PATRILOCALIDADE PRECARIZADA: PRÁTICAS PARENTAIS E
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PATRILOCALIDADE PRECARIZADA: PRÁTICAS PARENTAIS E
PATRILOCALIDADE PRECARIZADA: PRÁTICAS PARENTAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA NO PORTO DE SUAPE 1 Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Rosangela Silva de Souza, Rafael de Freitas Acioly Programa de Pós-Graduação em Antropologia, FAGES, UFPE Resumo Usando entrevistas, questionários e pesquisa de campo, o presente artigo examina o impacto da chegada de populações atraídas a um polo de desenvolvimento sobre as estratégias patrilocais de comprometimento parental das populações atingidas. No complexo portuário de Suape, trabalhadores de lugares distantes se hospedam no entorno das obras, descolados das suas redes de parentesco originais. A interação com a população local traz promessas e desconfianças referentes ao emprego, ao futuro e ao abandono. Ao se envolverem afetivamente com estes homens, as jovens dos locais atingidos podem engravidar sem poder acionar estratégias locais costumeiras de responsabilização parental masculina para firmar alianças entre jovens que engravidam e os homens parceiros e seus parentes. Devido à presença de homens com redes de parentes desconhecidas, descompromissados com a residência local, elaboram-se estratégias novas de aliança no contexto de gravidez. Introdução Como parte da pesquisa de Três Polos de Desenvolvimento e a vida sexual e reprodutiva das mulheres jovens em Pernambuco2, em realização desde novembro de 2010, pelo Núcleo FAGES da UFPE, este estudo foca o impacto da chegada de populações atraídas ao Complexo Portuário-Industrial de Suape sobre as estratégias de residência e de sociabilidade de jovens que namoram e engravidam, realçando o envolvimento de redes associadas aos parceiros, pais e parentes deles e delas. Discute-se como a gravidez desencadeia um padrão de busca de apoios, autonomia e, sobretudo, comprometimento parental patrilateral. Tecem-se considerações sobre o impacto da presença de homens migrantes e as estratégias às quais os jovens e os trabalhadores recorrem para levar a sua vida adiante. O estado de Pernambuco atravessa um período de enaltecimento do crescimento econômico em múltiplos polos de desenvolvimento e a pesquisa do FAGES focou os polos de Suape, de Porto de Galinhas e de Petrolina, que investem, respectivamente, num complexo portuário-industrial, na indústria 1 Trabalho apresentado na XV Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais-Pré-Alas, Brasil, no GT Gênero, Política, feminismos e desenvolvimento, de 04 a 07 de setembro, em Teresina. Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada sob o título de Patrilocalidade e patrilateralidade precarizadas: Práticas Parentais e Gravidez na Adolescência entre Populações Atingidas pela Construção do Porto de Suape, em forma de Poster na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia (Fórum especial 3), São Paulo, junho, 2012. 2 Pesquisa APQ0149-7.03/10 financiada através do EDITAL FACEPE 03/2010, Estudos e Pesquisas para Políticas Públicas Estaduais, Gravidez na Adolescência, FACEPE/SecMulher. turística e na agricultura irrigada. Como Suape é vizinho a Porto de Galinhas, tratar a articulação entre os dois polos é inevitável, mesmo que, neste trabalho, a ênfase recaia principalmente sobre o Complexo de Suape. Petrolina será abordada em outros trabalhos. Ao estudar polos de desenvolvimento (Ribeiro 1993), o olhar do observador está direcionado para a cadeia produtiva associada à “vocação” anunciada, seja qual for a profundidade histórica ou a intensidade dos investimentos recentes. As histórias dos locais impactados não são valorizadas em si, especialmente quando divergem das novas finalidades dos investimentos. Os responsáveis pelo desenvolvimento a implantar pinçam atividades que julgam que serão positivamente transformadas pelas mudanças propostas, e relegam as outras questões a um plano secundário. Para entender a influência do dinamismo econômico sobre a vida cotidiana no local, é importante identificar quais os pontos na cadeia de produção e distribuição que incidem sobre a criação de espaços de sociabilidade nestes polos, diretamente em relação aos ambientes de trabalho, e indiretamente em relação aos espaços residenciais e de lazer e uso de serviços locais. Enquanto os investimentos andam, vão-se criando pontos de fricção em referência ao encontro de populações atraídas para trabalhar no complexo, e as populações residentes, que se tornam impactadas, independentemente da intencionalidade maior dos objetivos declarados e visualizados pelos responsáveis pelos empreendimentos. Numa dessas vertentes, o que inicialmente está pautado como um impulsor ao desenvolvimento da região se revela um tensor de relações de gênero nos locais. A imigração de população em busca de trabalho cria o desafio para populações locais e para políticas públicas que foi sintetizado em outro local como “Queríamos mão-de-obra, recebemos pessoas” (Arango 2007)3. As pessoas que chegam interagem com as pessoas que residem nos locais de destino. E as questões inicialmente relegadas ao plano secundário ganham um novo relevo. Isto ocorre em relação à vida sexual e reprodutiva das jovens4 residentes dos locais impactados pelo Complexo Portuário do Suape em diversas instâncias inter-relacionadas, das quais realçamos três. Na primeira instância, enquanto a nossa equipe iniciava a pesquisa de campo, em maio de 2011, o Diário de Pernambuco publicou uma série de reportagens sob o título de “Filhos de Suape 5”. As reportagens delineavam o extraordinário alcance geográfico (11 municípios) dos efeitos econômicos do Complexo, e apontava o problema de jovens seduzidas por homens recém-chegados que, num ambiente de muita promessa e expectativa, engravidaram adolescentes e jovens e as abandonaram logo em seguida. O alarme sobre estes efeitos se espalhou pelo estado, ofuscando, pelo menos um pouco, o brilho do empreendimento do Complexo de desenvolvimento. 