CADERNO DE TECNOLOGIA DE LATICÍNIOS

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CADERNO DE TECNOLOGIA DE LATICÍNIOS
fazer melhor
CADERNO DE
TECNOLOGIA
DE LATICÍNIOS
n Identificação e quantificação do perfil proteico do leite 124
n Relevância de temas relacionados à qualidade do leite para as indústrias
de laticínios brasileiras 126
n Gestão da inovação e a cadeia do Leite 128
n Desenvolvimento de queijo frescal de leite de cabra: parâmetros sensoriais e perfil de textura 134
n Desenvolvimento de leite de vida de prateleira estendido pelo uso de
tecnologia de microfiltração 139
n Processo de fabricação de ricota por ultrafiltração 144
UFV
Universidade Federal de Viçosa
fazer melhor
Identificação e quantificação
do perfil proteico do leite
Fabiano Freire Costa1, Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito2, Marta Fonseca
Martins Guimarães2, Marco Antônio Moreira Furtado3; Isabela Silvestre Barreto Pinto4
Pós-Doutorando (PNPD Capes), 2Pesquisadores da Embrapa Gado de Leite: Rua Eugênio do Nascimento 610; CEP: 36038-330
Juiz de Fora/MG, 3Professor Farmácia-Bioquímica UFJF; 4Bolsista BAT II (Fapemig) – e-mail: [email protected]
1
INTRODUÇÃO
As técnicas de separação e
quantificação das proteínas do leite
podem fornecer informações importantes sobre as propriedades físico-químicas de diferentes sistemas
lácteos, auxiliando no aperfeiçoamento tecnológico da produção de
derivados mais estáveis, de melhor
qualidade e vida de prateleira mais
prolongada.
Atualmente, a identificação e a
quantificação das proteínas do leite
são feitas por diferentes técnicas de
separação como eletroforese em gel
de poliacrilamida, eletroforese capilar, cromatografia líquida de alta
eficiência (HPLC) e espectrometria
de massa (CREAMER, 1991; COSTA
et al., 2008).
As vantagens e desvantagens
de cada técnica são discutidas por
diversos autores que destacam se
estas precisam ser aperfeiçoadas,
a fim de melhorar a confiabilidade
dos resultados. O alto consumo de
reagentes tóxicos que são posteriormente descartados, e o longo preparo das amostras são as desvantagens que cada técnica apresenta.
Com relação às principais vantagens, a automatização e o limite
de detecção são os mais citados.
(ANDREWS, 1983; CREAMER, 1991;
BOBE et al., 1998).
Recentemente, a técnica lab-on-a-chip (eletroforese em chip) foi desenvolvida para a separação e quantificação de proteínas, DNA e RNA.
Esta técnica tem sido recomendada
devido aos bons resultados encontrados em comparação às demais.
As principais vantagens são o tempo
de preparo das amostras (~ 30 min/
chip), a quantidade de reagentes
utilizados, em torno de 0,5 mL/chip,
e o limite de detecção, capaz de
medir nanogramas de material em
microlitros de amostra (WU, 2008,
ANEMA, 2009).
124
Neste trabalho a metodologia
lab-on-a-chip foi aplicada para a
identificação e quantificação das
principais frações proteicas do
leite cru.
MATERIAL E MÉTODOS
O volume de 500 mL de leite foi
coletado do tanque de refrigeração
de um rebanho leiteiro comercial.
O leite foi colocado em frasco
estéril, mantido sob refrigeração e
encaminhado ao laboratório para
análise. Após o armazenamento
de 4 horas em refrigerador convencional (4ºC) foram retiradas
quatro alíquotas de 35 mL. As alíquotas foram ultracentrifugadas,
em quadruplicata, a 40.000 x g a
20ºC por 60 minutos (Sorvall Cen-
Figura 1 – Eletroferogramas obtidos em função do tempo de migração e
respectivos pesos moleculares por meio da análise de proteínas-padrão
(A1 e A2 = α-lactoalbumina; B1 e B2 = β-lactoglobulina; C1 e C2 = α-caseína;
D1 e D2 = β-caseína) e uma amostra de leite (E1 e E2 = sobrenadante do leite
ultracentrifugado).
trifuges acoplada ao rotor A-841,
EUA). Após a ultracentrifugação,
o precipitado e o sobrenadante
foram separados para análise do
perfil proteico. O perfil proteico
foi determinado pela metodologia de lab-on-a-chip utilizando o
equipamento Agilent 2100 Bioanalyzer (Agilent Technologies
GmbH, Waldbronn, Alemanha)
e o Protein 80 LabChip Kit (Agilent Technologies). Frações das
proteínas α-caseína, β-caseína,
κ-caseína, α-lactoalbumina e
β-lactoglobulina (Sigma-Aldrich/
St. Louis, MO, EUA) foram utilizadas como padrões.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados apresentados
na Figura 1 mostram os eletroferogramas (FU: unidade de fluorescência) de acordo com o peso
molecular (KDa) e o tempo de migração (FU x kDa; FU x Tempo) dos
padrões individuais de α-caseína,
β-caseína, α-lactoalbumina e
β-lactoglobulina, e da amostra de
leite. De acordo com o aumento
do tempo de corrida é possível
observar que a β-caseína (Fig 1: D1
e D2) migra mais rápido seguida
pela α-caseína (Fig 1: C1 e C2),
β-lactoglobulina (Fig 1: B1 e B2) e
α-lactoalbumina (Fig 1: A1 e A2),
respectivamente. Não foi possível
obter informação sobre o padrão
da κ-caseína (Sigma) supostamente pela sua degradação. Fato
semelhante foi citado por Anema
(2009).
Com relação à análise
da amostra de leite é possível observar separação entre
os sinais correspondentes às
proteínas α-lactoalbumina e
β-lactoglobulina (Fig 1: E1 e E2,
sinais 1 e 2) e uma sobreposição
entre os sinais correspondentes à
α-caseína e à β-caseína (Fig 1: E1 e
E2, sinais 3 e 4 respectivamente).
A Tabela 1 mostra os resultados
da quantificação das proteínas dos
padrões e da amostra de leite, bem
como os pesos moleculares encontrados e a porcentagem de cada
uma das frações proteicas.
Comparando os resultados
apresentados com os encontrados por Anema (2009) verificou-se que é possível reproduzir
com confiabilidade a separação
e a quantificação das principais
frações proteicas presentes no
leite empregando a metodologia
lab-on-a-chip. As frações α-caseína,
β-caseína, α-lactoalbumina e
β-lactoglobulina presentes no leite
foram separadas com alta resolução e quantificadas com boa
reprodutibilidade entre os chips e
desvio padrão aceitável (~ 10%).
Tabela 1 - Determinação e quantificação das frações protéicas
(α-la, β-lg, α-cas, β-cas) presentes na amostra de leite ultracentrifugado
Frações
Padrão
Amostra
Peso
Molecular
(kDa)
Tempo
(s)
Porcentagem
(%)
Peso
Molecular
(kDa)
Tempo
(s)
Porcentagem
(%)
1 α-la
12,2
22
81,4
10,0
22
6,9
2 β-lg
15,0
24
85,9
13,1
23
15,5
3 α-cas
29,3
29
80,9
25,7
27
22,8
4 β-cas
39,9
32
66,9
30,0
29
27,4
CONCLUSÃO
Os resultados mostraram que
a metodologia lab-on-a-chip é uma
opção viável para a separação e
quantificação das principais frações
proteicas do leite, porque apresenta
alta resolução e boa reprodutibilidade. Outras vantagens encontradas foram a rapidez, a utilização
de quantidades mínimas (μL) de
amostra e dos reagentes, e o limite
de detecção em ng/μL.
REFERÊNCIAS
ANDREWS, A. T., TAYLOR, M. D.,
OWEN, A. J. Proteinases in normal
bovine milk proteins by fast protein
liquid chromatography. Journal of
Chromatography, vol. 348, 177185p. 1983.
ANEMA, S. G. The use of lab-on-a-chip microfluid SDS electrophoresis technology for the separation
and quantification of milk proteins.
International Dairy Journal. vol. 19.
198-204p. 2009.
BOBE, G., BeEITZ, D.C., FREEMAN, A. E., LINDBERG, G. L. Sample
preparation affects separation of
whey proteins by reverse-phase
high-performance liquid chromatography. Journal of Agriculture and
Food Chemistry. vol. 46. 458-463p.
1998.
COSTA, F. F.; RESENDE. J. V.;
ABREU, L. R.; GOFF, H. D. Effect of
calcium chloride adittion on ice cream structure and quality. Journal of
Dairy Science, Champaign, v.91, n.6,
p.2165-2174, June 2008.
CREAMER, L. K. Electrophoresis
of cheese. International Dairy Federation, IDF Bulletin vol. 261, 14-28p.
1991.
WU, D., Qin, J., Lin, B. Electrophoresis separations on microfluidic
chips. Journal of Chromatography A
1184, 542-559p. 2008.
125
fazer melhor
RELEVÂNCIA DE TEMAS RELACIONADOS À
QUALIDADE DO LEITE PARA AS INDÚSTRIAS
DE LATICÍNIOS BRASILEIRAS
Letícia C. Mendonça, Maria Aparecida V. P. Brito, Carla C. Lange
INTRODUÇÃO
No Brasil, o tema “Qualidade do Leite” vem sendo
frequentemente debatido nos últimos dez anos, devido,
principalmente, à implantação da Instrução Normativa
n° 51, de 18 de setembro de 2002 (IN 51), do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 2002).
A IN 51 está em vigor no País desde julho de 2002 e estabelece os requerimentos técnicos para o leite cru.
Compete ao produtor de leite vender à indústria de
laticínios uma matéria-prima de excelente qualidade
bem como compete à indústria de laticínios beneficiar o
leite e vender ao consumidor um produto lácteo seguro,
nutritivo e saboroso. Para que este processo seja eficaz,
os estudos relacionados à melhoria da qualidade do
leite devem ser contínuos. Nesse sentido, é importante
conhecer a demanda em pesquisas relacionadas ao
tema. Segundo Brandão (2006), qualidade é o fator de
decisão básico mais importante para a garantia consistente da confiança dos clientes nos produtos de uma determinada marca. Por isso, conhecer o que as indústrias
de laticínios necessitam para obter e processar leite e
derivados de alta qualidade é condição essencial para o
crescimento da atividade leiteira e laticinista do País.
