fortalecimento dos mesmos. Exercício 7 – Partindo da posição indicada no exercício anterior, dobrar a cabeça para frente e tocar o peito com o queixo mantendo relaxado o restante do corpo. Exercício 8 – Partindo da posição indicada no exercício 6 levantar uma das pernas, dobrando o joelho até encostar a coxa na barriga. Fazer este exercício alternando a perna direita com a esquerda. Exercício 9 – Partindo da posição indicada no exercício 6, levantar uma das pernas o mais que puder, sem dobrar o joelho. Após alguns segundos, baixar a perna lentamente. Fazer este exercício alternando a perna direita com a esquerda. Poderão ser executados na sua própria casa ou em locais onde existam profissionais capacitados para orientar os exercícios nomeadamente o enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica. Também em parques, com caminhadas leves, respirando e apreciando a paisagem. Exercício 10 – Partindo da posição indicada no exercício 6, levantar as duas pernas juntas o mais que puder, sem dobrar os joelhos. Após alguns segundos, baixar as pernas lentamente até retornar à posição inicial. 101 102 Exercício 11 – Deitar-se de costas, sem travesseiro, com as pernas esticadas e cruzar os braços sobre o peito. Sem mover os pés e as pernas, levantar a cabeça e os ombros alguns centímetros do chão. Ficar assim por alguns instantes e retornar à posição inicial. Exercício 12 – Partindo da posição indicada no exercício 11, sem mover os pés e as pernas, levantar o tronco até ficar sentada. Após alguns instantes retornar à posição inicial. Este exercício pode ser realizado com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Exercício 13 – Após entrelaçar as mãos atrás da cabeça, tentar ficar sentada e inclinarse para frente 3 vezes, antes de retornar à posição inicial. Exercício 14 – Deitar-se de costas, sem travesseiro, com as pernas ligeiramente afastadas e dobradas, com os pés apoiados no chão, e os braços ao longo do corpo. Levantar os quadris de modo que o corpo fique apoiado somente nos pés e nos ombros. Juntar os joelhos e contrair os músculos da vagina, ânus e nádegas e retornar à posição inicial. Estes exercícios têm como finalidade libertar ou reduzir a ansiedade da puérpera e mãe; fazê-la recuperar a silhueta corporal anterior à gravidez ou mesmo melhorá‑la; melhorar a disposição para cuidar do bebé; também tem como objectivo reduzir algias nomeadamente das costas. Existem ainda os exercícios pélvicos de Kegel que são extremamente importantes para fortalecer a tonicidade muscular, principalmente após um parto vaginal, das estruturas que envolvem os órgãos reprodutores, nomeadamente os utilizados durante as micções e as relações sexuais. Os exercícios de Kegel consistem na contracção e relaxamento alternado dos músculos da vagina, recto e nádegas. Estes exercícios ajudam a adquirir o tónus muscular, habitualmente perdido com a dilatação e estiramento dos tecidos pélvicos durante a gravidez e nascimento. Os exercícios de Kegel previnem o aparecimento de prolapso uterino, cistocelo e rectocelo bem como incontinência urinária de stress em fases mais avançadas da vida.Tem também como vantagem, melhorar a circulação sanguínea vaginal, diminuindo o tempo de cicatrização das episiorrafias. Potenciam o prazer das relações sexuais no pós-parto. Exercício 15 – Apoiar-se sobre os cotovelos e os joelhos, mantendo as costas rectas, e contrair a barriga, mantendo-a assim por alguns segundos. Aumentar diariamente esse tempo até alguns minutos. Logo que a mulher saiba localizar correctamente os músculos envolvidos nestes exercícios, passa-se a ensinar os seus três passos: 1 – Lentamente: contrair o músculo, manter a contracção contando até três, e relaxar. 2 – Rapidamente: Contrair o músculo, e relaxá-lo o mais rapidamente possível. 103 104 3 – Empurrar para fora, puxar para dentro. Contrair todos os músculos da pelve como se estivesse a sugar água para dentro da vagina. De seguida fazer força empurrando para baixo como se estivesse a tentar deitar para fora a água imaginária. Este exercício também deve englobar os músculos abdominais. Deve-se respirar durante os exercícios. Idealmente a bexiga deve estar vazia aquando da sua realização. No período de início dos exercícios, não se recomenda fazer muitas repetições por dia. Deve-se começar por fazer estes exercícios poucas vezes por dia. À medida que se vai sentindo mais forte, a mulher deve aumentar a frequência e duração dos mesmos. Estes exercícios podem ser executados durante todos os dias da vida. Podem efectuar-se em séries de dez, pelo menos três vezes por dia ou mais. É recomendado a prática destes exercícios em séries de 100, número este condicionado pela fadiga dos músculos pélvicos. A mulher deve tornar os exercícios de Kegel parte da sua rotina diária. Será mais fácil lembrar-se deles se estiver associados a uma outra rotina diária, como por exemplo quando está a ver televisão. Conclusão Num mundo onde cada vez mais se dá ênfase à figura física e ao bem-estar da pessoa, torna-se essencial que após o período de gravidez e após o parto, a mulher recupere rapidamente a silhueta habitual ou mesmo a melhore, de forma a evitar, entre outras, a depressão pós-parto. Importante é também readquirir as funções dos esfíncteres que após a gravidez e principalmente após o parto eutócico, poderão ter perdido algumas resistências. Aqui ficaram explicados e demonstrados alguns exercícios que poderão contribuir eficazmente para a rápida recuperação física da jovem mãe, de forma a voltar ao seu estado habitual antes da gravidez. Bibliografia BOBAK, Irene M ( 2002) – O cuidado em enfermagem materna. 5ª Ed. Porto Alegre: Artemed Editora p 144-145; p 490-492. GRAÇA, Luís Mendes (2004) – Medicina Materno-fetal. 3ª Ed. Lidel. www.abcdasaude.com.br/artigo.php?97. 105 Carlos Manuel de Sousa Albuquerque Doutorado em Desenvolvimento e Intervenção Psicológica, Docente da Escola Superior de Saúde de Viseu, Instituto Politécnico de Viseu Ana Paula Soares de Matos Doutorada em Psicologia da Saúde, Docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra Palavras-chave: Saúde; Formação Académica; Locus de Controlo de Saúde; Coping; Auto-Conceito 106 Área de formação e dimensões psicológicas: Um estudo com jovens estudantes universitários Na presente investigação, através de um estudo ex post facto retrospectivo, avalia-se a influência da área de formação académica numa série de variáveis psicológicas (auto-conceito, locus de controlo de saúde e coping).A amostra, constituída por 948 participantes (76.37% mulheres), é agrupada em dois grupos de estudantes universitários portugueses: um a frequentar o curso de Enfermagem e outro a frequentar outros cursos universitários não relacionados com a área da saúde (Português/Inglês, Administração, Gestão). Como instrumentos de medida utilizámos questionários de auto-avaliação, todos eles aferidos e validados para a população portuguesa. Dos resultados obtidos podemos concluir que são os estudantes do curso de Enfermagem a apresentar um Sentido Interno de Coerência (coping) significativamente mais elevado e a evidenciarse mais internos relativamente ao Locus de Controlo de Saúde. Já as dimensões do Auto-Conceito não são especialmente relevantes para a discriminação entre estes dois grupos. 