Dossiê Histórico do Horto Florestal do Rio de Janeiro apresentado a
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Dossiê Histórico do Horto Florestal do Rio de Janeiro apresentado a
Dossiê Histórico do Horto Florestal do Rio de Janeiro apresentado a fim de fundamentar —via documentação histórica em anexo— a tese de que os moradores do Horto Florestal do Rio de Janeiro encontram-se historicamente no território situado nas terras da União entre o IPJBRJ e o Solar da Imperatriz (Pacheco Leão, 2040, Horto Florestal), contribuindo para a defesa de seu pertencimento histórico à região e do reconhecimento inalienável de seu direito à moradia enquanto uma população tradicional enraizada no território e constituinte de uma cultura local que deve ser respeitada e considerada patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro. Por Laura Olivieri Carneiro de Souza Historiadora (PUC-Rio, 1996), Mestre em História Social da Cultura (PUC-Rio, 1999) e Doutora em Serviço Social (PUC-Rio, 2012) com tese de doutorado sobre o Horto. Co-fundadora e coordenadora técnica do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). Rio de Janeiro, junho de 2012 e atualizado em junho de 2013. Sumário 1. Limites históricos do Jardim Botânico e da comunidade do Horto Florestal do Rio de Janeiro: o antigo portão e a Escola Municipal Julia Kubitschek ................... p.3 2. Horto quilombola: o Morro das Margaridas, Casa Grande, Senzala e Mocambo .... p.11 3. Fazenda de café dos Macacos: 1875 – Solar da Imperatriz ............................ p. 15 4. Afirmação da historicidade da população do Horto Florestal do Rio de Janeiro e a defesa de sua territorialidade como patrimônio da cidade............. p.22 5. Documentação Comprobatória da Posse Histórica dos Moradores.............. p.24 6. Referências ................................................................................................ p.49 7. Apêndice com anexos ................................................................................ p.52 7.1. Mapas 7.1.1. Mapa do Horto 1875-1995 Sociedade das Florestas do Brasil 7.1.2. Mapa do Perímetro do Jardim Botânico em 1942 7.1.3. Mapa do Horto e do Jardim Botânico em 1929 7.1.4. Mapa do Horto e do Jardim Botânico em 1844 7.1.5. Mapa do Horto e do Jardim Botânico em 1983 7.2. Cartas 7.2.1. Carta do ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, de 2005 em apoio ao Horto 7.2.2. Carta do PT-RJ de 2009 em apoio ao Horto 7.3. Estudos, Projetos de Lei e Proposta de Regularização Fundiária 7.3.1. Relatório técnico de 1999 do Jardim Botânico sobre o Horto 7.3.2. Plano Diretor do IPJBRJ de 2003 7.3.3. PL AEIS Horto de 2009 7.3.4. Projeto SPU/UFRJ de 2011 7.4. Textos e Estudos Acadêmicos 7.4.1. Joviniano Carvalho (Joka), advogado da AMAHOR, 2011 7.4.2. Enzo Bello, artigo para congresso, DF, 2008 7.4.3. Roberto Maggessi, jornalista e conselheiro do PNT, 2012 7.4.4. Laura Olivieri Carneiro de Souza, tese de doutorado, RJ, 2012 (PDF) 7.5. Matérias de jornais 7.5.1. Jornal do Brasil, 1995 sobre o destino do Solar da Imperatriz 7.5.2. Jornal Vozes do Horto, 2004 e 2008 7.5.3. Jornal Viva Rio, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1987 7.5.4. Dossiê O Globo sobre a difamação dos moradores do Horto, 2010 à 2012 7.6. Memórias autobiográficas do Horto 7.6.1. A saga dos verdadeiros donos da terra, 1995 7.6.2. A Família Marins, 2005 7.6.3. Diário de uma invasora, 2012 7.7. Documentários 7.7.1. Horto, lugar de memórias, 2010 (DVD) 2 1. Limites históricos do Jardim Botânico e da comunidade do Horto Florestal do Rio de Janeiro: o antigo portão e a Escola Municipal Julia Kubitschek Portão que separava o parque e a comunidade de moradores. Entre ambos havia bem mais do que o portão, havia uma área de moradias construídas de forma organizada e autorizada além de uma escola municipal fundada por JK para atender as crianças que ali residiam. 3 Fachada original (1960) da escola e o presidente Juscelino Kubitschek em sua inauguração 4 O terreno original da escola a destruição arbitrária de metade de seu pátio para servir de estacionamento à entrada de carros do IPJBRJ pela Pacheco Leão... A destruição de metade do pátio da escola para servir de estacionamento à entrada de carros do IPJBRJ pela Pacheco Leão aconteceu nos anos 2000 e impôs à comunidade um novo limite, mais a frente que o tradicional e desrespeitoso com quem ali mora há anos, desde a época retratada na foto acima exposta, da primeira turma da EMJK, a qual evidencia que já havia as casas do Caxinguelê. 