Monografia completa - Calem
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Monografia completa - Calem
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ Centro Acadêmico de Línguas Estrangeiras Modernas Curso de Especialização em Línguas Estrangeiras Modernas Tânia Izabel Dudeque Andriguetto A CRIATIVIDADE NA COMPOSIÇÃO DA LINGUAGEM POLICIAL: SUAS GÍRIAS E JARGÕES CURITIBA 2006 TÂNIA IZABEL DUDEQUE ANDRIGUETTO A CRIATIVIDADE NA COMPOSIÇÃO DA LINGUAGEM POLICIAL: SUAS GÍRIAS E JARGÕES Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas da UTFPR. Orientador: Professora Mestre Márcia dos Santos Lopes CURITIBA 2006 Agradeço: A Deus, primeiramente, pela oportunidade da vida e da saúde. Ao Paulo, Leonardo e Fernando, pela compreensão nos momentos de ausência, pela tolerância nos momentos de ansiedade e pelo apoio nos momentos de decisão. Ao Marcelo, pelo apoio técnico nas horas de aflição. Aos policiais que gentilmente forneceram os dados, primordiais para este trabalho. Aos professores do CELEM, que tento me ensinaram. À minha orientadora professora Márcia dos Santos Lopes, pela dedicação e paciência ao me orientar. ii “Mas, fundamentalmente, aprende-se o francês por causa de Napoleão, de Victor Hugo, de Claudel, evidentemente por causa de Paris, mas sobretudo para aborrecer os americanos.” Phillippe Rossillon. iii SUMÁRIO LISTA DE ANEXOS.................................................................................................... v RESUMO.................................................................................................................... vi RÉS UMÉ .................................................................................................................. vii 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1 2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 4 2.1 LINGUAGEM ........................................................................................................4 2.2 LINGUAGENS ESPECIAIS ..................................................................................7 2.3 GÍRIAS .................................................................................................................8 2.4 JARGÃO .............................................................................................................11 2.5 CALÃO ...............................................................................................................14 2.6 UMA NOÇÃO DE METÁFORA ..........................................................................16 3 METODOLOGIA ...................................................................................................19 3.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................19 3.2 DELINEAMENTO E DELIMITAÇÃO DA PESQUISA .........................................20 4 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 22 4.1 FORMAÇÃO DO CORPUS ................................................................................22 4.1.1 Delegacia Anti-Tóxicos – DATOX ...................................................................22 4.1.2 Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos – DFRV ......................................25 4.1.3 Delegacia da Criança e do Adolescente – DA ................................................32 4.1.4 Delegacia da Mulher – DM ..............................................................................35 4.1.5 11º Distrito Policial – 11º DP ...........................................................................37 4.2 RESULTADOS E DISCUSSÕES .......................................................................42 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................45 REFERÊNCIAS .........................................................................................................47 ANEXOS ...................................................................................................................49 iv LISTA DE ANEXOS ANEXO 1 – GLOSSÁRIO DAS GÍRIAS UTILIZADAS PELOS POLICIAIS NAS DELEGACIAS CONSULTADAS ......................................................... 49 ANEXO 2 – DECRETO Nº 4.884 DE 24/04/78 – REGULAMENTO E ESTRUTURA DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL – DA DELEGACIA ANTITÓXICOS ..................................................................................... 53 ANEXO 3 – DECRETO Nº 4.884 DE 24/04/78 – REGULAMENTO E ESTRUTURA DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL – DA DELEGACIA DE FURTOS E ROUBOS DE VEÍCULOS .................................................. 55 ANEXO 4 – DECRETO Nº 4.884 DE 24/04/78 – REGULAMENTO E ESTRUTURA DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL – DA DELEGACIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................................................ 