Casa da Ciência da UFRJ Comissão Nacional de Energia Nuclear
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Casa da Ciência da UFRJ Comissão Nacional de Energia Nuclear
Casa da Ciência da UFRJ Comissão Nacional de Energia Nuclear/CNEN Instituto Ciência Hoje 2010 Coordenação Geral Fatima Brito / Casa da Ciência Coordenação de Produção Exposição Energia Nuclear Luciane Correia / Casa da Ciência Coordenação Editorial Simone Martins / Casa da Ciência Coordenação Pedagógica Adriana Vicente / Casa da Ciência Consultoria Científica Arnaldo Mezrahi / CNEN Pesquisa de Conteúdo Bianca Encarnação e Cathia Abreu / Instituto Ciência Hoje Editoria de Arte, Capa e Diagramação Paula Wienskoski / Casa da Ciência Projeto Gráfico Elisa Folly, Ivan Faria e Paula Wienskoski Revisão Fernanda Cupolillo / Casa da Ciência Agradecimentos Claudia Souza / CNEN José Bonapace / Instituto de Química da UFRJ ________________________________________________ Q17 Quanta Energia! / editores Casa da Ciência. Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ, Comissão Nacional de Energia Nuclear, Instituto Ciência Hoje. — Rio de Janeiro: UFRJ, Casa da Ciência, 2010. 56 p. : il. ; 21 cm 1. Energia Nuclear – Física. 3. Energia Nuclear – Estudo e ensino. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Casa da Ciência. Centro Cultural de Ciência e Tecnologia. II. Comissão Nacional de Energia Nuclear. III. Instituto Ciência Hoje. CDD: 538.7 ___________________________________________________ Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Processamento Técnico - SIBI/UFRJ Editores Casa da Ciência da UFRJ Rua Lauro Müller, 3, Botafogo Rio de Janeiro - RJ CEP: 22290.160 Tel./Fax: (21) 2542-7494 www.casadaciencia.ufrj.br Comissão Nacional de Energia Nuclear/CNEN Unidade Central - Sede Rua General Severiano, 90, Botafogo Rio de Janeiro - RJ CEP 22290-901 Tel.: (21) 2173-2000 / 2173-2001 www.cnen.gov.br Instituto Ciência Hoje Av. Venceslau Brás, 71, fundos, casa 27, Botafogo Rio de Janeiro - RJ CEP: 22290.140 Tel.: (21) 2109-8999 www.ciencia.org.br Distribuição gratuita Sumário Apresentação Energia nuclear 4 Despertando a curiosidade Notável partícula 6 Bianca Encarnação e Cathia Abreu Sobre o átomo e suas histórias... 8 Elika Takimoto A energia que vem do átomo 13 Ivan Pedro Salati de Almeida Precioso mineral 17 Arnaldo Mezrahi A energia de Marie Curie 20 Carlos E. Bonacossa de Almeida Múltipla energia 22 Jean Remy D. Guimarães Como funciona uma usina nuclear? 24 Jefferson Borges Araújo e Paulo Adriano da Silva Quando o mundo conheceu a energia atômica 28 Paulo Fagundes Visentini O que você precisa saber sobre medicina nuclear 31 Berdj Meguerian Ciência na escola Abrindo o livro 36 Andreza Berti Jornada entre o cinema e a ciência 39 Gabriel Cid Garcia Energia em movimento Corrida atômica 46 Paula Wienskoski Atomóbile 48 Adriani Freire, Carmen Evelyn e Gustavo Lucena Duplex 50 Monica Cristina de Moraes Saiba mais... Sugestões de pesquisa 53 Apresentação Energia Nuclear As pesquisas e os investimentos realizados no campo da energia nuclear e a sua aplicabilidade no mundo contemporâneo, de uma forma geral, são pouco conhecidos por todos nós. Os riscos e benefícios que envolvem essas escolhas, também. Com a falsa impressão de que “isso é coisa da ciência”, atravessamos os dias em contato com a utilização desse conhecimento das mais variadas formas: seja na geração de energia, na conservação de alimentos, na guerra ou na medicina. Sem acesso a informações básicas que possibilitem uma reflexão sobre como a ciência se organiza e interfere na vida de cada um nós, ficamos sem opção de escolha... Seja para dizer não ao que discordamos ou consideramos um risco para a sociedade, seja para lutar pelo direito de acesso ao que pode nos proporcionar maior qualidade de vida. E só o conhecimento nos possibilita fazer escolhas conscientes. A escola, como espaço de democratização, torna-se um lugar frutífero para essa discussão. 4 Esta publicação integra a exposição Energia Nuclear, que pretende ser um momento de encontro e debate entre aqueles que produzem, usufruem e vivem as consequências dos mais diferentes usos criados a partir dessa grande força contida em um mundo muito pequeno. O material aqui reunido foi produzido por profissionais e pesquisadores da área, em estreita colaboração com a exposição e suas atividades. Os textos apontam possíveis caminhos para trabalhar o tema em sala de aula, por meio de uma percepção crítica da realidade. Jogos e atividades lúdicas movimentam ainda mais a vontade de conhecer e aprender de diferentes maneiras. E para estimular a pesquisa e o debate com os alunos, esta edição também oferece um panorama de livros, revistas, quadrinhos, filmes e sites. Boa leitura! Despertando a curiosidade Notável partícula Olhe em volta e perceba. Se estiver dentro de casa, poderá ver camas, sofás, televisão. Ao ar livre, é possível ver árvores, pássaros, pessoas... Matéria — que pode estar ou não em movimento. Como tudo isso se materializa? A resposta está contida em algo muito pequeno, minúsculo, pequena parte: o átomo. A palavra tem origem na Grécia e, se a dividirmos, obteremos o “significado”. Primeiro, o “a”, que, em grego, quer dizer negação; depois, “tomo”, que é o mesmo que divisível. Átomo, portanto, quer dizer algo que não se pode dividir. Era exatamente o que pensavam os estudiosos na Antiguidade. Mais tarde, os cientistas descobriram muito mais informações sobre o átomo. Uma partícula que escondia um mundo de possibilidades dentro dela. 6 Atomistas na Antiguidade Antigos filósofos, como Leucipo, na Grécia, já desconfiavam da existência do átomo. Conhecidos como atomistas, em seus estudos, faziam comparações interessantes para explicar aos seus alunos o que poderia representar o átomo. As areias da praia, por exemplo, serviram de exemplo aos filósofos gregos em suas aulas. Perceba. Vista de longe, a areia pode parecer um imenso e homogêneo tapete branco, até o observador chegar mais perto e ver os inúmeros e minúsculos grãos. A areia, nesse caso, pode ser comparada à matéria, e o grão, ao átomo. Embora fosse um exemplo interessante, na verdade, estava longe de explicar o átomo. Tarefa essa que precisaria de muitos estudos, feitos por cientistas do mundo todo, ao longo dos séculos. Apesar de as pesquisas evoluírem bastante, por muito tempo ainda, os pesquisadores pensaram ser o átomo, de fato, indivisível. Iam além: diziam ser uma partícula indestrutível, maciça, homogênea e neutra. Será? Modelo atômico Somente nos séculos XIX e XX, outras partes do átomo foram descobertas. Primeiro, o elétron. Mais tarde, um núcleo por onde os elétrons orbitavam, davam voltas, como a Terra faz em torno do Sol. Dentro desse núcleo, por sua vez, outras partículas foram descobertas: prótons e nêutrons. Estava traçada a estrutura atômica da matéria, ou modelo atômico, que serviria de base para inúmeros avanços da ciência. A energia está no núcleo Era um fato, existia uma energia que mantinham as partículas — prótons e nêutrons — juntas dentro do núcleo, e que garantia a estrutura do átomo. Constatada a energia, como criar maneiras para liberá-la? Uma das saídas para esse questionamento estava na divisão do núcleo do átomo. Por ser muito complicado explicar o processo que acontece no núcleo do átomo, alguns cientistas compararam o fenômeno com o que ocorre no interior do Sol. A energia que sentimos aqui da Terra, em forma de luz e calor, nada mais seria do que milhares de divisões ou reações em cadeia que acontecem no interior do Astro Rei, nossa maior fonte de energia nuclear. Apesar de alguns especialistas considerarem essa teoria incompleta, ela foi utilizada para explicar superficialmente as reações do átomo. Porém, a força energética oriunda do núcleo do átomo descoberta seria a fonte para importantes pesquisas da física nuclear. Muitas delas mudariam a história da humanidade. Bianca Encarnação Cathia Abreu Instituto Ciência Hoje 7 Sobre o átomo e suas histórias... Se algum grande desastre com a Terra acontecer, todo o conhecimento científico for destruído e só uma frase puder ser passada para a próxima geração, qual seria a afirmação que conteria a maior quantidade de informa“Todas as ção na menor quancoisas são feitas tidade de palavras? de átomos — pequenas Richard Feynman, partículas que se movem constantemente, atraindoum renomado físise umas às outras quando co do século XX e separadas por pequenas um dos pioneiros distâncias, mas repelindoda eletrodinâmica se ao serem comprimidas quântica, respondeu: umas sobre as outras”. 