Artigo - UPPLAY - Soluções em Comunicação

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Artigo - UPPLAY - Soluções em Comunicação
PIERCING E TATUAGEM: POR QUE MARCAR O CORPO?
Rita Viero - Multiplicadora 1 - autora
Sueli Salva – Orientadora 2 - autora
Resumo:
Este texto tem por objetivo relatar os caminhos e as conclusões que chegamos com a pesquisa de opinião
desenvolvida junto aos alunos do segundo ano do terceiro ciclo, turma C24 da EMEF Saint Hilaire,
coordenada pela professora Rita da área de Geografia. A escola pertence à rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre, localiza-se na Vila Panorama, bairro Lomba do Pinheiro na zona Leste da cidade. Esta
pesquisa tem por objetivo investigar o uso indiscriminado de piercing e tatuagem em jovens com idade
inferior a dezoito anos moradores da periferia da cidade de Porto Alegre, descobrir os motivos que levam
um adolescente perfurar e/ou tatuar o corpo, informar-se sobre as complicações que esses procedimentos
podem provocar, buscar informações a respeito da legislação vigente que regulamenta o piercing e a
tatuagem no Brasil, além de pesquisar sobre a história da comunicação através do corpo. A metodologia
empregada foi à pesquisa quantitativa de opinião, através de um questionário com 19 perguntas abertas e
fechadas e aplicado em jovens que estão na faixa etária entre 12 e 18 anos. A partir dos dados obtidos
pelo instrumento de pesquisa verificou-se que 56 % dos jovens entrevistados já perfuraram o corpo, (38
% o umbigo, 17 % o lábio inferior, 15% a língua, 13 % a sobrancelha, 13 % o nariz e 4% a orelha). A
respeito da tatuagem, o percentual de jovens que declarou ter feito tatuagem é menor, 34% e 31%
declararam que o fizeram sem autorização dos pais. Quanto aos motivos que levaram o jovem a colocar
piercing, 51% respondeu: “porque acha legal, bonito e porque está na moda”. Os resultados da pesquisa
levam a concluir que muitos jovens estão modificando o corpo em idade muito precoce, um número
considerável está fazendo sem autorização dos pais e em locais que não oferecem condições adequadas. A
pesquisa aponta para a necessidade de darmos mais atenção às questões do corpo. Os jovens estão
inseridos em uma sociedade de consumo globalizada que impõe valores e estilos de vida, onde o culto ao
corpo é percebido em todas as idades, as modificações são feitas muitas vezes sem observar os limites do
corpo que está em formação e sem preocupação com a saúde.Para analisar os dados , utilizou-se como
referências teóricas autores como: Leusa Araujo, Mirian Goldenberg entre outros.
Introdução
Este texto tem por objetivo relatar os caminhos e as conclusões que chegamos
com a pesquisa de opinião desenvolvida junto aos alunos do segundo ano do terceiro
ciclo, turma C24 da EMEF Saint Hilaire, coordenada pela professora Rita da área de
Geografia e participação do professor Ivo de História. A escola pertence à rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre, localiza-se na Vila Panorama, bairro Lomba do
Pinheiro na zona Leste da cidade. Esta pesquisa tem por objetivo investigar o uso
indiscriminado de piercing e tatuagem em jovens com idade inferior a dezoito anos
moradores da periferia da cidade de Porto Alegre, descobrir os motivos que levam um
adolescente perfurar e/ou tatuar o corpo, informar-se sobre as complicações que esses
1
Licenciatura em Geografia pela UFRGS. Especialista em Educação Ambiental
UNILASALE e Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
2
Pedagoga, especialista em Orientação Educacional e Dança pela PUC/RS, Doutora
em Educação pela UFRGS, Professora do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSM.
