Resgate Histórico e Social de Cacimba do Silva e
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Resgate Histórico e Social de Cacimba do Silva e
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH III CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – ECSAB RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO: PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS JUAZEIRO-BA JULHO 2012 1 RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO: PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, Universidade do Estado da Bahia – DCH III, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Contextualizada. Orientador: Prof. Dr. Edmerson dos Santos Reis. JUAZEIRO-BA JULHO 2012 2 Oliveira, Rute Ferreira de. Resgate histórico e social de Cacimba do Silva e Sertãozinho: pensando a educação contextualizada para a convivência com o semiárido brasileiro – avanços ou retrocessos. / Rute Ferreira de Oliveira. – Juazeiro, 2012. 103 f. il. Orientador: Edmerson dos Santos Reis Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) – Universidade do Estado da Bahia – Campus III. 2012. Contém referências. 1. Educação – aspectos sociais 2. Educação – Semiárido - Bahia – Departamento de Ciências Humanas. II. Título I. Universidade do Estado da Bahia CDD 370.1930981 3 RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO: PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, promovido pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB por meio do Departamento de Ciências Humanas - DCH III, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Contextualizada. Juazeiro – BA, 16 de Julho de 2012 Aprovado em 25 / 07 / 2012 _______________________________________________ Prof. Dr. Edmerson dos Santos Reis (Orientador) ________________________________________________ Avaliadora: Francisca de Assis de Sá __________________________________________________ Avaliadora: Rosangela da Costa Castro 4 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 O Sr. Valdemar na sua residência em Cacimba do Silva ......................... 24 Figura 2 O Sr. Valdemar com a família em 1974 .................................................. 24 Figura 03 O produtor Marcio Irivan passos em Salvador, firmando o acordo com Governador Paulo Souto, no projeto Cabra Forte, registrado no Diário Oficial do dia 26 de novembro de 2004 ................................................... 37 Sistema de abastecimento de água implantado com o apoio do Cabra Forte em 2006 .......................................................................................... 37 Templo da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Sertãozinho no dia da inauguração em 2008 .................................................................... 43 Primeira leva de blocos para a construção do novo templo da igreja evangélica na Cacimba do Silva em 16 de junho de 2012 ....................... 44 O Sr. Valdemar com a sua criação de caprinos em 09 de agosto de 2006 ......................................................................................................... 74 O Sr. Valdemar com a esposa Carolina em suas Bodas de Ouro em 30 de julho de 2005 ....................................................................................... 76 O Sr. Pedro Rodrigues à esquerda, de terno e ao seu lado os jovens dessas comunidades na inauguração do templo Sede das Assembleias de Deus em Juazeiro-BA em ju1ho de 1982 ........................................... 80 Figura 10 Uma típica residência de taipa ................................................................. 88 Figura 11 Uma D10, parecida com a C10 que tinham nestas localidades ............... 90 Figura 12 Enlace matrimonial dos jovens João Batista e Maria Nilza, celebrado pelo Pr. Manoel Marques de Souza, presidente da Igreja Assembleia de Deus em Juazeiro-BA .............................................................................. 91 Figura 13 Sede da Associação de Cacimba do Silva e Sertãozinho ......................... 91 Figura 14 A Srª. Joana Ferreira Passos .................................................................... 95 Figura 04 Figura 05 Figura 06 Figura 07 Figura 08 Figura 09 5 LISTA DE SIGLAS ADAB Agência de Defesa Agropecuária da Bahia ADAC Associação de Desenvolvimento e Ação Comunitária AGETEC Assistência Gerencial e Tecnológica ASA Articulação no Semi-Árido Brasileiro CERB Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia CETEC Centro Transdiciplinar de Educação do Campo COPERCAR Cooperativa dos Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e Região Ltda. CTSI Ciência Tecnologia Sociedade Inovação DCH III Departamento de Ciências Humanas Campus III EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A ECSAB Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária ERUM Escola Rural de Massaroca EUA Estados Unidos da América FAFICH Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas FENGRI Feira Nacional da Agricultura Irrigada INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IRPAA Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra NPC Núcleo Piratininga de Comunicação ONGs Organizações Não Governamentais RESAB Rede De Educação do Semiárido Brasileiro SAB Semiárido Brasileiro SEAGRI Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Reg. Fundiária SEBRAE Agência de Apoio ao Empreendedor e Pequeno Empresário 6 SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural TCC Trabalho de Conclusão de Curso FMG Universidade Federal de Minas Gerais UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UNB Universidade de Brasília UNEB Universidade Do Estado Da Bahia 7 AGRADECIMENTOS À Deus, toda a minha gratidão e adoração, pelo dom da vida, pelas inspirações, por me direcionar em todos os caminhos abrindo portas impossíveis e me dando tudo que jamais poderia ter sozinha, através de oportunidades importantes que com sua misericórdia eu pude perceber e aceitar. Esse curso foi para mim uma oportunidade de mudança de vida, no sentido de transmitir saberes que não tinha e outros que havia me esquecido, também me repassou valores e sentimentos que havia abandonado e sabores que já estavam me fazendo falta, tornando-se para mim nesse momento um elemento inovador, coerente, contextualizado e familiarizado com as necessidades e práticas de convivência com esse lugar, o Semiárido Brasileiro. Não foi fácil chegarmos até aqui, abdicando de lazeres, passeios e momentos com a igreja, sociedade, família e amigos. Mas, graças à compreensão de todos, as coisas foram contribuindo positivamente para essa realidade. Portanto, me sinto bastante honrada em ter sido parte integrante desta turma de Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro. Agradeço à minha maravilhosa mãe Maria Nilza e ao meu companheiro Jonas, pela compreensão, sustentação, apoio e tolerância nas horas difíceis e no que era preciso, vocês são minha razão de ser cada dia uma pessoa melhor, minhas alegrias dependem de vocês para serem completas e minhas dificuldades só são superadas por que sei o quanto posso contar com vocês. Saibam do meu imenso amor e grande satisfação de poder existir para viver ao lado de vocês; Ao Professor Edmerson dos Santos Reis, pela luta indispensável em trazer para a UNEB propostas dessa natureza, com uma educação contextualizada e tão significativa para a formação de tantas pessoas, sem fazer distinção de nenhuma delas, apenas disposto em nos orientar e atentamente dispensar com simplicidade observações a este trabalho, e também por ter confiado que eu pudesse, quando não mais acreditava em mim mesma, fazer com que esse trabalho fosse possível; Às pessoas da ADAC, Érica Vanessa, Ana Paula e Paulo por me darem a primeira oportunidade de conhecer seus trabalhos voltados para o desenvolvimento e ação comunitária, incluindo as propostas de educação do município de Juazeiro-BA; Aos colegas de turma, pelo convívio tão gratificante e incentivo prestado no momento 8 da decisão de enfrentar esse desafio, especialmente a Ana Valéria, amiga querida que me fez acreditar no início deste curso que eu poderia chegar onde cheguei, valeu a pena suas palavras e por elas eu não desisti. À Silvana, que também com a sua equipe pedagógica da Escola RENASCER, e Lucineide foram companheiras na produção dos trabalhos em equipe deste curso, vocês me fizeram perceber a vida de novo na escola, não sabia mais como eram importantes essas experiências. À amiga que encontrei, como se fosse uma irmã, Rosiane da RESAB, pela constante presença nessa caminhada, e no desvelar de artigos e eventos ligados a discussão de ECSAB; Ao pessoal do IRPAA, pela abertura e confiança demonstradas, especialmente a Lucineide Araujo Martins, que me confiou uma porta de trabalho condizente com a linha desta pesquisa e a Haroldo, Tiziu, Tiago e André Luiz, meus coordenadores de trabalho, a Sandra, Nice, Delma, Deise e Bruna, que me facilitaram o aprendizado necessário no desenvolvimento das atividades do Projeto ATER que me rendeu acesso aos conhecimentos para a pesquisa de campo; A Thaise e Alaíde Régia também do IRPAA, pela disponibilidade demonstrada para me ajudarem com livros que abrangessem os conhecimentos necessários à minha formação e Edneusa por me oportunizar de perto, conhecer as diretrizes da proposta de Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido; Aos colegas do Departamento de Ciências Humanas – DCH III da UNEB, professores e funcionários por todo o apoio, em especial a bibliotecária Gerluce, na procura dos teóricos constantes nas referências bibliográficas desta pesquisa e pela gentileza com que sempre nos atendeu; à diretora do Departamento de Ciências Humanas – DCH III, Aurilene Rodrigues e aos ilustres coordenadores Edmerson e Luzineide e demais professores deste curso por abrilhantarem a nossa formação, oferecendo contribuições significativas na construção deste trabalho. Especialmente aos moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho, por nos abrirem as portas para nos contarem seus relatos de experiências vividas compondo assim, o resgate histórico da memória deste lugar neste trabalho. Valeu a pena confiar e esperar os resultados! E a todos que contribuíram direto ou indiretamente para que esse projeto se tornasse realidade, muito obrigada! Só Deus pode recompensá-los com infinitas bênçãos na vida de vocês pelos esforços a mim dispensados. Novamente, agradeço a Deus pela benção desta pesquisa, só Ele é digno de toda a honra e glórias!!! 9 “Nunca como hoje, tivemos uma consciência tão nítida de que somos criadores, e não apenas criaturas, da história. (…) A inscrição do nosso percurso pessoal e profissional neste retrato histórico permite uma compreensão crítica de “quem fomos” e de “como somos” (NÓVOA, 2006, p. 11). 10 RESUMO No presente trabalho tentamos responder a seguinte questão norteadora: como o estudo dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revela a contribuição da escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido nessas comunidades? Dialogando com a teoria e a prática dessa proposta de Educação Contextualizada, numa abordagem qualitativa em que buscamos descrever significados que são socialmente construídos, enfatizando as interações do seu contexto, e ainda considerando as implicações epistemológicas e metodológicas que envolvem seu estudo a partir de uma abordagem interpretativa. Compreendendo os processos da colonialidade enquanto instrumento retrógrado ao desenvolvimento sustentável, tendo na contextualização o fomento da convivência com o Semiárido, embora os sujeitos dessas localidades tenham na ausência da escola, mais um elemento negativo ao seu desenvolvimento local e à melhoria das condições de vida dos seus moradores. Assim, essa proposta envolveu os moradores, dirigentes das instituições presentes nas referias comunidades, como Associação, Cooperativa e Igreja Evangélica, ex-professores, bem como as implicações da autora, contando ainda com o apoio dos autores apresentados na bibliografia estudada. Portanto, os resultados dessa pesquisa, certamente, poderão ser úteis para a reflexão e a prática desses sujeitos e para a nossa formação profissional enquanto educadora. Nesse sentido, essa pesquisa vem servir de base para compreendermos que a vida no campo, também é uma construção e reconstrução de práticas e valores úteis, dignos e viáveis para a permanência deste povo nestas localidades rurais do Semiárido Brasileiro. ABSTRACT In this paper we attempt to answer the following question: How olves the study of historical and social processes of Sertãozinho and Cacimba do Silva reveal the contribution of the school, its advances and setbacks for the sustainable development and coexistence with the semiarid in these communities? In dialogue with the theory and practice of this Contextual Education proposal I have used a qualitative approach in which we seek to describe meanings that are socially constructed, emphasizing the interactions of context, and considering the epistemological and methodological implications involving their study from an interpretative approach. Understanding the processes of colonialism as an instrument of absolet sustainable development, considering the context of promoted coexistence with the semiarid, although the subjects of these locations have in the absence of the school, some negative elements for its local development and improved living conditions of its residents. Thus, this proposal involved the residents, leaders of institutions present in the mentioned communities, such as Association, Cooperative, the Evangelical Church, former teachers as well as the implications of the author, relying on the support of the author's knowledge presented in the studied literature. Therefore, the results of this research will certainly be useful for reflection and practice of these individuals and for our training as educators. In this sense, this research could be used as the basis for trying to understand life in the countryside is also a construction and reconstruction of practical and useful values, worthy and viable for the permanence of this people in these rural localities in the Brazilian semiarid. 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13 CAPÍTULO I – DAS MEMÓRIAS IMPLICADAS À CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ....................................................................................................................... 16 1.1. Implicações da pesquisadora sobre as experiências de Cacimba do Silva e Sertãozinho – reflexos da Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido ................................................................................................................... 18 1.2. Memórias de convivência em Cacimba do Silva e Sertãozinho ......................... 21 1.3. Objetivos da pesquisa ......................................................................................... 36 1.3.1. Justificativa ...................................................................................................... 37 CAPÍTULO II – PROCESSO METODOLÓGICO DA PESQUISA – DIALOGANDO ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E OS SABERES E SENTIRES LOCAIS.... 39 2.1. Unidades de análise da pesquisa ......................................................................... 46 CAPÍTULO III – DA COLONIALIDADE ENQUANTO RETROCESSO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL À CONTEXTUALIZAÇÃO COMO FOMENTO DA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO ................................................. 48 3.1. Elementos da Colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido Brasileiro .................................................................................................................... 48 3.2. Método Paulo Freire promotor da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido e a pós-colonialidade ................................................. 54 3.3. Ausência da Escola: retrocessos na formação cidadã e nos processos de desenvolvimento rural da Cacimba do Silva e do Sertãozinho – BA ........................ 57 CAPÍTULO IV – PROCESSOS HISTÓRICOS E SOCIAIS NA RELAÇÃO ESCOLA E DESENVOLVIMENTO: DO OLHAR DOS SUJEITOS AOS FUNDAMENTOS 12 TEÓRICOS ......................................................................................................................... 65 4.1. Histórico da localidade, a partir das experiências do morador Valdemar Ferreira Passos – linha do tempo de Cacimba do Silva e Sertãozinho ...................... 74 4.2. Como essa família conheceu as doutrinas da Igreja Evangélica Assembleia de Deus nestas localidades? ............................................................................................ 80 4.3. Linha de base para a trajetória de desenvolvimento local .................................. 84 4.3.1. A linha do tempo e o desenvolvimento das comunidades ............................... 87 4.4. Sujeitos da pesquisa – pessoas-chaves – agricultores/produtores e instituições afins ............................................................................................................................ 94 CONSIDERAÇÕES DE UM PROCESSO QUE CONTINUA........................................... 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 101 13 INTRODUÇÃO A pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra, porque dizer a palavra é realmente tirar de dentro dela o que ela tem de mais profundo, mais sagrado e mais original. E só ela é que pode fazer isso. Então ela precisa, ao dizer a palavra, de consciência e liberdade. Essa consciência e liberdade que a levam a ser responsável. Alguém se torna cidadão ou cidadã quando contribui numa cidade, numa comunidade, com aquilo que ela tem de único e “irrepetível”, que é o seu próprio ser. A partilha desses projetos comuns é que forma democraticamente uma cidade, uma sociedade. (GUARESCHI citado por GIL, 2003, p. 1). Pensando neste trecho da entrevista concedida por Gil (2003, p. 1) ao Núcleo Piratininga de Comunicação – NPC, foi que fizemos uso da palavra, enquanto cidadã que nos tornamos, contribuindo com o que temos de único sobre as localidades pesquisadas, almejando, portanto, refletir o contexto dessas localidades a fim de fazer esse resgate histórico e social de Cacimba do Silva e Sertãozinho: pensando a educação contextualizada para a convivência com o Semiárido Brasileiro e destacando seus avanços ou retrocessos. Assim, o presente Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro tomou por base a pesquisa qualitativa onde buscou descrever significados que são socialmente construídos, enfatizando as interações do seu contexto partindo da observação dos fatos, das análises e comparação de experiências pessoais de convivência com o Semiárido. Tomamos por base também a pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já elaborado, como evidencia GIL (1996, p. 48), “constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”, entre outras referências metodológicas que empregamos diante das necessidades que se apresentaram no desvelar da pesquisa. Procuramos ainda adquirir os conhecimentos necessários para argumentar de forma objetiva e concisa sobre a presente temática, abordando na pesquisa as lembranças de possíveis fatos históricos e sociais destas comunidades, pensando a Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, seus avanços ou retrocessos, e garantindo uma apresentação e reconhecimento deste lugar como um espaço de experiências possíveis e que são capazes de transformar e formar outros sujeitos em seu seio para a continuidade dos 14 trabalhos e das culturas tradicionais existentes, perpassadas por seus antepassados ao longo dos tempos. Apresentamos os avanços ou retrocessos no desenvolvimento destes, com seus projetos e apoios de subsistências, aplicados e realizados com os produtores/agricultores, principais agentes de transformação dessas localidades e difundidos por seus dirigentes da associação, da igreja evangélica e da cooperativa. Buscamos compreender as ideias da Convivência com o Semiárido, bem como do desenvolvimento sustentável local, como estratégias para ultrapassarem as “barreiras” colonialistas ainda impregnadas nos seus fazeres e sentires cotidianos da lida do/no campo. Também, procuramos contribuir com a construção de novas alternativas para a convivência com o SAB, de forma que essas comunidades atinjam condições dignas e justas para todas as pessoas, minimizando inclusive o maior de seus problemas, o êxodo de moradores para outras áreas que julgam melhores e que disponham de escola e outras formas e condições para a vida e o trabalho. Sendo assim, o principal desafio foi tentar responder a seguinte questão norteadora – Como o estudo dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revelam a contribuição da escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido nessas comunidades? Tentando responder a esse questionamento, o presente trabalho organiza-se da seguinte forma: No Capítulo I – Das memórias implicadas à construção do objeto de estudo, abordando a história e a memória de Cacimba do silva e Sertãozinho sob o ponto de vista das implicações da autora, justificando-se a escolha por essa pesquisa, a metodologia empregada, a questão norteadora e os objetivos pretendidos. No Capítulo II – Processo metodológico da pesquisa – dialogando entre os fundamentos teóricos e os saberes e sentires locais, fazemos um estudo das entrevistas com os moradores resgatando os processos sociais e históricos das comunidades bem como da memória desses sujeitos com seus jeitos e saberes, atrelados aos da pesquisadora. No Capítulo III – Da Colonialidade enquanto retrocesso ao desenvolvimento sustentável à contextualização como fomento da convivência com o Semiárido, onde 15 apresentamos uma discussão teórica sobre um dos agravantes ao progresso dessas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, destacando a ausência da escola como retrocesso à formação cidadã e ao desenvolvimento local, entre outras considerações sobre os elementos da colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido Brasileiro, bem como o método Paulo Freire como promotor da educação contextualizada e pós-colonial, fomentando a convivência com o Semiárido. No Capítulo IV – Processos históricos e sociais na relação escola e desenvolvimento: do olhar dos sujeitos aos fundamentos teóricos, buscamos compreender como esses processos estão relacionados à vida dos sujeitos e por meio dos seus olhares tentamos responder a questão norteadora desta pesquisa; construindo uma linha de base para a trajetória do desenvolvimento local aproveitando o histórico de vida do morador Valdemar Ferreira Passos, para perceber que a escola não é mais um elemento social que povoa um lugar, mas que através dela as comunidades se sentiriam mais seguras na disseminação dos seus valores e culturas, promovendo seu crescimento pessoal, econômico, político e social. Em seguida, nas Considerações de um processo que continua..., destacamos quem são os atores responsáveis por ministrarem as dinâmicas existentes nestas comunidades, bem como relatamos as dificuldades e os resultados encontrados, ambos tornando-se elementos de grande importância para a conclusão deste trabalho, reforçando o objeto que moveu a preocupação para o estudo da temática, suas contribuições para nossa formação pessoal e profissional, voltado a uma prática mais contextualizada, apta para um fazer que possibilite a valorização e transformação cada vez melhor desse espaço, primando pela qualidade de vida dos sujeitos, bem como do próprio espaço social tendo como base para tal a convivência com o Semiárido Brasileiro. Por isso, esperamos que os resultados desse trabalho, possam ser úteis para a reflexão e a prática dos sujeitos, agentes e atores da mudança social das localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, bem como dos possíveis educadores na lida com seus aprendizes, para um fazer dinâmico, contextualizado e de fato satisfatório à convivência com o Semiárido Brasileiro. 16 CAPÍTULO I DAS MEMÓRIAS IMPLICADAS À CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO Este capítulo aborda a história e a memória de Cacimba do Silva e Sertãozinho sob o ponto de vista das implicações da autora, justificando a escolha por esse tema de pesquisa, bem como a metodologia empregada, a questão norteadora e os objetivos pretendidos, voltada ao fomento do desenvolvimento local dessas localidades. Traz ainda a pertinência social e a contribuição para a reflexão da proposta de educação contextualizada para convivência com o Semiárido Brasileiro. As localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho são duas comunidades bem unidas em todas as suas manifestações, embora sejam diferentes e fiquem um pouco afastadas uma da outra, estão locadas próximas da pista, na rodovia recém-asfaltada, da BA 210 que liga Juazeiro a Curaçá. Mas o que nos traz aqui, por meio deste capítulo é apresentar e fazer conhecidas essas duas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, embasando os conhecimentos teóricos adquiridos no decorrer deste Curso de ECSAB ao qual estamos a concluir, na prática dos sujeitos que vivem nestas localidades, a partir de interações que constituem nosso olhar, que produzem nossas identidades e que se inscrevem em nossas memórias e nas memórias dos nossos entrevistados, moradores e protagonistas destas localidades. Até participar deste curso, não pensava nas experiências destes atores enquanto partes do Semiárido, às vezes também me reportava ao Semiárido como um lugar distante, indiferente às minhas experiências, não tinha um conceito próprio, formado sobre esse território, do qual sou também integrante dos seus processos históricos e sociais, assim me via cúmplice dos falsos discursos depreciativos e preconceituosos que ora ainda reforçam a falsa imagem desse espaço como lugar feio, seco, pobre e miserável. Não imaginava o Semiárido como espaço de transformações, rico em diversidades ambientais da região, de natureza, ora com vegetação seca e sem esperança, ora também cheia de vida, força e resistência, capaz de potencialidades mobilizadoras e transformadoras, capaz de uma convivência significativa aos seus moradores, como um fenômeno mais que natural, um milagre da vida no Semiárido. 