Processamento Sensorial e Áreas de desenvolvimento
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Processamento Sensorial e Áreas de desenvolvimento
Tatiana Raquel Marques Santos Processamento Sensorial e Áreas de desenvolvimento em crianças institucionalizadas num CAT Projeto elaborado com vista à obtenção de grau de Mestre em Terapia Ocupacional, na Especialidade em Integração Sensorial Orientadora: Professora Doutora Isabel Ferreira, Professor Adjunto, Terapeuta Ocupacional Junho, 2012 Trabalho de Projeto Resumo Relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento. Foram avaliadas 27 crianças com idades compreendidas entre os 2 anos e 11 meses e os 6 anos e os 3 meses. As educadoras de infância das crianças avaliaram os domínios do processamento sensorial e das áreas do desenvolvimento através do Questionário do Perfil Sensorial e do Questionário de Avaliação das educadoras de infância. Resultados. Através da correlação de Spearman observou-se que existiam várias correlações entre os domínios do Questionário do Perfil Sensorial e o Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância, como por exemplo, correlação entre o processamento auditivo e a área da linguagem, processamento tátil e a área da matemática, e/ou respostas emocionais/sociais e a área do conhecimento do mundo. Conclusão. A população do CAT apresentava dificuldades ao nível do processamento sensorial (PS) e das áreas do desenvolvimento (AD). As dificuldades no PS e nas AD estão relacionadas, neste sentido é pertinente a intervenção do Terapeuta Ocupacional junto desta população. Não há subtítulos no resumo, assim tens de rever o texto porque tem de ficar tudo ligado. No inicio podes colocar umas frases curtas que tens no inicio da introdução e depois segues com o texto Palavras – Chave: Crianças institucionalizadas; Integração Sensorial; Processamento Sensorial; Desenvolvimento Infantil. Introdução As crianças que nascem em ambientes de privação têm falta de interações precoces com um cuidador preferencial, deste modo, poderão apresentar comprometimento na regulação fisiológica, interação social, comunicação e na aprendizagem sobre o mundo que as rodeia. As crianças poderão apresentar ainda vulnerabilidade ao nível do processamento sensorial, um atraso nas capacidades de jogo e uma pobre exploração espontânea. Devido à falta de oportunidades, a criança poderá não formar ideias complexas sobre o mundo que a rodeia e poderá ter limitações ao nível da praxis. A sua capacidade para tolerar novos ou fortes estímulos sensoriais poderá estar comprometida e por conseguinte a sua capacidade para interpretá-los poderá ser limitada (Schaaf & Roley, 2006). 2 Trabalho de Projeto Segundo Jacobs, Miller e Tirella (2010) viver em ambientes de privação durante um certo período de tempo poderá afetar o desenvolvimento do cérebro principalmente durante o “período crítico” da maturação cerebral. Durante esse período são necessárias certo tipo de experiências para que o cérebro se desenvolva normalmente. Em experiências com animais foi possível observar que quando expostos a ambientes de privação a estrutura cerebral que apresentavam era alterada. Animais que cresciam em ambientes complexos e ricos em experiências apresentavam mais sinapses, maior peso cerebral, arborização dendrítica, novos vasos sanguíneos e melhores competências de aprendizagem e memória comparativamente a animais que cresciam em ambientes de privação. Para Cermak e Daunhauer (1997) a institucionalização é caraterizada por oportunidades reduzidas de colo, interação e estimulação, o que afeta o desenvolvimento e crescimento emocional e físico das crianças. Sem estas oportunidades as crianças apresentam dificuldade em organizar a informação sensorial o que se reflete na capacidade de responderem de forma adaptativa ao ambiente e às tarefas exigidas diariamente. A Integração Sensorial é a capacidade de organizar e processar a informação que chega através dos diferentes canais sensoriais e de interrelacioná-la e sintetizá-la, de forma a emitir uma resposta motora adequada. As crianças que apresentam desordens de processamento sensorial poderão exibir atrasos típicos ao nível das capacidades motoras grosseiras e finas, de equilíbrio, de coordenação motora e do uso manual. Distração, defesa tátil, problemas com a linguagem e com as capacidades visuo-espaciais podem também ser detetadas. Se estes problemas permanecerem sem ser detetados até à idade escolar podem aparecer problemas na leitura, na escrita e/ou na matemática (Berk & DeGangi,1994). Segundo Kranowitz (1998) os sistemas sensoriais transmitem-nos a informação sensorial necessária para que sejamos funcionais no mundo que nos rodeia. Os diferentes sistemas recebem a informação através de estímulos internos e externos ao corpo. Qualquer movimento que façamos, alimento que comamos, ou objeto que toquemos produz em nós uma sensação. O sistema tátil tem uma grande influência na determinação física, mental e comportamento emocional do ser humano. Todos nós desde a infância necessitamos de uma constante estimulação tátil para nos mantermos organizados e sermos funcionais. A informação tátil chega-nos através de células especializadas, denominadas de recetores, que estão localizadas na pele desde a cabeça até aos pés. Sensações de toque como pressão, vibração, movimento, temperatura e dor são ativadas pelos recetores táteis. Existem dois componentes que fazem parte do sistema tátil, são o sistema 3 Trabalho de Projeto protetivo e o sistema discriminativo. O ser humano está constantemente a tocar ou a ser tocado por algo – outras pessoas, roupas, mobília, etc.. O sistema tátil é um dos grandes sistemas sensoriais que nos dá informação que necessitamos não só para a perceção visual, planeamento motor e consciência corporal, como para a aquisição de competências académicas, segurança emocional e competências sociais (Kranowitz, 1998). O sistema vestibular diz-nos qual a posição das nossas cabeças e corpos em relação ao espaço. Este sistema dá-nos informações acerca do equilíbrio e movimento do pescoço, olhos e corpo; envia a informação