Fernanda Boccuzzi Rodriques
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Fernanda Boccuzzi Rodriques
COLÉGIO OFÉLIA FONSECA 50 ANOS DE DOCTOR WHO Fernanda Boccuzzi Rodrigues São Paulo 2013 Fernanda Boccuzzi Rodrigues 50 ANOS DE DOCTOR WHO Trabalho realizado e apresentado sob a orientação do professor Alexandre Ogata, da disciplina de Inglês. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, por todo o apoio fornecido durante o processo de realização desta pesquisa. Ao professor Alexandre Ogata, em especial, pela orientação e estímulo necessário para a confecção deste trabalho. Ao Sr. Stephen Rimmer, pela gentileza da atenção dedicada e pela comunhão de interesses sobre o tema em questão. Ao meu irmão Danilo Boccuzzi Rodrigues e amiga Luiza Cordeiro Stolf, por serem os responsáveis pelo meu primeiro contato com a série Doctor Who promovendo, desta forma, um forte entusiasmo pela série a ponto de me motivar o suficiente para o estudo deste tema. RESUMO Este trabalho estuda e analisa a relevância da série inglesa Doctor Who dentre os últimos cinquenta anos do contexto televisivo internacional. Aponta causas e conseqüências das razões pelas quais se mantém viva e atrativa a seu público até hoje. Para tanto, explora o contexto histórico em que a série surgiu, bem como alguns de seus personagens marcantes para permitir uma visão mais abrangente das características a serem desenvolvidas. Também problematiza a valorização do futuro em relação ao presente e a influência do passado nesses dois tempos, abordando a questão da ficção científica. Explica o que é tal gênero literário e ilustra alguns de seus subgêneros, classificando Doctor Who em um deles. Finalmente conclui analisando o motivo de ter durado cinquenta anos. ABSTRACT This task studies and analyses the relevance of the British series Doctor Who in the last fifty years on the international television context. It points out causes and consequences of the reasons why the series is still alive and attractive to its public. In order to do so, it explores the historic context in which the series was born as well as some of its relevant characters to allow a broader view of the characteristics to be developed. It also problematizes the value of the future in relation to the present and the influence of the past in both periods, addressing science fiction. It explains what is this literary genre and illustrates some of its subgenres, sorting the Doctor Who series in one of them. Finally it concludes analyzing the reason why it has last fifty years. ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................07 1.1. Ficção Científica.................................................................................................08 1.1.1. Subgêneros.....................................................................................................11 1.2. Momento Histórico.............................................................................................12 1.3. BBC....................................................................................................................14 2. DESENVOLVIMENTO....................................................................................18 2.1. Doctor Who........................................................................................................18 2.2. Personagens........................................................................................................19 2.2.1. Doctor............................................................................................................20 2.2.2. Companions...................................................................................................22 2.2.2.1. Susan Foreman.............................................................................................22 2.2.2.2. Donna Noble.................................................................................................24 2.2.3. Inimigos.........................................................................................................26 2.2.3.1. Daleks...........................................................................................................26 3. CONCLUSÃO....................................................................................................29 4. ANEXO...............................................................................................................31 5. REFERÊNCIAS.................................................................................................32 1. INTRODUÇÃO “People assume that time is a strict progression of cause and effect. But actually from a non-linear, nonsubjective viewpoint it’s more like a big ball of wibbly wobbly timey wimey stuff.” 1 Doctor Como a visão do futuro é algo que norteia o pensamento das pessoas e também é alvo de curiosidade e interesse por parte destas, acreditamos que a série televisionada pela BBC chamada ‘Doctor Who’ merece ser objeto de análise e estudos, por trazer à tona um tema que já foi imaginado, temido e questionado por todos. Apesar de apresentar uma visão futurística diversificada, tal programa televisivo ainda não recebeu a merecida atenção, o que faz com ele seja ainda desconhecido por alguns. Esse estudo torna-se interessante e atraente visto que, ao retratar o tempo em seus episódios, ‘Doctor Who’ constrói uma ponte, no presente, entre fatos históricos reais ocorridos no passado e a ficção científica no futuro. A referida série desenvolve suas tramas brincando com passado, futuro e presente de uma forma tão inovadora e destemida que se torna merecedora de uma maior divulgação. Assim, nosso objetivo em tornar tal tema alvo de nossa atenção está diretamente ligado ao fato de acreditarmos que, por ser um programa de qualidade, merece um maior conhecimento por parte daqueles que apreciam assuntos relacionados ao tempo. Em cinquenta anos de existência, Doctor Who passou por diversas gerações, contabilizou vários períodos históricos, atravessou inúmeras dificuldades e resistiu às grandes modernidades da revolução tecnológica desses últimos tempos. Sendo assim, só nos resta questionar como essa série é capaz de manter-se viva através de tanto tempo e atravessando tantas mudanças, ou ainda, como consegue acompanhar a evolução desses tempos mantendo-se sempre atrativa a seu público. 1 As pessoas assumem que o tempo é uma rígida progressão de causa e efeito. Mas, na verdade, de um ponto de vista não linear e não objetivo é mais como uma grande bola de coisas confusas relacionadas ao tempo. (tradução livre) 7 Para promover essa discussão, adotaremos o livro Doctor Who FAQ, de Dave Thompson (2013), como principal fonte desta pesquisa, devido à certeza de que este enriquecerá o tema através de seu conteúdo amplo e ilustrativo. Apesar de Doctor Who ser uma série que trata da questão do tempo, ela mesma tornase atemporal, a partir do momento em que sobrevive através de décadas. Para um melhor entendimento sobre tal problemática levantada, acreditamos tornar-se necessária uma atenção maior sobre o contexto no qual Doctor Who está inserido, assim como faz-se necessário também um estudo sobre o canal de televisão que lhe deu vida e o mantém no ar até os dias de hoje. Desta forma, passaremos a avaliar mais detalhadamente o gênero literário a qual esta série televisiva pertence e a analisar o contexto histórico em que está inserido. Para atingir nossos propósitos, criamos os capítulos que se seguem para uma melhor visualização da problemática apontada. 