17 Apesar de inexplicadamente sentir prazer de viver neste lugar, querer permanecer e nele me estabelecer enquanto sujeito, social, cultural e com a identidade Semiaridiana, esse sentimento de pertencimento não me era revelado, abrochando-se a partir dos conceitos, das experiências e dos resultados trazidos e apresentados pelos docentes deste Curso, que durante este tempo de aprendizagem, me conduziram a revelar nesta pesquisa, a base de toda a minha vida, que está ligada, enraizada e entrelaçada nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Foi neste Curso, que retomei o gosto pelos sentimentos adormecidos, quanto ao pertencimento a este lugar, construtor de subjetividades e da minha identidade sertaneja, reportando-me ao lugar em que vivi com a minha família, durante toda essa existência. E que lugar era esse? Era o mesmo em que eu estava, mas não o enxergava como sendo parte de mim e nem eu dele, que está associado ao próprio Território do Semiárido Brasileiro. Estava numa espécie de transtorno psíquico severo que se caracterizava classicamente pelo conjunto de sintomas: alterações do pensamento, alucinações visuais, sinestésicas e sobretudo, auditivas, com delírios e alterações no contato com a realidade, diria que era uma esquizofrenia quase aguda, e seus efeitos repercutiam também no comportamento e nas emoções. Daí então, porque não relacionar com este curso às vivências e experiências deste espaço, seu resgate histórico e social, seus avanços ou retrocessos, pensando a educação contextualizada como fomento ao desenvolvimento local e empoderamento das famílias moradoras com seus jeitos, fazeres e sentires pertencentes a este lugar e que como eu, ainda não refletia seus aspectos históricos, sociais e a própria experiência de convivência com o Semiárido, suas tecnologias e propostas apropriadas para um fazer cotidiano mais significativo e condizente com sua realidade social. Com isso, buscamos compreender e construir uma nova concepção de Semiárido, “baseada no reconhecimento de que o seu povo também é cidadão, com direitos a serem respeitados, deixando-se de lado a postura de que as ações e políticas voltadas à região são atos de bondade de pessoas, governantes ou organizações” (ASA, 2012, p. 5), mas de toda uma articulação positiva entre todos os agentes do desenvolvimento social, provando a capacidade inovadora das famílias da região na construção coletiva de saberes e na troca dos conhecimentos desta convivência com o Semiárido Brasileiro, nas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. 18 Assim, nos subtemas que seguem destacaremos as memórias e recordações sobre as experiências das localidades pesquisadas, através dos relatos pessoais e extratos de entrevistas realizadas com representantes destas localidades, bem como apresentamos os objetivos e metodologias que justificam a escolha pela temática abordada nesta pesquisa, pensando uma educação contextualizada que satisfaça a vida dos seus moradores nestas comunidades rurais do Semiárido. 1.1. Implicações da pesquisadora sobre as experiências de Cacimba do Silva e Sertãozinho – reflexos da Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido O presente Trabalho pretende apresentar as localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, distrito de Itamotinga, no município de Juazeiro Bahia, através das observações e análises enquanto moradora e expectadora do desenvolvimento destas localidades, onde temos testemunhado todas as condições para reflexão e análise desse modelo de desenvolvimento que vem se estabelecendo nestas localidades, desde que nascemos e que ficaram na memória e na lembrança dos seus moradores. Dessa forma, valho-me dessas experiências que nos motivaram a elaborar esta pesquisa, a fim de fazer conhecida e resgatar a história da memória dos moradores e seus processos sociais na luta pela convivência com o Semiárido nestas localidades. Por isso, pesquisamos essas localidades para também registrarmos a história desses lugares e das pessoas que vivem neles, pois não encontramos registros com essas características, com o intuito, principalmente, de tocar a quem ler e a quem se interessar por essas histórias, para nos ajudar no possível, a pensar esta educação escolar significativa para essas localidades como fundamentação do seu desenvolvimento rural sustentável. Com tudo, por conta da ausência desta escola, é que vem se configurado um grande problema: seus moradores se sentem ameaçados pelo abandono que vem aumentando a cada ano nestas localidades, pois os sujeitos saem para estudar em outros lugares e não retornam para ajudar na convivência com estas comunidades. E de certo modo, não entendem ainda sobre a proposta de convivência com o Semiárido. 19 Desse modo, a preocupação deste instrumento de análise e reflexão teórica é encontrar uma forma de trazer a essas localidades, junto com a proposta de convivência sugerida na pesquisa e durante o Curso em formação, com recursos práticos-metodologicos e materiais significativos, uma “posição” no que diz respeito ao retorno de uma escola nas referidas comunidades. Ressalvo que essa escola não necessita “ser como uma prisão 1”, ou um prédio para acontecer às aulas, mas que seja uma instituição capaz de propor melhorias e mobilidade social dessas pessoas, nestas localidades, como algo novo e importante, útil para superarem seus obstáculos na vida no geral e fortalecer o desenvolvimento local, bem como o empoderamento das famílias destas localidades. Assim, procuramos nos precursores da proposta de educação contextualizada para convivência com o Semiárido, reforçar, nas análises da temática exposta, para as pessoas destas localidades e para quem mais esse material servir, uma idéia revolucionária, passando a “conscientiza-los sobre a ideologia opressora”, tendo como compromisso a “libertação dos oprimidos”, segundo Freire (1987, p. 17), guiando-nos pelas ideias dos autores, com ênfase para Caldart (2007), Dowbor (2006), Freire (1996), Guareschi (2000), Martins (2011), Molina (2008), Reis (2004), entre outros autores dispostos nas referências bibliográficas. Esses autores nos movem de esperança e de sonhos, sonhos que partem daqui, do local, nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, dos processos que movimentam as lutas e conquistas desenvolvidas para o bem comum dos seus moradores, pensando na sua história, avanços ou retrocessos, mas, também compreendendo que esses sonhos começados no local podem terminar no global, no mundo. Por isso, iniciamos através desta pesquisa, a realizar um desses sonhos, tentando fazer com que outros saibam da nossa existência, daquilo que temos e pretendemos ou que podemos produzir, se nos forem dadas às oportunidades e as condições de trabalho, ferramentas certas para nossa produção ser de qualidade e que satisfaça as nossas necessidades e das futuras gerações. 1 Termo usado pelo colega Maurício, durante apresentação do Estado da Arte deste TCC, aos docentes da disciplina de Estágio de Monografia II, pela UNEB-DCH III, em Maio de 2012. Maurício se referiu a escola como uma prisão, por que os alunos não se formam para mudar as estruturas sociais de injustiças e desigualdades, mas, por ser uma escola sem condições adequadas para o preparo dos mesmos, estes alunos agem como marginais vândalos presos dentro de uma estrutura semelhante à prisão, com grades nas janelas e rodeada de muros que os impedem de “ver a vida” fora da escola. 20 Portanto, estamos aqui para mostrar também que, embora os moradores não tenham recebido a educação como de direito, que apesar da ausência da escola, os mesmos possuem estímulos e autoconfiança para irem além das suas limitações, demonstrando para o mundo que o aprendizado não está apenas nos métodos, quadros, salas, paredes, etc., presentes na escola, mas também nas relações sociais dos sujeitos pertencentes a esta sociedade, através dos valores e princípios associativistas e cooperativistas, com seus jeitos, sentires e fazeres. Segundo Canterle2 (2004, p. 1), o associativismo “é tido como uma das melhores possibilidades, pois faz com que a troca de experiências e a convivência entre as pessoas se constituam em oportunidades de crescimento e desenvolvimento”, tanto para as pessoas, quanto para as localidades nas quais se estabelecem tais valores. Essa autora apresenta ainda as ideias desses princípios associativistas e cooperativistas à luz da Constituição Federal Brasileira de 1998, no seu Artigo 174, § 2º, onde está consagrada a liberdade de associação quando estabelece que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. Ela determina ainda em seu Artigo 5º Inciso XVIII que a “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Muitas vezes esses valores, sentires e fazeres, tomados pelos sujeitos sociais nestas localidades, são vistos e pensados como estando na contra mão dos paradigmas hegemônicos dos colonizadores, mas que, dando às mãos as tecnologias apropriadas, produzem tanto quanto os efeitos atrelados à proposta de convivência com o Semiárido Brasileiro. Nesse sentido, com a pesquisa exploratória nestas comunidades, descobrimos que os moradores não compreendem o que são essas tecnologias de convivência, apesar de as terem implantadas na localidade, mesmo dando importância a elas, construindo práticas significativas e potencializadoras para o provimento das necessidades humanas, socioculturais, econômicas, políticas e ambientais, básicas e primando pela qualidade da vida destas e das futuras gerações nestas localidades. Dessa forma, ao analisar as questões levantadas durante a coleta dos dados, foi que nos sentimos direcionados a expressar aqui um pouco da nossa relação com essas comunidades e através desta pesquisa, transmitir aos sujeitos de Cacimba do Silva e Sertãozinho os conhecimentos relacionados à convivência com o Semiárido e a proposta de educação 2 Professora do Curso de Administração e Ciências Econômicas da UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão. 21 contextualizada que desconhecem, valorizando suas histórias, suas potencialidades e seus saberes como um avanço positivo ao desenvolvimento local, bem como uma oportunidade de melhoria das condições de vida nesta sociedade. 1.2. Memórias de convivência em Cacimba do Silva e Sertãozinho Nessa linha, nos colocaremos como atriz social dos processos que movem a vida nesse lugar e com isso nos implantaremos como elemento das suas memórias, história e acontecimentos sociais. Embora a minha história nessas localidades seja simples, ela também é comum às dos diversos sujeitos do Semiárido. Sou filha de pais humildes, que sobreviveram sempre da agricultura familiar, que na época não era entendida desse modo, mas que com sacrifícios conseguiram educar seus três filhos, até o dia que por motivos da falta da escola, meu pai resolveu nos tirar desse espaço rural para o do urbano, o que lhe revelou uma preocupação maior com a nossa educação e formação para viver não só no SAB, mas em qualquer lugar do mundo, pois pensava ele que seguiríamos seu mesmo caminho, o da evangelização dos povos na sua missão cristã evangélica. Mas cada um de nós, através desta “educação”, democrática, com direitos para fazer nossas próprias escolhas, procuramos nossos próprios caminhos, ligados ora à agricultura de subsistência familiar, compreendendo-a basicamente, quando a plantação era feita geralmente na pequena propriedade de minifúndios, e a finalidade principal, como ainda é, era a sobrevivência do agricultor e de sua família, não para a venda dos produtos excedentes, em contraposição à agricultura comercial, ora com a produção irrigada em outra localidade, nesta contraposição para a comercialização em escala maior, ligada ao modo capitalista de produção onde permitia que o capital realizasse todo o excedente produzido no conjunto da economia, como mais-valia o que lhe pertencesse, isso tudo por compreendermos mais tarde, que não era só de “pão” que vivíamos, mas precisávamos também comercializar nossos produtos, para gerar renda e manter as demais despesas familiar. Conhecendo as vias desta comercialização, procuramos as ramificações do comércio, que já não era mais com a agricultura, mas com o trabalho informal da cidade, no Mercado 22 Municipal em Juazeiro, e depois na própria educação, não por dom, mas por ter sido esta a nossa opção de vida naquele momento. Tudo isso porque ao término do ensino médio, não tínhamos ainda uma fonte definida e autossustentável com recursos apropriados para manter a produção e a renda da família, para retornarmos para estas localidades rurais. O processo produtivo presente em Cacimba do Silva e Sertãozinho precisava de implementos tecnológicos, que no momento, ainda custosos às nossas condições financeiras e à produção da caprinovinocultura como fonte de renda, para nós não era viável. Assim, contra vontade, continuamos na cidade, dando sequência aos estudos, onde prestando o vestibular na única universidade pública que existia na localidade a UNEB/DCH III, passei e fui para o curso de Pedagogia. Embora não me visse na sala de aula para aplicar os conhecimentos adquiridos, mas me prontificava a passar para todos os espaços de minha atuação os conhecimentos desta formação. Não só na escola onde fui trabalhar, mas na vida em geral, em que a pedagogia serviu de base para resolvermos as questões de toda a ordem, facilitando a organização e a prática dos trabalhos e condições em que me encontrava e também do ensino e da aprendizagem. Por conta dos meus pais serem evangélicos, meu nome foi escolhido da Bíblia por minha mãe, Maria Nilza e assim aceito e registrado por meu falecido pai João Batista, em Juazeiro-Bahia, no dia 18 de agosto de 1984, data em que nasci, e posteriormente educada por eles, me transformei em tudo que sou hoje. Na época meus pais residiam no interior do Distrito de Itamotinga, num roçado chamado Águas Corredeiras, onde passei junto com eles e com os meus irmãos Josué e Geiziane a perceber a dualidade natural do bioma do nosso Semiárido com seus desafios da seca durante a estiagem nas áreas longe do Rio São Francisco, onde se localiza a Cacimba do Silva e Sertãozinho, e da irrigação nas áreas próximas dele, onde esse roçado se encontrava. Lá as adaptações que utilizávamos como recursos tecnológicos, eram fáceis, tinha água em abundância e energia elétrica para o motor irrigar as fruteiras que meu pai cuidava, contudo, não favorecia no manejo de caprinos e ovinos, pois os animais eram presos no meio das fruteiras e mesmo com muito cuidado, ainda assim eles comiam e destruíam a plantação. 23 Assim, enfrentávamos uma dupla jornada, durante a semana vivíamos no roçado a beira do rio e no fim de semana retornávamos para a fazenda na Cacimba do Silva e Sertãozinho, para ajudar meus avós com a criação dos caprinos e bovinos e ajudar na corrida “contra a seca”, na época era uma corrida em busca de água do rio para essas localidades, para abastecer os humanos e os animais criados soltos no Fundo de Pasto. Que segundo Sabourin3 (1997, p. 2) são as “reservas de pastagem, em terras utilizadas para o pastoreio comunitário. Essas “terras comuns” fazem parte do patrimônio coletivo de comunidades rurais”, como dessas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Também ajudávamos na criação de galinhas e quando chegavam às chuvas, preparávamos o solo, entre outras coisas que desenvolvíamos por lá, junto com meus familiares nestas comunidades, para subsistência da família e com a produção para comercialização dos produtos irrigados na roça do Rio. Os alimentos que nos eram de subsistência nestas localidades eram os derivados da mandioca, pois fazíamos farinha na Casa de Farinha que tínhamos na Cacimba do Silva. Ainda cultivávamos abóboras, melancias enormes, milhos, tudo sem agrotoxos, entre outros trabalhos na confecção de roupas, bordados artesanais, em tecido ou couro, cordas de caroá, etc. que serviam de base para o sustento de toda a família e dos amigos que sempre estavam a visitar, bem como servia de empoderamento da família e fortalecimento da comunidade em que vivíamos nos finais de semana. Produtos das “tecnologias apropriadas” e possíveis na época, sem auxílios teóricos ou técnicos, mas da cultura tradicional local, ora com auxílio da eletricidade na área da irrigação, ora com as próprias forças braçais na área de sequeiro destas localidades, o que geravam o nosso pão de cada dia. Como nas proximidades do roçado em que vivíamos e passávamos a semana trabalhando há o Rio São Francisco, não sentíamos as mesmas dificuldades quando retornávamos nos fins de semana para o seio do patriarca Valdemar Ferreira Passos, que por coincidência é o meu avô, em sua humilde casa na Fazenda Cacimba do Silva, localidade pouca falada, porém bem conhecida pelos andarilhos que por lá repousavam, a fim de uma conversa ou de conhecimentos comuns, mas que davam certo, ensinados pelos seus antepassados sobre a produtividade rural que ele guardava. Esta é uma propriedade típica dos 3 Agrônomo e antropólogo; pesquisador del Centro de Cooperação Internacional en Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento - CIRAD, Departamento Território, Meio Ambiente. Professor visitante na Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande. [email protected]. 24 sertanejos com áreas cercadas por troncos de madeiras e arames farpados para proteção do plantio de palmas e de outras plantas forrageiras, entre outras áreas abertas que servem de Fundo de Pasto. Um humilde, mas aconchegante lar. Lugar onde me sinto a vontade, aonde aprendi meus primeiros passos, na terrinha quente e seca na beira da alta calçada, frente à porta e ao lado meu avô se sentava. Quem, pela primeira neta observava, e ao seu colo aboiava histórias de gado e caçadas na caatinga rumo abaixo. Figura 1: O Sr. Valdemar na sua residência em Cacimba do Silva. Lá eles caçavam animais típicos da caatinga (tatu, caititu, gambá e meleta) que sempre à mesa estavam nas horas difíceis quando o boi e bode faltavam, por motivos óbvios, que na seca eles definhavam. Mas ali não faltava nada. Parecia que essas coisas estavam logo ao lado. Meu avô entrava pela porta da frente, saia pela porta do fundo e voltava com a caça viva ou morta para minha avó Calú preparar. O fogão a lenha já estava preparado e o fogo aceso ela nunca apagava, bem cedinho quando o galo cantava, lá estava ela com o leite fervendo, derramando na brasa. O café bem fresquinho com o seu cheiro nos despertava e minha mãe comigo acordava. Na casa toda tinha gente espalhada, cerca de 15 filhos meu avô tinha morando com ele, cada um com sua missão, o dia inteiro trabalhavam, bagunçando e fazendo a farra. E ainda cuidávamos do filho mais novo que apesar de nascer com paralisia infantil e com todas as suas necessidades, éramos nós quem as realizava Figura 2: O Sr. Valdemar com a família em 1974. por/para ele sobreviver, até seus 24 anos de idade quando faleceu naturalmente. Esse filho era para nós motivo de fé e esperanças, nos encorajando para continuarmos na lida da vida. Pendurada na cerca via os bois no curral, meu avô sempre apressado tirava o leite das vacas. E minhas tias, muito corajosas, no meio destas ficavam, arriavam os bezerros para 25 depois ordenhá-los. Tinha um touro muito violento que sempre ali estava e toda vez que eu passava ele me olhava, sendo solto do curral eu corria por que ele de mim não gostava. Quantas quedas e arranhões eu sofria correndo da caatinga até em casa, com medo de bicho e da vaca Raposa4 que também comigo se zangava. Minha mãe sempre dizia para não vestir roupas vermelhas por que os bois não gostavam, mas eu sempre esquecia e às carreiras eu dava quando eles me avistavam. Aos gritos e choros meu avô me abraçava e com carinhos dizia que – isso era o que dava criança solta no meio das vacas! Ria muito e me acalmava, falando com as suas vacas para me deixarem em paz. Na roça do Rio São Francisco plantavam tudo que podiam e na hora de colher nos chamavam, tinha algodão, pimentão, melancia, cebola, feijão, maracujá e melão eram os alimentos que mais davam, soltando os bichos na roça depois que a safra acabava. Caminhão, trator e burro eram os que mais ajudavam, levando as frutas para o Mercado Produtor da cidade, ou para os vizinhos ao lado, que revendiam o que compravam. Tinha medo das máquinas, quando meu pai as contratava para arar a terra além dos seus cuidados, gostava mesmo era do burro que trabalhava calado, com ele já estava acostumada, só com os coices me preocupava, mas desse jeito eu podia viver pelo meio da roça, brincando de agricultora, trabalhando para ajudar meus pais. Lembro-me que corria no meio dos sucos cheios d’água, cantando alegre em disparada. Pai me pedia pra não pisar nas covas com sementes plantadas, porque se não elas morriam e com a culpa eu ficava. Por isso me preocupava com cada uma que plantávamos. Também tinha medo de cobras, lagartixas e lagartos, camaleões e preguiças que por lá também andava, de nenhum eu sabia distinguir o nome e nem nada, achava todos parecidos, só o tamanho mudavam. Chamava por “tixas” cada um com um medo danado e mãe já sabia de que assunto se tratava, me abraçando corríamos, por que com medo ela também ficava. Meu pai sabia de uma raposa que estava sempre na moita comendo as galinhas no mato. Um dia ele arrumou uma arataca5 bem reforçada e na hora certa da raposa já acostumada, a entrar bem disfarçada para comer as galinhas que pela frente, sempre 4 Nome dado à vaca, por que tinha uma mancha, da cor de uma raposa, na cara. Armadilha de ferro, com uma corrente que fica presa em algum lugar, com a boca aberta e cheia de dentes, feita para pegar animais silvestres, que invadiam a roça para comer alguma criação ou a plantação. 5 26 encontrava, a arataca desarmou e ouvimos o ruído da danada. Era a pata da raposa que se quebrando, deixou-a presa na cilada. Meu pai correu pra vê-la e com pena trouxe-a para casa, amarrou-a numa árvore que tinha ao lado da casa até que a raposa se recuperasse da pata quebrada. Nesses dias passei a observar de perto aquele bicho assanhado, parecia muito esperta, até pude tocá-la, mas como não era domesticada quis me morder, e fiquei apavorada. Pai ria de mim, porque de longe me espiava e percebendo a sua presença questionei por que a raposa era tão brava? Respondendo, ele me disse por que ela era um bicho do mato e eu era a comida dela que faltava. As horas se passavam todos os dias iguais, não mudava, só a minha mãe quem dava um jeito no tempo dela, mesmo cansada, depois do jantar nos passava uma lição de casa, com os conteúdos das revistinhas da Escola Dominical da igreja evangélica que meu pai cuidava e nos fazia soletrar o B + A = BA que ela ditava. Foi com ela que aprendemos todas as letras do alfabeto da cartilha que nos dava e a escrevê-las no caderno de caligrafia que comprara, com letras maiúsculas e minúsculas, de fôrma ou cursiva, desenhando-as bem direitinho nas folhas de papel velho e usadas ou nos papelões que encontrávamos pelo chão que pisávamos, quando brincando de escolinha a meus irmãos eu ensinava, imitando a professora, que a noite nos ensinava. Minha mãe fazia provas orais e repetições das letras e junções silábicas que caprichosamente eu fazia nos papeis que achava. No começo era bem complicado e meus irmãos com sono nem ligavam, eu e ela acordadas a aula toda ficávamos. As dificuldades eram grandes, não tínhamos os materiais adequados e nem livros de nada para a aprendizagem ser mais prazerosa e/ou comparada a da escola que bem longe dali estava. Mas mesmo assim ela dizia que era importante ensinar o que sabia para seus filhos, ajudando a perceberem a vida como era lá fora. Não se deixava abater e nem sabia se estava certa ou errada, ensinando-nos, ela continuava até a idade certa que exigiam para a matrícula na escola. Seus materiais eram muito simples, só tinha uma caixinha de lápis e outra de borrachas, que guardou do seu tempo de professora leiga na escola que tinha quando era solteira na fazenda de seu pai na Cacimba do Silva. 27 Ao se casar com meu pai teve que deixar a escola, preocupada com os alunos repassou para sua irmã Coralina continuar. Só estudou até 3ª série do ensino fundamental I e não deu mais para se formar. Como se casou, e a regra do município dizia que para ser professora tinha que morar no lugar, infelizmente, minha mãe não pôde mais ficar. Indo morar no lugar onde seu esposo tinha construído sua casa, nesta roça Águas Corredeiras, a margem do Rio São Francisco, próximo de Itamotinga onde foram morar. Embora não soubessem na época o que significava contextualizar, ela usava os artifícios do meio onde morávamos para nos educar. O livro didático eu não conhecia, só de ouvir ela falar, nem histórias de nada sabíamos, só as que da Bíblia meu pai em suas pregações dava tempo escutarmos, na igrejinha à noite, ou na Escola Bíblica Dominical. Televisão não se tinha e nem novelas sabia o que significava, notícias não ouvíamos e só uma radiola velhas às vezes conseguíamos escutar as músicas que ensaiávamos para na igreja cantar. No meio da roça ficavam sacos velhos de adubos e fertilizantes, alguns tóxicos que a agricultura comercial exigia na época para que as plantações fossem regadas, latas de sementes, etc., das plantas que meu pai plantava, e nestes materiais era como eu percebia a leitura, a escrita e a forma dos textos científicos que por ali também se apresentavam. Nesse contexto eu questionava a minha mãe o que aquelas letras formavam e ela tranquilamente me explicava sobre as coisas que os textos falavam. Num saco de URÉIA ela me fazia soletrar as letras que formavam as palavras e assim ia comparando as letras aos nomes que podíamos formar: – U de uva, R de Rute, É de éter e escova, I de igreja e A de água, eu ainda curiosa, questionava, – e esse risco em cima do É, é o que? – “É o acento agudo que depois você vai aprender o que é”, ela me respondia. Com os numerais não foi diferente, ela nos fazia contar as sementes de cada coisa que iríamos plantar. Para cada suco aberto que meu pai fazia na área irrigada para plantar, ela nos dizia a quantidade de sementes que tínhamos que colocar. Sem saber o que eram os números, a essas horas, cansados, já sabíamos contar, e até o dinheiro ela nos ensinava como reconhecê-los, para ninguém nos enganar na hora de vender os produtos da roça e as coisas que faziam para revender, tais como remédios caseiros, cascas de pau, artesanatos, entre outros bens diversos de cama, mesa, banho, roupas e alumínios que eles também comercializavam como incrementos a renda familiar naquela época. 