ao sistema nervoso central para que este a processe; e ajuda-nos ainda a regular o tónus muscular o que nos permite mover com eficácia. Para além disso, transmite-nos a informação de quando nos estamos a mover ou estamos parados, e de quando os objetos estão parados ou a mover-se relativamente ao nosso corpo. Transmite-nos igualmente a informação de para onde estamos a ir e de quão rápido nos estamos a deslocar. Os recetores do sistema vestibular estão localizados no ouvido interno, estes recetores transmitem-nos informação acerca do movimento e da gravidade (Kranowitz, 1998). A Proprioceção refere-se à informação sensorial que nos transmite informação sobre os nossos movimentos e posição do corpo. Este permite a integração de estímulos táteis e vestibulares. Os recetores do sistema propriocetivo estão localizados nos músculos, articulações, ligamentos e tendões, e os estímulos para estes recetores são o movimento e a gravidade. As funções que estão inerentes a este sistema sensorial são promover a consciência corporal e contribuir para o controlo motor e planeamento motor. Este sistema influencia a nossa capacidade de expressão corporal e a habilidade para movimentarmos as partes do nosso corpo de forma eficaz (Kranowitz, 1998). O Sistema Visual é como uma janela que conecta o mundo com o cérebro, os recetores deste sistema são os olhos. A informação que chega através dos olhos capacita as crianças para distinguirem entre pessoas, eventos e objetos perto ou longe de si; permitem-lhes discriminar tamanhos, formas e as cores dos objetos e vê-los em três dimensões. As crianças utilizam a visão como um guia na maioria das ações em que se envolvem, tais como, gatinhar, andar, comer, ler, escrever, brincar e também nas competências do desenvolvimento motor. Quando as crianças apresentam problemas ao nível do sistema visual poderão receber uma informação visual distorcida a nível cerebral o que poderá interferir com a capacidade da criança aprender. Poderão surgir problemas na perseguição ocular, problemas na memória visual, problemas na discriminação figura-fundo e/ou problemas visuo-motores, que interferem com a 4 Trabalho de Projeto aprendizagem da leitura e da escrita, atenção e competências sensório – motoras (por exemplo apanhar uma bola) (Cheatum & Hammond, 2000). Receber e processar a informação auditiva (Sistema Auditivo) inclui uma estimulação recebida através dos recetores periféricos e posteriormente transmitida até ao Sistema Nervoso Central. Os problemas auditivos são muito observados em crianças que apresentam dificuldades no desenvolvimento motor, na aprendizagem e ou problemas de comportamento. A receção do som é essencial para iniciar e sequenciar os movimentos. Para além de ouvir a criança tem ainda que aprender a reconhecer as caraterísticas dos diferentes sons de forma a decidir quando deve ou não reagir aos estímulos auditivos. O processamento auditivo influencia a localização da fonte sonora, os padrões ou ritmos sonoros, discriminação auditiva, separação auditiva dos sons de fundo e a memória auditiva sequencial. Problemas ao nível do sistema auditivo poderão refletir-se em problemas na atenção, seguir instruções, hipersensibilidade ao som, dificuldade nas mudanças de atividades, reações tardias aos sons ou instruções, pobre equilíbrio, falar alto e dificuldades ao nível da fala e linguagem (Cheatum & Hammond, 2000). O processamento sensorial é o modo como o sistema nervoso central recebe mensagens sensoriais e as torna em respostas (Miller, 2006). As Desordens de Processamento Sensorial (DPS) ocorrem quando o input sensorial dos diferentes sistemas não chega organizado em respostas apropriadas e as rotinas diárias e atividades da criança são comprometidas. As DPS privam as crianças da receção apropriada de informação sensorial dos diferentes sistemas e das experiências que precisam para aprenderem e para se desenvolverem (Coll, Miller & Shoen, 2007). Crianças com DPS revelam dificuldade em regular o grau, a intensidade e a natureza das respostas do input sensorial que resultam em problemas consideráveis com os papéis e rotinas diárias (Miller, 2006). O limiar neurológico consiste no processo central através do qual o input de múltiplas modalidades sensoriais é combinado através do tempo e do espaço. Tendo como objetivo enfrentar/ultrapassar as exigências internas/externas, algumas crianças agem de acordo com o seu limiar neurológico, outras tentam compensá-lo (Anzalone & Williamson, 2001). Uma criança com baixo limiar neurológico que age de acordo com o seu limiar apresentará como padrão de modulação uma Hipersensitividade Sensorial, podendo este ser observado em crianças com defesa auditiva, visual, vestibular, tátil ou mesmo, defesa sensorial no geral. No entanto, existem crianças com defesa sensorial que tentam compensar o seu limiar e controlar o input sensorial proveniente do meio, evitando-o (padrão de Evitamento Sensorial). Estas crianças envolvem-se menos no brincar exploratório. As crianças com alto limiar neurológico que agem de acordo com o seu limiar terão comportamentos de Baixo 5 Trabalho de Projeto Registo. É necessária uma grande quantidade de estímulos para que haja uma resposta; são crianças que apresentam uma maior latência na resposta e que aparentam ser desinteressadas pelo meio. Por outro lado, as crianças com um padrão de modulação de Procura Sensorial tentam ativamente ir de encontro a essa mesma necessidade, o que as fazem ter, por vezes, comportamentos arriscados na busca intensa de estímulos. Crianças que demonstram extrema Hiporeactividade ou Hiperreactividade a níveis típicos de input sensorial e que exibem padrões pouco comuns de procura ou de evitamento da sensação, ficam impedidas de uma participação plena nas atividades da vida diária, tais como o vestir, o brincar, a alimentação e a interação social com os outros (Dunn, 1997 citado por Schaaf & Nightlinger, 2007). Segundo Lin, Cermak, Coster e Miller (2005) as crianças que residem em contexto institucional são privadas de exploração sensorial e interação com uma variedade de ambientes durante a infância. Como