107 108 Introdução Cada pessoa dá um significado e valor à saúde, tem os seus objectivos em relação à mesma e comportamentos de saúde particulares. Para, de uma forma mais eficaz, promovermos a saúde, reduzirmos a morbilidade da maior parte das doenças e a mortalidade prematura, teremos certamente que nos centrar no comportamento humano e num conjunto de variáveis psicológicas, sociais e biológicas que com ele se relacionam, fazendo uma abordagem interdisciplinar. Este artigo irá centrar-se, essencialmente, no estudo de um conjunto de variáveis psicológicas que podem ser importantes para a saúde, considerando a saúde como um sistema dinâmico e a pessoa como activa e participativa no processo de promoção de saúde e prevenção da doença. Por outro, subjacente a todo este contexto, está espelhada a possibilidade de, qualquer indivíduo, poder modificar padrões de vida e comportamentos. A modificação comportamental implica alterar um conjunto de crenças e avaliações que as pessoas fazem, que as motivam para agir e que influenciam as suas decisões e acções. Nomeadamente, para emitirmos um comportamento positivo que nos permita ter um bom resultado de saúde é importante, entre outros aspectos, acreditarmos que aquela acção nos levará a um resultado pretendido, e que a acção requerida passa pelo nosso controlo e é importante para nós. Os comportamentos de saúde são assim influenciados pelo processamento da informação sobre saúde que a pessoa faz. As variáveis de saúde estão relacionadas com variáveis mais gerais ou mais específicas. De entre essas variáveis gerais, variáveis psicológicas como o coping, o auto-conceito e o locus de controlo são factores que influenciam a forma como lidamos com a saúde e a doença. Antonovsky (1987) abordou a temática do coping, salientando a importância dos estilos de significação. Desenvolveu o «modelo salutogénico» que considera o estado de saúde ao longo de um contínuo (em que um pólo, negativo, representa a doença, e o outro pólo, positivo, a saúde) tentando perceber sobretudo porque há pessoas que se encontram no pólo positivo ou se movem para ele. Para este autor, é o que denomina de «sentido interno de coerência» que determina o controlo pessoal de estados de tensão e que acaba por constituir um «escudo protector» contra as doenças. Antonovsky (1987) definiu sentido interno de coerência como uma orientação global que expressa a extensão em que a pessoa tem um sentimento de confiança generalizado e estável, embora dinâmico, e que se traduz nos seguintes aspectos: 1) O estímulo que deriva dos seus ambientes externos e internos, no decurso da sua vida, é percepcionado como sendo estruturado, previsível e explicável; 2) A pessoa percebe a existência de recursos para fazer face às exigências colocadas por esse estímulo; Neste enquadramento teórico e de pesquisa, poderemos afirmar que a finalidade da presente investigação poderá situar-se na procura de uma melhor compreensão destes estudantes. Com efeito, se forem encontradas relações entre as dimensões estudadas, haverá que tê-las em conta quando planearmos intervenções para promover o desenvolvimento psicossocial dos jovens. Por outro lado, a falta de estudos empíricos nesta área levanos a considerar a presente investigação como uma pesquisa piloto. 3) Estas exigências constituem desafios, merecedores de investimento e empenho. Trata-se da pessoa dar um sentido ou uma ordem à sua experiência ou existência, e da sua convicção de que tem capacidades ou recursos para fazer frente aos desafios da vida. O sentimento de coerência é, para Antonovsky (1987), um determinante importante do estado de saúde e inclui três componentes: 1) Compreensibilidade – medida em que a pessoa percebe o estímulo que deriva dos seus ambientes externo e interno como fazendo sentido, que tem uma ordem, que é consistente, estruturado e claro, em oposição a algo percebido como desordenado, caótico, aleatório, acidental e inexplicável. Uma pessoa com um grau elevado neste componente espera que os estímulos futuros sejam previsíveis ou, pelo menos, tenham ordem e sejam explicáveis. A pessoa consegue dar um sentido mesmo aos estímulos indesejáveis. 2) Manejabilidade (controlo) – medida em que a pessoa percebe que existem recursos adequados para fazer face à adversidade ou aos estímulos com que se defronta. São recursos que são percebidos como estando sob o controlo pessoal ou sob o controlo de outras pessoas que nos podem ajudar – por exemplo, cônjuge, amigos, colegas e terapeutas. Uma pessoa com um grau elevado neste componente não se sente vítima dos acontecimentos. Ao contrário, sente que tem controlo sobre muitos desses acontecimentos. 109 110 3) Significabilidade (significação generalizada) - representa o elemento motivacional e referese à extensão em que a pessoa sente que a sua vida faz sentido, não apenas a nível cognitivo como a nível emocional. Para a pessoa com um grau elevado neste componente, vale a pena investir nos problemas e exigências do dia-a-dia; são desafios bem-vindos e não ameaças que devem ser evitadas. Quando uma experiência negativa acontece a esta pessoa, ela aceita a experiência que lhe sucedeu, mas tenta dar-lhe um sentido e fará o seu melhor para a ultrapassar. Segundo Antonovsky (1987) estes três componentes estão intrinsecamente inter-relacionados. Contudo, podem existir pessoas com um grau elevado num determinado componente e baixo noutro. Outra variável associada ao comportamento é o auto-conceito, o qual é um constructo multifacetado e hierárquico, que pode ser definido como a globalidade de percepções que cada indivíduo tem acerca de si próprio (Byrne e Shavelson,1986). Vaz Serra (1986) salientou a importância do auto-conceito físico (aptidões e aparência física), emocional (estados emocionais particulares do indivíduo) e social (que é ainda subdividido em áreas específicas variando de acordo com as pessoas significativas para o indivíduo). Para Vaz Serra (1988b), no constructo do auto-conceito há ainda que considerar múltiplos constituintes como a auto-estima e a auto-eficácia. A auto-estima é entendida como o processo avaliativo que o indivíduo faz das suas qualidades ou dos seus desempenhos (Vaz Serra, 1988). A auto-eficácia refere-se a auto-percepções: o indivíduo acredita e confia na sua capacidade e eficácia para enfrentar o meio ambiente com êxito, levando assim a consequências desejadas (Palenzuela,1982). Mischel (1977), no seu estudo da