TABACO A Organização Mundial de Saúde definiu o
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TABACO A Organização Mundial de Saúde definiu o
Escola Secundária de Emídio Navarro - Viseu Dossiê: TABACO A Organização Mundial de Saúde definiu o Tabagismo como uma luta prioritária. "ÚNICA", 12 Nov. de 2005 5 milhões de pessoas morrem por ano no mundo por causa do tabaco Os ex-fumadores Hugo Rosa, Sílvia cabete e Renato Silva no «fumódromo» da vangeste fumadores que de um dia para o outro se apresentam aos amigos na nova categoria de «ex». A sensação geral que temos de que se fuma menos é mais do que um palpite. É um facto. Em Portugal a coluna de ex-fumadores está a engrossar de forma até surpreendente. Somos o país da União Europeia com a menor taxa de fumadores. Segundo o último Inquérito Nacional de Saúde, de 1999, apenas 19% da população portuguesa adulta fuma. Nos países da União Europeia, no seu conjunto, os fumadores são cerca de 39%, segundo o Eurobarómetro de 2002. Na empresa de moldes onde na sede da zona Oeste trabalham 120 pessoas, cuja média etária ronda os 30 anos, actualmente só 8, o equivalente a 9%, são fumadores. Por causa desta reduzida taxa, a Vangeste pode bem ser apresenta- 58 únicA / 12 Novembro 2005 EXPRESSO da como um caso exemplar. Tem uma política fortemente antitabagista — dentro do edifício ninguém pode fumar, garantem — e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, «amiga do fumador». «Aqui os fumadores até são privilegiados», ironiza Hugo Rosa, de 29 anos, técnico de informática, e um dos voluntários do programa sujeito a um tratamento particularmente cruel. Durante a privação a 1 2 mil portugueses morrem anualmente com doenças associadas aos malefícios do tabaco que se submeteu, juntamente com o colega do lado, via mesmo à frente da sua secretária, apenas separado por um vidro, o «fumódromo», um pequeno jardim interior que serve de sala de fumo. Um luxo. Sílvia Cabete, de 28 anos, que trabalha em acabamentos de moldes e também um dos 11 trabalhadores que deixaram de fumar, sabe bem, por experiências anteriores, que em muitas empresas e fábricas ou não se pode fumar de todo durante o horário laboral ou então fuma-se na semiclandestinidade em locais tão agradáveis como casas de banho. Mas aqui, pelo contrário, o pequeno jardim do «fumódromo» é um local arejado e bonito e um dos mais exclusivos da empresa, onde só entra quem tem no seu cartão de acesso a informação de que é fumador. Renato Silva, de 31 anos, ensaiador de moldes, pensou: «Era uma boa oportunidade. Já tinha tentado pastilhas de nicotina e acupunctura e não resultara». Desde então, perdeu o direito a espairecer no jardim. A porta principal envidraçada da empresa tem colado o dístico de proibição de fumar, mas tão mínimo como uma moeda de euro, e os visitantes recolhem à saída da empresa, como recordação humorada, um cinzeiro de plástico concebido pela equipa de «designers» da casa que serve para, por exemplo, não poluir as praias e, mais importante, não atirar beatas a arder para as matas: «É o nosso contributo para diminuir os incêndios florestais», refere o administrador da Vangeste, Vítor Oliveira. A proibição firme mas discreta, aliada a uma política de estímulos positivos, está a dar resultados práticos na micro-sociedade que é a empresa. Mas o mundo continua a braços com um problema de saúde pública muito gra- 1 em 2 fumadores morrem devido ao vício, sobretudo vítimas de enfartes e de cancros ve que está todos os anos a matar mais do que a sida. Em 2004, um estudo da Universidade de Harvard concluiu que o tabaco é a causa de morte de 5 milhões de pessoas por ano em todo o mundo — o que equivaleria ao desaparecimento da população portuguesa em dois anos —, principalmente devido a doenças cardiovasculares. Um número tanto mais impressionante quando a sida mata anualmente 3 milhões de pessoas. O tabagismo já é a principal causa evitável de doença e mortes prematuras. Fumar mata em todo o mundo um em cada dez adultos. Em 2030, ou antes, matará um em cada seis se se mantiverem os actuais índices, ou 10 milhões de mortes por ano, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Há anos