28 De vez em quando eles nos pagavam pelos serviços prestados, para nos motivar. Claro que era apenas uma forma criativa de nos avaliar se a teoria que eles nos ensinavam estava dando certo com a prática na hora de ajudá-los a trabalhar. Todos esses conhecimentos eles nos repassavam e estavam todos relacionados com as nossas atividades cotidianas, experiências da nossa casa e do meio em que vivíamos, hora na roça com bastante água, hora na fazenda com a falta dela e com as atividades totalmente diferentes, uma na agricultura, outra com a pecuária, inclusive com aspectos sociais diferentes, pois na roça não havia interação com outras pessoas como havia na Cacimba do Silva com os parentes e os demais moradores da comunidade. O tempo de matricular as crianças com seis anos de idade passou, eu já estava com sete anos e minha mãe continuava esperando por meu irmão mais novo para completar os seis anos, quando nos levou para a cidade de Juazeiro para estudar. Na época, o prezinho era a série inicial da alfabetização e a professora não quis me ensinar, julgou-me adiantada para nessa etapa ficar, além de ser a mais velha em idade, com os demais alunos da turma eu não podia continuar. Daí então, com uma semana ajudando-a a ensinar o ABC e os Numerais para a turma, ela chamou minha mãe para conversar e juntamente com a direção da escola me conduziram à 1ª Série para estudar, quando eu aprendi a ler, porque que eu ainda não conseguia decodificar as palavras e juntá-las para soletrar e de lá até aqui com muito esforço e dedicação, buscando esse estudo para me especializar. Gostava de matemática e só notas boas eu tirava, colocadas em meu boletim a minha mãezinha se orgulhava, dizia que eu seria médica e toda roupa branca ela me fazia usar. Tinha mania de fazer “xuxinha” em meus cabelos para não arrepiar, doía muito até bonita eu ficar. Com a necessidade de ir embora do campo para morar na cidade de Juazeiro, primeiro pela obrigatoriedade do ensino e por que não havia escola no lugar, meu pai como evangélico e dirigente da igreja local, foi chamado para cooperar na Sede desta igreja da cidade. Unindo o útil ao agradável, ele achava que sua vida seria mais fácil e que nós teríamos condições de vida melhores que a dele, não sendo mais agricultores, seríamos ao menos como ele, determinados a seguir os “caminhos” do Senhor. Foi então, nesta cidade onde descobri as interfaces entre o campo e a cidade, das diferentes pessoas que existem e das classes sociais e que havia ainda os “pré-conceitos” de 29 toda a cor, religião e opção sexual, que existiam perigos, mesmo dentro de casa, só que agora o medo não era só de bicho animal, mas era maior que isso, o medo pelo bicho gente, e do “ser” social. Muitas coisas não sabíamos e meus pais nos ensinavam, tentando cumprir sua missão de que era precisavam “educar a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele” (PROVÉRBIOS, 22, 6 apud ALMEIDA, 2002). Já que éramos evangélicos, a dificuldade que eles tiveram que enfrentar era maior ainda, pois na cidade tudo era novo e muito “permissivo”, e dependendo do que víamos, era considerado lícito, mas no nosso “caso” não convinha ter e nem podíamos fazer por conta da doutrina da igreja que não aceitava, até a TV nesse momento ainda não era fácil possuir. Tínhamos que driblar as vistas dos nossos pais para acompanhar nossos colegas, durante as atividades mais comuns de crianças na cidade e que às vezes a escola preparava como complemento lúdico das aulas, tais como assistir algo na TV, brincar com jogos didáticos e eletrônicos, sair para ver o circo, teatro, cinema, isso eu nunca podíamos realizar enquanto meus pais se responsabilizavam, acho que fui numa roda gigante só depois de casada, ir na praça, entre outras coisas que estão na cidade e os para uso dos cidadãos mais comuns realizarem e que são práticos e específicos para as crianças e adultos em geral. Além de termos poucas condições financeiras, sermos evangélicos e meus pais trabalharem muito, a vida na cidade não era fácil, era muito corrida e agitada, nada ficava no mesmo lugar por muito tempo, as transformações eram/são constantes e até uma rua que era sem asfalto num dia, no outro já estava programada para asfaltar, todo dia uma confusão, poluição de todas as formas, dava vontade de chorar, com saudades de nossa rocinha aonde a raposa vinha nos assustar. O alívio era maior quando meus pais resolviam visitar meu avô Valdemar, na Cacimba do Silva e Sertãozinho, onde tudo voltava ao lugar e a gente sentia que os nossos valores e as crenças tinham mesmo um significado pessoal, nos equilibravam e nos fortaleciam aos propósitos da fé e da esperança do mundo melhorar. Lembro-me do dia em que entrei na escola para estudar, na “escola de verdade”, como minha mãe costumava chamar. Quando conheci a escola, e vi as diferenças da cidade e a falta que sentia do campo preferi ter a escola de “mentira” que minha mãe nos ensinava na rocinha na margem do Rio São Francisco. 30 Em Juazeiro também passa o mesmo Rio, mas como éramos crianças, não podíamos nem se quer ir por lá, pois ficava longe de casa e havia os perigos para a nossa idade, havia também um mito sobre um tal “Papa Figo6” que mais nos deixava arrepiados só de lembrar, que ele arrancava os órgãos das crianças e vendia para outros lugares. Se era crendices popular não sabíamos, mas algumas crianças sumiram ou morreram desse tempo para cá. Vivíamos enfurnados dentro de casa sem sair para outro lugar, que não fosse à escola ou a Igreja, porque nossos pais trabalhavam e não tínhamos com quem ficar, aproveitávamos o tempo juntos para brincar. Agora era de carrinho e boneca por que não podíamos nos sujar. Andar descalços não podia, porque era coisa de quem não tinha pais, moleques abandonados que víamos nas ruas e as pessoas os rejeitavam, ficar na calçada ou em frente de casa só quando tinha adulto ao lado para nos observar a brincar. A alegria só chegava quando íamos para a escola com outras crianças ficar. Pois compreendi a escola como diz a poesia de Paulo Freire (2007, s/p) que a “escola é (...) o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos”. Estava contente, apesar do medo do novo que agora ia enfrentar, mas prestava atenção em tudo e percebia as diferenças destes conhecimentos com os que havíamos aprendido com minha mãe na roça. Pensava na escola como um lugar cheio de cores, desenhos e brincadeiras, papéis coloridos com figuras e desenhos, diferente das letras que minha mãe desenhava para a gente ver com uma única cor, a do lápis de escrever. Nessa escola tinha algumas cores, as aulas eram mais atrativas, tinha mais criatividade da professora para chamar nossa atenção, embora o número de alunos fosse muito grande e ela tinha que se desdobrar em várias professoras ao mesmo tempo para dar conta do seu papel, inclusive eu a auxiliava nas atividades com os colegas que não sabiam ainda o que a Pró ensinava, e com minha mãe, com três alunos, era uma briga todo dia se nós não olhássemos para o que ela nos fazia estudar. Nessa escola tinham materiais didáticos adequados, carteiras e quadros, mas para mim aquilo não era novidade, eu já imaginava que a escola fosse como esta se apresentava, algo 6 A lenda do Papa-Figo, um sujeito estranho, que sofre de uma doença rara e sem cura, que dizia atrair as vítimas para aliviar os sintomas da sua terrível doença ou maldição, onde precisava se alimentar do Fígado de uma criança. Era uma espécie de Lobisomem da cidade. (www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/literatura-infantillendas-e-mitos-do-folclore/papa-figo.php#ixzz1y7D0kiQA). 31 parecido com aquilo mesmo, embora sonhasse com uma escola diferente, sem “prisões”, sem cobranças e sem avaliações, com mais conhecimentos e mais exemplos que fossem úteis ao meu dia-a-dia fora dela, melhor que os saberes que minha mãe nos ensaiava em sua casa na roça, nos educando para o trabalho e para não sermos enganados por pessoas estranhas e mal intencionadas. Ela dizia-nos até para não recebermos presentes, doces ou dinheiro de estranhos na rua por que havia um acentuado índice de crianças desaparecidas que eram pegas desse modo, nas ruas da cidade, mesmo sem ter os conhecimentos, materiais e métodos de ensino apropriados, gostava mais da forma que ela me explicava às coisas, comparados à realidade em que vivíamos com sementes e sacos de adubo, do que os que víamos nesta escola, que se baseavam em coisas que ainda não tinha visto, nem sabia do que se tratavam, até os livros e figuras eram de lugares distantes ou mesmo fora do nosso território. A idéia que eu tinha era de que devíamos ter vergonha do nordestino, do meu avô na fazenda. Isso eu não entendia e ficava revoltada, quando os alunos me perturbavam, me chamando de catingueira, por ser do interior e gostar dos jeitos, fazeres e sentires das áreas rurais. A forma da professora nos tratar era carinhosa, parecia com o aconchego de casa, uma única coisa que me angustiava, é que tinha na sala um armário cheio de livros, com histórias engraçadas, mas a professora não nos deixava pegar, tinha os dias marcados para ela abrir e distribuir os livros para descobrirmos seus mistérios, aquilo me deixava ansiosa e acabou que eu sai da turma dela e não conheci os mistérios daquele armário, sempre que voltava lá para ver se ela tinha aberto o armário, ela me mandava retornar a minha outra sala de aula. Nunca tinha visto um livro de escola, só os que meu pai usava para aperfeiçoar suas pregações sobre a Bíblia e desses eu já sabia do que tratavam e também sabia distingui-los da Bíblia, que hoje tem disponibilizado modelos de todos os formatos, com estudos diversos e até especificas, para homens, pastores, mulheres, e também só para crianças, embora eu nunca pudesse ter uma, de qualquer de suas formas que viessem. Outra coisa que me chateava era a hora de sair da escola, a professora só deixava sairmos depois de corrigir a atividade no caderno e anotar alguma coisa para casa, isso por ordem alfabética, e meu nome com a letra R sempre ficava até o fim, muito revoltada, eu não sabia dessas regras do alfabeto, e ela usava-as para a chamada também. Nessa hora eu queria 32 que meu nome iniciasse com a letra A, para ela me deixar sair logo dali ou ver os livros que mais me interessavam. Na turma nova que ela me transferiu tudo era diferente e mais independente da professora. Exigia a leitura, que eu ainda não sabia e foi um tédio ficar lá, ia para a escola triste e preocupada com as perturbações dos colegas, que me chamavam de “burra” na hora da leitura, até o dia que saímos de férias do meio do ano e a professora sugeriu a leitura de um livro. Finalmente, era para recontarmos a sua história na sala quando retornássemos das férias. Peguei o livro com tanta força, achando que era pesado, mesmo sendo fino, com tanta curiosidade para ver o que tinha dentro e fui às pressas para casa. Nunca tinha ficado tão próxima de um livro dessa forma e ainda mais de levá-lo para casa. Em geral os livros ficavam em lugares altos, para que crianças como eu não rasgassem ou danificassem. Tive um cuidado absurdo, com medo de tudo. Era fim de semana e como sempre fazíamos, na sexta feira ao acabar a aula, íamos para a Cacimba do Silva. Dessa vez para passarmos todas as férias e lá me debrucei sobre o livro para aprender aquilo que mais me angustiava, nas horas difíceis chamava minha mãe e ela me ajudava. Nesse dia aprendi a ler e nunca mais passei nervoso na escola e nem na série que fui transferida sem ter passado pelas etapas da alfabetização como deveria, principalmente quando a professora chamava meu nome para ler o ditado. Passei para outra série onde peguei recuperação em matemática, o livro didático que ganhei não tinha os conhecimentos que a professora falava, e eu não tinha outras fontes de pesquisa em casa, tirava nota boa em tudo, mas em matemática, nesta série, a nota era sempre insuficiente, até chegarmos à recuperação. Todos ficaram de férias no final do ano e eu saí chorando, a professora percebeu minhas lágrimas e me levou num canto da sala, lhe contei que tinha ficado triste pela recuperação e ela complacente me deu um livro novo para rever os assuntos da prova. Fiz com esse livro o mesmo que tinha feito com o outro para aprender a ler. Observei todas as páginas e estudei minuciosamente cada operação matemática, as de adição, subtração, multiplicação e divisão eram as que eu mais errava, mas era por que não compreendia a fórmula dessas equações. 33 Daí, um dia eu vi que meu pai estava construindo uma parte da nossa casa e fazendo suas contas para comprar os materiais da construção ele usava as mesmas operações que eu estava sem compreender no livro didático, então perguntei o que era aquilo que ele estava fazendo e aprendi a fazer os cálculos com ele, depois eu fui aprender no livro as formas geométricas que também iam cair na prova e vendo os desenhos do livro, percebi que se pareciam com os quadros e formas da planta da casa que meu pai estava construindo. Acho que foi a partir desse momento que surgiu meu interminável gosto pela construção civil e a minha batalha até hoje para entrar num curso de Engenharia Civil. Assim, no dia da prova, cheguei afiada, fiz a prova toda em menos tempo que os demais alunos da recuperação. A professora pegou minha prova numa tristeza, achando que estava tudo errado, como sempre, mas se surpreendeu quando olhou a primeira questão acertada. Corrigiu a prova ali mesmo e me deu a primeira nota 10 em matemática do ano e que eu precisava para passar desta série para outra em outra escola em Carnaíba do Sertão aonde fomos morar, por que meu pai havia sido enviado pela igreja para fazer a obra missionária. Neste dia da prova saí feliz e contente com o resultado e nunca mais tive problemas com matemática. Essa foi a primeira e última vez em tantos anos de estudo que fiquei de recuperação. E através do susto, foi à matéria que mais me identifiquei nos cursos com essa disciplina. Foi assim que aprendi a valorizar os conhecimentos dos livros e a perceber suas dicotomias também. Inclusive entendo-os hoje como descontextualizados. Sei que eles são materiais importantes no auxilio da prática pedagógica e que podem nos ajudar, mas se não tivermos cuidados com os seus conteúdos, eles também podem nos prejudicar. Penso que o professor precisa está atento a esses detalhes para não prejudicar seus alunos, como essa professora quase me fez perder um esforço de todo um ano, trocando meu livro didático por outro com os conhecimentos que ela havia de colocar na prova, e se não tivesse meus pais que sabiam contextualizar, mesmo sem saber o que isso significava na sua prática, enfiada apenas nos livros descontextualizados, que eram aos montes, distribuídos para estudarmos na escola, teria repetido o ano e sofrido as mesmas dificuldades no ano seguinte. Por que os livros que eu estudava eram os mesmos que meus irmãos recebiam na vez deles na 34 série em que eu passava. Acho até que os mesmos desafios eles venceram, por que estávamos sempre juntos. É assim que relato nessa pesquisa, um pouco da minha história de aprendiz nas primeiras séries da escolarização. Deixo um alerta, para analisarmos bem os livros que chegam às nossas escolas, mas feliz e satisfeita com o progresso dos educadores que se prezam, em estar neste Curso de Especialização de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, para zelarem dos seus métodos e de uma educação de qualidade, condizente com a vida e as experiências dos sujeitos à nossa volta, percebendo que as nossas contribuições enquanto educadores/as são de fato pérolas, que não podem e não devem ser jogadas ao vento sem nos preocuparmos com os efeitos que surtirão na vida dos nossos educandos. Desse modo, essa pesquisa busca resgatar a história de Cacimba do Silva e Sertãozinho, por que apesar de sair desse lugar para estudar, também encontrei nessas localidades as condições que me conduziram a tudo que sou hoje, enquanto ser e sujeito social; não foram riquezas materiais que alcancei, mas foi algo mais importante que isso, os saberes que apoiados às “tecnologias” e experiências certas me ajudaram a pensar e buscar melhorias para a minha vida e para as pessoas que querem permanecer nestes lugares. Nesse sentido, esse resgate histórico vem servir de base para compreendermos que a vida no campo, também é uma construção e reconstrução de práticas e valores úteis, dignos e viáveis para a permanência deste povo nestas localidades rurais do Semiárido Brasileiro. Vale ressaltar, que nessas localidades há também empenho e articulação com outras iniciativas para o fortalecimento dos processos de desenvolvimento social, tais como busca ao crédito, assessoria técnica adequada e qualificada e várias outras ações que no seu conjunto vão ajudando a constituir a efetiva convivência com o Semiárido. Observando esse processo, percebemos que as peculiaridades das referidas comunidades, como abertura a inovação e ao cooperativismo vão ressignificando esse espaço como um lugar de características próprias e que as tecnologias, inovações e experiências precisam das condições ideais para a sua implantação. Assim, essa pesquisa pretende contribuir ainda com a construção de alternativas para a convivência com o SAB nestas localidades, de forma que estas atinjam as condições dignas e 35 justas para todas as pessoas, minimizando inclusive o maior de seus problemas, o êxodo de moradores para outras áreas ou lugares com escola e melhores condições para o trabalho. Sendo assim a questão norteadora desse trabalho foi – Como o estudo dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revelam a contribuição da escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido nessas comunidades? Que nos conduziu a outras questões complementares para entender os processos históricos e sociais das comunidades pesquisadas, bem como a escola se desenvolve nelas e quais suas contribuições para o desenvolvimento comunitário. Partindo disso, descobrimos que o fechamento da escola se fez a partir de 2001. Dai por diante as pessoas ficaram sem uma referência de desenvolvimento cultural e do conhecimento formal. Mas, mesmo assim procuram formação, adequada, para darem segmento as atividades locais, embora que essa formação concebida fosse a partir da relação com outros órgãos, ou seja, na educação não-formal com as intervenções da EBDA, SEBRAE, EMBRAPA, AGETEC, entre outros. O fechamento das escolas do/no campo, como bem defende o MST é um crime! Na Página do MST na internet (2012) informa dados que mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra o drástico problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural. De acordo com o Censo Escolar do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, do Ministério da Educação, existiam 107.432 escolas em 2002. Em 2009, o número de estabelecimentos de ensino reduziu para 83.036, significando o fechamento de 24.396 estabelecimentos de ensino, sendo que 22.179 de escolas municipais. Dessas escolas se incluiu a escola do campo de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Desse modo, Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST afirma que, O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio, que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola. (apud MST, 2012, p. 2). Assim, procuramos com essa pesquisa, propor uma escola contextualizada para essa gente poder formar, com os conhecimentos necessários a Convivência com o Semiárido, 36 garantindo a esperança de políticas públicas para esse Território Semiárido, dignificando a vida dos sujeitos sertanejos que assim quiserem melhorar, sem que para isso precisem sair dele para outros lugares. Por isso, deixamos expectativas, sonhos e recordações, certas ‘verdades’ que resgatamos dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho para o desenvolvimento destas localidades, compreendendo dessa forma que é impossível pensar o desenvolvimento sem se pensar a relação com a educação. 1.3. Objetivos da pesquisa O objetivo geral deste trabalho foi analisar e resgatar os processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a proposta de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, bem como perceber os avanços e retrocessos presentes na construção da identidade dos moradores e no desenvolvimento sustentável destas localidades. O que nos levou a pensar nos objetivos específicos, onde ressaltamos significados relevantes desses processos do local para o global, em relação a suas histórias e interferências externas na convivência destes com o Semiárido, bem como seus problemas, soluções, projetos e apoios de subsistências que têm sido aplicados e desenvolvidos com os beneficiários, principais agentes de transformação dessas localidades, elaborados e difundidos por dirigentes de associação, da igreja evangélica e da cooperativa local. Tais objetivos específicos buscam contribuir na reflexão da proposta de educação contextualizada para convivência com o Semiárido, bem como levar essa proposta para pensarmos o retorno da escola nestas localidades; conhecer os projetos de desenvolvimento sustentáveis voltados à implantação de técnicas de manejo e produção de caprinos e seus derivados como geração de emprego e renda; e por fim agregar valores no pensar e repensar as práticas de educação contextualizada para convivência com o Semiárido, na organização social de comunidades de fundo de pasto para a permanência de seus atores neste espaço social. 37 1.3.1. Justificativa Por se tratar tanto de movimentos sociais e práticas de convivência com o Semiárido Brasileiro que têm dado certo é que surge a necessidade em fazer conhecidas as experiências e vivências dos sujeitos das localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Neste lugar, foi palco da realização do Projeto Cabra Forte a partir de 2003, programa do Governo do Estado da Bahia. Quando foi implantado, atendia aos pequenos produtores de caprinos e ovinos do Semiárido baiano. Figura 03: O produtor Marcio Irivan Passos em salvador, firmando o acordo com Governador Paulo Souto, no projeto Cabra Forte, registrado no Diário Oficial do dia 26 de novembro de 2004. A iniciativa foi uma estratégia adotada com o objetivo de possibilitar a inserção social dos produtores através da geração de renda proveniente da ovinocaprinocultura e, conseqüentemente, melhorar a qualidade da vida de suas famílias que concluiu seus objetivos em 2006, construindo abastecimento de também água de sistemas poços de nestas localidades. Aqui também foi/é um lugar movido pelos cuidados da AGETEC – Assistência Gerencial e Tecnológica, responsável em tornar Figura 04: Sistema de Abastecimento de Água implantado com o apoio do Cabra Forte em 2006. 38 a gestão da propriedade rural mais eficiente e competitiva, aplicada em quatro regiões da Bahia com criadores de ovinos e caprinos, inclusive nestas localidades de cacimba do Silva e Sertãozinho, apoiados pelo SEBRAE, entre outras instituições que têm se articulado com interesses em investir, apoiar e fortalecer a propostas de convivência com o Semiárido. Com tecnologias apropriadas que têm dado certo, essas instituições servem de subsídio para a melhoria de vida de seus moradores de forma digna, com qualidade e equidade, inclusive na implantação da “Cooperativa de Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e Região, onde serão comercializados animais, leite e derivados produzidos na localidade”, como divulgou o SEBRAE (2010, p. 1). Iniciativas como estas dão aos moradores deste lugar uma oportunidade mais lucrativa e uma expectativa de vida mais elevada, comparada a dos que se encontram abaixo da linha da pobreza neste Semiárido. Desse modo, esse TCC do Curso de Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro vem propor uma reflexão sobre a temática apresentada a respeito de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro e propondo uma retomada da prática educativa na localidade, como avanço dos processos históricos e sociais da localidade, considerando em suas experiências os elementos fundamentais para o desenvolvimento da mesma e dos sujeitos como um todo. 39 CAPÍTULO II PROCESSO METODOLÓGICO DA PESQUISA – DIALOGANDO ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E OS SABERES E SENTIRES LOCAIS Durante esta pesquisa, tomada como um processo de aprendizagem tanto pra mim que a realizo, quanto para a sociedade na qual esta se desenvolveu, onde buscamos na metodologia empregada à abordagem qualitativa, em que tentamos descrever significados que são socialmente construídos, e por isso entendida como subjetivista, pois enfatizamos as interações do seu contexto, sendo de inspiração do tipo indutivo, já que parte da observação dos fatos presentes na comunidade e das experiências pessoais de convivência com o Semiárido, realizadas neste lócus. Considerando ainda as minhas implicações epistemológicas e metodológicas no desenvolvimento deste estudo, a partir de uma abordagem interpretativa, essas implicações se fazem segundo Schneider7 (2011), sob uma ótica que clama pela imparcialidade científica consciente, que não desconsidera a produção do autor como parte do universo pesquisado. Como diz a referida autora, A ótica da abordagem interpretativista integra linguagem e ação. Esta abordagem compreende o sujeito como ativo neste processo, de forma mais ampla do que apenas a interpretação do conteúdo bibliográfico, quando apresenta dados com valor científico, nascidos do confronto internalizado pelo pesquisador, dos diversos autores revisados (SCHNEIDER, 2011, p. 1). Mas também, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já elaborado, como evidencia o autor Gil (1996). Abrangendo uma leitura atenta e sistemática que se fez acompanhar de anotações e fichamentos que servirão à fundamentação teórica dos estudos, entre outras referências metodológicas que empregamos no pendente das necessidades que se apresentaram no desvelar desta pesquisa, tais metodologias seguiram os seguintes procedimentos: Implicação da pesquisadora sobre os assuntos abordados, bem como no desenrolar dos registros da memória e vivências da pesquisadora com os moradores; entrevistas com 7 Mestre pela UFSC – Engenharia e Gestão do Conhecimento, que tem por objetivo a formação de pesquisadores e profissionais responsáveis pela codificação de conhecimento organizacional, em nível tecnológico. 