consequência, poderão apresentar dificuldades em processar e utilizar a informação sensorial de forma a regularem o comportamento. Segundo as autoras existem estudos de crianças institucionalizadas e pós – institucionalizadas que sugerem que estas crianças apresentam disfunção na modulação sensorial e em funções relacionadas. Bakermans – Kranenburg, Ijzendoorn e Juffer (2008) afirmam que as instituições de acolhimento de crianças em risco geralmente não apresentam as condições ambientais esperadas, como abrangente proteção, cuidadores preferenciais, e várias oportunidades de exploração, para promover às crianças um desenvolvimento psicomotor normal. Os mesmos autores afirmam que as instituições, devido às suas rotinas, turnos múltiplos e frequente mudança de cuidadores, quase inevitavelmente privam as crianças de interações recíprocas com cuidadores estáveis. Afirmam também que existem vários estudos que demonstram que crianças que crescem em instituições são crianças de risco em diferentes domínios da sua funcionalidade, incluindo, o desenvolvimento físico, sócio – emocional e cognitivo. Num estudo realizado no centro de acolhimento temporário Refúgio Aboim Ascensão (RAA) que teve como objetivo geral compreender se existiam alterações de processamento sensorial das crianças com idades compreendidas entre os 4 e os 18 meses, concluiu-se que existiam alterações no processamento sensorial naquela população. Sendo que as principais áreas afetadas estavam relacionadas com o processamento tátil e vestibular (Carmo, 2008). Cermak e Daunhauer (1997) estudaram o Processamento Sensorial de crianças pós – institucionalizadas e concluíram que as mesmas apresentavam desordens de processamento 6 Trabalho de Projeto sensorial. Num outro estudo que pretendia fazer a relação entre o tempo de institucionalização e os défices de integração sensorial em crianças adotadas nos Orfanatos da Europa do Leste, Lin et al. (2005) puderam concluir que um tempo prolongado de institucionalização está associado com maior disfunção de integração sensorial manifestada por dificuldades ao nível dos sistemas tátil, vestíbulo – propriocetivo, visual e auditivo e ao nível das funções da praxis. Concluíram ainda que a intervenção do Terapeuta Ocupacional (TO) é importante junto desta população uma vez que o TO poderá promover experiências sensoriais que permitem a integração dos diferentes sistemas sensoriais e intervir ao nível da praxis, de forma a permitir que a criança não apresente dificuldades no seu desempenho ocupacional e/ou na participação na escola, em casa e em contextos da comunidade. Chugani et al (2001) desenvolveram um estudo que pretendeu examinar a atividade funcional do cérebro de crianças expostas a privação precoce. Foi possível concluir que a população apresentava dificuldades nas competências verbais e não verbais, atenção e concentração, motricidade global e fina, linguagem e sociais. A maioria das crianças apresentava dificuldades ao nível do brincar, poucas competências de utilização dos brinquedos, hiperatividade motora, dificuldade em cumprir tarefas e brincar com os pares. Observaram-se também dificuldades sensoriais como sensitividade auditiva e defesa tátil. Num outro estudo sobre o desenvolvimento e desempenho do comportamento de crianças adotadas internacionalmente com idade pré-escolar foi possível concluir que mais dramático do que as dificuldades de linguagem, receção visual e competências motoras finas é a prevalência de comportamentos de oposição, inatenção e hiperatividade. Para além disso comportamentos de procura sensorial, dificuldades na regulação do comportamento, procura de estímulos propriocetivos, visuais e táteis, assim como dificuldades em filtrarem a informação auditiva relevante da não relevante (Jacobs et al., 2010). Os mesmos autores afirmam que a identificação precoce destas problemáticas é importante para que sejam dadas estratégias às famílias e as crianças sejam encaminhadas para intervenção em Terapia Ocupacional com abordagem de Integração Sensorial, de forma a tentar prevenir problemas na performance escolar, preservar a auto – estima das crianças e facilitar a integração das crianças nas famílias. Neste sentido o estudo de investigação tem como objetivo geral relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças 7 Trabalho de Projeto apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento. E como objetivos específicos, (1) verificar qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças, dos 3 aos 6 anos, institucionalizadas no RAA; (2) verificar se existe uma correlação positiva entre o tempo de institucionalização e os resultados obtidos no Perfil Sensorial e Questionário de Avaliação das Educadoras; (3) verificar quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças apresentam maiores dificuldades. Metodologia Participantes O centro onde o estudo decorreu é uma instituição de acolhimento temporário e interdisciplinar de crianças entre os 0 e os 6 anos de idade, em risco ou já vitimadas. As crianças dão entrada na instituição por ordem do tribunal, da Comissão de Proteção das Crianças e Jovens e da Segurança Social. Podem ser institucionalizadas logo após a saída do Hospital ou serem retiradas quando já se encontram em contexto familiar. Uma vez que o estudo foi restringido às crianças institucionalizadas no centro de acolhimento temporário Refugio Aboim Ascensão, não foi necessário recorrer a um processo de amostragem, a amostra foi constituída pelo total da população. Foram excluídas da amostra crianças com alterações metabólicas (Síndrome de Down, entre outros), desordens neurológicas (Paralisia Cerebral, atrasos de desenvolvimento psicomotor significativos, epilepsia) ou com deficiência mental, para não comprometer o objetivo do estudo, uma vez que são crianças com lesão ou alterações já estabelecidas. A amostra do estudo foi constituída por 27 crianças em que 40,7% eram do sexo feminino (n=11) e 59,3% do sexo masculino (n=16). As idades variam entre os 2 anos e 11 meses e os 6 anos e os 3 meses e o tempo de institucionalização varia entre os 2 meses e os 5 anos e 5 meses. As crianças estão divididas por salas sendo que foram avaliadas 7 crianças na sala dos 3 anos, 7 crianças na sala dos 4 anos e 7 crianças na sala dos 6 anos; na sala dos 5 anos foram avaliadas 6 crianças. 