que os maços de cigarros têm em muitos países frases garrafais que advertem para os perigos reais. Mas quem liga ao aviso «Fumar mata», ou «Fumar prejudica gravemente a sua saúde»? A muitos parece nada mais do que uma hipocrisia legal. No passado mês de Julho morreu na sequência de uma doença breve, com 92 anos, Sir Richard Doll, um homem cujo trabalho acrescentou muitos anos de vida a milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo, muito provavelmente, a ele próprio. Em 1951, este médico inglês, juntamente com o colega Austin Bradford-Hill, deram o pontapé de saída num estudo que se destinava a determinar as razões da dramática explosão de cancros de pulmão ocorridas a partir do início do século XX. Durante toda a primeira metade do século os riscos de fumar foram desconhecidos. Mas, precisamente em 1950, alguns estudos publicados nos EUA e na Europa Ocidental já indicavam o tabaco como um dos principais causadores da doença. «As conclusões não se fizeram esperar», terá dito Doll, de acordo com uma elegia publicada no «site» da Tobacco Control Research Center (TCRC). Também não demorou a que o médico, sugestionado pelas suas descobertas, deixasse, ele próprio, de AO DEIXAR DE FUMAR Efeitos 20 minutos do tabaco Normalização dos níveis de pressão sanguínea e da pulsação no organismo 8 horas O monóxido de carbono dos vasos sanguíneos desaparece quase por completo 0 fumo dos cigarros é composto por tabaco queimado e aditivos. Dos mais de 4 mil q u í m i c o s que são adicionados ao tabaco, cerca de 40 são c a n c e r í g e n o s Ao fumar são libertadas substâncias como cianeto, benzina, formaldeído, metanol, acetaldeído e amoníaco 48 horas Melhora o olfacto e o gosto. Diminui o risco de ataque cardíaco 2 semanas A circulação sanguínea começa a melhorar AS DOENÇAS 1 a 9 meses Desaparecimento da tosse, congestões, fadiga e dificuldades respiratórias Cancro na laringe Irritação das mucosas Doença pulmonar obstrutiva Bronquite crónica e asma Cancro no pulmão 1 ano O risco de cancro no pulmão, laringe ou esófago baixa para metade. A probabilidade de um ataque cardíaco é idêntica à de quem nunca fumou Doenças cardiovasculares Malformação congénita Aborto espontâneo: Cancro no colo do útero 10 anos O risco de cancro no pulmão, boca, pâncreas e esófago é idêntico ao dos não-fumadores. As células pré-cancerosas são substituídas. A esperança de vida aumenta entre três e cinco anos Cancro na bexiga fumar. Em 1952, Doll começou então aquele que seria designado como «Doctor's Study» (Estudo do Médico), um dos mais prolongados estudos epidemiológicos alguma vez feitos e que ainda hoje está em curso e a produzir resultados. O estudo acompanha todos os médicos britânicos inscritos na British Medicai Association (o equivalente à Ordem dos Médicos), registando os seus hábitos, doenças e causas de óbito. Logo em 1954 foram publicadas as primeiras conclusões provando que fumar era uma das principais causas de cancro pulmonar. Na altura, essas conclusões tiveram pouco impacto. «Ninguém deu importância», recordou Richard Doll. Mas o tempo acabaria por dar razão ao «Doc6 0 Ú I 1 I C A / 1 2 Norambto 2005 tor's Study», tornando-o uma das principais fontes científicas das políticas antitabaco, cujas origens remontam aos anos 60. Hoje, a afirmação de que mais de 80% dos cancros do pulmão são devidos ao fumo do tabaco é um ponto assente. Não o era há 50 anos. Politicamente, tudo começou nos Es- 26% das raparigas fumavam, em 2001. A prevalência tabágica tem aumentado nos jovens e nas mulheres tados Unidos. Em 1957, o Surgeon General, a principal autoridade médica norte-americana, emitiu uma declaração oficial: «O sistema de saúde público entende que o peso da evidência está a apontar numa direcção: fumar excessivamente é uma das causas do cancro do pulmão». E em 1961, no ano em que o presidente Kennedy anunciava a intenção de enviar um homem à Lua, os presidentes de quatro grandes associações nacionais (de Cancro, do Coração, Saúde Pública e Tuberculose) escreveram-lhe uma carta a pedir a criação de um comité que estudasse «as várias implicações do problema do tabaco». Em 1964 foi publicado o relatório dessa comissão