5 As crianças, aflitas com a constante ameaça de perder suas residências, sua identidade e os serviços públicos construídos no local para atender os seus direitos à educação e à memória, sofrem psicologicamente. Segundo moradores, o rendimento escolar das crianças diminuiu nos últimos anos. Os estudantes, preocupados com a situação de suas famílias e comunidade constroem casas de brinquedo e reproduzem nas brincadeiras a sua ansiedade com relação à moradia, afirma Nathercia Lacerda, educadora e coordenadora da Brinquedoteca Volante do Horto, projeto do CIESPI (Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância) em convênio com a PUC-Rio, que funcionou de 2002 a 2009 no Horto. Além disso, as senhoras abaixo são hoje reféns desses novos limites e, têm suas casas aprisionadas pelo portão do IPJBRJ que foi deslocado para adiante, fazendo com que os moradores tradicionais do Caxinguelê tivessem, de uma hora para a outra e compulsoriamente, suas casas “dentro do parque”. A população do Caxinguelê é a mesma da época da construção do assentamento, autorizado pela diretoria do Jardim Botânico e pelo Governo Federal nos anos 1960 (ver documentação anexa). Agora estão “dentro do parque”... Ou será que foi o parque que invadiu as casas?! Do outro lado, adjacente ao morro que separa o Horto da Gávea, o antigo portão foi aberto e o público do parque passa pelas casas históricas e lugares de memória da comunidade. Durante alguns anos as vigas permaneceram no local. Essa as fotos abaixo foram tiradas em novembro de 2010. Hoje nem portão há, é tudo apresentado como território do IPJBRJ. A isso, nós da Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR) contestamos tecnicamente, com estudos históricos e geográficos sobre o perímetro do Jardim 6 Botânico que evidenciam os limites históricos das terras da União Federal em processo de conflito fundiário e proposta de regularização das moradias. Não nos opomos ao crescimento das atividades de pesquisa botânica do Instituto, mas recusamos solenemente a decisão de retirada dos moradores que detêm o direito à posse histórica da terra e ajudaram a construir o bairro e o próprio Jardim Botânico (ver documentação anexa que comprova suas moradias no local desde 1929). O caminho de terra que se revela nas fotografias acima e abaixo estendeu os limites do parque até o Clube Caxinguelê, tendo o IPJBRJ incorporado um importante lugar de memória da comunidade do Horto como patrimônio histórico do Jardim Botâncio —o Aqueduto da Levada. Além disso, os novos portões aprisionaram os moradores tradicionais dentro dos novos limites territoriais do IPJBRJ, os quais se impuseram antes mesmo da decisão oficial do Governo e acabaram por “legitimar” frente à opinião pública e ao discurso hegemônico a falaciosa condição dos moradores tradicionais como “invasores do parque”, conforme pode ser notado na documentação anexa das matérias do jornal O Globo que 7 buscam criminalizar os cidadãos históricos do Horto numa sórdida campanha política veiculada no principal periódico da cidade do Rio de Janeiro. 8 A essa construção tendenciosa de perímetro do parque nós nos opomos categoricamente por entender que é arbitrário e perverso o mecanismo de apropriação do território da União Federal, cujo estatuto constitucional visa garantir a função social das terras. Desse modo, estão sendo desrespeitados o direito constitucional à moradia tradicional, bem como foram desrespeitados os cidadãos históricos do Horto que exigem uma retratação inclusive por danos morais devido à acirrada campanha midiática por desqualifica-los como criminosos invasores, atributos que nunca procederam e deturpam a real história fundiária localizada entre o IPJBRJ e sua associação de amigos e a AMAHOR representante dos moradores tradicionais do Horto. Ademais, questionamos o apoio do IPHAN ao IPJBRJ na intervenção paisagística realizada no local e quanto aos inadequados procedimentos de conservação do Aqueduto. Monumento de origem colonial e construído com a mão-de-obra escrava local, em 1853, o Aqueduto da Levada (que tem esse nome porque levava a água do manancial hídrico do Horto à toda a Freguesia da Gávea, uma extensa área que ia do Humaitá a São Conrado, 9 no século XIX) sofreu intervenções sem o adequado cuidado com a conservação das características originais do monumento e à sua história. Segundo fontes orais que ali residem e presenciaram todo o processo (sobre isso, ver o documentário Horto Lugar de Memórias, em anexo), não houve restauração, mas simplesmente o IPJBRJ emassou e pintou de branco. Pá de cal na história da comunidade tradicional, pá de cal na memória negra da região... Aproveitamos a oportunidade para notificar o IPHAN sobre tais denúncias. O Aqueduto da Levada antes e depois da intervenção do IPJBRJ. 