8 Trabalho de Projeto Quadro 1: Caraterização da Amostra GÉNERO Masculino 2 28,6% 3 42,9% 3 50,0% 3 42,9% 11 40,7% Feminino Sala 3 Anos Sala 4 Anos Sala 5 Anos Sala 6 Anos 5 71,4% 4 57,1% 3 50,0% 4 57,1% 16 59,3% Instrumentos Questionário Perfil Sensorial (QPS) O Questionário Perfil Sensorial da autoria de Winnie Dunn (1999), destina-se a avaliar o impacto de experiências sensoriais no funcionamento ocupacional da criança no seu contexto natural (casa, escola, comunidade) em crianças dos 3 aos 11 anos (Ermer & Dunn, 1998). O Questionário Perfil Sensorial é constituído por 125 itens / questões que traduzem comportamentos que podem ser observados na criança quando esta interage com o seu meio ambiente. Deverá ser preenchido pelos pais ou cuidadores, visto serem as pessoas que melhor conhecem a criança, é-lhes pedido que assinalem com um X a resposta que melhor descreve a frequência ou a intensidade com que a criança manifesta um determinado comportamento. A validade de conteúdo do Perfil Sensorial foi estabelecida através da análise e opinião de oito peritos com conhecimentos teórico-práticos na área da integração sensorial. Estes avaliaram o significado dos itens, a distribuição dos itens pelas secções e o sistema de classificação e pontuação do questionário (Dunn, 1999). Para a validade de construção, os investigadores procederam à validade convergente e validade divergente. Estas foram estabelecidas através da utilização de um outro instrumento de medida designado por “School Function Assessment”. Para o processo de validação foram também utilizadas a análise fatorial (com o objetivo de relacionar e agrupar os 125 itens por fatores) e a consistência interna. O cálculo utilizado para examinar a consistência interna do teste, Alpha de Cronobach, indica que os valores para as várias secções variam entre 0.47 a 0.91 (Dunn, 1999). 9 Trabalho de Projeto Ermer e Dunn (1998) verificaram que o Perfil Sensorial permitia não só recolher informações acerca do processamento sensorial da criança, mas também permitia discriminar o perfil sensorial entre crianças com e sem problemas. O Perfil Sensorial propõe-se a avaliar o possível contributo do processamento sensorial no desempenho diário da criança e facilitar informação sobre como a criança reage aos vários estímulos e como os sistemas sensoriais podem contribuir ou criar barreiras no desempenho ocupacional. As respostas são indicadas pela frequência (sempre, frequentemente, ocasionalmente, raramente e nunca, em que “sempre” vale um ponto e “nunca” vale cinco pontos) em que a criança responde às várias experiências sensoriais. O perfil reflete sobre os seguintes grupos: 1Processamento Sensorial (seis categorias): A – Processamento auditivo; B – Processamento visual; C – Processamento vestibular; D – Processamento táctil; E – Processamento multisensorial; F – Processamento sensorial oral; 2 - Modulação (cinco categorias): G – Processamento sensorial relacionado com o endurance/tónus; H – Modulação relacionada com o movimento e a posição do corpo; I – Modulação de movimento que afeta o nível de atividade; J – Modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais de atividade e K – Modulação do input visual que afeta as respostas emocionais e o nível de atividade; 3 - Respostas Emocionais e Comportamentais (três categorias): L – Respostas emocionais / sociais; M – Comportamentos resultantes do processamento sensorial e N – Itens que indicam respostas de acordo com o limiar neurológico. Todos os itens foram submetidos a um estudo com base na análise fatorial, tendo sido distribuídos e agrupados em nove fatores que correspondem a padrões de comportamento relacionados com o processamento sensorial e que podem ser observados na criança: Fator 1: Procura sensorial; Fator 2: Reação emocional; Fator 3: Baixo endurance / tónus; Fator 4: Sensibilidade sensorial oral; Fator 5: Inatenção / distratibilidade; Fator 6: Registo pobre; Fator 7: Sensibilidade sensorial; Fator 8: Sedentarismo; e Fator 9: Motricidade fina / percetiva. O Questionário do Perfil Sensorial demora cerca de 30 minutos a ser preenchido, para a cotação das secções e fatores (processamento sensorial da modulação e respostas emocionais) realiza-se a soma de cada secção e de cada fator, feita a soma verifica-se numa grelha de cotação se o valor final está entre os valores considerados “Típicos” (processamento sensorial típico), “Provavelmente Diferentes” (áreas do processamento sensorial problemáticas) ou “Definitivamente Diferentes” (problemas no processamento sensorial). 10 Trabalho de Projeto Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância (QAEI) O Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância trata-se de uma Check-List desenvolvida pelas mesmas com o objetivo de avaliar as competências das crianças em diferentes áreas do desenvolvimento pedagógico. Estabelece como principio geral que “a Educação Pré-Escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita relação favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário” (Silva, 1997). É um instrumento de avaliação que não está validado, é desenvolvido por cada educadora tendo em conta as orientações curriculares do Ministério da Educação. Estas orientações constituem um conjunto de princípios para apoiar o educador nas decisões sobre a sua prática, ou seja, para conduzir o processo educativo a desenvolver com as crianças. As orientações curriculares constituem uma referência comum para todos os educadores da Rede Nacional de Educação Pré-Escolar e destinam-se à organização da componente educativa. Não são um programa, pois adotam uma perspetiva mais centrada em indicações para o educador do que na previsão de aprendizagens a realizar pelas crianças. As Orientações Curriculares assentam nos seguintes fundamentos articulados: (a) o desenvolvimento e aprendizagem como vertentes indissociáveis; (b) o reconhecimento da criança como