Com o objetivo de conhecer tais necessidades, foram
enviados questionários a 132 indústrias de laticínios das
regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste do País, através de
Tabela 1 – Porcentagem de indústrias que consideraram os itens citados como de maior importância
Itens considerados de maior importância
126
Itens avaliados com nota 3 pelas indústrias (%)
Pagam por qualidade
Não pagam por qualidade
Alta contagem de células somáticas (CCS)
100,0
83,3
Alta contagem bacteriana (CTB)
100,0
100,0
Baixo teor de sólidos totais
75,0
16,7
Baixo teor de proteína
87,5
16,7
Baixo teor de gordura
50,0
16,7
Leite ácido
37,5
83,3
Leite positivo no teste do alizarol (teste do álcool)
62,5
83,3
Resíduos de antimicrobianos e outros produtos químicos
100,0
66,7
Fraude no leite
87,5
83,3
Falta de adoção de procedimentos adequados na ordenha
87,5
100,0
Falta de manutenção de equipamentos de ordenha
75,0
83,3
Uso de vasilhame em condições inadequadas de higiene
62,5
83,3
Infraestrutura deficiente de frio nas propriedades
75,0
66,7
Falta de compromisso do produtor
75,0
100,0
Falta de informação do produtor
62,5
33,3
Reduzida vida de prateleira dos produtos
87,5
50,0
Problemas de processamento dos lácteos
87,5
16,7
Ausência de programa de bonificação pela qualidade
75,0
50,0
Infraestrutura de estradas deficiente
100,0
33,3
Infraestrutura de energia elétrica deficiente
87,5
33,3
Inadequação das normas governamentais
25,0
50,0
Inadequação de material educativo
12,5
33,3
Inadequação das políticas públicas para os produtores
37,5
50,0
Falta de pesquisas de como aumentar os sólidos no leite
50,0
33,3
Falta de pesquisas de como diminuir a CCS e CBT
37,5
33,3
Custo das análises da qualidade do leite
75,0
33,3
e-mail e pelo correio. Buscou-se conhecer as demandas
das indústrias sobre diversos temas relacionados à qualidade do leite e também quais os itens considerados
importantes, dentre uma lista de aspectos relevantes à
obtenção de leite de alto padrão de qualidade, de maneira que as ações de pesquisa fossem direcionadas ao
atendimento dessas necessidades. As respostas foram
recebidas entre os meses de abril e junho de 2009.
As perguntas do questionário trataram dos principais problemas relacionados à produção de leite com
qualidade. Foi solicitado notas de 0 a 3 para cada item,
sendo a nota 0 para o item de menor importância e
a nota 3 para o item de maior importância. Os dados
foram analisados de forma descritiva.
RESULTADOS
Das 132 indústrias contactadas apenas 15 indústrias
responderam, o que corresponde a 11,4% do total. Destas
15 indústrias, oito (57, 1%) adotam programas de pagamento do leite pela qualidade, que incluem bonificação
para contagem de células somáticas (CCS), contagem
total de bactérias (CTB), teores de proteína, gordura e
sólidos totais. Os resultados são mostrados na Tabela 1,
de acordo com a importância dada a cada item.
Todas as indústrias consideraram o item “alta CTB”
de maior importância, recebendo nota 3 de todas elas.
Os itens “falta de adoção de procedimentos adequados
na ordenha” e “alta CCS” receberam nota 3 de 92,9% das
indústrias, seguidos de “fraude no leite”, “resíduos de antimicrobianos”, “resíduos de outros produtos químicos”
e “falta de compromisso do produtor quanto à produção
de leite com qualidade”, que receberam nota 3 de 85,7%
das indústrias.
Os itens relacionados ao rendimento e processamento dos produtos lácteos, como “baixo teor de sólidos
totais”, “baixo teor de proteína”, “baixo teor de gordura”,
“reduzida vida de prateleira” e “problemas no processamento” foram considerados de maior importância pela
maioria das indústrias que pagam pela qualidade. As
indústrias que não pagam pela qualidade do leite deram
maior importância aos itens relacionados às práticas
ligadas ao produtor de leite, como “leite ácido”, “leite
positivo ao teste do alizarol”, “uso de vasilhames em
condições inadequadas de higiene” e “falta de compromisso do produtor”.
Os itens relativos à infraestrurura, como “infraestrutura de estradas deficiente” e “infraestrutura de energia
elétrica deficiente” foram considerados de grande importância pela maioria das indústrias que pagam pela
qualidade, mas pela minoria das que não pagam. As
más condições das estradas e abastecimento de energia
elétrica têm relação direta com a refrigeração adequada
e tempo de permanência do leite na propriedade, até a
coleta pelo veículo transportador. Sabe-se que o leite,
como um produto perecível, pode ser armazenado no
prazo máximo de 48 horas, se mantido em temperatura
de 2 a 4°C. Caso contrário, o crescimento e a multiplicação de bactérias podem comprometer a qualidade desta
matéria-prima (Pinto et al., 2006).
Quanto ao item “falta de pesquisas de como diminuir
a CCS e a CBT”, menos de 50% das Indústrias (Indústrias
que pagam pela qualidade – 37,5%; Indústrias que não
pagam pela qualidade – 33%) acham que são poucos
os estudos direcionados para o controle de CCS e CBT.
No entanto, se as pesquisas estão disponíveis, mas os
resultados de CCS e CBT publicados pela RBQL ainda
apontam valores acima do recomendado pela IN 51,
é preciso intensificar os trabalhos de transferência de
tecnologia e valorizar os programas de pagamento de
qualidade, como alternativas para aumentar a eficiência
de aplicação das técnicas direcionadas para melhoria da
qualidade do leite, medida por meio da CCS e CBT.
Considerando as diferenças de resultados das avaliações, quando comparadas as indústrias que pagam por
qualidade com aquelas que não executam esta prática,
pode-se concluir que os programas de pagamento por
qualidade estão se constituindo em um importante fator de valorização das relações de transação entre produtor e indústria, em prol da melhoria da qualidade do
leite, da renda das propriedades e do bem estar social.
AGRADECIMENTOS
Às indústrias de laticínios que se dispuseram a colaborar com a pesquisa e responderam prontamente ao
questionário.
LITERATURA CONSULTADA
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n° 51, de 18 de setembro
de 2002. Regulamento Técnico de Produção, Identidade e
Qualidade do Leite Tipo A, do Leite Tipo B, do Leite Tipo
C, do Leite Pasteurizado e do Leite Cru Refrigerado e o
Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado
e seu transporte a Granel. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 set. 2002. Secção 3. Disponível em: <http://
www.agricultura.gov.br/ das/dipoa/in51.htm>. Acesso
em: 10 mar. 2009.
BRANDÃO, S. C. C. Fundamentos da busca pela qualidade na indústria. In: Perspectivas e avanços da qualidade do leite no Brasil. Goiânia: Talento, 2006. p. 291-312.
PINTO, C. L. O.; MARTINS, M. L.; VANETTI, M. C. D.
Qualidade microbiológica de leite cru refrigerado e isolamento de bactérias psicrotróficas proteolíticas. Ciência e
Tecnologia de Alimentos, Campinas, v.26, n.3, 2006.
127
fazer melhor
Gestão da Inovação e
a Cadeia do Leite
José Alberto Bastos Portugal1, Cláudio Furtado Soares2,
Aziz Galvão da Silva Júnior2, Ronaldo Perez2
Embrapa Gado de Leite - Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Juiz de Fora – MG – CEP 36038-330. [email protected]
2
Universidade Federal de Viçosa – Viçosa - MG
1
1. Contextualização
Inovação, definida por Schumpeter (1883 – 1950)
como “a criação de novas combinações”, está relacionada com novos produtos, novas tecnologias para aplicações imediatas, nova aplicação para uma tecnologia já
instituída, o desenvolvimento ou a abertura de novos
mercados, ou a introdução de novas formas de organização e estratégias que promovam melhores desempenhos da economia, revertidos em benefícios para a
sociedade (OMTA, 2002).
A capacidade de gerar e absorver inovação se estabelece como elemento central para um novo modelo
de desenvolvimento econômico e social, que tem como
pontos-chave a produção, disseminação, absorção e
recombinação de conhecimentos, essenciais para que
um agente econômico possa ser competitivo frente às
rápidas mudanças nos mercados, nas tecnologias e
nas formas organizacionais - princípios da “Economia
baseada no Conhecimento”. (OECD, 1996; LEMOS, 1999;
FERRÃO, 2002).
Na Economia do Conhecimento, inovação e tecnologia da informação e comunicação (Information and
Communication Technology – ICT) têm impacto positivo
na estrutura econômica, com reflexo no aumento da
produtividade, se constituem em importantes ferramentas de desenvolvimento social – “Sociedade da Informação”. Para tanto, exigem uma maior compreensão
sobre o papel das redes de conhecimento e dos Sistemas
Nacionais de Inovação (OECD, 1996; LEMOS, 1999; OECD,
2005a,b; IDB, 2010a).
As economias avançadas dispõem de um marco institucional definido para as políticas de inovação, permitindo
que os diferentes sistemas suportem crises econômicas,
políticas ou mesmo, alternâncias de Governo (BID, 2010).
Na União Europeia, as Plataformas Tecnológicas
estão direcionadas para áreas estratégicas, buscando o
aumento da competitividade, do crescimento econômico e do bem-estar da sociedade. São ações planejadas,
com investimento voltado para pesquisa e inovação,
visando progresso tecnológico, numa perspectiva de médio e longo prazos (CIAA, 2005).
Alcançar esse nível de organização na América Latina ainda requer significativos investimentos na estrutura organizacional do sistema nacional de inovação e
em mecanismos para diminuir as desigualdades sociais,
que têm exigido um esforço extra para integrar as políticas de inovação e de desenvolvimento tecnológico com
as políticas sociais, exigindo a inclusão de temas básicos, como índice de pobreza, educação e saúde pública,
nas pautas de trabalho (BID, 2010).
128
2. Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil
Nos últimos dez anos, o “descontrole inflacionário, a vulnerabilidade externa e o desequilíbrio fiscal-financeiro”, deram lugar à estabilidade econômica,
resultante de um conjunto de fatores, como “a elevação
do País à categoria de investidor, o cumprimento das
metas de inflação, a obtenção de superávits comerciais,
a acumulação de divisas, a redução dos indicadores de
endividamento público e a melhoria da distribuição de
renda”. Essas condições são essenciais para se atingir
um crescimento sustentável, com o planejamento de
ações de longo prazo (MIDC, 2010).
Possivelmente isso seja fruto da cultura de uma
política de desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e
Inovação (C,T&I) iniciada na década de 1950 e, que vem
sendo edificada ao longo desses anos, contribuindo para
que o País amplie a sua visão de P,D&I, rumo à consolidação de um Sistema Nacional de Inovação (SNI).
De fato, tem sido construída no Brasil uma estrutura
industrial complexa e diversificada, importante para o
desenvolvimento econômico. Entretanto, as empresas
ainda não foram capazes de aproveitar de forma efetiva
o conhecimento científico (profissionais altamente
qualificados e uma base acadêmica sólida) e os financiamentos públicos disponíveis para investir em inovação tecnológica, como uma ação estratégica importante
para aumentar a competitividade no cenário internacional (MCT, 2007; PACHECO, 2007).
Os investimentos pelas empresas brasileiras em P&D
são pequenos, absorvendo menos pesquisadores, quando
comparados com os de empresas correlatas situadas em
países mais avançados. Nessa mesma linha de pensamento, a concessão de patentes por organismos nacionais e internacionais às inovações e tecnologias geradas
no Brasil está crescendo, mas ainda aquém dos índices já
observados em outros países em emergência (MCT, 2007).
O relatório Global Innovation Index 2011 – INSEAD
(DUTTA, 2011), descreve um ranking de inovação para
125 países. Os dados de julho de 2011 apontam que o
Brasil avançou da 68º lugar (2010) para 47º lugar (2011)
no índice global de inovação. Analisando alguns dos fatores que compõem o índice global de inovação, verifica-se que o país ainda precisa melhorar em pontos estratégicos, como Educação Superior e criação de Ambiente
de Negócios para inovação, como apresentado a seguir:
l Produção de Inovação: 68º.
l Ambiente para Inovação (Politico, Regulatório e
Negócios): 87º; Ambiente para Negócios -118º.
l Pesquisa e Capital Humano (Educação, Ensino Superior e P&D): 76º; Ensino Superior – 95º e P&D – 51º.
l Infraestrutura (ICT, energia, geral): 45º; Setores de
Tecnologia da Informação e Comunicação (ICT) – 53º.
l Produção científica: 58º; Impacto do conhecimento
- 64º e Produção e Difusão do conhecimento - 45º.