40 questões diversas direcionadas para moradores, sócios, dirigentes da associação de moradores e da igreja, bem como alunos e ex-professoras da escola extinta da localidade, com relatos da memória dos mesmos; transcrição das entrevistas e relatos; elaboração de diários de bordo; análises documental dos registros da Associação de moradores, bem como apoiando-se na pesquisa bibliográfica relacionada ao tema escolhido com intuito de contemplar às indagações motivadoras deste estudo, sobre o resgate histórico e social de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a proposta de ECSA, seus avanços e retrocessos. Por fim, refletimos e analisamos os fundamentos teóricos apresentados na pesquisa bibliográfica, numa produção monográfica de conclusão do Curso de Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, constituindo essa produção. Procuramos transmitir os conhecimentos necessários sobre a temática exposta, abordando na pesquisa as lembranças de fatos ocorridos da memória dos moradores, garantindo aos leitores informações precisas deste lugar compreendendo-o como um espaçotempo de experiências possíveis e capazes de transformar e formar outros sujeitos em seu seio para a continuidade dos trabalhos e das culturas existentes, perpassadas de pais para filho ao longo dos tempos. Também tentamos nos valer das referências da literatura de cordel, em alguns momentos da escrita, típica da nossa região Semiárida, que pensando como o mestre de Pombal, Leandro Gomes de Barros, o primeiro escritor Brasileiro de literatura de cordel, e ainda considerado o maior poeta popular do Brasil em todos os tempos, dizemos neste verso, “esta peleja que fiz, não foi por mim inventada, um velho daquela época a tem ainda gravada minhas aqui são as rimas exceto elas, mais nada”. (BARROS, 1889). Compreendendo essa literatura com temas que incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas, temas religiosos, entre muitos outros, como acompanharam as façanhas do cangaceiro Lampião e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, alguns dos assuntos de cordéis que tiveram maior tiragem no passado e que condizem com as questões abordadas nesse trabalho de TCC. Pretendendo com isso, fazer com que as necessidades dos sujeitos de Cacimba do Silva e sertãozinho, com a falta da escola nestas comunidades, toque os corações dos colonizadores que orientam as práticas de desenvolvimento, em todas as suas modalidades no Estado da Bahia e no Brasil, como tocou o cordel assim que chegou no Brasil, mas precisamente em Salvador-BA e depois se espalhou por todo o Semiárido 41 Brasileiro. Assim, realizamos algumas visitas às localidades pesquisadas, onde reconhecemos os espaços de articulação de atividades para convivência presentes no lócus. A priori esses espaços não discutem a proposta de convivência com o Semiárido Brasileiro, nem sobre a educação em seus aspectos, mínimos que sejam, para o desenvolvimento local. Embora busquem junto às organizações sociais existentes, associação, cooperativa, igreja, e outras afins que chegam para apoiá-los nas suas iniciativas, mecanismos úteis para o trabalho e para a dinâmica da vida neste espaço, do vasto Território do Sertão do São Francisco. Portanto ao chegarmos nestas localidades e nos deparamos com muitas de nossas lembranças da infância, e as pessoas agiram com surpresa quando informamos sobre o objetivo das visitas, mas nos receberam com muita receptividade e a boa vontade em contar tudo das suas memórias, sobre suas vidas nestes lugares onde vivem há mais de 80 anos e dessa forma não foi estranha a nossa presença no lugar. Fomos com um intuito incomum do costume em visitar parentes, dessa vez, foi para pesquisar e conhecer suas histórias e experiências de convivências nestas localidades, buscando assim outro olhar sobre essa realidade tão naturalizada em outros momentos. Vale ressaltar que, a memória dos entrevistados foi reconstruída mediante conversas com questionamentos embasados na convivência dos mesmos com suas histórias, desafios e enfrentamentos, experiências da vida em sociedade, primando pelo desenvolvimento rural de forma sustentável nestas localidades. Por isso, uma atitude inesperada, aguçando perspectivas e curiosidades entre os moradores, que de imediato entenderam que nossa visita serviria também para fazerem críticas a algumas coisas e reivindicações por outras que contribuíssem para garantir a melhoria de vida nestas localidades (políticas ou programas do governo), ou mesmo, para corrigir algumas mazelas impostas que se estabelecem na comunidade. O que tratamos logo de corrigi-los e explicar nosso interesse, de apenas saber como e o porquê da comunidade existir, das suas histórias, razões de não terem mais a Escola, os por quês e os significados das organizações existentes nas comunidades, bem como da construção e participação social e religiosa da igreja Evangélica Assembleia de Deus na localidade. Daí então, percebemos o valor sentimental e a importância da permanência destas 42 pessoas nestas localidades. Pois em suas falas notamos a dependência e o pertencimento que fazem deste lugar como parte de suas identidades sociais. Nos surpreendemos, em alguns momentos com o inesperado, ou seja, com os acréscimos de informações que nos possibilitaram novas composições de idéias que abrilhantaram as questões presentes neste trabalho. Assim, baseando-me na ideia de Oliveira (2010, p. 19-20), Se pode perceber que a pesquisa nem sempre é permeada pela certeza, é preciso, que o pesquisador esteja disposto a correr o risco de percorrer caminhos os quais não estavam nos seus planos, deixar-se conduzir-se pelas recordações (manifestações da memória) dos entrevistados e estimular o nascimento de suas lembranças. Em outras palavras tentamos ouvir os participantes/autores/construtores das histórias e acontecimentos, com suas peculiaridades, valorizando a vida e as experiências existentes dos sujeitos presentes, com seus jeitos e fazeres, nestas localidades de Cacimba do silva e Sertãozinho. Essas e outras questões foram abordadas, a fim de conhecermos da vida e das experiências dos projetos de subsistência dos seus moradores, sócios da Associação dos Pequenos Produtores Rurais das Fazendas Integradas de Cacimba do Silva e Sertãozinho, que completou seus 16 anos em 26 de março de 2012, bem como da Cooperativa dos Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e Região – COPERCAR instalada na localidade desde 2010, e da Igreja Evangélica Assembleia de Deus construída há quatro anos na localidade de Sertãozinho. Segundo relatos dos moradores, esta igreja vem para a localidade como forma de expressão da fé em Deus, onde as pessoas externam suas gratidões por crerem nas transformações que obtiveram mediante aceitação a Ele e às regras doutrinárias da igreja para servi-lo, entendo-o como único e suficiente salvador de suas vidas/almas. De acordo com alguns sermões pregados na igreja, essa tem grande importância para os crentes, segundo os registros na Bíblia Cristã, traduzida por Almeida (2002), em suas passagens diz que essa importância se dá por que “é a igreja quem proclama e protege a verdade divina e a sua sã doutrina cristã. A igreja é o lugar principal de edificação e crescimento espiritual” (EFÉSIOS, 4.11-16; II TIMÓTEO, 3.16,17; I PEDRO, 2.1,2). Para seus muitos crentes, a igreja é também e principalmente, “a plataforma de lançamento para a evangelização do mundo” (MARCOS,16.15; TITO, 2.11). 43 Essa igreja, que os membros/moradores dessas localidades congregam, segundo relatam, não é apenas a igreja, como templo, num espaço físico e material, eles se reunem neste espaço para cultuarem juntos ao seu Deus, mas nesse espaço eles aprendem e valorizam a igreja que representa para eles o templo do Espírito de Deus, que é o próprio corpo, “santuário e morada do Espírito Santo”, relatam os membros. Segundo a Bíblia (ALMEIDA, 2002, II TIMÓTEO, 2.2), “a igreja é o ambiente em que se desenvolve e amadurece uma liderança espiritual forte”. Figura 05: Templo da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Sertãozinho no dia da inauguração em 2008. Conjecturam seus membros que um crente sem igreja é como uma criança sem família, um soldado sem exército, um jogador sem equipamentos, uma brasa sem braseiro, um estudante sem escola, um marinheiro sem navio, uma ovelha sem rebanho, como se sentiam quando não havia a igreja evangélica nestas localidades. “Não temos de pertencer a uma igreja para sermos salvos, mas se formos salvos passamos a pertencer à Igreja”, ressalta morador crente desta igreja. A Bíblia (ALMEIDA, 2002) diz para “não desprezarmos a Igreja” (I CORÍNTIOS, 11.22), “para andarmos nela” (I TIMÓTEO, 3.15). Nessa compreensão, os crentes afirmam que esta igreja sim é tão importante que o Senhor amou-a “e a Si mesmo se entregou por ela” (EFÉSIOS, 5.25). Na verdade, esses sujeitos compreendem que essa instituição é bem mais do que uma forma de obterem o conhecimento teológico, pois também orientam seus passos no bom convívio em sociedade, mas ajudam a participarem de algo novo que é envolvente para fazer a vida valer a pena neste lugar tão monótono e vazio de movimento. Ela é tão relevante para os moradores que já se iniciaram as campanhas para a construção de mais um templo dessa mesma igreja na localidade. Há rumores que seja maior que a primeira e fruto das perspectivas do morador mais antigo da localidade e também na conversão Cristã, em 1975 tem sonhado com a construção desta igreja no seu povoado em Cacimba do Silva, deixando muitos curiosos e descrentes perplexos com as maravilhas que seu Deus tem feito na sua vida, relata o morador alegre com a realização prévia desse sonho. 44 As pessoas acreditam que a chegada desta Igreja nestas comunidades tem promovido uma união e melhor comunicação entre os irmãos, educando também os cidadãos a serem mais humanitários, compreendendo o sentido de ser social, fortalecendo e facilitando a introdução do Evangelho de Cristo a esses povos, relata o Presbítero Francisco, dirigente da igreja local, quem pontuou ainda que “a igreja é à “luz” da Bíblia, uma agência espiritual que prepara as pessoas para ter uma Figura 06: Primeira leva de blocos para a construção do novo templo da igreja evangélica na Cacimba do Silva em 16 de junho de 2012. vida melhor com Deus, resgatando as almas perdidas nas drogas, no pecado, etc., a serem justos e amantes da palavra e da obra de Cristo”, reforça o dirigente da igreja evangélica nessas localidades. Nessa perspectiva, a igreja passa a provocar de certa forma esses sujeitos, para que se encontrem mais e se percebam frente aos demais semelhantes e sintam as necessidades uns dos outros, cooperando e contribuindo solidariamente para melhorar a qualidade de vida nestas localidades, oferecendo instrução para os jovens serem pessoas melhores amanhã. Podemos correlacionar essas ideias as de Morin (2001) sobre como “ensinar a compreensão”. Segundo esse autor, esse saber apontado, diz respeito à “ética do gênero humano” (MORIN, 2001, p. 105). É o que ele chama de “antro-po-ético”, porque os problemas da moral e da ética se diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe aí um aspecto individual, auto social e outro genético de espécie. Algo como parafraseando Morin (2001, p. 105) uma trindade em que as terminações são ligadas: “a antro-po-ética”. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades pessoais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um “destino comum”. Essa “antro-po-ética” tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, 45 de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Assim, nossas visitas tiveram inicialmente a intenção de investigar o processo de ensino-aprendizagem dos moradores, bem como da extinção da escola local e forma/ação dos professores leigos dela, seguindo com alguns questionamentos abertos e aleatórios, para entrevistar as professoras e moradores destas localidades. Mas, ao chegarmos nelas, percebemos a dificuldade com a precisão das informações prestadas pelos entrevistados, que não tinham mais registros e documentos da escola e nem das aulas e conteúdos repassados aos alunos da época. Por essa razão fomos refazendo e reconstruindo na hora outras questões respeitando as limitações de fala e escrita dos mesmos, compreendendo como se falam e se percebem nesse espaço do Semiárido Brasileiro, onde precisam e esperam por uma proposta de educação com qualidade e de projetos sociais condizentes com suas realidades, suprindo suas necessidades básicas e oportunizando-os uma formação profissional qualificada que garanta a convivência, mas também a permanência e sobrevivência nestas localidades. Fortalecendo e cooperando com a economia solidaria, com a agricultura familiar presentes e no desenvolvimento sustentável destas localidades que ainda são insuficientes e por isso, sem assessoria técnica adequada para formalização e legalidade de seus produtos, que por hora só alcançam a alguns dos cooperados, diminuindo os prejuízos com as fiscalizações dos produtos quando são comercializados por eles fora destas localidades, garantindo ao consumidor seus direitos e assegurando a legitimidade do trabalho dos agricultores destas localidades na produção de caprinos e seus derivados, entre outros produtos que são comuns a vida rural. Mas percebe-se que lhes faltam ainda conhecimentos e investimentos apropriados na criação de galinhas e seus derivados, de forma orgânica e de subsistência às famílias existentes, bem como para criarem outras oportunidades aos jovens e crianças, que se limitam apenas a repetirem os passos dos pais na agropecuária e não têm outras fontes de lazer, esporte, cultura e geração de renda. Esperamos poder contribuir com as experiências dessas localidades em outros momentos futuros, para construirmos juntos uma proposta de convivência significativa, e quem sabe, até para implantarmos uma escola que de fato sirva para articular as pessoas, propondo conhecimentos importantes para mobilizar os sujeitos para a melhoria da qualidade 46 de suas vidas nestes lugares e aos demais sertanejos presentes, não só em Cacimba do Silva e Sertãozinho, como também nas demais regiões circunvizinhas. Assim, esses conhecimentos servirão de espelho a outras realidades que como estas ainda se encontram sem esses saberes contextualizados que complementam a vida, as condições de trabalho e as atividades realizadas neste espaço de desenvolvimento humano, social, ambiental e cultural, servindo de mais um elemento importante aos processos que existem nas representações sociais. Estas representações, para Guareschi (2000, p. 251) viriam a ser “realidades sociais e culturais, e não apenas meras produções simbólicas de indivíduos isolados”, ou seja, elas “são um ambiente” como diria Farr e Moscovici (1984) citado por Guareschi (2000, p. 251). As representações sociais “existem tanto na cultura como na mente das pessoas, expressam e estruturam tanto a identidade, como as condições sociais dos autores que as reproduzem e as transformam” (GUARESCHI, 2000, p. 251). Desse modo, percebemos que as práticas nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho revelam verdadeiramente a representação social dessa população de agricultores. Seus costumes, suas crenças e seus valores orientam as pessoas de forma popular e informal e não tecnicamente, em conhecimentos da sua natureza e da sua área de trabalho, bem como não se mobilizam para trazer para suas vivências outras experiências que possam ser relevantes e positivas ao empoderamento das famílias e à permanência dos sujeitos nestas localidades. 2.1. Unidades de análise da pesquisa Para compreendermos do que se tratam as Unidades de análise, refletiremos segundo Siglenton (1988, apud FROTA8, 1998, p. 1), que diz ser “os objetos ou eventos aos quais as pesquisas sociais se referem, o que ou quem será descrito, analisado ou comparado”. A partir das unidades de análise, descrevemos os fatos ocorridos da memória local, para compreender os avanços e/ou retrocessos no desenvolvimento rural sustentável dessas 8 Professora do Curso de Mestrado em Ciência da Informação da Escola de Biblioteconomia da UFMG. Mestre em Sociologia pela FAFICH/UFMG. [email protected] 47 comunidades. Analisando a ausência da escola como elemento descontextualizado e ilegal dos ideais da convivência com o SAB, e do próprio desenvolvimento social, político, econômico e cultural. Assim nos valemos desse resgate histórico e social para concluirmos que a educação é um termômetro para percebermos as condições e as melhorias das nossas comunidades, e sem ela o processo social não se desenvolve e nem se estabelece como fonte de recursos renováveis, significativos e estruturantes para uma vida de qualidade neste Território rural do “ser-tão-árido” Brasileiro. Por isso, os resultados dessa pesquisa revelam uma denúncia de que embora hajam mecanismos vivos de representatividade do povo, através da Associação, Cooperativas e a Igreja, sem a escola essas representações perdem força, tanto no social como na economia, pois os trabalhos sem moradores diminuem, constituindo um outro problema social, o êxodo rural que sofre essa população, desestabilizando a cultura e as perspectivas dos produtores, que cansados da lida, não tem mais para quem transmitir seus conhecimentos milenares da agricultura nestas localidades. Assim, essa pesquisa vai dizer que os resultados obtidos através da análise dos dados estão classificados em algumas categorias ou unidades de análise, que destacaremos cada uma, como segue, surgidos a partir dos dados levantados, tais como: Quais os processos que motivam os moradores para permanecer vivendo em Cacimba do Silva e Sertãozinho; quais as lições e aprendizagens de convivência com a natureza; a escola e o desenvolvimento local; entre outras unidades de análises. Portanto, as suas unidades de análise são as histórias da memória desse lugar para fazer delas registros legais neste trabalho, já que durante a pesquisa não se encontrou materiais dessa natureza, revelando com esse trabalho os pormenores desse espaço sob o olhar da pesquisadora que também é parte desse processo de desenvolvimento local, juntamente com a sua família, que por coincidência são os desbravadores dessas comunidades. Desse modo, na pesquisa foi realizado um estudo panorâmico do desenvolvimento local, devido à formação de instituições representativas do povo na localidade, observando a evolução das práticas colonizadoras e desarticuladas do seu contexto com a nova concepção de convivência com o SAB, considerando as memórias e as implicações dos seus sujeitos, autores/construtores dos fazeres e sentires em Cacimba do Silva e Sertãozinho. 48 CAPÍTULO III DA COLONIALIDADE ENQUANTO RETROCESSO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL À CONTEXTUALIZAÇÃO COMO FOMENTO DA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO 3.1. Elementos da Colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido Brasileiro A vida dos sujeitos sociais e culturais do Semiárido foi sempre pautada na luta pela sobrevivência e conquista legal desse espaço enquanto lugar de possibilidades e potencialidades capazes de garantir e suprir suas necessidades básicas e dos demais indivíduos aqui presentes, sem que para isso haja a necessidade destes saírem em busca de melhores condições de vida nas realidades lá fora. Com isso, percebemos que tanto no Semiárido, quanto nos demais espaços sociais existentes no planeta, existiram e sempre existirão os monopólios das desigualdades e dos bens em geral, fomentando a colonização e a colonialidade, estas sendo o carro chefe da construção/desconstrução da história da humanidade, bem como das suas vertentes políticas, culturais, religiosas, científicas e sociais, sobretudo da educação. Em todo caso, como instrumento retrógrado, porém de muita força e resistente para manter o poder nas mãos dos colonizadores. Assim, faremos referências dos pensamentos do autor Martins (2011, p. 45), em algumas partes deste tema, e guiados pelas ideias do mesmo tentaremos compreender que “embora a colonização diga respeito aos processos de ocupação de terras e territórios” entre outras apropriações pelos nossos colonizadores, a colonialidade diz respeito “a processos mais sutís, pois se trata de operar pela produção e disseminação de valores, de visões de mundo, através de laboriosos processos de produção e disseminação de ideologias e do investimento na produção de subjetividades”, problematiza este autor. Isso diz respeito, portanto, “à forma como a cosmovisão, enquanto conjunto mais vasto de valores (incluindo o próprio desenvolvimento da racionalidade ordinária) é desenvolvida, distribuída e internalizada” segundo afirma Martins (2011, p. 48). 49 Desse modo, compreendemos que o baixo acesso a mecanismos que lhes garanta terra, saúde, educação e participação nas decisões políticas e econômicas em suas comunidades têm explicações históricas, dai então, colonização e expropriação fundiária são responsáveis por esses indicadores. Colonialismo tem a ver com momentos históricos específicos. Já a colonialidade é a lógica de repressão, opressão, despossessão, racismo. Desse modo, essas palavras colonização e colonialidade, juntas parecerem significar a mesma coisa, porém, a colonialidade é prática na exposição de suas condições ideológicas e na intenção de obter seus resultados, imediatista, ocupando e se apropriando de tudo como donos e, portanto, ditadores das normas a serem seguidas e obedecidas pelos seus colonizados. A colonização é subjetiva, digamos que aparenta-se mais sutil, sem constranger ou maltratar diretamente e física/materialmente, seus sujeitos, objetos alvos de sua opressão, embora também seja ameaçadora, porém mais efetiva e ativa no alcance de seus objetivos. Embora uma se estabelece sobre a outra, como forma de tornar os processos de colonização mais prático, rápido e eficaz. Assim, a colonialidade se apresenta como tomada de decisão nas mentes dos sujeitos colonizados, com ideias impostas e definitivas, reproduzindo o pensamento e as ideologias dos colonizadores. Neste sentido, “os processos educacionais e comunicacionais são os principais responsáveis por produzir ‘outros’ no interior dos sujeitos aos quais se dirigem que restam estranhos a eles mesmos, sonhando com um mundo que lhes aparece como fábula” (MARTINS, 2011, p. 48). Um exemplo melhor dessa forma de opressão, colonizadora e colonialista, encontramos na referência assistida na representação de uma diretora escolar, apresentada pela atriz Madge Sinclair em seu papel como a Srª. Scott, presente no filme produzido em 1974 com direção de Martin Ritt, intitulado Conrack, em que o branco Pat Conroy, representado pelo ator Jon Voight, que no passado fora racista, e chega para ser professor nessa escola que tem como alunos crianças negras e pobres. Na verdade toda a ilha é habitada por negros, pobres, com exceção de um comerciante, que tem um pequeno negócio. A Srª. Scott, diretora da “escola”, não ensina aos alunos como se convém, estes por sua vez, no isolamento social criaram seu próprio idioma. São 50 analfabetos, que não conseguem contar e nem sabem em qual país vivem. A propósito o filme se desenvolveu na Ilha de Yamacraw, Carolina do Sul – EUA, em março de 1969. Como diretora, a Srª. Scott faz a vontade do seu chefe “branco” e se impõe como autoridade na escola, assumindo uma postura colonizadora, passando a agir e a pensar que é diferente da sua gente na comunidade, implantando métodos antiliberais ou antidemocráticos, achando que a sua cor negra, depois de empossada ao cargo e as novas posturas colonizadoras, mudou para “preta”, como se esta não fosse à mesma cor da outra, considerando-se agora uma “estranha” entre eles. Achando que, por ter se tornado representante do “poder do Estado” neste lugar, através da educação, neste contexto, é portanto “superior” as ideias do seu grupo social, tendo em sua tola compreensão que esta última cor é mais significativa, e ao mesmo tempo uma ameaça contra si mesma, por transparecer autoridade e às vezes até não querendo, mas se sentindo obrigada pelo poder a ela empossado, disseminando a discórdia, rebelião e opressão entre os discentes da referida escola, diferenciando-se do seu povo e das suas tradições. Sendo uma nova criatura mais imponente e “preta” que a diferencia da cor negra anterior, caracterizando-a dócil, simples, humanizada e aberta a reconsiderações que agora não se presta mais em ser e mesmo que lhe deixa insegura entre os seus outros negros da ilha. Tudo isso, reflexos do comportamento colonialista disseminado pelo seu “chefe branco”, representado pela figura do ator Hume Cronyn em cena como o Sr. Skeffington, que é o temido e único detentor do poder de suas decisões, naquela localidade, de suas atitudes e de sua “liberdade”. Assumindo, portanto, em sua gestão as condições pré-estabelecidas por ele, reproduzindo e distribuindo critérios de verdades como absolutas, porém, deturpadas e descontextualizadas da sua realidade, achando que está fazendo o certo e a defini-las como únicas, eficientes, necessárias e corretas aos seus semelhantes negros na ilha. E isso vai tomando proporções cada vez maiores, tornando-as como discurso legítimo dos “poderosos”, colonizadores que silencia ou desautoriza outros argumentos, como os inovadores e adequados argumentos e metodologias do professor Pat Conroy e dos alunos ou integrantes desta sociedade, que não estão alinhados aos discursos dos mesmos. 51 O professor Pat responde jogando fora o livro de regras e lições pedagógicas. Os estudantes respondem avidamente quando ele toca música, lhes mostra filmes, lhes ensina a nadar e explica a importância de escovar os dentes e serem pessoas “livres” com potencialidades e valores significativos para reconstruírem seu papel dentro desse espaço e melhorarem suas condições de vida na localidade. Esses conhecimentos repassados por esse educador, serve-nos de exemplo para compreendermos a proposta de educação contextualizada para convivência, não só com o Semiárido Brasileiro, mas para convivência em qualquer espaço social do mundo. Mesmo que essa ação desestabilize as estruturas constituídas como padrão na localidade, contrariando os interesses do chefe “branco”, que nesse caso não importa a cor que este tenha, é mais um elemento importante para minimizarmos essa prática de opressão que toma sobre os diversos territórios ocupados e administrados por esse grupo de indivíduos com poder. Ainda bem e que maravilha ou sorte até, que existem outros “peões” que não se baixam nem se rebaixam às colonizações e às colonialidades impregnadas e propagadas em nosso meio, com a postura idêntica ou melhorada que a do professor Pat Conroy, buscando contextualizar e dinamizar sua prática para fazer dela algo significativo para a realidade dos seus educandos, mesmo com todos os riscos e obstáculos enfrentados. Dando aos estudantes novas oportunidades de viver e experimentar coisas, pensamentos e atitudes diferentes e de certo modo, condizentes com as perspectivas dos mesmos, para construírem um mundo mais justo e com uma proposta de educação mais adequada as vidas e atividades culturais da sua comunidade, nesta Ilha de Yamacraw, ou neste Território Semiárido que vivemos. Diríamos que essa proposta inovadora é o que estudamos, durante esse processo em formação da Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o SAB e que estamos trazendo ao conhecimento dessas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, representada pelos professores/educadores, que como Pat Conroy, Paulo Freire, Edmerson, Pinzoh e diversas instituições como a UNEB, IRPAA, RESAB, ADAC, entre outros especialistas que como nós em formação, tentam trazer para as nossas escolas. Assim, o que pensamos, é que essa seja a educação de melhor nível, que propõe jogarmos fora o livro de regras e lições pedagógicas colonialistas, ganhando o respeito dos 52 nossos estudantes, com um ensino condizente com as suas necessidades, para que possam se desenvolver com autonomia e sejam democraticamente capazes de fazerem suas próprias escolhas, independentes e significativas para uma vida mais digna no lugar em que vivem ou que escolherem viver, seja nesta Ilha Yamacraw, do filme Conrack, ou em qualquer outro lugar real do mundo, inclusive aqui no nosso Semiárido, nas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, ou em qualquer outro Território do Brasil, sendo estes sujeitos cada vez melhores dentro ou fora deles. Dessa forma, encontramos esses e outros elementos da colonialidade presentes nas experiências culturais da nossa gente e da nossa história no Semiárido. Tais elementos se baseiam também em princípios de universalidade, racionalidade, normalidade, entre outros, para definir quais modos de fazer, pensar, sentir, dizer, agir e viver, como mais legítimos do que outros, por vezes declarados como incorretos e inapropriados as intenções dos colonizadores que continuam querendo e conseguindo nos colonizar. Percebemos isso, com mais ênfase, na forma como a sociedade em geral se organiza e se estabelece, cada vez mais seletiva, excludente, desigual e preconceituosa, concedendo aos poucos selecionados como “conservadores” de suas regras, poderes para continuarem sua missão de colonizar e propagar suas ideias como sendo de verdades absolutas. Entre outras formas que estabelecem também na distribuição de cargos e salários numa determinada instituição de ordem pública ou privada, referente a administração e gestão das mesmas, sempre com ordens e regras a serem seguidas dos altos para os baixos escalões chamados de diretores/chefes, gerentes/encarregados e funcionários/empregados. Todos obedecendo às mesmas ideias e se comportando como subordinados aos seus colonizadores, donos do negócio/instituição. Assim, são estabelecidas as diversas relações de colonialidade entre um centro hegemônico e seus “outros”. “No caso da educação, a principal expressão desta colonialidade é a persistência de um ensino completamente descontextualizado nos quatro cantos do país, que trata de conceitos abstratos, sem tocar na realidade concreta dos sujeitos destinatários dos processos educativos” (MARTINS, 2011, p. 49-50). Esses conceitos e contextos reproduzidos pelos docentes nas escolas diferem das experiências e convivências dos alunos do Semiárido com os de lá, digo lá, como o lugar das ideias, vindas de fora do Semiárido e que constam nos nossos livros didáticos, sem permitir 53 aos daqui, dessa região, conhecerem seu próprio meio onde vivem, oferecendo uma imagem distorcida de si mesmos e do seu ambiente, sem considerar suas potencialidades naturais, minerais e culturais da sua localidade e conseqüentemente tomando pra si noções precipitadas e utópicas dos lugares de fora como sendo eles melhores para se viver. A isso se deve, talvez, as causas de evasão escolar, dos problemas de aprendizagem e mesmo do êxodo para outras regiões. Como diz Reis (2004, p. 25), “em parte, esta dicotomia presente nas maneiras de se olhar para o mesmo sentido que é dado ao morar no campo e na cidade pode ser explicado sob a ótica dos que moram no campo e acham que o bom para se viver é na cidade”. Tudo isso porque falta investimento, apoio e aplicações de políticas públicas eficientes para a vida nessa região, que sempre sofrem por não possuírem as condições mínimas para viver dignamente neste espaço. Por isso, precisamos pensar em planos e projetos de educação voltados para sua realidade local, contextualizados, devendo ser criados com o envolvimento de todos, não só dos professores, coordenadores e gestores, ou introduzidos por obediência aos poderes superiores impostos, no caso da educação, implantados pelas Secretarias Municipais e outros órgãos ligados ao ensino-aprendizagem. Mas que esses projetos sejam construídos também com a participação dos educandos, pais e a comunidade onde a escola está inserida, considerando as suas necessidades, trabalhando questões de sua natureza, do seu meio político e social, bem como da sua gente, urbana, rural, sertaneja ou de outra origem, porém integrante do desenvolvimento dessas localidades, tocando as questões do êxodo rural para outras áreas e regiões a fora em busca de melhores condições de vida, entre outros, discutindo possibilidades e potencialidades da região. Bons projetos, baseados no desenvolvimento local devem oportunizar aos mesmos um novo olhar sobre a área Semiárida e, ao mesmo tempo, mostrar a importância da implementação de novas tecnologias para seu desenvolvimento, compreendendo e respeitando “os sujeitos do processo educacional, com seus jeitos e modos, sem impor um conhecimento adquirido na Academia, mas aliado aos conhecimentos científico, filosófico e popular, no 54 sentido de construir ou fazer emergir saberes” como diz o Sr. Antonio Martins9 citado por Reis (2010, p. 1). Com essas experiências teremos uma educação de fato significativa e possível para os nossos educandos do Semiárido Brasileiro. É nesse sentido que o Método Paulo Freire surge para nos ajudar a produzir uma educação contextualizada e pós-colonial, fomentando a proposta de convivência com o Semiárido, como instrumento possibilitador das transformações sociais no território Semiárido Brasileiro. 