sujeito do processo educativo; (c) a construção articulada do saber; (d) a exigência de resposta a todas as crianças (Silva, 1997). Com suporte nestes fundamentos, o desenvolvimento curricular, da responsabilidade do educador, terá em conta: (a) os objetivos gerais; (b) a organização do ambiente educativo; (c) as áreas de conteúdo – que constituem as referências gerais a considerar no planeamento; (d) avaliação das situações e oportunidades de aprendizagem. Distinguem-se três áreas de conteúdo: Área de Formação Pessoal e Social; - Área de Expressão/Comunicação que compreende três domínios: (a) domínio das expressões com diferentes vertentes – expressão motora, expressão dramática, expressão plástica e expressão musical; (b) domínio da linguagem e abordagem à escrita; (c) domínio da matemática; Área de Conhecimento do Mundo que abrange dois aspetos: (a) a continuidade educativa; (b) a intencionalidade educativa. Tendo em conta as áreas de conteúdo as educadoras desenvolvem uma Check-List que está dividida pelas áreas sugeridas: Área de Formação Pessoal e Social – Socialização; Autonomia; e 11 Trabalho de Projeto Comportamento Cívico; Áreas de Expressão/Comunicação – Expressão Motora, Expressão plástica, Expressão Musical, Expressão dramática, domínio da linguagem e abordagem à escrita, domínio da matemática; e Área de conhecimento do mundo (Silva, 1997). O QAEI é aplicado pela educadora responsável pelo grupo de crianças, a cada uma delas, sendo que a chave da pontuação é Sim, Às vezes e Não. Ou seja, indica se o conhecimento/comportamento da criança está adquirido, emergente ou não adquirido. Procedimento Numa primeira fase foi redigido e entregue um pedido de autorização à direção do centro de acolhimento temporário para pedir a autorização da aplicação dos testes no contexto institucional e dar conhecimento dos objetivos do estudo de investigação. Este pedido foi dirigido ao Diretor da instituição, uma vez que como as crianças residem em contexto institucional este é o responsável pelas mesmas. Após a autorização por parte da direção, foi organizada uma reunião com as educadoras de infância das salas dos 3, 4, 5 e 6 anos de idade, na qual em primeiro foi explicado o objetivo do estudo, em seguida foi pedida a autorização das educadoras de infância para a utilização dos dados do questionário de avaliação do primeiro período escolar de cada uma das crianças. Por fim foi explicado o instrumento de avaliação Questionário Perfil Sensorial e foram entregues os questionários. Estabeleceu-se um prazo de um mês para a entrega dos mesmos devidamente preenchidos. Após a receção dos QPS e a recolha de dados dos QAEI, procedeu-se à elaboração de uma base de dados para tratamento estatístico dos resultados obtidos em ambos os testes. O programa utilizado para o efeito foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Resultados Neste capítulo vão ser descritos os resultados face aos objetivos delineados para este estudo. O objetivo geral do estudo consistia em relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento. Para isso efetuou-se uma análise de correlação de 12 Trabalho de Projeto Spearman entre os testes Questionário do Perfil Sensorial e Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância (Quadro 2). Quadro 2 – Resultados da relação entre o QPS e o QAEI FPS Spearman's rho PSPA EM ED ,387* ,637** ,437* ,439* ,431* ,461* ,228 ,420* ,046 ,000 ,023 ,022 ,025 ,015 ,253 ,029 27 26 27 27 27 27 27 27 Correlation Coefficient ,263 ,557** ,382* ,436* ,316 ,331 ,171 ,263 Sig. (2-tailed) ,184 ,003 ,049 ,023 ,108 ,092 ,393 ,186 Correlation Coefficient Sig. (2-tailed) N PSPV N PSPT 26 27 27 27 27 27 27 ,396* ,427* ,244 ,305 ,195 ,259 Sig. (2-tailed) ,127 ,007 ,041 ,026 ,220 ,122 ,329 ,192 27 26 27 27 27 27 27 27 Correlation Coefficient ,238 ,517** ,559** ,490** ,537** ,037 ,368 ,169 Sig. (2-tailed) ,232 ,007 ,002 ,009 ,004 ,853 ,059 ,400 27 26 27 27 27 27 27 27 Correlation Coefficient ,013 ,353 ,458* ,397* ,281 -,078 ,215 ,241 Sig. (2-tailed) ,949 ,077 ,016 ,040 ,156 ,699 ,282 ,226 27 26 27 27 27 27 27 27 -,116 ,081 -,025 -,124 -,054 ,175 -,414* -,106 ,566 ,695 ,902 ,539 ,788 ,382 ,032 ,598 27 26 27 27 27 27 27 27 Correlation Coefficient ,375 ,606** ,609** ,529** ,642** ,192 ,383* ,384* Sig. (2-tailed) ,054 ,001 ,001 ,005 ,000 ,337 ,049 ,048 Correlation Coefficient N N PSCPS Correlation Coefficient Sig. (2-tailed) N PSMPC EMUS ,519** Sig. (2-tailed) PSRES EP 27 N PSRE MAT ,301 N PSPSO LING Correlation Coefficient N PSPM CM Correlation Coefficient Sig. (2-tailed) N 27 26 27 27 27 27 27 27 ,384* ,528** ,350 ,271 ,151 ,472* ,089 ,199 ,048 ,006 ,074 ,171 ,453 ,013 ,659 ,320 27 26 27 27 27 27 27 27 ,469* ,458* ,429* ,775** ,603** ,015 ,644** ,127 ,014 ,019 ,026 ,000 ,001 ,939 ,000 ,529 27 26 27 27 27 27 27 27 * Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed). ** Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed). Constatou-se que em relação ao Processamento auditivo existiram correlações positivas com as áreas de Formação Pessoal Social (FPS) (p 0,046), Conhecimento do Mundo (CM) (p 0,000), Linguagem (LING) (p 0,023), Matemática (MAT) (p 0,022), Expressão Motora (EM) (p 0,025), Expressão Dramática (ED) (p 0,015) e Expressão Musical (EMUS) (p 0,029). O processamento visual apresentou correlações com as áreas CM (p 0,003), LING (p 0,049) e MAT (p 0,023); o processamento tátil com as áreas CM (p 0,007), LING (p 0,041) e MAT (p 0,026); o processamento multissensorial com CM (p 0,007), LING (p 0,002), MAT (p 0,009) e EM (p 0,004). Existiram também correlações entre o processamento sensorial – oral e as áreas da LING (p 0,016) e MAT (p 13 Trabalho de Projeto 0,040); a modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais e a área da expressão plástica (EP) (p 0,032); entre as respostas emocionais/sociais e as áreas CM (p 0,001), LING (p 0,001), MAT (p 0,005), EM (p 0,000), EP (p 0,049) e EMUS (p 0,048); entre os comportamentos resultantes do processamento sensorial e as áreas FPS (p 0,048), CM (p 0,006) e ED (p 0,013). E ainda entre a modulação relacionada com o movimento e a posição do corpo e as áreas FPS (p 0,014), CM (p 0,019), LING (p 0,026), MAT (p 0,000), EM (p 0,001) e EP (p 0,000). O primeiro objetivo específico do estudo pretendia verificar qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças, dos 3 aos 6 anos, institucionalizadas no RAA. Através de uma análise de frequências apresentada no Quadro 3 foi possível observar os resultados obtidos relativamente aos fatores do QPS. Quadro 3 – Resultados para os fatores do QPS F1 - Procura Sensorial Freq. % F2- Reação Emocional Freq. % F3- Baixo Endurance/Tónus Freq. % F4-Sensibilidade Sensorial Oral Freq. % F5-Inatenção/ Distratibilidade Freq. % F6-Registo Pobre Freq. % F7-Sensibilidade Sensorial Freq. % F8-Sedentarismo Freq. % F9-Motricidade Fina/ Percetual Freq. % Diferenças definitivas Diferenças prováveis Desempenho normal Total 4 2 21 27 14,8% 7,4% 77,8% 100,0% 4 5 18 27 14,8% 18,5% 66,7% 100,0% 11 1 15 27 40,7% 3,7% 55,6% 100,0% 2 2 23 27 7,4% 7,4% 85,2% 100,0% 6 4 17 27 22,2% 14,8% 63,0% 100,0% 5 5 17 27 18,5% 18,5% 63,0% 100,0% 5 3 19 27 18,5% 11,1% 70,4% 100,0% 5 0 22 27 18,5% ,0% 81,5% 100,0% 1 4 22 27 3,7% 14,8% 81,5% 100,0% Observou-se que os fatores do QPS que apresentaram uma percentagem menor no Desempenho Normal foram o Baixo Endurance e Tónus (55,6%), Inatenção/Distratibilidade (63,0%) e Registro Pobre (63,0%). 14 Trabalho de Projeto Em relação aos setores do QPS através dos resultados apresentados no Quadro 4 observou-se que apresentavam uma percentagem menor no Desempenho Normal no Processamento Sensorial relacionado com a Endurance/Tónus (55,6%), Processamento Multisensorial (59,3%) e com as Respostas Emocionais/Sociais (51,9%). Quadro 4 – Resultados para os setores do QPS SA-Processamento Auditivo Freq. % SB-Processamento Visual Freq. % SC-Processamento Vestibular Freq. % SD-Processamento Táctil Freq. % SE-Processamento Multisensorial Freq. % SF-Processamento Sensorial Oral Freq. % SG-Processamento relacionado com a Endurance/Tónus Freq. % SM-Comportamentos resultantes do Processamento Sensorial 4 21 27 7,4% 14,8% 77,8% 100,0% 0 3 24 27 ,0% 11,1% 88,9% 100,0% 6 2 19 27 22,2% 7,4% 70,4% 100,0% 1 2 24 27 3,7% 7,4% 88,9% 100,0% 5 6 16 27 18,5% 22,2% 59,3% 100,0% 2 3 22 27 7,4% 11,1% 81,5% 100,0% 11 1 15 27 40,7% 3,7% 55,6% 100,0% 3 5 19 27 11,1% 18,5% 70,4% 100,0% 1 4 22 27 3,7% 14,8% 81,5% 100,0% 3 3 21 27 11,1% 11,1% 77,8% 100,0% 0 8 19 27 ,0% 29,6% 70,4% 100,0% 7 6 14 27 25,9% 22,2% 51,9% 100,0% 4 4 19 27 Freq. % SL-Respostas Emocionais/Sociais 2 Freq. % SK-Modulação do Input Visual que as respostas emocionais e o Nível de Actividade Total Freq. % SJ-Modulação do Input Sensorial que afeta as respostas emocionais Desempenho Normal Freq. % SI-Modulação do movimento que afecta o nível de Actividade Diferenças prováveis Freq. % SH-Modulação relacionada com o movimento e a posição do corpo Diferenças definitivas Freq. 15 Trabalho de Projeto % SN-Itens que indicam resposta de acordo com o Limiar Neurológico 14,8% 14,8% 70,4% 100,0% 0 4 23 27 ,0% 14,8% 85,2% 100,0% Freq. % O segundo objetivo específico do estudo pretendia verificar se existia uma correlação positiva entre o tempo de institucionalização e os resultados obtidos no QPS e QAEI, observando-se através da correlação de Spearman que a única correlação existente é entre o tempo de institucionalização e a avaliação da Área da Matemática (avaliada no QAEI) em que o p é 0,043. Por fim verificou-se quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças apresentam maiores dificuldades e observou-se que são ao nível das áreas da expressão musical (59,1%), linguagem (61,70%) e expressão plástica (65,97%) (figura 1). Figura 1 – Resultados das dificuldades nas áreas do desenvolvimento. Discussão dos Resultados Os resultados do estudo vieram suportar a hipótese de que existiam correlações entre as desordens de processamento sensorial e as dificuldades que as crianças apresentavam nas diferentes áreas do desenvolvimento. Segundo DeGangi (1991) problemas ao nível do processamento sensorial poderão levar a dificuldades nas capacidades percetivas, no desenvolvimento da linguagem, na integração sensorial e na expressão das emoções em crianças com idade pré-escolar. 16 Trabalho de Projeto O sistema tátil tem influência em competências como a perceção visual, planeamento motor, consciência corporal, aquisição de competências académicas, segurança emocional e competências sociais; o sistema propriocetivo contribui para o controlo motor e planeamento motor e influencia a capacidade de expressão corporal e habilidade para movimentarmos as partes do nosso corpo (Kranowitz, 1998); o sistema vestibular tem influência sobre o tónus muscular, controlo do movimento motor, arousal (nível de alerta da criança), controlo oculomotor, entre outros; o sistema visual tem influência em competências como a perseguição ocular, memória visual, discriminação figura-fundo e competências visuo-motoras, que poderão interferir com a aprendizagem da leitura e da escrita, atenção e competências sensório – motoras; o sistema auditivo tem influência na atenção, capacidade de tolerar os diferentes sons, equilíbrio, capacidade de mudar de atividade, as competências de fala e linguagem, entre outras (Cheatum & Hammond, 2000). Na população estudada existiram correlações entre as áreas do desenvolvimento avaliadas, sendo estas, FPS, CM, LING, MAT, EM, ED, EP e EMUS e o processamento auditivo, processamento visual, processamento tátil, processamento multissensorial, processamento sensorial – oral, modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais, respostas emocionais/sociais, comportamentos resultantes do processamento sensorial e modulação relacionada com o movimento e posição do corpo. A informação sensorial dos diferentes sistemas sensoriais influencia as competências sensório – motoras, cognitivas, percetivas, comportamentais e emocionais das crianças o que tem impacto no desenvolvimento das mesmas e por conseguinte se reflete nas dificuldades que apresentam nas diferentes áreas do seu desenvolvimento. Neste sentido justificam-se as correlações encontradas entre os resultados do QPS e os resultados na avaliação do