consultiva do Surgeon General que constituiu uma viragem política. «É um documento histórico. Foi apresentado num sábado porque havia a noção 10 para ser levado a sério, uma vez que teve por base uma amostra impressionante de registos de saúde de 43 mil homens e mulheres que em 1970 foram submetidos a despistagem de doenças de coração. O estudo acompanhou as suas fichas clínicas até 2002. E, importante, arrasa a teoria de que fumar pouco não faz diferença. Foram precisos quase trinta anos e uma pilha gigantesca de evidências científicas para que a afirmação políti ca do Surgeon General, nos Estados Unidos, passasse para uma política global. Em 2003, a OMS adoptou um tratado para o controlo do tabagismo. Quarenta países assinaram o documento que entrou em vigor no passado mês de Fevereiro. Portugal ratificou-o há uma semana, no dia 4 de Novembro. anos a menos de vida. Esta é a média para um fumador de que se estava a oporá interesses muito poderosos», diz o psicólogo clínico Paulo Vitória, técnico do Conselho de Prevenção do Tabagismo, um organismo consultivo do Ministério da Saúde português. Desde então o tabagismo foi considerado nos EUA um problema de saúde pública e o tabaco passou, oficialmente, a matar. As tabaqueiras vacilaram, mas sobreviveram. Levaria muitos anos de lutas em tribunais para que fosse, por exemplo, provado que tinham conhecimento dos riscos associados ao tabaco e que esconderam esses dados dos consumidores. Pouco antes de morrer, Richard Doll disse que este tratado — o primeiro em mais de 50 anos de vida da OMS — é uma «oportunidade sem paralelo para os governos lidarem com a epidemia No ano passado, na comemoração dos 50 anos do primeiro relatório do estudo de Doll, novas conclusões deste megaprojecto foram publicadas. E também nesta frente as notícias não são nada boas. Foi nova e formalmente confirmada a relação entre o fumo e a ocorrência de mais de 20 doenças fatais. E ainda que, pelo menos metade dos grandes fumadores irá morrer com uma doença provocada pelo tabaco, e 1/4 morrerá na meia-idade. Em média, os fumadores têm menos 10 anos de vida do que o prazo estipulado pelo código genético para a sua luz se extinguir. Mas também há esperança nesse estudo assustador. Deixar de fumar faz inverter o processo. Quem deixar de fumar na casa dos 30 anos poderá, eventualmente, recuperar a esperança de vida a que tem direito. As evidências científicas contra o tabagismo são cada vez mais consistentes. Outro estudo, este feito pelo Instituto de Saúde Pública Norueguês e publicado no início de Outubro, mas que não fez grandes manchetes — foi antes atirado para as páginas de curiosidades científicas em todo o mundo — revela que mesmo fumar ligeiramente, menos de cinco cigarros por dia, triplica, nos homens, o risco de doença cardíaca ou cancro do pulmão. Nas mulheres esse risco aumenta cinco vezes. O estudo é 6 2 Ú l t I C A / 1 2 Novembro 2005 EXPRESSO 5 cigarros por dia quintuplica nas mulheres o risco de doença cardíaca, AVC ou cancro de pulmão do tabaco». Na verdade, assiste-se a uma escalada sem precedentes na luta contra o tabagismo, agora pela via legislativa. No último ano e meio vários países europeus adoptaram leis polémicas que proíbem parcial ou totalmente o fumo em espaços públicos. Em Março de 2004, o mundo desconfiava que os irlandeses se amotinariam nos «pubs» por não poderem acender um cigarro com uma «pint» de «lager». Em Junho foi a vez de a Noruega proibir o fumo em bares e restaurantes. E este ano começou com os italianos impedidos de fumar nos restaurantes onde não existam «salas de fumo». A partir de 1 de Junho foi a vez da Suécia. Imagens aprovadas pela Comissão Europeia que poderão futuramente ser incluídas nos maços de cigarros, à semelhança do que já acontece no Brasil e no Canadá A partir de Janeiro de 2006, os grandes fumadores que são os espanhóis (cerca de 28% da população) deixarão de poder acender um cigarro em espaços públicos. Só se poderá fumar em zonas para fumadores inseridas em Escola Superior de Comunicação Social, de Lisboa, e investigadora do Observatório da Publicidade. «A mudança nos anúncios ao tabaco tem a ver com a própria evolução