10 2. Horto quilombola: o Morro das Margaridas, Casa Grande, Senzala e Mocambo O Horto Florestal do Rio de Janeiro existe formalmente no mapa da cidade desde 1875, quando foi oficializado como parte integrante da Freguesia da Gávea. Antes, porém, a região já possuía uma longa e movimentada história, cujo primeiro marco temporal remonta a 1575, quando um engenho de açúcar se estabeleceu ali: o Engenho D´El Rey, localizado no Morro das Margaridas. A população do Horto é caracterizada como uma comunidade tradicional porque muitos de seus moradores são enraizados no território desde seus ancestrais escravos e quilombolas. Para pesquisar historicamente a sua identidade, os moradores criaram o Museu do Horto (www.museudohorto.org.br) que tem o reconhecimento da Fundação Palmares e também do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) como Ponto de Memória oficial de sua rede de atuação museológica. A colonização portuguesa no Brasil se afirmou pela lógica do sistema colonial escravista (NOVAIS, 1990) que se estabeleceu a partir da exploração da mão-de-obra de origem africana. Hoje, é sabido e notório na historiografia que onde houve escravidão, houve igualmente resistência. Daí a afirmação da identidade quilombola do lugar. Ademais, no século XIX abolicionista, o Horto era rota de fuga para os escravos resistentes que transitavam pela cidade em busca de abrigo nos Quilombos da Sacopã —na Lagoa Rodrigo de Freitas— e das Camélias —no atual Alto Leblon. Tal argumentação é explicitada e reproduzida em mapa (abaixo) pelo importante historiador da Abolição Eduardo Silva (SILVA, 2003, p. 74) 1. 1 SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura: uma investigação de História Cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 11 Outro importante historiador, Maurício Abreu, especialista na urbanização histórica do Rio de Janeiro, evidenciou em sua obra Geografia Histórica do Rio de Janeiro (15021700) 2 que no século XVI dois importantes Engenhos de Açúcar foram fundados pela Coroa portuguesa no atual bairro do Jardim Botâncio: o Engenho Nossa Senhora da Cabeça, fundado por Mem de Sá na atual Rua Faro, cuja Casa Grande e capela ainda estão de pé e muito conservadas pela Casa Maternal Mello Mattos à Rua Faro 80. O seu par era o Engenho D´El Rey, fundado em 1575, no atual Morro das Margaridas, Horto Florestal do Rio de Janeiro. Uma construção em ruínas, muito mal conservada e necessitando urgentemente de restauro ainda se encontra no local, testemunhando a ocupação mais remota do lugar. A construção possui características estéticas e arquitetônicas inquestionáveis tanto de sua originalidade quanto da pertença temporal ao século XVI. Erguida com a tecnologia de Taipa de Pilão, reconhecidamente uma técnica arquitetônica dos engenhos e outras construções nobres do século XVI (LEMOS, 2008) e com decoração ornamental que não deixa dúvida quanto a sua condição abastada, o monumento em ruína revela que o lugar foi escolhido para a plantação de cana de açúcar: em terras férteis de encontros fluviais e visibilidade estratégica, conforme se buscava na época construir as Casas Grandes dos engenhos em colinas para a tudo observar e controlar. Do alto do Morro das margaridas é possível observar a Lagoa Rodrigo de Freitas, o mar de Ipanema, o Morro Dois Irmãos e o Morro dos Cabritos (ambos lugares quilombolas), o Corcovado, além da própria região do Horto. Conforme estudos inquestionáveis do ponto de vista histórico, como o clássico Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1980, 20ª ed.), sabemos que as construções de engenhos de açúcar do século XVI possuíam a planta arquitetônica em formato de “U”, com pátio interno, escadaria de acesso (em sendo colinas), e senzala em edícula (uma construção paralela, como um apêndice à Casa Grande). O desenho abaixo reproduzido foi pintado por Cicero Dias para ilustrar a 20ª edição da obra. 2 ABREU, Maurício. