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Parte Geral - Doutrina Exames Médicos em Concursos Públicos e a Necessidade de Motivação, de Publicidade e de Oportunidade de Interposição de Recurso Administrativo Quando a Conclusão da Inspeção Médica Oficial For pela Inaptidão do Candidato HÉLIO RIOS FERREIRA Procurador do Estado do Amapá; Advogado; Especialista em Direito Público; Membro do Comitê Técnico da Revista SÍNTESE Direito Administrativo e Revista SÍNTESE Responsabilidade Pública. RESUMO: O foco deste artigo arrima-se na investidura em cargo público sob a acepção do requisito de aptidão mental e física, abordando-se como foco principal a necessidade de motivação, de publicidade e de oportunidade de interposição de recurso administrativo pelo candidato que foi considerado inapto pela inspeção médica oficial. Seu objetivo é expor, à luz da doutrina e da jurisprudência, os pontos de vista divergentes no que concerne a legalidade do ato administrativo que exclui candidato a concurso público por inaptidão física e mental. O enfoque metodológico dessa pesquisa pode ser caracterizado como qualitativo, bibliográfico, exploratório e descritivo. Foi realizado um estudo sobre o requisito de investidura da aptidão física e mental do candidato a cargo público, com utilização da legislação em vigor, doutrina e jurisprudência. Como resultado, constatou-se que a aptidão física e mental, como requisito para investidura, deve estar previsto em lei e, em caso de inaptidão do candidato, o ato deve ser motivado, publicado e oportunizado o direito à interposição de recurso administrativo. PALAVRAS-CHAVE: Motivação como um dos elementos do ato administrativo; previsão em lei e no edital do concurso público para exigência de aptidão física do candidato; inspeção médica oficial. ABSTRACT: The focus of this article is anchored on the endowment for public office under the meaning of the requirement of mental and physical fitness, addressing himself as main focus the need for motivation, publicity and opportunity to appeal the administrative candidate who was deemed unfit by the Medical Journal. Your goal is to expose the light of doctrine and jurisprudence, the divergent views regarding the legality of the administrative act which excludes the tender candidate for physical and mental disability. The methodology of this research can be characterized as qualitative literature, exploratory and descriptive. We conducted a study on the requirement of investiture of physical and mental fitness of the candidate for public office, using the existing legislation, jurisprudence and doctrine. As a result, it was found that the physical and mental fitness, as a prerequisite for investiture, must be provided by law and, in case of disability of the applicant, the act must be motivated, and published oportunizado the right to appeal administratively. KEYWORDS: Motivation as one of the elements of the administrative act; forecast by law and in the public tender notice requirement for physical fitness of the candidate. SUMÁRIO: Introdução; 1 Princípio da ampla acessibilidade; 2 Motivação como requisito formalístico do ato administrativo e sua aplicabilidade no caso de inaptidão de candidato a cargo público; 3 Necessidade de previsão legal de submissão do candidato à exame médico e de sua reprodução no edital do concurso; 4 Competência da junta médica oficial para avaliar a aptidão física e mental do candidato a cargo público; Conclusão; Referências. 82 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA INTRODUÇÃO É do saber de todos que inúmeros cursinhos preparatórios vêm ministrando aulas para que candidatos em concurso público possam ser aprovados no cargo que almejam junto à Administração Pública. Há aulas de Direito Constitucional, Direito Administrativo, informática, matemática, ou seja, todo tipo de matéria cobrada no edital do certame. Acontece que, muito embora a Carta da República de 1988 preveja que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei" 1, "aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir" 2. Os candidatos ao cargo público não se sujeitarão apenas ao teste de conhecimento, mas também ao teste de aptidão física e mental. Por isso um candidato pode, apesar de regularmente aprovado nas provas teóricas do concurso público, ser alijado do certame por inaptidão para o exercício do cargo. É sobre o requisito de investidura no cargo público de aptidão física e mental do candidato que trata o presente artigo doutrinário, especialmente quanto à necessidade de motivação, de publicidade, de critérios objetivos de avaliação médica e da oportunidade de interposição de recurso administrativo em caso de inaptidão. Discute-se, também, sobre a preponderância ou não de laudo médico particular sobre a conclusão a que chegou a Junta Médica Oficial. 