56 ANEXO 5 – DECRETO Nº 4.884 DE 24/04/78 – REGULAMENTO E ESTRUTURA DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL – DA DELEGACIA DA MULHER.................................................................................................58 ANEXO 6 – DECRETO Nº 4.884 DE 24/04/78 – REGULAMENTO E ESTRUTURA DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL – DAS DELEGACIAS DISTRITAIS DA CAPITAL (11º DISTRITO POLICIAL)......................... 61 v ***Agradecimentos*** v v RESUMO Este trabalho trata da criatividade na composição da linguagem policial, com suas gírias e jargões. A pesquisa abordou o uso de gírias por policiais civis em cinco delegacias de polícia de Curitiba. Essas gírias foram obtidas através de coleta realizada a partir de pedido verbal em cada delegacia. Por se tratar de uma linguagem especial, o trabalho está essencialmente baseado em teorias lingüísticas que abordam a importância do meio físico e social na formação de uma linguagem própria. Toda a terminologia utilizada pelos policiais vem da necessidade de compreensão nos depoimentos dados pelos criminosos. Trata-se, portanto, de um repertório compartilhado, que gera um entendimento fácil e rápido, reconhecido, mas nem sempre compreendido pelos demais indivíduos da sociedade, e que caracteriza um grupo específico, numa comunidade específica. O estudo, baseado no método descritivo, parte de uma análise teórica e genérica sobre a linguagem, passando por linguagens especiais, metáforas, gírias, jargões e calão. Finalmente, com a apresentação das gírias coletadas e relacionando-as com as delegacias de origem, os resultados mostram que existe relação entre os termos utilizados pelos policiais e as especificações funcionais de cada delegacia consultada. De uma maneira geral, esta monografia procura enriquecer o entendimento da evolução do idioma que, sucessivamente, recebeu influências e contribuições advindas dos mais variados meios e das mais variadas situações. Palavras-chave: linguagem, jargões, gírias policiais. vi RÉSUMÉ Ce travail traite de la criativité dans la composition du langage policier, avec ses argots et ses jargons. La recherche a abordé l’usage des argots par les agents de police dans cinq commissariats de police à Curitiba. Ces argots ont été obtenus auprès d’une enquête réalisée à partir d’une demande verbale chez chaque commissariat de police. En s’agissant d’un langage spécial, le travail est essentiellement basé sur des théories linguistiques qui abordent l’importance du moyen physique et social pour la formation d’un langage propre. Toute la terminologie employée par les agents de police est née de la nécessité de comprehénsion des dépositions faites par les criminels. Il s’agit, alors, d’un répertoire partagé, qui engendre un entendement facile et rapide, reconnu, mais pas toujours compris par les autres individus de la société, et qui caractérise un groupe spécifique, dans une communauté spécifique. L’étude, basé sur la méthode descriptive, part d’une analyse théorique et générique à propos du langage, en passant par les langages spéciaux, les métaphores, les argots, les jargons et le “calon”. Finalement, avec la préséntation des argots obtenus et en les rapportant aux commissariats d’origine, les résultats prouvent qu’il existe un rapport entre les termes employés par les agents de police et les spécificités fonctionnelles de chaque commissariat de police consulté. D’une façon générale, cette monographie cherche d’enrichir la comprehénsion de l’évolution de l’idiome qui a successivement reçu des influences et des contributions advenues des moyens et des situations les plus variés. Mots-clés: langage, jargons, argots policiers. vii 1 INTRODUÇÃO ROUSSEAU, citado por NICOLA (2005, p.315) afirma que as necessidades ditaram os primeiros gestos e as paixões arrancaram as primeiras palavras e que, portanto, as línguas tiveram origem nas necessidades morais, nas paixões. Diz Rousseau: “As paixões aproximam os homens. Não a fome nem a sede, mas o amor, o ódio, a piedade, a cólera arrancam as primeiras palavras”. Para RECTOR (1975, p.42), “o ser humano, através da expressão oral da palavra, manifesta todas as suas idéias, seus desejos e suas inquietações. Desde sua infância, adquire um tesouro inestimável que é a linguagem”. Portanto, através da linguagem o ser humano determina sua participação como ser social, desenvolvendo sua relação com os outros indivíduos e consigo próprio. O fator de distinção da linguagem humana com as demais é a língua. Numa mesma comunidade, que se apresenta num determinado contexto social, a língua possui elementos identificadores desse contexto social e da forma de que dispõe para se comunicar. REMENCHE (2003, p.7) afirma que as relações entre a sociedade e a língua são interdependentes, pois alguns fatores comuns aos falantes, dentre os quais suas condições