8 Feynamn acreditava que nessa única frase havia uma enorme quantidade de informação sobre o Universo. Quando olhamos ao redor e nos deparamos com a incrível diversidade do mundo natural, das múltiplas formas que os objetos assumem, das texturas, dos cheiros, da variedade de materiais e substâncias, parece impossível imaginar que exista uma ordem por trás disso tudo, que todas as formas de matéria são compostas por um mesmo bloco fundamental. E, pelo que tudo indica, é assim não só aqui na Terra: os planetas e suas luas, os cometas e os asteroides, as estrelas, as nebulosas e as galáxias, todos os objetos que encontramos são feitos dos mesmos blocos fundamentais que chamamos de átomos. Esses átomos têm uma nobre história, que começa nos primórdios da ciência, em torno de 400 a.C., lá na Grécia antiga. Leucipo e Demócrito foram contra as ideias de Zenão e Parmênides, que concluíram, com base em vários paradoxos, que todas as mudanças observadas no mundo não ocorriam e que não adiantava afirmar que vemos algo se mexendo, pois, diria Parmênides, “os nossos sentidos nos enganam”. Movimentar-se, por exemplo, seria uma tarefa impossível, como afirmou Zenão, pois o mundo verdadeiro seria uno e indivisível, sem pluralidade ou evolução. Claro que muitos discordaram e se revoltaram com essas ideias; afinal, as coisas vistas e tocadas precisavam ser reais. O nascimento e a morte precisavam ser explicados! Leucipo e Demócrito argumentaram que a matéria não poderia ser dividida infinitamente, mas, partindo-a várias vezes, chegaríamos a uma partícula muito pequena, uma esfera impenetrável e invisível. E foi aí que toda essa história começou... Eles postularam a existência do átomo, que significa, em grego, indivisível. Afirmaram que o Universo seria composto de uma infinidade de átomos que se chocariam e recuariam em um movimento eterno, através de um espaço ilimitado. A grande variedade de materiais na natureza provinha, assim, dos movimentos desses átomos, que, ao colidirem, formavam conjuntos maiores, gerando diferentes corpos com características próprias. Dessa forma, cor, cheiro, gosto e tudo o mais seriam resultado das posições e dos movimentos dos átomos, que não poderiam ser vistos ou tocados. Os átomos dos gregos, porém, são bem diferentes dos átomos modernos. Para os gregos, os átomos encaixavam-se como em um jogo de lego, em estruturas. Já os átomos modernos existem devido à interação entre seus componentes: os elétrons, os prótons, os nêutrons e várias outras partículas subatômicas. átomos de Dalton Mas quando surgiu essa ideia tão fantástica? Foi o inglês John Dalton (1766-1844), que, no início do século XIX, deu o passo definitivo para essa mudança, propondo que todos os elementos químicos, do hidrogênio à platina, eram feitos de átomos, e que cada elemento tinha um átomo diferente dos demais. Ele propôs a teoria atômica/ molecular da matéria, segundo a qual cada substância seria constituída de pequenas partículas, as moléculas. H2O, por exemplo, é a tão conhecida representação da molécula da água, que tem dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. 9 Vimos cair por terra a ilusão do átomo indivisível, no final do século XIX e início do século XX, quando o físico inglês J. J. Thomson (1856-1940) descobriu o elétron, partícula de carga negativa ainda menor do que o átomo. Além disso, Thomson sugeriu um modelo para o átomo, constituído de uma “massa” positivamente carregada, na qual os elétrons estariam grudados, como ameixas em um pudim. modelo atômico do pudim de ameixas 10 Experiências realizadas em 1911, por Ernest Rutherford (1871-1937), levaram a outra importante descoberta: as cargas positivas não se distribuem por todo o volume do átomo. Como naquela época não se dispunha de aceleradores capazes de produzir feixes de partículas de alta energia, Rutherford fez incidir partículas alfa (α), eletrizadas positivamente, sobre uma lâmina metálica muito fina. Fazê-las atravessar diferentes materiais de diferentes espessuras era um procedimento comum para avaliar sua energia. Sendo a lâmina constituída de átomos, esperava-se, com base no modelo de Thomson, que a deflexão dessas partículas fosse muito pequena. No entanto, o resultado foi surpreendente. Aproximadamente uma em cada dez mil partículas α era rebatida para trás! Isso era tão absurdo como alguém dar um tiro em uma folha de papel e a bala ricochetear de volta. Rutherford chegou à conclusão de que, nesses casos, o espalhamento resultava da colisão da partícula α com minúsculos centros no interior do átomo, contendo praticamente toda sua massa. Estava descoberto o núcleo atômico. As cargas positivas denominadas prótons estão, na verdade, concentradas no núcleo, em torno do qual giram os elétrons, tal como os planetas em torno do Sol. Rutherford ficou surpreso com a descoberta, pois os átomos se tornaram essencialmente vazios com os prótons no núcleo e os elétrons circulando em órbitas bem distantes. Ou seja, se o Universo é feito de átomos, estamos imersos praticamente no vazio. Mesmo no mundo ao nosso redor, tudo está muito mais vazio do que pensamos. Se o núcleo de um átomo fosse do tamanho de uma bola de basquete, o elétron mais próximo do núcleo estaria a 1,5km de distância! E nós? Somos feitos de células, e cada célula feita de moléculas que são feitas de átomos. Para ser mais exata, 10¹² átomos por cada célula. Nós somos praticamente vazios! De acordo com a física clássica, porém, o modelo de Rutherford não poderia existir. Em 1913, o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1952) desenvolveu um novo modelo atômico que leva o seu nome. Nele, um átomo é constituído de prótons e nêutrons, localizados no núcleo, e elétrons que se distribuem em alguns níveis permitidos de energia, formando a eletrosfera. O modelo de Bohr é mais do que suficiente para estudos básicos em eletricidade e é comum um jovem do século XXI terminar o ensino médio acreditando que o mundo é feito de átomos simples como os de Bohr. modelo de visualização dos quarks Sabe-se hoje, no entanto, que o núcleo do átomo é muito mais complexo. Experiências realizadas com raios cósmicos e em laboratórios de altas energias mostraram a existência de muitas outras partículas no interior do núcleo atômico. A descoberta dessas partículas conduziu os físicos a acreditarem na existência dos quarks como os constituintes básicos das partículas nucleares. 11 Para termos uma ideia, já se conhecem dezenas de outras partículas que fazem parte do núcleo e que são elementares, isto é, não possuem estrutura e são indivisíveis. Ao contrário de qualquer átomo, que é um grande espaço vazio, a matéria do núcleo é altamente concentrada. A sua densidade é enorme. A massa de 1cm3 de um material com essa densidade seria de 240 milhões de toneladas! Apesar dessa concentração, admite-se que os núcleons, nome genérico dado aos prótons e nêutrons contidos no núcleo, também estejam distribuídos em camadas, como os elétrons no átomo. A grande proximidade entre os núcleons implica a existência de uma força de interação nuclear atrativa muito intensa para superar a repulsão eletrostática entre os prótons, o que leva a consequências extraordinárias. Uma delas é a possibilidade de obter energia do núcleo do átomo — a energia nuclear. Pode ser que dividam os quarks, e os quarks dos quarks, e, assim, sempre um detalhe adicional se apresentará como novidade a ser explicada. Será que, enquanto tivermos imaginação e, em alguns casos, energia suficiente nos aceleradores de partículas, sempre teremos um nível a mais de complexidade ou será que existe um elemento unificador de todo o Universo? 12 Na filosofia grega, entidades elementares eram definidas como aquelas que não poderiam ser divididas em constituintes ainda menores. Hoje, qualquer coisa da qual não se veja a estrutura é elementar, com a ressalva de que esta pode se revelar uma conclusão provisória. Ou seja, aquilo que não é visível a olho nu poderá ser visto ao microscópio ou mesmo com um aparelho de pesquisa muito mais sofisticado. Bom, não importa se estamos longe de responder a essa questão. Dizer que tudo é feito de partículas elementares ou átomos, que atuam de acordo com leis da física, é uma hipótese tão tentadora que parece impossível descartá-la. A ideia já tem mais de 2.400 anos e os cientistas, longe de desanimarem, se enchem de entusiasmo ao encarar a paradoxal suposição de uma partícula sem estrutura gerar outras com estruturas definidas como tudo o que vemos. É possível, acompanhando mesmo de longe a complexidade do assunto, que Feynman não tenha exagerado ao se imaginar vivendo um grande desastre e, ainda assim, se esforçar para que sobrevivesse, com os poucos que restassem na Terra, a admirável ideia de que todas as coisas são feitas de átomos. Elika Takimoto Professora do Ensino Médio de Física Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca/CEFET A radioatividade existe na natureza, no solo, no ar e na água, desde a formação da Terra e como consequência da interação da radiação que vem do espaço com a atmosfera. Praticamente todos os animais têm algum material radioativo em seu corpo, em função da ingestão de alimentos e da respiração. O nível da radioatividade na natureza é geralmente bastante baixo e o uso de fontes artificiais para aplicações em atividades de interesse para os homens deve ser feito com cuidado para não criar riscos adicionais. Por isso, para evitar contaminação ou irradiação desnecessária, as atividades que envolvem o uso de radiações ionizantes, como as produzidas por fontes radioativas, são sempre realizadas dentro de regras definidas, por pessoas autorizadas e com proteção. praia de Guarapari, ES A que energia vem do átomo E os benefícios são muitos. Essa energia, se utilizada com responsabilidade, pode produzir eletricidade; ajudar no diagnóstico e na cura de doenças; esterilizar materiais para uso médico; ajudar a controlar equipamentos usados na fabricação de muitos materiais e produtos, como aço, papel ou enchimento de vasilhames de bebida. 