QAEI, como por exemplo a correlação entre o processamento auditivo e a área da linguagem, o processamento visual e a área de conhecimento do mundo, ou a modulação relacionada com o movimento e posição do corpo (processamento vestíbulo – propriocetivo) e a área da expressão motora, tendo por base a teoria da integração sensorial. Chugani et al (2001) num estudo com crianças pós – institucionalizadas observaram alterações no processamento sensorial, como dificuldades em lidar com ruido auditivo e defesa tátil, assim como alterações ao nível da linguagem, memória, funções executivas, problemas de comportamento incluindo dificuldades na atenção, raciocínio e dificuldades ao nível social. Jacobs et al (2010) também concluíram no seu estudo com crianças adotadas internacionalmente em idade pré-escolar que estas apresentavam problemas de comportamento (comportamentos de oposição, inatenção, hiperatividade) e comportamentos de procura de informação sensorial. Existem vários estudos que 17 Trabalho de Projeto compararam crianças institucionalizadas nos orfanatos da Roménia com crianças que vivem em famílias e estes reportam dificuldades significativas ao nível do desenvolvimento e comportamento, particularmente em crianças institucionalizadas por longos períodos de tempo (Ames e Carter, 1992; Chisholm, Carter, Ames e Morison, 1995; Marcovitch, Cesaroni, Roberts e Swanson, 1995; Morison, Ames e Chisholm, 1995, citado por Cermak e Daunhauer, 1997). Vários estudos sugerem que crianças institucionalizadas estão em risco de apresentar dificuldades no desenvolvimento e no processamento sensorial, no entanto, nenhum deles relacionou as dificuldades no desenvolvimento com as dificuldades no processamento sensorial. Era expetável a correlação entre o processamento vestibular e áreas do desenvolvimento como a EM e LING mas não foi observado. Uma justificação possível foi o facto do processamento sensorial ter sido avaliado pelas educadoras de infância que conhecem as crianças preferencialmente no contexto da sala, o que limita as experiências de movimento das crianças e a observação das respostas destas ao estímulo vestibular. Ayres (1979, citado por Inamura, 1998) defende que as crianças desenvolvem a habilidade para integrar imputes sensoriais, através do sucesso da interação com o ambiente. Relativamente à verificação de qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças observou-se que os fatores do QPS onde as crianças apresentaram uma percentagem menor no Desempenho Normal foram o Baixo Endurance e Tónus, Inatenção/Distratibilidade e Registro Pobre; os setores foram Processamento Sensorial relacionado com a Endurance/Tónus, Processamento Multisensorial e Respostas Emocionais/Sociais. O Baixo Endurance e Tónus estão relacionados com o processamento vestíbulo – propriocetivo, a inatenção/distratibilidade e as respostas emocionais/sociais com o processamento tátil. Carmo (2008) estudou o processamento sensorial das crianças entre os 4 e os 18 meses institucionalizadas no RAA e também observou que existiam alterações no processamento sensorial, relacionadas com o processamento tátil e vestibular. No estudo sobre o processamento sensorial com crianças pós-institucionalizadas observou-se que apresentavam alterações nos seguintes domínios do processamento sensorial: toque, medo do movimento, procura do movimento, visão e audição e nos seguintes domínios comportamentais: nível de atividade, organização e competências sociais – emocionais (Cermak e Daunhauer, 1997). Lin et al (2005) observaram que longos períodos de institucionalização estão associados com disfunção da integração sensorial, que poderá ser manifestada por dificuldades no processamento tátil, vestíbulo – propriocetivo, visual, auditivo e funções da praxis. 18 Trabalho de Projeto Em relação à influência do tempo de institucionalização nas dificuldades ao nível do processamento sensorial e do desenvolvimento, apenas foi observada correlação entre o tempo de institucionalização e a área do desenvolvimento da Matemática. Jacobs et al (2010) observaram no seu estudo que a idade da entrada na instituição tinha uma grande influência nos resultados do desempenho das crianças nas áreas da linguagem, atenção, regulação, funções executivas e processamento sensorial. Lin et al (2005) concluíram que as áreas de Integração Sensorial que mostraram ser mais vulneráveis a condições de privação, na infância, eram relacionadas com os sistemas vestíbulo – propriocetivo, tátil, visual, auditivo e também a praxis. A área da Matemática relaciona-se com a praxis, processamento tátil (conhecimento do mundo que fomenta o raciocínio abstrato), processamento visual, auditivo, vestíbulo – propriocetivo, entre outros, neste sentido apesar de não terem existido correlações diretas entre o tempo de institucionalização com itens do QPS, como era expectável, estas poderão estar inerentes. No presente estudo examinou-se ainda quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças apresentavam mais dificuldades, observou-se que se tratavam das áreas da expressão musical, linguagem e expressão plástica. Schaaf e Roley (2006) afirmam que crianças que crescem em ambientes de privação por terem poucas oportunidades de exploração sensorial e motora estão em risco ao nível do seu desenvolvimento. Chugani et al (2001) desenvolveram um estudo que pretendeu examinar a atividade funcional do cérebro de crianças expostas a privação precoce e concluíram que a população apresentava dificuldades nas competências verbais e não verbais, atenção e concentração, motricidade global e fina, linguagem e sociais. No estudo referido anteriormente Jacobs et al (2010) observaram que as crianças apresentavam comprometimento ao nível da linguagem, receção visual e competências de motricidade fina. A área da expressão musical e linguagem estão relacionadas, a área da expressão plástica relaciona-se com as competências de motricidade fina, neste sentido os resultados referidos anteriormente vão de encontro aos resultados do presente estudo. Conclusão O principal objetivo do estudo era relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento. 