social. A publicidade não inventa nada. Funciona como espelho da sociedade», sustenta a investigadora, referindo-se à mudança de discurso na publicidade a cigarros. Por cá, o anúncio do Português Suave (fotografias em cima, à esquerda) marcou uma época. No início dos anos 80, a imagem do caçador a fumar um cigarro após um tiro certei- Entre os míticos Marlboro Man e Português Suave... ro seria das últimas a aparecer no pequeno ecrã, por força da proibição legal. «Este anúncio seria impensável hoje. Caçar e fumar têm uma imagem desactualizada», considera Carla Medeiros. Estilo de vida ou problema de saúde pública, a história da publicidade ao tabaco não podia ser mais irónica. Depois de anos a fumar e a ajudar a vender cigarros, dois dos acto que encarnaram o personagem Marlboro Man acabaram por falecer. Vítimas de cancro de pulmão. CATARINA NUNES Da glorificação à vergonha Poucos produtos podem exibir um ciclo de vida que os tenha levado até aos antípodas. Fumar, na figura do Marlboro Man, foi sinónimo de liberdade e de aventura. Hoje, o espaço outrora ocupado pelo símbolo do estilo de vida norte-americano foi substituído por anúncios que não se cansam de repetir os malefícios do tabaco. Numa campanha para a Fundação Portuguesa de Cardiologia, a agência Central Models de- cidiu mudar de argumento. Pegou nos modelos que representa e colocou-os em situações que vão contra o que é socialmente aceite (fotografia à direita). Seja urinar em público, ter axilas por depilar ou borbulhas na cara. Porque, agora, o que é feio é fumar. «São aspectos relacionados com rebeldia. A campanha chama mais a atenção do que se os modelos aparecessem bem comportados», analisa Carla Medeiros, docente na . e as recentes imagens que alertam para os malefícios do tabaco i espaços com mais de 100 metros quadrados, o que implica que na maioria das «mésons» seja de facto impossível fumar. O Reino Unido, depois de um debate exaltadíssimo nas últimas semanas, acabou de aprovar uma lei meias-tintas, que proíbe fumar onde se sirva comida, o que já levou a que um quinto dos donos de «pubs» tenham anunciado que prescindem de vender «pies» para poder oferecer aos seus clientes a oportunidade de fumar em paz. Em Portugal, o Dia Nacional do Fumador, no próximo dia 17, será um momento eventualmente determinante, já que será apresentada aos especialistas a proposta do Conselho de A secção de não fumadores Prevenção do Tabano restaurante é como gismo, que aponta pauma secção para não urinar numa piscina ra soluções semelhantes às adoptadas em 64 únicA / 12 Novembro 2005 EXPRESSO 28% dos espanhóis fumam. A partir de 2006 deixarão de o fazer em espaços públicos vários países. E também aqui o assunto vai ser escaldante nos próximos tempos. Pais Clemente, presidente do Conselho de Prevenção do Tabagismo, refere que há uma conjuntura particularmente favorável para que no próximo ano seja aprovada uma lei que revogue a actual, de 1983, e onde se limite ou proíba o fumo de tabaco em todos os sítios públicos. «As pessoas que poderão tomar a decisão são particularmente sensíveis a esta importantíssima questão de Saúde Pública. A começar pelo próprio ministro Correia de Campos», salientou. O ministro da Saúde confirmou ao EXPRESSO que «já existe uma proposta que necessita de ser discutida com os diferentes sectores interessados». Outra das recomendações da OMS é a de aumentar os impostos sobre o tabaco, uma medida considerada eficaz para diminuir o consumo nas camadas jovens e nas classes menos abonadas. E a proposta de Orçamento de Estado para 2006 prevê o aumento do imposto sobre o tabaco em 13%. Mas a grande questão é saber se é pela via do proibicionismo que o mundo poderá reduzir o actual número de fumadores, estimado em mais de mil milhões de pessoas. No final de um ano sem tabaco nos restaurantes, as autoridades de saúde norueguesas concluíram que a medida foi bem aceite por clientes, os empregados ficaram felizes por respirar um ar melhor e um em cada dez acabou mesmo por deixar de fumar. A justificação oficial para proibir o fumo em sítios públicos tem sido o de defender o direito dos não-fumadores a um ar respirável, conhecendo-se 15% dos