3 A fala é creditada a Max Fritsch, e refere-se ao enorme número de migrantes que chegaram à Espanha no início dos anos 2000 (Arango 2007). 4 Heilborn et. al.(2006) serve como importante base para discussões em torno da sexualidade juvenil. 5 Série assinada pela jornalista Marcionila Teixeira. Na segunda instância, estimulada pela reportagem do Diário de Pernambuco – e conduzida pelo deputado estadual e presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Câmara, e mobilizada por organizações feministas, organizações populares jurídicas, e outros grupos da sociedade civil – em 29 de julho de 2011, foi realizada uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa com diversas autoridades do estado, na cidade do Cabo, com convites especiais para políticos e representantes de Ipojuca também. Na Audiência, o clima foi de denúncia da ampliação da exploração sexual infantil, prostituição e uso de drogas e da falta de investimento em bom funcionamento de escolas, conselheiros tutelares, e agentes de segurança, bem como de outras atividades públicas e privadas que poderiam coibir essas práticas. No diálogo entre políticos e representantes da sociedade civil, transpareceram sentimentos de ausência de oficiais e políticos importantes na audiência (o governador estava numa reunião sobre a sustentabilidade de Suape; a Secretaria de Infância e Juventude e diversos oficiais de Ipojuca e Cabo também tiveram as suas ausências notadas); empolgação com a abertura pública para a discussão de um tema público tão importante; e uma repetida referência ao fato que há muito para fazer. Na terceira instância, após longas negociações, as empresas instaladas e em instalação – incentivadas, sobretudo, por cláusulas legais e contratuais que exigem atenção a questões sociais, e não apenas econômicas –, organizam-se, para promover, além de algumas pesquisas, muitas aulas e oficinas cuja finalidade é de educar as jovens e os trabalhadores, com referência à sexualidade nas condições criadas no Complexo de Suape (cursos e ações sobre equidade de gênero, infância, escola, futuro e voluntariado da Construtora Camargo Correia no Cabo e, ainda mais diretamente, sobre sexualidade, pelo projeto Diálogos da Petrobrás, os dois em diversos municípios no entorno de Suape). Assim, o assunto da vida sexual e reprodutiva das jovens não é silenciado, mas, certamente, é apequenado pelas enormes dimensões que o projeto de desenvolvimento assume dentro das metas que o governo do estado anuncia para a região. E, ao refletir sobre as três instâncias, percebe-se que a referência às populações locais pouco trata delas como desenvolvendo ações próprias associadas às suas experiências históricas para lidar com a chegada de tantos homens para trabalhar e com tantas oportunidades de trabalho. Sem deixar de entender que sejam populações impactadas, este trabalho reflete sobre as práticas costumeiras e as suas transformações diante desta realidade. A Metodologia Nos últimos dois meses e primeiros meses de 2010, a equipe (de seis pesquisadores6) leu e coletou bibliografia e documentos institucionais in loco e em sites, e desde abril de 2011, a equipe realiza pesquisa de campo no Complexo de Suape. A parte do Complexo realçada pela pesquisa inclui os locais 6 Os quatro autores deste trabalho, Viviane Matias da Silva e Zênia Campos Scott. habitados mais diretamente impactados. Abrange as sedes dos municípios do Cabo e de Ipojuca, onde circulamos para fazer entrevistas e observação com os administradores municipais e obervar o impacto da presença de novas populações nestas sedes em ocasiões diversas. A maior parte da pesquisa de campo se realizou em quatro locais urbanos nos distritos destes municípios (Ver Mapa 2 em anexo - Porto de Galinhas/Maracaípe e Nossa Senhora do Ó, em Ipojuca; Ponte dos Carvalhos e Gaibu, no Cabo). Cada local tem uma historia própria, mas todos reportam a um período anterior de migração de turistas, de surfistas, de comerciantes e trabalhadores urbanos, de pescadores, de agricultores rurais e de trabalhadores de cana. Porto de Galinhas/Maracaípe está com mais de três décadas dedicadas a um intenso investimento na indústria turística. A população de pescadores e marisqueiros que aí residiam (e continuam) vem se transformando em parte em jangadeiros e caseiros, assalariados e prestadores de serviço a turistas que ocupam os hotéis e residências para passarem temporadas de férias, e a surfistas cuja estadia e intensidade de integração varia mais, e que se concentra principalmente no verão. Agricultores, trabalhadores rurais e outros trabalhadores migrantes vieram a Porto de Galinhas e se juntaram aos outros residentes, procurando emprego no comércio, que cresce e oferece trabalho, bastante mal remunerado e sazonal, a uma população que vive em casas módicas e precárias, segregadas fisicamente a várias quadras do mar depois das casas, hotéis, pousadas e centro comercial, voltados