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700) vol. 2. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson estúdio editorial, 2010. 12 Detalhes da construção do Morro das Margaridas, acima e abaixo: estrutura em Taipa de Pilão, colunas com detalhes ornamentais representativos de uma moradia nobre, escadaria em pedras sobrepostas e ainda sem a técnica de cantaria, paredes que misturavam taipa e pedras, criadouro de animais no pátio interno e estrutura edicular onde se situava a senzala. 13 Em 1596 o Engenho D´El Rey foi vendido ao vereador Diogo Amorim Soares que, em 1609, voltou para Portugal, transferindo a posse do Engenho, por requerimento deferido pela Câmara dos vereadores, a Sebastião Fagundes Varela, como dote por seu casamento com a filha do então governador. Assim permaneceram, as terras e a Lagoa salgada da região, no nome de Fagundes Varela até que, em 1660, Rodrigo de Freitas de Mello e Castro herdou do sogro Fagundes Varela o engenho, que foi conservado em poder de sua família por 150 anos. Desde então, as águas salgadas em formato de coração passaram a se chamar Lagoa Rodrigo de Freitas. Diogo Amorim transformou o Engenho D´El Rey num grande latifúndio, incorporando as terras vizinhas e mudou o nome do empreendimento para Engenho Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, tendo sido uma das maiores propriedades da Freguesia da Gávea e cuja sede é o atual Centro de Visitantes do IJBRJ, construída junto à Capela Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, situada na atual EMBRAPA e, no século XIX 14 transferida para a Rua Marquês de São Vicente onde até hoje se encontra (COSTA, 1950) 3. Ao cair em desuso e depois abandono, a estrutura da Casa Grande do Engenho D´El Rey foi ocupada por quilombolas e se constituiu em um importante Mocambo (casa de negros resistentes ao sistema colonial escravista). Daí que a memória oral da população do Horto refere-se à ruína da Margarida como Senzala ou Casa Grande e Senzala. Sr. Geraldo, falecido e depoente no documentário anexo Horto Lugar de Memórias (Museu do Horto, 2010) testemunha que seu avô residia ali desde o tempo dos escravos, identificando assim, uma relação de parentesco que remonta aos tempos e aos registros culturais quilombolas da população do Horto Florestal do Rio de Janeiro. 3. Fazenda de café dos Macacos: 1875 – Solar da Imperatriz 3 COSTA, Cássio. Gávea: História dos subúrbios. Rio de Janeiro: Departamento de História e Documentação Estado da Guanabara, 1950. 15 Em 1998 se iniciou uma reforma de restauração do Solar da Imperatriz para inaugurar ali a Escola Nacional de Botânica, ligada ao IPJBRJ. Concluída em 2001, a obra modificou as características da construção, sobretudo no que diz respeito à Senzala, localizada no porão da Casa Grande, como era típico das construções de Fazenda dos séculos XVIII e XIX. Diferentemente do modelo vigente no século XVI, em que a senzala costumava ficar na edícula da construção principal, em 1875, já era costume construir o lugar dos escravos abaixo da Casa Grande, entre outros motivos, dizem, para aquecer os senhores no inverno com o calor do corpo dos negros que se amontoavam nos porões (LEMOS, 2006). Transformada em cafeteria, desde essa obra concluída em 2001 e executada pela João Fortes Engenharia, a Senzala que continha inúmeras relíquias do cativeiro e, portanto, era um lugar de memória da cultura negra e da história do escravismo colonial na cidade do Rio de Janeiro, perdeu as características da época e as relíquias que ali se encontravam. O mais impressionante dessa intervenção é que, novamente, o IPHAN autorizou a reforma, levada a cabo pelo IPJBRJ. Ainda mais grave é que hoje a cafeteria nem ao menos funciona, o Solar foi cercado por grades, impedindo o livre acesso dos moradores do Horto e do público em geral, sendo um monumento público da cidade do Rio de Janeiro e da história colonial brasileira, hoje um território privativo do IPJBRJ. No porão, onde se situava a senzala, observam-se restos do material usado na obra, depositados sem critério e organização no lugar de memória (ver fotos abaixo), o que nos levou, enquanto Museu do Horto, a buscar apoio da Fundação Cultural Palmares para tentar inventariar ao menos essa memória, a fim de não perder a sua importante contribuição na história da população negra da cidade. Seria de fundamental importância para a história da cidade que o IPHAN revisse esta polêmica questão. 