No caso das agroindústrias, o crescimento pela inovação exigirá uma revisão das estratégias competitivas,
para explorar, além da economia de escala, a economia
do conhecimento. Será necessário realizar uma avaliação cuidadosa e detalhada dos riscos, benefícios e
custos envolvidos num processo dessa natureza, com
perspectivas de espaço e tempo de crescimento de curto, médio e longo prazo, agregando valores efetivos às
potencialidades regionais e locais e, não, ser considerado como um ato de imediatismo ou de receio à mudança – quebra de paradigmas (STADUTO et al., 2004; SILVA;
MONTE-MÓR, 2006).
Para a agroindústria do leite, Carvalho et al. (2003) já
afirmavam que, dada a importância que esse setor tem
para a economia, é preciso investir em pesquisas pela
inovação, como alternativa para a solução de problemas e melhoria para todos os elos da cadeia produtiva.
Nisso está o crescente valor e impacto do conhecimento
na atividade econômica, aumentando o interesse nos
“ativos intangíveis” das organizações.
SWOT foi associada o Processo de Análise Hierárquica
(AHP), um método matemático de Análise de Decisão
Multicritério.
Pelos princípios do método AHP foram realizadas
as comparações entre os elementos de um mesmo
nível e entre níveis da matriz SWOT, utilizando o
software ExpertChoice®. A hierarquização e a priorização dos fatores foram sistematizadas a partir de
entrevistas com representantes de Instituições de
Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I), Empresas, Governo e Produção, ligados à cadeia do leite. Os
julgamentos foram realizados par a par, sendo comparados os fatores dentro de um mesmo quadrante
e, ao final, entre quadrantes e, a hierarquização foi
3. Diretrizes para um modelo de Gestão da Inovação aplicada à Cadeia do Leite
3.1 Objetivo
O objetivo deste trabalho foi apresentar diretrizes
para a construção de um modelo de gestão da inovação
para a cadeia do leite, como ferramenta estratégica para
planejamento de ações visando ao aumento da eficiência e da competitividade desse segmento agroindustrial,
entendendo que conhecimento, inovação e tecnologia
são os fatores diferenciais para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social.
3.2 Metodologia
A metodologia do trabalho foi dividida em duas
etapas, a Pesquisa Descritiva, que apresenta o cenário
de Ciência, Tecnologia e Inovação do agronegócio do
leite no Brasil e no Estado de Minas Gerais e, na segunda
etapa, o levantamento dos fatores de impacto no processo de consolidação de um sistema de inovação para
a cadeia do leite, de ordem econômica, organizacional,
tecnológica, de políticas públicas e sócio-culturais, agrupados como pontos fortes, pontos fracos, oportunidades
e ameaças, constituindo uma matriz SWOT. À análise
129
fazer melhor
estabelecida a partir dos pesos atribuídos aos fatores
(HOUBEN et al., 1999; FORMAN; SELLY, 2001; SHRESTHA et al., 2004; CHANG; HUANG, 2006; TONINI et al.,
2007; WOLFF, 2008).
Foi gerada uma estrutura do modelo de decisão
dentro do sistema ExpertChoice® (Figura 1) e o conjunto
de respostas (priorizações) foi organizado em tabelas de
dados. As discussões finais foram baseadas nos escores
das prioridades por grupo de fatores.
3.3 Resultados
Na Tabela 1 estão dispostas as comparações dos
fatores por ambiente operacional e pela combinação
total. As medidas de inconsistência das relações por
Stakeholder variaram de 0,04 e 0,06 e para a combinação
total dos fatores, a inconsistência global foi de 0,01,
atendendo ao preconizado pelo método AHP (Taxa de
Consistência ≤ 0,1) (SAATY, 2004).
A hierarquização dos fatores combinados, priorizados em função do objetivo “selecionar as melhores
diretrizes para compor o modelo de gestão da inovação
na cadeia do leite” está descrita na Figura 2.
Na análise dos dados, a “qualificação técnica e científica dos pesquisadores” (Prioridade combinada, L: 0,381)
é um fator essencial na promoção da inovação, apesar
do segmento “Empresas” entender que o ponto forte para
inovação está no “Mercado consumidor” (L: 0,388). Na área
de abrangência do Polo do Leite são 44 pesquisadores e 29
Figura 1 – Estrutura do modelo de decisão para seleção das melhores diretrizes para o modelo de gestão da
inovação.
130
Tabela 1 – Escores de prioridade dos fatores e da prioridade total da análise SWOT-AHP.
Prioridade dos Fatores (Por Stakeholder)
Instituições
de P,D&I
Empresas
Governo
Produção
Prioridade
dos Fatores
(Combinado)
Strengths - S
0,275
0,163
0,337
0,238
0,245
S1 – Qualificação técnica e científica dos pesquisadores
0,374
0,277
0,447
0,325
0,381
SWOT/ Grupos
S2 - Infraestrutura física para P,D&I
0,135
0,110
0,096
0,070
0,110
S3 - Políticas de Governo para C,T&I
0,252
0,098
0,226
0,129
0,154
S4 - Políticas de investimento em P,D&I
0,143
0,126
0,110
0,159
0,142
S5 - Mercado consumidor
0,096
0,388
0,121
0,317
0,213
Weaknesses - W
0,220
0,347
0,299
0,296
0,292
W1 - Articulação dos agentes de P,D&I
0,177
0,048
0,062
0,072
0,084
W2 - Coordenação da cadeia do leite
0,353
0,100
0,152
0,097
0,155
W3 - Capacidade das empresas para inovar e/ou absorver
tecnologia transferida
0,158
0,269
0,285
0,348
0,264
W4 - Infraestrutura física das empresas para inovação
0,106
0,200
0,098
0,126
0,137
W5 - Políticas de investimento em inovação pelas empresas
0,206
0,383
0,403
0,357
0,360
Opportunities - O
0,192
0,257
0,218
0,257
0,246
O1 - Alcance de novos mercados
0,404
0,353
0,593
0,088
0,357
O2 - Melhoria da qualidade de vida e do bem estar social
0,194
0,237
0,098
0,312
0,212
O3 - Agregação de empresas, como vantagem competitiva
0,298
0,157
0,166
0,086
0,193
O4 - Desenvolvimento sustentável: econômico, social e
ambiental
0,103
0,254
0,143
0,515
0,238
Threats - T
0,313
0,234
0,106
0,209
0,217
T1 - Barreiras de entrada: tarifárias e não-tarifárias
0,230
0,119
0,194
0,176
0,193
T2 - Poder de competitividade das empresas das economias
avançadas
0,434
0,337
0,065
0,217
0,237
T3 - Legislação tributária, trabalhista e ambiental
0,337
0,544
0,741
0,606
0,570
Nota: Em negrito, os escores por quadrante da matriz SWOT; em vermelho, o escore do fator preponderante, por Stakeholder; em azul, o maior
escore da combinação de fatores.
Figura 2 – Organização dos fatores em ordem de prioridade, aplicando o comando “Síntese dos resultados” do ExpertChoice®
131
fazer melhor
tecnologias concentrados nas universidades e centros de
pesquisa, com projetos direcionados para a cadeia do leite
(POLO DE EXCELÊNCIA DE LEITE E DERIVADOS, 2009).
Entretanto, os estudos de Penido (2010) indicam
uma baixa cooperação tecnológica entre os agentes de
P,D&I, mas, ainda assim, este não é o principal ponto
fraco para a inovação na cadeia do leite. Os resultados
mostram que a falta de “Políticas de investimentos de
inovação pelas empresas” (Prioridade combinada, L: 360)
é o fator preponderante que se destaca neste processo.
O desafio está em encontrar mecanismos para
incrementar a inovação nas empresas, aproveitando
o potencial de capital intangível e tangível disponível.
Esta afirmativa está de acordo com as considerações dos
relatórios do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(IDB, 2010 a,b).
Associado à necessidade das empresas inovarem,
está a baixa “Coordenação da cadeia do leite”, considerando também um limitador à inovação, conforme registrado pelos representantes das Instituições de P,D&I
(L: 353). Portanto, melhorar o arranjo institucional, como
preconizado por RICYT (2009), também será crucial para
avanços em direção à consolidação de um modelo de
gestão da inovação.
Considerando a incorporação da cultura para inovação no ambiente interno da cadeia do leite, diferentes
tendências e expectativas poderão ser pensadas pelas
empresas para alcançar novas oportunidades no ambiente externo.
Dentre estas oportunidades, a que mais se destaca
é o “Alcance de novos mercados” (Prioridades combinada, L: 357). Esta tendência é comum na percepção das
Instituições de P,D&I (L: 0,404), das Empresas (L: 0,353) e
do Governo (L: 0,593).
Por sua vez, os representantes do segmento da Produção (L: 0,515) entendem que um sistema de inovação
poderá trazer como importante oportunidade o “Desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental”, corroborando com as expectativas apontadas pela
Embrapa (2002) e se estabelece como uma tendência,
quando se entende a inovação como um fator de promoção do crescimento e desenvolvimento econômico e
do bem-estar da sociedade (IDB, 2010a).
Paralelamente às oportunidades, são percebidas
ameaças que podem comprometer o avanço do processo de inovação na cadeia do leite. A principal ameaça é
originada no ambiente Brasil e se refere às questões de
“Legislação tributária, trabalhista e ambiental” (Prioridade combinada, L: 0,570). Esta percepção é compartilhada
pelos setores que interagem mais diretamente com esta
questão, que são as Empresas (L: 0,544), Governo (L:
0,741) e Produção (L: 0,606).
A adequação da agroindústria às exigências da legislação vigente, por meio de um novo modelo de gestão,
poderá se reverter em uma vantagem competitiva para
o agronegócio do leite. PIAU (2010) propõe, por exemplo,
“harmonizar os sistemas de produção com os sistemas
de preservação. Rezende & Kreter (2008) discutem os
impactos das relações de trabalho com os custos de
transação e Silva et al. (2005) apontam a integração do
planejamento tributário ao planejamento estratégico
das empresas, para atender às exigências da legislação
tributária.
Percebe-se, de fato, uma nítida relação de interde-
132
pendência dos fatores, onde valorizar um ponto forte
pode significar reverter um ponto fraco em uma potencialidade ou eliminar uma ameaça, ampliando, assim, o
leque de oportunidades que se vislumbra com a consolidação de um sistema de inovação, onde a melhoria da
qualidade de vida e do bem estar social e o desenvolvimento sustentável passam a ser meta fim.
4. Conclusões
Podemos concluir, ao final deste trabalho, que a análise SWOT e o método AHP, aplicados na ordenação e
hierarquização dos fatores críticos, foram fundamentais
no processo de organização dos pontos fortes, pontos
fracos, oportunidades e ameaças, ranqueando-os conforme a expectativa de impacto sobre o desenvolvimento e a competitividade do setor, tendo a inovação como
ponto de referência.
Conhecidos os fatores críticos, priorizadas as diretrizes e dirimidos os pontos fracos e ameaças é possível
conquistar novas oportunidades e valorizar e ampliar os
pontos fortes.
Essa ação foi decisiva para a consolidação das diretrizes que irão compor o Modelo de Gestão da Inovação.
As Diretrizes são:
l incentivar a cooperação tecnológica entre as instituições de P,D&I;
l definir mecanismos de integração e organização
da cadeia do leite;
l promover programas de capacitação tecnológica
para todos os segmentos da cadeia do leite;
l fortalecer os programas de apoio à inovação para
as empresas;
l redefinir estratégias para posicionar a cadeia do
leite frente às barreiras de entrada;
l incrementar os processos de transferência de
tecnologia, buscando a maximização do uso das tecnologias incorporadas;
l ajustar a legislação tributária, trabalhista e ambiental à realidade do complexo agroindustrial.