1.1. FICÇÃO CIENTÍFICA “What you get in science fiction is what someone once called ‘the view from a distance star’. It helps us to see our world from outside.”2 Frederik Pohl Ficção científica é um gênero literário, cujo embasamento na ciência é imprescindível, já que, inspira-se ou tem sua origem nesta. Em sua maioria, trata de temas futurísticos que tentam, de certa forma, prever o que irá acontecer. Devido a essa tentativa de “adivinhação”, a ficção científica já foi conhecida como a literatura da antecipação. A origem de tal gênero literário começou com a obra Frankenstein escrita pela britânica Mary Shelley em 1818, porém, já em 1726, o irlandês Jonathan Swift lança a sua obra ‘Viagens de Gulliver’ com o objetivo de ser uma sátira política, que foi aclamada como um clássico da literatura de aventuras e considerada uma das bases para a ficção científica. 2 O que se tem na ficção científica é o que um dia alguém chamou de ‘a visão que se tem a partir de uma estrela distante’. Auxilia-nos a enxergar o mundo de fora. (tradução livre) 8 Apesar de já existir há muito tempo, o gênero ficção científica só foi reconhecido como tal em 1926, quando Hugo Gernbasck criou a revista Amazing Stories, que de 1985 a 1987 rendeu uma série exibida na televisão americana, que foi idealizada pelo diretor e produtor Steven Spielberg e que foi dedicada exclusivamente a histórias de ficção científica. Ele foi o criador do termo scientifiction que, em português, seria equivalente a algo parecido com “cientificção”, que posteriormente foi chamado de sciencefiction (ficção científica, em português). Figura 1: Capa da primeira edição de Amazing stories, publicada em abril de 1926. Fonte: http://diffendaffer.com/scientifiction-planet-of-futuristic-art-discovered/ (acesso em 25 set. 2013) A proposta inicial de Gernsback era a de educar seus leitores, entretendo-os. Conforme o tempo foi passando, o público foi demonstrando seu interesse em histórias implausíveis e, aos poucos, a revista afastava-se do propósito inicial de seu criador, porém isto não invalidou a importância que Amazing Stories tem até hoje. A revista rendeu uma indústria editorial inteira apenas sobre o gênero ‘ficção científica’. Tal revista era inicialmente composta por histórias de consagrados autores como Julio Verne, H. G. Wells e Edgar Allan Poe. Ela foi publicada, quase que ininterruptamente, por 79 anos e teve sua última edição publicada em março de 2005, quando foram suspensas definitivamente. Em seus 79 anos de história, Amazing Stories já foi vendida e comprada 9 várias vezes. Logo no início foi comprada por Ziff-Davis e Raymond A. Palmer, posteriormente vendida para Universal Sol Cohen Publishing Company e comprada novamente pela TSR, Inc que, mais tarde, foi adquirida pela Wizards of the Coast. Um fator importante para o pleno desenvolvimento do gênero se deve ao fato de que a revista disponibilizava um espaço, as colunas de carta, para que houvesse uma comunicação entre os fãs. Tal espaço favoreceu o desenvolvimento do fanatismo pelo gênero, o que acarretou uma grande evolução nessa área. Hugo Gernbasck foi um ícone tão importante para a formação da ficção científica que o prêmio considerado o mais importante de tal gênero ficou conhecido como Hugo Awards (Prêmio Hugo). Apresentado anualmente desde 1955, o Hugo Awards visa consagrar as melhores publicações, revistas, promessas do gênero e editores. O prêmio é concedido durante a World Science Fiction Convention (Convenção Mundial de Ficção Científica) ou, como é popularmente conhecida, ‘Worldcon’. Além de sediar a premiação, tal evento também é responsável por sua administração. Muitos escritores já foram premiados pelo Hugo Awards e, entre eles, está o célebre Isaac Asimov, autor do famoso ‘Eu, robô’. Nascido na Rússia e naturalizado americano, Asimov era formado em bioquímica pela Columbia University. Uma característica marcante de suas obras é que Assimov era capaz de fazer explicações científicas utilizando-se de um vocabulário mais simples e popular, o que tornou seus livros de uma compreensão mais fácil. Ao lado de Robert A. Heinlein e Arthur C. Clarke, Isaac Asimov foi considerado, ainda em vida, um dos três grandes escritores da ficção científica. Na história da ficção científica britânica é importante ressaltar a década de 70 que foi considerada a “era de ouro”. Levou esse nome porque foi nesse período em que as produções visavam retratar os problemas políticos e sociais da época. Com essa nova abordagem as produções não se limitavam ao clichê do super-herói salvando o mundo. Iam muito além disso ao explorar aspectos mais densos e complexos. Essa nova abordagem rendeu uma reação positiva vinda do público e da crítica que apoiaram esse gênero fervorosamente. Tal apoio foi o necessário para que várias produções se transformassem em Cult. 10 Como consequência desse fato, a ficção científica foi o gênero mais explorado e utilizado pela televisão para chamar atenção da audiência. 1.1.1. SUBGÊNEROS “Ficção Científica é a ficção na qual a Ciência é um dos personagens” Pierluigi Piazzi A ficção científica, assim como todos os outros gêneros literários existentes, ramificase em o que se chama de subgêneros. Não se sabe ao certo o número exato de subgêneros provenientes do nosso alvo de estudo, porém é possível destacar os principais. É importante ressaltar que, em alguns casos, a mesma obra pode ser classificada como pertencente a mais de um subgênero. Exporemos aqui as principais: Soft, Hard e Space Opera. Como Doctor Who, em um conceito geral, é classificada como ficção científica Soft, começaremos nossa análise por esta. Tal subgênero caracteriza-se por focar sua trama nas interações sociais entre seres não necessariamente pertencentes a um mesmo planeta. Retrata também costumes e sociedades diferentes daquilo que já conhecemos, porém que se julga ser possível. Nesse subgênero, o rigor em que os temas científicos são abordados não é tão grande. O importante não é se as inovações científicas abordadas são plausíveis ou não, o mais relevante é a maneira que as personagens encontrarão de utilizar tais inovações a seu favor. Normalmente, este subgênero se baseia em áreas mais “leves” da ciência, como Psicologia, Filosofia, Sociologia, etc. Em contraposição ao subgênero acima apresentado, temos a ficção científica Hard. Trata-se de uma tentativa em especular com a maior exatidão científica possível. A ciência, nesse caso, é a principal