para os turistas. Uma única unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) opera entre as áreas de Maracaípe e Porto de Galinhas. Nossa Senhora do Ó fica a mais ou menos três quilômetros do mar e dez do centro de Porto de Galinhas, numa pista nova bastante movimentada, com faixa de bicicletas. Isto facilita o acesso dos trabalhadores a Porto de Galinhas e à praia mais próxima, que é Muro Alto, onde se concentram os resorts de turistas de maior poder aquisitivo. Nossa Senhora do Ó se origina como centro administrativo com uma igreja e outros serviços, mas, recentemente, sobretudo como vila associada à expulsão de trabalhadores dos engenhos de açúcar e da sua vinda para trabalhar numa usina vizinha. Apresenta semelhantes condições de trabalho às de Maracaípe/Porto, com menor presença de pescadores e marisqueiros e maior presença de ex e atuais trabalhadores canavieiros e ex-empregados da usina que fechou em 2011, depois de um período longo de desaceleração. Aí reside muito mais gente que em Porto/Maracaípe, e como sede de distrito, dispõe da igreja católica principal e diversas outras igrejas de variados tamanhos, colégios bons e médios, mercados e lojas, e diversos serviços governamentais. O comércio é muito mais movimentado e voltado para o consumo de moradores permanentes. São duas unidades da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que operam neste local. Ponte dos Carvalhos é o bairro mais urbano e com maior quantidade de serviços urbanos entre os quatro locais, ficando entre a cidade do Cabo e o bairro de Pontezinha, como entreposto a pleno caminho de toda a Zona da Mata Sul para os municípios de Jaboatão e Recife. Cresceu mais intensivamente a partir dos anos cinquenta e sessenta, com o êxodo da zona canavieira da Zona da Mata Sul. Muitos se estabeleceram firmemente em serviços comerciais, de reparo de veículos e de recreação ao longo da estrada. Hoje o bairro expandiu muito, ocupando uma extensão grande em ambos os lados da estrada com múltiplas residências individuais de variadas qualidades e uma base econômica mais variada. É um dos distritos de referência do município do Cabo, e já possui um colégio com ensino muito qualificado e a principal maternidade de referência do município. Nesta área, operam quatro unidades da ESF. Gaibu é um aglomerado urbano situado na estrada que leva à vila de Suape (ver Motta 1979), uma vila de antigos pescadores que fica colada à beira norte do Complexo de Suape, separado por um braço de mar. Em Gaibu-Suape residem antigos e atuais pescadores e marisqueiros, junto com surfistas, e, sobretudo, outros trabalhadores do comércio e de serviços que trabalhavam e trabalham no comércio local ou, cada vez menos, em residências de veranistas. É a área com acesso mais direto a Jaboatão e ao Recife via uma estrada litorânea com pedágio que passa por um empreendimento imobiliário de alto luxo implantado em função do desenvolvimento esperado devido ao Complexo. A unidade da ESF que opera em Gaibu está com a sua equipe reduzida e precisando de ampliação com muitas áreas de novas residências descobertas. Passamos vários períodos de residência, de observação e de convivência nestes locais urbanos ao redor do Complexo, gerando centenas de páginas de diários de campo ao longo de mais que um ano de pesquisa intermitente com atividades acadêmicas no Recife. Com a ajuda das equipes de ESF, os seis pesquisadores realizaram 68 entrevistas abertas com roteiros sobre a experiência de gravidez com mães jovens (44, entre 16 e 24 anos de idade) e avós (24, entre 32 e 65 anos de idade) que foram gravadas, transcritas e analisadas tematicamente. Novamente com a ajuda de uma equipe da ESF em cada local, supervisionamos a aplicação de cento e poucos questionários sobre namoros, gravidez, mobilidade e avaliações de oportunidades de trabalho e efeitos dos projetos de desenvolvimento nos locais, totalizando 418 questionários com mulheres jovens, de entre 16 e 24 anos, desta vez, independentemente de terem passado pela experiência da gravidez. Assim, pudemos reconstruir uma multiplicidade de estratégias elaboradas pelas mulheres, pelas suas mães e pelos homens para escolher namorados e parceiros e para buscar residência, trabalho e educação, associadas à maneira em que adotaram viver a sua vida sexual e reprodutiva. A elaboração destas estratégias revela a sua inserção em redes sociais interpessoais e de parentesco nestes locais de residência de acordo com a interação dos residentes, antigos e recém-chegados, e isto permite uma melhor compreensão dos reais e potenciais impactos da chegada de uma leva nova e massiva de trabalhadores nestes cenários. O Projeto de Desenvolvimento: a criação de vocações e a chegada dos homens trabalhadores A construção do Complexo Portuário-Industrial de Suape (ver Mapa 1 em anexo), projeto com mais de três décadas de planejamento no estado de Pernambuco, iniciou uma fase de implantação intensiva em 2007. No site do Complexo (http://www.suape.pe.gov.pe), em maio de 2012, são veiculadas informações que circulam publicamente sobre a vocação e a dinamicidade do projeto. Informa que Suape abarca, além do porto em si, o “maior estaleiro do hemisfério sul”, uma refinaria de petróleo, três plantas petroquímicas, mais de 100 empresas já instaladas, e ainda tem previsão de pelo menos 50 novas indústrias a se instalarem. Os promotores do Complexo 7 ressaltam que Suape se insere numa vocação histórica de comércio estabelecida desde a descoberta do