Pelas diretrizes apresentadas, podemos perceber a
importância da interação e comprometimento de todos
os atores e agentes do processo de inovação, como profissionais, empresários, Instituições de P,D&I, agências
de apoio, fomento e de financiamento, associações de
classe e organizações empresariais, no intuito de sensibilizar os tomadores de decisões para a importância da
implementação e equacionamento das mesmas.
Dessa forma, um Modelo de Gestão da Inovação
passa a ser uma ferramenta-chave para a constituição
do Sistema de Inovação da Cadeia do Leite e a inovação,
aplicada nas suas diferentes formas (de produtos, de
processos, organizacional, marketing), é o ponto-chave
para um planejamento estratégico de longo prazo.
O Brasil já está caminhando nesse sentido. O País
dispõe de políticas e programas de Governo direcionados para a inovação, além de um aparato científico e
de infraestrutura para P,D&I bem definidos, mas ainda
falta fortalecer a cultura da inovação.
As empresas nacionais precisam repensar os seus
modelos de gestão, procurando conciliar a experiência
incorporada na empresa com esse potencial disponível
no Brasil, transformando o conhecimento científico e
tecnológico gerado nas instituições de P,D&I, em inova-
ção nos produtos, processos e sistemas de gestão, revertendo esses benefícios em uma vantagem competitiva.
Assim, o Modelo de Gestão da Inovação aplicado à Cadeia do Leite será uma referência na promoção do desenvolvimento econômico e social do agronegócio brasileiro.
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AGRADECIMENTOS
Aos Professores Gerhard Schiefer (UniBonn/Alemanha), Carlos Arthur Barbosa da Silva (FAO/Itália) e Decio
Zylbersztajn (PENSA/USP), pela oportunidade ímpar de
poder compartilhar conhecimento e experiência, para
confirmar os rumos do projeto.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (FAPEMIG), pelo financiamento do Projeto
Fapemig 12.028/09 (Convênio Sectes-MG).
INFORMAÇÃO
Este artigo é parte integrante da Tese de Doutorado do
primeiro autor, desenvolvida no Departamento de Ciência e
Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa.
133
fazer melhor
DESENVOLVIMENTO DE QUEIJO FRESCAL DE LEITE DE
CABRA: PARÂMETROS SENSORIAIS E PERFIL DE TEXTURA
P. Mattanna1, S. V. da Silva1, Luiz G. de Pellegrini1, J. M. Frighetto1,
D. B. Cassanego1, A. P. Gusso1 e N. S. P. S. Richards1
Universidade Federal De Santa Maria - Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos.
Avenida Roraima (1000), Santa Maria, Rio Grande do sul, Brasil. E-mail: [email protected]
1
Resumo: O objetivo deste trabalho foi desenvolver formulações de queijo frescal com diferentes concentrações de
leite caprino e analisá-los quanto aos parâmetros sensoriais e
quanto ao perfil de textura. Foram elaboradas cinco formulações de queijo frescal, sendo: F100 (100% de leite caprino), F75
(75 % leite caprino e 25 % leite bovino), F50 (50% leite caprino
e 50% leite bovino), F25 (25% leite caprino e 75% leite bovino)
e F0 (100% leite bovino). A análise sensorial compreendeu os
testes afetivos de aceitação e de preferência por ordenação.
O perfil de textura incluiu a análise dos parâmetros firmeza,
coesividade, elasticidade e adesividade. Na análise do teste de
preferência, as formulações com 75% e 50% de leite de cabra
apresentaram preferência estatística em relação à formulação
com 25% de leite de cabra. Quanto à análise de aceitação, os
queijos produzidos com leite de cabra foram bem aceitos pelos
painelistas. A formulação F100 não diferiu estatisticamente
das demais nos parâmetros aroma e sabor, demonstrando a
aceitação do queijo frescal produzido com leite de cabra. Na
análise do perfil de textura as formulações produzidas com
leite caprino obtiveram valores estatisticamente menores no
parâmetro firmeza. De acordo com os resultados obtidos, é
possível constatar que o leite de cabra pode ser utilizado como
matéria-prima para a produção de queijo frescal, apresentando características sensoriais e tecnológicas satisfatórias para o
consumidor.
Palavras-chave: leite caprino, queijo frescal, sensorial,
perfil de textura.
134
INTRODUÇÃO
A elaboração de queijos constitui-se em uma das
mais importantes atividades da indústria de laticínios,
sobretudo no Brasil, destacando-se a produção de queijo
“minas frescal”, pois tal produto apresenta um maior
rendimento, bem como possui um processamento simples e rápido.
Segundo a Portaria n° 352 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 1997), o queijo
Minas Frescal é um queijo fresco obtido por coagulação
enzimática do leite com coalho e/ou outras enzimas
coagulantes apropriadas, complementada ou não com
ação de bactérias lácticas específicas. É classificado
como queijo semi-gordo (25 a 44% de gordura no extrato
seco), de muito alta umidade (não inferior a 55%) a ser
consumido fresco, de consistência branda e macia, com
ou sem olhaduras mecânicas, de cor esbranquiçada, de
sabor suave a levemente ácido, sem ou com crosta fina,
de forma cilíndrica e com peso de 0,3 a 5,0 Kg (BRASIL,
2004).
É um queijo para o consumo imediato e de curta durabilidade no mercado devido ao alto teor de umidade e
baixo teor de sal. É consumido por todas as camadas da
população ao longo de todo o ano, em lanches, café da
manhã ou sobremesas (FURTADO, 1999).
O queijo Minas Frescal está entre os de maior consumo no Brasil e constitui uma das mais importantes
atividades das indústrias de laticínios, devido ao alto
rendimento e ausência de período de maturação, o que
possibilita um retorno rápido de investimento e, consequentemente, custos menores ao consumidor (OLIVEIRA et al., 1998).
Sua vida de prateleira é limitada (até 20 dias) e
fortemente influenciada não só pela composição físico
química (umidade, sobretudo), como também pelas
condições de transporte, sua apresentação no mercado
(gôndolas ou balcões frigoríficos) e, sobremaneira, pela
temperatura em que é mantido enquanto é comercializado (RIBEIRO et al., 2009; FURTADO, 2005).
Tem-se observado um aumento da procura e consumo de leite caprino e seus derivados (principalmente
queijos), tanto pelas suas características nutricionais
como pela sua excelente digestibilidade, resultando
em alimentos de excepcional valor biológico (JENNESS,
1980).
Segundo Picoli et al. (2006), o consumo de leite caprino e de seus derivados está relacionado à possibilidade
de ser administrado a indivíduos com intolerância ao leite bovino. A crescente demanda do mercado de produtos
de origem caprina sustenta a possibilidade da produção
e industrialização desse leite e se projeta como um nicho
essencial dentro do setor da indústria láctea internacional e nacional (RODRIGUEZ et al., 2008).
A exemplo do que ocorre com o leite de vaca, a
composição físico química do leite de cabra varia em
função de múltiplos fatores, entre os quais destacam-se
a raça, o período de lactação, a estação do ano, a idade
do animal, a quantidade de leite produzida e a fisiologia
do animal (FURTADO & WOLFSCHOON-POMBO, 1978;
GUIMARÃES, 1989).
Os alimentos lácteos caprinos são uma alternativa
interessante do ponto de vista nutricional, tendo em
vista a elevada digestibilidade (CORREIA et al., 2008). A
melhor digestibilidade do leite caprino é característica
de dois fatores relacionados à sua fração lipídica, sendo
estes, o tamanho reduzido dos glóbulos de gordura e a
composição em ácidos graxos de cadeia curta e média
(MCCULLOUGH, 2003). O menor tamanho do glóbulo de
gordura proporciona uma emulsão mais fina e uniforme, permitindo assim uma degradação mais rápida
pelas lipases do intestino.
A gordura do leite caprino é um dos componentes mais variáveis, podendo aumentar sem alterar a
produção. Os ácidos graxos de cadeia curta e média são
responsáveis pelo sabor e aroma peculiar do leite de
cabra e seus derivados (PARK et al., 2007).
Do ponto de vista da fabricação de queijos, o leite
de cabra quando comparado ao leite bovino, apresenta
algumas características especiais, destacando-se por
apresentar glóbulos de gordura menores, o que promove
um desnate natural mais lento e melhor absorção na
mucosa intestinal; não possuir β-caroteno, resultando
em uma coloração mais branca; conter duas vezes mais
ácidos graxos de cadeia curta, o que confere o pronunciado sabor e aroma aos queijos; em geral, possuir
menor teor de proteínas, sendo menor a quantidade de
caseína e maior teor de substâncias nitrogenadas não-proteicas; e, por fim, apresentar um teor ligeiramente
maior de cálcio (GOMES et al., 2004).
Diante do exposto, o presente trabalho teve como
objetivo o desenvolvimento de cinco formulações de
queijo frescal com diferentes concentrações de leite
caprino em sua formulação e a análise dos parâmetros
sensoriais e perfil de textura dos queijos produzidos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Amostras
Todas as análises foram realizadas nos laboratórios do Departamento de Tecnologia e Ciência dos
Alimentos (DTCA) do Centro de Ciências Rurais (CCR)
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Foram
elaboradas cinco formulações de queijo frescal, descritas na Tabela 1.
Tabela 1 – Matéria-prima utilizada para
as formulações de queijo
Formulações
F100
Matéria-prima (%)
Leite caprino
Leite bovino
100
0
F75
75
25
F50
50
50
F25
25
75
F0
0
100
Elaboração dos queijos frescais
Os leites utilizados como matéria-prima foram
pasteurizados a 63-65 ºC por 30 minutos em tachos
médios. Logo após a pasteurização resfriou-se os
leites até 35 ºC, temperatura considerada ideal para
adição de 0,08% (v/v) de coalho líquido (Ha-La®, Chr.
Hansen). Adicionou-se 0,04% (v/v) de solução de
cloreto de cálcio a 50% (CaCl 2). Esperou-se cerca de
40 minutos para a formação da coalhada. A partir
daí fez-se o corte da colhada e posterior dessoragem. Os queijos foram salgados na massa antes da
enformagem na concentração de 1% de cloreto de
sódio (NaCl). A metodologia descrita foi adaptada de
Furtado & Lourenço-Neto (1994). Os queijos foram
colocados em formas próprias para queijos frescais
e armazenados por 24 horas sob refrigeração a 4 ºC.
No dia seguinte os queijos foram acondicionados
a vácuo em embalagens plásticas de polietileno e
armazenados em refrigerador a 4 ºC até o momento
das análises.
Análises físicoquímicas e microbiológicas
A caracterização físicoquímica foi realizada entre 1-5
dias de armazenamento dos produtos, em triplicata. Foram determinados o teor de umidade, proteína, gordura,
acidez titulável e pH, seguindo a metodologia descrita
por Brasil (2006).
As análises microbiológicas foram realizadas de
acordo com os métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e água (BRASIL,
2003) e seguiram as recomendações do Regulamento
Técnico sobre os Padrões Microbiológicos para Ali-
135
fazer melhor
mentos (BRASIL, 2001) que estabelece limites para
coliformes a 45 ºC (NMP g-1), estafilococos coagulase
positiva (UFC g-1) e Salmonella sp. (pesquisa em 25 g)
para este produto. Os queijos foram analisados no
quinto dia após sua fabricação.