personagem, ou seja, está em primeiro plano no desenrolar da história. Portanto, é possível notar que ela se baseia na área das ciências exatas como Física, Matemática, Química, etc. Outro subgênero comum é o Space Opera, cuja história normalmente se passa em outros planetas ou até no espaço. Surgiu na chamada “era de ouro” e é a mais assistida pelo público. É importante ressaltar que este subgênero também tem como característica importante um romance que vai se desenvolver durante toda a história. Star Trek e Star Wars 11 são as produções mais famosas dentro deste subgênero e, fazendo jus a tal classificação, apresentam armas de raio laser, espaçonaves, viagens intergalácticas, etc. 1.2. MOMENTO HISTÓRICO A inserção da série Doctor Who no contexto histórico mundial e, principalmente, britânico em que ela nasce faz-se necessária para uma compreensão mais ampla e reveladora sobre as razões que levaram tal série a permanecer ‘viva’ até os dias de hoje. A primeira metade dos anos 60 foi palco de grandes e importantes mudanças no contexto cultural, político, geopolítico e econômico. No período pós-guerra, na década de 60, o capitalismo avançava mais que o comunismo. A Inglaterra era o país que tinha a taxa de desenvolvimento mais baixa se comparada a outros países capitalistas considerados desenvolvidos, tais como Japão, Estados Unidos da América, que se tornava a maior potência mundial, e União Soviética, que era a mais veloz no crescimento econômico que florescia na época. Não havia uma preocupação real com a questão ambiental e ecológica, apesar de algumas ações da Inglaterra parecerem poder solucionar qualquer excesso nessa área, pois proibira o uso de carvão como combustível para dar um fim ao fog londrino e despoluir o rio Tâmisa: atitudes que acabaram obtendo êxito. Também foi nesse período de exuberância econômica que ocorreram guerras que foram responsáveis por espalhar a fome, como as da Coréia, Vietnã e África. Nessa mesma época a industrialização cega dos países capitalistas e o ‘boom’ das incorporadoras e imobiliárias, principalmente nos Estados Unidos, tiveram uma ação devastadora que provocaram o fim do crescimento econômico mundial e fizeram emergir uma nova preocupação para todos: a poluição, que por sua vez trouxe graves problemas ecológicos. Podemos citar como exemplo, a utilização do petróleo como fonte energética, pois se tratava de uma energia barata, mas que causava grande impacto na natureza. Como referência cultural da época, podemos citar o início da banda The Beatles (1962 -1963), cujo surgimento coincidiu com a queda do conservadorismo nos anos 60 na Inglaterra e cuja eclosão representou uma revolução comportamental e musical. Com o grande sucesso dos Beatles, sucesso este chamado de ‘British Invasion’, a Grã-Bretanha foi consagrada como o centro do mundo pop, provocando assim o florescimento de talentos nunca vistos anteriormente, fato que colocou Londres como centro criativo e irradiador de cultura no 12 mundo. A partir desse momento, o mercado fonográfico aquecido pela influência britânica explodiu. A década de 60 caracterizou-se por um período de momentos libertários e estudantis bastante conturbados e de uma evolução social desordenada e sem rumos definidos. Foi um tempo de liberação de ânimos novos significantes que puderam ser facilmente observados e refletidos em avanços culturais. Também pode-se notar tais avanços em outras áreas. Na ciência, por exemplo, a tecnologia tem o seu destaque com o início do uso da informática para fins comerciais, apesar de ainda não ser utilizada de forma massificada. A IBM lança o chip, ou circuito integrado e nasce a Arpanet, que mais tarde se tornaria a Internet. O homem pisa na lua pela primeira vez e mais tarde um robô tem o mesmo destino, através da tecnologia soviética. Outros planetas são explorados através de uma sonda americana em Marte e de um robô em Vênus. Praticamente quase ao mesmo tempo, a televisão passa a se tornar um meio de comunicação em massa e as transmissões de TV em cores no mundo acontecem. Assim, os canais de televisão se prepararam para oferecer programas de conteúdo com apelo popular. Foi nesse contexto histórico e cultural que, em 1963, nasceu a série Doctor Who, talvez por inspiração nesse novo avanço tecnológico e futurista. Tal programa chegou com a pretensão de ser algo que “pudesse educar os jovens com aulas de história, ciências, tecnologias, viagens espaciais e no tempo, enquanto se divertiam vivendo uma aventura”. Enfim, pretendia ser “uma série educacional, fugindo da abordagem escapista”. Tais afirmações são verdadeiras, já que, de acordo com a pesquisa realizada por Tulloch e Jenkins entre garotos de catorze anos “a série promovia um maior entretenimento quando tratava de assuntos históricos já estudados na escola (...). Para esses garotos, a ficção científica como gênero era divertida quando proporcionava reviravoltas interessantes com a matéria de história do currículo escolar.” 3. Como resultado, a série acabou formando um público não apenas de jovens como também de crianças e adultos. Ela atingiu o “auge de sua popularidade na década de 70, quando conseguiu registrar uma média de audiência de 14 milhões de telespectadores, um número muito alto para os padrões britânicos. Sua crescente popularidade levou os canais a investir em outras séries de ficção científica”, o que impulsionou e fortaleceu tal gênero cinematográfico. As séries de ficção científica que surgiram neste período, de alguma forma, passaram a abordar problemas sociais e políticos da época, tais 3 “(...) the series was most ‘entertaining’ when it drew on their school knowledge of history. (…) For these boys, science fiction as genre was enjoyable when it gave entertaining twists to the well-rehearsed history of the formal curriculum.” 13 como as diferenças de classes sociais, tema bastante explorado pela TV britânica; a ideia do totalitarismo; as preocupações com o meio ambiente, entre outras. 