procedimentos podem provocar, buscar informações a respeito da legislação vigente que
regulamenta o piercing e a tatuagem no Brasil, além de pesquisar sobre a história da
comunicação através do corpo. A metodologia empregada foi à pesquisa quantitativa de
opinião, através de um questionário com 19 perguntas abertas e fechadas e aplicado em
jovens que estão na faixa etária entre 12 e 18 anos. Para analisar os dados utilizaram-se
como referências teóricas autores como: Leusa Araujo, Mirian Goldenberg e Célia
Maria Antonucci Ramos. Primeiramente realizaremos uma reflexão acerca das
modificações corporais praticadas pelos jovens como um fenômeno relacionado com a
própria condição juvenil, logo a analise dos dados a luz de alguns teóricos do campo da
sociologia da juventude e da antropologia.
1 Agora sou jovem...com que corpo eu vou
A prática de modificação corporal tem um largo rastro de história. Culturas e
sentidos distintos vão delineando as significações para as marcas corporais que se
inscrevem na pele ou adentram a ela, construindo e representando sentidos que vão
desde os religiosos aos ornamentais exibidos no corpo. A busca de determinados
padrões estéticos, impostos pela mídia, transformam o corpo em objeto. Ele próprio se
transforma em mensagem e símbolo de reconhecimento sociocultural. O corpo como
mensagem não se satisfaz com o adorno externo, o corpo se coloca a disposição e se
deixa invadir tendo a pele penetrada por substancia que muitos desconhecem seus
efeitos.
O corpo configura-se como uma propriedade única e inalienável, nosso primeiro
instrumento meio e fim, recebe as informações do mundo, e possibilita nos
reconhecermos. Por ele, a experiência atravessa e inaugura um fazer próprio. “Nosso
corpo é matéria permeável entre uma interioridade e uma exterioridade, ponte possível
para a fabricação de outros sentidos.” (DERDYK, 2001, p. 15).
O corpo é símbolo e instrumento de comunicação, canal de afetividade e
possibilidade de encontro. No corpo reside a experiência que não se reduz a um evento,
a uma informação, mas ao que um sujeito vive. Regido pelo excesso de exposição em
que nem a vida privada, nem a intimidade são protegidas, triunfa o corpo,
excessivamente de estandartizado. “O corpo triunfa no espaço público e privado, pelas
imagens e pelos objetos que o exibem e nas mensagens e apelos dos quais é objeto”.
(MELUCCI, 2004, p. 91)
Considerando que o corpo somos nós mesmos e que sobre ele repousa a
ambivalência de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto, ele é uma mensagem a ser
escutada, decifrada, respondida. O corpo sintetiza sentimentos, valores; dá visibilidade
às culturas juvenis, pois ao corpo se outorga sentido e valor. Deixa, então, de ser um
continente biológico e passa ser um processo cultural, se converte em signo do
indivíduo. (MENDOZA, 2004)
Uma da formas de reconhecimento são sinais impressos no corpo, pois ele é a
chave da construção da identidade. As marcas corporais, a forma de vestir, a forma de
adornar-se, tudo isso contribui para o reconhecimento de si, por si mesmo e pelos
outros. O adornar-se está relacionado ao sentido simbólico que adquire o corpo.
Os jovens desejam reconhecimento, também são pressionados a cumprir
exigências do mundo contemporâneo relativas à corporeidade, ora querendo diferenciarse, ora buscando reconhecimento e identificação. Para os jovens o corpo tornou-se um
veículo de comunicação e as marcas deixadas nele se tornam um meio de
reconhecimento social. O corpo juvenil está em processo de descoberta e de
transformações que intensificam sentimentos de insegurança e ambivalência às vezes
difícil de suportar fazendo com que busquem nas drogas uma âncora para esse período
turbulento. Os jovens utilizam diferentes estratégias na busca de elevar o corpo a signo.
A forma de posicionar-se diante de uma fotografia, a vestimenta, o adorno, até as
marcas mais radicais inscritas em seus corpos.
A estética que se expressa através das marcas, das transformações, não só
demonstra um estilo, mas com ela se expressam múltiplos símbolos e representações.