16 Somado a isso, nota-se que, ao redor do Solar da Imperatriz há a maior representatividade da cultura quilombola do Horto, visto que a ladeira que leva ao morro atrás da construção, bem como as matas que levam ao Parque da Cidade, na Gávea,são repletas de símbolos e lugares de memória negra dos ancestrais habitantes do Horto, escravos ou quilombolas, cuja cultura e relações de parentesco ainda seguem vivas e orgânicas na região do Solar. O Museu do Horto, tendo aferido em suas pesquisas toda essa história, obteve apoio da Fundação Cultural Palmares e do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) e segue trabalhando pelo reconhecimento da pertença dessa história como um capítulo importante da história da cidade do Rio de Janeiro. 17 Acima veem-se fotografias da Ladeira onde havia muitos Centros de Umbanda e até hoje há moradores que narram muitas histórias sobre os cultos e o quilombismo da região, bem como se identificam com a cultura afro-brasileira. Em seguida, a estrada feita com pé-de-moleque, construção típica do século XVI, a gruta que servia como esconderijo dos escravos fugitivos, a Capoeira do Jequitibá ancestral, onde havia o terreiro do Pai João Cândido, referência absoluta na memória dos moradores dessa 18 localidade, um alguidar achado em arqueologia de superfície (Arruti, 2005) 4, Pai Maurício de Yemonjá, uma das lideranças religiosas do Candomblé no Horto e seus filhos de santo e o ritual de ressacralização da Capoeira do Jequitibá como um importante lugar de memória do Horto, evento realizado em setembro de 2011 durante a Primavera de Museus do IBRAM. Abaixo, Pai Maurício nos explica a importância simbólica de umas pedras nas cercanias do Solar da Imperatriz que guardavam lembranças de lideranças quilombolas de tempos mais remotos e que eram cultuados pela população de candomblé da localidade e cuja energia ancestral emanava até os dias atuais. Eis que o Museu do Horto veiculou em seu site toda essa história e, pouco tempo depois, o IPJBRJ construiu uma estrada ligando o Serpro ao Solar e destruiu esse lugar de memória tão caro à população tradicional do Horto, num gesto emblemático de poder simbólico sobre o território e a territorialidade da cultura tradicional, agora dominada pelos novos limites do IPJBRJ que se infiltraram do Serpro ao Solar quando da construção de uma estrada que interferiu na ecologia do Rio dos Macacos e de suas margens, além de ter destruído fisicamente importantes lugares de memória da população, marcos do quilombismo e da cultura negra no Horto. Um desrespeito com a história e a cultura local, o qual denunciamos aqui. Acima, Pai Maurício assinala a importância ritual das pedras-orixás alinhadas ao tempo dos ancestrais e abaixo as mesmas pedras violentadas, após a destruição de um dos templos sagrados do Horto quilombola. Abaixo, veem-se imagens das margens do Rio dos Macacos antes e depois da construção da estrada que passou por cima de importantes monumentos da memória negra da população residente no 4 ARRUTI, José Maurício. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. São Paulo: EDUSC, 2005. 19 Solar da Imperatriz e da Pacheco Leão antes do portão 2040 (Hortão): o Açude Imperial, a gruta quilombola e o muro fortaleza. Isso sem contar com a própria sacralidade do Rio dos Macacos e suas águas ancestralmente consagradas pelo povo que ali reside. Nas margens do Rio, onde construíram a estrada, havia muitas pedras alinhadas de forma simbólica, cuja simbologia era utilizada pela população que ainda hoje cultua seus ancestrais africanos e afro-brasileiros. Para além dos danos culturais e simbólicos, nos espanta a constatação de que os moradores não tenham autorização sequer para consertar suas casa quando é preciso, enquanto o IPJBRJ desmata e ergue estradas sempre que deseja expandir seu território. Em nossa interpretação de maneira estratégica para difamar os moradores tradicionais como invasores (ver a campanha do jornal o Globo em anexo). Abaixo, algumas fotos tiradas pela AMAHOR entre fevereiro de 2011 e setembro de 2012 corroboram a denúncia. Muro fortaleza antes e depois da estrada e abaixo o Açude Imperial e a placa do IPJBRJ 20 21 4. Afirmação da historicidade da população do Horto Florestal do Rio de Janeiro e a defesa de sua territorialidade como patrimônio da cidade. Por tudo o que foi narrado acima e pela documentação