1.3. BBC Para uma melhor compreensão da trajetória de ‘Doctor Who’ ao longo de seus cinquenta anos de existência, introduziremos um breve histórico do canal que deu vida a esta série dentro do contexto da televisão britânica. A produção televisiva britânica teve seu início em 1926, mas somente se tornou oficial com o lançamento formal da BBC (British Broadcasting Corporation) em 1936. Graças à Segunda Guerra Mundial, as transmissões foram suspensas em 1939 e só voltaram ao normal em 1946.Quando esta interrupção ocorreu, o país tinha registrado uma média de 20 a 25 mil televisores vendidos e, como a BBC era, de 1936 a 1955, o único canal de TV do Reino Unido, sua audiência estava praticamente garantida. Em 1955, o primeiro canal comercial, a ITV, surgiu no país. A BBC tinha como público alvo a população de classe média a alta, e pretendia, através de programas didáticos e informativos, propagar a cultura e a história da GrãBretanha. Para provar que tal pretensão era verdadeira, citamos como exemplos os episódios produzidos em 2006, Tooth and Claw (segunda temporada, episódio dois), e o episódio Victory of the Daleks (quinta temporada, episódio três), produzido em 2010. O primeiro retrata uma tentativa ficcional de assassinato à Rainha Victoria enquanto que o segundo se passa no período da Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra estava sob ameaça nazista. No referido episódio é mostrada a solução alternativa que Winston Churchill deu para resolver o problema. E é evidente que tal solução envolvia a utilização de tecnologia alienígena. Sustentada pelo governo através de uma taxa cobrada daqueles que compravam um aparelho de TV, a BBC só foi autorizada a vender espaços publicitários e ter um lucro direto com seus programas quando os canais internacionais da década de 90 foram criados. Até então, todo o lucro extra obtido provinha da venda de sua programação a outros canais internacionais. O sucesso e credibilidade obtidos no Reino Unido da produção massiva de minisséries e séries pela televisão britânica foram tantos que influenciaram a televisão americana, hoje a 14 dominadora na produção de séries no mercado internacional. Foi graças, portanto, ao sucesso obtido no Reino Unido que os Estados Unidos começaram sua própria produção nesse formato a partir da década de 70. Mesmo a TV inglesa tendo começado a produzir programas regularmente 10 anos antes, os americanos, tendo evoluído ao longo de décadas, conquistaram um espaço nesse segmento difícil de ser batido até hoje. A BBC é uma emissora pública de rádio e televisão que, com aproximadamente vinte mil funcionários, produz seus programas em treze estações distribuídas pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O início da BBC se deve à decisão de criar uma companhia para operar comercialmente uma inovação tecnológica: o rádio. Com a criação de tal companhia, procurava-se resolver ao mesmo tempo dois problemas: um técnico e outro político. Técnico porque evitava a proliferação de frequências e político por estabelecer um interlocutor único da área de radiodifusão com o governo. Em 18 de outubro de 1922, surgiu então oficialmente e, em 15 de dezembro do mesmo ano, a British Broadcasting Company Limited que era constituída pelas seis empresas interessadas na comercialização de equipamentos radiofônicos surgiu legalmente. As empresas eram a Marconi Company, a Metropolitan-Vickers, a Western Electric Company, a Radio Communication Company, a General Electric Company e a British Thomson-Huston Company. Posteriormente, o Conselho Diretor foi formado por um representante de cada empresa com um coordenador considerado “neutro” indicado pelo governo. Em 18 de janeiro de 1923, a BBC recebeu a licença para funcionar com uma cláusula que ditava que ela poderia transmitir apenas as notícias e informações compradas das agências de notícias. Além disso, a BBC concordou em emitir seu primeiro boletim diário de notícias apenas às sete da noite, para que assim não houvesse concorrência com as informações divulgadas pelos jornais. Entre 1922 e 1926, período pelo qual a companhia é transformada em uma corporação pública, as Big-Six (as seis empresas que compõem a BBC) vivem uma série de disputas ao redor dos direitos sobre as patentes do rádio, o que contribui para sua dissolução. No dia primeiro de janeiro de 1927 foi emitida a primeira Carta Real, documento legal que estabelece a ligação da BBC com o Estado, criando a British Broadcasting Corporation e permitindo seu funcionamento pelo período de dez anos. Tornando-se uma emissora pública, a BBC deveria seguir alguns princípios. Estes prezam que todos os que compõem a sociedade são cidadãos e não apenas consumidores, que tem o direito de receber esse tipo de serviço público. Os programas exibidos devem apresentar 15 a maior variedade possível, para que assim possam agradar diversos gostos e interesses. Zelam também que as orientações públicas para a radiodifusão devem servir para dar mais liberdade aos projetos dos produtores para que eles possam explorar todo seu potencial, assim como o da rádio e televisão, sendo que, ao mesmo tempo, devem propiciar à população informação entretenimento e educação. A BBC não é apenas uma emissora de rádio e televisão. Ela é uma emissora que não preza apenas para os números da audiência. Há uma preocupação sobre o que será transmitido e para quem. Estava em discussão no Parlamento que, para permitir compras e fusões na mídia, a quantidade de ações de cada proprietário não seja o único fator a ser levado em consideração, mas também o volume de público que ele atinge, já que se pretende evitar qualquer risco de quebra no princípio democrático da pluralidade da informação. Na programação da BBC, havia um ‘espaço’ disponível entre dois programas: Grandstand e Juke Box Jury. Foi então que Eric Maschwitz, assistente e conselheiro do controle de programas, sugeriu preenchê-lo com um programa de ficção científica e, Donald Wilson, que fazia parte do Departamento de Scripts, acatando à ideia de Maschwitz, determinou alguns quesitos que este novo programa deveria seguir. Pedia-se que este fosse voltado para o público familiar e que fosse atraente, porém ao mesmo tempo inteligente. Também não deveria tratar seus espectadores como leigos, independentemente de suas idades. Sydney Newman foi quem conseguiu juntar a ideia de Maschwitz às demandas de Wilson com as próprias ideias sobre o que um programa de ficção científica deveria conter. Newman achava que este novo programa daria conta de sustentar um de seus aspectos preferidos do gênero científico: a habilidade de evidenciar, sem correr riscos, aspectos negativos sobre a nossa sociedade. Além de que, o programa não deveria, sob nenhuma circunstância, recorrer ao estereótipo pré-determinado de outros programas de ficção científica no que se refere a alienígenas. A somar com o apoio que já tinha, Newman saiu então à procura de mais alguém para auxiliá-lo na produção do novo programa e, após várias recusas de funcionários da própria empresa, ele foi obrigado a procurar por alguém fora das portas da BBC. Foi quando encontrou Verity Lambert, de apenas vinte e sete anos, que aceitou o desafio apesar de sua inexperiência no ramo e, juntamente com Newman, superou todas as dificuldades criando o herói britânico ‘Doctor’. Não é à toa que no episódio Human Nature, de 2007, quando lhe é 16 lançada uma pergunta a respeito do nome de seus pais, o Doctor responde ‘Sydney and Verity’. Infelizmente uma tragédia imprevisível e de grande relevância ocorreu na véspera do dia da grande estréia da série Doctor Who na BBC: o assassinato do presidente americano John F. Kennedy, fato que captou todas as atenções da mídia, ofuscando assim seu lançamento que ocorreria no dia 23 de novembro de 1963. Como naquele final de semana todos os olhares estavam voltados para o referido acontecimento, a grande estreia não obteve o êxito esperado. Desta forma, decidiu-se que o primeiro episódio, ‘An Unearthly Child’, seria reapresentado na semana seguinte, seguido imediatamente pela estreia do segundo episódio, ‘The Cave Of Skulls’, numa tentativa de reconquistar a atenção do público. 