personalidade, refere-se à auto-eficácia percebida como sendo um constructo cognitivo motivacional em que o indivíduo se auto-avalia como eficaz para enfrentar o meio ambiente. Segundo Vaz Serra (1986), o auto-conceito, como constructo hipotético, é construído sobre os acontecimentos pessoais e é necessário para a descrição, explicação e predição do comportamento humano, além disso é importante ter conhecimento de como a pessoa se percepciona a si própria. Este autor, citando Fitts (1972), refere que «o conceito que o indivíduo tem de si próprio atravessa, condensa, ou captura a essência de muitas outras variáveis», permitindo assim lidar com uma variável central e simples. Segundo Shavelson e Bolus (1982), o auto-conceito é diferenciável, isto é, o auto‑conceito pode facilmente diferenciar-se de outras variáveis (por exemplo, estado de saúde) permitindo compará-las entre si, de forma a averiguar possíveis relações. O auto-conceito funciona também como impulsionador da motivação. Gecas (1982), ao referir-se ao auto-conceito como fonte de motivação, indica três motivos que lhe estão ligados: o motivo de auto-estima, o motivo de auto-consistência e motivo de auto-eficácia. O motivo de auto-estima é universal, na medida em que os aspectos positivos de cada indivíduo são geralmente realçados (Vaz Serra, 1986). Segundo Gecas (1982), este motivo apresenta-se sob uma perspectiva de «auto-saliência», tendo como objectivo o melhoramento da auto-estima e uma perspectiva de «auto-manutenção», virado para a preservação do que a pessoa possui. Estas duas perspectivas determinam as seguintes estratégias comportamentais: disputa pelo êxito e medo do fracasso. Daí que, geralmente, pessoas com auto-estima pobre se identifiquem mais com estratégias de auto-manutenção do que de auto-saliência. No que se refere ao motivo de consistência, Markus e Wurf (1986) apresentam o auto-conceito como um conjunto de «generalizações cognitivas» que estruturam a forma como se elabora a informação para o indivíduo. «Estes esquemas tornam-se progressivamente resistentes à informação que lhes é inconsistente. Há assim uma espécie de conservadorismo cognitivo, organizador de percepções, memórias e esquemas pessoais» (Vaz Serra, 1986, p. 65). O motivo de auto-eficácia foi estudado por vários autores, como Bandura (1977), Seligman e Altenor (1980) e Rotter (1975). Bandura (1977), na sua teoria da aprendizagem social, mencionou que os indivíduos com boas expectativas de auto-eficácia têm crenças de que são capazes de realizar com êxito o comportamento requerido e consequentemente obter resultados positivos. Deu um relevo especial à mudança de expectativas: é importante a pessoa passar a acreditar que um comportamento irá permitir obter uma consequência desejada e que ela tem a capacidade para atingir o fim em vista. Seligman, na sua teoria do desespero aprendido, referiu a importância da percepção de ineficácia ou de fracasso pessoal, devida ao facto do indivíduo perceber que o seu comportamento não tem influência nas consequências do meio em que se insere. Rotter (1975), relativamente ao Locus de controlo interno e externo, defendeu que o indivíduo eficaz é aquele que percepciona o seu comportamento como sendo influenciado por si e não por factores externos. Rotter (1966) refere-se deste modo ao controlo interno e externo: «Quando o reforço é percebido pelo sujeito como seguindo-se a alguma acção sua, mas não estando completamente dependente dessa acção (not being entirely contingent upon his action), então, na nossa cultura é tipicamente percebido como resultado da sorte, do acaso, do destino ou sob o controlo de outros poderosos, ou como imprevisível, dada a grande complexidade de forças que o rodeiam. Quando o acontecimento é interpretado deste 111 modo por um indivíduo, trata-se de uma crença no controlo externo. Se a pessoa percebe que o acontecimento depende (is contingent) do seu próprio comportamento ou das suas características relativamente permanentes, trata-se de uma crença no controlo interno». 112 Por conseguinte, designa-se um indivíduo como «interno» quando ele tem a percepção ou a crença de que controla a situação ou o reforço e por isso tende a percebê-lo como resultante das suas próprias acções, enquanto o «externo» sente que não controla os acontecimentos ou que os resultados não são dependentes do seu comportamento e, por isso, tende a percebê-los como resultantes de factores alheios a si mesmo, como outros poderosos, sorte ou acaso. Deste modo, o interno normalmente aceita o louvor pelos sucessos e as (auto) críticas pelo fracasso, enquanto o externo não aceita nem uma nem outra coisa (Barros et al., 1992). A forma como cada pessoa percepciona as capacidades de auto-controlo que possui designa-se, como vimos, por locus de controlo. Este é a percepção da relação causal entre o comportamento e as suas consequências, ou em termos mais técnicos, o locus de controlo é a percepção pelo indivíduo da relação de contingência entre os comportamentos e as suas consequências (Dubois, 1987). Em suma, resume-se a duas questões com que o indivíduo é confrontado: 1) «Sou capaz de controlar o meio?»; 2) «É o meio que se me impõe e me controla?» (ibidem). Numa perspectiva mais cognitivista podemos considerar o constructo de locus de controlo como uma crença ou expectativa do controlo percebido, crença que representa um importante papel mediacional; ou seja, o indivíduo ver-se como um agente activo causal, ou ver-se como um «recipiente» passivo das influências do meio, influencia a forma como ele avalia e responde às situações com que se confronta no quotidiano (Mahoney, 1985). Por isso, ele é antes de mais uma expectativa generalizada, aprendida num contexto social que se mantém actuante em variadas circunstâncias, condicionando o modo de actuar (ibidem). Podemos também dizer que a internalidade e a externalidade representam uma tendência, dentro de um continuum (Barros et al, 1992). Neste enquadramento teórico e de pesquisa, poderemos afirmar que a finalidade da presente investigação poderá situar-se na procura de uma melhor compreensão destes estudantes. Com efeito, se forem encontradas relações entre as dimensões estudadas, haverá que tê-las em conta quando planearmos intervenções para promover o desenvolvimento psicossocial dos jovens. Por outro lado, a falta de estudos empíricos nesta área levanos a considerar a presente investigação como uma pesquisa piloto. Método Amostra A amostra foi constituída por um grupo de estudantes a frequentar o Curso Superior de Enfermagem (Grupo de Estudantes do Curso de Enfermagem, GECE), isto é com formação na área da saúde, e um grupo de controlo, constituído por estudantes provenientes de cursos superiores não relacionados com a área da saúde. Este grupo de controlo, que na investigação foi designado por Grupo de Estudantes de Outros Cursos (GEOC), era constituído por estudantes provenientes dos cursos de Português/Inglês, de Secretariado e Administração e de Gestão. Os dois grupos são homogéneos em relação a variáveis demográficas. Fazem parte da amostra 948 indivíduos (621 pertencentes ao GECE e 327 ao GEOC). A média de idades é de 19.95 (Dp=2.18). Existe um predomínio do número de mulheres sobre o de homens (724 mulheres e 224 homens), o que corresponde a uma tendência natural nestes cursos. A análise comparativa entre grupos permite constatar que o GECE e GEOC são equivalentes nas variáveis: idade (t=-.812, p=.416), estado civil (χ2 =0.340, g.l.