1 PRINCÍPIO DA AMPLA ACESSIBILIDADE O princípio da ampla acessibilidade a cargos públicos no Brasil é aplicável a brasileiros que preencham os requisitos previstos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei 3, mediante concurso de provas ou de provas e títulos, ressalvada a nomeação para cargos em comissão, desde que previstos em lei, por serem de livre nomeação e exoneração do administrador público. RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA 83 Para José dos Santos Carvalho Filho: Acessibilidade é o conjunto de normas e princípios que regulam o ingresso de pessoas interessadas no serviço público. Os parâmetros que regem o acesso ao serviço público acarretam vinculação para os órgãos administrativo, de modo que não pode a administração criar dificuldades maiores nem abrir ensanchas de facilidades fora das regras que compõe o sistema. 4 Não há discriminação entre brasileiros natos ou naturalizados no acesso ao cargo público, mas apenas entre estes e estrangeiros que queiram compor os quadros da Administração Pública. Mesmo assim, a acessibilidade deve vir atrelada ao princípio do concurso público, forma meritória de investidura em cargo público, apenas excepcionada nos casos previstos no texto da Carta Republicana de 1988. Os princípios mencionados não são irrestritos, ou seja, a legislação infraconstitucional pode prever requisitos de acesso ao cargo público, tudo conforme a natureza e o grau de complexidade das funções que o agente público irá desempenhar. A lei pode distinguir quando a natureza do cargo exigir, em decorrência de regra constitucional disposta no art. 7º, XXX, ao qual o art. 39, § 3º, faz remissão. Importante é a seguinte lição: Podemos dividir os requisitos em objetivos e subjetivos. Objetivos são aqueles que guardam pertinência com as funções do cargo ou emprego, como é o caso das provas de conhecimento, das provas de título, provas de esforço e demais testes de avaliação do mesmo gênero. Subjetivos são os requisitos que dizem respeito à pessoa do candidato, como os exames físicos e psíquicos, a boa conduta, a prestação de serviço militar, a escolaridade, etc. Nenhum requisito subjetivo pode discriminar o candidato em razão de suas condições estritamente pessoais, como raça, cor, credo religioso, credo político, forma estética, sexo e idade (nesses últimos casos com as exceções adiante registradas). 5 A aptidão física e mental do candidato é requisito subjetivo que deve ser atendido pelo mesmo quando de sua exigência em lei e no edital do certame. As regras constitucionais admitem que a lei pode prever a submissão do candidato ao cargo público a um exame médico, seja ele psíquico ou físico. Cada ente federativo irá dispor sobre suas exigências em lei, como é o caso da União que disciplinou no Estatuto do Servidor Público (Lei nº 8.112/1990): 84 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público: I - a nacionalidade brasileira; II - o gozo dos direitos políticos; III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais; IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; V - a idade mínima de dezoito anos; VI - aptidão física e mental. § 1º As atribuições do cargo podem justificar a exigência de outros requisitos estabelecidos em lei. § 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso. § 3º As universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica federais poderão prover seus cargos com professores, técnicos e cientistas estrangeiros, de acordo com as normas e os procedimentos desta lei. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.515, de 20.11.1997) Essa lei não apontou requisitos de investidura de forma taxativa, pode lei específica dispor sobre outro requisito que a natureza do cargo a ser ocupado exigir 6. Já no tocante à aptidão física e mental, a norma foi expressa e exigiu como requisito para investidura no cargo público federal. Há legislação específica para outras carreiras, nas quais se verificam exigências próprias e específicas para o cargo, como é o caso da advocacia pública, da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública e outras carreiras que possuem estatuto próprio. A instituição de carreira por meio de lei específica não afasta a aplicabilidade do art. 5º da Lei nº 8.112/1990, pois em caso de omissão da lei de regência do cargo esta supre a lacuna subsidiariamente. Esse é o entendimento jurisprudencial 7. RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA 85 Verifica-se, portanto, que o princípio da acessibilidade ao cargo público está condicionado a requisitos que a legislação infraconstitucional pode exigir segundo a natureza e o grau de complexidade das funções que o agente público irá desempenhar. Como o Estatuto do Servidor Público Federal e a maioria dos Estatutos do Servidores Estaduais exigem aptidão física e mental do candidato ao cargo público, basta, em tese, que a exigência venha no edital do certame. Mas, conforme se verá nas próximas linhas, necessário se faz também que o edital do concurso possibilite a impugnação do resultado pelo candidato. 