Um dos sentidos mais relevantes, talvez seja o de criar uma imagem de si que seja
aceitável e reconhecida pelo grupo e que possa ser diferenciada.
A modificação do corpo torna possível que os sujeitos conectem a uma
sensibilidade comum e possam encontrar aos outros; não se trata mais de um
isolamento físico e mental do individualismo, se não de afetividade coletiva.
Através do corpo os jovens participam no fluxo dos símbolos e podem se
sentir de algum modo confortáveis em uma sociedade em que reina a falta de
certezas. [ ... ] Por meio do corpo os jovens vivenciam um desenvolvimento
de si mesmos que implica a exploração e a busca de sensações novas. Neste
imaginário o corpo é uma superfície de projeção na qual se ordenam os
fragmentos de um sentimento de identidade pessoal fracionado pelos ritmos
sociais; ante a fugacidade aparece o indelével da tatuagem. A prática de
mudar o corpo implica o reordenamento destes fragmentos, o que possibilita
que os sujeitos atuem simbolicamente sobre o mundo que o rodeia,
compondo e armando os signos com os quais buscam produzir sua identidade
e seu reconhecimento social. (MENDOZA, 2004, p. 85)
As modificações que os jovens produzem em seus corpos podem significar a
busca de um significado mais ligado ao sentir, à sensação, à experiência, talvez um
modo de produzir a sensação de um corpo vivo, de um corpo que sente. Ao mesmo
tempo, essas marcas situam os jovens, os incluem em uma cultura reconhecida como
cultura juvenil, que se constitui como mais um modo de identização. Esse processo é
construído a partir da multiplicidade de pertencimentos, que é marcado por uma
expressão simbólica que garante o pertencimento, pois, mais do que falar ou dizer,
constitui-se como uma prova cabal portadora de um signo. A marca torna-se, então, não
mais a palavra, a imagem, o virtual, mas o concreto, o palpável, o sentido na carne:
As modificações corporais constituem uma radicalização do real: quando a
ordem simbólica não produz mais a ordem social, o simbólico é reduzido ao
real, ele é incorporado, encarnado. A passagem do simbólico ao real acontece
pelo corpo e no corpo. Autenticidade e realidade são materializadas na marca
corporal como uma forma de existir que dispensa as palavras e o olhar do
outro, os quais não são confiáveis. A modificação corporal promete uma
fundação autógena 3 da identidade pessoal, uma produção autogendrada do
simbólico que dispensa o outro e o espaço público. (ORTEGA, 2006, p. 5455)
O corpo é portador de história, resultado dos processos culturais, está a procura
de um lugar para sentir, para ser. Deseja ser sujeito e não objeto para ser
comercializado, banalizado, vendido. Deseja sair do espetáculo para encontrar no
silêncio sua forma de expressão. Um silêncio que possibilita o contato consigo, a escuta,
o sentimento, porque engendra a travessia de toda aventura em busca de humanidade.
Entretanto a busca desse processo, entre os adolescentes, parece seguir o rumo inverso.
Em busca de reconhecimento elas apelam para transformações radicais, que acabam
tornando-se problemas de saúde pública.
Sabe-se que o uso de piercing na língua pode trazer inúmeras consequências
graves, mais ainda quando essas práticas são realizadas em lugares clandestinos, com
3
Que gera a si mesmo.
pouca higiene e cuidado, ou mesmo quando são realizadas pelos próprios jovens.
Geralmente são os jovens de classe popular que apelam para esses semi-profissionais,
pois os mesmos não tem condições de pagar pela aplicação.
Os dados revelam que a parte que os jovens mais usam piercing é no umbigo,
ficando em segundo lugar a língua. Isso nos leva a pensar na hipótese de que as meninas
são aquelas que mais fazem uso dessa prática.