Brasil, remontando à criação de um mito de origem nacional de comércio internacional. As divisas tradicionalmente ganhas pela exportação de açúcar são evocadas para realçar a vocação comercial mundial do estado, para, logo em seguida, enaltecer a capacidade do Complexo de contribuir para superar uma estrutura agroindustrial arcaica que não oferecia possibilidades iguais para desenvolvimento. Contabiliza o número de containers que já estão chegando no, e saindo do porto e as consequências positivas deste comércio para a saúde das empresas que se dedicam a estas atividades. A logística de fazer com que os produtos cheguem aos seus locais de destino, às vezes acrescidos por um valor agregado que as indústrias que ocupam o Complexo conseguem contribuir, são os emblemas da vocação que o Complexo está construindo. Indústria naval e indústria petroquímica são as novas bandeiras para alcançar o desenvolvimento. Mesmo que o ritmo da economia como um todo esquente diante deste movimento, as vocações em construção têm muito pouco a ver com pescadores, agricultores, trabalhadores rurais, comerciantes locais, surfistas, turistas, caseiros. São novas vocações. Somados à contabilização de 25.000 empregos diretos já existentes, estão previstos mais 15.000. Para tanto, nesta fase de implantação, há mais de 40.000 trabalhadores atraídos à indústria de construção civil. Quase todos estes empregos são ocupados por homens, muitos recém-atraídos à região, apenas alguns provenientes dos locais em torno do Complexo. A população local interage de muitas formas com estes migrantes, outsiders cuja chegada afeta a vida dos estabelecidos, sobre os quais se costuma elaborar imagens que refletem tanto desconfiança quanto expectativas positivas. Mudou. Trazendo muito homem pra aqui, pra estar tirando a gente do sossego.... Eu mesma não achei boa não. Gaibu tem mais homem do que mulher. Oxe, é tanto do homem que a gente não sabe de onde vem tanto. É que nem casa de marimbondo de homem. ... Menina porque a gente procurar uma casa e não tem casa pra a gente alugar a casa. Não tem mais nada, e os homem tomaram conta de tudo. To pedindo a Deus pra que Suape acabe logo pra levar logo esses marimbondos pras casas dele. ... era tudo tão 7 Apenas para citar um dos encontros mais sensíveis às preocupações aqui sinalizadas, chama atenção simpósio sobre SUSTENTABILIDADE SOCIAL INTEGRADA NO DESENVOLVIMENTO DE PERNAMBUCO: impactos dos Pólos Suape e Zona da Mata Norte realizada em 17 de novembro de 2011 pelo NÚCLEO DE DIVERSIDADE E IDENTIDADES SOCIAIS – NDIS da Universidade de Pernambuco. calmo, tão bom, na paz no amor, mas depois que chegou esses marimbondos! Gostam de se rebolar muito, os baianos (Gildete, avó) 8. Mas no momento que eu tava separada, é, eu via, as meninas gostava muito dos trabalhadores dali do alojamento do outro lado da pista. Preferia eles, eles são baianos, da Bahia, principalmente uns que, preferiam esses que são de longe, esses trabalhadores que tão vindo agora se alojando aqui são de longe, da Bahia. Tem de São Paulo. Tem até alguns do Rio, mas a maioria são baianos, ai eu acho que elas preferem porque teve uma mesma que me disse na opinião dela que elas queriam conhecer a Bahia. Por isso que tão se juntando, pra conhecer os estados (Carmem, mãe jovem). Nos questionários, apenas 1% das jovens destes locais trabalha em Suape. Oportunidades de trabalho não são para elas. São para os homens que chegam, e apenas para alguns homens que são dos locais mais diretamente impactados. Estes homens precisam ser alojados em algum local, saem para se divertir, buscam sexo e buscam parceiras, e, como forasteiros, são de famílias distantes cuja real ou imaginada existência (ou inexistência) e tipo de vínculo são enigmáticas. Exigem estratégias atentas, mesmo se nem sempre bem sucedidas, por parte das jovens e das suas mães de Porto/Maracaípe, Nossa Senhora do Ó, Gaibu e Ponte dos Carvalhos. Escolhendo parceiros, engravidando e construindo redes: os arranjos residenciais A tradição de estudos antropológicos sobre regras de residência (Murdock 1965; Goodenough 1968) busca coerência estrutural nas práticas de mobilidade residencial pós-casamento dos povos pesquisados, com base num modelo cíclico (Fortes 1958) de desenvolvimento de grupos domésticos entre povos que ordenam as suas práticas em grupos de parentesco diferenciados com bastante nitidez. Ao transpor estas ideias para a compreensão de sociedades globalizadas em constante transformação e com alta mobilidade, muitos autores (Carsten 2000; Fonseca 2006,2007; Peralva 2008; Parella 2003; Scott et. al. 2009) percebem muito maior agência de sujeitos para elaborar estratégias cuja referência reporta à formação de redes de sociabilidade e de segurança material e simbólica em redes que permitem uma flexibilização das regras. Quando Murdock (1949) quantificou, e Goodenough (1968) ressimbolizou as exceções estatísticas para confirmar as regras cognitivas, as suas buscas foram de normatização e da formulação de uma compreensão da montagem de alianças entre grupos de parentesco do lado dos noivos e das noivas. O que acompanhamos nesta pesquisa não deixa de ser uma continuação destes questionamentos, acrescida por um reconhecimento da elaboração de estratégias que buscam favorecer os sujeitos diante de intensas modificações e imprevisibilidades que caracterizam a vida conjugal como permeada por riscos e incertezas (Giddens 1993; Beck 2004; Bauman 2004). Diante disso, uma gravidez 8 Os