13 Na geração de energia, é utilizada largamente por países como Estados Unidos, França e Japão. A energia nuclear evita a liberação de milhares de toneladas de gases do efeito estufa, que contribui para o aumento da temperatura do planeta e consequente destruição do meio ambiente. Outro exemplo é o uso de técnicas de combate a pragas da fruticultura, como a mosca da fruta, por meio da esterilização de machos e soltura no campo, diminuindo a população do inseto com menor uso de inseticidas, que prejudicam a saúde dos consumidores e causam danos ao homem e à natureza. 14 Benefícios ampliados Nos estudos com animais, por exemplo, é possível acompanhar como algumas substâncias agem no interior do organismo. Para isso, material radioativo é adicionado a rações e a outros alimentos, permitindo que o processo de digestão e aproveitamento pelo organismo seja avaliado com maior eficácia pelos pesquisadores. Em pesquisas com plantas, a melhor forma de colocação de adubação pode ser observada pelo acompanhamento da absorção de nutrientes, examinando como se distribui a radioatividade no vegetal. Da mesma maneira, a radiação pode ser utilizada para analisar características do solo, com informações úteis para a agricultura e para a prospecção de petróleo, por exemplo. O uso de material radiativo é mesmo amplo e o meio ambiente só tem a ganhar, à medida que as pesquisas evoluem para o uso consciente da natureza. É utilizado em análises e medição de poluentes, para o manejo em certas áreas; no mapeamento e na origem de vazões de água, para o uso racional do recurso. Além de interferências ambientais positivas, como a esterilização de lixo e dejetos orgânicos, no tratamento de esgoto e de lixo hospitalar. As pesquisas e as aplicações só aumentam. Aperfeiçoar a parceria e o uso racional da energia nuclear e da radioatividade na natureza é a meta. Quando o assunto é energia nuclear, a segurança é o que mais cria polêmica. Um acidente pode causar muitos transtornos. Os reatores nucleares, entretanto, têm demonstrado que essa energia pode ser utilizada de forma segura. Até hoje, houve um único acidente com reator nuclear com vítimas: o de Chernobyl, na Ucrânia, de um modelo de reator que não dispunha de todos os sistemas de segurança que hoje aparelham praticamente todos os reatores em funcionamento no mundo. Esse acidente, que causou muitas vítimas e afetou grandes áreas com a contaminação, mostrou a importância de possuir dispositivos de segurança que reatores como Angra 1 e Angra 2 já dispõem desde a sua construção. A geração de eletricidade por reatores nucleares é um fato em muitos países, como no Brasil, que tem dois reatores em funcionamento, e, sem dúvida, traz vantagens. Mas até que ponto essas vantagens superam os riscos? Os Estados Unidos dispõem de 104 reatores nucleares, que geram mais energia elétrica do que todo o sistema brasileiro de geração, incluindo as hidrelétricas. O Japão, afetado de forma trágica pela energia nuclear, pois sofreu o bombardeio atômico na Segunda Guerra Mundial, dispõe de 54 reatores nucleares, que geram 25% da energia elétrica do país. Sem contar a França, que tem mais de 75% de sua energia elétrica gerada pelos 58 reatores nucleares em operação. Esses países optaram pela energia nuclear e confiam nos sistemas de segurança que têm mantido o funcionamento seguro por mais de 40 anos. usina de Chernobyl após o acidente e nos dias de hoje É seguro? 15 sala de treinamento de controle de Angra 2 Segurança mundial Para conviver com essa realidade, é bom saber que a segurança nuclear é sempre revista. Ela é pauta de estudos conjuntos e pesquisas feitas por vários países, que criam projetos e aperfeiçoam sistemas. Atitudes que reduzem, cada vez mais, os riscos de acidentes com reatores nucleares. É a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que trata da segurança mundial na utilização da energia nuclear. Por meio dela, acordos internacionais são feitos, normas e exigências de segurança são revistas. Dessa maneira, outros países ficam cientes do que é preciso fazer para gerar energia nuclear com segurança. No Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tem o controle e a responsabilidade de licenciar e inspecionar as instalações que utilizam material nuclear. Esse licenciamento inclui uma análise cuidadosa 16 de todos os procedimentos de segurança e da qualificação do pessoal que irá operar as instalações. Essa lista vai além das usinas nucleares e se estende por outras áreas que utilizam produtos radioativos, como as instalações médicas e industriais. A CNEN também capacita os profissionais que lidam com a segurança, que são credenciados e precisam ser oficialmente aprovados pela instituição. Criados para diminuir o risco de acidentes e evitar tragédias, esses e outros órgãos mundiais existem para garantir o uso seguro dessa forma de energia. Assim, a humanidade convive cada vez menos com os sobressaltos que a hipótese de acidente nuclear poderia trazer, desfrutando de uma fonte de energia cada vez mais importante para a manutenção do desenvolvimento da humanidade. Ivan Pedro Salati de Almeida Coordenação Geral de Assuntos Internacionais Comissão Nacional de Energia Nuclear Precioso mineral Um mineral relativamente raro e com propriedades, no mínimo, curiosas. O nome monazita (em alemão, monazit), criado pelo mineralogista alemão Friedrich Breithaupt, vem do verbo grego monádz, que significa “ser solitário”, “estar só”, em uma alusão à raridade do material. A razão de sua suposta “solidão” foi a raridade com que ocorria na natureza, distribuído como pequenos cristais isolados. A monazita é um mineral pesado composto de fosfatos de terras raras (cério, lantânio, neodímio, praseodímio, érbio etc.). O tório e, algumas vezes, o urânio encontrados na monazita a tornam radioativa. O urânio contido, quando devidamente preparado, é capaz de produzir, entre outras aplicações, energia elétrica. Em geral, a monazita é amarelada, castanho-avermelhada ou vermelha. Além do mais, é magnética. Ela pode ser obtida em leitos de rios e depósitos de praias. As areias, ricas em minérios, são processadas na indústria por diversos tipos de equipamentos, para se obter o concentrado de monazita. Processa-se quimicamente o concentrado e os compostos de terras raras são alguns dos principais produtos originados. Os Estados Unidos foram os primeiros, em 1893, a explorá-la comercialmente. Depois disso, outros países mostraram seu potencial, como Índia, Austrália e Brasil. São chamados de terras raras 17 elementos químicos considerados estratégicos e 17 praia de Marataízes, ES de grande interesse mundial, pois têm diversas aplicações, da agricultura à tecnologia de ponta. Na indústria, são utilizados como catalisadores; na metalurgia, em lâmpadas fluorescentes, refrigeradores, fibras óticas, entre outros. Terapêutica nas praias? Vários elementos químicos com propriedades semelhantes são encontrados na areia da praia. Com esse conceito, os elementos químicos que constituem o grupo das terras raras do Brasil são encontrados no litoral e em alguns trechos de rios. Ricas, sobretudo, em monazita e contendo, além das terras raras, tório e urânio — o que as torna natural- 18 Terras raras no Brasil Embora não sejam mais produzidas no Brasil, as terras raras obtidas no país foram provenientes da monazita, que, por sua vez, é obtida de um concentrado natural de minerais pesados que ocorre nas praias da costa e em determinados trechos de rios. É no estado do Rio de Janeiro, em São Francisco de Itabapoana — uma cidade do Norte Fluminense —, onde se encontra uma quantidade bastante considerável de monazita. Mas há outros depósitos na região, como em Paraty, Angra dos Reis, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes e Guarapari. No país, o beneficiamento das areias monazíticas teve início no final do século XIX. O mineral foi amplamente extraído, passando a ser valorizado no exterior, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, por suas características nucleares. mente radioativas — essa areias monazíticas ficaram famosas pelo seu uso em tratamentos terapêuticos. Muitos afirmavam ter melhorado de dores ocasionadas por artrites e inflamações depois de elamear-se com essas areias. Verdade ou crendice? Não importa a resposta, o certo é que muitas pessoas ainda aproveitam as horas de lazer em algumas praias do litoral do estado do Rio de Janeiro para se divertir e cuidar da saúde. Na indústria Os