Parte do corpo - Piercing
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16
14
12
10
8
6
4
2
0
Idades
41%
59%
sexo
12-15
16-18
43%
57%
Masculino
Feminino
A amostra se constituiu de jovens com idades entre 12 e 18 anos, predominando
aqueles que têm menos idade. Já entre os sexos, a maioria é jovem mulher. A pesquisa e
revelou que muitos já marcaram
o corpo principalmente com
piercings, (56 %)
enquanto que com tatuagem (36 %).
Você tem alguma tatuagem?
Você usa algum
piercing?
36%
Sim
Não
Sim
44%
56%
64%
Não
.
Como a mostra foi em maior parte feminina (57 %) a parte do corpo que mais
sofreu interferência foi o umbigo. A língua ficou em segundo lugar. Parte do corpo que
segundo especialistas não é indicado para perfuração já que o risco de infecção é muito
grande por ser um local quente e úmido, perfeito para proliferação de bactérias, além da
densidade da dor ser também grande. O nariz também é um local que muitos jovens
estão perfurando, e de acordo com orientações de saúde o risco de infecção é grande
pois é úmido e está constantemente em contato com a poluição.
Entre os entrevistados que já perfuraram o corpo, 20 % respondeu que sofreu
algum tipo de complicação de saúde. Os riscos aumentam quando o jovem aplica sem
os devidos cuidados. Apenas 38 % dos entrevistados declarou que procurou um
profissional habilitado, 39 % procurou um amigo e 18 % respondeu que ele mesmo
perfurou o corpo. Muitos adolescentes que participaram da pesquisa modificaram o
corpo em casa contando apenas com a ajuda de um amigo.
Existem leis que regulamentam a perfuração corporal, popularmente chamado de
piercing e a dermopigmentação artística, popularmente chamada de tatuagem. (Lei
Federal 8.069 4 na portaria CVS-12, de 30/7/1999 orienta o cadastramento prévio e
regulamenta os procedimentos e normatiza sua fiscalização junto ao Centro de
Vigilância Sanitária, além de proibir a prática da tatuagem e piercing em menores de
idade).
4
Estatuto da criança e do adolescente, capítulo I – Do direito à vida e à saúde.
Alguns estados brasileiros estão elaborando leis que proíbem a tatuagem e
piercing em menores de 18 anos (exceto brincos nos lóbulos das orelhas). Em São
Paulo, é a Lei Estadual nº 9.828, de 06/11/1997. O Rio de Janeiro, através do artigo 13
da Resolução 690, também proíbe para menores de dezoito anos. O artigo 14 proíbe
tatuagem e piercing em áreas cartilaginosas do corpo. Outras cidades exigem
autorização prévia dos pais de menores. (ARAUJO, 2005).
Considerando que a pesquisa foi realizada com jovens menores de 18 anos, foi
grande a porcentagem que respondeu que modificou o corpo sem autorização dos pais,
33%. Muitos deles desconhecem a existência de leis que regulamentam a prática de
modificação corporal em menores de idade.
Você conhece as leis que regulamentam a aplicação
de piercing e tatuagem em menores de idade?
Você fez com
autorização dos pais?
16%
Sim
Não
33%
Sim
67%
Não
84%
Em um site de um tatuador uma jovem escreve solicitando informações sobre a
decisão de fazer uma tatuagem e o tatuador responde: “A tatuagem deforma, se o
crescimento dos músculos for substancial a expansão da pele no crescimento tende a
"espalhar" e deformar o desenho. Tatuagem em menor de idade só com autorização por
escrito e assinado pelos pais. Espere até ficar de maior que é melhor p/ você.. e outra,
tatuagem de menor dá cadeia, até com a assinatura dos pais..a lei é clara.. não pode ser
feito tatuagem em pessoas de menor. 5
Porém a pesquisa serviu de alerta, no questionário nº 15, no espaço para
comentários o jovem sugere que se faça um material de divulgação sobre o assunto.
”Por que vocês não distribuem um folhetinho sobre as leis que regulamentam a
aplicação de piercing e tatuagem em menores de idade?”. Percebe-se que falta
informação, os jovens não conhecem os limites e as conseqüências quando perfuram
5
http://portaltattoo.com/forum/forum_posts.asp?TID=1069
e/ou tatuam o corpo.