nomes são fictícios. desencadeia a intensificação das relações sociais em redes de pessoas aparentadas e amigas que possam auxiliar casais e indivíduos a lidar com as novas exigências da sua vida. O gráfico 1 em anexo refere aos 52,2% das mulheres jovens pesquisadas nos quatro locais que já engravidaram, e entre elas 41% têm mais que um filho. A acolhida da própria família de origem destas jovens grávidas é muito significativa. A reação imediata mais frequente é de decepção da avó com a gravidez, com a alusão à opção de expulsão de casa, que ocorrendo ou não, sublinha a importância da família da jovem mãe na continuação de cuidados, antes estendidas a ela como filha, e agora a ela e ao neto (e às vezes ao parceiro dela). Expulsar de casa é uma ação que se assemelha à fuga tradicional (ver Woortman e Woortmann 1993; Scott 2007; Longhi 2007), no sentido que tal fato provoca uma ação do parceiro e da rede familiar dele para abrigar a esposa, nora e neto. No meio de uma prática predominantemente de acolhimento matrilocal e matrilateral, ela amplia a demanda de participação do lado masculino na responsabilidade paternal. Poderia ser vista como uma aparente autonomização da jovem mãe provocada pela família, que, como o tempo costuma levar à reaproximação da jovem mãe e sua família (o que não implica necessariamente em nova co-residência), tem o efeito de ampliar as redes de apoio de parentes às quais ela pode recorrer. Por essa razão, a diminuição na proporção de jovens mães que residem “com os pais” (de 68,2% antes, para 49,1% no decorrer da gravidez, e especialmente para 42,5% depois dela), é mais uma evidência de uma estratégia de ampliação de redes de apoio do que uma evidência de retirada do acolhimento dos pais. A casa dos sogros não costuma dispor de boa reputação para o estabelecimento de relações amenas entre nora e sogra, mas oferecer a residência para abrigar a mãe do filho dela pode ser uma ação muito bem-vinda para todos. Muitas mães jovens informam da solidariedade das suas sogras no apoio à gravidez e o cuidado dos filhos. Como os dados revelam que apenas 9,2% das jovens mães residiam com as suas sogras antes de engravidar e que durante a gravidez este arranjo residencial foi mais recorrente (15,1%) que depois dela (12,7%). Viver com a família do parceiro, além de intensificar a interação no tempo de maior necessidade, sendo para suprir as aparentes faltas ou responder aos apelos a cooperação do lado materno do casal, também contribui para uma autonomização do casal, que depois de passar pela gravidez geralmente sabe que pode contar tanto com os pais dela, quanto dele. Engravidar não é a razão principal das jovens formarem casais, pois 55,6 % delas residiam com os seus parceiros antes de engravidar, sendo numa casa independente, sendo na casa dos pais dele ou dela. Mas engravidar contribui em grande parte para a aproximação dos casais, que totalizam 71,8% residindo juntos durante a gravidez, porcentagem que é apenas um pouco mais baixa depois do parto (70,6%). Então, o mais comum é receber acolhimento do parceiro, e, às vezes, da família dele. Lidos por outra perspectiva, estes dados informam que quase 30% das mães jovens não conseguem ou não querem contar com a co-residência do pai do seu filho, o que exige mais complexos rearranjos domésticos. O argumento deste trabalho é que a pratica de acolhimento patrilateral (senão plenamente patrilocal) se realiza com mais facilidade numa região onde as pessoas se conhecem há mais tempo, e que a chegada de trabalhadores cujas famílias de origem estejam distantes precariza esta prática. Pode não inibir a formação de casais, que serão ou neolocais ou matrilocais, mas contará com apoio menos ampliado do lado paterno, a menos que a intenção seja a de viajar e conhecer lugares distantes, como falou a jovem Carmen na citação na página 8. É importante apontar dois processos identificados em Porto/Maracaípe, Nossa Senhora do Ó, Ponte dos Carvalhos e Gaibu, no decorrer da pesquisa: primeiro, a capacidade das jovens e suas famílias elaborarem estratégias de namoro e de residência próprias para se precaverem contra o enfraquecimento das redes sociais que poderia resultar de uniões com os migrantes cujas famílias mal podem ser acionadas para apoiar os novos casais e seus filhos; e, segundo, a gravidade do impacto da chegada de tantos homens sobre o cotidiano dos locais que exige atenção especial para não resultar num processo de banalização e mercantilização de namoros e de sexualidade e a estigmatização de parte da população que interage mais intensivamente com os trabalhadores migrantes. O primeiro processo é focado com detalhe no trabalho, mas encerra-se com alguns comentários que apontam para a importância do segundo processo e a articulação entre os dois. Examinando algumas estratégias de mobilidade residencial as motivações, emoções e condições são muito variadas, mas a participação ativa da rede do parceiro se torna muito importante nas decisões de e sobre as jovens. A mobilidade residencial é uma peça chave no processo e focalizando a influencia da presença de tantos homens de fora nas práticas de namoro e de reprodução das jovens, algumas das dimensões deste processo podem ser visualizadas. Uma jovem mãe de Ponte dos Carvalhos explica as pressões que recebeu quando engravidou: E depois que eu tivesse a menina juntar, morar numa casa. Só que, se não estava morando quando não tinha Mariana, quando tivesse Mariana ia morar? Não ia, ia não. Aí eu