bens minerais produzidos a partir da monazita são voltados especialmente para a indústria de transformação. Esse e outros minerais pesados contidos em terras raras são amplamente utilizados nos setores de alta tecnologia eletrônica, ótica, nuclear, petroquímica e automobilística. Os compostos de terras raras obtidos da monazita possuem as mais diversas aplicações, conforme o elemento químico utilizado, tais como: neodímio, em laser e na fabricação de TV a cores; cério, na fabricação de lentes fotográficas e na indústria ótica corretiva; lantânio, em ótica de alta precisão e em ligas especiais; óxido, no polimento de vidros óticos e vidros de televisão; carbonato, na composição de vidros óticos; fluoreto, na metalurgia para obtenção de aços e ligas especiais. Primeiros achados Os primeiros estudos sobre os recursos minerais do Brasil foram patrocinados pelo imperador d. Pedro II. Ele convidou o geólogo francês Claude Henri Gorceix para instalar, em 1875, a Escola de Minas, com sede em Ouro Preto. Gorceix é o responsável pelas primeiras pesquisas sobre as terras raras no país, como a descrição da monazita, entre outras descobertas relevantes com elementos químicos. hólmio Grupo das terras raras Conheça a etimologia de alguns elementos químicos Lantânio - do grego lanthanon, escondido Cério - da deusa romana da fertilidade Ceres Praseodímio - do grego praso, verde, e didymos, gêmeo Neodímio - do grego neo, novo, e didymos, gêmeo Promécio - do titã Prometheus, que deu o fogo aos mortais Samário - em homenagem a Vasili SamarskyBykhovets, descobridor do mineral samarskite Európio - de Europa, o continente Gadolínio - em homenagem a Johan Gadolin (17601852), um dos primeiros investigadores das terras raras Térbio, Érbio, Ítrio e Itérbio - de Ytterby, localidade da Suécia onde se encontra a pedreira de cujos minerais foram isolados Disprósio - do grego dysprositos, difícil de obter Hólmio - de Holmia, designação latinizada de Estocolmo, cidade natal de um dos seus descobridores Túlio - da cidade mítica de Thule Lutécio - de Lutetia, nome latino da cidade de Paris Escândio - em homenagem à Escandinávia Arnaldo Mezrahi Coordenação Geral do Ciclo do Combustível Comissão Nacional de Energia Nuclear 19 A energia de Marie Curie Mapa da radiação Uma forma de energia nuclear, a radioatividade acontece por meio da instabilidade dos átomos, como os de urânio e rádio, que emitem constantemente partículas e ondas eletromagnéticas. Marie Curie descobriu, com seus estudos, que são liberadas nesse processo três tipos diferentes de radiação: as partículas alfa e beta, e a radiação gama. Alfa - consiste em dois prótons e dois nêutrons, iguais ao núcleo do átomo hélio. Beta - são elétrons. Gama - radiação gama, na realidade, são ondas eletromagnéticas. É o tipo mais penetrante de radiação. 20 Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel, a premiação mais importante para a comunidade científica. Marie — que ganhou este nome depois de seu casamento com o físico Pierre Curie —, antes de ser uma famosa cientista, chamava-se Marya Sklodowska e vivia na Polônia, onde nasceu, em 1867. Era filha de dois professores e tinha uma família grande, com cinco irmãos, entre meninos e meninas. A aventura pelo mundo da ciência começou cedo. Com apenas 16 anos, ganhou medalha de ouro por seu desempenho acadêmico no ginásio, equivalente ao atual ensino médio. Marie quis continuar os estudos, mas, na Polônia do final do século XVII, as mulheres não podiam cursar a universidade. Marie, porém, rompeu os padrões da época e fez um pacto com sua irmã mais Revelação-chave Formada na França, Marie Curie pesquisou o urânio, com o físico Pierre Curie e outros cientistas. Nele, conseguiu detectar um elemento químico, o rádio. Esse metal, com grande capacidade de emitir energia, foi isolado e analisado em 1898. Foi Marie quem batizou a capacidade de emissão de energia de alguns elementos químicos de “radioatividade”. A revelação seria a chave para muitas descobertas no vasto campo da física nuclear. Os estudos de Marie sobre a radioatividade foram além. Ela descobriu que a emissão de energia seria capaz de atingir o corpo humano e que, em pequenas proporções, poderia servir para tratar doenças. As conclusões de suas pesquisas lhe renderam dois prêmios Nobel, o reconhecimento máximo, até hoje, para um cientista. Marie e Pierre Curie velha, Bronia. O acordo é que uma ajudaria a outra a estudar na França, onde as mulheres tinham permissão para fazer o curso superior. Bronia foi primeiro estudar medicina, enquando Marie trabalhava e lhe enviava dinheiro. Marie foi depois. Precisava mesmo de mais tempo para ganhar o mundo e ser a mais importante cientista de sua época. Marie no Brasil Famosa e reconhecida mundialmente, Marie criou o Instituto do Rádio, em Paris, na França, dedicado às pesquisas sobre a radiotividade no tratamento do câncer. Correu o mundo divulgando suas descobertas e mostrando a outros cientistas a maneira de utilizar a energia nuclear no tratamento de doenças. Em 1926, visitou o Brasil, onde esteve à frente de várias conferências, em instituções médicas e de formação de profissionais da saúde no país, como nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Hoje, o Instituto do Rádio é o Instituto Curie, uma fundação privada, sem fins lucrativos, dedicada às pesquisas oncológicas, que atua em parceira com hospitais dedicados ao tratamento do câncer. Carlos E. Bonacossa de Almeida Divisão Geral de Ensino e Pesquisa Instituto de Radioproteção e Dosimetria 21 pla Múlti energia Realizar, agir, gerar. Todas essas palavras fazem parte do conceito de energia. Em sua origem grega, quer dizer “trabalho” ou a capacidade de realização. Mover ou aquecer algo, atravessar ou transferir força são atributos da energia. Com as diferentes maneiras de obter energia, os seres humanos desenvolveram formas de produção e armazenamento dessa força, para consumo e sobrevivência. Na física e em outras áreas do conhecimento humano, o conceito de energia é estudado detalhadamente e suas funções, muito bem pontuadas. A energia nuclear é sempre pesquisada profundamente e, cada vez mais, surpreende por suas formas de aplicação. No olhar da ciência, é percebida como algo fascinante. No entanto, a lembrança e as marcas da destruição em massa, os segredos militares, a invisibilidade e a percepção de perigo iminente relacionados a ela geram polêmicas e desconfiança. 22 Natural ou artificialmente produzida por reações no núcleo do átomo, a energia nuclear tem múltiplas funções e inúmeras aplicações no dia a dia. No dia a dia As radiações emitidas por meio da energia nuclear são aplicadas em inúmeros setores, para o aproveitamento e o progresso das sociedades. Na agricultura u para retardar a germinação de uma planta, permitir melhor conservação de sementes, frutas e hortaliças, mesmo em temperatura ambiente, entre outras funções. u para o controle de pragas. Nesse caso, machos de insetos indesejáveis são coletados, irradiados com dose suficiente para esterilização e liberados na natureza. O resultado será visto depois: machos e fêmeas cruzarão normalmente, mas os ovos serão estéreis. Essa prática é chamada de “técnica do macho estéril”. Na indústria u as radiografias in situ — que significa “no lugar” — são realizadas em inúmeras máquinas e permitem verificar sua integridade interna, sem desmontagem, nem interrupção da operação das mesmas. Trens de pouso de aviões, gasodutos e grandes caldeiras são exemplos de maquinários radiografados. Na pesquisa u a radiodatação é uma técnica utilizada por arqueólogos. Trata-se da medição do nível do carbono-14 — átomo do elemento químico carbono, naturalmente radioativo —, em restos mortais e objetos antigos, que dá pistas quase exatas dos anos decorridos desde a morte do organismo ou a fabricação do objeto. Todo material que contenha carbono pode ser datado. Radiação e radioatividade A emissão de energia por meio de partículas ou ondas eletromagnéticas é a chamada radiação. O calor, a luz visível e ultravioleta, as ondas de radio, TV, celular e micro-ondas são exemplos de radiações de baixa energia. Os raios-X são um exemplo de radiação de alta energia que não é de origem nuclear. A radioatividade é a emissão de partículas ou ondas eletromagnéticas de alta energia por elementos químicos naturais ou artificiais. Jean Remy D. Guimarães Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho/UFRJ e Instituto Ciência Hoje Natural ou artificial? A radioatividade é notada de duas formas: a natural, presente nos elementos da natureza; e a artificial, que é induzida e ocorre pela transformação no núcleo do átomo. Usinas nucleares são baseadas no aproveitamento da energia contida em elementos radioativos naturais, como o urânio. 