2 Por que marcar o corpo?
Para a maioria dos entrevistados (34 %) o principal motivo é que os mesmos
acham bonito, legal, 20% porque está na moda. 18 % porque os amigos usam e 13 %
para chamar a atenção das pessoas. .
O culto ao corpo, preocupação com aparência, o culto à beleza, valores
importantes principalmente entre as camadas mais sofisticadas dos grandes centros
urbanos (GOLDENBERG, 2002, p. 20) parece estar presente de forma muito intensa
nos jovens da periferia da cidade também. Eles perfuram o corpo em casa, sem as
mínimas condições de higiene, um processo dolorido para ficarem bonitos.
A moda é outro fator determinante para a decisão de transformar o corpo. No
mundo moderno, globalizado, jovens de distintos universos socioculturais estão
convivendo com um forte apelo consumista, de produtos e estilos de vida. Em Corpos
jovens: espaços de comunicação de si, a autora cita Giles Lipovetski (2009, p 02.)
“Vivemos na era do ‘hiperconsumo’”, ou seja: a relação entre a satisfação corporal e a
estética dos indivíduos está cada vez mais forte, fundando uma nova relação emocional
entre pessoas e mercadorias.” A autora ainda salienta que “as marcas fortalecem-se e,
no lugar da venda de produtos, vendem-se conceitos e estilos de vida”.
As respostas que refletem a opinião dos jovens entrevistados revelam que um
percentual de jovens tem consciência dos limites, 43 % consideram que os adolescentes
não deveriam perfurar o corpo e/ou fazer tatuagem por serem menores de idade. Por
outro lado 36 % responderam que acham legal, que está na moda, portanto são
favoráveis . Somente 3 % levaram em consideração o futuro ao escolher a afirmação
“Não concordo, futuramente podem sofrer preconceito social”.
Se a perfuração do corpo e/ou a tatuagem não são indicadas para menores de
idade, por estarem em formação, como um percentual tão grande está realizando tal
procedimento? 67 % responderam que fizeram com autorização dos pais. Os pais
estariam autorizando porque concordam com os filhos? Para 33 % dos entrevistados os
pais autorizam por insistência dos filhos.
3 Para além do corpo a escolaridade
O que chama atenção entre os dados, embora não seja o foco da investigação, é o
número elevado de jovens que não estão estudando. Isso significa que existe um imenso
vazio entre a escola de ensino fundamental e a escola de ensino médio, fazendo com
que muitos alunos abandonem as instituições escolares em pouco tempo, ou nem
mesmo cheguem a ingressar.
Na cidade de Porto Alegre, com a implantação do sistema de ciclos 6 que prevê,
entre outras coisas, o avanço contínuo, aumentou significativamente o número de alunos
que concluem o ensino fundamental. Sem a reprovação, da forma como ela ocorria na
escola seriada, os alunos na sua maioria concluem o ensino fundamental com, no
máximo, dezesseis anos. Muitos desses alunos nem sequer iniciam a sua escolarização
nas escolas de ensino médio, e quando iniciam pouco tempo depois, abandonam.
A explicação que circula no senso comum dá conta de atribuir à escola ciclada a
responsabilidade pala evasão no ensino médio. Muitos ainda acreditam que o avanço
contínuo não possibilita ao aluno a construção de conhecimentos suficientes para
ingressar, acompanhar e permanecer no ensino médio. Por alguns momentos cai no
esquecimento os problemas históricos da escolarização no Brasil, que sempre foi
deficitária. Os alunos que hoje abandonam o ensino médio, muito provavelmente,
teriam abandonado o ensino fundamental antes mesmo de concluí-lo. O sistema por
ciclos tornou denso o abandono no momento do ingresso no ensino médio.