gastos em saúde nos países desenvolvidos devem-se a doenças provocadas pelo tabaco O charme do vício Em 1989, a indústria tabaquei- pós-1989 tiveram referências agora classificam os filmes co- ra americana decidiu cortar o explícitas ou implícitas a cigar- mo «perigoso» ou «livre de ta- pagamento de publicidade a ros, independentemente do pú- baco», Hollywood. Percebe-se por- blico-alvo a que se dirigiam. Afi- da sua qualidade artística. quê: as grandes produtoras nal, a indústria tabaqueira nun- Pierce de cigarros começavam a fi- ca precisara de gastar um dó- Bond, garantiu que a persona- car cercadas por leis de defe- lar para ter cigarros nos filmes! gem do agente secreto não fu- sa antitabaco, e o cinema foi Um cigarro no cinema não maria no último episódio da sé- considerado, por esmagado- é, nunca foi, um mero adere- rie e cumpriu a promessa (pa- ra maioria, o mais activo agen- ço. Funcionou antes como um ra «raiva» dos fãs mais fiéis ao te de promoção dessa indús- efeito de pontuação, de ritmo. 007). Neste contexto, uma obra tria. Sondagens efectuadas Definiu personagens. É impos- recente revela-se, na nossa opi- calcularam que um adolescen- sível, por exemplo, esquecer a nião, muito mais eficaz na expo- te não-fumador tem 16 vezes frase «got a match?» da perso- sição dos malefícios do tabaco (!) mais hipóteses de experi- nagem de Cary Grant em Pa- mentar um cigarro depois de raíso ver o seu ídolo, actor ou actriz, obras-primas de Hawks (nes- Infernal, uma a fumar na tela. A mesma son- se filme, Cary Grant nunca ti- dagem concluiu que 52% dos nha lume). Ou o modo como independentemente Brosnan, ex-James das adolescentes fumavam... por Jean-Paul Belmondo, em O causa do cinema. Este sem- Acossado, de Jean-Luc Go- pre usou e abusou dos cigar- dard (outro grande fumador, ros. Será possível imaginar os hoje convertido ao charuto), «cowboys» do «western», ou acendia um cigarro com a bea- as mulheres fatais do «film ta de outro. Os cigarros foram noir», sem um cigarro nos lá- mesmo a questão central de bios (tal como um Churchill algumas obras, como o recen- Filmar o vício: no recente sem o seu charuto)? Não fo- te Coffee and Cigarettes, de «Coffee and Cigarettes», ram grandes estrelas de cine- Jim Jarmusch, onde muitas ve- de Jarmusch, ou nos míticos ma, como Clark Gable ou detas do cinema e da música encontros entre Bogart e Bacall Humphrey Bogart, alguns dos popular, de Roberto Benigni a maiores fumadores do século Tom Waits, se sentavam à me- do que certas campanhas de XX? Ninguém estava prepara- sa de um bar e falavam dos saúde pública próximas do fun- do, contudo, para os factos temas do título. Nos últimos damentalismo. Trata-se de O que de anos, a batalha contra os efei- Informador, realizado em 1995 1989. O que se verificou nas tos do tabaco aumentou. Reti- por Michael Mann, com Al Paci- ocorreram depois dos raram o cigarro ao Lucky Luke no e Russell Crowe. Nesse fil- anos 90, para espanto de to- e, em França, uma célebre fo- me, baseado em factos reais, dos, é que, não só a quantida- tografia de André Malraux foi um ex-conselheiro científico de de de referências a marcas de digitalmente tratada para reti- uma empresa tabaqueira acu- tabaco se manteve inalterável, rar o cigarro dos lábios do es- sa-a em tribunal de ter aumenta- como aumentou o número de critor, provocando escândalo. do o vício dos consumidores aparições de nos Também se multiplicam os «si- pelo incremento ilegal de com- filmes tes», sobretudo nos EUA, que ponentes químicos. M produções americanas ecrãs! 85% cigarros dos FRANCISCO FERREIRA 66 uniCA 1. 