19 Trabalho de Projeto O objetivo foi atingido e conclui-se que existiam correlações entre os itens avaliados no QPS e as áreas do desenvolvimento avaliadas no QAEI. As principais correlações encontradas foram entre o Processamento Auditivo e as áreas do desenvolvimento FPS, CM, LING, MAT, EM, ED e EMUS; Processamento Visual e as áreas CM, LING e MAT; Processamento Tátil e as áreas CM, LING e MAT; Processamento Multisensorial e as áreas CM, LING, MAT e EM; Processamento Sensorial – Oral e as áreas LING e MAT; Modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais e a área da EP; Respostas Emocionais/Sociais e as áreas CM, LING, MAT, EM, ED e EMUS. E ainda entre os Comportamentos resultantes do Processamento Sensorial e as áreas FPS, CM e ED; e Modulação relacionada com o Movimento e a Posição do Corpo e as áreas FPS, CM, LING, MAT, EM e EP. As dificuldades que as crianças apresentam ao nível do processamento sensorial estão de alguma forma a condicionar as suas aprendizagens e a forma como se relacionam com os outros, a boa integração da informação sensorial poderá melhorar o desempenho das crianças nas diferentes áreas do desenvolvimento, justificando-se deste modo a intervenção do Terapeuta Ocupacional junto desta população, especificamente utilizando no seu raciocínio a Teoria de Integração Sensorial. O primeiro objetivo específico do estudo pretendia verificar qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças, concluindo-se que ao nível dos fatores do QPS a menor percentagem de Desempenho Normal foi no Baixo Tónus/Endurance, Inatenção/Distractibilidade e Registro Pobre. Ao nível dos setores foi na Endurance/Tónus, Processamento Multisensorial e Respostas Emocionais/Sociais. Foi também averiguada a relação entre o tempo de institucionalização e os resultados obtidos no QPS e QAEI, a única correlação encontrada foi entre o tempo de institucionalização e a área da matemática. A área da matemática tem por base o raciocínio abstrato, competência pouco estimulada num contexto institucional, uma vez que o dia – a – dia das crianças é organizado por rotinas que se repetem sempre da mesma forma. Conclui-se deste modo que o raciocínio abstrato deverá ser uma das áreas a estimular junto desta população. Outra questão de investigação pretendia averiguar quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças apresentavam maiores dificuldades, observando-se que são as áreas da expressão musical, linguagem e expressão plástica, concluindo-se que são áreas que devem ser estimuladas e uma vez que apresentam correlações com a avaliação do processamento sensorial o TO poderá ter um papel a este nível. 20 Trabalho de Projeto No entanto, o estudo apresentou algumas limitações, nomeadamente o número reduzido de participantes, o facto de os resultados do estudo estarem restringidos à população deste CAT e não poderem ser generalizados às populações de outras instituições. Algumas crianças apresentavam histórias clínicas de síndromes de abstinência, consumo de álcool por parte da mãe durante a gravidez, entre outros, e histórias sociais de privação extrema quando em contexto familiar (antes da entrada na instituição). Estes fatores influenciam por si só o desenvolvimento e maturação cerebral, o que por consequência influencia as competências avaliadas no QPS. São crianças com questões emocionais e de comportamento o que poderá ter condicionado o desempenho das tarefas exigidas nas provas dos testes de avaliação. Ambos os instrumentos de avaliação foram preenchidos pelas educadoras de infância, as mesmas conhecem preferencialmente as crianças em contexto de grupo, o que poderá condicionar as respostas pois por vezes as crianças apresentam comportamentos diferentes quando se encontram em contexto individual. Para além disso, as crianças de todas as salas tinham intervenção da Terapia Ocupacional em contexto de grupo e algumas crianças das salas tinham intervenção em contexto individual, beneficiando também de intervenção noutras áreas (Terapia da Fala e Fisioterapia). Este fator poderá também ter influenciado os resultados obtidos nos testes de avaliação. No entanto, com os resultados obtidos pode concluir-se que o desenvolvimento do estudo contribui para a tomada de consciência da pertinência da intervenção do Terapeuta Ocupacional junto desta população, inserido numa equipa multidisciplinar. Esta intervenção, numa fase precoce, poderá prevenir desordens no processamento sensorial, a fim de promover um desenvolvimento harmonioso e por conseguinte um desempenho ocupacional adequado. No decorrer deste estudo surgiram ideias para futuras investigações, nomeadamente um estudo comparativo entre crianças institucionalizadas com esta faixa etária e crianças não institucionalizadas em que se avalie e relacione o processamento sensorial e as áreas do desenvolvimento, de forma a dar continuidade ao presente estudo; estudar também crianças institucionalizadas noutras instituições de forma a perceber se pelo facto das crianças do RAA beneficiarem de intervenção terapêutica apresentam melhores competências no seu desenvolvimento. Poderia também ser feito um estudo longitudinal em que se avaliaria inicialmente as crianças que beneficiam de intervenção da Terapia Ocupacional (em contexto de sala) e após 9 meses de intervenção para perceber se existia evolução. Seria ainda importante a realização de estudos longitudinais com crianças pós-institucionalizadas, de forma a compreender como a 21 Trabalho de Projeto privação de experiências sensoriais precoces poderão ter impacto no desempenho ocupacional da criança, ao longo do seu desenvolvimento. Referências Bibliográficas Anzalone, M. E. & Williamson, G. G. (2001). Sensory Integration and self – regulation in Infants and Toddlers: Helping very young children interact with their environment. Washington, DC: ZERO TO THREE. Bakermans - Kranenburg, M. J., Ijzendoorn, M. H., Juffer, F. (2008). Earlier is better: a meta – analysis of 70 years of intervention improving cognitive development in institutionalized children. 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