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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Modernização, movimento camponês e crise no Município de Villavieja (Huila-Colômbia) CAMILO ALEJANDRO BUSTOS AVILA1 Resumo: A pesquisa de doutorado mostrou a relação entre o processo de modernização, entendido como a consolidação no espaço das relações sociais capitalistas, no Município de Villavieja, no extremo norte do Departamento de Huila, na Colômbia e como este implicou, também, a consolidação da luta pela terra. Isto aconteceu no pós-guerra, num contexto em que o Estado desenvolvimentista buscava a liberação da terra como fator produtivo e alavancava-se o processo de produção de bens agrícolas de monocultivo para a consolidação do mercado interno. Entretanto, consideramos que o processo, impulsionado pela lógica do “ajuste espacial”, foi finalizado na década de 1990 porque o impulso ao desenvolvimento via industrialização nos países periféricos foi só um momento necessário do desenvolvimento do capitalismo e, posteriormente, impulsionara-se a exportação de bens exóticos, deixando o modelo econômico anteriormente consolidado em crise. Palavras-chave: Modernização; campesinato; Colômbia. Abstract: This doctorate research exposed the relationship between modernization process, understood as the spatial consolidation of capitalist social relationships at Villavieja municipality, northern area from Huila Department in Colombia and how that meant the consolidation of the fight for land. His happened after WWII in a context where developing State wanted to release land as an economic factor and it was enhanced the process of production of agricultural goods of monoculture for the consolidation of internal market. Nevertheless, it is considered that this process, enhanced by the logic of “spatial adjustment”, ended in the nineties because the enhancement of industrialization at the periphery of the world-system it was just a necessary moment for capitalism development and, afterwards, there would be enhanced the production of exotic goods, leaving the economic model, previously consolidated, in crisis. Key-words: Modernization: peasants; Colombia. 1 – Introdução A pesquisa de tese doutoral realizada entre 2008 e 2012 e que apresentamos aqui examinou a relação entre a modernização, como processo de integração do campo colombiano dentro das categorias específicas da relação social capitalista (propriedade privada da terra, e reprodução social baseada no assalariamento para a aquisição dos meios de vida e a compra e venda de mercadorias agropecuárias,) e a emergência da luta pela terra como condição de reprodução social dos moradores do Município de Villavieja, área de latifúndios de criação de gado provenientes da época colonial. O percurso temporal identificou dois momentos basilares: A década de 1960, depois da chamada época da "violência", quando a estrutura agrária da 1 Mestre e Doutor em Geografia Humana, Universidade de São Paulo E-mail de contato: [email protected] 1379 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO região central colombiana vê-se profundamente reconfigurada por meio de uma guerra civil entre camponeses conservadores e liberais-comunistas e quando a luta pela terra é impulsionada pelo próprio Estado para consolidar a modernização via Revolução Verde; e a década de 1990, quando, por efeito das políticas neoliberais que pregam a apertura econômica ao comércio internacional, o setor agrícola entra em profunda crise e muitas das instituições que permitiram o estabelecimento da modernização são eliminadas. A hipótese que sustentou a pesquisa foi a de que as transformações na estrutura agrária nesta região da Colômbia são entendidas por meio de uma dialética espacial que envolve, tanto aspectos da escala global, como a necessidade do capitalismo internacional de tentar superar sua crise de sobreacumulação do pósguerra por meio da expansão geográfica para as periferias do sistema-mundo, quanto aspectos das escalas regional e local, referentes à necessidade dos camponeses, antigos agregados das grandes fazendas de criação de gado, de garantir sua reprodução social no contexto da crise das antigas formas de sociabilidade baseadas na lógica do favor e da necessidade da propriedade da terra como condição desta reprodução. 