2005 EXPRESSO actualmente os importantes riscos a que são também sujeitos os fumadores passivos, mas no fundo o que está em causa é a urgente necessidade de quebrar um ciclo de mortalidade e doença tão impressionante que nos países desenvolvidos chega a consumir 15% de todos os gastos com cuidados de saúde. O sociólogo de saúde Luís Saboga Nunes, responsável pela pós-graduação em tabagismo da Escola Nacional de Saúde Pública, tem muitas dúvidas. «A longo termo é uma batalha ganha ou um compasso de espera?» Saboga Nunes encontra nas estatísticas provas de que proibir apenas não chega. «Nos Estados Unidos, onde começaram a vigorar as leis de proibição ao consumo de tabaco em sítios públicos, a prevalência de fumadores até está a subir ligeiramente. A lógica proibicionista é a do gueto e tem, como se sabe, efeitos perversos. Em vez de dificultarmos a vida aos fumadores devíamos apostar em facilitar a vida aos que querem deixar de fumar». Nos Estados Unidos, que conduziram a imposição da lei de forma particularmente histérica, e onde os trabalhadores vão para os telhados ou para a rua dar uma passa às escondidas, o balanço não tem sido proporcional ao esforço investido. Estima-se que 25% da população fume, quase tanto quanto os 26% do liberal Reino Unido. E estima-se ainda que entre os jovens o consumo esteja a aumentar. «começar a fumar é um acto sociológico. Começa-se na adolescência, normalmente em grupo e como uma forma de afirmação. Deixar de fumar tem também que envolver a sociedade», refere Saboga Nunes. Talvez por isso, a Vangeste, que reuniu um grupo de trabalhadores num compromisso comum associado a uma festa de Natal, num ambiente entre o proibicionista e o «smoker friendly», tenha conseguido uma taxa de sucesso inesperada. M Para apagar o cigarro de vez Textos de Filipa Moroso Ao fumar um cigarro ingerem-se 4.700 químicos, 40 dos quais sáo cancerígenos, e só a nicotina vicia mais do que a heroína. Por isso é tão difícil largar o vício, embora haja cada vez mais ajudas A enfermeira Filomena Garcez nem queria acreditar quando leu o veredicto, debitado em numeração digital, na «mini smokerlyzer», a máquina que analisa os níveis de monóxido de carbono no ar expirado. Vítor Alexandre tinha acabado de bater o recorde da escala. Foi-lhe pedido um segundo sopro, mas o gráfico teimava em não sair da linha vermelha, revelando o número assustador de 96 mil ppm (partículas por milhão, sendo este número superior ao da descarga de monóxido de carbono de um automóvel). «Ao fim de mais de quatro anos de consultas, nunca tinha visto um número assim, o máximo que tinha registado era de sessenta e tal mil ppm», refere a ainda incrédula enfermeira Garcez, um dos 12 elementos da equipa do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, que administra as consultas de cessação tabágica. «Um doente — leia-se fumador — com este valor apresenta certamente alterações neurológicas (intoxicação). Um valor à volta dos 50 mil já corresponde a um grande fumador — a partir dos 6 mil já indica que se fuma», explica a médica 30% dos cancros devem-se ao tabaco pneumologísta Berta Mendes. A «mini smokerlyzer» permite avaliar aproximadamente o número de cigarros que se consome por dia e o padrão de consumo do fumador: se inala o fumo, a profundidade da inalação, o número de inalações e a carboxihemoglobina. «Ou seja, o monóxido de carbono que se junta à hemoglobina, tirando assim lugar ao oxigénio», explica Carvalheira Santos, director do serviço de pneumologia daquele hospital. Vítor Alexandre, um paciente recorrente das consultas de cessação tabági- ca no Pulido Valente, já passou a froneira dos 40. Fuma desde os 16 anos e ioje consome quase três maços de cigarros por dia. Já esteve oito meses sem [umar, mas em Janeiro deste ano vol:ou à carga, «devido ao stresse», com mais fome de cigarros do que nunca. E 3 chamado efeito «craving», um dos sintomas da privação de nicotina, que se revela num desejo compulsivo de fumar, após um período de abstinência. O monóxido de carbono, em abundância no sangue de Vítor, é apenas um dos 4700 químicos que compõem o fumo do cigarro. Acetaldeído, acroleína, arsénico, alcatrão, polónio 210, amoníaco, formaldeído, metanol, cloreto de vinilo, fenóis ou uretano são apenas algumas das substâncias cancerígenas — contam-se ao todo perto de 40 — que o fumador ingere sempre que acende um cigarro. Já a nicotina, também no rol das cancerígenas, é o alcalóide responsável pela dependência do tabaco, actuando sobre o cérebro, dez segundos após cada inalação, de forma semelhante à cocaína, à heroína ou ao álcool. Também ela produz um efeito de euforia e de relaxamento e é por isso que se torna tão difícil largar o vício. motivação e força de vontade — para conseguir