=1, p=.559), ano lectivo (χ2 =0.331, g.l.=1, p=.564), área de residência (χ2 =0.666, g.l.=1, p=.414) e camada social (2) (χ2 =1.057, g.l.=3, p=.787). No que respeita à distribuição por sexo, constatamos que, embora seja predominante o sexo feminino em ambos os grupos, eles se diferenciam de forma ligeiramente significativa (χ2 =4.530, g.l.=1, p=.043). Procedimentos Os instrumentos de colheita de dados foram administrados nos tempos lectivos dos estudantes a quem propusemos participar no estudo; o tempo necessário ao seu preenchimento foi cerca de 60 minutos. Antes da administração dos instrumentos foi explicitado o objectivo do estudo e o carácter voluntário e anónimo da participação, podendo os sujeitos preencher ou não os questionários, não devendo contudo escrever o nome em nenhuma das partes do mesmo. Os resultados obtidos no estudo da relação entre a área de formação e sexo dos estudantes e as notas globais das variáveis psicológica em estudo sugerem que os estudantes do curso de Enfermagem (com formação em saúde) apresentam valores mais elevados de Locus de Controlo de Saúde e Sentido Interno de Coerência, que se traduzem, respectivamente, por uma maior internalidade e por uma aptidão para percepcionar, interpretar e dar significado às experiências stressantes da vida. 113 114 Instrumentos • Sense of Coherence Questionaire (SOC) (Antonovsky, 1987; versão adaptada para a população portuguesa por Geada, 1990). O SOC permite avaliar os recursos individuais de coping definidos pelo autor como uma aptidão interna, global, para percepcionar, interpretar e dar significado às experiências stressantes da vida, que posiciona o indivíduo numa orientação de saúde, física e psicológica. Constituído por 29 itens (numa escala de likert com 7 categorias de resposta) compreende três factores/dimensões principais, consideradas como fazendo parte do «sentido interno de coerência»: compreensibilidade (11 itens – por ex.: «Quando fala com outras pessoas, tem o sentimento de que elas não o compreendem?»); manejabilidade (10 itens – por ex.: «Já lhe aconteceu terem-no desapontado pessoas com quem você contava?»); e significabilidade (8 itens – por ex.: «Tem o sentimento de que não se interessa realmente pelo que se passa à sua volta?»). O SOC apresenta boa consistência interna. Os valores de alpha, para a escala total, têm oscilado entre .82 e .95 (Antonovsky, 1987, 1993), valores ligeiramente superiores aos apresentados para a versão portuguesa, entre .79 e .90 (Geada, 1996,1997). • Inventário Clínico de Auto-conceito (ICAC) (De Vaz Serra, 1986). É um instrumento que avalia os aspectos emocionais e sociais do auto-conceito; é fiável (coeficiente de Spearman-Brown de .79 para uma amostra de 920 indivíduos, e uma correlação teste-reteste de .83, para um intervalo de 4 semanas) e tem sido extensamente utilizado e validado (Vaz Serra, 1995). Os 20 itens (num formato tipo likert com 5 categorias de resposta) que o constituem estão agrupados em quatro factores (cujo indicador de fiabilidade apresentado é o alpha de Cronbach). Factor 1 Aceitação/rejeição (por ex.:«sou uma usualmente bem aceite pelos outros») – (alpha = .76); Factor 2 Auto-eficácia (por ex.: «tenho por hábito desistir das minhas tarefas quando encontro dificuldades») – (alpha = .70); Factor 3 Maturidade psicológica (por ex.: «costumo ser franco e exprimir as minhas opiniões») – (alpha = .72); Factor 4 Impulsividade/actividade (por ex.: «sou uma pessoa que gosto muito de fazer o que me apetece») – (alpha = .71). • Inventário de Auto-Conceito Físico (IACF) (De Vaz Serra, 1988). O IACF tem por objectivo medir os aspectos físicos do auto-conceito, mostrando ter uma boa fiabilidade; o seu autor obteve um coeficiente de Spearman-Brown de .68, valor particularmente alto, considerando o quantitativo da amostra – 760 indivíduos. É composto por 40 itens (numa escala de likert com 5 categorias de resposta) que se agrupam em cinco factores, com raízes latentes superiores a 1, que contribuem com 61,21% para a percentagem cumulativa da variância, a saber: Factor 1 As questões que o constituem revelam uma dimensão tradutora de boa ou má impressão física, produzida nos outros (por ex.: «considero-me uma pessoas fisicamente atraente») – (alpha = .74); Factor 2 Traduz facilidade ou dificuldade no contacto dos olhos, que tem um inegável valor no contexto das mensagens não-verbais (por ex.: «quando falo com outra pessoa, custa-me olhá-lo bem nos olhos») – (alpha = .69); Factor 3 É tradutor de uma boa ou má vitalidade física (por ex.: «considero-me, de modo geral, uma pessoa com energia») – (alpha = .72); Factor 4 Salienta a forma como o indivíduo fala, pelo que é outra dimensão relacionada com comportamento não verbal (por ex.: «a minha voz causa boa impressão nas outras pessoas’) – (alpha = .70); Factor 5 Traduz a apreciação da morfologia corporal (por ex.: «quando me comparo com os outros reconheço que tenho usualmente uma postura mais rígida») – (alpha = .73); Factor 6 Os itens que o constituem revelam uma dimensão tradutora de satisfação ou insatisfação sexual (por ex.: «gostava de ser sexualmente mais activo do que realmente sou») – (alpha = .69). • Questionário «O Que Penso da Saúde» (OQPS) (De Ribeiro,1993,1994).Constituído por 14 itens (seleccionados das seguintes escalas: Health Locus of Control Scale – Wallston e cols., 1976; Multidimensional Health Locus of Control Scales – Wallston, Wallston & DeVellis, 1978; e Health-Specific Locus of Control - Lau & Ware, 1981) permite efectuar a avaliação do locus de controlo de saúde. Numa amostra de 609 indivíduos portugueses, que serviu para a sua construção, o autor obteve, para os dois factores que a integram, os seguintes valores de consistência interna, a saber: «locus de controlo» - que reflecte o grau pelo qual o indivíduo espera que determinados resultados relacionados com a saúde sejam contigentes com o seu comportamento ou atribuídos à sorte ou acaso (por ex.: «se uma pessoa tiver cuidado com o que faz consegue evitar muitas doenças» - (alpha = .75); e «outros poderosos» - que reflecte o grau pelo qual o indivíduo espera que determinados resultados relacionados com a saúde sejam contigentes com acções de outras pessoas (por ex.: «procurar o médico para fazer check-ups regulares é um factor chave para se manter saudável») – (alpha = .74), sendo que este factor é interpretado no sentido de que escores mais altos significam menor crença nos outros poderosos para controlar a saúde. 