23 Como ? funciona usina nuclear uma Você sabe o que é energia nuclear? Os átomos de alguns elementos químicos apresentam a propriedade de, através de reações nucleares, transformar massa em energia. Esse princípio foi demonstrado por Albert Einstein. O processo ocorre espontaneamente em alguns elementos; porém, em outros, precisa ser provocado por meio de técnicas específicas. Existem duas formas de aproveitar essa energia para a produção de eletricidade: na fissão nuclear, em que o núcleo atômico se divide em duas ou mais partículas, e na fusão nuclear, em que dois ou mais núcleos se unem para produzir um novo elemento. 24 A fissão do átomo de urânio é a principal técnica empregada para a geração de eletricidade em usinas nucleares. É usada em mais de 400 centrais nucleares em todo o mundo, principalmente em países como França, Japão, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Espanha, China, Rússia, Coreia do Sul, Paquistão e Índia, entre outros. Hoje, 17% da energia elétrica no mundo é gerada por fonte nuclear e esse percentual tende a crescer com a construção de novas usinas, principalmente nos países em desenvolvimento (China, Índia etc.). Os Estados Unidos, que possuem o maior parque nuclear, com 103 usinas em operação, estão ampliando a capacidade de geração e aumentando a vida útil de várias de suas centrais. A França, com 58 reatores, e o Japão, com 56, também são grandes produtores de energia nuclear, seguidos pela Rússia (31) e Coreia do Sul (20). A maior vantagem ambiental da geração elétrica por meio de usinas nucleares é a não utilização de combustíveis fósseis, evitando o lançamento na atmosfera dos gases responsáveis pelo aumento do aquecimento global e outros produtos tóxicos. Usinas nucleares ocupam áreas relativamente pequenas; podem ser instaladas próximas aos centros consumidores e não dependem de fatores climáticos para o seu funcionamento. Além disso, o urânio utilizado em usinas nucleares é um combustível de baixo custo, uma vez que as quantidades mundiais exploráveis são muito grandes e não oferecem risco de escassez em médio prazo. Pesquisas de opinião realizadas na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia demonstram que a população aceita a construção de novas usinas nucleares e a substituição de plantas antigas. Ambientalistas prestigiados, como James Lovelock (autor da Teoria de Gaia) e Patrick Moore (fundador do Greenpeace), são unânimes em declarar que não se pode abdicar da energia nuclear se pretendemos reduzir os riscos do aquecimento global e de todos os problemas relacionados a ele. Por dentro da usina nuclear A fissão dos átomos de urânio dentro das varetas do elemento combustível aquece a água, que passa pelo reator a uma temperatura de 320oC. Para que não entre em ebulição — o que ocorreria normalmente aos 100ºC —, a água é mantida sob uma pressão 157 vezes maior do que a pressão atmosférica. O gerador de vapor realiza uma troca de calor entre as águas desse primeiro circuito e as do circuito secundário, que são independentes entre si. Com essa troca de calor, as águas do secundário se transformam em vapor e movimentam a turbina — a uma velocidade de 1.800rpm —, que, por sua vez, aciona o gerador elétrico. Após mover a turbina, o vapor passa por um condensador, onde é refrigerado pela água do mar, trazida por um terceiro circuito independente. A existência desses três circuitos impede o contato da água que passa pelo reator com as demais. Uma usina nuclear oferece elevado grau de proteção, pois funciona com sistemas de segurança redundantes e independentes (quando somente um é necessário). 25 26 ilustração: Manoel Magalhães O que é defesa em profundidade? É um conceito de projeto que envolve a criação de sucessivas barreiras físicas que mantêm a radiação sob total controle. u as pastilhas de dióxido de urânio possuem uma estrutura molecular que retém a maior parte dos produtos gerados na fissão; u as varetas que contêm as pastilhas são seladas e fabricadas com uma liga metálica especial; u o vaso do reator funciona como uma barreira estanque; u a blindagem radiológica permite que os trabalhadores acessem áreas próximas ao reator; u o envoltório de aço especial, com 3cm de espessura, é projetado para resistir ao mais sério acidente; u o envoltório de concreto, com 70cm de espessura, conterá qualquer material, caso as demais barreiras falhem. Jefferson Borges Araújo Paulo Adriano da Silva Divisão de Inspeção Residente Comissão Nacional de Energia Nuclear 27 Quando o conheceu a energia atômica 1939 Ano que entrou para a história como o início da Segunda Guerra Mundial, episódio que envolveu 72 países. As nações participantes ficaram ao lado da Alemanha ou dos Estados Unidos, e o conflito generalizou-se. As razões, ainda não muito bem entendidas, eram, em resumo: a conquista de territórios, a exploração de riquezas e a força do trabalho dos países “conquistados”. No entanto, a guerra, em meio a tantos 28 explosão da bomba Fat Man sobre Nagasaki mundo danos causados à humanidade, trouxe conquistas, como o avanço nas pesquisas científicas que envolviam a energia nuclear. Foram os ingleses que, em 1940, anunciaram pela primeira vez ser possível construir uma bomba usando energia atômica. Na época, os alemães estavam atrasados nessa área de pesquisa. Um dos motivos do atraso é que muitos cientistas fugiram da Alemanha, perseguidos por serem judeus ou por serem contra o governo de Adolf Hitler. primeiro teste de bomba nuclear detonada - deserto do Novo México, EUA 1942 Um projeto alemão de arma atômica era o foco dos Estados Unidos. Em guerra com a Alemanha, a nação americana criou uma grande estrutura para a construção da bomba, atraindo cientistas de vários pontos do mundo, além dos próprios norte-americanos. Essa concentração de esforços foi batizada como Projeto Manhattan. A desculpa que os norte-americanos usaram para gastar tanto dinheiro em um projeto atômico — e para justificar a pressa em terminá-lo — era a de que a pesquisa dos alemães poderia estar mais adiantada. Quando, finalmente, a bomba atômica ficou pronta, em 1945, a guerra já havia terminado na Europa. Os países vencedores (Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra) encontraram-se na cidade de Potsdam, na Alemanha, para decidir o destino do mundo. Esse encontro foi chamado de Conferência de Potsdam. Ficou decidido que a União Soviética ajudaria os Estados Unidos na guerra que os norte-americanos mantinham desde 1941 contra o Japão, porque não se tinha certeza de que a bomba funcionaria. Nessa época, os japoneses já estavam exaustos, sem dinheiro e sem ânimo. Assim, não existia uma situação que justificasse o bombardeio atômico. O que havia eram militares que acreditavam poder ganhar a guerra com a destruição total do inimigo e o desejo dos Estados Unidos de testar a nova arma e mostrar ao mundo sua força. Estados Unidos e União Soviética — a atual Rússia — eram grandes potências e “dividiram” o mundo em duas partes, que controlavam politicamente. Esses dois países iniciaram a Guerra Fria, uma “guerra” de tensões e ameaças, na qual a principal “arma” era a possibilidade de um usar o arsenal atômico contra o outro. 29 Os norte-americanos lançaram duas bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Esse tipo de bomba era a arma mais poderosa que a humanidade conhecia. Hoje, elas seriam fraquinhas perto das armas nucleares que os Estados Unidos, Rússia e outros países têm. As duas cidades japonesas foram totalmente destruídas e cerca de 140 mil pessoas (80 mil, em Hiroshima; 60 mil, em Nagasaki) morreram na hora. Com o passar do tempo, os efeitos da radiação emitida pela explosão das bombas mataram outras 120 mil pessoas e, até hoje, não desapareceram totalmente. Esses dois ataques mudaram os rumos da história da humanidade e a forma como os homens passaram a construir suas armas de guerra, cada vez com mais poder de destruição. Hoje, alguns pesquisadores acreditam que as bombas jogadas sobre os japoneses foram uma demonstração de força diante dos soviéticos. Os Estados Unidos desejavam controlar boa parte da política mundial. Para isso, precisavam mostrar aos outros países que não aceitariam desafio algum ao seu poder. 30 Nagasaki após o bombardeio 1945 Até agora, a única vez em que armas atômicas foram usadas em uma guerra foi no ano de 1945. Desde então, todos passaram a viver sob a ameaça de o mundo acabar caso algum país resolvesse usar seu arsenal atômico. Daí a importância das negociações de paz e do bom entendimento entre as nações. Paulo Fagundes Visentini Comissão Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais Universidade Federal do Rio Grande do Sul O que você precisa saber sobre medicina nuclear Quando o assunto é energia nuclear, a associação com a bomba atômica, muitas vezes, é imediata. O que dizer, então, se o tema for ampliado para procedimentos médicos? Por isso, a forma de investigação médica conhecida como medicina nuclear pode causar dúvidas, na maior parte das pessoas, sobre suas técnicas e aplicações. Mas é preciso saber que suas atividades são permanentemente monitoradas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), entidades que cuidam da segurança nos procedimentos médicos com o uso de radioatividade. Além disso, a irradiação que o paciente sofre nesse tipo de exame está dentro dos níveis considerados seguros, podendo ser aplicada em crianças, inclusive em lactentes. Há 60 anos... A medicina nuclear é uma especialidade que teve seu início marcado pela investigação da glândula tireoide, nos anos 1950. Hoje, além de ser considerada uma das principais técnicas de diagnóstico por imagem, é útil no tratamento de doenças graves, como o câncer, e na redução de tumores. Por tudo isso, vale a pena saber mais! Conheça algumas das principais questões sobre o tema e tire suas dúvidas. 