Análise sensorial
A análise sensorial dos queijos foi realizada no 7º
dia após a fabricação, levando em consideração o tempo necessário para o equilíbrio dos componentes bioquímicos que interferem no sabor do queijo. A análise
sensorial foi realizada em duas sessões sensoriais. Na
primeira sessão foi realizado o teste afetivo de aceitação através de escala hedônica de 7 níveis (1-desgostei
muitíssimo, 4-indiferente, 7-gostei muitíssimo) onde os
provadores avaliaram os parâmetros: aparência, sabor,
textura e aroma. Na segunda sessão sensorial foi realizado o teste afetivo de preferência por ordenação. Os
queijos foram servidos como amostras com códigos de
3 dígitos acompanhados de bolacha água e sal e água.
Participaram da análise sensorial 25 julgadores semi-treinados. As análises seguiram a metodologia proposta por Dutcosky (2007).
Perfil de textura
A análise instrumental do perfil de textura (TPA)
foi conduzida em texturômetro TA-XT.plus sendo os
dados coletados através do programa Texture Expert
Exponent (Stable Micro Systems Ltd., Surrey, England).
As determinações foram realizadas no 7° dia após a
fabricação dos queijos, em quadruplicata, sendo as
amostras de queijo cortadas em cubos de 2 cm3 e mantidas em temperatura ambiente por 20 minutos antes
do teste. Foi empregado o teste de dupla compressão,
a uma velocidade de 5 mm.s-1, distância de 10 mm,
utilizando probe de 36 mm de diâmetro. Foram analisados os atributos de firmeza, coesividade, elasticidade
e adesividade.
Análise estatística
Os resultados do teste de aceitação por escala hedônica e do perfil de textura foram analisados estatisticamente pela análise de variância e comparação das médias de pares de amostras pelo teste de Tukey ao nível
de significância de 5%, utilizando o aplicativo Sistema
para Análise e Separação de Médias em Experimentos
Agrícolas (SASM-Agri), versão 4 (ALTHAUS et al., 2001;
CANTERI et al., 2001). Os resultados do teste de preferência por ordenação foram analisados estatisticamente
pela diferença entre as somas de pares de amostras,
comparada ao valor estabelecido em tabela de Newell &
Mac Farlene (QUEIROZ & TREPTOW, 2006).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análises físicoquímicas e microbiológicas
A Tabela 2 apresenta os resultados das análises físicoquímicas dos queijos elaborados.
Com relação aos resultados das análises de umidade efetuadas neste estudo, observou-se que todas as
formulações não diferiram significativamente entre si.
Contudo, o menor teor para este parâmetro encontrou-se no queijo elaborado com 100% de leite de cabra. Os
queijos elaborados caracterizam-se como sendo queijos
com valor de umidade considerado alto conforme a
Portaria nº 146 que aprova os Regulamentos Técnicos
de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos (BRASIL, 1996). A porcentagem de gordura foi maior para os
queijos produzidos com 100% de leite caprino e 100%
de leite bovino, sendo que as formulações F25 e F50
também obtiveram resultados aproximados. Os queijos
são considerados magros pela legislação já que contem
porcentagem de gordura entre 10 e 24,9%.
O maior valor encontrado para a análise de proteína
foi no queijo elaborado com 100% de leite de cabra. Os
benefícios nutricionais do leite de cabra também são
bastante relatados em como auxiliar no tratamento de
pacientes alérgicos à proteína do leite bovino. Pandya
e Ghodke (2007) ressaltam que os derivados do leite
caprino são adequados como substitutos potenciais dos
produtos à base de leite bovino nas dietas de crianças
com alergias ao leite de vaca.
A acidez ou porcentagem de ácido láctico nos queijos não diferiu significativamente entre as formulações.
Todas mantiveram concentrações aceitáveis para a
caracterização de queijo de baixa acidez. Para a variável
pH, as formulações F50 e F0 não diferiram significativamente, e os queijos F100 e F75 tiveram médias iguais. O
tratamento F25 diferiu estatisticamente dos queijos F50
e F0, mas não dos F100 e F75. Contudo todas as formulações encontraram-se dentro dos padrões estabelecidos
pela legislação (BRASIL, 1996).
Em relação aos aspectos microbiológicos, todas
as formulações apresentaram ausência de Salmonella
sp. em 25 g. A contagem de estafilococos coagulase
positiva ficou menor que 1,0 log UFC g-1. As formulações F75 e F0 apresentaram 1,20 log NMP g-1 e 1,15 log
NMP g-1, respectivamente, na análise de coliformes a
45 oC. As demais formulações apresentaram resultados
satisfatórios (< 0,3 log NMP g-1). Segundo a Instrução
Normativa no 37 do Ministério da Agricultura Pecuária
e Abastecimento (MAPA), a qual regulamenta a produção, identidade e qualidade do leite de cabra, ainda
não foram estabelecidos os critérios microbiológicos
e tolerâncias para microrganismos das espécies de
Tabela 2 – Características físico-químicas de queijo de leite de cabra
a,b
136
Formulações
Umidade (%)
Gorduras (%)
Proteínas (%)
Ácido Láctico (%)
pH
F100
59,24 a
16,69 a
16,56 a
0,08 a
6,25 ab
F75
63,74 a
14,38 ab
12,97 b
0,06 a
6,25 ab
F50
64,53 a
12,30 b
13,36 b
0,06 a
6,29 a
F25
64,12
12,91
13,35
0,08
a
6,22 b
F0
61,17 a
0,06 a
6,28 a
a
b
16,39 a
b
12,91 b
Médias seguidas de letras minúsculas diferentes na mesma coluna diferem estatisticamente pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância.
Figura 1 – Resultados do teste de aceitação das formulações de queijos frescais analisadas.
a,b
Médias seguidas de letras minúsculas diferentes diferem estatisticamente pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância.
Staphylococcus (BRASIL, 2000). As análises microbiológicas comprovam que o processo de obtenção dos leites
e seus respectivos beneficiamentos foram adequados
seguindo as medidas de higiene estabelecidas pela
legislação e o controle do binômio tempo/temperatura utilizados na fabricação resultaram em contagem
microbianas satisfatórias.
ções entre as formulações, não apresentaram diferença
significativa.
Análise sensorial
Os resultados do teste de aceitação são apresentados
na Figura 1. É possível observar que os queijos produzidos com leite caprino (F100, F75, F50 E F25) foram bem
aceitos pelos painelistas, não diferindo estatisticamente
da formulação produzida com leite bovino (F0) nos parâmetros aroma e sabor, demonstrando a aceitação do
queijo frescal produzido com leite de cabra.
O aroma de produtos oriundos de leite de cabra são
característicos devido à presença de diversos compostos, principalmente ácidos graxos livres tais como ácido
4-metiloctanóico e ácido 4-etiloctanóico (MORGAN &
GABORIT, 2001). Porém, quando o leite é processado,
estas características são menos evidentes, o que pode
ser observado no teste de aceitação, pois as formulações
foram classificadas pelos painelistas pela escala adotada como “gostei” e “gostei muito”.
No teste de ordenação, as formulações com 75% e
50% de leite de cabra apresentaram preferência estatística em relação à formulação com 25% de leite de
cabra (p < 0,05). A formulação com 50% de leite de cabra
também apresentou preferência estatística em relação à
formulação com 100% de leite de cabra. As demais rela-
Perfil de textura
Os resultados da análise de textura instrumental
dos queijos são encontrados na Tabela 3. Observou-se
que os parâmetros coesividade e elasticidade não diferiram estatisticamente entre os tratamentos (P>0,05).
Diferenças estatísticas (P<0,05) foram observadas nos
parâmetros de firmeza e adesividade. As formulações
produzidas com adição de leite caprino (F100, F75, F50
e F25) obtiveram valores estatisticamente menores no
parâmetro firmeza (2,24; 2,49; 2,37 e 2,34, respectivamente) que a formulação F0 produzida com leite bovino (3,21). Isto possivelmente deve-se a formação de
um coágulo mais frágil e quebradiço gerado pelo leite
caprino, devido à ausência da α-s1-caseína (JENNESS,
1980).
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados obtidos, é possível
constatar que o leite de cabra pode ser utilizado como
matéria-prima para a produção de queijo frescal, já
que o mesmo apresentou características sensoriais e
tecnológicas satisfatórias. O uso do leite caprino na
produção de derivados lácteos surge como uma alternativa interessante para este leite, já que o consumidor
não possui o hábito de consumo deste leite devido ao
seu sabor diferenciado, nos derivados lácteos este sabor
é mascarado ou minimizado, tornando este um produto
bem aceito pelos consumidores.
Tabela 3 – Perfil de textura instrumental das formulações de quejos frescais elaboradas
Formulações
Firmeza (N)
Coesividade
Elasticidade
Adesividade
F100
2,24 b
0,75 a
0,93 a
166,00 ab
2,49
0,76
0,93
a
174,46 ab
75
a,b
b
a
F50
2,37 b
0,75 a
0,93 a
182,03 ab
F25
2,34
0,75
0,91
a
192,20 a
F0
3,21 a
0,92 a
134,85 b
b
a
0,77 a
Médias seguidas de letras minúsculas diferentes na mesma coluna diferem estatisticamente pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância.
137
fazer melhor
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DESENVOLVIMENTO DE LEITE DE VIDA DE PRATELEIRA
ESTENDIDO PELO USO DE TECNOLOGIA DE MICROFILTRAÇÃO
Jéssica Yoko Suda / Michele da Silva Pinto / Beatriz Rodrigues de Paula Lana / Laura Fernandes Melo Correia
Antônio Fernandes de Carvalho*
Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Brasil
*Professor orientador, autor para correspondência
Este trabalho teve como objetivos avaliar a tecnologia de microfiltração, membranas de 0,8 µm, na redução
da microbiota do leite cru sem alterar suas propriedades físicoquímicas, nutricionais e sensoriais e utilizá-la no desenvolvimento de leite de vida de prateleira
estendida. Para isto, foram avaliadas as alterações
microbiológicas e físicoquímicas no produto devido ao
processamento e ao armazenamento em duas temperaturas distintas (4 e 14 °C). No processo de microfiltração,
o leite desnatado e aquecido a 50 °C foi microfiltrado em
um equipamento em escala piloto e envasado em potes
de polietileno de alta densidade. Análises de pH, acidez,
teor de proteína, teor de umidade, gordura e crioscopia,
bem como contagem de mesófilos aeróbios estritos e
facultativos psicrotróficos, coliformes, Escherichia coli
e Staphylococcus aureus foram realizadas nas amostras
de leite cru e leite microfiltrado, no tempo zero. Para o
acompanhamento da vida de prateleira, foram realizadas, a cada três dias, análises de pH, acidez, contagem
de mesófilos aeróbios estritos e facultativos e psicrotróficos, durante 30 dias ou até que a contagem de mesófilos atingisse valores superiores a 8,0 x 104 UFC.mL-1. De
acordo com os resultados, a qualidade microbiológica
do leite cru encontrava-se fora dos padrões recomendados pela legislação (7,5 x 105UFC.mL-1). Porém, após o
processo de microfiltração as amostras se apresentaram
em conformidade com a Instrução Normativa 51. Os
parâmetros analisados durante a vida de prateleira não
foram significativamente afetados pelos fatores tempo
e temperatura (P<0,05). O estudo apresentou resultados
favoráveis à aplicação da microfiltração em leite de consumo para aumentar sua vida de prateleira.