disse; a gente vai. Você tem que procurar uma casa, a gente vai, você vai trabalhar e eu vou procurar o que fazer mesmo grávida, vou pintar unha com mainha por aí, vou trabalhar em alguma loja, mas você vai, a gente vai se juntar. Aí pronto! Aí eu procurei casa, aluguei, pedi a mãe dele o dinheiro aí a mãe dele disse; ele vai ter que trabalhar Carolina!. Aí ele começou a trabalhar, aí pronto foi quando... Porque se eu não tivesse feito isso eu não ia morar com ele nunca, não ia não.... Porque sempre minha mãe dizia: se ficar grávida, você vai embora de casa. Quando eu fiquei grávida, ela pedia que eu fosse embora com ele apulso, que ele não queria ficar comigo, que ele dizia que o filho não era dele, que ele nunca ia ficar comigo, de jeito nenhum. Ai... ai mãe queria que eu fosse morar com ele apulso, brigava comigo (Carolina, jovem mãe, Ponte dos Carvalhos) Outras relatam com tranquilidade a troca de residências que fazem e como afeta a vida familiar: Meu marido vivia muito aí na casa do meu primo, que é aqui atrás. A gente se conheceu e foi namorando. Depois a gente foi morar junto. Fui morar na casa da mãe dele que morava em casa alugada. Fui morar com ele e pronto. Depois quando meu menino nasceu a gente voltou pra cá [a casa da mãe] e no ano passado a gente se casou no civil (Carmen, jovem mãe, Ponte dos Carvalhos). Um dia a gente não tem que sair da casa dela pra casar? Se a gente voltar, se um dia se separar e voltar ela fica triste, e na mesma hora fica alegre por que a gente voltou. Se um dia a gente resolver voltar de novo, ela fica trsite de novo por que perdeu a filha de novo. Eu morava com o marido numa casa atrás da casa dos meus sogros, e agora eu moro na minha casa (Olívia, jovem mãe, Nossa Senhora do Ó). A busca de autonomia, de uma forma ou outra é motivo referido por quase todas, mesmo que nem sempre seja com a tranquilidade e transparência desejada: Ela saiu de dentro da minha casa virgem. Ela não teve o que fazer, ai disse que era mulher sem ser. E eu tinha dito a ela, se você engravidar, ficar mulher, eu boto você pra fora. E ela queria fazer as coisas que eu não consentia. Ai ela achou assim, que se dissesse que era mulher, ia ter a vida liberta. Ai foi o que aconteceu. Ela chegou pra mim e disse que era mulher ... que um rapaz tinha mexido com ela sem ter mexido. Ai depois que ela saiu de dentro de casa, ai foi que o filho de uma amiga que morava ali, mexeu com ela. E eu só sei isso através da mãe dele. E a mãe dele foi quem me disse (Cícera, avô, Ponte dos Carvalhos). Ele morava aqui no Ó. Mas como ele só vinha a passeio. Aí como ele fazia, ele é assim, em cada lugar que ele vai, ele faz feio. Aí ele vai simbora. Aí aqui ele veio só passar um tempo. A minha vó fez ele morar comigo. Com o tempo eu fui morar na casa da mãe dele também, antes de vir pra cá de novo. Lá também ele me maltratava muito. Só não dava mais por causa da mãe dele, que tomava a frente, e o pai dele também (Ofélia, jovem mãe, Nossa Senhora de Ó). Uma das mais complicadas trajetórias de mobilidade residencial ocorre com Glória, que reside em Gaibu, onde a presença de homens trabalhadores migrantes abre leques grandes de opções, fazendo com que ela recorra a diversos usos de redes de apoio de parentesco e de amigas, com significativa participação tanto do lado paterno quanto do materno: Foi meio complicada minha situação, por que eu morava com minha sogra e saí da casa dela. Fui pra casa do meu pai, mas da casa do meu pai eu não aguentei. Voltei pra casa de minha sogra de novo, mas não voltei pro marido. O marido saiu, e eu fiquei, porque eu era de menor. Com o tempo eu fui pro Rio, passar um tempo lá, que eu não queria ficar aqui. Fui trabalhar lá, tentar alguma coisa diferente. Ela ficou com minha filha, e quando eu voltei do Rio eu voltei pra casa dela de novo. Ai eu arrumei um namorado e fui dormir em casa com ele. Sai da casa dela, e ela ficou com minha filha. Depois eu voltei pra casa do meu pai, mas só foi por um tempo por eu não queria voltar pra casa do meu pai, por que assim, eu sou muito protetora. Cuido muito da minha filha. Então teve uma vez que eu briguei com minha madrasta por causa disso, por que ela gritou com minha filha e eu não gostei. Daí, eu saí de lá. Não queria voltar pra lá, mas depois eu voltei, e passei um tempo. Até o mês passado eu tava lá, depois eu vim dividir casa com as meninas (Gloria, jovem mãe). A mobilidade entre casas é estrategicamente articulada com a montagem, por vezes fugaz, de projetos de vida e percepções de apoios. Esta mobilidade independe da chegada de trabalhadores para Suape. Devido ao fato de que o influxo de trabalhadores iniciou e vem se intensificando apenas desde 2007, boa parte destas informações se referem aos tempos anteriores à chegada deles, tanto nas entrevistas, quanto nos questionários. Nem sempre se sabe estimar o quanto os dados possam estar reportando a “novos casamentos” com trabalhadores migrantes, nos quais o conhecimento da família do parceiro e, ainda mais, da sua família, é muito mais limitado. Homens de longe, sem família junto a eles, mal podem ser pressionados a acionar as suas redes familiares para acolher uma menina grávida, e o mesmo desconhecimento gera desconfianças sobre os resultados da simples prática de namorar e de ficar. É interessante notar que Ipojuca (80,542 habitantes) e Cabo (185.123 habitantes), como municípios da Região Metropolitana do Recife com grandes contingentes de moradores urbanos (75% de Ipojuca, 91% do Cabo), têm histórias que fazem com que as suas populações sejam predominantemente femininas, como costuma acontecer nas grandes cidades. Porém, quando se compara com o município do Recife, que tem apenas 46,1% de residentes masculinos, e o estado inteiro, que tem 48,0%, percebem-se os efeitos do influxo recente de migrantes, pois pelos dados do censo de Pernambuco, em 2010, Ipojuca é 49,1% masculina, e Cabo 49,5%. Isto mostra a presença de muito mais homens, mesmo que eles ainda não superem o número de mulheres. Fora das sedes, nos distritos onde se localizam as áreas pesquisadas, a presença de homens é sentida com muita força pelos moradores. Somente uma em cada cinco jovens continua com o seu primeiro namorado. 