115 Isto significa que os estudantes do primeiro ano do curso de frequentam o primeiro ano dos cursos sem formação em saúde, de terceiros para manterem a saúde; mais convictos de que a vida são merecedores do seu empenho e energia; com uma maior quer pessoais quer sociais, para fazer face às exigências das suas 116 Análise dos resultados O objectivo do presente estudo era investigar em que medida a área de formação académica dos estudantes estava relacionada com determinadas variáveis psicológicas: locus de controlo de saúde, sentido interno de coerência e auto-conceito. Colocámos a seguinte hipótese de trabalho: os estudantes que frequentam o curso de enfermagem diferenciam-se dos estudantes que frequentam os cursos superiores sem formação na área da saúde ao nível do seu locus de controlo de saúde, auto-conceito e sentido interno de coerência. Relação entre a área de formação e os índices globais das variáveis psicológicas Para o estudo desta relação realizámos uma MANOVA de 2 por 2 por 4 (sexo e área de formação sobre os quatro índices: Total Auto-Conceito (Social e Emocional) (1), Total Auto-Conceito Físico (2), Total Locus de Controlo de Saúde (3) e Total Sentido Interno de Coerência (4). O sexo foi incluído nesta análise como variável independente, dado que num estudo prévio, aplicando o teste-t para amostras independentes, tínhamos chegado à conclusão de que os dois sexos diferiam significativamente quanto ao Total do Auto-Conceito – Social e Emocional – (t=2,56; p= .010), quanto ao Total do Auto-Conceito Físico (t=2,91; p =.004) e quanto ao Total Sentido Interno de Coerência (t=2,94; p=.003). Apenas não detectámos a existência de diferenças significativas ao nível do Total Locus de Controlo de Saúde (t=-1,61; p=.108). A análise dos resultados da MANOVA (Quadro 1) mostra existir um efeito principal muito significativo da Área de Formação sobre os índices globais das variáveis psicológicas (Lambda de Wilks(4;941)=.946, p=.000), como também um efeito muito significativo do Sexo (Lambda de Wilks (4;941)=.979, p=.000), não existindo contudo um efeito de interacção Sexo x Área de Formação (Lambda de Wilks (4;941)=.993, p=.183). A análise do efeito Área de Formação sobre as variáveis psicológicas em estudo, revela que os dois grupos de estudantes (com formação e sem formação na área da saúde) não diferem significativamente nas notas globais do Auto-Conceito - Social e Emocional (F(1;944)=3.073, p=.079) e Auto-Conceito Físico (F(1;944)=2.658, p=.103), mas diferenciam-se no Locus de Controlo de Saúde (F(1;944)=35.962, p=.000) e no Sentido Interno de Coerência (F(1;944)=23.448, p=.000). (1) Avaliado pelo «Inventário Clínico de Auto-Conceito» - ICAC (2) Avaliado pelo «Inventário de Auto-Conceito Físico» - IACF (3) Avaliado pelo questionário «O Que Penso da Saúde» - OQPS (4) Avaliado pelo «Sense of Coherence Questionaire» - SOC Enfermagem quando comparados com os estudantes que se revelam: mais internos, sugestivo de uma maior independência faz sentido e como tal, as experiências e os problemas da vida percepção de si mesmos como possuindo os recursos suficientes situações de vida; e menos «impulsivos/activos». Quadro 1 MANOVA do Sexo e da Área de Formação sobre os índices de Total Auto-Conceito (Social e Emocional),Total AutoConceito Físico,Total Locus de Controlo de Saúde e Total Sentido Interno de Coerência. 117 Sumário de todos os efeitos: 1 – Sexo 2 – Área de Formação Efeito Lambda Wilks R de Rao G.L. 1 G.L. 2 p 1 0.979 4.965 4 941 .000 2 0.946 13.279 4 941 .000 1x2 0.993 1.558 4 941 .183 Efeito Principal: Sexo Média Quadrática Erro da Média Quadrática F(g.l. 1,2) 1;944 P Total Sentido Int. Coerência 5446.790 430.626 12.648 .000 Total Auto-Conceito 441.921 56.598 7.807 .005 Total Auto-Conceito Físico 1586.078 169.472 9.358 .002 Total Locus de Controlo 185.056 66.514 2.782 .095 Variáveis Dependentes Efeito Principal: Área de Formação Média Quadrática Erro da Média Quadrática F(g.l. 1,2) 1;944 P Total Sentido Int. Coerência 10097.69 430.626 23.448 .000 Total Auto-Conceito 173.94 56.598 3.073 .079 Total Auto-Conceito Físico 450.57 169.472 2.658 .103 Total Locus de Controlo 2392.04 66.514 35.962 .000 Variáveis Dependentes Os resultados, ilustrados pela figura 1, revelam que o grupo de estudantes que frequenta o curso de Enfermagem apresentou um Sentido Interno de Coerência significativamente mais elevado ( x=137,00) que os estudantes dos cursos superiores sem formação na área da saúde (=129,09). Situação idêntica foi registada quanto ao índice de Locus de Controlo de Saúde, no qual os estudantes de Enfermagem (=63,40) apresentam um resultado mais elevado que os estudantes dos outros Cursos Superiores (=59,55), sugestivo de que os primeiros mostram ser mais internos que os segundos. A análise do efeito Sexo sobre os índices totais do Sentido Interno de Coerência, Auto-Conceito (Social e Emocional), AutoConceito Físico e Locus de Controlo de Saúde, revela que o grupo feminino de estudantes não se diferencia do grupo masculino apenas no índice Locus de Controlo de Saúde (F1,944)=2.782, p=.095) (Quadro 1). Figura 1 Efeito principal da área de formação sobre os índices de Total Auto-Conceito (Social e Emocional),Total AutoConceito Físico,Total Locus de Controlo de Saúde e Total 118 Sentido Interno de Coerência. EFEITO PRINCIPAL ÁREA DE FORMAÇÃO 140 130 120 110 VARIÁVEIS DEPENDENTES 100 90 80 70 60 50 Saúde Não Saúde ÁREA DE FORMAÇÃO Sentido I. Coerência Auto Conceito Auto Conceito Físico Locus de Controlo No índice do Sentido Interno de Coerência os resultados revelam que os Homens (x=135.95) se distinguem das Mulheres (x=130.14), revelando os primeiros valores mais elevados neste índice. No índice de Auto-Conceito (Social/ Emocional) são novamente os Homens (x=77.70) que revelam apresentar um AutoConceito mais elevado, quando comparados com as Mulheres (x=76.05). No índice de Auto-Conceito Físico os resultados revelam que uma vez mais os Homens se diferenciam das Mulheres no mesmo sentido do anteriormente descrito. Isto é, o Grupo Masculino (x=131.24) distingue-se do Grupo Feminino (x=128.10), apresentando valores mais elevados de Auto-Conceito Físico. Resumindo, os resultados obtidos no estudo da relação entre a área de formação e sexo dos estudantes e as notas globais das Figura 2 Efeito principal do sexo sobre os índices de Total AutoConceito (Social e Emocional),Total Auto-Conceito Físico, Total Locus de Controlo de Saúde e Total Sentido Interno 119 de Coerência. EFEITO PRINCIPAL SEXO 140 130 120 110 VARIÁVEIS DEPENDENTES 100 90 80 70 60 50 Masculino Feminino SEXO Sentido I. Coerência Auto Conceito Auto Conceito Físico Locus de