17 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. DOCTOR WHO “What is Doctor Who? My dear anon, Doctor Who is hope and adventures, magic and terror, it’s the feeling of waking up on Christmas morn to discover Santa had delivered all the gifts you had wished for. It’s the never-ending journey of a man who’s seen too much and had run too far, a perpetual story of intellect and romance over brute force and cynicism.” 4 Anonymous Doctor Who é uma célebre série britânica de ficção científica, televisionada pela BBC, que retrata as aventuras de um alienígena da espécie Time Lord chamado ‘Doctor’, cujo planeta natal é Gallifrey, que viaja no tempo e espaço com sua nave TARDIS (Time And Relative Dimensions In Space). Considerada parte da cultura britânica, a série já ganhou diversos prêmios como o British Academy Television Award 2006 de melhor série de drama e o National Television Awards durante cinco anos consecutivos (período entre 2005 e 2010). O ator Matt Smith que atualmente interpreta o Doctor foi indicado, em 2011, ao prêmio BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) como melhor ator. Além de tudo isso, está presente no Guinness Book (livro dos recordes) como a série de ficção científica de maior duração de todos os tempos e também como a mais bem-sucedida série de tal gênero. Apesar de inicialmente apresentar efeitos especiais, maquiagem e cenários muito precários, a série foi de grande sucesso na Inglaterra, principalmente devido aos brilhantes roteiros escritos e ao pioneirismo no uso da música eletrônica para a abertura da série. Tais roteiros envolviam tanto ficção como fatos reais que ocorreram na História, como o sumiço de Agatha Christie ou a Guerra Fria, o que levou a uma maior atração por parte do público. Iniciada em 1963, a série foi suspensa em 1989 com vinte e seis temporadas já produzidas, devido ao baixo orçamento da BBC na época e uma queda no número de espectadores, porém com a promessa de que Doctor Who um dia voltaria às telas. Em 1996, 4 O que é Doctor Who? Meu querido anônimo, Doctor Who é esperança e aventura, magia e terror, é o sentimento de acordar na manhã de Natal e descobrir que o Papai Noel trouxe todos os presentes que você pediu. É a jornada sem fim de um homem que já viu muito e teve que fugir para muito longe, uma história perpétua de intelecto e romance sobre a força bruta e o cinismo. (tradução livre) 18 portanto, com o apoio da Fox, Universal Pictures, BBC e BBC Worldwide foi lançado um filme estrelado pelo ator Paul McGann que, apesar de ter gerado muitas polêmicas, foi de grande sucesso no Reino Unido, mas não nos Estados Unidos. Muitos fãs não consideram McGann como uma de muitas faces do Doctor, pois ‘denunciam’ que ele fugiu do personagem. O filme, portanto, não teve uma sequência. Apesar de não se ter uma série para a TV, Doctor Who podia ser acompanhado por outras mídias como Doctor Who Magazine e os áudio 0books da Big Finish. Muitos outros materiais que usaram o ator Paul McGann foram produzidos e tiveram Russell T. Davies como o principal ‘líder’. Graças a estes materiais, a série voltou em 26 de março de 2005 com o episódio ‘Rose’, tendo Davies como roteirista. Finalmente, Doctor Who continua até os dias atuais e este ano completará cinquenta anos. A série já gerou alguns spin-offs como The Sarah Jane Adventures, que têm como personagem principal a jornalista investigativa Sarah Jane Smith, uma de muitas companions do Doctor em suas viagens. A série foi criada por Russell T. Davies e estreou em primeiro de janeiro de 2007, porém foi encerrada após a morte da atriz Elisabeth Sladen, que interpretava a protagonista. Outro spin-off é Torchwood (anagrama de Doctor Who), também idealizado por Davies, que retrata as aventuras do Capitão Jack Harkness em uma instituição do governo criada pela Rainha Vitória, que protege a Terra de qualquer ataque ou ameaça tanto alienígena como sobrenatural. Tal série iniciou em 2006 e atualmente está paralisada. 2.2. PERSONAGENS Através da análise um pouco mais detalhada de alguns personagens poderemos obter uma perspectiva um pouco mais reveladora sobre a série. Assim, passaremos a estudar quatro componentes de fundamental importância para um melhor entendimento sobre o tema. Retrataremos inicialmente o protagonista da série, pois trata-se do responsável pela própria identidade do programa, cuja trama é tecida ao seu redor. Em seguida, discorreremos sobre duas das muitas ‘companions’ que acompanharam o personagem principal em suas viagens: Susan por ter sido a primeira coadjuvante da série, marcando o início oficial das aventuras que viriam na sequência e Donna por ter se destacado das demais, deixando sua marca não só no Doctor como também em diversas civilizações e planetas. E, finalmente, estudaremos os Daleks por tratar-se da personificação do mal dentro da trama, motivando o 19 eterno conflito entre o bem e o mal, o que impulsiona e dá vida à série. Desta forma, o estudo dos personagens nos aproximará da verdadeira essência de Doctor Who. 2.2.1. DOCTOR “He’s like fire and ice and rage. He’s like the night, and the storm in the heart of the sun. He’s ancient and forever. He burns at the centre of time and he can see the turn of the universe... And he’s wonderful.”5 Latimer, personagem da série Doctor é o personagem principal de Doctor Who. Trata-se de um Time Lord nascido em um planeta chamado Gallifrey, que foi destruído deixando pouquíssimos sobreviventes após a guerra travada entre Time Lords e Daleks, originários do planeta Skaro. Não se sabe muito sobre esta guerra que ficou conhecida como Time War, já que não existe nenhumepisódio explicando diretamente o que foi a guerra ou o motivo dela ter ocorrido. Tudo que se sabe baseia-se em comentários ou pequenas cenas que estão distribuídas ao longo de alguns episódios, como o The Sound of Drums, exibido em 2007. Em 2013, no episódio Journey to the Centre of the TARDIS, a atual companion do Doctor, Clara Oswald, se perde dentro da TARDIS e acaba por descobrir a biblioteca da nave que contém um livro cujo nome é The History of the Time War. Tal livro revela, inclusive, o verdadeiro nome do Doctor, já que foi ele quem se auto intitulou. Clara lê o livro, mas devido às ocorrências do próprio episódio acaba por esquecer todo seu conteúdo. É importante destacar que a Time War foi criada pelos produtores da série com o intuito de ‘eliminar’ a raça Time Lord, para que assim houvesse apenas um sobrevivente, o qual não sofreria interferência ou influência de outros habitantes de Gallifrey. Além disso, com a extinção de sua raça, as aventuras do Doctor se ‘prenderiam’ mais à Terra, já que este sempre teve uma preferência por companions humanos, alegando achá-los fascinantes. Foi em 1966, quando o ator que interpretava o Doctor, William Hartnell, optou por