1. Introdução
Devido à sua composição físicoquímica, o leite é
um alimento altamente perecível, o que o torna um
meio altamente susceptível ao crescimento microbiano.
Sendo assim, para garantir a qualidade e a segurança
microbiológica do leite e dos produtos lácteos, a indústria de laticínios tem utilizado, tradicionalmente, um
tratamento térmico para redução da carga microbiana.
Entre os tratamentos térmicos mais utilizados pelas
indústrias para conservação do leite encontram-se o
tratamento UHT e a pasteurização. Porém, a utilização
destes processos causa alterações indesejáveis no produto como alteração nas propriedades físicoquímicas e
modificações nas propriedades sensoriais do leite fluido
e produtos lácteos, bem como a capacidade de fabricação de queijos.
Quando comparado ao leite UHT, o leite pasteurizado possui uma vida de prateleira reduzida, em média
cinco dias, enquanto o leite UHT possui durabilidade de
três a seis meses. No entanto, devido às mudanças causadas nas propriedades organolépticas, em consequência da alta temperatura do tratamento UHT, o produto
apresenta um leve sabor de cozido. Com o intuito de
solucionar estes problemas, a indústria de laticínios tem
buscado novas tecnologias com o objetivo de obter um
leite com maior vida de prateleira e melhor qualidade
nutricional e sensorial.
Neste contexto, as técnicas de separação por membranas, mais especificamente, a tecnologia de microfiltração oferece uma alternativa interessante ao tratamento térmico do leite, pois possibilita a obtenção de
um produto com baixa carga microbiana e preserva os
constituintes naturais do leite, gerando um produto com
vida de prateleira estendida e com alta qualidade nutricional e sensorial (CARVALHO & MAUBOIS, 2009).
2. Revisão de literatura
Do ponto de vista físicoquímico, o leite é uma
secreção produzida pelas glândulas mamárias de mamíferos fêmeas, com pH próximo à neutralidade (6,50
a 6,70), que se constitui em uma emulsão de gorduras
e água, estabilizada por uma dispersão coloidal de
proteínas, em uma solução de sais, vitaminas, peptídeos, lactose, oligossacarídeos, caseínas e outras
proteínas. O leite também possui enzimas, anticorpos,
hormônios, pigmentos (carotenos, xantofilas, riboflavina), células (epiteliais, leucócitos, bactérias e leveduras) e gases dissolvidos (CO2, O2 e N2) (WALSTRA et al,
2006).
A composição do leite o torna um alimento susceptível à deterioração enzimática ou microbiana e, portanto,
altamente perecível. Dessa forma, faz-se necessário um
tratamento para preservar o leite e, assim, assegurar
sua utilização e segurança (MARTH & STEELE, 2001).
Os processos industriais utilizados comumente
para o controle das populações microbianas do leite,
entre os quais, o tratamento térmico e a refrigeração,
têm o objetivo de assegurar a qualidade do leite e dos
derivados lácteos, mas não possuem capacidade de
corrigir os problemas da matéria-prima (LANGE &
BRITO, 2005).
A pasteurização e a esterilização UHT, tratamentos
térmicos mais frequentemente utilizados pelos laticínios, modificam as qualidades nutricionais e sensoriais
do leite. Durante o tratamento térmico, os microrga-
139
fazer melhor
nismos são inativados, porém os cadáveres das bactérias e suas enzimas proteolíticas ficam no leite, o que
justifica a substituição pela técnica de microfiltração
(LORTAL & DELAGE, 2008), haja vista que as tecnologias de membrana, quando comparadas aos processos
convencionais, apresentam a vantagem de, geralmente,
prescindir do uso de calor, favorecendo a preservação
de nutrientes e constituintes de aroma e sabor, fundamentais para a qualidade do produto final (RODRIGUES, 2002).
Neste contexto, a indústria de laticínios tem buscado novas técnicas para conservação do leite, visando
à obtenção de um leite com maior durabilidade e que
mantenha suas qualidades nutricionais e sensoriais.
Para assegurar a conservação e segurança do leite, as
tecnologias utilizadas se baseiam em diversos processos, essencialmente de ordem física, sendo aplicados
isoladamente ou em combinação, como a separação de
microrganismos pelo processo de microfiltração (LORTAL & DELAGE, 2008).
A tecnologia de microfiltração surge em resposta às
necessidades da indústria de se adequar às exigências
do consumidor moderno e de “sobreviver” no mercado,
pois o processo possibilita a obtenção de um leite com
baixa carga microbiana, além de preservar os constituintes naturais do leite, oferecendo um produto com
maior vida de prateleira e com características nutricionais e sensoriais preservadas (CARVALHO & MAUBOIS,
2009).
Como mencionado anteriormente, microfiltração
é uma das técnicas de separação por membranas na
qual a força-motriz responsável pela separação é o
gradiente de pressão que se forma através da membrana. O processo utiliza membranas porosas com poros
na faixa entre 0,1 e 10 μm, sendo, portanto, indicado
para a retenção de materiais em suspensão e emulsão.
O líquido microfiltrado que flui através da membrana
tem a mesma concentração dos componentes do fluxo
de alimentação que possuem tamanho menor que o
poro da membrana (SABOYA & MAUBOIS, 2000). No
caso do leite a microfiltração, dependendo do tamanho dos poros da membrana, promove a retenção dos
glóbulos de gordura, micelas de caseína, bactérias e
células somáticas.
Durante o processo de microfiltração, o leite desnatado microfiltrado é misturado com uma quantidade de
creme de leite previamente tratado (95 °C/20s) requerido para a padronização de gordura; a mistura obtida
é então homogeneizada e assepticamente embalada.
A França é o único país que autorizou, oficialmente, a
comercialização de leite cru microfiltrado com vida de
prateleira estendida. Neste país, o prazo de validade
autorizado para o produto estocado em uma temperatura na faixa de 4 a 6 °C é de três semanas, sendo que
o volume anual deste leite microfiltrado produzido por
uma única empresa de laticínios, sob a marca “Marguerite®”, atingiu em 2008 10 milhões de litros. Em outros
países, outras plantas de processamento aplicam à mistura homogeneizada, antes do acondicionamento, uma
pasteurização rápida (HTST – 72 °C/20 s), estendendo a
vida de prateleira até cinco semanas.
Como já mencionado, na microfiltração do leite as
células somáticas são totalmente retidas pela membrana, o que faz com que o leite microfiltrado não seja
140
degradado pelas suas enzimas (SABOYA & MAUBOIS,
2000). Quando se trata de células vegetativas e esporos microbianos, estes são retidos quando membranas
de microfiltração com poros de 0,8 µm são utilizadas,
originando um leite microfiltrado totalmente estéril
(MAUBOIS, 1997).
O leite obtido pelo processo de microfiltração,
ausente de microbiota patogênica e com maior vida
de prateleira, associa as vantagens sensoriais do leite
pasteurizado, quando comparado ao UHT e esterilizado, com a praticidade de um produto de vida de
prateleira mais longa, quando comparado ao produto
pasteurizado; porém, o leite microfiltrado não pode
ser distribuído na temperatura ambiente, como o leite
UHT (STEENKAMP, 1997). Segundo Eino (1997), o grande
sucesso comercial experimentado pelo leite microfiltrado, em vários países, é devido ao seu sabor melhorado (não apresenta gosto de cozido) e à capacidade de
armazenamento.
Em indústrias de alimentos, a contaminação pelo ar
se apresenta como um grande problema, pois a presença de microrganismos no ambiente de processamento
pode levar à contaminação do produto acabado, reduzindo a sua qualidade e sua durabilidade. Portanto, o
controle de contaminação do ar deve ser realizado com
o objetivo de estender a vida de prateleira dos produtos
(APHA, 2001).
Geralmente, a qualidade da maioria dos alimentos e
bebidas diminui com a estocagem, havendo um tempo finito no qual o produto se mantém aceitável. Este
tempo entre a produção e a inaceitabilidade é conhecido como vida de prateleira, ou seja, é o tempo em que
o alimento pode manter-se na prateleira do varejista
ou do consumidor antes de se tornar inaceitável. Três
fatores determinam a vida de prateleira: as características do produto, o ambiente no qual o produto é exposto
durante a distribuição e as propriedades da embalagem
(ROBERTSON, 1993).
Este trabalho teve como objetivos avaliar a tecnologia de microfiltração na redução da microbiota do leite
cru sem alterar suas propriedades físicoquímicas, nutricionais e sensoriais e utilizá-la no desenvolvimento de
leite de vida de prateleira estendida, bem como avaliar a
qualidade do ar do ambiente de processamento.
3. Material e Métodos
Os produtos foram fabricados no Laticínios Escola
e as análises físicoquímicas e microbiológicas foram
realizadas no Laboratório de Pesquisa em Leite e Derivados, ambos situados no Departamento de Tecnologia de
Alimentos da Universidade Federal de Viçosa.
3.1. Amostra
A amostra de leite cru utilizada para fabricação dos
produtos foi fornecida pelo Laticínios Escola. O leite
cru foi desnatado a 45 °C, apresentando um teor médio
de gordura de 0,33%. Antes de ser submetido ao processo de microfiltração, o mesmo foi aquecido a 50 °C
para eliminação das enzimas endógenas presentes no
leite que podem causar alterações no produto durante
sua conservação. As amostras foram envasadas em
potes de polietileno de alta densidade (PEAD) previamente higienizados e sanitizados com solução clorada
a 200 ppm.
Foram realizadas três repetições no experimento, as
quais foram armazenadas em duas temperaturas (4 e
14 °C) para o acompanhamento da vida de prateleira.
As temperaturas citadas foram definidas de acordo
com a legislação vigente (4 °C) e com base na situação
observada nos postos de venda do produto (14 °C). As
amostras obtidas foram mantidas e analisadas nestas
temperaturas até atingirem uma contagem de mesófilos
aeróbios estritos e facultativos superior a 8,0 x 104UFC.
mL-1 conforme exigido pela Instrução Normativa n° 51
para leite pasteurizado, de 18 de setembro de 2002, do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(BRASIL, 2002).
3.2. Microfiltração
Para a microfiltração do leite foi utilizado um
equipamento de microfiltração em escala piloto (Tetra
Pak Filtration Systems, França) com membrana cerâmica Sterilox®, dotada de poros de 0,8 μm, área total
de 0,24 m2, velocidade de permeação de 7m/s, variação
da pressão transmembrana de no máximo 0,5 bar e
fluxo de 120 L/h. No processo, foi utilizado um fator de
concentração de 20:1.
Como mencionado anteriormente, o leite previamente desnatado foi aquecido a uma temperatura de 50°C
para obtenção de um fluxo com menor viscosidade, de
forma a reduzir a camada de polarização na membrana
(fouling). Logo após, o mesmo foi colocado no equipamento previamente higienizado. Durante o processo, cuidados
foram tomados para evitar que o leite não ultrapassasse
50 °C, pois do contrário, poderiam ocorrer precipitações
de proteínas do soro, principalmente quando se trabalha
em maiores escalas, o que contribuiria para a elevação
da camada de polarização da membrana.
3.3. Análises físicoquímicas
Para avaliação da qualidade do leite, foram realizados os seguintes testes no tempo zero (dia de processamento do leite): teor de proteínas, extrato seco desengordurado, teor de gordura, crioscopia, teor de umidade,
pH e acidez, tanto para o leite cru como para o leite microfiltrado cru. Para determinação da vida de prateleira,
realizaram-se, a cada três dias, análises de pH e acidez
no leite processado, refrigerado a 4 e 14 °C. Estes testes
foram realizados segundo a Instrução Normativa n° 68,
de 12 de dezembro de 2006, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2006).