Controlo variáveis psicológica em estudo sugerem que os estudantes do curso de Enfermagem (com formação em saúde) apresentam valores mais elevados de Locus de Controlo de Saúde e Sentido Interno de Coerência, que se traduzem, respectivamente, por uma maior internalidade e por uma aptidão para percepcionar, interpretar e dar significado às experiências stressantes da vida. Em relação ao sexo, só o índice de Total Locus de Controlo de Saúde não se mostra relacionado com ele. Nos outros três índices, os homens apresentam valores mais elevados do que as mulheres. Em relação à interacção Sexo x Área de Formação é de salientar que nenhum dos índices totais das variáveis psicológicas estudadas se relaciona com ela. Relação entre a área de formação e os factores das escalas que avaliam o auto-conceito, o locus de controlo de saúde e o sentido interno de coerência A MANOVA anteriormente efectuada revelou diferenças ao nível das notas globais das escalas que avaliam as variáveis psicológicas, entre os grupos de estudantes em estudo. No sentido de se conhecer o conjunto dos diversos factores destas escalas que melhor discriminavam o grupo de estudantes que frequentam o curso de Enfermagem do grupo de estudantes que frequentam os cursos superiores sem formação na área da saúde em estudo, utilizou-se a Análise da Função Discriminante. Face a estes resultados confirmamos a nossa hipótese no que se refere às diferenças entre os estudantes do curso de Enfermagem e os estudantes dos cursos sem formação na área da saúde ao nível do Locus de Controlo de Saúde e Sentido Interno de Coerência, mas não a confirmamos ao nível do AutoConceito (físico, emocional e social). De forma a contornarmos o problema da multicolinearidade existente entre os factores e os totais das escalas que avaliam as variáveis psicológicas, notória através das elevadas correlações encontradas entre eles, utilizámos como variáveis independentes neste modelo discriminante apenas as pontuações referentes aos factores das escalas. Nos quadros seguintes apresentam-se os resultados das análises discriminantes levadas a efeito. Foram efectuadas duas análises da função discriminante, porque foi nosso objectivo efectuar o estudo das variáveis psicológicas em momentos distintos dos cursos. Isto é, efectuámos uma primeira análise com os estudantes do terceiro ano e uma posterior com os do primeiro ano. Assim, pretendíamos investigar, por um lado, se os estudantes com e sem formação na área da saúde se diferenciavam ou não, entre si, quer no ano inicial quer no ano terminal do curso; e, por outro, se os factores psicológicos que os diferenciam no primeiro ano são eventualmente os mesmos que os diferenciam no terceiro ano. Resultados da análise da Função Discriminante passo a passo para os grupos de estudantes a frequentarem o 3º ano do curso de Enfermagem versus 3º ano dos cursos superiores sem formação em saúde Como pode ser observado no Quadro 2, os resultados evidenciam que a Análise da Função Discriminante é estatisticamente significativa como um todo ((F4;397)= 16.28, p=.000), existindo diferenças multivariadas entres os dois grupos de estudantes (com vs sem formação na área da saúde). O valor de Lambda de Wilks, que permite igualmente testar a relevância da função discriminante, revelou-nos que a percentagem de variância dos valores discriminantes explicada pela pertença ao grupo é de 17.10%. Quadro 2 Análise da Função Discriminante passo a passo entre os grupos de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de Enfermagem vs 3º ano dos cursos sem formação na área da saúde. Variável F p Significabilidade – SOC 44.87 .000 Outros Poderosos – OQPS 10.96 .001 Factor 6 – IACF 10.43 .001 Manejabilidade – SOC 6.44 .032 Lambda de Wilks =.829 G.L.= 4;397 F= 16.28 p= .000 Face a estes resultados, podemos concluir que, apesar dos estudantes deferirem significativamente, a percentagem de variância explicada pela função é baixa. Relativamente à eficiência classificativa obtida com a função, podemos afirmar que o conjunto das variáveis que entraram no modelo permitiu uma classificação correcta de 72.39% dos estudantes, com 89.55% de acertos no grupo de estudantes do curso de Enfermagem e apenas 38.06% no grupo de estudantes que frequentam os cursos sem formação na área da saúde (Quadro 3). Quadro 3 Análise da Função Discriminante entre os grupos de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de Enfermagem vs estudantes a frequentar o 3º ano dos cursos sem formação na área da saúde: eficácia da classificação. Grupo observado Estudantes Enfermagem Estudantes Enfermagem (n=268) 240 Grupo predito Estudantes Outros Cursos 28 Estudantes Outros Cursos (n=134) 83 51 38.06 Total 323 79 72.39 % Classificação correcta 89.55 121 A análise da importância relativa das dimensões psicológicas para a diferenciação dos grupos mostra que quatro dos factores contribuem significativamente para a diferenciação entre eles (Quadro 2). O maior contributo para a diferença entre os grupos é dado pelo factor – significabilidade – do SOC, seguido dos factores – outros poderosos – do questionário OQPS, Factor 6 – satisfação ou Quadro 4 Médias e desvio padrões das variáveis psicológicas no grupo de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de Enfermagem vs 3º ano dos cursos sem formação na área da saúde. GRUPOS 3º Ano Enfermagem 3º Ano Outros Cursos VARIÁVEIS Média Dp Média Dp Significabilidade 44.25 7.04 39.26 7.07 Manejabilidade 50.82 8.15 45.45 7.77 21.43 4.13 19.80 4.04 7.10 2.07 7.35 2.12 Sentido Interno Coerência 122 Locus de Controlo de Saúde Outros Poderosos Auto-Conceito Físico Factor 6 insatisfação sexual – do IACF e por último do factor – manejabilidade – do SOC. Neste modelo de discriminação não entrou nenhum dos factores do ICAC. Recorrendo às médias destas variáveis discriminadoras, averiguámos em que sentidos iam as diferenças entre os grupos (Quadro 4). Assim, verificamos que os estudantes do terceiro ano do curso de Enfermagem, por comparação com os do terceiro ano dos cursos sem formação na área da saúde: a) Apresentam valores mais elevados na dimensão significabilidade, sugestivo de que sentem, mais convictamente, que a vida faz sentido e como tal, as experiências e os problemas da vida são merecedores do seu empenho e energia; b) Revelam valores mais elevados na dimensão outros poderosos, demonstrando-se mais internos e por isso reflectindo uma maior independência de terceiros para manterem a saúde; c) Apresentam médias menos elevadas no factor 6 do auto-conceito físico, revelando-se mais insatisfeitos sexualmente; d) Evidenciam valores mais elevados na dimensão manejabilidade, demonstrando uma maior percepção de si mesmos como possuindo os recursos suficientes, quer pessoais quer sociais, para fazer face às exigências das suas situações de vida. Resultados da análise da Função Discriminante passo a passo para os grupos de estudantes a frequentarem o 1º ano do curso de Enfermagem versus 1º ano dos cursos superiores sem formação em saúde Com o mesmo objectivo da análise anterior e na tentativa de verificarmos se os estudantes se diferenciavam no primeiro ano, ao nível dos factores dos instrumentos que avaliam as variáveis psicológicas em estudo, efectuámos de novo uma análise da função discriminante passo a passo. Quadro 5 Análise da Função Discriminante passo a passo dos grupos de estudantes a frequentar o 1º ano do curso de Enfermagem vs 1º ano dos cursos sem formação na área da saúde. Variável F p Outros Poderosos – OQPS 13.08 .000 Significabilidade – SOC 10.99 .000 Factor 4 – ICAC 10.93 .001 Manejabilidade – SOC 5.58 .021 Lambda de Wilks =.919 G.L.