41,3 % de todas as jovens entrevistadas reportaram que o seu primeiro namoro não alcançou um ano completo, e mais 20,4% não alcançaram dois anos. Os primeiros namorados foram conhecidos na vizinhança, na escola ou como amigos da família, apenas 14% tendo sido conhecidos numa festa ou num bar. 70% são do mesmo município, e apenas 7.6% de outros estados. Sobre os namorados atuais na hora da pesquisa, como se pode esperar, devido à autonomia ganha com a passagem de tempo, o lugar de conhecer os namorados é mais frequentemente um bar ou uma festa (20,9%), mas, de fato, ainda se percebe uma estratégia bastante cautelosa na hora de escolher o parceiro para os namoros atuais por três razões: 1) quase a quarta parte das jovens não estavam namorando, nem em nenhum relacionamento conjugal; 2) aumenta para 73% os namorados que são do mesmo município, e 3) há um aumento pouco significativo, para 10,3%, dos namorados provenientes de fora do estado de Pernambuco. A atração dos que são de fora de Pernambuco, tão alardeada como preocupação, não é tão forte para estas jovens, que parecem sentir mais segurança com moradores do próprio local, ou pelo menos do município. Muitos destes outsiders (Elias; Scotson 1965) nem recebem o aval das jovens como “ficantes”, muito menos como namorados, como ressaltamos mais adiante. As ofertas de trabalho são uma realidade muito prezada por todos. Entre as jovens, 26% dos companheiros ou namorados atuais estão trabalhando em Suape. As informações sobre a procedência destes namorados, apresentadas acima, sugerem que entre o influxo de homens sem parentes e a ampliada oferta de empregos para homens do local, a busca destes namorados se concentra mais fortemente entre o segundo grupo, as pessoas mais conhecidas na comunidade. Algumas mulheres estão com parceiros que não são os pais dos seus primeiros filhos, mas o seu status de conhecido o legitima diante das redes de parentes delas. Detalhando mais, é possível compreender um pouco da complexidade dos rearranjos residenciais das jovens mães. Quase dois terços delas estão residindo com parceiros, e um terço estão em arranjos residenciais que exclui co-residência com parceiros. Entre as que residem com parceiros, o mais comum, por longe, é estabelecer uma residência independente com ele e com o filho (67.4%). Ainda há algumas (10,4%) que vivem junto com o parceiro, mas o seu filho reside em outra casa, permitindo maior autonomia ao casal. Nos outros casos, as mães, parceiros e filhos estão sendo acolhidos na casa dos avós maternos (14,1%) ou, em bem menor grau, os avós paternos (8,1%). Mais uma vez, o acolhimento matrilateral é a mais forte, mas o acolhimento patrilateral não é desprezível. Já entre as que não residem com parceiros, muitas das casas dos avôs oferecem abrigo às suas filhas e aos netos (47%), mas mais que a metade das mães jovens não contam com arranjos coresidenciais com os seus pais. Assim, 26% das jovens mães vivem sozinhas com os seus filhos, e apenas 3% sozinha sem os seus filhos. 24% encontram outras pessoas para residir com elas e os seus filhos. Residência independente não pode ser interpretada como isolamento dos seus pais, pois se notou frequentemente uma convivência muito grande entre avôs e filhas e netos que residiam separadamente. Considerações sobre a chegada dos outsiders A articulação da mobilidade residencial com os namoros e a gravidez na adolescência revela uma população de estabelecidos cautelosos e atentos que aproveitam para preservar e para ampliar as redes de apoio, seja através das atitudes das mães jovens, das avós, das sogras ou de outras pessoas nas redes de parentesco e amizade dos dois parceiros. Homens trabalhadores de lugares distantes constituem uma população nova atraída por projetos de desenvolvimento. Eles estão descolados das suas redes de parentesco nos locais de origem. A interação com a população local se realiza num ambiente de promessa e de desconfiança referente ao emprego, à conjugalidade, aos cuidados com os filhos e ao possível abandono. Neste sentido, as famílias das áreas pesquisadas se preocupam muito com o que estes outsiders representam. Estas famílias são tão, ou mesmo mais, atentas que a equipe de jornalistas que alardeou contra Os Filhos de Suape; que os políticos, administradores, feministas e cidadãos que trouxeram o assunto para uma Audiência Pública; e das empresas que procuram cumprir a legislação organizando e contratando instituições especializadas para desenvolver ações sociais relacionadas com os impactos das suas atividades sobre as relações de gênero nas populações impactadas. A satisfação com a oferta de empregos (pelos menos para os homens) e com os investimentos em estradas e melhoramentos físicos é evidente, mas isto não esconde