deixar a série devido a problemas de saúde, que surgiu a ideia de dar uma nova face ao protagonista. Como se tratava de uma série de sucesso, os produtores tiveram que criar uma 5 Ele é como fogo e gelo e raiva. Ele é como a noite, e a tempestade no coração do Sol. Ele é antigo e eterno. Ele domina a questão do tempo e é capaz de presenciar a reviravolta do universo... E ele é maravilhoso. (tradução livre) 20 solução diante do problema apresentado, ocasião em que criou-se a ‘Regeneração’ do personagem. Tal regeneração tinha o intuito de trocar o ator que interpretava o protagonista e não a personagem. Foi definido então que os Time Lords poderiam se regenerar onze vezes diante de situações de morte, fosse por idade ou por algum ferimento físico, porém poderia ocorrer a morte caso o indivíduo fosse ferido gravemente antes da regeneração concluir-se. Ao regenerar-se, um Time Lord troca todas as células de seu corpo, sofrendo alterações em sua aparência e até em pequenas mudanças de sua personalidade. Desde 1963, onze atores interpretaram o Doctor. Porém, para facilitar uma melhor compreensão, denomina-se William Hartnell como o Primeiro Doctor, Patrick Troughton como o Segundo Doctor, Jon Pertwee como o Terceiro e assim por diante. Um fato curioso é que, originalmente, a mudança de ator do Primeiro para o Segundo Doctor era para ocorrer da seguinte forma: o rosto de Hartnell estaria coberto por um cachecol e, quando este fosse retirado, o rosto de Troughton apareceria. Mas, devido a uma falha na sala de edição, o cachecol não apareceu e ocorreu uma sobreposição dos dois rostos. Essa ‘técnica’ foi utilizada nas mudanças de atores que se seguiram na série, com exceção à do Segundo para o Terceiro. Em junho de 2013, o Décimo-Segundo Doctor, Matt Smith, anunciou sua saída da série e deixou todos os fãs ainda mais ansiosos para o especial de aniversário de cinquenta anos, episódio cuja regeneração ocorreria. Como um Time Lord só pode se regenerar onze vezes, muitos amantes da série estão preocupados com a possibilidade do término da série mediante à saída de Matt Smith e à chegada do ‘novo’ Doctor que, em agosto de 2013, foi anunciado que será interpretado pelo ator Peter Capaldi. Contudo, alguns ainda têm a esperança de que os produtores criarão algum fato novo que possibilitará mais regenerações. Tal preocupação por parte dos telespectadores nos leva a uma nova reflexão a respeito da existência dessa série ao longo de tantos anos. 21 2.2.2. COMPANIONS “The first nineteen years of my life, nothing happened. And then I met a man called the Doctor” 6 Rose Tyler No contexto de Doctor Who, o termo companion, que em português se refere a algo similar a “companheira”, diz respeito aquelas pessoas que acompanham o Doctor em suas viagens e aventuras. Em sua maioria, as companions do Doctor são mulheres jovens e atraentes, salvo algumas exceções como Rory Williams e Brigadier Lethbridge-Stewart, mais conhecido como “the Brigadier”. Ao longo dos cinquenta anos de exibição, a série já contou com a participação de mais de 35 atores para interpretar tais companions. 2.2.2.1. SUSAN FOREMAN “One day, we’ll know all the mysteries of the skies...and we’ll tops our wondering” 7 Susan Foreman Susan Foreman, interpretada pela atriz Carole Ann Ford, era a neta do Doctor e o acompanhou durante a primeira temporada e os dois primeiros arcos da segunda, no período de 1963 a 1964. Assim como o Doctor, ela é uma Time Lady que, para os padrões humanos, aparenta ter por volta de quinze anos de idade. Seu verdadeiro nome em gallyfreyan é Arkytior cujo significado é Rose. Tal nome serviu de inspiração para batizar a companion do nono e décimo Doctor (Christopher Eccleston e David Tennant, respectivamente). 6 Nos primeiros dezenove anos da minha vida, nada aconteceu. Então eu conheci um homem chamado Doctor. (tradução livre) 7 Um dia, conheceremos todos os mistérios dos céus...e iremos parar nossas indagações. (tradução livre) 22 A primeira aparição de Susan já se dá no primeiro episódio, An Unearthly Child, quando seus professores Barbara e Ian, que lecionam no colégio Coal Hill School, estão comentando sobre como a garota é extremamente inteligente para alguém de sua idade. Chegam até a usar a palavra “gênio” e como o próprio Ian disse “Nós temos uma garota de quinze anos que é absolutamente brilhante em algumas coisas e extremamente ruim em outras” (tradução livre)8 se referindo às atitudes que uma garota “normal” de quinze anos não deveria ter. Barbara então relata ao seu colega a sugestão dada a Susan de que ela deveria se especializar em sua matéria, já que, seu conhecimento em História é excepcional. A professora sugere que estaria disposta a ajudá-la a estudar em casa, porém, Susan logo rebate alegando que isso seria impossível pois seu avô não gosta de receber estranhos em sua casa. Preocupados com as atitudes estranhas e o relativo mal desempenho que a garota vinha apresentando ultimamente os professores decidem então ir até sua casa para conversar com o tal avô. Chegando lá, os professores conhecem o mal-humorado Doctor, descobrem que Susan não é humana (daí o nome do episódio) e que sua “casa’ é na realidade a TARDIS. Doctor também revela que ele e sua neta foram exilados de seu planeta natal e em sua saída apressada, acabam por roubar a TARDIS. Resolvem então parar na Terra e enquanto o Doctor descobria como usar a nave, sua neta frequentava a escola. Por tais motivos, os alienígenas se instalaram na Terra, mas sempre com a esperança de que um dia voltariam à Gallifrey. Com medo de que os “visitantes” revelassem o segredo de Susan e Doctor, ele se recusa a libertá-los e os leva consigo para algumas das aventuras que se seguiram. Por Ian e Barbara acompanharem o Doctor em várias viagens, muitos os consideram como os primeiros companions humanos. E assim começa a jornada que rendeu, até agora, cinquenta anos de história. Assim como todos os outros companions do Doctor, em algum momento Susan teve que “partir”. Isso ocorreu no final do arco The Dalek Invasion of Earth, na segunda temporada, quando ocorreu, como o próprio nome diz, uma invasão dos Daleks à Terra. No referido arco, Susan conhece David Campbell, um londrino do século XXII, e acaba se apaixonando por ele. Ela deseja ficar com ele, porém, entende que precisa cuidar de seu avô e resolve abandonar David. Ao perceber que Susan realmente amava o rapaz, era jovem e tinha 8 “We have a fifteen year-old girl who is absolutely brilliant at some things and excruciatingly bad at others” - Ian Chesterton em An Unearthly Child, 1962 23 que viver sua própria vida, Doctor, em uma atitude altruísta, a tranca do lado de fora da TARDIS e parte acompanhado apenas por Ian e Barbara. Mesmo após a saída de Ford da série, ela voltou a interpretar sua personagem no especial de vinte anos, The Five Doctors, exibido em 1983 e no de trinta, Dimensions in Time, transmitido em 1993. Apesar de sempre nos referirmos a Susan como companion, na época ela não recebia esta denominação, ela era apenas a neta do Doctor. Com sua partida, o Time Lord sentiu muita falta de sua neta e decidiu que “precisava” de um companion. A partir daí, o termo foi mais comumente usado. 