THORAZINE #11 ABRIL/2016 [email protected] http://www
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TENHO O CORAÇÃO DO TAMANHO DO MUNDO MAS TENHO O MUNDO NA PALMA DA MÃO THORAZINE #11 ABRIL/2016 [email protected] http://www.facebook.com/coioteflores O ano é 2016, chegamos à 11ª edição com muito ou quase nenhum esforço. Admito já ter pensado em desistir desse fracasso em forma de projeto editorial, mas pra ser bem honesto, penso em desistir de muita coisa com muita freqüência, e sempre — ou quase sempre — retomo. Seja porque alguém meteu uma pilha e mandou material, me motivando a criar mais uma edição, ou porque fiquei sem trabalho e com tempo livre bem no meio de uma dessas crises de sobriedade que me levam a coisas horríveis como querer ser produtivo. De qualquer jeito, estou grato pela quase meia dúzia de leitores, que incluem eu e um colaborador ocasional, por me motivar a fazer algo melhores de minhas manhãs do que ficar vendo seriados que nem tenho muita vontade de acompanhar. Nessa edição, reuni alguns poemas e completei as lacunas com o que deu vontade na hora, com o indesign aberto e uma caneca de café à mão. obstrução auricular Punk rock, latidos, quinta de Beethoven e meio ouvido. Corrida de cavalos, domingo, motor de carro e meio ouvido. E ainda ouço o zumbido, um grito tinindo, uma voz se esvaindo. O olho de Clockwork Orange te chama e permite que circules o quadro até voltar a ele. Note que à distância, não verás linhas retas, apenas uma série de curvas formando o desenho. Assim força-se o olho (se o enquadramento for ignorado) a voltar ao ponto em um campo vasto – o campo, no caso, é o meio do rosto de Alex. O contraponto é o chapéu, preto, sobre o campo alaranjado do rosto Estes dois misturam facilmente pelas curvas. Enquanto o observo o olho (exclamação!), à minha esquerda e direita dois quadros pedem atenção. O primeiro, cujo autor, modelo e nome desconheço, mostra uma mulher sem o seu braço direito, que de fato esconde-se às suas costas. O segundo mostra rostos e feridas aparentes nos lábios e pálpebras da criatura humana fotografada. Em ambos o contraste de claro e escuro é tão notório que deixo para depois (para esquecimento, limbo ou aterro) estudos menores, embora ainda válidos. Espero que gostem O mundo inteira riria se eu mencionasse a cabeça decepada e o indicador em riste jogados à minha esquerda! O dedo em riste não aponta para a mulher desbraçada, mas para o céu visível à ignorância do concreto, e ela tem os olhos voltados para baixo e em diagonal. Não está triste, apenas lê – ou espera solenemente o corte do ceifador enquanto pensa na possibilidade de interferência da essência dele no momento fatídico. com amor, muito carinho Mais vale um corte na carne do que X arranhões da alma, Coiote Flores Porto Alegre, 31 de março de 2016 eu diria em analogismo apressado, desses que se vende de graça pro velho leiteiro (agora exu, mensageiro, publicitário batedor-de-pernas) que passa de porta em porta a cumprimentar e puxar conversa. nova petrópolis gotas - outono de 2016 Quando pai disse que não voltaria acreditei: Go – te – – jar quando anunciou le dernière rencontre — aqui senti: marca um tempo prenúncio arauto gotejar nunca mais esperar reclamar saudade quieto procrastinar a visita; nem subescreveu entre falas o apelo e a crítica à nossa falta de ida. — e pra mim fica o mais óbvio e já sabido dos recados: é preciso ir a quem queremos ir --(me prometo ver a família com mais freqüência enquanto sei que vai ficar pra depois — não façam o mesmo) como um balão me prende a um fio em tua mão. A certa vez, um homem caminhava por um deserto. Ele notou que haviam sempre duas pegadas na areia. Ele perguntou a Deus: “Por que há sempre duas pegadas de areia Três a três baquetadas anunciam quando Tu devias caminhar comigo o tempo todo?” E eis que cai a chuva o vento a joga sobre a mesa Inunda tua cerveja e joga fora a caderneta onde anotava planos, fiscos, sumos indiferente ao gotejo que avisava: porque do momento em que creste em Mim logo tudo acaba e tu te lavas. Cessa a chuva cantam aves porque todo mundo cansa um dia e tu promete à luz do sol cansa até de quem nos espera