3.4. Análises microbiológicas
As análises microbiológicas foram realizadas com
base nas técnicas apresentadas no Standard Methods for
the Examination of Dairy products of American Public Health
Association (APHA, 2001). As análises de contagem de
mesófilos aeróbios estritos e facultativos coliformes, Escherichia coli e Staphylococcus aureus foram realizadas em
placas PetrifilmTM (PetrifilmTM AC). A análise de contagem de microrganismos psicrotróficos foi realizada pelo
método Spread Plate. Todas as análises descritas foram
realizadas no tempo zero.
Para o acompanhamento da vida de prateleira
também foram realizadas, a cada três dias, análises de
contagem de mesófilos aeróbios estritos e facultativos
e contagem de microrganismos psicrotróficos, como
citado anteriormente.
Para determinação da relação funcional entre o
tempo e a temperatura de estocagem com os parâmetros avaliados foram realizadas análises estatísticas descritivas – média e desvio padrão – e de
regressão. Os dados das análises microbiológicas e
físico-químicas foram analisados utilizando procedimentos do software estatístico SAS (Statistical
Analysis System, SAS Institute Inc., Carolina do
Norte, EUA), versão 9.1, licenciado pela Universidade
Federal de Viçosa, 2010.
3.5. Sedimentação de microrganismos do ar em
meio sólido
Para avaliar a qualidade do ar do ambiente de
processamento realizou-se a técnica de sedimentação
de microrganismos do ar em meio sólido. A técnica foi
realizada expondo-se, por 15 minutos, uma placa de
Petri contendo ágar PCA solidificado, em três regiões diferentes da sala de envase do leite, de maneira que toda
região de envase fosse avaliada. Em seguida, as placas
foram incubadas a 35 ± 1°C/ 48 ± 2 horas. O resultado foi expresso em UFC.cm-2.semana-1, de acordo com
recomendação da APHA. Para cálculo da área da placa,
considerou-se o diâmetro de 9,1 cm, totalizando uma
área de 65 cm2.
4. Resultados e Discussão
4.1. Qualidade inicial do leite e após o processo de
microfiltração
Os resultados das análises microbiológicas e físicoquímicas do leite cru e do leite após o processo de
microfiltração são apresentados nas Tabelas 1 e 2,
respectivamente.
Tabela 1 - Média e desvio padrão das contagens
e da redução logarítmica do leite cru e
do leite microfiltrado
Contagem
inicial
Análise
Média
Contagem total 3,09E+06
Contagem leite
microfiltrado
Dp
Média
Dp
2918144
0,00E+00
0,00
Psicrotrófico
7,77E+05
368284
0,00E+00
0,00
Coliformes
3,10E+04
39648
0,00E+00
0,00
E. coli
2,37E+03
3758
0,00E+00
0,00
Staphylococcus
3,13E+02
280
0,00E+00
0,00
Tabela 2 - Média e desvio padrão das análises físicoquímicas do leite cru e do leite microfiltrado
Análise
pH
Leite cru
Leite microfiltrado
Média
Dp
Média
Dp
6,85
0,10
6,85
0,10
Acidez
0,17
0,01
0,16
0,01
Gordura
0,33
0,06
0,00
0,00
Umidade
90,41
0,71
91,50
0,33
Proteína
3,30
0,06
2,98
0,13
Crioscopia
-0,530
0,00
-0,520
0,01
141
fazer melhor
Tabela 3 - Requisitos físico-químicos e
microbiológicos de qualidade de leite cru,
fixados pela IN 51/2002
REQUISITO
LEITE CRU DESNATADO
Teor de gordura (g/100g)
>3,0
Acidez (g ácido lático/100mL)
0,14 a 0,18
Proteína total (g/100g)
Min. 2.9
Índice crioscópico máximo
-0,530 °H
Contagem padrão em placas
(UFC.mL-1)
7,5 x 105
Como pode ser observado pela Tabela 3, a matéria-prima utilizada apresentava características físicoquímicas em conformidade com o exigido pela legislação
vigente. Porém, em relação à qualidade microbiológica
do leite cru, este apresentou-se fora dos padrões. Com
relação ao leite microfiltrado, não foram observadas alterações expressivas nas características físico-químicas
e microbiológicas, o que já era esperado, haja vista que
a técnica de microfiltração propicia a manutenção dos
componentes do produto.
Como foi verificado, o leite obtido após a etapa de
microfiltração apresentou contagem de mesófilos aeróbios estritos e facultativos menor que 15 UFC.mL-1 o que
representa redução de microrganismos maior do que 6
ciclos log. Os demais microrganismos também foram
quantificados como pode ser observado na Tabela 1.
4.2. Análise do ambiente
Como mencionado, a qualidade do ar do ambiente
de envase foi avaliada por sedimentação de microrganismos do ar em meio PCA, sendo a contagem média
de mesófilos aeróbios estritos e facultativos de 23 UFC.
cm-2.semana-1. De acordo com as recomendações da
APHA, o máximo permitido é de 30 UFC.cm-2.semana-1,
o que indica que o ambiente no qual a matéria-prima
foi processado estava apropriado para a manipulação de
alimentos.
Segundo ANDRADE (2008), o ambiente em uma
indústria de alimentos pode contaminar o produto durante o processo, dependendo das condições higiênicas
e do tempo em que este permanece exposto. O ar pode
entrar em contato com produtos alimentícios durante as diversas etapas de manipulação, armazenagem,
processamento e embalagem. Portanto, deve-se atentar
para a possibilidade de contaminação dos produtos
alimentícios com microrganismos patogênicos e, ou,
alteradores provenientes do ar, o que pode comprometer
a segurança alimentar; além disso, a vida de prateleira e
a qualidade do alimento também podem ser afetadas.
4.3. Análise da vida de prateleira
Os dados coletados ao longo do período de estocagem foram analisados por meio de análise de variância e de regressão. Nenhum dos fatores avaliados foi
significativo (P<0,05), indicando não haver diferença
estatística entre os resultados ao longo do tempo e
entre diferentes temperaturas. Os gráficos representados nas Figuras 1 a 8 ilustram a relação existente entre os fatores. De modo geral, pode-se considerar que
os parâmetros avaliados se mantiveram estáveis por
142
mais de 30 dias, o que indica uma vida de prateleira
substancialmente longa, quando comparada com o
leite pasteurizado.
Figura 1 - Determinações de pH em leite microfiltrado
Figura 2 - Determinações de acidez em leite microfiltrado
De acordo com a IN 51/2002 o limite máximo de
contagem de mesófilos aeróbios estritos e facultativos
permitido é de 8,0 x 104UFC.ml-1 para que o leite seja
considerado inapropriado para o consumo, o que não foi
verificado em nenhuma amostra do leite microfiltrado,
nos 30 dias analisados, conforme mostra a Figura 3. A
International Dairy Federation (IDF/1986) apresenta um
limite máximo de tolerância superior ao exigido pela
legislação brasileira, 106 a 107UFC.ml-1.
Segundo WALSTRA et al (2001), no leite pasteurizado
as modificações sensoriais só aparecem em contagens
acima de 5 a 20 x 106 UFC.mL-1 de psicrotróficos, o que
não foi observado em nenhuma das amostras de leite,
em nenhuma das temperaturas de armazenamento,
durante toda a vida de prateleira, como pode ser observado na Figura 4.
Figura 3 - Gráfico da contagem total em leite microfiltrado
Figura 4 - Contagem de psicrotróficos em leite microfiltrado
5. Conclusão
Como pode ser observado pelos resultados das análises microbiológicas do leite cru, a qualidade do leite
no Brasil ainda é muito ruim, o que comprova a necessidade de políticas voltadas aos produtores de leite no
sentido de estimular a adoção de boas práticas agropecuárias, com o intuito de melhorar a qualidade do leite
recebido na indústria.
A aplicação de tratamento térmico ao leite reduz
consideravelmente a carga microbiana nele presente.
Porém, este tipo de tratamento promove alteração das
propriedades sensoriais, nutricionais e físico químicas.
Desta forma, o emprego da tecnologia de microfiltração
é uma alternativa ao tratamento térmico, oferecendo
um produto de alta qualidade, sem alterações nas propriedades funcionais do leite.
Com base nos resultados, observou-se que os parâmetros pH, acidez, contagem de mesófilos e de psicrotróficos, analisados durante a vida de prateleira do leite
microfiltrado não foram significativamente afetados
pelos fatores tempo e temperatura (P<0,05). Durante
os 30 dias de análise, o pH e a acidez mantiveram-se
constantes e os padrões microbiológicos permaneceram
dentro dos limites permitidos pela legislação, o que
comprova a viabilidade técnica da aplicação da microfiltração no tratamento do leite. No entanto, como no
Brasil ainda não é permitida a comercialização de leite
cru, a pasteurização do leite microfiltrado ainda se faz
necessária.
Desta forma, conclui-se que a aplicação da tecnologia de microfiltração é uma alternativa para a indústria
de laticínios na produção de leite de consumo com
maior qualidade nutricional e sensorial.
6. Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
7. Referências bibliográficas
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143
fazer melhor
Processo de fabricação de ricota
por ultrafiltração
Vincent Pabouef1, Renam de Oliveira Moreira2, Emílio de Carvalho Silva2,
Laura Fernandes Melo Correia2, Antônio Fernandes de Carvalho2*
Agrocampus Ouest, Renne, França, 2Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Brasil
*Professor orientador, autor para correspondência
1
1 – Introdução
Durante o processo de fabricação de derivados lácteos, tais como queijo e iogurte, há a geração de soro de
leite, co-produto altamente valorizado no mercado mundial. No Brasil, no entanto, este co-produto ainda não é
valorizado adequadamente, existindo ainda inúmeras
indústrias que o descartam nos cursos d’água, gerando
enorme poluição, enquanto outras o utilizam na alimentação animal. Além da legislação ambiental, que proíbe
o descarte deste produto nos rios e penaliza as empresas
que adotam tal prática, as indústrias de laticínios que
ainda consideram o soro de leite como subproduto, estão
“perdendo dinheiro” e poder de competição frente às
demais. De acordo com Lira (2009), aproximadamente
50% de todo o soro líquido produzido no Brasil não é
aproveitado, sendo este número ainda maior se forem
consideradas as micro e pequenas empresas.
O soro de leite é rico em proteínas com elevado teor
de aminoácidos essenciais e lactose, além de possuir
alta qualidade técnico-funcional, o que permite sua
utilização em uma gama de produtos alimentícios.
Baldasso (2006) acrescenta que com o aumento na produção mundial de queijo e o controle mais rigoroso da
disposição de efluentes, a produção do soro se torna um
dos problemas mais críticos para a indústria de lácteos.
Neste caso, com o contínuo desenvolvimento de tecnologias e a crescente responsabilidade ambiental, exigida
das indústrias, a imagem do soro está modificando
rapidamente de efluente, como um problema, para uma
fonte valiosa de nutrientes. Além disso, vários componentes do soro podem ser purificados e comercializados
no mercado com alto valor agregado.
O soro de leite pode ser utilizado na fabricação de
vários derivados lácteos tais como bebidas lácteas,
leites fermentados, sucos, ricota, bebidas fortificadas,
entre outros. Vários países aproveitam o soro de leite na
fabricação de queijos entre os quais a Itália, que produz
a Ricotta. Outros países também produzem queijos de
soro, geralmente de forma tradicional, os quais possuem
diferentes denominações, conforme pode ser observado
na Tabela 1 (PINTADO & MALCATA, 1999).