2 – Desenvolvimento Considerações Teóricas: Para o caso desta pesquisa consideramos a modernização não apenas como uma transformação dos processos e das relações de produção, circulação, distribuição e consumo, como é o sentido expresso por Silva, em que o termo é utilizado para designar “o processo de transformação na base técnica da produção agropecuária no pós-guerra” (1996, p. 19); mas como uma mudança mais profunda, uma mudança na ordem moral ou, pelo menos, a tentativa de impor uma ordem moral, na qual se substituiria o universo camponês baseado no trabalho, a família e a liberdade pela ordem econômica, baseada numa racionalidade e uma sociabilidade modernas, individualizadas e dirigidas para o mercado, nas quais as 1380 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO três categorias estão separadas (WOORTMAN, 1990, p. 23). A modernização corresponde à forma da efetivação no espaço da relação social capitalista, portanto está ligada à necessidade de expansão do mundo da mercadoria no campo e à expansão do domínio da lei do Estado (pelo tanto, do direito positivo) na totalidade de seu território. A modernização, então, é entendida como movimento da relação social capitalista, no qual a acumulação primitiva se coloca como momento fundamental. Nas áreas em que este processo não se efetiva em sua forma “clássica” (separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições de realização do trabalho, separação do trabalhador e seus meios de produção) e de forma geral no espaço, surgem outras formas de realização como a sujeição da renda da terra ao capital (MARTINS, 1981, p. 170). Na área de pesquisa, aconteceram processos de espoliação da população rural de sua terra e meios de produção, desde a conquista, com o aniquilamento da população indígena e a redução dos sobreviventes em resguardos e, particularmente durante o fenômeno da “violência”, de meados do século XX, a partir do qual grandes levas de população das áreas rurais foram deslocadas para os centros urbanos do município, para a capital departamental ou para outros lugares; mas a sujeição da renda da terra ao capital foi central a partir das ações de distribuição de terras da segunda metade do século XX; é assim como a ação do movimento camponês e as diversas tentativas estatais de desenvolver uma legislação de “Reforma Agrária" se colocaram como instrumento de expansão da modernização. Porém, a dinâmica se exaure e a modernização entra “em crise”, isto é, o próprio movimento do capital em crise implica o progressivo abandono desta forma específica de produção alavancada pelo Estado. Vive-se, atualmente, na fase de reconfiguração espacial da atividade agrícola o que, na escala dos sujeitos, traduzse em dificuldade de se reproduzir socialmente sob os moldes definidos a partir da metade do século XX. O capital em crise implica a crise da possibilidade de se reproduzir a partir de uma sociabilidade mediada pelo dinheiro. 1381 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Considerações histórico-geográficas O Departamento de Huila fica no Alto Magdalena, no centro-sul da Colômbia, como é mostrado no Mapa 1. Mapa 1: Município de Villavieja 1382 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Este município tem a particularidade de estar localizado numa área de características ambientais semiáridas, o que é raro num país como a Colômbia, caracterizado por suas condições equatoriais de alta insolação, pluviosidade e ausência de estações que fazem com que, em condições de não intervenção antrópica a maior parte esteja povoado por densas florestas. Estas características semiáridas foram incrementadas pela utilização predatória do território para a conformação de grandes latifúndios de criação de gado encarregados de fornecer bens de origem animal (carne, couro e sebo) para os principais centros coloniais do centro-sul da Nova Granada (Santa Fe, atual Bogotá e Popayán), os quais, por sua vez, alimentaram o processo de utilização predatória do território. Atualmente, estas características implicam o desenvolvimento do turismo como principal forma de reprodução social dos seus habitantes. Isto quer dizer que a colonização espanhola, na Colômbia, esteve motivada, ao igual que a colonização portuguesa do Brasil e de outros modelos de colonização, pela necessidade de extrair ouro, prata e outras riquezas naturais para impulsionar o processo de modernização, entendido como desenvolvimento e consolidação do capitalismo. O Huila, ao não ser um grande centro mineiro participou indiretamente deste processo. A conformação dos grandes latifúndios coloniais esteve baseada no aniquilamento da fera população indígena originária, numa estratégia de “terra arrasada” que implicou a destruição das suas lavouras e formas de manutenção. Os sobreviventes do extermínio, pertencentes às etnias Coyaima e Natagaima, foram concentrados em assentamentos (resguardos), que se consolidaram como celeiros de mão de obra para as grandes fazendas que surgiram, a partir da década de 1610. 