3.2. Método Paulo Freire promotor da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido e a pós-colonialidade O Método Paulo Freire (1987), apresentado através de suas obras: Pedagogia do Oprimido vem como um dos fundamentos para a pedagogia crítica, que propõe um relacionamento novo, e que pensamos ser adequado, inovador e contextualizado, entre professor, aluno e sociedade, e Freire destaca que os educadores devem assumir uma postura revolucionária passando a conscientizar as pessoas da ideologia opressora, tendo como compromisso a libertação dessa classe; e em sua obra Educação como Prática da Liberdade, Freire (2001) destaca que esta prática implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo e portanto, a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. Assim, compreendemos que essas obras surgem, com suas experiências, inovadoras, contextualizadas e promotoras de outras formas de (re) fazer e (re) pensar a educação, “rompendo com o pedantismo dos saberes supostamente “neutros” ou “universais” do “centro emanador do discurso legítimo” que envia, através dos materiais didáticos e discursos que produz e faz circular sem se preocupar com uma educação de qualidade”, segundo Martins (2011, p. 57). 9 Antônio Martins, professor e fundador da ERUM – Escola Rural de Massaroca – distrito de Juazeiro/BA, em 1995. 55 Percebemos com isso que Paulo Freire foi o primeiro a sistematizar os contornos didáticos e dar sentido prático aos ideais de contextualização da educação. Desse modo, beneficiando-se das contribuições de Freire, compreendemos que para essa educação contextualizada acontecer rompendo com a “situação colonizadora”, é preciso fazer com que a educação se vincule à vida, tratando dos temas, da cultura, dos saberes, dos sentires, dos diversos sujeitos implicados nos processos de educação. Fazendo com que os sujeitos reais, desse processo, possam participar legitimamente, considerando que a educação tenha “este universo específico como seu manancial de produção de conteúdos, de novos saberes, e de produção de sentido para o próprio ato pedagógico”, afirma Martins (2011, p. 57). Assim, entendemos que, os caminhos da libertação só estabelecem sujeitos livres e a prática da liberdade só poderá se concretizar numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica. Nessa perspectiva, o método Freire promove uma educação contextualizada que é o que pretendemos alcançar com esforços para uma convivência significativa e de fato condizente com as necessidades dos nossos educandos no Semiárido Brasileiro e nas escolas do nosso sertão, principalmente das áreas rurais e das comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Percebendo que esse método com seus princípios norteadores, estruturam os passos deste trabalho pedagógico no cuidado com a formação dos nossos aprendizes, possibilitando uma vida melhor para os mesmos com suas famílias, nesse Território. Tais princípios norteadores da educação contextualizada, segundo as contribuições de Freire, dizem respeito à politicidade do ato educativo, ou seja, de que todo ato de educar precisa ter uma intencionalidade, digo, um objetivo, que não é “neutro”; à dialogicidade do ato educativo, se referindo à base da relação pedagógica, o diálogo. Tais proposições freireanas trazem a ideia, cujo significado é “dar a luz”, ou seja, conduzir o homem ao conhecimento verdadeiro no interior de si mesmo. Num processo construído de diálogo, em que “os homens produzem saber, se transformam e transformam o mundo em que vive”, reforça Martins (2011, p. 59). Assim, para darmos sentido prático a estes princípios freireanos, de uma educação contextualizada, também precisamos seguir as coordenadas que ele organizou para os momentos de realização da prática do processo educativo: 56 A Investigação Temática, “uma espécie de pesquisa sociológica, voltada para conhecer o universo vocabular (léxico e semântico) dos sujeitos e fazer um estudo dos modos de vida da/na localidade a partir disso”, é em muitos casos, o chamado estudo de realidade; a Tematização, que diz respeito “à sistematização dos conhecimentos produzidos sobre/com os sujeitos em forma de temas”. O que Martins (2011, p. 59-60) diz que é a partir deste material que os chamados “conteúdos” são estabelecidos; e por fim, a Problematização, que é o momento em que as informações obtidas na pesquisa inicial, e organizadas em temas e palavras geradoras, agora devem ser problematizadas, discutidas, aprofundadas. Ou seja, “buscando-se a superação da visão ingênua do mundo e a construção de uma nova visão crítica, ampliada, mais informada, capaz de transformar o mundo vivido” dos sujeitos (idem, ibidem). Mas esse autor nos alerta para o cuidado! Educação Contextualizada não é um modo de reduzir as exigências formativas e de tratar daquilo que as pessoas já sabem. É o contrário: Educação Contextualizada exige posturas maduras e seguras, dispostas a aprofundar conhecimentos já existentes e a produzir novos conhecimentos, pelo uso regular da pesquisa e da sistematização. (MARTINS, 2011, p. 61). Entendemos com esse autor que “a vida é dinâmica e temos o desafio de tomar a própria dinâmica da vida e do mundo como o grande lastro da contextualização contemporanizada e atualizada da Educação” (MARTINS, 2011, p. 62). Só assim teremos uma educação de mudança e de fato satisfatória aos sujeitos educandos do nosso lugar e das nossas práticas pedagógicas de modernidade e pós-colonial no Semiárido. Pensando assim é que fomos confrontados pela realidade das comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, objetos de estudo desta pesquisa, onde se tinha a escola, e através dela muitos dos filhos de seus moradores foram alfabetizados, ainda pelos métodos educativos insurgentes da época e fruto dos colonizadores, que as humildes professoras leigas, se desdobravam para transmitir conceitos e conhecimentos aos estudantes destas e de outras localidades vizinhas. Hoje, graças às transformações nos modelos da Educação do/no Campo, essas comunidades não se beneficiam mais da escola com as capacitações e formações através dos saberes formativos e normativos, norteadores do crescimento intelectual necessários aos sujeitos, para permanecerem nestas localidades e deles se guiarem para as transformações e mobilizações socioculturais. 57 Portanto, esses sujeitos não ampliaram seus conhecimentos para garantirem o sustento e a qualidade das condições de suas vidas nas mesmas, de forma adequada, sustentável e (re) produtora das propostas de convivência com o Semiárido, ideia contextualizada e significativa para a produção de saberes diversos, que respeita os saberes locais, populares, construídos na dinâmica social desses espaços ao longo dos anos e por todos os agentes que passam e perpassam no seu desenvolvimento. Este, por sua vez, conciliado aos novos saberes dessa proposta, poderia lhes render mais saberes e sabores na qualidade das relações e atividades sociais desenvolvidas pelos sujeitos, cidadãos deste território rural, locados em Cacimba do Silva e Sertãozinho, também partes integradas ao vasto Semiárido Brasileiro. Assim, apresentamos a seguir outra discussão presente nestas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, quanto à ausência da escola ser um retrocesso na formação cidadã, pois acredita-se que a escola seja um elemento importante para a formação e/ou (re) construção identitária dos sujeitos, enquanto seres sociais e também por ser um dos retrocessos ao desenvolvimento destes para com o mercado de trabalho e/ou na sua atuação com o “mundo”. Desse modo, impedindo o progresso local, econômico, político, etc., impossibilitando a mobilização sistematizada para o crescimento, evolução e transformação, não só desta sociedade, bem como das relações interpessoais que se estabelecem, nos sentires e fazeres humanos, construídos no geral ou no particular, coletivo ou individual, das ações presentes em cada ser, sujeito ou “objeto”, desse espaço social e que podem servir para o fortalecimento e empoderamento das famílias com seus meios de produção para a comercialização existentes. 3.3. Ausência da Escola: retrocessos na formação cidadã e nos processos de desenvolvimento rural da Cacimba do Silva e do Sertãozinho - BA As comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, situadas no distrito de Itamotinga, estão distantes aproximadamente a 54 km do município de Juazeiro da Bahia, a margem da BA 210 que liga esta cidade à Curaçá. Entre suas histórias e fatos relevantes para sua trajetória comunitária, está uma situação que consideramos um dos retrocessos na 58 formação cidadã dos seus atores sociais e para os processos de desenvolvimento rural destas localidades: a ausência da Escola, tendo em vista a problemática sobre colonialismo, apresentada anteriormente, que é também uma política de exercer o controle ou a autoridade sobre um determinado território. Os moradores dessas comunidades consideram a escola como “uma instituição que educa e prepara o aluno para o exercício da cidadania, para o reconhecimento dos direitos associados às suas responsabilidades; procurando formar pessoas conscientes e críticas”, como dizem os autores Souza e Souza (2009, p. 1). Embora não compreendam explicitamente essa importância como está apresentada nas palavras destes autores, mas os moradores dizem em outras palavras que “se tivesse uma escola aqui era muito bom. Antigamente a escola era algo muito caro, só tinha ela quem podia pagar, hoje tem tudo, o estado dá tudo, tem até carro, mas aqui só não tem escola por que a gente é pouca” nos relatou o Sr. Valdemar Ferreira Passos, que reside em Cacimba do Silva há mais de 80 anos, quem presenciou muitos dos possíveis processos de desenvolvimento destas localidades por participar de todos, juntamente com os demais moradores. Seu Valdemar se refere a “não ter escola por que a gente é pouca”, no sentido de não terem muitas pessoas morando nestas localidades em fase de estudar, pensando que só quem pode estudar sejam as crianças ou jovens, ou como se a falta desses sujeitos fosse um problema insuperável para a possibilidade do retorno da escola para essas localidades, mas nos conta com saudades do tempo em que seus filhos estavam na localidade e estudavam por ali mesmo, afirmando que tinha escola, e que algumas de suas filhas foram professoras desta escola. E quando não eram elas as professoras, antes delas foi a sua irmã Josefa, mais conhecida por “Mãe Zefa”, e é como as crianças e todos os moradores lhe chamam até hoje. Essa senhora, também foi a professora dos seus filhos e dos filhos dos demais moradores dessa região, e assim, antes delas tinham outras mais velhas que ensinavam para eles o B + A = BÁ, mas essas aulas, antes da escola na localidade, eram particulares, nos tempos da sua juventude, quando aprendera o ABC e a escrever o seu nome em 15 tardes, contou-nos seu Valdemar, muito orgulhoso dessa façanha. Em meados dos anos de 1989, no tempo da sua filha mais nova, com seus 13 anos iniciou seus estudos, já não eram mais as suas filhas e nem a sua irmã que davam as aulas, 59 pois desde os anos de 1977 a esposa do seu sobrinho no Sertãozinho, se tornou professora e diretora da escola na localidade. Essa senhora conhecida por Mariazinha, ficou responsável pela escola e foi quem ensinou a nova leva dos filhos desses povoados e da circunvizinhança, com um ensino infantil até a 4ª série, na sua casa, por que nunca tiveram prédio para a escola. Com recursos precários, como tinham as escolas do campo naquela época, essa professora recebia os materiais didáticos e funcionais para o ensino e para o provimento da merenda dos alunos do Município de Juazeiro-BA, quem também pagava o seu humilde salário como professora, merendeira, diretora e o que mais a escola na sua casa necessitasse fazer. Essa e as demais professoras eram leigas, estudaram até a 4ª série também, não obtiveram na época nenhuma capacitação, só esta última professora que recebeu algumas vezes formação continuada em Carnaíba do Sertão para poder ensinar nesta escola e no MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização. Na época essa escola do Mobral era mantida pelo estado, e funcionava no turno noturno com os adultos que se interessassem, durante aproximados 6 meses de curso. Segundo a professora Mariazinha, esta tinha a idéia de “aprender nas reuniões da Secretária de Educação do Município, tudo direitinho, para transmitir aos seus alunos nestas localidades, pois pretendia formá-los para serem professores e outros profissionais que desejassem se tornar, embora que o meu estudo era pouco”. Em 2001, perto da idade de se aposentar, além de lhe faltar os estudantes suficientes para continuar recebendo a ajuda do município para a sua escola, a mesma teve que fechar as portas da sua casa como escola no Sertãozinho, sendo orientada a conduzir-se com os seus poucos alunos que restaram destas localidades, cumprindo seus tempos de trabalho escolar em outra escola distante destas localidades e na contra mão dos seus fazeres profissionais e domésticos de mãe de família e produtora rural, que garantiam sua renda e o sustenta da sua casa, para também sustentar os estudos dos seus muitos filhos longe de casa, nas cidades a fora, para estudar. Sua nova atividade nesta outra escola era de bibliotecária, lhe deixando frustrada, pois o espaço da biblioteca era pequeno e como participava ativamente da lida com o ensino e a aprendizagem dos alunos, nesse ambiente se sentia solitária e sem utilidade, pois a biblioteca não era procurada pelos alunos. Daí por diante não se viu e nem ouviu mais falar de educação para as pessoas nestas localidades rurais de Cacimba do Silva e Sertãozinho, todas que estudaram nela concluíam até a 4ª série do ensino fundamental, relata a ex-professora. 60 Assim, quem não foi embora, para continuar os estudos, como os seus filhos e os filhos dos outros moradores que podiam bancar seus estudos longe dali, por falta de condições financeiras, depois de concluir a 4ª série, acompanhavam os pais na lida com os animais, no roçado afastado da casa, na dinâmica do clima dessa região, entre seca e chuva, obtendo retorno ou não nas plantações, da forma como aprendiam ali com eles mesmos e repassados por saberes dos seus antepassados. Uma escola deixou de existir, que pudesse assegurar com qualidade o aprendizado para essas pessoas, para esclarecer-lhes que não há como investir ‘contra a seca’, já que as mesmas não entendem ainda que a seca seja “um fenômeno natural que ainda se apresenta como algo atípico, do qual os sujeitos e seus governantes e gestores (em todas as escalas) não sabem ainda como lidar e se veem pegos de surpresa!”, desabafa a docente Luzineide Dourado Carvalho10, em conversas online na internet com os alunos deste Curso em formação. Para aproveitar dessa escola, o máximo de conhecimentos e possibilidades para uma existência mais digna nestas localidades. Essa escola servia como elemento formador da cidadania das diferentes pessoas existentes a sua volta, e é o que essas comunidades precisam, já que entendem a escola como um espaço em que podem ser aproveitadas todas essas diferenças para o enriquecimento de si mesmas, socializando-as com o contato e o confronto entre os sujeitos de várias origens socioculturais, religiosas, etnias, costumes, hábitos e valores, fazendo dessa diversidade um campo privilegiado da experiência educativa. Ou seja, tem-se a ideia da necessidade, bem como da sua importância, mas não se sabe ainda é como ser possível uma escola nestas localidades que transmitam aos mesmos saberes necessários e condizentes as suas práticas, considerando que o que se tem, com relação a dinâmica social, são conceitos e valores individuais que somados à convivência coletiva, com preparo adequado e bem elaborado, possa trazer aos moradores uma valorização de suas potencialidades e uma produção mais significativa para suas permanências nestas comunidades. Mas nos referimos a ausência da escola nestas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho como um retrocesso, porque percebemos que por sua falta os moradores 10 Doutora em Geografia (UFS). Núcleo de Pós-Graduação em Geografia/NPGEO. São Cristóvão, Sergipe. Professora da UNEB e Coordenadora do Curso de Especialização em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro pela Universidade do estado da Bahia – UNEB/DCH III. [email protected]. 61 presentes não tiveram acesso, ainda, aos conhecimentos “formais” adequados, no sentido de aprenderem as técnicas apropriadas do manejo rural em áreas de sequeiro, com a falta d’água e dos conhecimentos suficientes de captação e conservação da água da chuva para uma atividade mais digna e plena às experiências do convívio nestes lugares do Semiárido. Aqui trazemos o pensamento de Caldart (2007, p. 2), quando apresenta que “há então quem prefira tratar da Educação do Campo tirando o campo (e seus sujeitos sociais concretos) da cena, possivelmente para poder tirar as contradições sociais (o “sangue”) que as constituem desde a origem”. E há aqueles que segundo a autora, “ficariam bem mais tranquilos se a Educação do Campo pudesse ser tratada como uma pedagogia, cujo debate originário vem apenas do mundo da educação, sendo às vezes conceituada mesmo como uma proposta pedagógica para as escolas do campo”. Segundo essa autora, precisamos ter cuidado, Pensar os termos separados significa na prática promover uma desconfiguração política e pedagógica de fundo da Educação do Campo. E mais: se queremos ajudar a construir uma concepção que seja fiel à sua materialidade de origem, além de pensar as relações é preciso pensar em uma determinação primeira: foi o campo, sua dinâmica histórica, que produziu a Educação do Campo. (CALDART, 2007, p. 2). Ou seja, o campo é mesmo o primeiro termo da tríade. E não uma “idéia” de campo, mas o campo real, das lutas sociais, da luta pela terra, pelo trabalho, de sujeitos humanos e sociais concretos; campo das contradições de classe efetivamente sangrando, reforça Caldart (2007). Desse modo, embora haja uma preocupação dos moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho, em estimular os seus descendentes a irem às escolas próximas da região ou fora delas, para alcançarem o conhecimento que eles não obtiveram, mesmo enfrentando todos os obstáculos que comumente vemos e ouvimos muitos dos nossos educandos do campo discutirem e apresentarem em nossas salas de aulas e encontros rumo a fora, sobre a distância até a escola, do transporte escolar de má qualidade, das estradas não oferecerem segurança e dos perigos constantes de assaltos, etc. Diante desses problemas, esses moradores ainda não fazem ideia de como garantirem a estes estudantes, fruto de suas lutas e testemunhas de suas conquistas também, uma permanência rentável e de qualidade neste espaço rural em que vivem, compreendendo que a sua participação na família ou na sua comunidade presta um papel fundamental e favorável, 62 ao empoderamento das mesmas, no sentido de contarem quanti/qualitativamente de todos seus membros na produção agropastoril desenvolvidas, como fonte de emprego e renda, para o sustento de suas necessidades básicas da vida e para a construção de suas potencialidades e possibilidades dentro deste contexto social. Assim, fazendo uso das ideias de Santos11 (2002, p. 23), compreendemos essas possibilidades como “o movimento do mundo”. Ou seja, Os momentos dessa possibilidade são a carência (manifestação de algo que falta), a tendência (processo e sentido) e a latência (o que está na frente desse processo). A carência é o domínio do Não. A tendência é o domínio do Ainda-Não e a latência é o domínio do Nada e do Tudo, dado que esta latência tanto pode redundar em frustração como em esperança. (SANTOS, 2002, p. 23). Esses moradores são obrigados a presenciarem constantemente, o êxodo rural, e o descompromisso por parte da nova geração, no uso dos seus recursos naturais, não só dos solos, deixando-os inférteis para o plantio, por conta dos ensinos que não foram ainda ensinados aos mesmos, mas e principalmente por não estarem interessados em ficar nesses lugares, nem tão pouco por as escolas existentes nas redondezas transmitem saberes contextualizados que possam servir de estímulos aos mesmos, para produzirem nestas localidades os seus “sonhos”, as suas esperanças da ‘latência do Tudo’, como diz Santos (2002). Se a escola tivesse esses saberes contextualizados, uteis aos esses sujeitos, permitiria a estes, o conhecimento de pertencimento deste espaço, a valorização e apropriação adequada dessas riquezas herdadas dos seus antepassados, que aliadas às novas técnicas de convivência com o Semiárido, são capazes de propor descoberta de potencialidades e possibilidades condizentes para as suas vidas nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, e que não são possíveis em outros territórios; A escola que precisamos, deve vir com essa proposta de educação contextualizada, com um ensino de qualidade e diferente das experiências educativas predominantes ainda do modelo tradicional, com seus métodos de certo modo, colonizador, sem as técnicas apropriadas para fortalecer a produção da autonomia cidadã e da democracia nas articulações para o desenvolvimento local para uma convivência com o Semiárido mais justa, etc. 11 Boaventura de Sousa Santos. Um Projeto publicado em três volumes: Santos (2002a), (2002b) e (2003), podendo ser consultado também no site: http://www.ces.uc.pt/bss/documentos/sociologia_das_ausencias.pdf. 63 Com conhecimentos, para preservar os solos áridos e “desertificados”, ou inférteis para as produções agrícolas. Mas se for uma educação sem essa preocupação, também ‘desertificará’ até os pensamentos e os corações humanos dos sujeitos alheios a esses conhecimentos. Embora que, “pior do que a aridez das terras é a aridez das mentes”, ressalva Silva12 (2010, p. 2). Nesse sentido os indivíduos que desistem da escola e dos aprendizados que esta propõe, sejam estes de que modo for, imbricados ou não com a formação dos sujeitos em seu seio, colonizadora – retrógrada, ou contextualizada e inovadora, continuam degradando seu ambiente, suas mentes, entre outros problemas, repercutindo os desmandos dos seus antepassados, colonialistas, desarmonizados das novas tendências sociais de desenvolvimento. Manifestando-se contra as especificidades e potencialidades do âmbito local nos processos de reestruturação política, econômica e social que ocorrem nas sociedades contemporâneas. Os que por alguma razão se sobrepõem a esses reprodutores das mesmas condições estabelecidas pelos seus antepassados, por terem uma identidade de base local, estão sendo conduzidos, vagarosamente, mas já serve de progresso, para se sentirem como partes do “mundo”, globalizado e com tecnologias distantes das que os seus antepassados sonhavam possuir. Por esses motivos é que temos visto muitos desses moradores saírem destas localidades, deixando para trás crianças e velhos que não possuíram e nem quiseram possuir conhecimentos e as condições adequadas para os cuidados com a terra, com o pasto, animais, entre outras coisas possíveis dentro desse espaço rural, nem tão pouco com a qualidade da convivência ou da conservação da sua natureza nestes lugares. Assim, o que percebemos nessas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, são apenas discussões sobre benefícios de bolsas de toda sorte para ajudarem na renda de suas famílias, de seguros safras, que por conta das estiagens prolongadas nessa região Semiárida Brasileira, atrapalham no desenvolvimento rural dessas áreas de sequeiro e na produção da agricultura familiar com base na água da chuva e que por consequência da seca, serão sempre de safras perdidas. Não conhecem das possibilidades e potencialidades que possuem e os 12 Engenheiro Agrônomo com Mestrado em Sociologia da Agricultura e Ph.D. em Sociologia da Ciência e Tecnologia. Na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) é pesquisador da área de gestão das relações ciência-tecnologiasociedade-inovação (CTSI) e formador em gestão da inovação institucional. 64 poucos que conhecem dessas coisas não possuem investimento ou disposição para fazer a vida neste espaço ser mais proveitosa e satisfatória. Assim, gostaríamos que esse processo da luta pela Convivência com o Semiárido se projetasse como uma política pública, dando suporte para a educação que trata seu contexto e desse modo possibilita o processo de desenvolvimento econômico e o movimento de superação da cultura colonial nestas comunidades. Desse modo, as temáticas que apresentaremos neste trabalho, vêm trazer uma esperança e uma busca não desesperada, mas necessária e urgente, nas relações dos sujeitos de Cacimba do Silva e Sertãozinho, para o retorno da escola, a fim de priorizar que ela seja, junto com a proposta da Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, uma forma de garantia da permanência dos sujeitos nessas áreas rurais do nosso sertão, bem como convivendo nele com a sua diversidade. Sendo assim, compreendemos que também é possível se ter uma vida de qualidade e uma educação significativa no campo que satisfaça as necessidades dos seus aprendizes e da sua comunidade, transmitindo aos mesmos valores culturais e sociais para uma ação eficaz no possível desenvolvimento rural sustentável dessa região, mas também no desenvolvimento humano dos seus atores envolvidos. 