Nos processos de fabricação de produtos lácteos a
partir do soro, geralmente, é realizada a etapa de coagulação térmica para recuperação das proteínas do soro.
Neste processo, a agregação das proteínas se inicia com
a abertura da estrutura das proteínas mediante exposição ao calor. Aumentando-se a temperatura, as proteínas do soro se desnaturam e se agregam (PARRIS, 1997).
A estabilidade térmica das proteínas do soro é de
grande importância, pois a utilização de tratamento
144
Tabela 1 – Queijos preparados a partir de soro em
vários países
País
Designação
Itália
Ricotta gentile ou Ricotta
Romana
França
Serac na Zona oriental
Brousse no Sul
Broccio em Cossiac
Grueil nos Pirinéus
Grécia
Portugal
Manouri, Myzythra e Anthotyros
Requeijão
Espanha
Requesón
Noruega
Mysost, Brunost, Gjestost,
Primost e Gudbradsdaldost
Tunísia
Norte da África
Romênia
Ex-República da Iugoslávia
Klila
Nicotta
Ziger
Scutta e Puina
Chipre
Anari
Israel
Urda
República Checa
Zincica e Urda
Fonte: PINTADO & MALCATA, 1999. Adaptado de Kandarakis (1986) e Jelen &
Buchhein (1976)
térmico é indispensável no processamento de produtos
lácteos e na manufatura de produtos a base de proteínas do soro. O aquecimento induz a desnaturação, agregação e precipitação das proteínas do soro. A agregação
induzida pelo aquecimento é frequentemente precedida
pela mudança na conformação das proteínas, a temperaturas superiores a 60 °C (GARRETT, 1988). Seno assim,
prejudica-se a funcionalidade com relação à redução da
solubilidade, propriedades emulsificantes, formação de
espuma e geleificação (PATEL et al., 1990).
A presença de sais ou a variação de pH durante o
processamento de alimentos contendo proteínas do
soro de leite pode acarretar a agregação destas proteínas antes mesmo da temperatura necessária ao processamento (JU et al., 1999).
Para o aproveitamento do soro, existem várias tecnologias, entre as quais a ultrafiltração, técnica de filtração
por membranas que promove a separação de partículas
através da diferença de tamanho entre elas e que utiliza
o gradiente de pressão como força motriz. Este processo
é geralmente utilizado para a retenção de macromoléculas e colóides presentes em solução, utilizando membranas com um diâmetro de poro que varia entre 0,1 a
0,001 µm (BALDASSO, 2008)
Na indústria de laticínios, a aplicação da ultrafiltração começou no início dos anos 1970, com a separação
e concentração de proteínas do soro para o retentado e
lactose para o permeado (CARVALHO & MAUBOIS, 2009).
Posteriormente, foi introduzida como uma tecnologia de
fabricação de queijo devido ao seu potencial de aumentar o rendimento do produto pela incorporação de proteínas do soro e outros componentes do leite na matriz
do queijo, permitindo um maior grau de controle sobre
a composição do produto final (MAUBOIS, 1975). De
acordo com Ribeiro et al. (2009), a produção do queijo
Minas frescal utilizando-se retentados obtidos a partir
da ultrafiltração de leite resulta em maior rendimento,
conferindo à massa uma textura mais sólida e fechada, maior tempo de vida útil e um padrão uniforme de
sabor.
Quando utilizada no processamento de leite, a
ultrafiltração gera um retentado que contém proteínas,
gordura e sais minerais coloidais em maiores proporções do que a encontrada no leite cru, e em um permeado constituído de água, sais minerais, lactose, nitrogênio não protéico (NNP) e vitaminas solúveis em água
(ROSENBERG, 1995).
Os objetivos deste trabalho são o desenvolvimento
de uma alternativa de processo para fabricação de ricota, bem como o aproveitamento do soro de leite gerado
nas indústrias de laticínios.
2 - Materiais e métodos
Neste trabalho, a ultrafiltração será utilizada para
concentrar as proteínas do soro de leite, cujo retentado
será coagulado termicamente e utilizado para produção
de ricota. Na coagulação térmica, as proteínas do soro,
concentradas previamente por ultrafiltração, são submetidas a um aquecimento a temperaturas em torno de
90 °C, sob agitação suave, para que ocorra a formação
de coágulos, processo que se inicia quando a temperatura atinge em torno de 80 °C.
2.1 - Etapas do processamento
O soro de leite utilizado neste trabalho, proveniente
da produção de queijo Mussarela, foi cedido pelo Laticínios UNION LTDA. Este soro foi clarificado e desengordurado à 45°C, sendo posteriormente transferido
para um tanque de camisa dupla, no qual recebeu um
tratamento térmico (63 °C por 30 min) com o objetivo
de inativar as enzimas do coalho e reduzir a microbiota
deteriorante. Em seguida, o soro foi resfriado até 45°C
para posterior ultrafiltração.
Nesta etapa, foi utilizada uma planta piloto de Ultrafiltração da marca WGM Sistemas com uma membrana
espiral de polissulfona (Koch Membranes) de porosidade 10.000 Da e área filtrante de 6,0 m². Foi utilizada
uma pressão de alimentação de 3 kgf/cm² e pressão de
saída de 2 kgf/cm², de modo a obter uma diferença de
pressão de 1 kgf/cm². Durante esta etapa de concentração, foi utilizada a batelada modificada como forma de
operação, a qual consiste em adicionar soro ao tanque
de equilíbrio à medida que o permeado é retirado pelo
dreno e o retentado é retornado para o tanque. Para
controle da etapa de concentração, foi utilizado um
refratômetro óptico manual (Alla France) que expressa,
em graus Brix, o teor de sólidos em solução. O soro foi
concentrado até 8,0 °Brix, valor que representa um Fator
de Concentração Volumétrica (FCV) de aproximadamente 5 e equivale a um teor de proteína no retentado igual
a 3,2%. Ao longo do processo, a temperatura foi mantida
acima de 45 °C para diminuir a viscosidade do soro e,
desta forma, reduzir também o tempo de processamento; contudo, a temperatura foi controlada de forma a
não ultrapassar 50 °C, evitando-se, assim, a precipitação
dos sais de cálcio e a desnaturação das proteínas do
soro (especialmente a β-lactoglobulina).
Após a concentração, foi adicionado ao soro 20% de
leite desnatado, percentual este calculado com base no
volume do retentado. O volume adicionado foi definido
por estudos preliminares realizados no Laboratório de
Pesquisa em Leite e Derivados da UFV.
A mistura obtida foi ultrafiltrada novamente utilizando-se os mesmos parâmetros descritos acima, até
obtenção de 11% de proteínas (FCV aproximadamente
3,5), o que é equivalente a 16 °Brix.
Para a fabricação da ricota, foi acrescentado ao
retentado obtido anteriormente, 2,5% de creme (40% de
gordura), o que equivale a 1% de gordura.
Para a precipitação das proteínas do soro e obtenção
da coalhada, foram utilizadas, conjuntamente, as técnicas de coagulação térmica e coagulação ácida. Neste
processo, o pH foi regulado para 5,9 com adição de ácido
lático 85%. Alcançando-se tal valor de pH, procedeu-se
a adição de 0,8% de NaCl (formulação esta estabelecida
por pesquisas anteriores realizadas no Laboratório de
Leite e Derivados da UFV). Em seguida, foi realizado um
aquecimento, em um tanque de camisa dupla, até 80 °C
com agitação lenta, em função da grande fragilidade de
coágulos.
145
fazer melhor
O coágulo obtido foi coletado e enformado em formas cilíndricas de 2 a 3 kg com dessorador. Em seguida,
o produto passou por uma etapa de prensagem por 30
minutos para a retirada do excesso de umidade ainda
presente na massa. O produto obtido foi mantido em
geladeira a uma temperatura de 4 °C.
Para avaliação da qualidade sensorial do produto, a
ricota obtida foi submetida à análise sensorial descritiva. Os seguintes fatores foram avaliados por cinquenta
julgadores: gosto ácido, sabor lático, cremosidade, textura, intensidade de sabor e avaliação global. Em todos os
quesitos foi utilizada uma escala hedônica de 1 a 9. Para
os parâmetros avaliação global, textura e intensidade de
sabor, a escala variou de 1 (desgostei extremamente) a 9
(gostei extremamente). Para os demais parâmetros gosto ácido, sabor lático e cremosidade, a escala alternou
entre 1 (imperceptível) e 9 (altamente perceptível).
3 - Resultados e Discussão
O processo sugerido neste trabalho para a fabricação da ricota mostrou-se como uma alternativa viável
ao processo tradicional. Na etapa de ultrafiltração, o
processo acarretou uma diminuição no volume a ser
processado, reduzindo assim a área necessária para tal
processamento; por outro lado, há a possibilidade de aumentar a capacidade instalada de produção da unidade
de processamento.
Além disso, como o volume a ser processado é minimizado, há redução na quantidade de vapor necessária ao aquecimento, durante a etapa de coagulação. A
diminuição do volume proporcionada pela nova técnica
também acarretou uma redução na quantidade de ácido lático necessária à coagulação, gerando um resíduo
com menor potencial poluente.
Há que se ressaltar que a tecnologia adotada permitiu o aproveitamento do soro produzido na indústria,
reduzindo o volume de resíduo gerado, além de possibilitar a utilização do permeado obtido da ultrafiltração
(menor acidez) do soro na fabricação de outros derivados lácteos.
Os resultados da avaliação sensorial do produto
podem ser observados na Tabela 2.
O resultado para avaliação global situa-se entre
“gostei ligeiramente” e “gostei moderadamente”, o que
demonstra uma aceitabilidade razoável para o produto.
No quesito gosto ácido, o baixo valor encontrado reflete uma característica adequada do queijo produzido. O
parâmetro sabor lático apresentou-se satisfatório, dentro
do padrão de aceitabilidade do produto. Já os parâmetros
cremosidade e textura apresentaram valores abaixo do
padrão, sendo mencionados pelos julgadores que a massa apresentava-se “quebradiça” e com baixa cremosidade.
A intensidade do sabor apresentou um valor mediano.
Tabela 2 – Resultados da análise sensorial
Parâmetros avaliados
146
Escore médio
Avaliação global
6,28
Gosto ácido
2,62
Sabor lático
5,32
Cremosidade
4,32
Textura
4,14
Intensidade de sabor
5,02
Os defeitos encontrados na análise sensorial podem
ser contornados pela adaptação do processo. Neste caso,
diminuindo-se o tempo de prensagem do produto, este
apresentaria maior retenção de água devido ao menor
dessoramento da massa, acarretando uma melhoria na
textura do produto. Além disso, este menor tempo reduziria o tempo de processamento.
Aumentado-se o teor de gordura na formulação do
produto, poderia haver uma melhora nos parâmetros
cremosidade e intensidade de sabor. Outros fatores que
poderiam ser alterados são concentração de ácido lático
e temperatura de processamento, necessários à coagulação da massa; alternando-se estes valores, poderia
ser obtido um binômio pH x temperatura equivalente
e mais adequado ao processo utilizado (por exemplo,
pH 5,7 x 72 °C ou pH 5,6 x 56 °C) (MAUBOIS & KOSIKOWSKI, 1978). Como o gosto ácido foi pouco detectado
no produto, a redução do pH não acarretaria alterações
indesejáveis na avaliação sensorial.
Além das modificações mencionadas, a maior retenção de água proporcionaria um aumento de rendimento
no produto, gerando economia e maior lucratividade
para indústria.
4 - Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
5 - Referências bibliográficas
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