Na última década, houve um grande investimento no ensino fundamental na
prefeitura municipal de Porto Alegre para garantir os nove anos mínimos de
escolarização. Mas, ironicamente, o que parece um avanço, explicita um problema que
Mello (1999) descreve da seguinte forma.
Quanto mais o acesso ao ensino fundamental se universalizou, mais as
passagens pelas oito séries, sobretudo as iniciais, tornaram-se pontos de
6
A Proposta Curricular da secretaria municipal de educação “organizada em três ciclos
de três anos cada um, atendendo os educandos, dos 6 aos 14 anos, de acordo com a sua faixa
etária”. Desde 1998, a EMEF Ildo Meneghetti mudou a sua estrutura. Passou a organizar-se
por ciclos de formação que visa, entre outras, “à reorganização do tempo e espaços da escola,
de forma global e totalizante que garanta o ingresso e a permanência do aluno na escola e o
acesso ao conhecimento”. (SMED, abril de 1999).
ruptura e de exclusão da oportunidade e de esperança de prosseguir estudos.
Tudo o mais, inclusive a segmentação interna do ensino, está referido no
ensino que lhe antecede, cujo desenvolvimento distorcido lhe imprime a triste
identidade de ensino dos sobreviventes. Esse é o retrato cruel, em branco e
preto e sem retoques, que estatísticas possibilitam. ( p. 93).
Baseado nos dados estatísticos da educação de nível médio no Brasil, o autor
considera os estudantes que ingressam como “minorias sobreviventes”, pois além de
poucas possibilidades de acesso, é ainda menor o número daqueles que conseguem
chegar ao final 7 . As dificuldades expressas por Mello (1999, p. 91 a 97) dão conta de
numerar e analisar, em termos estatísticos, a progressão da escolarização, apontando um
pequeno, porém significativo aumento no nível de escolarização no Brasil nos últimos
quinze anos. Embora se possa ter certo otimismo em relação à progressão dos índices,
observa-se que a taxa de abandono no ensino médio foi de 15,7%, sem contar o número
de adolescentes jovens que não concluem o ensino fundamental e nem chegam a
matricular-se no ensino médio. Na secretaria municipal de educação, existem duas
escolas de Ensino Médio. A taxa de evasão dessa pequena mostra é de 1, 95 % em
2002 8 . Se analisarmos do ponto de vista dos jovens, sujeitos dessa pesquisa percebemos
que apesar de todo o investimento, 30% está fora da escola.
Você estuda atualmente?
30%
Sim
Não
70%
Pode-se perceber que são alunos que concluíram o ensino fundamental, mas não
se inseriram no ensino médio em muitos casos por falta de vagas,o que revelou a
7
Mello (1999, p. 91) diz que, “em 1996, esses agraciados eram pouco mais de 2,5 milhões,
menos de um quarto dos mais de 10 milhões de brasileiros entre 15 e 17 anos”.
8
Fonte: ASSEPLA: Demonstrativo do Número de Estabelecimentos da Rede Municipal de Ensino
(SMED) - Porto Alegre - 1988/2003, obtido em 21/10/ 2003.
pesquisa realizada em 2008 em outra escola municipal da periferia da cidade 9
A pesquisa realizada em 2008 na escola Ildo Meneghetti sobre os jovens e
ensino médio constatou-se que a falta de vagas para esse nível de ensino fica muito
evidente quando analisamos o número de escolas que existem atualmente em Porto
Alegre: são 369 de ensino fundamental e 142 de ensino médio, sendo que estas estão
concentradas em bairros centrais da cidade. O Bairro Rubem Berta, por estar localizado
na periferia, conta com apenas 02 instituições de ensino médio, enquanto as de ensino
fundamental são 12. Como muitos adolescentes e jovens não têm condições financeiras
para estudar em lugares distantes de suas casas, vários desistem antes de concluir o
ensino médio. Refletindo sobre a problemática da distribuição dos bens públicos, Milton
Santos (2007) argumenta que:
O valor do indivíduo depende, em larga escala, do lugar onde ele está. Em
nosso país, o acesso aos bens e serviços essenciais, públicos e até mesmo
privados é tão diferencial e contrastante, que uma grande maioria dos
brasileiros acaba por ser privada desses bens e serviços. Às vezes, tais bens e
serviços simplesmente não existem na área, às vezes não podem ser
alcançados por questões de tempo e dinheiro. (SANTOS, 2007, p.139).