sócio-culturais, denotam como esses falantes “articulam linguisticamente sua realidade”. Sendo assim, pode-se ainda tomar como fator formador de determinado grupo lingüístico, as profissões. Cada uma possui um conjunto de palavras mais ou menos importantes que constituem a terminologia da atividade em questão. É assim que militares ou marinheiros, engenheiros ou médicos, advogados ou policiais e, mais recentemente os usuários de redes de computadores, utilizam entre si um vocabulário especial, muitas vezes ininteligível pelos que não pertencem aos referidos grupos. Trabalhando há vários anos em instituição ligada à atividade policial civil em Curitiba, sempre observamos a criatividade dos policiais na formação e uso de uma linguagem própria, rica e bastante intrigante, por vezes inédita por vezes, óbvia. Essa linguagem é caracterizada por termos emprestados da língua nacional corrente e que, de tão usados, são freqüentemente reconhecidos pelo restante dos falantes como próprios de uma comunidade específica, no presente caso, a dos policiais. 2 Essa comunidade torna -se detentora de um caráter lingüístico metafórico nem sempre evidente aos indivíduos não pertencentes a tal comunidade. Vale ressaltar que todo esse processo lingüístico/metafórico existente na linguagem policial vem de um repertório compartilhado entre os policiais e os criminosos. Muito embora façam parte de contextos sociais distintos, os policiais e os criminosos fazem parte de um mesmo contexto lingüístico, destinado a efetivar a comunicação que hora ou outra terão que promover. Tal fato, a princípio, se explica por uma exigência da lei: os depoimento s tomados numa delegacia devem ser transcritos exatamente na forma falada, passando então o policial a conhecer e a fazer uso dos mesmos termos. Depreende-se daí a forte similaridade da gíria policial com a gíria dos criminosos. REMENCHE (2003, p.8) afirma que “a linguagem criada nas penitenciárias é dinâmica, pitoresca e metafórica em sua essência, trazendo muitas vezes à tona o comportamento social dos indivíduos que compõem esse ambiente”. Tal afirmação expressa o que ocorre nas delegacias, pois, por meio da linguagem utilizada, o policial se sente mais próximo do criminoso, aquele a quem deseja ver atrás das grades da cadeia. Também expressa seus sentimentos de autoridade constituída perante a sociedade em geral, ávida de proteção e segurança. Neste texto monográfico, a ser apresentado como requisito parcial para obtenção do certificado de especialista em ensino de língua estrangeira moderna , objetiva -se de maneira geral, o estudo lexical e semântico dos termos (vocábulos, gírias) mais usados pelos policiais civis em cinco delegacias de polícia de Curitiba. São propostos ainda, visando atender ao objetivo geral, os seguintes objetivos específicos: 1. Definir linguagem especial, metáfora, gíria, jargão e calão. 2. Fornecer o significado das palavras (gírias) usadas nas delegacias. 3. Apresentar as acepções vocabulares com as possíveis diferenças e semelhanças entre elas. 4. Estabelecer se existe relação das gírias com a área de atuação de cada delegacia. 5. Elaborar um glossário de gírias faladas entre os componentes das referidas delegacias. 3 A linguagem, como fenômeno social, revela através de seu estudo, as relações entre língua, cultura e sociedade. De acordo com REMENCHE (2003, p.12), conhecer tais relações é “um meio de observar os aspectos valorizados por determinado grupo e mesmo as condições de vida impostas pelo meio físico” e, no presente caso, também pelo meio profissional. Portanto, estudar as gírias utilizadas nas delegacias, é uma maneira de se visualizar a sua realidade, bem como entender melhor o processo de criação e uso de vocábulos em grupos sócio-profissionais específicos. Num primeiro momento, referente à fundamentação teórica, este trabalho abordará a linguagem de forma genérica, com suas definições e funções. Inclui-se nesse estudo, a definição de linguagens especiais, de metáfora como precursora natural das gírias, e ainda a definição de gíria, jargão e calão, objetivando salientar os limites semânticos entre eles. Em seguida, no terceiro capítulo, será apresentada a metodologia, enfocando a pesquisa assistemática, realizada junto às delegacias e que deu origem ao corpus propriamente dito, objeto do capítulo quatro. Nesse capítulo, além da apresentação dos vocábulos (gírias) obtidos, de seus significados e de uma breve análise, se pretende avaliar até que ponto esses vocábulos têm relação com a área de atuação de cada uma das delegacias consultadas, sempre lembrando que das cinco, quatro são especializadas, ou seja, possuem definição funcional e atuação delimitadas em estatuto próprio. Finalmente, o capítulo cinco será dedicado às considerações finais. O anexo da presente monografia será constituído pelo glossário das gírias coletadas e pelo Decreto nº 4884/78 que trata do Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil, onde também serão apresentados os artigos do Código Penal Brasileiro e da Lei das Contravenções Penais, objetos de investigação de cada uma das delegacias pesquisadas. 