= 4;541 F= 9.45 p= .000 Os resultados mostram (Quadro 5) que apesar da função obtida ser significativa (F(4;541)=9.45, p=.000), a percentagem de variância explicada pela mesma, que é traduzida pelo valor de Lambda de Wilks (.919), é reduzida (8.10%). Relativamente à eficácia classificativa da Função Discriminante avaliada através da matriz de classificação obtida (Quadro 6), podemos constatar que esta permite uma percentagem de 67.03% de acertos totais, ou seja, em 546 estudantes, 366 são classificados correctamente. Em relação aos dois grupos a eficiência classificativa mostra-se maior para o grupo de estudantes que frequenta o primeiro ano do curso de Enfermagem, com 90.65% de acertos correctos neste grupo, o que corresponde a 320 estudantes classificados correctamente contra 33 estudantes mal classificados. Para o grupo de estudantes que frequentam o primeiro ano dos cursos Quadro 6 Análise da Função Discriminante dos estudantes a frequentar o 1º ano do curso de Enfermagem vs estudantes a frequentar o 1º ano dos cursos sem formação na área da saúde: eficácia da classificação. Grupo observado Estudantes Enfermagem Estudantes Enfermagem (n=353) 320 Grupo predito Estudantes Outros Cursos 33 Estudantes Outros Cursos (n=193) 147 46 23.83 Total 467 79 67.03 % Classificação correcta 90.65 123 sem formação na área da saúde, a eficiência classificativa é muito reduzida, 23.83%, a que corresponde a 147 estudantes mal classificados contra apenas 46 classificados correctamente. 124 Observando os passos seguidos pela análise passo a passo (Quadro 5) constatamos que das quatro variáveis aceites pelo modelo, a primeira e mais importante é o factor – outros poderosos – do questionário OQPS. Em segundo lugar entrou o factor – significabilidade – do SOC, seguida do factor 4 – impulsividade/ actividade – do ICAC. Aparece depois, ainda com valores de p bastante significativos, o factor – manejabilidade – do SOC. É de salientar que nenhum dos factores relativos ao Inventário de Auto-Conceito Físico contribuiu para a diferenciação destes grupos de estudantes. A comparação das médias das variáveis que melhor discriminam os grupos (Quadro 7) permite-nos verificar que os estudantes que frequentam o primeiro ano do curso de Enfermagem se diferenciam dos estudantes que frequentam o primeiro ano dos cursos sem formação na área da saúde em virtude de apresentarem valores mais elevados relativos aos factores outros poderosos, significabilidade e manejabilidade, como também por revelarem valores menos elevados no factor 4 – impulsividade/actividade – do AutoConceito (Social e Emocional). Isto significa que os estudantes do primeiro ano do curso de Enfermagem quando comparados com os estudantes que frequentam o primeiro ano dos cursos sem formação em saúde, se revelam: mais internos, sugestivo de uma maior independência de terceiros para manterem a saúde; mais convictos de que a vida faz sentido e como tal, as experiências e os problemas da vida são merecedores do seu empenho e energia; com uma maior percepção de si mesmos como possuindo os recursos suficientes quer pessoais quer sociais, para fazer face às exigências das suas situações de vida; e menos «impulsivos/activos». Quadro 7 Médias e desvio padrões das variáveis psicológicas no grupo de estudantes a frequentar o 1º ano curso de Enfermagem vs 1º ano dos cursos sem formação na área da saúde. GRUPOS 1º Ano Enfermagem 1º Ano Outros Cursos VARIÁVEIS Média Dp Média Dp 20.44 3.90 19.12 4.43 Significabilidade 43.87 6.52 41.87 8.39 Manejabilidade 49.44 7.81 48.76 8.73 12.18 1.58 12.87 1.73 Locus de controlo de Saúde Outros Poderosos Sentido Interno de Coerência Auto-Conceito (Social/Emocional) F4 “«mpulsividade/actividade» Reportando-nos aos resultados obtidos na nossa investigação, numa tentativa de elaborar o perfil dos estudantes com formação académica superior na área da saúde (comparativamente com os que não a têm) podemos dizer que, duma forma geral, se caracterizam por serem jovens para quem a vida faz sentido a nível cognitivo e emocional, que aceitam e dão sentido às experiências negativas tentando ultrapassá-las, que acham que vale a pena investir nos problemas e exigências do dia a dia (que são desafios bem vindos e não ameaças a ser evitadas) e que acreditam que os resultados relacionados com a saúde não são contingentes à acção de outras pessoas mas que dependem sobretudo deles próprios, revelandose mais autónomos e mais independentes de terceiros (familiares, amigos, etc.) na manutenção da sua saúde. Discussão dos resultados O efeito da área de formação sobre as notas globais das varáveis psicológicas fez-se sentir de modo significativo sobre o Sentido Interno de Coerência e o Locus de Controlo de Saúde. Na nossa amostra os estudantes de Enfermagem apresentam um Sentido Interno de Coerência mais elevado e mostram-se mais internos do que os estudantes dos cursos superiores sem formação na área da saúde. Com a análise da função discriminante identificámos do conjunto dos factores dos instrumentos que avaliam as variáveis psicológicas, os que melhor discriminavam os grupos de estudantes em estudo. Os resultados obtidos, em concordância com os anteriormente descritos, revelaram que eram os factores «significabilidade» (Sentido Interno de Coerência) e «outros poderosos» (Locus de Controlo de Saúde) que se mostravam como especialmente importantes na discriminação dos grupos de estudantes, respectivamente, no terceiro e primeiro anos dos cursos. Não encontrámos outros estudos que tivessem investigado a relação entre estas variáveis e a área de formação com os quais pudéssemos comparar directamente os nossos resultados. Os únicos dados a que tivemos acesso são descritos por Ribeiro (1993), não propriamente em função da área de formação, mas sim em função de instituições escolares (universidades/escolas secundárias) frequentadas por uma amostra de 639 estudantes jovens da cidade do Porto. Relativamente ao locus de controlo de saúde, o autor constatou que eram os alunos da Escola de Nutrição (com formação académica superior na área da saúde) que apresentavam valores mais elevados na nota global da escala, correspondendo por isso a indivíduos mais internos, e que os valores mais baixos eram atribuídos aos alunos de uma escola secundária. Para o factor outros poderosos, o valor mais elevado, correspondendo à afirmação de maior independência de terceiros para a conservação da saúde, era igualmente atribuído aos alunos da Escola de Nutrição. 