31 O que é a medicina nuclear? É uma técnica de diagnóstico por imagem que reproduz os fenômenos fisiológicos e funcionais dos órgãos por meio de imagens conhecidas por cintilografia. Seus exames consistem na introdução de radioisótopos ou radioelementos — partículas radioativas que, acopladas a uma substância com especial afinidade para determinados órgãos, são chamadas de radiofármacos ou radiotraçadores. Como se chama o equipamento que permite a obtenção de cintilografias? É conhecido por câmara a cintilações ou SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography) e possui detectores que giram em torno do paciente, captando as emissões radioativas do órgão onde o radiofármaco está alojado. Uma técnica mais recente é a PET (Positron Emission Tomography), que detecta tumores malignos, a partir da análise do seu metabolismo de açúcar, já que muitos apresentam intenso uso dessa substância. Qual a diferença entre a medicina nuclear e outros métodos de imagem? A medicina nuclear estuda a função dos órgãos. Já outros tipos de estudos por imagem — radiografia simples, tomografia computadorizada, ultrassonografia e ressonância magnética — reproduzem a forma e o tamanho dos órgãos, sua densidade radiológica ou ultrassonográfica, embora a ressonância magnética realize também alguns estudo funcionais. cintilografia do esqueleto mostra acúmulo fisiológico normal do radiotraçador nos ossos aparelho de SPECT 32 tomografia computadorizada de corte axial de fígado e baço gerador de tecnécio 99 metaestável Quais as aplicações terapêuticas da medicina nuclear? Essas aplicações vêm se expandindo para o tratamento do câncer da tireoide, tumores ósseos, lesões da suprarrenal e muitas outras neoplasias. Quais as principais aplicações no diagnóstico de doenças? endócrinas: tireoide, paratireoide e glândula suprarrenal; u cérebro: doenças degenerativas (Doença de Alzheimer), algumas alterações psíquicas e determinados tumores; u coração: coronariopatias (isquemia ou infarto); u pulmões: embolia pulmonar e avaliação da reserva pulmonar em doenças obstrutivas e neoplasias; u aparelho digestivo: esvaziamento gástrico e refluxo esofágico; u fígado e vias biliares: cirroses e hemangiomas (tumores sanguíneos benignos); u esqueleto: certos tipos de fraturas, tumores, doença metabólicas, processos infecciosos, metástases; u rins: determinadas doenças. u Os exames de medicina nuclear são contrastados? Sim, mas a forma de contraste é diferente da utilizada nos estudos radiológicos. Os exames são realizados a partir da administração de substâncias de baixa radioatividade (radiofármacos) e, dependendo do órgão e do contraste, a forma mais comum é a intravenosa. Os raios são do tipo gama, que atravessam rapidamente o corpo, irradiando muito pouco o paciente. Por isso, médicos e técnicos não são obrigados a usar avental de chumbo. Qual a forma de medir a atividade da substância radioativa administrada? Inicialmente, é “medida” em um equipamento conhecido por curiômetro. As atividades — doses de radiação injetadas, conforme preceitos nacionais e internacionais — são lançadas em um livro de controle, fiscalizado pela CNEN e ANVISA. cortes sagital e axial do cérebro - imagem de SPECT 33 Qual a duração dos exames? Em torno de 20 minutos, mas nem todo exame inicia-se logo após a administração do radiofármaco. No estudo do esqueleto, é preciso aguardar duas ou três horas; no exame do coração, 30 minutos; no estudo da função renal, começa logo após. Os exames podem ser repetidos em curto prazo? Considerando a baixa radiação que o paciente sofre, podem ser repetidos quando necessário, sem prejuízo à saúde, desde que haja indicação médica. A população em geral tem acesso a esses exames? As autoridades sanitárias têm colocado à disposição da população em vários hospitais públicos. Assim como as universidades, que dispõem de modernas instalações na área. Berdj Meguerian Médico especialista em medicina nuclear 34 cintilografia da tireoide normal O que é um radioelemento? Todo elemento que apresenta “desequilíbrio” entre os elétrons, prótons e nêutrons que o compõem e passa a emitir radiações. Por exemplo, o iodo que é misturado no sal da cozinha, para evitar as alterações funcionais da tireoide, não é radioativo, é estável, pois o número de prótons, elétrons e nêutrons estão em equilíbrio. Quando ocorre diferença entre esses números, isto é, desequilíbrio entre as partículas, o átomo passa emitir radioatividade e se chama radioelemento. Iodo radioativo O iodo-127 (estável) compõe-se de 53 prótons e 74 nêutrons. Já o iodo-123 (radioativo) compõe-se de 53 prótons e 70 nêutrons. O iodo-131, outro radioisótopo, mais radioativo que o iodo-123, compõe-se de 53 prótons e 78 nêutrons. Ciência na escola Abrindo o livro Dos recursos utilizados nas escolas brasileiras para auxiliar o processo de ensinoaprendizagem, o livro didático é o que ainda possui maior destaque. Sua importância como material de apoio é irrefutável e sua presença é legitimada por uma política pública de distribuição periódica, com reposição anual dos livros. Por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), procura-se abastecer toda a Educação Básica, a fim de promover a atualização dos conteúdos que são abordados em cada fase do ensino, de acordo com as indicações do Sistema Educacional Brasileiro. Cabe ressaltar que esse programa de distribuição dos livros didáticos se restringe à compra e à distribuição de livros impressos, 36 não admitindo a aquisição de outros materiais e suportes (tecnológicos e midiáticos, por exemplo). Nesse movimento, faz-se necessário aproximar as recomendações do Sistema Educacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), na análise e seleção dos livros didáticos, pois representam uma proposta de políticas públicas que pretende fundamentar a prática pedagógica em âmbito nacional. Os PCNs apontam como princípio didático geral a formação de estudantes autônomos, críticos e participativos, adotando um eixo teórico-metodológico em prol da diversidade, exigindo uma ressignificação dos conteúdos escolares e reafirmando a responsabilidade da escola com a formação contextualizada dos alunos. Mas não podemos esquecer também que a legislação educacional e as diretrizes curriculares que norteiam a prática docente não são projetos “preparados” para serem “aplicados” nas escolas. São apenas orientações educacionais que servem de incentivo para a elaboração do projeto político pedagógico de cada unidade escolar. Portanto, é importante problematizar a forma pela qual o livro didático vem sendo selecionado pelos educadores e utilizado em sala de aula, bem como questionar a forma pela qual os temas de ciência e tecnologia vem sendo tratados nessas publicações. Algumas temáticas já apontadas pelos parâmetros como necessárias ao ensino de ciência contemporâneo e pouco abordadas nos livros necessitam ser incluídas e/ou ampliadas no cotidiano escolar — como é o caso da energia nuclear. A presença da temática energia nuclear, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, precisa ser atrelada ao mundo dos alunos, pois os recursos tecnológicos contemporâneos (rastreamento por satélite, lasers, radiações, combustíveis nucleares etc.) dialogam com os diferentes usos nas usinas nucleares, nas indústrias, na agricultura e na medicina, por exemplo. Muitas vezes, quando esse conteúdo é abordado nos livros didáticos, há uma simplificação, parecendo que a única solução é decorar fórmulas e modelos. Diante disso, podemos (e devemos) interrogar: o tema energia nuclear é abordado de forma contextualizada? O livro estimula a curiosidade pelo assunto apresentado? A metodologia utilizada é adequada e possibilita a construção do conhecimento científico? O livro introduz elementos da história da ciência, evitando figuras/ilustrações caricaturizadas? Provoca o debate, permitindo o trabalho interdisciplinar? Nesse caso, por meio da interdisciplinaridade, os alunos podem lidar com situações reais e complexas de um mundo em constante transformação: crises de energia, problemas ambientais, avanços técnicocientíficos diários, qualidade de vida, mercado de trabalho etc. É importante destacar que a proposta interdisciplinar prevista nos parâmetros, que apresenta os 37 diferentes componentes curriculares de forma integrada e inter-relacionada, atua como mediadora do projeto político pedagógico da escola. A produção do conhecimento constrói-se, assim, a partir dos múltiplos