a desconfiança sobre os novos moradores. Vale ouvir as jovens mães e as avós mais uma vez: Não é confiável uma pessoa que você nunca viu ir passar um final de semana na sua casa? Só você, a sua colega e o namorado somente? Não sabe o que é que pode aprontar lá! Aqui eu vejo muitos trabalhadores de Suape, traz mulher de fora, e também fica com as daqui também. Inclusive eu tenho um vizinho da frente que é dois rapaz que trabalha em Suape e tem quatro mulheres ai, parece que duas é daqui e duas ele trouxe lá de fora. Ai fica uma coisa muito absurda ne em relação a isso? Porque é quatro mulheres pra dois homens, ai ne não? ... Inclusive alguns tem mulheres casadas lá ai vem pra aqui trabalhar e arruma outra mulher aqui, e a mulher fica lá onde ele deixou. (Carmen, jovem mãe, Ponte dos Carvalhos) Os baianos são muito violentos, muito brabos. Pelo que eu ouvi, [os] trabalhadores lá de Suape, são baiano, é muito brabo, muito metido a arroxado, metido a brigão, não são desordeiros de matar, pegar dinheiro, nem por causa de droga, mas são muito brabo, muito metido a arroxado, ai morre. O pessoal se revolta, ai faz aquelas coisas horríveis que fizeram com eles, mataram todos os dois. (Carina, avô, Ponte dos Carvalhos) Gaibú tem casas mais caras, não tem moradia pra ninguém por que os homens de fora alugaram tudo, então tudo agora sai mais caro pra agente, eu não vejo mais beneficio de nada, por que agente agora não pode sair pra se divertir por que tem vários homens da rua que eles não respeitam você, por isso que eu fico aqui, nem saio. (Glória, jovem mãe, Gaibu) Eu vejo menininhas que não tem nem 14 anos, fica doida pelos homens, porque elas botam na cabeça que é de firma. O que é que tem que “é de firma”? Ganha um salário normal, tem mulher em casa, tem filho, não é dono de empresa, não é nada. Muitas vão ficar com esses homens por causa de dinheiro, so que eles não são donos de firma porque são assalariados. É uma ilusão. Muitas “não... eu vou casar com ele”, não sei o que, os homens fala que vai viajar, fala que vai viajar e fica logo la, deixa elas. Eu não me iludo com isso não. Conheci sim, o pai deles de firma, não foi procurando homem de firma, ele trabalhava aqui na Firma 1, não foi procurando homem de firma. Conheci porque tinha que acontecer, tanto é que tenho dois filhos dele. Não foi uma coisa passageira, uma coisa que foi só pra ficar por ser de firma e hoje ele manda o dinheiro dos filhos, tudinho. Não é um irresponsável, mas eu sair de casa pra procurar homem de firma, que vem com doença, que pega doença por ai e sai botando nas mulheres e tudo! Tem uma colega minha que ta com AIDS que pegou de um rapaz de firma, de um baiano. Que se iludem, que é bonitinho, porque não sei o que, porque é não sei o que, pensa que mostra no rosto o que a pessoa tem ou não (Gilvanice, jovem mãe, Gaibu). Ao se envolverem afetivamente com estes homens, as mais jovens entre a população atingida intensificam a sua vulnerabilidade, podendo engravidar, o que exige o acionamento de estratégias residenciais de responsabilização parental masculina e inserção em redes de apoio amplas. Ressalte-se que 35% das jovens mães não estão vivendo com parceiros, uma prática que faz parte da história dos arranjos residenciais nos quatro locais, mas que poderia sofrer uma intensificação na medida em que os outsiders se estabelecem, seja tornando-se mais conhecidos, seja dedicando-se a recreação e farras nas horas que estão fora do trabalho. Em anos recentes, campanhas contra a exploração sexual e a prostituição infantil reduziram significativamente os pontos mais ostensivos do mercado de sexo em todos os locais. Não se pode esquecer que é na proteção da infância contra exploração sexual que o governo e as empresas legitimam as suas intervenções na região impactada, e essas ações recebem o respaldo das instituições jurídicas e de assistência social, agindo como mediadores entre as populações locais, o Estado e as firmas. Mais recentemente, o crescimento de bares e casas de festa para onde convergem muitos dos trabalhadores migrantes divide a população, algumas jovens sendo atraídas ao movimento, e muitas outras se acanhando e preferindo limitar os seus espaços de sociabilidade ao comércio local, casas de conhecidos, locais de trabalho e comércio e igrejas, que estão em plena expansão. Percebe-se um envolvimento de igrejas evangélicas moralizadoras em candidaturas bem sucedidas para os conselhos tutelares que atuam na área. O desafio que se apresenta é que a pressão para medidas governamentais e institucionais para ações sociais para reduzirem impactos negativos do influxo de migrantes atraídos pelo projeto de desenvolvimento saiba dirigir as atividades com sensibilidade à existência da complexidade dos padrões de mobilidade residencial associados a namoros, sexualidade e parentalidade juvenis elaboradas pela população. Não se pode fechar os olhos à inconveniência da presença de muitos trabalhadores de fora e da exacerbação das complicações para a elaboração de estratégias próprias para lidar com a vida sexual e reprodutiva das jovens, mas é preciso valorizar as estratégias de ampliação de redes de apoio às jovens, aos seus parceiros e aos seus filhos. Referências citadas ARANGO, Joaquín. Las migraciones internacionales en un mundo globalizado,” VANGUARDIA Dossier (22) “Imigrantes: el continente móvil” enero/marzo. 2007, PP. 6-15. BAUMAN, Zygmunt; MEDEIROS, Carlos Alberto. 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