125 126 Reportando-nos aos resultados obtidos na nossa investigação, numa tentativa de elaborar o perfil dos estudantes com formação académica superior na área da saúde (comparativamente com os que não a têm) podemos dizer que, duma forma geral, se caracterizam por serem jovens para quem a vida faz sentido a nível cognitivo e emocional, que aceitam e dão sentido às experiências negativas tentando ultrapassá-las, que acham que vale a pena investir nos problemas e exigências do dia a dia (que são desafios bem vindos e não ameaças a ser evitadas) e que acreditam que os resultados relacionados com a saúde não são contingentes à acção de outras pessoas mas que dependem sobretudo deles próprios, revelando-se mais autónomos e mais independentes de terceiros (familiares, amigos, etc.) na manutenção da sua saúde. Para estas estratégias de coping, sobretudo a nível da saúde, podem ter contribuído as experiências e os conhecimentos teóricos adquiridos com a sua formação. Bibliografia and correlates of individual health-related behaviors. Medical Care, 15, 27-46. Byrne, B.M., & Shavelson, R.J. (1986). On the structure of the adolescent self-concept. Journal of Educational Psycology, 78 (6), 477-488. Dubois, N. (1987). La psychologie du contrôle: les croyances internes et externes. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble. Frenz, A.W., Carey, M.P., & Jorgensen, R.S. (1993). Psychometric evaluation of Antonovsky’s Sense of Coerence Scale. In M. Geada (1994b), Psicologia da saúde: áreas de intervenção e perspectivas futuras (pp.157-175). Braga: APPORT. Geada, M. (1994). Sentido interno de coerência, clima familiar e comportamentos de risco de consumo de drogas na adolescência. Análise Psicológica, 12 (2/3), 315-321. Geada, M. (1996). Mecanismos de defesa e de coping e níveis de saúde em adultos. 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Para além deste facto, este estudo apresenta outras limitações, nomeadamente: não devemos esquecer que se trata de um estudo retrospectivo, que apresenta as limitações inerentes a este tipo de design; se por um lado o número de sujeitos que constitui a amostra total nos parece adequado para as análises efectuadas, por outro lado, consideramos ser uma limitação do estudo o facto do número de sujeitos, do grupo de estudantes dos cursos sem formação académica na área da saúde, ser substancialmente menor; e por fim, apesar de termos feito um esforço para realizar um estudo integrador e compreensivo, não nos podemos esquecer que outras variáveis também importantes (por ex.: influência dos pares) devem ser estudadas em futuras investigações. propósito, será legítimo entender, por exemplo, o desenvolvimento positivo do auto-conceito como uma das tarefas principais da Psicologia e da Educação (Richman, 1985, conforme citado por Dias, 2000;Veiga, 1989;Veiga, 1995), e considerar o papel dos professores como capaz de um importante impacto no autoconceito e na adequação comportamental dos alunos (Purkey, 1984, conforme citado por Dias, 2000;Veiga, 1995). Sugere-se ainda a realização de investigações que testem e comparem programas de promoção das variáveis em estudo que possam ser aplicados nas escolas e com a colaboração de professores, os quais representariam certamente um importante contributo para o enriquecimento de alunos e professores. A este Kiess, H.O., & Bloomquist, D.W. (1985). Psychological research methods: a conceptual approach. London: Allyn and Bacon. Mahoney, M. (1985). Open exchange and epistemic progress. American Psychologist, 40, 29-39. Markus, H., & Wurf, E. (1986). The dynamic self-concept: A social Psychological perspective. Annual Review of Psychology, 38, 299-337. Matarazzo, J.D. (1980). Behavioral health and behavioral medicine. American Psychologist, 35 (9), 807-817. Mischel, W. (1977). On the future of personality measurement. American Psychologist, 32 (4), 242-254. Palenzuela, D.L. (1982). Variables moduladoras del rendimiento académico: hacia un modelo de motivación cognitivo-social. 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Logo, a identificação de estratégias para sua efectiva prevenção é particularmente interessante. O sucesso é visto como factor essencial para a saúde das crianças e, assim, para futuras gerações de adultos. A biodiversidade e a descoberta de novos medicamentos O uso tradicional de uma planta pode ser um indicador da presença de produtos químicos importantes para o progresso da medicina. Seria extremamente difícil avaliar sistematicamente as potencialidades químicas das cerca de 500 mil espécies de plantas de todo o mundo. Contudo, o conhecimento indígena de plantas medicinais pode servir para direccionar a pesquisa para as espécies que possam realmente conter produtos químicos relevantes. 128 Paula Carvalho, Natacha Gigante Maria Celeste Bastos Almeida, José Luís Pais Ribeiro Internamento em Cuidados Intensivos: aspectos marcantes Ao caracterizarmos as Unidades de Cuidados Intensivos, temos uma imensidão de aspectos emergem na experiência dos doentes, para além da doença em si, razão primeira do internamento. Nesta perspectiva, não podemos isolar a experiência unicamente na sua componente física e biológica. Estar ou sentir-se doente é um todo, na sua componente física, social e psicológica. O internamento em cuidados intensivos é fortemente marcado pela gravidade da doença, pela componente tecnológica que caracteriza o ambiente, pelas intervenções terapêuticas e de monitorização invasiva, e também pelo impacto psicológico. A linguagem na Síndrome de Asperger Segundo os critérios de diagnóstico, não é referido como critério a presença de um atraso geral da linguagem clinicamente significativo. No entanto, estudos na área revelam que mais de 50% das crianças com Síndroma de Asperger apresentam alterações da linguagem. Apesar do ênfase dado à componente social e comunicativa, e sendo esta a área de maior comprometimento, são sentidas, muitas vezes, alterações a nível linguístico contrariamente ao que é preconizado pelos actuais sistemas classificativos e de diagnóstico. Gilberto Alves, Nulita Lourenço, Amílcar Falcão Tratamento Médico da Epilepsia (parte II) A Cirurgia O tratamento cirúrgico da epilepsia é hoje largamente aceite e reconhecido e pode ser extremamente efectivo em alguns doentes, mas pelos riscos que esta opção terapêutica envolve só deverá ser considerada para aqueles cuja ausência de resposta ao tratamento farmacológico tenha sido cuidadosamente demonstrada.