65 CAPÍTULO IV PROCESSOS HISTÓRICOS E SOCIAIS NA RELAÇÃO ESCOLA E DESENVOLVIMENTO: DO OLHAR DOS SUJEITOS AOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS Iniciamos essa temática reforçando o que nos propusemos a discutir/investigar nesta temática: os processos históricos e sociais das localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a escola como avanço ao desenvolvimento local, analisando a memória local, através do olhar dos sujeitos da pesquisa, para propor uma reflexão condizente com a vida e as condições estabelecidas para permanência nesses lugares do Sertão do São Francisco. Os processos históricos citados estão relacionados ao dia-a-dia da vida dos sujeitos destas localidades, com seus contos e recontos da memória vividos ao longo dos anos com todas as suas implicações, produto de suas crenças, sonhos e fazeres possíveis, dentro das suas condições psico-sócio-materiais. Esses processos sociais vêm em função do meio, ou seja, dos processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições existentes nestas comunidades. Nesse sentido, através do olhar dos sujeitos das comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, participantes da pesquisa, é que tentamos responder a questão norteadora de que os processos sociais destas localidades revelam que a contribuição da escola não tem sido satisfatória e a falta dela é um agravante aos avanços, portanto retrocesso para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o semiárido nessas comunidades. Ou seja, percebem que a escola não é mais um elemento social que povoa um lugar ou uma comunidade, mas que através dela as comunidades se sentem mais fortalecidas promovendo o desenvolvimento local. Dessa forma, construímos uma linha de base para compreendermos esse desenvolvimento com suas respectivas considerações para a qualidade da vida neste espaço do Semiárido Brasileiro. Nos últimos anos a perspectiva de combate à seca vem se modificando, visto que os problemas do Semiárido Brasileiro não estão restritos à escassez de água. Assim, percebe-se uma modificação de paradigma, se outrora era a luta contra a seca, agora é a convivência com ela, compreendendo que é possível coexistir bem com o Semiárido, desde que através de 66 políticas públicas e práticas sustentáveis, para seu desenvolvimento, através de diversas implicações tais como o uso racional da água e a mobilização social para desencadear articulações de convivência com a semiaridez. Entrelaçado por outros temas como água, meio ambiente e distribuição de renda, dentre o conjunto de elementos que compõem os recursos naturais, a água vem ganhando mais notoriedade frente à sua contaminação e/ou poluição. Este é um recurso de suma importância tanto para a vida dos animais como para o ser humano, afinal, é um elemento essencial à vida. Por esse motivo, os moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho tentaram se valer dos recursos da água e do meio ambiente que possuem nestas localidades para implantar tecnologias apropriadas que satisfazem a sobrevivência dos animais e a soberania alimentar dos humanos que se utilizarem desses animais como alimento, preservando assim a saúde do homem, ‘porque animais sadios, fornecem alimentos sadios’, fortalecendo a caprinovinocultura como implemento a distribuição de renda local e o empoderamento das famílias dessas comunidades rurais do Semiárido Brasileiro. Essas tecnologias nestas localidades se referem ao cultivo intensivo da palma, que vem sendo desenvolvida desde o início dos anos 90, no sentido de minimizar o problema da desertificação no Semiárido. Com a combinação dessa técnica a assistência técnica da AGETEC – Assistência Gerencial e Tecnológica aponta que aproximados 20% das propriedades locais já possuem módulos implantados no sistema adensado. Ou seja, esse recurso garante a manutenção e a produção dos rebanhos, a baixo custo, inclusive nos períodos de estiagem prolongada. Entre outros recursos técnicos adequados a convivência com o Semiárido. Tais recursos como, produção de milho hidropônico, que é, Um processo fácil de ser feito e não requer muitos investimentos. É uma técnica de cultivo de milho sem a utilização de terra, servindo como substrato o bagaço de cana, palha de arroz e o capim napier. O milho hidropônico tem um crescimento rápido, e possui um alto valor protéico que pode ser empregado na alimentação de bovinos, ovinos, suínos e aves. Além disso, tem como grande vantagem a produção de forragem de qualidade durante todo o ano, inclusive no período seco onde a maioria das regiões brasileiras não tem alimentação suficiente para os animais. (SIMÃO, 2009, p. 6). 67 Esse processo, além de ser uma tecnologia apropriada às necessidades locais, também é um recurso sustentável que possibilita uma experiência mais significante à produção de caprinos nestas comunidades. Fazendo com que se cheguem à compreensão de que precisam preservar seus recursos naturais para propor qualidade de vida na sobrevivência das futuras gerações. Embora os conhecimentos repassados sejam de forma não-formal, é uma educação de fora da escola, popular, com saberes da cultura, ou das capacitações técnicas promovidas por instituições assistenciais presentes, que investem e apoiam nos seus fazeres e produções agropastoris, mesmo assim, fora dos padrões da formação escolar, mas com saberes inerentes ao processo de construção da identidade social, sertaneja, rural dos sujeitos moradores, bem como promotora dos movimentos e transformações na vida e na convivência destes com o Semiárido. Assim, esses saberes fazem na prática desses agricultores uma diferença básica dos que possuem formação escolar, mas eles compreendem valores significativos e condizentes com seu contexto, formando trabalhos relevantes e com uma força solidária, sustentável e embasada no poder da responsabilidade social, com um comércio justo, onde procura criar os meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho dos produtores, especialmente os desfavorecidos. Promovendo, portanto a equidade social, a proteção do ambiente e a segurança econômica através de um consumo consciente, com produtos da agricultura familiar, com recursos renováveis que serão transformados em bens para atender às necessidades das pessoas e auto valorizando-se e sentindo-se protagonistas/autores desta prática que dá certo na localidade. A equidade social, segundo Sales (apud SIMÃO, 2009, p. 32), “seria fruto de uma reforma agrária eficiente e de recursos que tornassem viável o trabalho dos expropriados da terra”. Isso não aconteceu em Cacimba do Silva e Sertãozinho, por que as terras já eram de posse dos seus moradores. Embora, esses sujeitos não tenham sido expropriados dessas terras, mas em vez disso, constituiu-se o êxodo rural, em que os mesmos passaram a abdicar suas terras e suas culturas agropastoris nestas localidades, por que nessas comunidades, como em tantas outras dessa 68 região Semiárida Brasileira, faltavam condições dignas a sobrevivência dos sujeitos neste espaço social. E a falta da escola foi o principal motivo desse êxodo e ainda tem sido o fator mais forte dessa escolha para seus moradores. Norteando-os a moradia em outras regiões, urbanas e distintas das origens que os mesmos se orientavam, criando-se outros problemas, por esses seguirem em outras áreas de atuação que não condiziam com as suas de origem e desse modo, não conseguindo mais retornar para suas terras para implantar as técnicas que aprenderam fora, inapropriadas para essas localidades, etc. Assim, essas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, tem em seu quadro de moradores, pessoas acima da idade de trabalhar na agricultura ou abaixo do que se é exigido para iniciarem esse trabalho, são pessoas idosas e crianças, sem educação, lazer e cultura, apropriados para seu grau de necessidades e os sujeitos do meio termo, que podem trabalhar e estudar, não os fazem por se beneficiarem dos recursos da aposentadoria dos seus idosos, sem se preocuparem com seus destinos comuns no sentido de buscarem melhorias, através da educação para suas vidas. A escola que existia na localidade foi fechada e com ela a esperança de transformação social foi diminuída, encontrando sujeitos desestimulados e acomodados ao fracasso e as mesmas condições que viveram seus antepassados. Os moradores e pais interessados em melhores condições de vida para seus filhos, se sentem obrigados a conduzirem seus filhos para outros espaços, longe de suas vistas, com outras expectativas irrelevantes para o manejo e as mobilizações dessas localidades. Esse problema aumenta a cada ano, pois os filhos dos moradores partem cada vez mais para longe, tomando gosto pelos deslumbres que as sociedades urbanas oferecem aos mesmos nessa fase da vida jovem, badalações que a vida no campo não tem. Mas mesmo assim, organizaram-se, e com os meios de que dispunham fizeram parcerias com instituições de pesquisa, formaram associações de moradores, cooperativas, abriram canais conjuntos de comercialização dos animais criados na localidade para não depender de atravessadores, e hoje constituem uma das regiões que consideravelmente se desenvolve a agropecuária, mediante o cultivo de plantas e da criação de animais como bode, entre outros, praticada em geral pelos pequenos produtores que utilizam práticas tradicionais, onde o conhecimento das técnicas é repassado através de gerações. 69 E não estão dependendo de uma grande corporação que de um dia para outro podem mudar suas vidas nestas ou partirem para outras localidades, mas compreendem que a mudança depende de si mesmos. Como diz Dowbor (2006, p. 1), Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social, de que o desenvolvimento não se espera mas se faz, constitui uma das mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esforços. Assim, para esse autor a idéia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão, e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Percebemos nestas localidades que seus moradores em todas as suas idades, desconhecem o valor da sua história, das suas conquistas e não tem a escola como elemento facilitador da mudança social, nem das condições estruturantes à vida neste espaço. Embora compreendam que a falta dela é um agravante a esse desenvolvimento local, pois os sujeitos ficam desconfiados das intenções dos que ‘aparentemente’ buscam melhorias e passam a tratá-los como aproveitadores. Comprometendo a função da associação e das demais instituições que vagarosamente se estabelecem nestas localidades, tais como a cooperativa e a igreja evangélica. Por sua vez, entendem a Associação como uma ferramenta, que o povo tem a seu favor. É um espaço de luta ao serviço do bem comum da comunidade local ou da cidade. Sabendo que não deverá ser, nunca, um meio para a constituição de Milícias Populares Esquadrões da Morte, entre outros puníveis por Lei, mas um espaço onde a população reunida e organizada possa utilizar, por sua conta e risco, esses métodos para atingirem um fim, ao não serem encontradas respostas por parte do poder político. Segundo relatos de Sr. Valdemar é bom ter a associação na localidade, quantas mais quiserem construir, entendendo que como fundador raiz teve muitas oportunidades para adquirir conhecimentos e créditos, articulados com Bancos para financiar e melhorar sua produção agropastoril. Embora declarando que não gosta de tomar emprestado dinheiro de Banco, por que cobra taxas de juros. Mas tudo isso, só foi mais simples, por que estava 70 envolvido com a associação, que correu atrás de tudo para os interessados, é claro que nem todos podiam receber, mas na época, quem pegou esse dinheiro já pagou e os que não puderam pagar, por que se sabe dos problemas que tem, mas estão sempre enviando cartas, solicitando mais tempo para renegociarem suas dívidas e poderem financiar mais outras. Esse relato, reforçou mais ainda o que se sabe do valor da associação numa comunidade e que através de sua mobilização comum, entre sócios e moradores da comunidade é que as questões de seus interesses são resolvidas, são implantadas e garantidas na localidade, embora seus dirigentes, muitas vezes, tomados de interesses próprios, puxem dessas questões, proveitos pessoais que em nada ofereçam essas condições almejadas para seus associados e ainda não consigam perceber que a educação escolar deve ser um direito constituído e dever do Estado para suas vidas. Esse direito, “ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e específico, mas geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais”, enfatiza a filósofa Marilena Chauí (2002, p. 334) citada por MOLINA13 (apud SANTOS, 2008, p. 21). Assim, essa compreensão de Molina sobre o pensamento de Chauí (2002), esta ideia é, A principal característica da ideia de direito: ser universal, ou seja, referir-se a todos os seres humanos, independentemente da sua condição social. A educação é um direito! E como tudo que diz respeito a nós, seres humanos, a ideia de educação como um direito humano e, mais que isso, a ideia dos direitos humanos é fruto de uma longa construção histórica da luta de milhares de pessoas até nós chegarmos a essas conquistas. (MOLINA apud SANTOS, 2008, p. 21). Ou seja, essa educação como direito humano deve ser pensada como recurso norteador dos seus discursos, pois ela é um lugar específico, ao menos deve ser preparada para ensinar os sujeitos a pensar e a dialogar com os colegas e professores, entre outros sujeitos, respeitando as opiniões diferentes das nossas, mas sabendo como defender nossos pontos de vista com argumentos coerentes e bem fundamentados. Muito mais do que apenas saber conteúdos e encontrar respostas para todas as perguntas, é importante aprender a fazer perguntas, e descobrir quais são os verdadeiros e importantes problemas que precisamos investigar. 13 Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UnB e coordenadora do Centro Transdisciplinar de educação do Campo – CETEC/UnB. 71 A Constituição Brasileira estabelece os direitos e deveres de todos os cidadãos que vivem em nosso país, bem como define responsabilidades dos Municípios, Estados, Distrito Federal e da União. Nesses Direitos sociais também se encontra a educação num capítulo específico, dedicado ao assunto, onde estabelece a educação como direito humano fundamental que deve ser garantido pelo Estado a fim de promover o desenvolvimento do país e de seus cidadãos. Além da Constituição Federal existem as Constituições Estaduais, a do Distrito Federal e as Leis Orgânicas dos Municípios que completam a Carta Magna. A regulamentação dessas normas é feita pelas leis que podem ser federais, estaduais (ou do Distrito Federal) ou município e, por sua vez, são mais detalhadas pelos Decretos, Portarias e normas complementares (Resoluções ou Deliberações). Interpretando a legislação há os Pareceres, que no campo da educação podem ser originários dos Conselhos de Educação (Nacional, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal). Quando o assunto vai à apreciação pela Justiça surgem às sentenças e, ocorrendo recursos, os acórdãos. Esse conjunto de documentos constituem os direitos na educação ou, mais modernamente chamado, o Direito Educacional. Esses são, na prática, milhares de textos legais que dizem o que deve e o que não pode ser feito e, em inúmeros casos, há divergências e conflitos de interpretações, causando grandes dúvidas pelos alunos e demais membros da comunidade educacional. Assim, a Cartilha dos Direitos e Deveres na Educação, tem por objetivo facilitar a vida de todos, transmitindo, de uma forma clara, os itens já pacificamente aceitos tanto pelo Governo, como pelas escolas e pelos alunos. Isso tudo são formas para reforçarem a ideia destas comunidades de que a escola não é mais um elemento social que povoa um lugar ou uma comunidade, mas que através dela as comunidades se sentem mais fortalecidas e de certo modo, legalmente reconhecidas, pois é na escola que as suas culturas são repassadas e a sua história e condições de vida existentes são contextualizadas, tornando-se instrumentos do currículo escolar e das atividades pedagógicas dela, formando sujeitos aptos ao convívio no local e nos mais espaços que pretendam atuar. De acordo com os objetivos da Campanha Nacional contra os Fechamentos das Escolas do Campo, apresentado na Página do MST (2011, p. 3), “o primeiro grande objetivo é fazermos um amplo debate com a sociedade, tendo em vista a educação como um direito 72 elementar, consolidado, na perspectiva de que todos possam ter acesso”. O que precisamos fazer é justamente frear esse movimento que tem acontecido, do fechamento das escolas do campo, sobretudo no âmbito dos municípios e dos estados. Segundo esse objetivo, constante nesta publicação do MST (2011, p. 3), Pensar isso significa garantir esse direito tão consolidado no imaginário social, como uma conquista social à educação, garantir que as crianças e os jovens possam se apropriar do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, que esse conhecimento esteja vinculado com sua prática social e que, sobretudo, esse conhecimento seja um mecanismo de transformação da vida, de transformação para que ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana. Atrelado a essa ideia, temos que fazer esse debate da educação como um direito básico, e que nós não podemos, do ponto de vista da sociedade, dar passos para trás nesse sentido, ao negar esse direito historicamente consolidado. Assim, encontrando a “chave” para termos cidadania ativa, devemos compreender que para ter uma cidadania informada, isto começa cedo. Assim, a educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região, deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la, ressalva Dowbor (2006). De acordo com esse autor, “há uma dimensão pedagógica importante neste enfoque. Ao estudarem de forma científica e organizada a realidade que conhecem por vivência, mas de forma fragmentada, as crianças tendem a assimilar melhor os próprios conceitos científicos, pois é a realidade delas que passa a adquirir sentido” (DOWBOR, 2006, p. 1). Assim, a intenção desta pesquisa foi poder propor um pensamento que fortaleça a convivência desses moradores nestas localidades através da educação contextualizada, respondendo crítico e reflexivamente a essa pergunta norteadora: como o estudo dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revela a contribuição da escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o semiárido nessas comunidades? De forma contextualizada, respeitando as limitações e implicações de cada um, do modo de vida a que estão adaptados, fazendo com que seus saberes sejam aproveitados e aliados aos novos saberes da escola, surtam oportunidades satisfatórias e possíveis de crescimento pessoal e local dos sujeitos em suas comunidades. 73 Pois essa educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais, favorecendo a compreensão, a tolerância e a amizade entre todos os homens. De tal modo, vislumbramos para essas localidades uma escola que abranja essas expectativas e uma educação que vise tanto esse desenvolvimento da personalidade humana, como social. Transmitindo valores essenciais à vida e ao empoderamento das famílias. Essa escola passa então, segundo Dowbor (2006, p. 5), Ser uma articuladora entre as necessidades do desenvolvimento local, e os conhecimentos correspondentes. Não se trata de uma diferenciação discriminadora, do tipo “escola pobre para pobres”: trata-se de uma educação mais emancipadora na medida em que assegura ao jovem os instrumentos de intervenção sobre a realidade que é a sua. Assim, estima-se que nestas comunidades o número de saídas dos moradores para outras localidades, em busca de melhores condições de vida, sejam minimizados com a presença e participação ativa de uma escola nesta região, a fim de que haja coerência sistêmica das numerosas iniciativas desses sujeitos, neste espaço do Semiárido, com uma cidadania informada. Ou seja, com um bom conhecimento da realidade, com sólidos sistemas de informação, e transparência na sua divulgação, podem permitir iniciativas inteligentes por parte de todos. Essas e outras informações é que pretendemos que cheguem a essas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, sobre as suas potencialidades e possibilidades locais para convivência com o Semiárido e para a permanência nelas, fomentando o desenvolvimento local sustentável e a proposta de educação contextualizada que rompe com o pedantismo dos modelos tradicionais, colonizadores, para uma experiência condizente e democrática para a vida do/no campo. Nessa perspectiva, destacaremos a seguir o histórico da localidade, com base nas experiências dos moradores, com uma linha do tempo criada a contar de sua chegada nestas localidades, bem como apresentaremos os sujeitos da pesquisa, pessoas importantes para o registro desse resgate histórico e social destas localidades, bem como para análise e resultados dos dados, surgidos ao longo desse processo de construção de TCC, pensando a educação contextualizada para convivência com o Semiárido. 74 4.1. Histórico da localidade, a partir das experiências do morador Valdemar Ferreira Passos – linha do tempo de Cacimba do Silva e Sertãozinho De acordo com registros já realizados por técnicos da EBDA e outros órgãos, governamentais e não governamentais, nas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho em 2006, através de coleta de dados com os produtores rurais em suas propriedades, a pesquisadora Edneuma e sua equipe de Figura 07: O Sr. Valdemar com a sua criação de bodes em 09 de agosto de 2006. técnicos e cooperadores realizaram na Cacimba do Silva algumas entrevistas a fim de se conhecer as criações dos mesmos e das suas histórias pessoais na agropecuária. O primeiro entrevistado no dia 08 de agosto de 2006, foi o Sr. Valdemar, na época com a idade de 77 anos, em sua residência. A entrevista está embasada em questionários dirigidos ao agricultor para conhecerem da sua produção agropecuária nesta localidade, embora para chegarem a essa questão a pesquisadora faz um longo percurso para descobrir quando o morador chegou à localidade, de onde veio, como era a localidade quando chegou, como tomou posse das terras, o que compreendia de Fundo de Pasto, entre outras questões, até saber da forma como criavam os animais e plantavam sem chuva e sem irrigação. Considerando os jeitos, falas e conhecimentos comuns e informais do produtor na sua prática da criação do bode, entre outros produtos, sem assessoria técnica apropriada e durante tantos anos como a principal atividade deste trabalhador. Objetivando assim ajudá-lo de forma técnica com os cuidados e manejos com os animais nestas localidades. Nessa entrevista a pesquisadora Souza (2006) traz suas perguntas sobre a vida pessoal do produtor, relacionadas às suas atividades do dia-a-dia no campo. E as respostas estão na íntegra como o mesmo respondeu, com suas peculiaridades e simplicidades nestes lugares, escrevendo como ele falou e como se posicionou durante a entrevista com a pesquisadora. Essa entrevista, nos fala das técnicas implantadas pelos agricultores, repassadas aos mesmos por seus antepassados, até os dias de hoje, que tem dado certo e conciliadas as tecnologias modernas de convivência com o Semiárido dão aos produtores resultados 75 positivos no manejo animal e na agricultura familiar. Tornando-se ao longo desses anos referência para implantação em 2010 da Cooperativa de bode e possivelmente de seus derivados na localidade que garantirá aos produtores cooperados mais segurança na produção do bode e selo nos seus produtos comercializados para fora destas localidades. Com o Sr. Márcio Irivan Passos, no dia 20 de agosto de 2006, a pesquisadora Edneuma fez a entrevista também relacionadas às suas experiências de agricultor, mas ainda da vida pessoal antes dos doze anos, na escola, da sua relação com os pais, e da seca, entre outras questões, de água, luz, alimentação, trabalho, etc. revelando a tentativa de mudarem seus jeitos e saberes do senso comum na criação do bode, que era por intuição, e depois disso “começou a coisa a sair daquele dom que a gente tinha”, diz esse agricultor, passando a perceber que a realidade agora exigia outros implementos e parcerias. Através da criação da Associação em 1996, “aí sim, mudou tudo”, reforçou o morador Março, que continua dizer “eu já comecei a ficar na linha de frente, que era o presidente, aí já veio curso, e esses cursos sempre dizia: melhorar, tem que mudar”. Segundo Março (apud Souza, 2006, p. 16) diz que foi com o surgimento da associação que mudou a mentalidade das pessoas, que começaram a trabalhar em grupo e a povoar mais o lugar. Naquela época tinham poucas residências nestas localidades e a associação povoou um número maior de moradores nessas comunidades, filhos leigos dos moradores ou préalfabetizados na escola que existia, esses sujeitos foram morar em outras regiões por buscarem melhores condições de vida lá fora. Nesse momento histórico, a associação foi se estabelecendo, e as reuniões aconteciam embaixo de uma árvore ou na casa da mãe desse presidente. Todos jovens e solteiros e só os pais, amadurecidos, observavam os discursos e as manifestações que aconteciam em busca de melhores condições de vida nestas localidades. Havia viagens, cursos, intercâmbios, feiras, etc. em outros espaços e localidades, participavam da Feira Nacional da Agricultura Irrigada – FENGRI, bem como de vários encontros e palestras para aproveitarem dos conhecimentos e implementos a agropecuária na região, levando sempre esses conhecimentos para suas práticas nestas localidades. Com o passar dos anos as coisas foram mudando e esses encontros passaram a ser restrito para os moradores, e apenas uma pequena parcela dos sócios se beneficiaram dessas formações, possibilitando a esses poucos os saberes necessários para montarem a 76 Cooperativa, que aliada a outras parcerias, ainda não deu total abertura para a produção local, segundo depoimento de moradores que não estão ainda como cooperados. Assim, esse trabalho vem apresentar as experiências desses moradores, compreendendo a linha do tempo de desenvolvimento a partir das memórias e relatos do Sr. Valdemar, um dos precursores na luta por recursos e melhorias para o desenvolvimento local, a fim de garantir uma vida mais digna para sua família e demais moradores deste espaço do vasto Território do Sertão Brasileiro. Esse morador veio para estas localidades com os pais, quando ainda era criança, com dois anos de idade, eles vieram para tomar posse dessas terras e assim foram construindo as relações e as experiências existentes, criando suas famílias nestas comunidades, e pautando-se informalmente na noção do desenvolvimento sustentável – que, segundo o Relatório Brundtland, documento intitulado Nosso Futuro Comum, publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e que faz parte de uma série de iniciativas anteriores à Agenda 21, é o desenvolvimento que vem para atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas necessidades. Essa abordagem realizada por Souza (2006) foi importante para nos trazer os dados que buscávamos sobre a realidade local e as relações existentes entre seus moradores. Embora já tivéssemos recebido do Sr. Valdemar, um histórico anteriormente elaborado, para sua festa de aniversário de Bodas de Ouro de seu casamento, Figura 08: O Sr. Valdemar com a esposa Carolina em suas Bodas de Ouro em30 de julho de 2005. realizado em 30 de julho de 2005. Esse senhor é um dos moradores mais velhos da localidade de Cacimba do Silva. Nasceu no dia 17 