diálogos entre as diversas áreas. Ao incluir a história da ciência nos currículos escolares por exemplo, podemos situar os estudantes em uma realidade científica mais ampla. Desmistifica-se o estereótipo que há em torno dos cientistas, além de revelar o processo não linear — repleto de rupturas, disputas e transformações — do “fazer ciência” e fortalecer o argumento da ciência como construção humana — repleta de objetividades e subjetividades. Nesse contexto, compreender a construção do conhecimento científico como um processo histórico e cultural, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de uma determinada época, é um dos caminhos para a construção da cidadania. Alguns caminhos metodológicos são possíveis para mediar aulas de ciências para além do livro didático: oficinas, círculos de debates/discussões, entrevistas, organização de registros, esquemas, aulas-passeio, visitas a planetários, museus e centros de ciência, 38 experimentação... A opção pela experimentação científica, por exemplo, não deve se limitar às práticas convencionais em laboratórios, nos quais se executa uma lista de procedimentos previamente fixados. Por meio de um processo de experimentação mais abrangente, os estudantes podem observar, descrever, deduzir, refletir, identificar e analisar situações-problema presentes no dia a dia. Reconhecemos, portanto, o papel fundamental do professor na popularização da ciência, na formação de cidadãos críticos e criativos, bem como no despertar do espírito investigativo que valoriza aspectos históricoculturais, identificando a existência de um conhecimento científico sistematizado e produzido coletivamente. Afinal, como apontam as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, nosso compromisso como educadores é a formação do “cidadão contemporâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade” (PCN + Ensino Médio, 2002, p. 75). Andreza Berti Núcleo de Educação Casa da Ciência da UFRJ ilustração de Folon para o cartaz do filme Stalker Jornada entre ocinema e a ciência 39 A arte promovendo o estranhamento É um clichê inevitável afirmar que o audiovisual está cada vez mais presente em nossas vidas. Seja pelo crescente aumento dos conteúdos digitais, seja pela popularização do acesso à internet e dos computadores portáteis ou, ainda, pela própria forma como a informação é trabalhada e veiculada na mídia. O fato é que existe um universo de imagem, som e movimento que se permite modelar de formas variadas e com objetivos diversos. O cinema, no entanto, sendo uma forma de expressão artística, permite a organização de seu material audiovisual com vias a despertar a atividade do pensamento. Em nossa sociedade, a demanda por acúmulo de informação e a especificidade adquirida por diversas áreas do conhecimento se apresentam como fatores que tendem a limitar a atitude crítica e reflexiva. Uma estratégia possível, que se aproveita da conjuntura cada vez mais audiovisual da realidade, seria estimular o aprendizado a partir da arte cinematográfica. Quando se assiste a um filme, algo acontece no espectador. Parte-se do pressuposto de que o cinema possui uma função transformadora, e que ele pode ser pensado não como mero instrumento pedagógico — um exemplo ou ilustração de determinado 40 conteúdo, o que ampliaria a falsa ideia de que o filme seria menos importante do que aquilo a que se refere —, mas como forma de expressão capaz de apresentar e suscitar questões que ativam diálogos entre as mais diversas áreas do conhecimento. Ao criar um espaço-tempo, o cinema nos permite ter acesso a um mundo à parte, no qual nos perdemos em meio às leis e propriedades específicas, apresentando e tornando visíveis problemas e anseios que dizem respeito à vida de maneira geral, sem se preocupar com a objetividade e/ou a necessidade de obedecer a critérios estipulados. Esse deslocamento move o pensamento. Ele nos faz pensar na medida em que nos permite o contato com afetos, problemas e situações que não estão em nosso mundo, mas, apesar disso, são capazes de nos transformar. É através da ilusão do cinema que as questões nada ilusórias do nosso mundo também podem ser pensadas. A síndrome da China Ao pensar em filmes que se relacionam com o tema da energia nuclear, podemos lembrar de algumas produções que abordam diretamente o assunto. Nosso intento, em contrapartida, é pensar de que forma pode-se provocar uma reflexão específica, a partir do vasto campo de questões que a discussão abre, sem delimitá-la ou esgotá-la. À medida que as pesquisas em física nuclear avançavam, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, com a Guerra Fria — quando a tensão armamentista entre EUA e União Soviética ameaçava a vida no planeta —, determinado tipo de cinema emergiu se valendo de premissas inspiradas por esse contexto. O cinema de ficção científica começava a refletir, por meio de imagens em movimento e som, sobre a natureza e as consequências da energia nuclear, enfatizando os riscos de seu uso bélico. Nas décadas seguintes, o assunto passou a não ser exclusividade da ficção científica, e, com o crescente aumento Stalker Energia nuclear no cinema e o caminho de Tarkovsky 41 e disseminação da indústria nuclear, outros temas emergiram, como no caso dos filmes Césio 137 — pesadelo de Goiânia e A síndrome da China. Ambos os filmes pensam questões relativas ao perigo da contaminação radioativa, tratando das consequências do uso da energia nuclear no cotidiano. Quer seja em aparelhos para uso hospitalar — no caso do Césio 137 — ou como fonte de energia elétrica em usinas — como em A síndrome da China —, o assunto deixava o imaginário militar para se disseminar na sociedade. A atenção aos problemas relativos às matrizes energéticas, aliada ao temor do desconhecido — associado aos efeitos da radiação —, impulsionava não só questões éticas e políticas, como também outras reflexões filosóficas sobre a vida, o meio ambiente, o homem e a existência. Dar conta de tudo isso não é tarefa simples. Foi um cineasta russo — e poderíamos também chamá-lo de pensador —, chamado Andrei Tarkovsky, quem realizou, na década de 1970, um filme que se destaca até hoje pela forma abrangente de lidar com essas questões: Stalker. É importante lembrar que esse filme não possui uma narrativa ágil, comum em produções que não oferecem tempo para o espectador respirar. Seus longos planos fazem com que o espectador consiga direcionar sua atenção ao tempo que flui, como se ainda não tivesse sido captado pelos 42 esquemas calculadores que o transformam em algo quantificável. Tarkovsky faz com que seus filmes escapem à lógica produtiva e industrial do próprio cinema. Assistindo aos seus filmes, o espectador não se configura como um receptor passivo de estímulos, mas tem sua experiência intensificada por meio da temporalidade dos planos. As questões que o filme nos abre são imensas, e sua capacidade de interseção com diversas áreas do conhecimento se dá pelo fato de não tratar de um assunto específico, como as consequências do lixo radioativo ou de acidentes ambientais. Ao não querer abordar diretamente tais questões, consegue tratá-las de forma mais abrangente, como nenhum outro. E por que isso se dá? Uma compreensão adequada de problemas sobre a energia nuclear envolve aspectos que não são específicos do discurso científico, já que ele mesmo está imerso em uma sociedade que o produz. O filme, ao apresentar os anseios de três personagens a caminho de um lugar capaz de realizar desejos (a “Zona”, como é chamada no filme), postula como conflituosa a relação que eles mantêm com algo que não conseguem — e nem podem — explicar ou ter acesso. Há um deslocamento entre o que é próprio do humano e o que é próprio da natureza, na medida em que os homens acreditam-se independentes e exteriores a ela. O que nos faz supor que esse conflito diz respeito aos anseios contemporâneos que questionam a Stalker atitude de domínio irrefreado da natureza, há séculos vinculada à ciência. A sociedade industrial ditou uma nova dinâmica para a vida, pautada pela produção e pelo consumo, tendo como alicerce a dominação técnica do mundo natural, com vias à eficácia e ao progresso. O conhecimento técnico-científico, aliado à ideologia burguesa, foi capaz de adquirir autoridade, visto que suas aplicações se convertiam em maior poder de dominação e, portanto, em maior influência política e econômica. No mundo da técnica, no entanto, compreender alguma coisa significa deixar para trás toda a carga de afetividade que ela poderia admitir. Implica um processo objetivo, purificado, em que o objeto a ser conhecido está destacado de sua realidade imediata. A crença em um saber universal, que legitima o progresso, faz com que a esfera do humano, do desejo, dos afetos, seja relegada ao segundo plano. 