que se segue, a qual evidencia a posse histórica da população do Horto, vimos por meio deste dossiê, apresentar subsídios técnicos para a atuação da SPU, legítima gestoras das terras em conflito fundiário e contestar as equivocadas acusações que tentam criminalizar os moradores do Horto de invasores, conforme tem-se veiculado repetidas vezes pelo jornal O Globo. Somado a isso pretendemos reafirmar a condição da população do Horto Florestal do Rio de Janeiro como uma comunidade tradicional. Se há uma ou outra casa que tenha sido ocupada recentemente o fato é exceção porque podemos identificar a quase totalidade dessa população com relações de parentesco que as ligam às primeiras ondas de ocupação do território, a saber: 1575 (Engenho D´El Rey), 1785 (Fazenda dos Macacos), 1844 (Mocambo das Margaridas), 1920 (Fábricas de Tecido Carioca e América Fabril) e 1950 (Construção do Caxinguelê como um assentamento autorizado pelo Jardim Botânico para seus funcionários). Mais informações sobre essas ondas de ocupação históricas podem ser encontradas no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). A Associação de Moradores do Horto e seu projeto de memória social (o Museu do Horto) tem consciência do direito inalienável à moradia tradicional, assegurada pela Constituição de 1988, pelo Estatuto da Cidade, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estaturto dos Idosos e pela Lei 68 relativa às comunidades tradicionais que ocupam historicamente um território. A partir de agora, seguem documentos cedidos pelos moradores do Horto que comprovam tanto a sua moradia histórica quanto as relações de parentesco com ancestrais que já habitavam a região. Dentre eles, destacam-se certidões de nascimento de 1889 e 1892, um mapa do século XIX onde consta a referência do Morro das Margaridas como “Morro do Quilombo”, mapa oficial do perímetro do Jardim Botânico em 1942, além dos documentos de registro de moradia em 1929, 1933, 1940 e 1950 que evidenciam a pertença dos moradores do Horto à história do próprio Jardim Botânico, na qual deveriam ser considerados patrimônio imaterial da instituição, uma vez que a construíram com seus saberes tradicionais, assim como atestam a pertença dos mesmos na história da cidade, posto que alguns documentos aqui apresentados trazem importantes registros de um Rio de Janeiro antigo e tradicional, que quase já não existe, mas que se preserva na comunidade do Horto Florestal do Rio de Janeiro, um importante lugar de memória que deve ser respeitado e conservado como patrimônio material e imaterial da cidade e do Brasil colonial. Assim como defendemos em nossa tese de doutorado, aprovada na PUC-Rio por uma banca de museólogos, historiadores e antropólogos, em abril de 2012, vimos reafirmar a nossa avaliação da comunidade do Horto Florestal do Rio de Janeiro como um importante lugar de memória da cidade do Rio de Janeiro e da cultura tradicional negra e trabalhadora, cujos conhecimentos tradicionais apontam para a preservação de saberes ervateiros, curandeiros, rezadeiros, religiosos e simbólicos de matriz africana e trabalhadora. Da mesma forma, os monumentos e documentos localizados 22 no território pertencente a esta população devem ser considerados comprobatórios de sua histórica ocupação e dos seus direitos à moradia e à memória, os quais devem ser inventariados pelas insituições responsáveis e tombados como patrimônio da cidade do Rio de Janeiro, ao invés de serem ameaçados de extinção pela tenaz campanha de difamação desses cidadãos históricos do Brasil. Rio de Janeiro, junho de 2012 Laura Olivieri Carneiro de Souza Historiadora (PUC-Rio, 1996), Mestre em História Social da Cultura (PUC-Rio, 1999) e Doutora em Serviço Social (PUC-Rio, 2012) com tese sobre o Horto. Co-fundadora e Coordenadora técnica do Museu do Horto. 23 5. Documentação comprobatória da posse histórica dos moradores Conta de luz, 1929 e certidão de nascimento de 1889 do Sr. Manoel Alves de Sá 24 Carteira de trabalho do Ministério da Agricultura, 1933 do Sr. Manoel Alves de Sá 25 Conta de Gás, 1939 e contrato do Jardim Botânico, 1933 do Sr. Basilio Carris 26 Documentos de Sr. Basilio Carris, contratado pelo Jardim Botânico em 1911 e sua transferência para o Instituto Biológico Federal em 1933 27 Sr. Cypriano Alves de Souza, nascido em 1892, avô e bisavô de moradores do Horto, cujos filhos tiveram autorização para herdar o terreno e a casa, em 1956 pelo Ministério da Fazenda / Diretoria de Despesa Pública (abaixo) 28 Carteira do Ministério da Agricultura e foto do Sr. Hercílio Ferreira Soares, 1942. Sua viúva, filha, neta e bisneta residem no Caxinguelê, Horto. 