1383 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Esta forma de conformação territorial, entretanto, implicava um escasso uso de mão de obra para sua manutenção, pelo que, muita desta população indígena foi se miscigenando com os espanhóis (e alguns negros escravos), consolidando-se como população camponesa de agregados destas grandes fazendas, responsáveis pelo fornecimento dos principais bens de consumo. A grande fazenda foi se desintegrando com as reformas modernizadoras: de meados do século XVIII (borbônicas), com a expulsão dos jesuítas de 1767, na época colonial; e com as reformas liberais da chamada Revolução do Meio Século (em meados do século XIX) e, finalmente, com o surto de modernização do pósguerra, na época republicana. Este último processo é o mais importante, já que transformou, radicalmente, os padrões produtivos da agricultura e promoveu a transformação da produção pecuária extensiva, em agricultura comercial de monocultivo baseada no uso de técnicas avançadas e de insumos químicos (Revolução Verde). As mudanças produtivas da região implicaram o crescimento gradativo da agricultura comercial de arroz, algodão, sorgo, soja e gergelim, entre outros produtos, realizada (agroquímicos, mediante maquinário a incorporação agrícola, técnicas de tecnologia de irrigação na e produção drenagem). Simultaneamente a este processo, surgiu a luta camponesa, originada pela tomada de consciência do papel histórico dos movimentos sociais rurais: camponês e indígena. O fator que detonou este movimento foi a progressiva tendência à pauperização dos habitantes, antigos agregados das grandes fazendas, num contexto de progressiva monetarização da reprodução social, num entorno caracterizado pela presença-ausência secular dos donos da terra. O mecanismo utilizado foi a ocupação dos latifúndios, para chamar a atenção do Estado para obter o reconhecimento da posse da terra para os que nela trabalhavam. O primeiro e principal evento foi a ocupação, em 1959, da Fazenda El Porvenir, pertencente a Ignacio Vicente Solano, herdeiro das famílias que obtiveram uma parcela das terras antes pertencentes aos jesuítas. O Estado apoia o movimento, com certas limitações, pela necessidade de combater o perigo revolucionário por meio da promoção de uma ténue Reforma Agrária, consistente na compra, pelo Estado, de terras de baixa qualidade aos latifundiários a preços muito 1384 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO elevados para entregá-las aos camponeses, com a condição de que estes desenvolvessem uma agricultura comercial sob um regime empresarial, obrigandoos, portanto, a entrar na economia de mercado para poderem se sustentar na terra. O desenvolvimento da agricultura comercial, na verdade, procurava a sujeição da renda da terra ao capital (comercial, industrial e financeiro) por meio do fornecimento de crédito para a compra de insumos para o desenvolvimento de tal tipo de agricultura. Identificamos este fenômeno como parte do ajuste espacial (HARVEY, 2006, p. 101) um processo do movimento do capitalismo, em escala global, impulsionado pela crise de sobreacumulação do pós-guerra que levou a uma incorporação das áreas periféricas aos centros industriais dentro do sistema produtor de mercadorias. As decorrências do processo de modernização, entendido como processo que gera os espaços do capital no lugar e que visa a submeter as relações sociais à lógica (ilógica) da valorização do valor, gerou múltiplas contradições para os moradores de Villavieja. Estas implicaram sua transformação, de pequenos produtores de valores de uso que comercializavam numa economia de excedente, para consumidores de bens de consumo e de capital, dependentes do dinheiro para a reprodução de sua vida, ou seja, na monetarização quase absoluta como base da reprodução social destes indivíduos. O movimento camponês surge, portanto, como consequência do próprio processo de modernização, entendido como expressão necessária da necessidade do próprio capital de liberar as forças produtivas (terra e trabalho), mas também, de criar uma massa de consumidores para os bens produzidos pelas indústrias de