4 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Linguagem Desde Aristóteles, se costuma dizer que o homem é um animal social. Para BALLY (1977, p.28), “a linguagem é o produto deste instinto de sociabilidade”. Sendo assim, o homem se distingue de outros seres vivos, pois é o único ser falante e, como tal, detentor de conhecimento teórico e prático. COSERIU (1982, p.17) afirma que “a linguagem se apresenta concretamente como uma atividade humana específica e facilmente reconhecível, a saber, como ‘falar’ ou ‘discurso’”. Mais do que um fenômeno social, mas também uma atividade social e sistemática, a linguagem envolve, no mínimo, dois indivíduos, o falante e o ouvinte. Entre esses se estabelece uma comunicação cujos signos e significados, conhecidos e aceitos, existem para que algo se torne comum. Eis a essência da linguagem verbal e que a diferencia de outras formas de expressão. A li nguagem, formada por conteúdo e expressão, se concretiza historicamente através de uma técnica determinada, a língua, que pode, por sua vez, indicar também uma comunidade determinada. Afirmam BURKE E PORTER (1993, p.27) que “a língua poderia moldar a identidade coletiva”. Assim, realidades diferentes vividas por grupos sociais diferentes originarão formas diversas de manifestações lingüísticas. Mesmo que aos falantes pareça haver certa liberdade na maneira de se expressar, quando dizem o que querem e, aparentemente, como querem, essa liberdade é limitada por ser a língua um fenômeno social, formada por um conjunto de convenções complexas. São, portanto, segundo REMENCHE (2003, p.14), dois paradoxos da comunicação, ou seja, a coerção do sistema lingüístico e a relativa liberdade que o falante detém para usar os elementos que constituem a língua. No entanto, para COSERIU (1982, p.29), a linguagem é “fundamento e manifestação primária do social e é uma obrigação livremente assumida”. Em todo ato verbal, língua e fala são momentos simultâneos e inseparáveis da linguagem, onde a fala, como realidade concreta, é a realização da língua e a língua, como realidade abstrata, é a generalização e sistematização do ato de falar. Qualquer falante, membro de uma comunidade, possui armazenado no cérebro o 5 seu acervo lingüístico pessoal que constitui parte do acervo lingüístico do seu grupo. O que garante a dinâmica e a continuidade do sistema lingüístico da comunidade é o fato de que, mesmo sendo inédito, o ato lingüístico se baseia num anterior vindo dessa mesma comunidade, e servirá de modelo para outros atos lingüísticos posteriores. Isso não impede que uma criação lingüística inédita desapareça como apareceu, e nunca se torne língua ou volte a se repetir. Para BOUTON (1977, p.17), a primeira característica de uma língua humana consiste no fato de que , através dela , pode-se formular idéias já enumeradas e também traduzir em sinais compreensíveis uma idéia nova. Nesse processo criativo da linguagem, existem normas que o regulam e o orientam. De início tem-se uma norma geral, da sociedade como um todo. Porém, falantes de uma mesma comunidade escolhem comportamentos lingüísticos como ideais visando se comunicar e transmitir informações necessárias à vida em comum. Esses são hábitos lingüísticos que, de acordo com PRETI (1984, p.1), “se convenciona chamar de uso”. Adotando determinado uso lingüístico os falantes se submetem a normas que lhes permitam articular, de forma quase idêntica, os mesmos pensamentos e idéias, levando-os também a se exprimir de forma única. As realizações presentes na fala familiar, popular ou na linguagem coloquial, embora contrariem a norma padrão, obedecem a normas específicas diretamente ligadas à classe social e cultural do indivíduo, assim como à situação geográfica. Atualmente, devido à abrangência dos meios de comunicação de massa, observa-se um processo de unificação da linguagem, através do qual cada vez mais se aprende a dizer as coisas de maneira igual. Não raro, se constata que a norma urbana das grandes cidades encontra-se inserida nos meios rurais e que existe uma tendência de que os regionalismos se tornem cada vez mais escassos (PRETI, 1984, p.2). No entanto, mesmo dentro de uma mesma comunidade, os falantes diferenciam-se por suas idiossincrasias nas formas de se expressar. São os idioletos, ou características pessoais da fala, a forma de fala própria de um indivíduo (RECTOR, 1975, p.33). Essas diferenças ocorrem cotidianamente, sendo que a sociolingüística aponta diversos níveis de variação, que vão do individual ao coletivo podendo ser internas, nos