29 Documentos do Sr. Otilio Lopes da Silva de admissão na Seção de Tecnologia de Produtos Florestais, do Ministério da Agricultura, 1949. 30 Certidão de nascimento da Sra. Neuza Carcerere, 1951, moradora e recibos de pagamento de sua moradia à SPU, 1969 (abaixo). 31 Certificado do Serviço Florestal do Sr. Pedro Marins, 1956 e identidade e carteira do Ministério da Agricultura, 1965. 32 Autorização do Jardim Botânico para a construção de moradia em 1963. Sr. Alberto Schultz e sua carteira de identidade e documentos oficiais de 1964 33 34 Sr. Claudionor Juvenal foi funcionário do Horto e sua viúva, filhos e netos moram no Caxinguelê, Horto 35 Sr. Eugenio Mourão nasceu em 1900 e faleceu em 1994 no Horto. Suas filhas e netos ainda residem na mesma casa 36 Família Macedo construindo sua casa no Caxinguelê e nas cercanias de onde moravam antes (Grotão): no Rio dos Macacos e Sr. Juarez Macedo, ainda morador de 87 anos, no Solar da Imperatriz, onde trabalhava. Sr. Juarez e seus irmãos, filhos e netos vivem no Caxinguelê, Horto e viviam antes no Grotão desde 1910. 37 Sra. Leni Macedo criança com os irmãos e mocinha onde hoje é o Serpro, antes da construção do mesmo 38 Uma das primeiras casas do Grotão, erguida sobre ruínas de moradias anteriores Moradores atuais quando eram crianças, anos 1950 39 Leo Tempera, neto de Eugenio Mourão, nascido em 1900 40 Moradores da segunda geração da família Mynssen quando crianças: Raul e Lucia ainda vivem no Caxinguelê, Horto 41 Meninas e meninos: infâncias passadas no Horto, décadas de 1970 e 2010 42 Time de futebol do Caxinguelê, anos 1950 43 A queda do Sr, Jorge Fonseca, falecido neste evento com 29 anos, jardineiro do parque e morador do Horto. Seus filhos e netos residem no Morro das Margaridas, Horto 44 Carteira de trabalho do Sr. Julio de Almeida e recorte de jornal de quando era jardineiro do parque. Sr. Bibiu, como era conhecido, viveu com sua família a vida inteira no Horto. 45 46 47 Laura Olivieri Carneiro de Souza Historiadora (PUC-Rio, 1996), Mestre em História Social da Cultura (PUC-Rio, 1999) e Doutora em Serviço Social (PUC-Rio, 2012) com tese de doutorado sobre o Horto. Co-fundadora e coordenadora técnica do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). Rio de Janeiro, junho de 2012 48 Referências ABREU, Mauricio de Almeida. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700) vol. 2. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson estúdio editorial, 2010. ALBUQUERQUE, Wlamyra e FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Palmares, 2006. ARRUTI, José Maurício. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. São Paulo: EDUSC, 2005. BARBOSA, Rui. A emancipação dos escravos. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1991. BIZZO, Maria Nilda et al. 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Rio de Janeiro: IBDF, 1985. p. 32-33. A imagem da planta em tamanho real e alta resolução pode ser vista no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). 54 7.1.4. Mapa do Horto e do Jardim Botânico em 1844 Fonte: Boletim do Museu Botânico Kuhlmann. Ano 8, no. 3, Jul/Ago/Set, 1985. Rio de Janeiro: IBDF, 1985. p. 32-33. A imagem da planta em tamanho real e alta resolução pode ser vista no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). 55 7.1.5. Mapa do Horto e do Jardim Botânico em 1985 Fonte: Boletim do Museu Botânico Kuhlmann. Ano 8, no. 3, Jul/Ago/Set, 1985. Rio de Janeiro: IBDF, 1985. p. 32-33. A imagem da planta em tamanho real e alta resolução pode ser vista no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). 