produção de sementes, defensivos e maquinaria, além do próprio capital financeiro, encarregado de viabilizar a produção por meio do crédito. Entretanto, enxergamos também a possibilidade de uma consciência crítica da libertação por parte dos próprios camponeses, que sofrem a violência e a coerção do Estado em momentos posteriores. Mas, no relativo à sustentabilidade deste modelo de desenvolvimento (ou desenvolvimento, para utilizar a expressão de GONÇALVES, 2000), os projetos de assentamentos agrícolas (na Colômbia, chamados parcelaciones) fracassaram no decorrer de três décadas, influenciados por fatores do nível mais próximo (a impossibilidade de tornar os pequenos produtores camponeses trabalhadores 1385 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO autônomos, sujeitados aos ritmos da produção em massa) e do mais distante (a fase de crise do capitalismo da década de 1970, com suas correspondentes manifestações nos países periféricos, que levaram ao surgimento das políticas neoliberais). A crise das parcelaciones esteve diretamente relacionada com a crise da economia agrícola para sustentar o modelo de industrialização por ubstituição de importações que aconteceu na Colômbia durante a década de 1990, motivada, em grande parte, pelas políticas de abertura econômica, impulsionadas a partir do governo de César Gaviria (1990-1994) e em sintonia com o processo de expansão das políticas de cunho neoliberal nos demais países da América Latina. Neste contexto, as condições de reprodução social do campesinato se tornaram cada vez mais difíceis pela concorrência com produtos importados, o desmonte do aparato produtivo gerado nas cinco décadas anteriores e as consequências ambientais do modelo de agricultura de monocultivo (compactação, erosão e poluição dos solos, das águas e do ar, entre outras). Cabe apontar, também, os problemas decorrentes da dificuldade dos camponeses em submeter seu tempo aos ritmos da produção industrial. A partir da década de 1990, muitas das parcelaciones tinham desaparecido ou estavam em processo de dissolução. Todavia, isto não significou o desaparecimento do campesinato do lugar. A maior parte dos moradores de Villavieja e de outras áreas urbanas do município ainda trabalha no campo em atividades agrícolas, embora o turismo seja uma atividade importante, nos últimos anos, para os moradores do Deserto de “La Tatacoa”. A pesquisa de campo que desenvolvemos, entre 1997 e 2010 permitiu identificar muitos campesinatos, decorrentes todos eles do movimento da modernização: alguns camponeses são parceleros; outros já não são mais, embora trabalhem no campo; outros nunca participaram do movimento e até o repudiaram e têm muitos, ainda, que não podem ser considerados camponeses na sua forma clássica constituindo um proletariado agrícola no qual existe, não obstante, um importante acúmulo de campesinidade. Embora a agricultura deixasse de ser a alternativa de reprodução da vida de muitas pessoas e a área fosse afetada pelo surto de violência de final da década de 1990 e inícios da década de 2000 (na verdade, apenas um momento de maior 1386 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO intensificação da violência secular característica do campo colombiano), além de que novas formas de reprodução da vida aparecessem nos últimos anos como o turismo e o cultivo de oleaginosas para a produção de biodiesel, estas mudanças foram interpretadas como momentos distintos de um processo dialético pelo qual o capital vai tentando contornar a sua própria crise, mediante a transformação das atividades produtivas, gerando transformações nas relações sociais mediante a destruição e subordinação das formas anteriores. Tanto o surto de modernização de meados do século XX, quanto seu relativo fracasso, a partir da década de 1990; correspondem a momentos gerais da crise do capital que, entretanto, não conseguem fazer desaparecer completamente nem o campesinato, nem a campesinidade. Ao nível do povoado e na escala dos sujeitos, subsistem expressões e visões de mundo não acumulativas cuja existência implica o questionamento da efetividade do processo de transformação acelerada da sociabilidade e dos grupos humanos subordinados, na sociabilidade urbanoindustrial. Em outras palavras, apesar de que na escala global, a produção agrária, camponesa ou não, contribua para a sustentação do capital, em escalas menores o avanço espacial da relação social capitalista não implica a destruição de outras formas de sociabilidade, mas (de modo dialético) sua recomposição (ou sua subordinação). O camponês subsiste nesta área da Colômbia em condições cada vez mais críticas: Dos antigos assentados das parcelaciones; uns venderam a terra e os instrumentos de produção para outros assentados, mas os que acumularam não se tornaram pequenos capitalistas (até porque as múltiplas dívidas contraídas com os organismos de crédito fizeram com que lhes fosse impossível acumular capital). Além dos assentados, como já foi relatado, existe um grande número de camponeses que não se envolveu no movimento de luta pela terra, mas que possui terra, além de outros trabalhadores da agricultura que já não têm terra (e, inclusive, moram nos assentamentos urbanos do município), mas trabalham na terra de outrem. Finalmente, existem outros que já não são mais trabalhadores da terra porque saíram da atividade porque os rendimentos desta e as múltiplas dívidas contraídas no decorrer do processo produtivo fizeram com que a atividade agropecuária se tornasse inviável para a reprodução da sua vida. Muitos deles 1387 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO trabalham em ofícios como a construção civil, a mecânica, o serviço doméstico ou são pequenos comerciantes. Conclusões A partir da aproximação teórica que foi utilizada para interpretar a complexa realidade urbano-rural de Villavieja, apelamos para uma interpretação dialética do espaço. Isto quer dizer que incluímos a efetividade da modernização: sua negação e sua superação, simultaneamente; mediante a observação do fenômeno nos diferentes níveis sociais e escalas geográficas. Embora exista o risco de confundir essência e aparência do processo de sujeição das práticas cotidianas dentro da lógica do capital, a partir dos depoimentos dos camponeses entrevistados, acreditamos na potência dessas aparências na vida dos sujeitos e enxergamos, nelas, contradições no espaço que têm a possibilidade de se tornar contradições do espaço. A modernização da região foi interpretada como processo que se projeta, no território na escala global, mas que tem manifestações na escala mais restrita expressas fenomenalmente na urbanização; na modificação das atividades econômicas e na aparição de diversas classes sociais, frações de classe e modos de vida. Contudo, não podemos deixar de procurar nas particularidades do processo, as diferenças, as quais em algum momento apareceram como impulso pela luta pela terra, entendida como luta pela possibilidade da reprodução da vida mantendo a autonomia sobre o uso do tempo. A modernização, mesmo entendida como a configuração de uma sociabilidade abstrata implica, contudo, espaços diferenciais a partir dos quais, as contradições estão permanentemente presentes e têm a possibilidade de questionar a realidade social vigente. Procuramos, a partir do uso do método dialético, as possibilidades de existência de outra forma de consciência, pautada na busca das diferenças identificáveis na escala do povoado e no nível inferior de sociabilidade. Eles serão identificados como espaços diferenciais, seguindo a obra de Henri Lefebvre, da mesma forma, também segundo o método de Lefebvre a sobrevivência da campesinidade será identificada como resíduo, isto é, como aquilo que não é 1388 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO reduzível à lógica hegemônica e que tem a capacidade permanente de questionar esta lógica e sua sociabilidade consequente. Identificamos a lógica da modernização tomando conta da própria consciência dos indivíduos (reconhecendo-se a si mesmos enquanto indivíduos monetarizados) em trechos dos depoimentos nas entrevistas realizadas, porém, no devir do tempo histórico, consideramos que o que existe em Villavieja é um camponês moderno, isto é, uma superação dialética do campesinato como modo de vida que envolve na sua consciência, a lógica da modernização. Isto quer dizer que, para a grande maioria dos habitantes de Villavieja, tanto a campesinidade, quanto a modernidade coexistem, embora em níveis distintos. Bibliografia ALFREDO, Anselmo. Negatividade e a Crítica à Crítica Crítica: Sobre Espaço, Tempo e Modernização. In Revista CIDADES, Vol. 6 No. 10. Grupo de Estudos Urbanos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. Pp. 381-414. ALFREDO, Anselmo. Modernização e reprodução crítica: Agroindústria do leite e contradições do processo de acumulação. In: Revista GEOUSP Espaço e tempo. No. 24, 2008. São Paulo. 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