A falta de oferta de vagas para o ensino médio no bairro compromete a
continuidade dos estudos da maioria dos jovens e essa é uma realidade comum em
comunidades que vivem na periferia das grandes cidades.
Nesse contexto de carências materiais foi desenvolvida a pesquisa e nos chamou
atenção o fato de muitos adolescentes e crianças estarem modificando o corpo muito
cedo, em alguns casos com 10 anos de idade, conforme depoimento de uma aluna da
turma (14 anos). Ela já perfurou o nariz, o lábio inferior, a sobrancelha e o umbigo.
Quando questionada sobre a posição da mãe em relação a isso ela respondeu que a mãe
não se importa. Transformam o corpo em casa, em locais clandestinos sem os mínimos
cuidados. Falta informação tanto para os jovens como para os pais e a escola pode
desempenhar esse papel, elaborando projetos que atenda essas carências da comunidade
e ajude a juventude na tomada de decisões conscientes em relação ao corpo.
Conclusão
9
Escolaridade e trabalho: uma pesquisa com jovens egressos da escola Ildo Meneghetti. Rita
Viero e Sueli Salva.2008.
Os resultados
da pesquisa levam a concluir que muitos jovens estão
modificando o corpo em idade muito precoce, um número considerável está fazendo
sem autorização dos pais e em locais que não oferecem condições adequadas. Os jovens
estão inseridos em uma sociedade de consumo globalizada que impõe valores e estilos
de vida, onde o culto ao corpo é percebido em todas as idades, as modificações são
feitas muitas vezes sem observar os limites do corpo que está em formação e sem
preocupação com a saúde.
As razões que levam os adolescentes a marcar seu próprio corpo, com desenhos
e expressões que sairão somente através de técnicas caras e complicadas, ou perfurar
partes do corpo que podem desencadear sérios problemas de saúde merecem maior
atenção por parte de profissionais da saúde, pesquisadores do comportamento humano e
por nós educadores. As opiniões de especialistas são unânimes em afirmar que não é
recomendável este tipo de procedimento em pessoas que estão em formação, existem
leis que regulamentam essa prática, porém é grande o número de adolescentes com o
corpo marcado, principalmente na periferia da cidade. Precisamos tratar do assunto
como uma questão de saúde, procurar informações e discutir com os jovens e pais a
respeito do modismo e das possíveis complicações que as marcas corporais podem
trazer para a sua vida.
Referências
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Paulo:Cosac Naify, 2005.88 p
DERDYK, Edith. Ponto de Chegada, Ponto de Partida. In. SOUZA, Edson Luiz
André; TESSLER, Elida; SLAVUTZKY, Abrão (org). A Invenção da Vida: arte e
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GOLDENBERG, Mirian. Nu e vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo
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MELLO, Giomar Namo de. O Ensino Médio em Números: Para Que Servem as
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somáticas e marcas corporais. In: EUGENIO, Fernanda; ALMEIDA, Maria
Isabel Mendes. Culturas Jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro: Jorge
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SALVA, Sueli. Narrativas da Vivência Juvenil Feminina: histórias e poética
produzidas por jovens mulheres de periferia urbana de Porto Alegre. Tese de
Doutorado, 2008. Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRGS, Porto
Alegre, 2008.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. 7ª edição. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007.
VIERO, Rita. Escolaridade e trabalho: uma pesquisa com jovens egressos da Escola
Ildo Meneghetti. In. Anais do VIII SEMINÁRIO ESCOLA E PESQUISA um
encontro possível. Caxias do Sul, 2008.