de novembro de 1928, na Fazenda Bom Será, e seus pais José Ferreira e Joana Ferreira, passam a chama-lo de Valdemar Ferreira Passos. Este crescera forte e valente, sempre obediente aos pais. Muito amado e respeitado pela família, esse homem procurou aprender com os mesmos o seu valor, a sua coragem, o seu caráter, a sua lealdade, dignidade e integridade em lutar e ser vencedor, sem denegrir seus adversários e nem se deixar-se vencer por eles. 77 Um homem dedicado em seus ofícios, de filho, irmão, amigo, homem, esposo e pai, vaqueiro, agricultor e produtor de bode e gado, um guerreiro em busca dos seus ideais. Sempre disposto a conquistar seus objetivos com muita determinação. Aprendeu muito cedo com seu pai, a lavrar a terra para plantar e colher dela o alimento pra sobreviver e para vender e aumentar sua renda a de sua família. Aprendeu a cuidar dos animais e ser um bom vaqueiro, ou mesmo um típico “coronel”, fazendeiro forte destas bandas, dono de trabalho e da terra. Correu diversas vezes atrás de gado valente na caatinga, sempre forte e destemido para enfrentar o novo que lhe surgia. Tinha até um dom, de curar gado e criações feridas no mato, pelo rastro, afirma esse morador, mesmo correndo risco de uma cobra ser alcançada e ferida de morte também sobreviver, por que a reza era forte e o resultado era imediato como se pretendia. Na sua época não teve oportunidade de ser alfabetizado e de se especializar em alguma profissão que o mercado de trabalho exigia, mas com muito esforço, dentro de quinze tardes aprendeu a escrever seu nome completo. Tinha um ideal a conquistar, casar e constituir uma família. E ser um esposo capaz de poder dá o melhor para sua esposa e filhos que viriam ter, sendo um futuro pai amoroso e zeloso por seus filhos. Ensinado aos mesmos todos os ofícios que aprendeu com seus pais e que desde cedo ajudou a ser o homem que és. Foi como muitos rapazes da época, charmoso, um galanteador, deixava muitas moças apaixonadas. Até o dia que conheceu e se apaixonou pela jovem Carolina. Esta mulher, que nascera no dia 26 de novembro de 1934 na Fazenda Pontal, distrito de Itamotinga – Juazeiro/BA e que seus pais Antônio Vieira de Sousa e Ana Rosa de Sousa deram-lhe o nome de Carolina Vieira de Sousa, fora uma criança amorosa, temente e educada com os pais e com todos que lhes rodeassem, por isso foi sempre muito querida pela família. Sendo carinhosamente chamada por seus irmãos mais novos de Dindinha Calú. Era uma moça prendada e charmosa aos olhos de muitos rapazes das redondezas, que pretendiam conquistar-lhe, por ser filha de fazendeiro, na época um senhor milionário na criação de boi e dono de engenho, mas por nenhum seu coração se agradou. Aprendeu com a sua mãe o papel de uma dona do lar e a ser uma mãe responsável e dedicada ao seu ofício. Tornando-se uma esposa exemplar, amiga, companheira, fiel, sincera, 78 bondosa, uma verdadeira pérola criada por Deus. Tudo isso conta no referido histórico familiar dessa família. Dona Carolina foi e é uma mãe como poucas, para seus 15 filhos, sempre meiga, compreensiva, muito emotiva e preocupada com eles, comenta a mesma, emocionada. Com o falecimento de José Ferreira Passos, pai do jovem Valdemar, este foi a uma festa de casamento na Fazenda Jacaré, em 1952, e lá conheceu a bela jovem Carolina. Esta se dirigiu ao rapaz para cumprimentá-lo, pela morte do pai e para saber se o mesmo estava bem, depois do que tinha lhe acontecido. O jovem muito charmoso, respondeu que tudo estava bem. Embora a tristeza fosse grande e que sentia muito a falta do pai. Daí por diante, o tempo para eles mudou, sempre que se encontravam iam passando e se olhando. A festa passou e depois de algum tempo, o moço andava com o seu irmão Pedro (in memoriam), a procura de uma vaca, quando novamente viu a Carolina. Ela estava sentada à porta de sua casa ao lado de sua prima Maria, no Mané Vermelho. Esse histórico revela que as moças estavam a conversar, quando viram os moços passarem na porteira em frente da casa. Os jovens se aproximaram ofegantes e cansados da longa cavalgada, mas aparentando estarem paquerando as moças. Pararam e as cumprimentaram. Elas com intenção de que eles se aproximassem para conversar, pediram que entrassem. Porém, os rapazes preocupados com as altas horas que viajavam, responderam que estavam com pressa. Eles foram embora, e as moças ficaram a questionar-se, a prima de Carolina queria saber se ela estava gostando de Valdemar. Carolina, feliz, mas desconfiada com a pergunta da prima, respondeu que tinha coragem de namorar ele. Novamente o tempo se passou e em dezembro de 1953, numa novena realizada na Fazenda Jacaré, festa cheia de gente, com muitos fogos, Valdemar encontrou a prima Maria, esta lhe parou para conversar e pedir que ele namorasse com a sua prima Carolina. Que tempo aquele, em que os arranjos de casamentos davam certo e os relacionamentos duradouros, a família arrumava os noivos e o tempo, senhor de todas as coisas dava seu jeito certo em fazer as famílias se constituírem de forma honrosa e respeitosa durante toda a vida, até que a morte os separassem. 79 Assim, o jovem animado e ansioso com aquela conversa da prima Maria, partiu dali ao encontro de Carolina, ela estava recostada num canto bem reservado da festa, contemplando a solta dos fogos. Então, ao encontrar-se com a jovem, ele foi direto ao assunto, ali tinha gente para todos os lados, e perguntou-lhe: – “Calú, você quer namorar comigo?”. A moça nervosa e envergonhada, respondeu rapidamente: – “Sei não, você quem sabe”. Daí por diante, os jovens acertaram o namoro e se despediram. De repente, quando Carolina estava indo embora, veio-lhe ao encontro uma ex-noiva do rapaz, que estava a observá-los durante a festa, e interrogou-lhes dizendo, com ar de ciúmes do moço, que o Valdemar não pretendia casar-se com ela, pois se ele quisesse se casar teria casado com ela, que tinha sido sua noiva e ele só quis lhe enganar. Com ar de superioridade, percebendo o ciúme da moça, Carolina respondeu-lhe que não estava namorando com ele com intenção de se casar, pois ainda era muito jovem. Sem querer partir pra briga, Carolina se despediu da moça dizendo que não queria confusão, pois a escolha era dele e ela não podia fazer nada. Deixando a outra jovem ainda mais decepcionada, disse-lhe: – “se a felicidade vem pra uma, a outra não poderia impedir”. O tempo se passou e depois de alguns meses sem se verem, em março de 1954, lá na localidade de Maroto, os pais de Carolina, estavam numa caiçara14, lidando com o gado e com os requeijões, que na época eram de fartura, quando surgiu por lá o jovem Valdemar. Ele tinha ido visitar sua irmã Diomar (in memoriam), que morava ali por perto. Ao chegar lá, a mãe de Carolina mandou que seu filho José (in memoriam), fosse buscar sua irmã Carolina na casa da Fazenda, no Mané Vermelho. Quando a moça chegou, deparou-se com o jovem Valdemar. Estes foram conversar sério, em assuntos de amor, a respeito do namoro. Com isso, ela alegou que a ex-noiva dele tinha lhe dito que ele era um enganador de moças e que não pretendia casar-se com nenhuma. Ele muito decepcionado, demonstrando sinceridade nas suas palavras de amor, tentou convencer a namorada, dizendo-lhe que era mentira da outra, com despeita por não ter se casado com ela, e pediu-lhe que não se preocupasse. Os jovens se entenderam e após alguns meses noivaram. 14 É uma palavra de origem tupi, que designava-se apenas a indivíduos que viviam da pesca de subsistência. Mais tarde, o termo caiçara veio designar diversos itens de cunho cultural no litoral brasileiro. Nesse contexto é também uma espécie de afastamento das influências das áreas mais movimentadas das comunidades para o trabalho de busca e apreensão de animais soltos na caatinga para levarem para o curral. 80 Foram pensar em construir um futuro melhor, então Valdemar chamou um carpinteiro para fazer a casa de taipa15 na Cacimba do Silva, lugar este, em que residem até os dias de hoje, numa casa melhor de alvenaria, comum aos tempos e as residências das demais pessoas da localidade. Segundo eles, as coisas agora são outras, inclusive no cuidado com a terra e com os animais e na produção para comercialização. Pois, antes era mais simples e todos confiavam em seus produtos e até se reuniam para ajudar na matança dos bichos e dos preparos no corte e vendas das carnes. Tudo ao ar livre e sem nenhuma preocupação com infecção e higienização de ferramentas ou lugar adequado e resfriado para o abate e conservação da carne, como as normas da ADAB exige. Assim no dia 25 de julho de 1955, às dez horas da manhã, os jovens se casaram. Oferecendo aos convidados uma festa que durou o dia inteiro. 4.2. Como essa família conheceu as doutrinas da Igreja Evangélica Assembleia de Deus nestas localidades? Depois de casados, com seus três filhos mais crescidos que os demais que nasceram posteriormente, com idades para compreenderem dos assuntos dos adultos, nas décadas de 1970 chegou à sua casa um tio de sua esposa Carolina, quem sendo crente e dedicado à obra de Deus, chamandose de Pedro Rodrigues (in memoriam), Figura 09: O Sr. Pedro Rodrigues à esquerda, de terno e ao seu lado os jovens dessas comunidades na Inauguração do templo Sede das Assembleias de Deus em Juazeiro-BA em ju1ho de 1982. quem lhes pregou a palavra de Cristo e às demais pessoas desta região, de Cacimba do Silva, Sertãozinho, Lagoa dos Cavalos, Fortuna, Baraúna, Rodeadouro, Canoa, entre outras localidades circunvizinhas, dizendo que as crenças e oferendas das culturas existentes não agradavam a Deus. 15 É o barro armado com madeira. Consiste numa estrutura de ripas de madeira ou bambu, formando um gradeamento, cujos vazios são preenchidos com barro amassado. Uma forma sustentável de viver que já está em desuso e pouco ainda se vê nestas localidades. 81 Nessas localidades existiam muitas crendices populares, muitas festividades pagãs e outras culturais e religiosas, novenas aos santos católicos, bem como rodas de São Gonçalo, reisados, corridas de argolinha, batizados, romarias, consultas a videntes, feiticeiros e macumbeiros, sem contar que o Sr. Valdemar frequentava o espiritismo. Seu Pedro Rodrigues dizia que para eles serem salvos precisavam se converter a esse Deus que criou os céus e a terra e tudo que nela há, e então os convidou a todos para aceitar Jesus e a vim servi-lo na sua religião na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, com sede em Juazeiro-BA, dizendo que esse Senhor os amava muito e tinha grandes planos para suas vidas e para sua família. Esse Senhor perdoaria os seus pecados e escreveria os seus nomes no livro da vida, para serem novos herdeiros do trono de Deus. Valdemar, já havia escutado uns amigos relatarem das doutrinas dessa religião, que tinha normas rígidas sobre o comportamento cristão e a respeitar a Bíblia, e pensava nessa Igreja como a melhor coisa que poderia servir para ele e a sua família, pois como tinha muitas filhas, essas sem doutrina, seriam iguais as muitas moças “perdidas16” que conhecia por essas regiões. Porém muito curioso para conhecer esse Deus e “beber da água da vida”, revela o Evangelista São João (4. 14 apud ALMEIDA, 2002), que disseram-lhe que só Jesus podia lhe dá, conversou com sua esposa para aceitar com ele o convite do tio Pedro Rodrigues e se entregarem ao Senhor. Ela, porém, muito católica e fiel aos seus costumes e juntamente com o esposo devotos de imagens de esculturas e festejavam muitas festas em sua casa para a sua gente, não quis aceitar o convite de se tornar crente em um Deus desconhecido por eles, mas não o proibiu de se converter primeiro, ela temia que sendo crente antes dele, ele ia ficar mais solto para os festejos mundanos. Ele também tinha o mesmo pensamento quanto às ideias da esposa. Achava que, ele sendo crente e ela não, não ia dá certo, pois as filhas estavam crescendo e também se perderiam com os deleites mundanos. Ficou pensando no assunto com o coração cheio de desejo em “experimentar” de Jesus. Daí, algum tempo mais tarde, veio a sua casa e hospedou-se por dez dias a saudosa irmã Maria Nelça, uma senhora desbravadora da palavra de Deus, muito conhecida nessa 16 Termo utilizado para as mulheres que tinham relações sexuais antes do casamento, quem eram expulsas de casa, prostitutas e mesmo sem moral, por desrespeitarem os padrões pré-estabelecidos da sociedade da época, em que as mulheres eram obrigadas a se casarem virgens. 82 igreja, por ser uma mulher de fé e possuir muitas experiências da vida cristã, cheia de milagres, trazida pelo irmão Pedro Rodrigues, onde teve a oportunidade de falar mais de Jesus e pregando-lhe todos os dias desta visita, deixando o Sr. Valdemar ainda mais decidido e ansioso para aceitar a esse Jesus Cristo, que no seu tempo de vida, ainda não tinha ouvido falar, não desta maneira, como estas duas pessoas haviam lhe contado agora. Só que, ele tinha amigos que sempre frequentavam a casa, que não conheciam desse Jesus e nem tinha vontade de conhecer como ele estava querendo, avisaram a um outro amigo também espírita e aparecendo por lá, tomou conhecimento do seu interesse em aceitar Jesus, e tratou logo de o fazer desistir, que disse-lhes que essas coisas eram vans e contraditórias, não tinha sentido ele segui-los nessa palavra sobre a verdade que liberta os oprimidos do poder das trevas e constrói o ser em uma nova criatura apta para adentrar no reino de Deus. A decisão de Valdemar em ser um crente, uma pessoa “transformada e liberta do poder das trevas”, segundo palavras do mesmo, fez o amigo espírita ficar furioso com as novas tendências de Valdemar, então o abandonou, quando entendeu que na vida desse homem, já habitava as provas da transformação de vida, que supostamente as palavras pregadas sobre o grande amor de Deus, realizaram em si. Valdemar relata que, apesar de está muito ansioso para se converter a Deus, esperou com paciência na decisão da esposa, que por sua vez não se decidia logo e deixou que a vida lhe pregasse uma peça. Em 1974, depois dela dá a luz a um dos seus penúltimos filhos, passou mal e teve que ser levada ao Hospital Regional de Juazeiro, tendo que se internar por tempo indeterminado, e com suspeita de morte. Geralmente as mulheres destas localidades tinham seus filhos em casa, era de costume os partos serem realizados por mulheres mais experientes da comunidade, que não existem mais nestas localidades e que na época eram parteiras sem formação, apenas com conhecimentos empíricos e populares, como aprendiam das suas antepassadas. Em muitos casos não era preciso ir ao hospital, e todos os outros partos já realizados com a Carolina não foi preciso e nem ela sabia como era um hospital, porém desta vez, a sorte não foi a mesma, sendo de urgência a sua ida até o mesmo. No quarto onde ela ficou, tinha uma paciente evangélica que lhes pregou sobre Jesus, quem operou maravilhas com a multiplicação dos peixes e pães, do vinho num casamento, ressuscitou dos mortos, curou doentes, a cegos fez enxergar, oferecendo a ela mais uma 83 oportunidade de ouvir as palavras que lhe deixaram cientes do tamanho do poder de Deus. Fazendo com que Carolina e seu esposo, fizessem um voto com esse Deus. Eles disseram que se esse Deus a curasse naquele momento, tanto Valdemar quanto toda a sua família se renderiam ao Senhor. Inocentemente, crerão que Deus ouviria aquele voto, passaram aqueles dias no hospital e Deus cumpriu com o seu papel, segundo testemunham esse casal, depois de quinze dias Carolina recebeu alta e foi levada para casa. Então, eles muito satisfeito, lembraram do voto e ali na sua casa agradeceram a Deus pela cura de Coralina, pediram ao tio Pedro Rodrigues que fizesse um culto em sua casa. Este culto foi depois realizado no dia 18 de maio de 1975 às sete horas da noite, e ao término do culto, Valdemar e toda a sua família se renderam aos apelos de conversão ao Senhor, proferidos por aquele homem, representando a Igreja Evangélica Assembleia de Deus na Cacimba do Silva. A partir daí, contam esses moradores que sobrevieram provas, que, permitiu a cada um, se firmar cada vez mais nos caminhos desse Senhor, se fazendo cumprir todos os planos que lhes prometeu, que promete e que ainda está prometendo. Em 07 de março de 1976, Valdemar, sua esposa e seus três filhos mais velhos se batizaram nas águas, como a Bíblia lhes ensinava e logo após, o Senhor os concedeu o batismo com o Espírito Santo, que segundo testemunham esses moradores, selou-os de poder e de fogo que queimou toda a carne e os seus pecados para viverem em santidade de vida, com o espírito da verdade a cada dia, até os dias de hoje e com fé para toda a eternidade! Ressalta o casal com os seus filhos durante essa pesquisa. Contam-nos ainda que seu casamento foi abençoado a cada dia. Sendo agraciados também, pela misericórdia de Deus, com os 15 filhos que tiveram, destacando os nomes de casa um na ordem dos seus nascimentos: Maria Nilza (1956), Maria do Carmo (in memoriam, 1958-1958), Nilton (1959), Maria do Socorro (1960), Coralina (1962), José Valdemir (1964), Rosa (1965), Luciene (1966), Maria José (1968), Josilene (1970), Rozania (1971), Ileno (1973), Cícero (1974), Noêmia (1976) e Noé (in memoriam, 1976-2001). Esses dois últimos nasceram de gêmeos e no parto, após o nascimento da Noêmia, quando a mãe soube do outro bebe que estava esperando, se assustou e com o susto o Noé teve paralisia infantil, sendo cuidado por todo o tempo de vida pelos pais e irmãos, quem davam-lhes todo o amor e atenção que precisava até seus 24 anos de idade quando veio 84 falecer de causas naturais no querido colo de sua mãe Carolina, quem dedicou todos os dias de sua vida aos cuidados de seu filho, tão lindo e tão esperto, apesar de toda a dificuldade com a paralisia que o deixou acamado pra sempre e onde suas refeições e higiene pessoal eram realizadas constantemente com auxilio de suas meigas mãos. 4.3. Linha de base para a trajetória de desenvolvimento local Para os atores e agentes de desenvolvimento engajados na melhoria das condições de vida da população dessas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, a preocupação é, como diz ADAC (2011, p. 19), Recorrer a uma abordagem dinâmica do apoio ao desenvolvimento local, baseada numa melhor compreensão da realidade e da sua complexidade onde a educação figura como peça essencial a um modelo novo e participativo de pensar o desenvolvimento local, tendo na escola um agente fundamental e na comunidade um agente avizinhador das vontades. Assim, compreendendo o papel da escola, como agente fundamental para o desenvolvimento local, é que resgatamos as experiências sociais destas comunidades para pensarmos a ECSAB como fomento a vida e as condições nela existentes. Pois, “viver aqui é bom, criar o nosso criatoriozinho, mesmo com todo sofrimento é bom. Me preocupo é que se não tiver a escola, daqui pra frente não vai ter também quem labute com nossos criatórios, por que os jovens querem sair daqui, mas aqui é melhor”, ressalva o dirigente da Associação de moradores. Então, será através da família do Sr. Valdemar Ferreira Passos, pais, irmãos, parentes e a sua esposa e filhos, que contaremos como se estabeleceram na localidade, bem como tiveram as primeiras manifestações sociais em Cacimba do Silva e Sertãozinho. Conta a história da memória desse povo que esse nome de Sertãozinho, localizado à margem da rodovia que liga Juazeiro a Curaçá, surgiu por uns forasteiros que viajando se hospedaram ali e criaram por um bom tempo suas famílias e seus criatórios, seu primeiro morador se Chamava Raimundo Mota, que passou a ser dono das terras da Fazenda Sertãozinho. 85 Já na Cacimba do Silva, era esta conhecida pelos moradores por Fazenda do Baltazar, que foi o primeiro morador desta localidade, depois veio outro morador com sobrenome de Silva e unindo-se a busca por água de cacimbas que havia em grandes quantidades no riacho desta localidade, os moradores da época formaram o nome da localidade – Cacimba do Silva. Como não se tem registro dessa história na localidade, os mais velhos têm cada um a sua própria ordem dos acontecimentos na localidade, inclusive contam que o primeiro morador não foi esse anteriormente citado e sim Quintino Ribeiro, que era o dono dessas terras. Desse modo, sem terem mais esses sujeitos para comprovarem esses fatos, preferem cada um falar como lhe convém. Nestas regiões, todos tinham as mesmas funções profissionais dos pais e antepassados, os homens ajudavam aos pais e as mulheres ajudavam as mães, algumas dessas mulheres precisavam e até gostavam também de ajudar nos trabalhos braçais da lida no campo, acompanhando os pais nas roças, nas criações de bois e bodes, as demais mulheres se esforçavam apenas nos cuidados da casa, nos artesanatos que aprendiam com as mães, com costuras, bordados de ponto cruz, crochês e renda, e ainda na fabricação de cordas de caroá e arrumação dos enfeites dos gibãos e artigos de couros fabricados pelos pais e filhos, utilizados quando saiam para as corridas de vaquejadas, argolinhas e caçadas na caatinga, onde se apresentavam demonstrando bravamente os conhecimentos e a cultura do lugar às pessoas que os assistiam. As moças também eram coroadas rainhas e princesas, entre outras atividades que realizavam na convivência diária desse lugar, sem terem ainda as tecnologias de captação de água da chuva como políticas públicas surgidas através de ONGs ou empresas da região, mas já cavavam cacimbas nos riachos e poços em busca de água ou então contratavam máquinas para fazerem tanques que nas épocas de chuva sangravam e serviam para guardar água por um bom período até que chovesse novamente. Esses tanques se enchiam também de peixes e na seca serviam de alimento para as pessoas e famílias destas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Nada que durasse muito tempo, mas que iam servindo de paliativos para sobreviverem diariamente com a seca predominante nessa região. As pessoas do lugar eram todas muito amigas e compartilhavam de todas as atividades existentes. Se alguém matava um animal para vender, vendia na localidade, e se esse animal era 86 para seu sustento e de sua família, tinham o hábito de o repartirem com os demais moradores. Em algumas residências locais ainda tem esse costume ou ainda fazem essa negociação para comercialização dos seus produtos na localidade, e só depois, com o que sobrava é que levavam para outras localidades para ser comercializado ou trocado por produtos que estes estavam precisando, tais como peças de tecidos, couros, linhas de costuras, cordas, sacos de comidas e outros materiais para suprimento pessoal e familiar, além das coisas para cuidar dos animais e da agricultura neste lugar. Eles tinham também a boa ideia de guardar e conservar os alimentos produzidos da agricultura familiar, e até mesmo remédios e bens de consumo comum e coletivo que, devido a dificuldade de se locomoverem até a cidade, encomendavam aos amigos e vizinhos para trazer. Todos tinham respeito uns pelos outros e tudo que compartilhavam era motivo de mais união e fortalecimento destas comunidades, representadas por seus familiares. Essas famílias eram sempre grandes de filhos e trabalho, o que aumentava a compreensão e a força para adquirirem bens e renda no trabalho. Este trabalho era realizado para obtenção de riquezas em comum nestas localidades, tanto na agricultura familiar, onde quem ajudava, dela tirava seu sustento e da sua família, quanto na busca pela água, na criação dos animais e no tirado de cercas para as roças e cercados de plantas, animais e divisão de terras, demarcadas em comum acordo entre seus moradores, combinando e articulando tudo para a melhoria da qualidade de suas vidas na região. Por isso construímos uma linha de acontecimentos nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, a contar pelas experiências desse morador Valdemar, que juntamente com seus amigos que já se foram, restando ele em Cacimba do Silva, seu cunhado Francisco e seu sobrinho Pascoal, ambos em Sertãozinho. Estes são os representantes mais idôneos dessas localidades, braços fortes para o início do desenvolvimento local, pois alem de criarem a Associação, também construíram a igreja evangélica no Sertãozinho e estão construindo outra igreja na Cacimba do Silva. Foi por meio desses homens que os variantes da divisão de terras foram organizados para as partilhas com os novos moradores, que inclusive pretendem construir uma nova associação de moradores para alcançarem os meios de formarem legalmente outro povoado 87 dentro dessas localidades. Isso demonstra também que esses sujeitos são “outros” dentro desse processo de desenvolvimento rural que trazem ideais de organização social, com planejamento para uma vida mais dinâmica e um projeto de convivência mais condizente com as atividades que se anseiam desenvolver, pensando numa educação contextualizada para fomento desse desenvolvimento e empoderamento das famílias dessa região. Como diria SACHS17 (2007, p. 31) “não podemos nos omitir de buscar formas de gerar oportunidades de emprego e auto-emprego no campo, apesar das dificuldades que essa tarefa implica”. Segundo esse autor, Não podemos nos omitir, portanto, da discussão de um novo ciclo de desenvolvimento rural gerador de oportunidades de trabalho decente. Ao mesmo tempo, todos os esforços devem ser envidados para que o campo se urbanize, no sentido de condições e amenidades de vida e de acesso à educação, proteção da saúde e cultura. (SACHS, 2007, p. 33). Portanto, visando essa “urbanização” no campo, como refere Sachs (2007), é que esse trabalho se pauta em resgatar os processos históricos e sociais das localidades de Cacimba do Silva pensando a educação contextualizada para convivência com o Semiárido, essa, portanto, deve ser de valorizar esse meio social com todas as suas condições e oportunizar esse “desenvolvimento rural gerador de oportunidades de trabalho decente” citado por Sachs (2007, p. 33). 4.3.1. A linha do tempo e o desenvolvimento das comunidades A linha do tempo se constitui da seguinte maneira, o ano de 1955 será a data base para o desenrolar dos fatos e antes dele, apresentaremos apenas como esse morador, o Sr. Valdemar veio para essas localidades com a sua família. 17 Ignacy Sachs (Varsóvia, 1927) um economista polonês, naturalizado francês. Também é referido como ecossocioeconomista, por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico, aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental. 