mas nunca nos busca. pegadas na areia ME SOLTA nunca mais não ouvir o que as gotas sussurram pra ti. e Deus disse: eu comecei a te açoitar e tu ninguém ama o poeta (sem título) ninguém ama poetas ninguém jamais amou um poeta vocês amam a pessoa, talvez, ou sua poesia pessoas pra sempre substitutas de outras pessoas mas o poeta ninguém ama o poeta ninguém ama o poeta ninguém quer amar. amores sempre temporários nas vagas de vagos amores mas tudo bem porque poeta não chora. só serve pra sentir escrever remington Ao som do piano de Rachmaninoff ele atira o computador contra a parede; cai no chão, a lataria apenas amassada. Junta e atira outra e mais uma vez; nesta terceira, ele cai livre da capa metálica que o protege e algumas peças se espalham no chão, presas umas às outras por fios entrelaçados. Chuta o amontoado de lixo eletrônico; uma placa se separa dos fios e voa contra a parede. Ele ri trincando os dentes, o corpo todo se mexendo, olhando para todos os restos espalhados pelo quarto. Coloca as mãos sobre a cabeça, que verte para cima, e grita, urra, tão gutural quanto satisfeito. Acende um cigarro e se senta à máquinta de escrever. Encontrara a Remington na casa de um amigo; este viajara e deixara o lugar a seus cuidados. Não se importou: tomou a máquina, esvaziou a geladeira de cerveja e deixou a casa do amigo, destrancada. Agora, em seu próprio apartamento no centro da cidade, fitava a máquina, um pouco enraivecido ainda, mas calmo o suficiente para se concentrar, ou assim pensava. Começou pelo conto inacabado, para o qual teve a idéia depois de sonhos perturbadores duas noites antes, e percebeu que teria de recomeçar tudo. Tudo na máquina, desde o primeiro parágrafo, a primeira frase (que ainda lembrava com exatidão). Pôs-se a partir daí a escrever. Não lembrava exatamente como estruturara cada frase, mas não se importava; ia relembrando o desenrolar da história à medida em que batia, ora furiosamente, ora com calma, à antiga mas ainda eficiente máquina. O amigo era um jornalista, indigno dela. O texto voltava a ele como só pode surgir na mente e nas mãos de um escritor. Logo já passara do parágrafo em que interrompera a história; seguida, seguia sua protagonista por eventos que nem podia imaginar virem, e lá estavam. Logo ela já se desencontrara totalmente, enquanto ele se encontrava como nunca antes. Estava vivo dentro daquele conto, estava extasiado em sua hipergrafia e no desenrolar ininterrupto de idéias. Esse poder todo o fascinava, ao mesmo tempo que se deliciava com a impotência diante dos fatos que eram descritos por ele mesmo apenas instantes antes de voarem aos dedos, às teclas e dessas, pelo , ao papel. Em menos de cinco minutos, o conto estava terminado. Ofegava como ofegara no processo que o levou àquela máquina, àquela cadeira, àquela mesa; não gritou, mas sorriu, desta vez um sorriso aberto, de satisfação plena. Como se acabasse de gozar, como se tivesse expelido tudo que nele crescera ao longo de anos – ao longo de séculos vezes dezenas que formaram a sociedade que o formara. Lá estava ela, sua protagonista, atirada no chão, no meio de uma rua, aos poucos cercadas de observadores surpresos, nem tão assustados; seu sangue jorrando pela rua e eles fazendo nada senão olhar, tecer comentários sussurrados, especular sobre o acontecido, culpá-la, por fim, pelo fim que tivera; não é sem motivo que alguém é surrada desta forma. O rosto desfigurado, ossos amassados sob a pele, juntas partidas, marcas por toda a parte visível, que era quase todo o corpo, tão pouco sobrara do vestido rasgado. E ele estava satisfeito, matara sua sede, matara sua personagem, destruira a ânsia por escrever que parecia querer destruí-lo. Ainda fumaria um cigarro antes de se preocupar com a volta do amigo, com a possibilidade de ter que devolver a máquina – mataria-o antes; fumaria um cigarro e esperaria horas até que o torpor literário abandonasse seu corpo. A VIDA EM ANEXO 21 contos em 96 páginas em papel pólen, escrito, revisado, editado, diagramado e publicado por mim. R$25. via depósito/transferência (o livro vai por correios, por minha conta). contato: [email protected] facebook.com/coioteflores