2.2.2.2. DONNA NOBLE “Oi! Watch it, spaceman!”9 Donna Noble Donna Noble, interpretada pela atriz Catherine Tate, fez sua primeira aparição na série em 2007 no Especial de Natal da segunda temporada. Doctor tinha acabado de se despedir de sua companion anterior, Rose Tyler, e estava lamentando sua partida na TARDIS quando uma mulher vestida de noiva se materializou dentro da nave. Sem entender os motivos para isso, o Time Lord a levou de volta para Londres para que ela pudesse se casar, já que Donna tinha sido teletransportada para a TARDIS enquanto fazia sua grande entrada na igreja. Entretanto, conseguem apenas chegar na recepção do casamento, onde são novamente atacados por robôs fantasiados de Papai Noel. Com o decorrer dos eventos do episódio The Runaway Bride, Doctor, que nesse período era interpretado por David Tennant, e Donna descobrem que Lance Bennet, seu noivo, estava “envenenando-a” com partículas líquidas Huon que ele acrescentava diariamente em seu café. Lance admite que se uniu à Imperatriz dos Racnoss, vilã que estava por trás de tudo, e seu objetivo era o de usar Donna como uma “chave” para trazer a raça dos 9 Ei! Se liga, homem do espaço! (tradução livre) 24 Racnoss de volta, já que a Imperatriz era a última de sua espécie.Doctor e Donna a impedem de fazer isso e Lance acaba morrendo no processo. O episódio termina e se descobre que o motivo de Donna ter “aparecido” na TARDIS era de que o excesso de partículas Huon em seu corpo a magnetizou, o que a levou até a nave e a conhecer o Doctor. Ele propõe que Donna o acompanhe em suas viagens, porém ela recusa dizendo que não aguentaria, psicologicamente, acompanhá-lo. Passa-se uma temporada e Donna retorna como companion oficial do Doctor no primeiro episódio, Partners in Crime, da quarta temporada. Ela relata que tentou seguir com sua vida mas não conseguia sabendo que ele estava vagando pelo universo salvando vidas. Desde então passou a investigar casos misteriosos, pois sabia que o Doctor estava sempre envolvido neles, até que um dia finalmente conseguiu alcançar seu objetivo e se reencontrou como Time Lord nas Indústrias Adipose. Começa então uma nova jornada do Doctor e sua “nova” companion Donna, já que a anterior, Martha Jones, tinha partido há pouco tempo. No episódio Journey’s End, uma sequência de eventos ocorre e Donna acaba virando meio humana, meio Time Lord, ou seja, ela continua tendo anatomia de um ser humano mas sua mente tem todo o conhecimento de um Time Lord. Como seu cérebro é humano, ele não aguenta todas as informações contidas neste, logo fica extremamente sobrecarregado. Para evitar que Donna entre em colapso e morra, Doctor apaga todas as memórias que ela tem sobre os Time Lord, incluindo ele mesmo. Ele a leva para casa e deixa recomendações para a mãe e avô de Donna para que eles jamais o mencionem ou algo que a faça lembrar, pois, se isso acontecer, ela morreria. Donna, então, volta a sua vida normal achando que é uma simples temporária que não é relevante e não faria a menor diferença a ninguém. Desde o começo, a companion não se dava o valor que realmente merecia e o Doctor percebe isso quando entra em sua mente. Portanto, ela segue sua vida sem ter a consciência de que, nas palavras do Doctor, ela “foi a mulher mais importante em todo o universo”10, já que o salvou enquanto viajava com ele. Diz também que “eles nunca vão esquecê-la, enquanto ela nunca poderá se lembrar”11, se referindo a todas as civilizações que salvou. Dessa maneira, a personagem Donna Noble deixa a série, porém reaparece em alguns dos episódios seguintes da quarta temporada, sob a ameaça de lembrar tudo. Isso não acontece e Donna tem seu final feliz ao se casar com Shau Temple 10 11 “They will never forget her, while she can never remember” - Doctor em Journey’s End, 2008 “She was the most important woman in the whole wide universe” - Doctor em Journey’s End, 2008 25 2.2.3. INIMIGOS “And where would the Doctor be without monsters to fight and evil to vanquish?” 12 Desde o início da série em 1963 o Doctor enfrenta diversos inimigos, sendo que a maioria deles é alienígena. A série praticamente se baseia no Time Lord salvando diversos mundos e civilizações desses inimigos que, muitas vezes, querem apenas salvar a própria espécie, porém, ao fazerem isso precisam destruir outra. Atitude esta que o Doctor não tolera. Algumas espécies alienígenas aparecem apenas em um episódio, porém, outras se fazem presentes em vários momentos da série. Desde seu início, Doctor já combateu diversos inimigos, já que é praticamente um diferente a cada episódio produzido. Porém há aqueles que aparecem mais de uma vez e, são justamente esses os mais famosos e mais “perigosos”. Entre eles estão os Daleks, Cybermen, Sontarans, Silence e Master. 2.2.3.1. DALEKS “You will be exterminated!” 13 Daleks Os Daleks são os inimigos mais antigos e temidos do Doctor, tendo aparecido pela primeira vez no dia vinte e um de dezembro de 1963 na conclusão do episódio The Dead Planet. Foram criados pelo roteirista Terry Nation e descritos pelo Terceiro Doctor como “coisas vivas que transbordam ódio” 14 (tradução livre). Originários do planeta Skaro, são a mutação de uma raça conhecida como Kaled, que é, inclusive, um anagrama da palavra Dalek. Durante uma guerra entre os Kaleds e os Thals, o cientista chefe dos Kaleds, Davros, criou os Daleks para acabar com a guerra e para alcançar seu objetivo de se transformar em um grande ditador de todo o universo. Nessa 12 E o que seria do Doctor sem monstros para combater e o mal para derrotar? (tradução livre) Você será exterminado! (tradução livre) 14 “Living, bubbling lumps of hate.” – Doctor em Death to the Daleks,1973 13 26 mutação que criou, Davros retirou todas as emoções que um ser vivo pode ter, para que assim os Daleks se transformassem em uma máquina para matar. Além disso, “acrescentou” nessa nova espécie o pensamento de que todas as outras raças são inferiores aos Daleks. Quando os Kaleds refutaram a nova criação de Davros, ele, como vingança, revelou aos Thals a melhor maneira de matar todos de sua espécie. A salvo em uma espécie de abrigo, Davros liberta os Daleks para o universo, que logo em seguida se viram contra seu criador e o abandonam para morrer em Skaro. Figura 2: Davros (à esquerda) e a espécie que criou, os Daleks (à direita). Fonte: http://www.fanpop.com/clubs/doctor-who/images/1595650/title/davros-hd-photoe http://openbytes.wordpress.com/2010/01/17/if-microsoft-cant-charge-for-it-you-dont-get-it-bbc-iplayer-xmaswoe/, respectivamente (Acesso em 02 de novembro de 2013) Apesar de comemorarmos o aniversário de cinquenta anos da série no final de 2013, pode-se dizer que também comemoramos o “nascimento” dos Daleks, mesmo estes terem aparecido na televisão britânica cinco