43 Ao representar um mundo e uma natureza decadentes, Tarkovsky situa seu filme em um ambiente que sofre as consequências e o esgotamento desse domínio técnicocientífico, onde o progresso se verifica, ao fim, como incapaz de promover uma resposta a todos os problemas humanos. A “Zona” seria um lugar que permitiria aos homens reencontrarem a si mesmos, afastando-os de suas falsas necessidades e reconectando-os ao mundo. Em outras palavras — evitando comprometer a experiência de quem ainda não assistiu ao filme —, seria uma forma de afirmar a impossibilidade de respostas que contemplem a verdade última sobre as coisas, priorizando, em seu lugar, a experiência existencial que une os homens nessa busca, os afetos que os atravessam. O mais interessante é como o filme não sugere isso apenas pelo seu tema, mas, sobretudo, pela sua linguagem, sua estética. 44 É desse modo que ele nos permite criar uma reflexão capaz de situar o problema do nuclear no contexto mais vasto do artístico, do social e do humano. E essa é apenas uma das diversas leituras possíveis para uma obra que resiste ao tempo e às interpretações fechadas. Seu enredo e sua forma nos oferecem, ainda, a possibilidade de pensar que se trata também de um modo de falar do próprio cinema, da própria arte. Afinal, não seria a sala escura do cinema uma espécie de lugar especial que nos permite realizar desejos, viver outras vidas e potencializar nossas próprias ações? O cinema, assim como a “Zona”, nos transforma e faz pensar sobre nós mesmos e o mundo. Gabriel Cid Garcia Núcleo de Educação Casa da Ciência da UFRJ Energia em movimento Corrida atômica Percorra as camadas eletrônicas de um átomo, deslocando-se como um elétron e aproveite para conhecer mais sobre a história do átomo e as descobertas em torno da radioatividade e da energia nuclear! Abra o encarte e recorte as cartas na linha pontilhada, separando o tabuleiro. Para jogar, você só vai precisar de um dado e peões de outro jogo ou sementes (milho, feijão ou grão de bico). Ganha quem conseguir desbravar os desafios e atingir o elétron 36 em primeiro lugar. Boa sorte! Paula Wienskoski - criação e design Monica Cristina de Moraes - pesquisa Casa da Ciência da UFRJ 46 O tabuleiro representa o elemento químico krípton, ou kriptônio, de símbolo Kr e número atômico 36 na Tabela Periódica. Resultado da fissão nuclear do urânio, é um gás nobre, incolor e inodoro, raro na atmosfera e extremamente volátil. Pode ser empregado, isolado ou misturado com neon e argón, em lâmpadas fluorescentes ou nas incandescentes de filamento de tungstênio dos projetores de cinema. O laser é usado para a cirurgia da retina e o isótopo Kr-81m, no estudo do pulmão. Essa representação segue o modelo descrito pelo físico dinamarquês Niels Bohr, em 1913. Segundo Bohr, cada átomo possui um núcleo pequeno carregado positivamente, cercado por elétrons em órbita circular. Cada camada sustenta um número exato de elétrons, no caso do kriptônio, distribuídos em quatro camadas: 2, 8, 18 e 8. Assim como essas partículas se deslocam pelas camadas, os jogadores devem saltar pela trilha do jogo, da casa 1 à 36. Regras 1. Embaralhar as cartas e deixá-las agrupadas, de cabeça para baixo. 2. Os jogadores lançam o dado para decidir quem começa; o jogo deve prosseguir em sentido horário. 3. Os peões andam a partir do centro do átomo. 4. Cada jogador lança o dado, na sua vez, e anda o mesmo número de casas, seguindo a numeração dos elétrons no tabuleiro. 5. Em seguida, o jogador à direita retira uma carta e lê em voz alta o texto, com as três opções de resposta (a correta está sublinhada). 6. Se o jogador acertar a resposta, lança o dado novamente e avança. 7. Se o jogador errar a resposta, lança o dado novamente e retrocede. 8. Se os jogadores pararem nos elétrons 10, 16, 21 ou 29, não devem pegar as cartas, mas proceder conforme indicado no tabuleiro. Vence quem chegar primeiro ao elétron 36! 47 Ato mó bile Somente nos séculos XIX e XX as partes do átomo foram descobertas. Primeiro, o elétron. Mais tarde, prótons e nêutrons. Assim, a estrutura atômica da matéria, ou modelo atômico, foi traçada. Modelo atômico de Bohr Em 1913, o físico Niels Bohr propôs uma estrutura atômica na qual o átomo seria constituído de prótons e nêutrons, localizados no núcleo, e elétrons distribuídos em níveis de energia, formando a eletrosfera. Embora o modelo de Bohr ainda seja utilizado nos estudos básicos sobre eletricidade, hoje sabemos que o núcleo do átomo é muito mais complexo, e que os elétrons giram ao redor do núcleo, mas não em órbita. Adriani Freire, Carmen Evelyn e Gustavo Lucena Núcleo de Educação Casa da Ciência da UFRJ 48 Que tal você mesmo tentar montar seu modelo atômico para tentar entender como funciona a energia nuclear? Você vai precisar de: - 6 pulseiras de neon verde com conector transparente - 1 miçanga de cristal ou esfera de plástico de 2cm de diâmetro, com furo - 1 uma arruela para permitir a fixação da miçanga/esfera - 60cm de fio de náilon - Tesoura Como fazer: 3 1 Passe o fio de náilon pelo furo da esfera e da miçanga. Dê um nó na ponta para prender a estrutura e corte o excesso de fio. 2 Marque a distância de um dedo da esfera e dê um nó no fio de náilon. Encaixe o conector transparente onde você fez o nó. Fixe a pulseira de neon verde no conector. 4 Junte duas pulseiras para fazer o círculo do meio (médio). 5 Marque a distância de dois dedos a partir do círculo pequeno e dê um nó no fio de náilon. Encaixe o conector transparente onde você fez o nó. 6 Encaixe a pulseira média no conector. 7 Junte três pulseiras para fazer o círculo maior. Repita o passo 5, a partir da esfera média, e encaixe a pulseira maior no conector. 9 8 Dê um laço na ponta do fio e o móbile está pronto para decorar o seu quarto! 49 DU Preencha o quadro da página ao lado, com a palavra correspondente à definição de cada linha. Transporte as letras para o quadro abaixo, de acordo com a numeração. Ao final, forma-se a frase de um importante cientista, cujo nome é revelado nos quadradinhos cinzas. Monica Cristina de Moraes Núcleo de Educação Casa da Ciência da UFRJ 50 51 Respostas: usina nuclear - elétron - lixo atômico - contador geiger - brasil - batata - câncer - hiroshima - contaminação - urânio - formiga atômica Frase: A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências Autor: Einstein PLEX Saiba mais... Sugestões de pesquisa Livros Abdalla, M. C. B. Bohr: o arquiteto do átomo. Série Imortais da Ciência. São Paulo: Odysseus, 2002. Okuno, E. Radiação: efeitos, riscos e benefícios. São Paulo: Harbra Ltda.,1988 Caulliraux, H. Hiroshima 45, o grande golpe: da concepção do átomo à tragédia de Hiroshima. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. Parker, S. Marie Curie e a radioatividade. Coleção Caminhos da Ciência. São Paulo: Scipione, 1999. Drummond de Andrade, C. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. Eco, U. A bomba e o general. Lisboa: Quetzal Editores, 1989 Feynmam, R. P. Lições de física de Feynman. Porto Alegre: Bookman, 2008. Gleiser, M. 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Augusto dos Anjos: ciência e poesia. n. 11, maio, 2000. http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc11/v11a07.pdf Revista Eletrônica do Departamento de Química da UFSC O núcleo instável. www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/nuclear/introducao.html Personagens de Quadrinhos Capitão Átomo (1960) Dr. Manhattan (The Watchmen - 1986) Formiga Atômica (1965) Homem-Aranha (1962) Hulk (1962) Tartarugas Ninja (1984) Ficção A hora final (1959) A síndrome da China (1978) Black Rain — a coragem de uma raça (1989) Césio 137 — pesadelo de Goiânia (1990) Dr. Fantástico (1964) Homem-Aranha (2002) O dia seguinte (1983) O incrível Hulk (2008) O planeta dos macacos (1968) Os senhores do holocausto (1989) O início do fim (1989) Rapsódia em agosto (1991) Silkwood (1983) Stalker (1979) Tartarugas ninja (1990) The Watchmen (2009) Documentários Átomo (BBC, 2007) Hiroshima (BBC, 2005) O Desastre de Chernobyl (Discovery Channel, 2006) Reação nuclear (WGBH, 1997) Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares www.abacc.org Agência Internacional de Energia Atômica www.aiea.org Agência Nacional de Energia Elétrica www.aneel.gov.br Associação Brasileira de Energia Nuclear www.aben.com.br Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear www.cdtn.br Centro de Energia Nuclear na Agricultura www.cena.usp.br Comissão Nacional de Energia Nuclear www.cnen.gov.br Eletronuclear - Eletrobrás Termonuclear S.A www.eletronuclear.gov.br Instituto de Engenharia Nuclear www.ien.gov.br Instituto de Estudos Japoneses www.iej.uem.br Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares www.ipen.br Instituto de Radioproteção e Dosimetria www.ird.gov.br Indústrias Nucleares do Brasil www.inb.gov.br Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. www.nuclep.gov.br Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica www.sbpr.gov.br 55 Publicação concebida especialmente para a exposição Energia Nuclear. Suas 56 páginas foram compostas com fontes Barmeno, Albertus Medium e Trebuchet, em papel offset 90g, e a capa e o encarte, em cartão supremo 250g. Impressão em abril de 2010, com tiragem de 3.000 exemplares.