apagar de vez o cigarro. E se está na altura de o fazer continue a ler este texto. Enumeramos-lhe aqui alguns dos métodos para a sua cura, que Quem nunca fez nenhuma tentati- pode começar já hoje. va para o largar costuma dizer: «Ê quanA nível estatal existem hoje, de do eu quiser». Mas quase nunca é as- Norte a Sul do país, cem unidades sim. As recaídas são constantes e o que de saúde e um portal na Internet, à partida parecia fácil torna-se um ver- com apoio na cessação tabágica. O dadeiro tormento, quando desenvolvi- tempo de espera por uma consulta da a síndrome de abstinência à nicoti- pública pode chegar a um ano nos na — ansiedade, insónias, depressão, grandes centros urbanos, como é o dificuldade de concentração, irritabili- caso do Hospital Pulido Valente. dade, fome e forte desejo de fumar. Co- «Não é de estranhar por isso que a iniciamo já dizia o escritor Mark Twain, um tiva privada, desdobrando-se nos mais fumador compulsivo: «É muito fácil dei- variados métodos alternativos, tenha xar de fumar, eu já o fiz cem vezes». Vítor Alexandre é paciente recorrente das consultas de cessação tabágica do Pulido valente. Fuma três maços por dia e quando soprou no «mini smokerlyzer» (à esquerda), que analisa os níveis de monóxido de carbono no ar expirado, registou um número nunca visto e que surpreendeu a enfermeira ocupado o terreno vago deixado pelos profissionais de saúde», avança o sociólogo Luís Saboga Nunes, professor da Escola Nacional de Saúde e autor do sítio www.parar.net E a verdade é que os centros privados de terapia antitabagista têm-se multiplicado como cogumelos, principalmente nas grandes urbes. A Linha SOS Deixar de Fumar, criada pelo Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, refere uma grande variedade na oferta de centros de ajuda, sem, contudo, a quantificar. «Não podemos falar em números, porque não há registo de todos os centros de ajuda ao fumador que existem. Baseamo-nos nos oficiais ou Um ano à espera de consulta Claro que também depende do grau de dependência do fumador (ver tabela nesta página) — um bom indicador para determinar a dependência é o tempo que se leva desde o momento em que se acorda até fumar o primeiro cigarro do dia, já que o organismo esteve em privação de nicotina durante as horas de sono. A partida, nem são precisos dez cigarros por dia para se sentir os efeitos de uma boa «ressaca». Daí que, muitas vezes, o fumador tenha que recorrer a ajudas — fora a grande 1 / unicA 69 3.100 portugueses mortos em 2003 de cancro de pulmão, traqueia e brônquios Consulta num centro «NãoFumoMais», onde é utilizada a auriculoterapia a laser ser; mais de três dezenas de consultórios de apoio psicológico; um de hipnoterapia e outro onde se combate o vício fumando até à saturação. Com preços que rondam, em média, os 300 euros, estes têm publicitado uma maior taxa de sucesso — entre os 70 e os 80% — do que as unidades de saúde estatais, onde a eficácia ronda os 30%. Mas pode haver explicação para isso. Primeiro, porque às consultas dos centros de saúde vai, normalmente, quem é recomendado pelo médico de família. Logo a motivação não é a mesma de quem vai, por iniciativa própria, a uma sessão de acupunctura, por exemplo, já mentalizado com o fim do vício. Mais importante ainda é capaz de ser o compromisso monetário. É mais fácil deitar 2,70 euros à rua, o custo da taxa moderadora hospitalar, do que 300... Depois, há ainda os fármacos recomendados pelos profissionais de saúde. Sob a forma de pastilhas, adesivos transdérmicos, ou o ansiolítico que combate a ansiedade e a depressão causada pela abstinência da nicotina, já venderam, nestes últimos 12 meses, mais de 164 mil unidades, o que corresponde a um investimento, por parte de potenciais ex-fumadores, de mais de 2.800 euros/ano. Todos eles medicamentos de venda livre. «Não é possível reduzir a cessação tabágica a um único Como se pode largaro VICIO? Unidades de Saúde Existem 100, de norte a sul do país, onde a média de tempo de espera por uma primeira consulta é de 123 dias (mas há 62 unidades sem qualquer tempo de espera). No Hospital Pulido Valente, em Lisboa, a equipa de seis médicos, três enfermeiras, duas