2 MOTIVAÇÃO COMO REQUISITO FORMALÍSTICO DO ATO ADMINISTRATIVO E SUA APLICABILIDADE NO CASO DE INAPTIDÃO DE CANDIDATO A CARGO PÚBLICO A aptidão física e mental é aferida por inspeção médica oficial e esta é imprescindível para posse em cargo público (art. 14 da Lei nº 8.112/1990). O exame médico, por si só, não reprova o candidato, mas a necessidade de compatibilidade entre a natureza do cargo que o mesmo deseja ocupar e sua condição física e mental. As aptidões para investidura em determinado cargo não são as mesmas que outro cargo pode exigir. Como já explicado nas linhas anteriores, o que determina é sua natureza. O exame psicológico para ocupar o cargo de Delegado de Polícia não é o mesmo realizado para ocupar o cargo de técnico administrativo de algum órgão público, tendo em vista que o uso de arma de fogo pelo Delegado e a necessidade de enfrentamento de pessoa que cometeu infração penal torna a complexidade do exame clínico bem maior. A avaliação da inspeção médica oficial realizada sobre o exame médico a que se submeteu o candidato ao cargo público deve ser motivada. Esta motivação não pode ser secreta, deve-se atribuir a publicidade necessária ao conhecimento do candidato 8. Só ao candidato? É, algumas vezes sim, pois os fundamentos que declararam a inaptidão física e/ou mental (doença terminal, infectocontagiosa, etc.) de um candidato não interessam a outras pessoas senão a ele mesmo. 86 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA Não é só a publicidade da motivação que deve ser observada. No edital do certame deve vir prevista a possibilidade de interposição de recurso administrativo. E mais, a decisão no recurso administrativo também deve ter motivação e ser pública. A motivação do ato administrativo possibilita a publicidade de seus fundamentos e a de revisão por meio de recurso administrativo. Interessante é o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. 25. ed. ver. e atual. Até a Emenda Constitucional nº 56, de 20.12.2007. p. 278): Os concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isso ficariam fraudadas suas finalidade. Logo, são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle destes certames. É o que, injuridicamente, tem ocorrido com a introdução de exames psicotécnicos destinados a excluir liminarmente candidatos que não se enquadrem em um pretenso "perfil psicológico", decidido pelos promotores do certame como sendo o "adequado" para os futuros ocupantes do cargo ou do emprego. [...] De toda sorte, é indispensável que os nomes dos responsáveis pelos sobreditos exames psicológicos sejam dados ao público, para que possa ser aquilatada sua aptidão. Além disto, tais exames há de ser revisíveis, reconhecendo-se ao candidato, nesta fase de reapreciação, o direito de indicar peritos idôneos para o acompanhamento e interpretação dos testes e entrevistas. O ato que declara apto ou inapto o candidato necessita da exposição de motivos, por ser requisito formalístico dele, momento em que serão enunciados os seguintes fundamentos: (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação pertinente lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado 9. Aplicando-se essa regra doutrinária ao tema é necessário que a inspeção médica oficial fundamente o ato nas regras médicas existentes 10, avalie o exame conforme a natureza do cargo a ser ocupado pelo candidato e enuncie um comparativo razoável entre a atividade a ser exercida no cargo público e o exame de aptidão física e mental para o exercício dela. RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA 87 A legislação federal em vigor prevê o dever do agente público de motivar, com indicação dos fatos e fundamentos, algumas situações descritas no art. 50 da Lei nº 9.784/1999. Eis as regras: Capítulo XII Da Motivação Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade: de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de oficio; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, convalidação de ato administrativo. revogação, suspensão ou § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito. A obrigatoriedade da motivação do ato administrativo decorre de lei; logo, necessária à formação dele sob pena de nulidade 11. Algumas situações supracitadas são perfeitamente observadas no caso da avaliação da aptidão física e mental do candidato, como no caso dos incisos I, III, V e VII. A decisão da inspeção médica oficial pela inaptidão do candidato nega o direito dele à investidura em cargo público (inciso I do art. 5º da Lei nº 9.784/1999). Ela se dá em processos administrativos de concurso ou seleção pública (inciso III do art. 5º da Lei nº 9.784/1999). Em caso de inconformismo do candidato, haverá recurso administrativo cuja decisão será motivada (inciso V do art. 5º da Lei nº 9.784/1999). Certamente o recurso do candidato será acompanhado de laudo médico particular, contrapondo o que a inspeção médica concluiu. Para afastar a conclusão deste laudo é necessário que se exponham, novamente, os fundamentos que respaldaram a conclusão da inspeção médica oficial (inciso VII do art. 5º da Lei nº 9.784/1999). 