Português - Instituto Martius Staden
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1 LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO ALEMÃ (Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa) LUIZ KUCHENBECKER 1897-1969 (Ana Júlia Mazzotti) Uma missa singular Luiz Kuchenbecker Foi num dia da Semana Santa – Sexta Feira de Paixão quando, ao cair da noite, seguimos às serpentinas, traçadas pelo caminho, cavadas no solo pedregoso pelos cascos ferrados dos animais das tropas que aqui transitam, carregando milhares de mudas de eucaliptos, destinados ao florestamento [reflorestamento] de campos até então improdutivos. Êste [este] caminho conduz da residência do Serviço de Reflorestamento da Companhia Usina Wigg S. A. situada num lugar pitoresco na margem da Estrada Estadual de Rodagem (k. 104) que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, - lugar antigamente chamado “Fábrica de Sabão”, subindo sempre e mais ainda, até alcançar o planalto do entroncando Morro em do Cruzeiro, seguida na - descendo estrada larga daí, da lentamente, bela alameda, construída e arborizada pelo saudoso Comendador Carlos Wigg, ligando a praça do trabalho-humano que é a Usina, com aquêle [aquele] canto de impressionante solitude em frente do mássico da Serra de Ouro Branco, onde se ergue a Matriz, Templo do culto 2 divino, construído pela digníssima espôsa [esposa] do Comendador, D. Alice da Silveira Wigg. O sol, que para hoje já tinha cumprido sua missão – celeste como gerador de vida, saúde, luz e calor, despediu-se com sinais de rara beleza – dos milhões de sêres [seres] dêste [deste] hemisfério, saudando já, como sol nascente, sêres [seres] e entes vivos do outro lado do globo terrestre, o qual, girando com a precisão de segundos – numa insuperável técnica, obedece – como todos os astros que cruzam o céu, - às sábias ordens de Deus-Creador – Senhor do Mundo. Nestas zonas sub-tropicais, a entrada do sol é logo seguida pela escuridão. Felizmente já alcançamos o planalto onde o clarão do cruzeiro iluminado nos recebe. Pisando com mais firmeza, caminhamos rumo a pequena igreja, escondida ainda atraz [atrás] da floresta, formada por gigantescas árvores eucaliptos, espécie botânica oriunda da Austrália que, encontrando condições favoráveis, já se aclimatou no Brasil. Subia nesta mesma hora o último trem, conduzindo passageiros e peregrinos para Ouro Preto – Superlotado. – A “Semana Santa” realizada naquela cidade, considerada monumento-arquitetônico. Jóia, - preciosum tamem nigrum, - atrai milhares de pessoas, fiéis e amigos de Ouro Preto. Sinal, - Apite! – O maquinista, - quase que automaticamente, estende o braço para dar o sinal exigido pelo regulamento rigoroso. – Em vão. – O mecanismo está solidamente amarrado pelo foguista. É dia de silêncio. – Nenhum badalar dos sinos da estação na hora da partida. Nenhum apito, nenhum sinal pelo chefe do trem. É dia de silêncio. “Cristo está morto”. – É Sexta Feira de Paixão, - é dia de silêncio, de máximo respeito. Dia de Paixão do mundo cristão. Aproximamo-nos do fim da alameda onde esta se alarga, subindo ainda um pouco, circundando na elevação final um páteo 3 [pátio] cercado de muro baixo, em cujo centro se ergue a igreja da Usina. Já de longe ouvimos a voz do Padre Marcelino Braglia, voz marcante que se distingue entre centenas de outras. Do púlpito improvisado na praça frente à Igreja, cercado da verdadeira multidão de fiéis, - Padre Marcelino, estimadíssimo Vigário da Paróquia de São Julião, prega o sermão, lamenta, narra num meio de impressionante silêncio aquêles [aqueles] acontecimentos que, há vinte séculos culminaram na traição, condenação e morte de Jesus Cristo, pregado na cruz, - naquela cruz que doravante ficou sendo o símbolo santificado da cristandade, - de Deus. Êste [este] símbolo estava erguido no pequeno pátio da igreja. A voz do Padre clama ao Céu. - Hoje, mais do que nunca, necessitamos do Salvador. Hoje, mais do que nunca, devemos seguir aos ensinamentos daquêle [daquele] que foi crucificado para que a humanidade, perdendo-se em lutas materiais tenha um exemplo a seguir para chegar à paz tão almejada por todos. Tenho assistido por várias vezes as [às] cerimónias [cerimônias] da Semana Santa, realizada tradicionalmente e com grande pompa, em Ouro Preto, nenhuma delas, porém, me deixou tão profundas impressões como aquela da usina, patrocinada em humilde devoção pela admirável senhora D. Alice da Silveira Wigg. A procissão do entêrro [enterro], palmilhando a estrada em meio de imensa floresta, onde milhares de imensas árvores plantadas em linha formaram álas [alas] silenciosas mas grandiosas pela natureza. Tochas espalham clarão avermelhado que acompanha a marcha. Os fiéis se revezam no carregar do esquife. Somente D. Alice não cede seu lugar. 