psicólogas e uma nutricionista, coordenada pela pneumologista Berta Mendes, faz uma primeira consulta de informação/aconselhamento, questionários, parâmetros vitais, análise de monóxido de carbono, seguindo-se a avaliação dos exames e terapêutica. Nas consultas subsequentes, ajusta-se a terapêutica, observam-se os resultados — privação, reacções adversas, barreiras —, e reforça-se a motivação. www.parar.net O portal em português na Internet é um projecto feito pela Escola Nacional de Saúde, liderado pelo sociólogo de saúde Luís Saboga Nunes, em que trabalham quatro dezenas de profissionais, entre médicos, psicólogos e enfermeiros. É um programa de dez passos, com o nome Renascer, baseado na experiência científica, com técnicas validadas pela OMS. SOS Deixar de Fumar É uma linha telefónica (808 20 88 88) criada pelo Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva com o intuito de fornecer aconselhamento e informação útil ao fumador que pretenda largar o vício. Entre Abril de 2002 e Abril de 2005, os técnicos de saúde que ali trabalham receberam 3.705 chamadas telefónicas, 86% das quais por iniciativa própria e outras para ajudar terceiros, sendo que 1,4% são filhos que telefonam no sentido de ajudar os pais na luta contra o tabaco. «Hoje há mais campanhas de informação nas escolas sobre os malefícios do tabaco», garante Carlota Simões Raposo, da coordenação da linha. Centros de auriculoterapia a laser «NãoFumoMais» (808 100 500) — Existem 28 centros espalhados pelo país, sob a forma de «franchising». Há uma primeira consulta de avaliação do fumador com um psicólogo. A sessão única de tratamento dura cerca de uma hora, com estimulação de 21 pontos reflexos do pavilhão auricular do paciente através da electropunctura. «Cerca de 76% dos casos requerem apenas um único tratamento. Nos casos de recaída, um segundo tratamento é administrado gratuitamente e, aos pacientes que ao fim de seis meses não tiverem sucesso, é devolvido o valor do tratamento», diz Pedro Fernandes, responsável pelo «franchising» em Portugal. O preço é de 320 euros e pode ser pago em três vezes. «Amo-te Vida» (707 252 627) — O tratamento antitabágico consiste na estimulação eléctrica e por laser frio de diferen- convencionais e nos alternativos que conhecemos», afirma Carlota Simões Raposo, da coordenação daquela linha. Sabe-se, no entanto, que são muitas as clínicas de acupunctura especializadas na cessação tabágica, sendo as mais conhecidas as de Pedro Choy; há 28 centros franchisados do «NãoFumoMais», que recorre à auriculoterapia la- tes pontos de corpo, que vão ajudar a eliminar os níveis de abstinência de nicotina. Há ainda apoio psicológico e posterior desintoxicação, com produtos fitoterapêuticos. O custo total é de 330 euros, com possibilidade de crédito. Medicina tradicional chinesa Centros de Acupunctura Pedro Choy — Há mais de uma dezena deles a funcionar em todo o país. (21 359 04 74 — Lisboa; 22 606 35 77 — Porto). O tratamento, que consiste na aplicação de agulhas finas em alguns pontos do corpo, para equilibrar os fenómenos de irritabilidade e reforçar a vontade de deixar de fumar, tanto pode decorrer numa sessão única, como entre três a cinco sessões (30 euros cada). Clube VII — Parque Eduardo Sétimo, Lisboa (808 277 288). Licenciado em medicina tradicional chinesa e medicina ocidental, Clark Wang «trabalha a energia» do paciente de forma a que este enjoe, sinta tonturas e tenha vómitos ao fumar. Nas primeiras sessões, pede ao fumador que fume dois a três cigarros de seguida para que haja uma primeira saturação da nicotina. Utiliza também a acupunctura e a maxobustão como terapia antitabágica. A primeira consulta custa 70 euros e as seguintes, se individuais, 60. Um módulo de seis sessões custa 295 euros, «com uma taxa de sucesso de 80 a 90%», garante Wang. H método, como por exemplo aos adesivos. A associação tabágica passa por uma estruturação sociológica, psicológica e comportamental que exige validação científica. E o que se passa actualmente com os vários métodos alternativos da nossa praça é que não têm um único estudo científico que os valide», afirma Luís Saboga Nunes. Selecção e recolha: JCosta