88 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA É por meio desse dever de motivação que o Poder Judiciário pode apreciar o ato administrativo no que tange à sua legalidade, já que a motivação está expressamente prevista em regra normativa. Pode o candidato provar a aptidão física e mental para o exercício do cargo público, quer em recurso administrativo (ou até de ofício autotutela administrativa), quer em ação judicial 12. A motivação é requisito da formalização do ato administrativo que exclui candidato de seleção pública por inaptidão física ou mental, uma vez que o exame médico deve ter correlação com a natureza do cargo a qual o mesmo irá desempenhar 13. Eis aí a aferição da causa que gerou a inaptidão, esta sempre pautada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA 89 3 NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL DE SUBMISSÃO DO CANDIDATO À EXAME MÉDICO E DE SUA REPRODUÇÃO NO EDITAL DO CONCURSO Como visto alhures, a submissão do candidato a exame médico deve estar prevista em lei, como é o caso do servidor público federal cuja exigência se encontra no inciso VI do art. 5º da Lei nº 8.112/1990. Essa lei serve como integradora de normas quando ausente regra específica em estatuto que discipline a investidura em determinado cargo. Não basta estar previsto em lei formal, deve também o edital que rege o certame público expressamente exigir como requisito para investidura no cargo ao qual o candidato está disputando. Nesse sentido foi a decisão publicada no Informativo Semanal de Jurisprudências nº 675 do col. Supremo Tribunal Federal: MS 30.371/DF Relator: Min. Gilmar Mendes Mandado de segurança. 2. Concurso público. MPU 3. Técnico de apoio especializado/transporte. 4. Exigência de atestado médico específico para realização do TAF. Previsão editalícia. Ausência de ilegalidade ou abuso de poder. Razoabilidade. Forma de a administração garantir a integridade dos candidatos na realização das extenuantes provas e resguardar-se das eventuais responsabilidades, não configurando afronta ao texto constitucional ou requisito irrazoável. 5. Ausência de direito líquido e certo. 6. Segurança denegada. Geralmente a previsão legal será genérica e exigirá apenas a aptidão física e mental do candidato, mas compete ao edital do certame especificar, de forma razoável, quais são as exigências físicas e mentais que o exercício do cargo público irão exigir do candidato para o bom desempenho de suas atribuições. Não há como contestar o laudo médico definitivo que conclui, motivadamente, pela impossibilidade de desempenho de determinado cargo público em caso da doença estar prevista no edital do certame 14. É importante frisar que as regras estabelecidas para os concursos públicos devem ser observadas por todos os inscritos. A estrita legalidade e a lisura de tais seleções só existem em face do fiel cumprimento das normas prefixadas no edital, o qual possui o condão de fazer lei entre os que a ele se submetem. 90 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA Com efeito, o edital é a peça básica da seleção. Vincula tanto a Administração, quanto os candidatos concorrentes - administrados. A aptidão física e mental, bem como a exigência de exame médico, será cobrada de todos os candidatos; logo, não pode ser realizado com discriminações, sob pena de violar o princípio da isonomia. Desse modo, havendo previsão em lei do requisito de aptidão física e mental para investidura no cargo público, cabe ao edital estabelecer quais são os exames necessários para demonstrar que o candidato se encontra apto ou não ao desempenho do cargo público que almeja ver-se investido. Basta que o edital do certame atenda ao princípio da forma igualitária de tratamento, da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Caso o edital seja flexível, haverá grande chance de serem maculados os referidos princípios, cedendo o administrador público às particularidades de cada candidato. 4 COMPETÊNCIA DA JUNTA MÉDICA OFICIAL PARA AVALIAR A APTIDÃO FÍSICA E MENTAL DO CANDIDATO A CARGO PÚBLICO A inspeção médica oficial é realizada por uma junta médica do ente 15 público organizador do certame. Dispõe a Lei nº 8.112/1990, in verbis: Art. 14. A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial. Parágrafo único. Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo. Apenas em caso da não previsão de submissão do candidato à junta médica oficial é que o mesmo poderá apresentar laudo particular atestando sua higidez física e mental. Não pode o candidato se respaldar unicamente de laudo médico particular no intuito de se ver investido no cargo público se sua aptidão depender de laudo médico oficial. Esse é o entendimento jurisprudencial: O pedido da tutela de urgência, na hipótese, encontra-se destituído da verossimilhança do direito alegado, na medida em que a suposta incapacidade física foi diagnosticada apenas por médico particular, estando pendente, ainda, a produção de prova pelo perito oficial ou por junta médica em sede administrativa. (TRF 2ª R., AI 2011.02.01.005670-6, Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros, DJe 17.10.2011, p. 251) RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA 91 O laudo médico particular pode subsidiar o recurso administrativo do candidato ou até uma possível impugnação judicial; entretanto, ele não pode se sobrepor ao laudo emitido pela junta médica oficial. A discussão judicial ou administrativa possibilitará a maior clareza na motivação do ato de inaptidão do candidato, deixando o julgador mais certo da decisão que irá tomar. Tome-se como exemplo a Instrução Normativa DGP/DPF nº 1, de 23 de julho de 2009, que regulamenta a avaliação psicológica nos concursos públicos para provimento de cargos policiais do Departamento de Polícia Federal. A avaliação psicológica é requisito necessário para a posse do candidato 16, considerando-se eliminado aquele que não obtiver aprovação, e será realizada por uma banca examinadora: Art. 5º A avaliação psicológica será realizada por banca examinadora constituída por membros regularmente inscritos em Conselho Regional de Psicologia. Art. 6º A banca examinadora deverá utilizar testes psicológicos validados em nível nacional e aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia, em conformidade com a Resolução CFP nº 002/2003. Tal instrução normativa atende a todos os requisitos de formalização do ato administrativo que atesta a aptidão ou não do candidato, em especial o da motivação, da publicidade das razões que determinaram a inaptidão e o da previsão de recurso administrativo. Em caso de descontentamento do candidato com o resultado que atestou sua inaptidão para o cargo há possibilidade de impugnação recursal com acompanhamento de psicólogo particular. Como dito mais acima, apenas para fins de fundamentação de recurso, nunca se sobrepondo ao laudo conclusivo da banca examinadora. Eis o teor da norma: Art. 11. Será assegurado ao candidato não-recomendado conhecer as razões que determinaram a sua não-recomendação, bem como a possibilidade de interpor recurso. § 1º Na sessão de conhecimento das razões da não-recomendação, o candidato, se assim desejar, poderá ser assessorado por psicólogo contratado, devidamente inscrito em Conselho Regional de Psicologia. § 2º Não será permitida ao candidato, nem ao psicólogo contratado, a retirada ou reprodução dos testes psicológicos. § 3º O psicólogo contratado somente poderá ter acesso à documentação pertinente à avaliação psicológica do candidato na presença de um psicólogo integrante da banca examinadora. 92 RSDA Nº 83 - Novembro /2012 - PARTE GERAL - DOUTRINA A junta médica ou banca examinadora de peritos são os únicos aptos a avaliar a capacidade do candidato a ocupar o cargo público atestando a higidez física e mental do mesmo. Caso o resultado seja desfavorável àquele, pode haver avaliação de profissional da saúde patrocinado pelo candidato para analisar as razões da inaptidão. Mesmo assim, o laudo final, após o recurso, será proferido por junta médica oficial. CONCLUSÃO Chega-se à conclusão de que o exame médico oficial deve ser exigido como requisito para investidura em cargo público apenas quando autorizado por lei. A previsão legal da submissão ao exame de saúde física e mental, por si só, não pode restringir o acesso do candidato ao cargo público, sendo imprescindível, em caso de não aptidão do candidato, que ao mesmo seja assegurado o direito de vista do resultado, que este resultado seja motivado e que haja recurso cabível contra o resultado. Concluiu-se, também, que o ato da inspeção médica oficial pode ser questionado por meio do recurso administrativo, mas a última palavra sobre a aptidão física e mental do candidato é dela. REFERÊNCIAS CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. direito MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. Até a Emenda Constitucional nº 56, de 20.12.2007.