56 7.2. Cartas 7.2.1. Carta do ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, de 2005 em apoio ao Horto 57 7.2.2. Carta do PT-RJ de 2009 em apoio ao Horto 58 7.3. Estudos, Projetos de Lei e Proposta de Regularização Fundiária 7.3.1. Relatório técnico de 1999 do Jardim Botânico sobre o Horto 7.3.2. Plano Diretor do IPJBRJ de 2003 7.3.3. PL AEIS Horto de 2009 7.3.4. Projeto SPU/UFRJ de 2011 Documentos online no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br) 7.4. Textos e Estudos Acadêmicos 7.4.1. Joviniano Carvalho (Joka), advogado da AMAHOR, 2011 7.4.2. Enzo Bello, artigo para congresso, DF, 2008 7.4.3. Roberto Maggessi, jornalista e conselheiro do PNT, 2012 7.4.4. Laura Olivieri Carneiro de Souza, tese de doutorado, RJ, 2012 (PDF) Documentos online no site do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br) 7.5. Matérias de jornais 7.5.1. Jornal do Brasil, 1995 sobre o destino do Solar da Imperatriz 7.5.2. Jornal Vozes do Horto, 2004 e 2008 59 7.5.3. Jornal Viva Rio, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1987 7.5.4. Dossiê O Globo sobre a difamação dos moradores do Horto, 2010 à 2012 Junho de 2010, capa O Globo 60 Junho 2010, p. 13 (Rio) 61 14 outubro 2010, p. 17 (Rio) 62 22 novembro 2010, p. 18 (Rio) 24 novembro 2010, p. 25 (Rio) 63 Dezembro 2010, ataque direto à criação do Museu do Horto (fundado em 07 de novembro de 2010 pela Amahor) 64 Dezembro 2010, ataque direto à criação do Museu do Horto (fundado em 07 de novembro de 2010 pela Amahor) e sua principal linha de pesquisa: o Horto quilombola. Escrevemos uma matéria de resposta a essa matéria e uma imediatamente posterior que saiu na Revista Veja. Nossa resposta não foi publicada pelo jornal mas veiculamos no site do Museu do Horto: http://www.museudohorto.org.br/Quilombos_nao_se_inventam__eles_existem_historicamen te?locale=pt_br 65 Fevereiro de 2011, O Globo 66 Agosto 2011, p. 29 (Rio) 67 Fevereiro 2012, p. 30 (Rio) Agosto 2012, O Globo. 68 Março 2013, manchete de O Globo. Até o dia 09 de maio de 2013, tudo indicava que o Governo Federal se posicionava em favor da permanência dos moradores tradicionais do Horto em suas habitações históricas. A SPU havia finalizado a sua proposta de Regularização Fundiária e havia convencido a AGU de suspender as ações de reintegração de posse, movidas durante governos anteriores (Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso). O MMA havia ido à comunidade tranquilizar os moradores de que haveria respeito à moradia histórica na condução do processo. A foto abaixo é da visita de seu representante. Fonte: http://www.depedsonsantos.com.br/horto-representante-do-mma-tranquiliza- moradores/ 69 No entanto, “de uma hora para outra” o TCU entrou na história embargando a decisão da AGU e da SPU. Embora sem legitimidade política e nem institucional para interromper o processo, o mesmo foi transgredido em sua constitucionalidade e em sua legalidade, obviamente como um recurso disponível às classes hegemônicas que, infelizmente e apesar de um governo que se diz democrático e popular, continuam querendo comandar o país de forma coronelista. ... E José Roberto Marinho olha com cara de repressão a presença da moradora, deixando evidente a opção pela falta de neutralidade na campanha midiática do seu jornal (O Globo) contra os ditos “invasores do Jardim Botânico”... Jornal do Brasil, 18 de maio de 2013... 70 Apesar da pressão, o Horto resiste e vem ganhando bastante apoio na cidade, no país e repercussão internacional. Mesmo no interior do Governo federal existe uma “quedade-braço” entre distintos órgãos e representações. A SPU, o IBRAM e a Fundação Palmares são exemplos desse impasse federal. A representante da ONU para os Direitos Humanos, Raquel Rolnik já se manifestou contra essa decisão arbitrária. Juristas e advogados de peso, como Miguel Baldez, Leonardo Chaves e Edésio Fernandes igualmente têm se posicionado a favor da permanência dos moradores como um direito fundamental e inalienável que está sendo desrespeitado de maneira arbitrária e fascista. http://raquelrolnik.wordpress.com/tag/horto/ http://www.amahor.org.br/5745 http://www.amahor.org.br/O_Neofacismo,_facismo_social http://www.plural.ufrj.br/010/index.php http://www.museudohorto.org.br/5629?id=4103 Portanto, o que está em jogo hoje no país, e que a querela fundiária do Horto simboliza de maneira exemplar é que país é esse que construímos: permitiremos a continuidade dessa política mandatária em que não se respeitam os direitos civis e humanos ou enfrentaremos uma posição de lutar pela aplicação real de nossa Constituição Federal e dos princípios democráticos que a Carta prega e mobiliza?! Por Laura Olivieri Carneiro de Souza Historiadora (PUC-Rio, 1996), Mestre em História Social da Cultura (PUC-Rio, 1999) e Doutora em Serviço Social (PUC-Rio, 2012) com tese de doutorado sobre o Horto. Co-fundadora e coordenadora técnica do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br). Rio de Janeiro, junho de 2012 e atualizado em junho de 2013. 71