4 Mais uma vez o grande silêncio da Sexta Feira de Paixão pairou sobre nós, como uma pausa para meditação. Êste [este] grande silêncio indaga de cada um: Quo vadis? – Com brados semelhantes já terminaram muitos reinados terrestres. O rei está morto “Viva o rei”! Reinados materiais, de curto prazo vital. Únicamente [unicamente] duradouro está o reinado-espiritual que Deus aclamou para o mundo cristão, levando ao trôno [trono] celeste, seu Filho – Cristo Rei. Parece que o tempo compreendia a grande paixão humana. O Céu cobriu-se de nuvens cinzentas, escuras. Não fosse a Cruz iluminada – teríamos perdido o rumo a seguir. Mal estávamos chegando em casa começaram a cair as primeiras gôtas [gotas]. – Choveu. Choveu Domingo. – Domingo da Páscoa. – Choveu sem parar. A monotonia de chuva geral reflete sôbre [sobre] o ânimo da gente desanimada. Mas, - promessa é dívida. – Eu tinha prometido de assistir à missa do Domingo de Pascoa [Páscoa]. Cristina, minha filha, ia cantar no côro [coro] dirigido pelo revmo. Monsenhor Rafael Arcanjo Coelho. Indecisos ainda ante o mau tempo, - Dona Ella, resoluta como sempre decidiu: “Was man verspricht, - muss man auch halten!” (Deve ser cumprido o que for prometido). Subimos de novo o grande morro que nos separa da Usina. Os estreitos trilhos do caminho estavam transformados em pequenos corregos [córregos]. Parecia que a água caída das nuvens tinha pressa em se unir ao Oceano, levando consigo pequenas parcelas de terra, causando a erosão tão prejudicial à conservação da fertilidade do solo. Merece reconhecimento e louvor – a decisão dos dirigentes da Companhia Usina Wigg S. A. de executar vasto programa de reflorestamento, seguindo assim os passos do Comendador Carlos 5 Wigg, que foi um dos primeiros em todo o Brasil a iniciar, reflorestamento em grande escala e com muito êxito. O badalar dos sinos da igreja de Usina voltou escoando da majestosa Serra de Ouro Branco. Apressamos os nossos passos. Chegamos enfim às portas da igreja que já imaginei encontrar repleta de gente – por ser hoje Domingo de Pascoa [Páscoa]. Ainda chovia. Com exceção do Mons. Rafael que tinha vindo de Burnier em carro de D. Alice, trazendo algumas cantoras, - não tinha comparecido ninguém ainda. Padre Marcelino, já vestido para a celebração da Missa do Domingo da Pascoa [Páscoa] – missa cantada- olhou triste em direção da alameda de eucaliptos. Nenhuma pessoa em vista – mas chuva sem cessar. As cantoras já tinham subido a escada e ocuparam seus lugares no côro [coro] a espera de seu dirigente. D. Alice tinha ocupado a poltrona ao lado do altar. Padre Marcelino devia ir para a sacristia para dar entrada. Ficava só eu – o protestante do culto evangélico – no vasto hall do templo. Pude testemunhar então como a alma de verdadeiro cristão é grande, generosa, cheia de amor. “Cantaremos então ao Sr. Luiz”, disse no mais belo exemplo de católica, a sempre bondosa Dona Alice. Todos foram aos seus lugares, ficando eu só – num dos bancos que hoje em vão esperavam seus ocupantes habituais. Entoava o côro [coro]. Com sua voz devotíssima, Padre Marcelino, celebrou. Missa Cantada – Santa Missa do Domingo de Pascoa [Páscoa]. Cristo ressuscitou. – Viva o Cristo Rei! Jubilando – à vida voz, o coro entoa: Aleluia – Aleluia. Mal podia eu esconder a grande emoção que sobreveio. 6 Tenho assistido [a] cultos religiosos em vários países e por várias ocasiões: Tenho ouvido – a só – os sons impressionantes de grandioso órgão, unidos em música sacra, espontânea expressão de gratidão de um companheiro apaixonado por música – com o qual entrei na Catedral n’uma [numa] cidade na Alsácia – já deixada pela população em terra de ninguém entre as duas frentes em guerra. Orei em templos grego-ortodoxos na Grécia, em Mesquitas no Macedonia [Macedônia]. Tenho assistido [a] missas-campais na França – onde o troar de canhões foi música tremenda que acompanhou as orações daquêles [daqueles] que procuravam confôrto [conforto] em culto divino antes da entrada em trincheiras, impiedosamente castigadas por armas infernais. Nenhuma de tôdas [todas] estas cerimoniais de todos êstes [estes] atos religiosos porém, gravou-se tão profundamente em minha alma de cristão como aquela Missa-Singular, aquela Missa Cantada no Domingo da Páscoa, na solitude da igreja da Usina, Missa, celebrada pelo inesquecível Padre Marcelino Braglia, a quem devo eterna gratidão. Fonte: Kuchenbecker, Luiz. Uma Horizonte, 1956, p. 32-34. missa singular. In: Intercâmbio. Belo