semanas após a estréia oficial série. De acordo com Dave Thompson, a série Doctor Who não teria sobrevivido cinquenta anos sem o aparecimento dos Daleks. Tal raça alienígena atraiu tanta atenção por parte do público que o plano inicial da BBC de exibir os Daleks apenas uma vez foi cancelado e, hoje tais criaturas 27 são os inimigos mais temidos do Doctor. Não são apenas os mais temidos, mas como também são a mais antiga raça fictícia de alienígenas “viva” até os dias de hoje. Através da média de audiência registrada, é possível notar que os Daleks representam uma grande parte do motivo pela série estar viva até hoje. De acordo com o site ‘Plano Crítico’, no primeiro arco An Unearthly Child registrou-se uma média de audiência de 5,9 milhões, enquanto que no segundo arco, The Daleks, uma média de 8,9 foi registrada, de acordo com o site ‘Universo Who’. Foi neste segundo arco da primeira temporada que o inimigo mortal do Doctor foi às telas pela primeira vez e rendeu à BBC um número maior que o esperado de espectadores. Isso se repete quando, em 1964, exibe-se a segunda temporada da série e, no nono arco Planet of Giants, marca-se uma média de 8,5 milhões de espectadores. No arco seguinte, The Dalek Invasion of Earth, quando os Daleks aparecem pela segunda vez, registra-se uma média de 11,9 milhões. É possível notar um padrão quando os Daleks retornam no arco de número dezesseis, The Chase, e, novamente, o número de espectadores aumenta. Apesar do aumento que ocorreu desta vez não ter sido tão significativo quanto antes, já que, aumentou-se apenas duzentos mil em comparação ao arco anterior, os Daleks atraíram mais público para a série. 28 3. CONCLUSÃO “The distinction between past, present and future is only an illusion, however persistent”15 Albert Einstein Acreditamos que o sucesso da série e a sua permanência na TV até os dias de hoje se deve primordialmente ao fato dos escritores de Doctor Who serem profundos conhecedores da humanidade, já que respeitam e procuram sempre seguir as expectativas humanas em relação ao futuro, em diferentes gerações. O passado são fatos conhecidos por todos que ocorreram em certo momento da história do homem, ao passo que o futuro é algo totalmente desconhecido. Ao ligar esses dois tempos tão distantes, Doctor Who consegue, no momento presente em que está sendo transmitido, projetar as expectativas de seu público nesse remoto tempo do futuro. Porém, tais expectativas, com o passar do tempo, vão se modificando dependendo do momento em que se está. Em 1963, na época em que começou a ser transmitida, seria totalmente plausível criar-se a expectativa de que no futuro houvesse grandes avanços na área da tecnologia da informação ou até mesmo da comunicação, como a existência da internet ou a de smartphones, por exemplo. Imaginar tais acontecimentos seria ‘pura ficção’, ao passo que nos dias de hoje essas ocorrências já são fatos que pertencem à ’pura realidade’. Os episódios que envolvem a História nos fazem refletir e é possível chegar à conclusão de que a compreensão do futuro está diretamente ligada ao nosso conhecimento do passado, já que as experiências já vividas nos ensinam e nos norteiam para um melhor desempenho tanto no presente como no futuro. Ao criar um link no presente entre o passado e o futuro, Doctor Who vai ao cerne da questão respeitando a evolução dos tempos e dos fatos, conhecendo e buscando as expectativas das várias gerações por que passou. Mostra-se conhecedor profundo de seu público alvo do momento, tratando dos problemas da humanidade e de sua esperança por tempos melhores. 15 A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão, porém persistente. (tradução livre) 29 Logo, ao lidar com essa fórmula que mistura três tempos tão significativos para o homem e tecer entre eles uma trama tão delicada que envolve a realidade, as emoções humanas e a imaginação, tal série torna-se, a nosso ver, uma fonte de atração inteligente e envolvente, ao passo que possui como telespectadores um público que engloba todas as idades. Público este que se sente hipnotizado ao ser completamente envolvido pelo enredo construído cuidadosamente pelos personagens. Doctor Who é considerada um marco da cultura popular britânica, pois atualmente é a série responsável por promover a TV britânica mundo afora, além de influenciar gerações de profissionais da televisão, os quais possivelmente cresceram assistindo a série. Talvez por todas essas razões tal série tenha durado tanto tempo (completará 50 anos de vida em 2013), o que garantiu sua inclusão no Guinness Book com o recorde de série de ficção científica mais longa de todos os tempos. Acreditamos que Doctor Who possui certo valor literário, já que consegue levar seu telespectador a pensar e a questionar os valores humanos, trazendo-o para a realidade presente através da exposição do futuro; o que proporciona um crescimento interior à medida que promove uma visão diferenciada dos fatos. Além disso, diferente de outros programas, brinca com a fantasia e a realidade, aproximando uma da outra, o que cria um forte vínculo com seu telespectador que se torna fiel a seus episódios. Esse vínculo se fortalece ainda mais quando algo novo sobre o Doctor e sua vida é revelado e, apesar de novo, faz referência a algum episódio anterior. Os fãs de Doctor Who espalhados pelo mundo todo estão esperando ansiosamente pela estreia do especial de aniversário de cinquenta anos justamente por esse motivo. Ele revelará fatos e acontecimentos a respeito do Doctor e seu passado os quais foram mantidos em segredo todo esse tempo. Espera-se a revelação desses segredos para que assim o público consiga relacionar esses fatos novos com todos os outros que foram revelados aos poucos ao longo de cinquenta anos.Dessa maneira, a série consegue fazer com que seu público se mantenha fiel e, não é à toa, que durou meio século. Acompanhar tal série significa conhecer o desconhecido, experimentar o que nunca foi experimentado, despertar aquilo que ainda dorme dentro de si. É permitir que seu pensamento voe livre por todos os lugares, por todas as culturas, por todos os tempos, além dos mais distantes horizontes. 30 4. ANEXO Figura 3: relógio representando o rosto dos 12 Doctors que fizeram e ainda farão, no caso do décimo segundo, parte da série. Fonte: http://www.pinterest.com/pin/555139091538807102/ (acesso em 07 nov. 2013) 31 5. REFERÊNCIAS LIVROS THOMPSON, Dave. Doctor Who FAQ (All that’s left to know about the most famous Time Lord in the universe). Applause Theatre and Cinema Books, 2013. 338. LEAL FILHO, Laurindo. O Modelo Britânico de Rádio e Televisão: a convivência entre o público e o privado. São Paulo: USP/ECA, 1996. 167. TULLOCH, John; JENKINS, Henry. Science fiction Audiences: watching Doctor Who and Star Trek. New York: Routledge, 1995. 308. RATCLIFFE, Susan. Dictionary of Quotations by Subject. 2ª edição, Great Britain: Oxford University Press, 2000. 574. 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