88 Segundo conta esse morador, ele veio em 1930, com a idade de dois anos, para essas comunidades juntamente com a sua mãe, pai e irmãos mais velhos. Para tomarem conta das terras herdadas de seus antepassados. Seus pais construíram, do outro lado do riacho que corta a comunidade de Cacimba do Silva, sua moradia de taipa, uma técnica primitiva, desprezada não só pelas elites, mas até mesmo pelas classes populares, este tipo de construção ficou ligado à miséria e traz embutido um caráter de moradia provisória, um abrigo passageiro contra a opressão da natureza. Embora que essa opressão da natureza não pode ser controlada em 1960, quando houve uma enchente na localidade e o riacho “botou”, como costumam dizer, tanta água que destruiu toda a casa de seus pais e a sua, pois nessa época já estava casado e com dois filhos ainda bebês. A enchente fez dessas residências Figura 10: Uma típica residência de taipa. (http://www.csaarquitetura.com.br/index3.htm) e das produções agropastoris uma tragédia. Perderam tudo, juntamente com eles a enchente abalou as estruturas sociais tanto desta família como dos demais moradores que tiverem que reconstruir tudo, dessa vez do lado mais alto que estão até hoje, afastados do riacho da localidade. Retornando a linha do tempo, em 1930 houve a revolução que derrubou oligarquias e colocou Getúlio Vargas no poder. O capitalismo vivia um momento de crise provocado pelo colapso das especulações financeiras que, inclusive, provocaram o “crash” da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Os governos oligárquicos preferiam manter a nação sob um regime econômico agroexportador. Ou seja, a economia brasileira só ia bem quando as grandes potências industriais tinham condições de consumir os produtos agrícolas brasileiros. Nesse contexto, de um lado, as camadas populares sofriam, cada vez mais, o impacto de governos que não criavam efetivas políticas sociais e, ao mesmo tempo, não dava atenção aos setores sociais emergentes (militares, classes média e operária). E crescia o jovem Valdemar com a sua família nestas localidades, trabalhavam muito, cavando poços e cacimbas em busca de água para sobreviverem. Ainda no foco da revolução pelo fazendeiro gaúcho Getúlio Dorneles Vargas que prometia um conjunto de medidas reformistas, em 1940, Valdemar lembra que estava com 12 anos de idade e ainda sofria com os assombros no lugarejo de que possíveis cangaceiros de 89 Lampião se escondiam pelas redondezas, transtornados pela morte inesperada do seu líder, e que conseguiram escapar da polícia. Segundo ele foi encontrado partes dos cabos das armas que esse bando usava como os do cangaceiro Lampião em cima do serrote na Cacimba do Silva. 1955 – Enlace Matrimonial de Valdemar com a esposa Carolina, o então patriarca dessa localidade de Cacimba do Silva. 1956 – Foi o nascimento da filha mais velha e daí por diante dos demais filhos sucessivamente. 1960 – Houve a enchente, como já citamos anteriormente. E passaram a reconstituir suas vidas nesta outra parte do riacho. 1970 – Surgiu o desbravamento da palavra de Deus, como dizem os membros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus na localidade, através do falecido Pedro Rodrigues juntamente com a também falecida Maria Nelsa. 1974 – Uma enfermidade grave acomete a senhora Carolina, deixando os moradores e a sua família em estado de cuidados e atenção com o filho recém-nascido que a esposa deixava para ser internada no Hospital Regional de Juazeiro-BA, às pressas. Em 18 de maio de 1975, houve a conversão desses moradores nas doutrinas desta referida Igreja evangélica na localidade. Iniciando um novo comportamento na sociedade, que passa a rejeitar os ideais de novo homem. O Valdemar, promotor das festas, algazarras e procissões na sua casa e em toda a comunidade, abandona seus costumes para operar sinais e maravilhas em nome de Jesus Cristo. Ganhando inimigos da sua nova fé, que os chamavam de loucos por renunciarem todos os costumes da época. Segundo este morador, passou a perceber que na sua vida antes tinha prejuízos, gastando o seu pão com pessoas que se diziam seus amigos e agora tinha fartura, por que descobriu seu verdadeiro amigo, o Cristo. Depois disso, os amigos perderam as forças financeiras para investirem nas festividades locais, pois esse morador possuía a maior parte dos gados dessa região e era quem promovia os eventos, portanto, sem mais contribuir, a cultura desta localidade ficou restrita apenas para reuniões religiosas dos católicos e dos evangélicos, pois os moradores compreenderam que a postura desse homem fez com que melhorasse ainda mais entre eles, mesmo quando o rejeitavam. 90 Nessa época as rodovias ainda não eram asfaltadas também e a sua ida a cidade só acontecia se fosse, montado à cavalo, jumento, a pé ou quem tinha bicicleta. Passando inclusive a dormir no mato durante a viagem de ida e volta por alguns dias. Inclusive foi numa dessas viagens que foi picado por cobra e só não morreu por que deu tempo chegar em casa e fez como os curandeiros lhes recomendaram. Mas diz que até hoje sente em algumas épocas do ano, dores na região da cabeça, aonde a cobra o picou. Em 1976, foi a vez do nascimento dos gêmeos, Noêmia e Noé, seus últimos filhos. E um fato aconteceu que marcou a sua família por durados 24 anos, quando este veio falecer. O Noé nasceu com paralisia infantil, uma doença desconhecida para eles, que foi ao longo do tempo paralisando todos os órgãos do menino. Mas o que achavam ser doença ruim, fortaleceu-os ainda mais nos “caminhos” do Senhor, conta-nos esses moradores. Em 1982, compraram seu primeiro transporte familiar, que se tornou também coletivo entre seus moradores e depois passou a ser um meio de trabalho para os filhos desse morador na localidade. Usavam a camioneta C10, Chevrolet bege, para transportar gente, animais, fretes com tudo que se precisava. Ajudando na renda da família e na grande mobilidade social dessa gente do campo com a cidade. Ajudando Figura 11: Uma D10, parecida com a C10 que tinham nestas localidades. também no transporte das mercadorias produzidas para comercialização na cidade, pois antes disso, seus produtos serviam mais como moeda de troca entre os moradores. Em se pensando a escola neste processo, tinham-na a partir de 1963 até 1968 sob a direção da Srª Josefa Ferreira Felix que aposentando-se, passou a escola para a senhorita, sua sobrinha, Maria Nilza Ferreira, dirigindo-a desde essa data até 1983 quando se casou para ir embora desta localidade para outra também nas proximidades rurais do distrito de Itamotinga. Neste tempo, o município rezava uma cartilha para os professores leigos serem moradores da localidade, se fossem embora perdiam o cargo, mesmo que o novo endereço fosse próximo da localidade. 91 Então em 08 de outubro de 1983 houve o primeiro casamento civil realizado por um pastor, o Sr. Manoel Marques de Souza (in memoriam), nesta região, pois os anteriores eram os padres que faziam ou um juiz de paz. Nesse dia reuniu muitas pessoas para assistir o casamento; era a professora, uma crente, que estava se casando. Tudo ainda era novidade para esse povo, que se Figura 12: Enlace Matrimonial dos jovens João Batista e Maria Nilza, celebrado pelo Pr. Manoel Marques de Souza, presidente da Igreja Assembleias de Deus em Juazeiro-BA. surpreendeu com o casamento diferente dos que celebravam os padres na região. Esse casal fez também o trabalho missionário nessa região e circunvizinhança, ganhando muitos crentes para essa religião. Mas numa dessas missões, João Batista sofreu um acidente e morreu em novembro de 1993, abalando mais uma vez as estruturas dessa família nestas localidades. Mas com essa morte, esta viúva precisou legalizar seus documentos para aposentar-se e descobriu a necessidade e o poder que tem uma Associação na comunidade, que se houvesse e nela fosse membro, facilitaria no tramite dos processos que lhe asseguravam como agricultora rural. Assim, em 26 de março de 1996 os moradores criaram a Associação dos Pequenos Produtores Rurais das Fazendas Integradas Cacimba do Silva e Sertãozinho do Distrito de Itamotinga. Um Figura 13: Sede da Associação de Cacimba do Silva e Sertãozinho. instrumento de fortalecimento no desenvolvimento local e da formação para cidadania dos seus sujeitos, bem como para o empoderamento das famílias locais. Depois desse acontecimento, foi que os moradores procuraram se cadastrar no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Juazeiro e passaram a se reunir com o intuito de se organizar enquanto comunidade, associados para propor e alcançar benefícios dignos a vida nestas comunidades. Buscando inclusive apoio em outros órgãos para trazerem movimento e transformação na localidade. Um desses órgãos foi a Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia – CERB, uma empresa de economia mista, vinculada à Secretaria 92 do Meio Ambiente que tem como missão garantir a oferta de água para melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, com ênfase no saneamento rural. Entre outras organizações governamentais e não governamentais, parceiras que deliberam recursos e investimentos nas ações destas instituições na localidade, estão a Prefeitura de Juazeiro, a Universidade do Estado da Bahia – UNEB - Campus III, a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A – EBDA, com a missão de contribuir para o desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar, viabilizando as condições necessárias para o pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida dos (as) agricultores (as), tem-se ainda apoio da EMBRAPA Semi-Árido, do SEBRAE, do SENAR, e outros. Nesse contexto descobrimos que as pessoas da localidade não têm assessoria técnica, por não serem informadas corretamente desse benefício como direito, sendo esses serviços fornecidos para uns poucos moradores da localidade, quem estão mais engajados com os projetos da Associação e da Cooperativa. E é um direito que o governo delibera para esse povo do campo e os mesmos não se inscrevem sem saber e com medo de que serão lesados nas suas formas de produções. Uma falta de informação coletiva, que os impede de evoluir e sair da informalidade. Diante desse processo, a viúva e ex-professora da localidade, com seus três filhos pequenos teve que deixá-los estudar em Juazeiro, pois a qualidade da educação nestas localidades já não servia mais, aos padrões da educação urbana, onde a mesma sonhava manter seus filhos quando ficassem maiores. E outro fato prejudicial ao desenvolvimento local, era que esta escola só oferecia educação para o nível do ensino fundamental de até a 4ª série. E seus filhos fariam outras séries e faculdades, como preferissem. Sendo assim, em 2001, a escola, sob os cuidados da Srª Maria Lurdes de Oliveira Passos no Sertãozinho, deixou definitivamente de exercer seu papel na formação dos indivíduos destas localidades, obrigando os filhos destas comunidades a irem para outras regiões. De 2003 até 2006 houve a implantação do Projeto Cabra Forte, a disposição da Associação, que disponibilizou dois poços tubulares e ainda conveniou o contrato de 25 funcionários, entre eles técnicos, médicos veterinários e outros, para dá assessoria técnica aos moradores dessas localidades. Daí por diante surgiu a energia solar e recentemente foi trocada 93 pela energia elétrica em todas as 29 casas dessa região, mobilizando o acesso a outros bens, que com eletricidade tornaram-se possíveis para essas localidades. Veio a TV como instrumento de comunicação, já que as informações que possuíam de fora dessas localidades eram transmitidas pelo sinal da Rádio de Juazeiro AM 1190, quando tinham pilhas suficientes para ligar o rádio. Aumentou o número de aparelhos de telefones celulares na região, e hoje com a associação, também dispõem de computador e internet rural. Mas esses dois últimos recursos apenas para seus dirigentes e em ultimo caso, os associados. Tudo isso, por que não pensaram ainda num programa que viabilize acesso à rede e às informações para seus moradores, por que já existem debates e ações para esse acesso desde 2010, no I Simpósio Indígena ocorrido no dia 26 de novembro, na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo, sobre Usos de Internet nas Comunidades Indígenas do Brasil, promovido pelo Núcleo de História Indígena e do Indigenismo. Os moradores não possuem uma dinâmica nestas localidades que sirva de base para fortalecer o bem do conhecimento comum entre seus moradores, nem que oportunize aos mesmos, diversão, lazer e cultura. Só quando há interesses de comercializar ou se fazer conhecidos os seus produtos para outros sujeitos nesse processo. Em 16 de fevereiro de 2010, a Cooperativa dos Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e região Ltda. foi criada, sendo a primeira da região que vem para fortalecer tanto à produção local de caprinos e ovinos, mas também para beneficiar os produtores rurais desta região e circunvizinhos. Pois ainda não tinham um instrumento legalizado para o comércio e abate desses animais nas normas de controle e vigilância sanitária da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB. Tudo isso, porque a ADAB tornou-se uma autarquia sob regime especial, vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Reg. Fundiária – SEAGRI, com personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira e patrimônio próprio, com sede e foro na cidade de Salvador, Bahia e jurisdição em todo território do Estado. Criada pela Lei nº 7.439 de 18 de janeiro de 1999, regulamentada pelo Decreto nº 7.518 de 08 de fevereiro de 1999 e alterada pelo Decreto nº 9.023 de 15 de março de 2004, a ADAB tem a missão de garantir a segurança sanitária no Estado da Bahia, preconizando o desenvolvimento de um agronegócio sustentável e competitivo. Em 2011, ressurgiu a mobilização dos moradores evangelizados por uma congregação 94 na localidade, que tentando se reunir na Sede da Associação, sentiram-se expulsados de lá, o que revoltando-se, construíram o templo, que representa a doutrina Cristã das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus do Brasil, empossada no terreno doado pelo morador Pascoal, na Fazenda Sertãozinho. Essa construção foi erguida e hoje tem uma união maior entre os membros e a sociedade em geral, primando pela vida espiritual, mas também pelo reforço na formação cidadã dos seus envolvidos, como destaca o atual dirigente, Presbítero Francisco Alves da Silva. Com o surgimento dessa igreja na localidade, o povoado que já tinha notoriedade por conta das visitas dos demais crentes da cidade e das demais localidades vizinhas que vinham fazer os cultos na casa do Sr. Valdemar e dos demais crentes deste lugar, e das organizações governamentais e ONGs que se propõem ajudar no desenvolvimento local, os moradores têm realizado feiras para mostrarem seus produtos locais e gerar renda para essas comunidades, bem como já estão construindo outro templo desta mesma igreja na Fazenda Cacimba do Silva, um espaço maior que a primeira e sonhado por muitos anos por esse morador e doador do espaço para sediar a construção. Com todas essas conquistas, só não se compreendeu ainda é onde está a escola ou da educação formal, que não existe nestas comunidades, e seus agentes interessados ainda continuam sem direito a ela ou obrigando-se a ir buscá-la fora da sua localidade, contribuindo passo à passo para o êxodo rural e a defasagem da educação do campo. 4.4. Sujeitos da pesquisa – pessoas-chaves – agricultores/produtores e instituições afins Bem, nessa subtemática apresentamos os sujeitos que foram agentes importantes dessa pesquisa, sem eles esse processo acadêmico não seria possível, pois foi por eles que, desde a inscrição neste curso de especialização, buscamos fundamentação teórico-metodológica e prática para apresentá-los à proposta de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, bem como para alcançarmos subsídios necessários para pensarmos essa educação no seu contexto, ou do possível retorno da escola para essas localidades. 95 Claro que essa ideia inicial de pesquisarmos sobre o retorno da escola para essas comunidades não foi possível nesse momento, mas com as entrevistas realizadas e as diversas conversas nos bastidores dessa monografia, com os seus diversos atores/autores/moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho, objetos dessa pesquisa, fomos tentando aos poucos disseminar a importância desse retorno da escola e a relevância da proposta dessa Educação Contextualizada para Convivência com o SAB. Nesse sentido, os sujeitos pesquisados foram os próprios moradores, dentre eles, Valdemar Ferreira Passos e Pascoal Ferreira Passos, o atual dirigente da Associação Comunitária, José Gilvando da Silva e o ex-dirigente Márcio Irivan Passos, atual dirigente da Cooperativa de Bode, quem, inclusive nos forneceu alguns arquivos, imagens fotográficas, entrevistas de jornais e pesquisas realizadas sobre essa gente e seus fazeres históricos e sociais no campo, o Presbítero Francisco Alves da Silva – dirigente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus da localidade, três ex-professoras da escola extinta, Josefa Ferreira Felix, Maria Lurdes de Oliveira Passos e Maria Nilza Ferreira, bem como alguns dos seus ex-alunos e diversos moradores, que se sentiram a vontade para nos contarem e recontarem fatos e processos relevantes ao desenvolvimento rural destas localidades. Dessas pessoas, gostaríamos de mencionar gratidões à aquelas que, embora in memoriam, pois já descansam na eternidade, também foram importantes para esse desenvolvimento local, quem formaram os primeiros moradores e fundaram os costumes do lugarejo, bem como as ideias e culturas centenárias que movimentam a vida neste lugar. Em especial, a Srª Joana Ferreira Passos, mãe do Sr. Valdemar Ferreira Passos, quem lhes trouxe juntamente com os seus demais irmãos para esse espaço, ensinando-o a conviver harmoniosamente com seus irmãos, sobrinhos e amigos na localidade, formando um homem com caráter humanitário e social coerente com as práticas e perspectivas desenvolvidas para o fomento da convivência com o Semiárido. Figura 14: A Srª. Joana Ferreira Passos. 96 CONSIDERAÇÕES DE UM PROCESSO QUE CONTINUA... Durante o desenvolvimento dessa pesquisa, requisito parcial para a conclusão do Curso de Especialização em Educação contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, promovido pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB por meio do Departamento de Ciências Humanas – DCH III, buscou-se na metodologia apresentada uma observação direta sobre os processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho, base de estudo para obtenção desta análise dos dados. Com uma instigação para relatarem suas experiências da convivência nestas localidades, buscamos resgatar a história local a partir das memórias e lembranças dos seus moradores, questionando por tanto, três professoras da escola extinta, três alunos e também moradores e ainda integrantes da associação e cooperativa da localidade, apropriando-se da pesquisa bibliográfica relacionada ao tema escolhido com intuito de contemplar às indagações motivadoras deste estudo. Essas questões sugiram no diálogo com os moradores, no resgate das suas memórias, para responder a questão norteadora desta pesquisa. Assim, buscou-se compreender a educação para convivência com o Semiárido como implemento ao desenvolvimento local e ao empoderamento das famílias dessas região, sendo observada a existência de vinte e nove residências, com aproximadamente uma família de seis ou mais dependentes, na maioria velhos e crianças, e dois em idade de trabalhar. Desse modo, os sujeitos envolvidos nesta pesquisa foram os referidos moradores, antigas professoras, atuais dirigentes da associação e cooperativa local, membros das mesmas e da igreja evangélica da comunidade, bem como a própria autora com suas implicações sobre as experiências de convivência nestas localidades. Nesse referido espaço de atuação humana e social, da vida do/no campo, esses atores são responsáveis por ministrarem as dinâmicas existentes, na luta por uma vida melhor, embora sem as interferências da escola para fomentar essas mudanças nas estruturas históricas e sociais dessas pessoas, com um ensino e aprendizagem distante dos modelos pedagógicos da escola formal que almejamos retornar para essas comunidades rurais do Vale do São Francisco, mas acreditando que mesmo sem essa escola, os princípios da colaboração mútua, 97 solidária e conjunta são subsídios também essenciais para se promover o desenvolvimento local. Entre as dificuldades encontradas durante a construção desta pesquisa, uma a destacar foi de obter recursos financeiros suficientes para chegar nestas localidades, tantas e quantas foram às vezes que tivemos de ir para confirmar os fatos da lembrança da pesquisadora com os relatos da memória dos moradores. Outra dificuldade foi fazer com que o discurso da convivência com o Semiárido, e da proposta de educação contextualizada se tornasse um ideal para eles também, pois apesar de terem as tecnologias adequadas já implantadas na localidade, não sabem na teoria o que elas significam de fato para a qualidade de suas vidas. Também foi possível perceber que o ensino para as crianças, que estão sendo conduzidas para as localidades vizinhas, não são adequadas às condições da vida dos mesmos, e tornando-se descontextualizado e inapropriado as condições de vida dos adultos que se estabelecem nesta região, causando o êxodo rural, agravante dessa população, que desestrutura as bases sociais e de produção de renda nestas localidades, ficando sem melhores condições para essas famílias, reforçando a triste realidade brasileira, em que aumenta-se o desemprego, e com ele as desigualdades sociais, pois são poucas as pessoas com formação específica para atuarem como sujeitos sociais úteis para promoverem um desenvolvimento sustentável capaz de garantir a vida de outras gerações. Embora encontrado essas e outras dificuldades na construção desta pesquisa, houve também os resultados, não os esperados, mas que se constituíram a partir dessa interferência, da “pesquisa-ação”, em que visa produzir mudanças (ação) e compreensão (pesquisa), com conhecimentos e informações sobre a proposta de Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido, denotando outro tipo de movimento social local, um movimento “neoliberal” de transformação para essa sociedade e para a nova que os moradores estão pretendendo formar. Para trazer cultura, esporte, lazer e o mais necessário conhecimento pela educação contextualizada que não se tem ainda nestas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Usamos esse termo neoliberal por entender que as posições dos agentes nele envolvidos, buscam uma forma melhor de ver, entender e julgar seu “mundo” social, para a partir dele se sobressaírem, sem que tenham que sair da localidade ou buscarem fora conhecimentos que não importam para esse contexto. Organizando ideias, conceitos e a força 98 popular desses sujeitos, para a geração de novos e adequados programas, de difusão e promoção do desenvolvimento sustentável nestas comunidades. Surgiu então, uma nova proposta de associação comunitária que irá a partir dos ideais de educação contextualizada para convivência com o Semiárido Brasileiro, fortalecer mais ainda a vida e as condições desta em Cacimba do Silva e Sertãozinho, claro que isso ocorrerá se estas intenções forem mesmo concretizadas pelos moradores que estão se reformulando para “brigar” e deliberar propostas de uma moradia mais adequada, útil e com qualidade para esses sujeitos sociais. Por isso, chegamos nesse ponto, revisando o objeto que moveu a preocupação para o estudo da temática, suas contribuições para nossa formação pessoal e profissional, com uma prática mais contextualizada, apta para um fazer que possibilite a valorização e transformação cada vez melhor desse espaço, primando pela qualidade de vida dos sujeitos, bem como do próprio espaço social, para uma convivência com o Semiárido Brasileiro de fato significativa, e promotora de desenvolvimento sustentável. Trazendo ainda os olhares e contribuições que tivemos da teoria, as principais descobertas e dificuldades encontradas, para que esse trabalho pudesse ser concluído, levando para essas comunidades pesquisadas um pensamento inovador, condizente com as práticas de todos os atores deste processo em Cacimba do Silva e Sertãozinho. Por isso, pensamos no que reflete e nota Caldart (2007, p. 8), A questão crucial para qualquer sociedade estabelecida, é a reprodução bemsucedida de (...) indivíduos cujos ‘fins próprios’ não negam as potencialidades do sistema de produção dominante. Essa é a verdadeira dimensão do problema educacional: a ‘educação formal’ não é mais do que um pequeno segmento dele. (...) Assim, além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser levada a cabo, o complexo sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores no interior da qual os indivíduos definem seus próprios objetivos e fins específicos. Esta discussão pode ser uma referência importante para um balanço políticopedagógico das iniciativas educacionais apoiadas/realizadas pelas lutas da associação de moradores dessas localidades a fim de que se constitua o retorno da escola para essas comunidades e portanto, esta venha ajudar seus agentes a buscarem saberes mais relevantes para sua permanência na região. 99 Assim, escolhi essa temática, por notar que nas localidades pesquisadas não se tinha ainda o conceito formado, nem compreendido sobre a proposta de convivência com o Semiárido, embora tivessem os recursos práticos e tecnológicos dessa proposta implantados nestas localidades, nem tão pouco da educação como direito do/no campo, prejudicando o crescimento da economia solidária, e, portanto, da agricultura familiar, imbricadas na cultura dos seus moradores. Nesse sentido, percebemos que essa pesquisa foi importante, tanto para a formação pessoal da pesquisadora, bem como dos sujeitos destas localidades que se sentiram movidos para a criação de outra associação de moradores e de projetos que possam trazer a educação e os demais incentivos à melhoria da qualidade de vida dos seus moradores. Tornando-se um ponto inovador, de avanço ao desenvolvimento local que pouco a pouco vem se configurando neste espaço, mas que não percebem suas relevâncias por desconhecerem dos conhecimentos nele interligados, desfavorecendo-o e configurando o êxodo que suas famílias têm enfrentado. Desse modo, e como em todo estudo, sentimos dificuldades para expor melhor as problemáticas retratadas. Nos vendo, mais de fora, na busca pelas informações, nos relatos da memória dos moradores, etc., do que dentro, participante dos discursos, da construção desse resgate histórico e social da localidade, escrevendo sobre essas informações e mesmo sobre o que pensamos sobre elas, tímida e contribuindo muito pouco para a transformação e reconstrução dessa sociedade com os novos saberes para implemento da proposta de educação contextualizada para convivência com o semiárido. Porém, esperamos que esse material acadêmico, sirva como material de apoio a pesquisas, que reflitam sobre a problemática exposta, objetivando, enquanto instrumento de informação, informar aos leitores que os sujeitos desse espaço, também são dignos de uma política publica de desenvolvimento rural adequada, com as mesmas condições de vida que os demais sujeitos urbanos do Semiárido e demais regiões do Brasil possuem, com direito à educação que não pode ser esquecida no processo de formação destes para atuarem com qualidade no exercício da cidadania, sejam em qualquer lugar onde esta possa se apresentar. Nesse sentido, recomendamos aos diversos sujeitos desse espaço, que se utilizem das variadas formas de saber para atuarem com eficiência e qualidade nas suas localidades, oportunizando aos demais sujeitos alcançados por essa ação, uma (re) formação ou transformação/construção do pensamento, que atendendo as necessidades de suas escolhas, tanto beneficiaram o desenvolvimento local como o seu próprio desenvolvimento, econômico, 100 político, cultural, tendo uma educação que estimule seu crescimento pessoal e social, compreendendo o seu contexto e as suas condições de vida, possibilitando novas opções facilitadoras ao pleno desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades. 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia de estudo da mulher. Belo Horizonte: Atos, 2002. Articulação no Semi-Árido Brasileiro. Caminhos para a convivência com o Semi-Árido. Espinheiro-Recife/PE: ASA, 2012. Associação de Desenvolvimento e Ação Comunitária. 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