aspectos semântico, sintático, morfológico, fonético e lexical. No âmbito do léxico, os valores semânticos ditos normais são decorrentes de 6 sua freqüência. Em contrapartida, os neologismos, sejam de forma ou de significado, quando passam a fazer parte do uso lingüístico anteriormente referido, podem causar impacto por se tratar de novidade. À proporção que eles vão se tornando habituais, são incorporados ao conjunto de vocábulos da língua (REMENCHE, 2003, p.15). Os fenômenos lingüísticos estão também relacionados a fatores como contexto, situação, tema do discurso e até mesmo os interlocutores. O que se observa é que a cultura e a tradição social determinam padrões lingüísticos aceitos pela sociedade, assim como o meio, através da atividade/profissão e do pensamento, propicia o aparecimento de novas expressões. O resultado se reflete nas linguagens especiais e nos diversos tipos de norma (culta, vulgar, coloquial, comum e outras). Basicamente, a norma vulgar se caracteriza por ser utilizada por falantes dotados de pouca instrução e por ser composta por variados vocábulos gírios, assim denominados por PRETI (1984, p.3), que se encontram em desacordo com a norma culta da língua. No entanto, deve-se levar sempre em conta a amplitude do idioleto do falante, presente nas necessidades de comunicação e expressão de cada um. Para complementar este primeiro enfoque a respeito da linguagem, constata-se em COSERIU (1982, p.61), três aspectos essenciais da linguagem, a saber: linguagem representativa, enunciativa ou informativa, cuja finalidade é a de informar sobre algo exterior ao falante ou ao ouvinte; linguagem expressiva, afetiva ou emotiva, cuja finalidade é a de expressar um estado psíquico ou emocional do falante e, ainda, a linguagem apelativa ou volitiva, cuja finalidade é a de obter determinada conduta do ouvinte. Cada um desses aspectos, por serem complementares, não são conflitantes entre si. A seguir, considerando a riqueza e a dinâmica dos atos lingüísticos, serão apresentadas abordagens sobre as linguagens especiais, destacando-se gíria, jargão e calão, para, finalmente, numa forma de reconhecimento, chegar à metáfora, origem de todas as outras. 7 2.2 Linguagens Especiais Tendo sido apresentada uma breve análise genérica sobre a linguagem, pode-se começar a restringir e a delimitar tema tão abrangente. Sendo assim, o primeiro passo será abordar alguns pontos sobre as linguagens especiais. Não é difícil haver alguma confusão entre linguagens especiais e estilo. O estilo, como afirma MELO (1971, p.132), é do homem. Observando-se a maneira de um indivíduo falar, pode-se identificar o seu estilo. Mas pode-se também relacioná-lo com determinados grupos, pois sua pronúncia, escolha vocabular, sua preferência por determinadas construções frasais, são fatores que podem identificar o país ou região de origem do falante, o grupo social ao qual pertence, além da situação em que se encontra. São fatores que podem definir grupos distintos com linguagens também distintas. MELO (1971, p.140) destaca que a diferença no meio físico, no meio social, na história determina a diversidade de imagens, de comparações, de símbolos usados para que os indivíduos se expressem. Para PRETI (1984, p.2), em decorrênc ia do comportamento social de determinados grupos que se isolam, ocorre um comportamento lingüístico em que esses grupos adotam uma linguagem especial em oposição ao uso comum. Nessas linguagens especiais, além da originalidade, os termos adotados adqui rem um caráter criptológico, fazendo com que, muitas vezes, apenas os indivíduos do grupo se entendam. Conseqüentemente, tais linguagens refletem-se na auto-afirmação, na realização pessoal e como marca original dos falantes, à qual PRETI (1984, p.3) denomina signo de grupo. É o caso das gírias e jargões dos hippies, dos estudantes, dos policiais, dos criminosos, dos vendedores ambulantes, e mais recentemente, dos usuários e participantes de salas de conversas virtuais em redes de computadores, só para citar alguns exemplos de linguagens especiais decorrentes dessa dinâmica social e lingüística. PRETI (1984, p.3) alerta que num primeiro momento, a comunidade pode reagir com crítica e condenação ao uso das linguagens especiais, pois elas fogem dos padrões li ngüísticos e podem ser vistas como manifestação de repúdio e agressão ao convencional. Porém, a reação pode também ser de curiosidade, pois os signos de grupo podem refletir hábitos, atitudes ou atividades pouco comuns. 8 De acordo com CABELLO (apud REMENCHE, 2003, p.17), a partir da década de 70 verificou-se uma desmistificação do uso dessas linguagens. Em função da expansão dos meios de comunicação de massa, especialmente o rádio e a televisão, quando a gíria, o jargão e a linguagem erótica passaram a faze r parte da linguagem “descontraída e despreocupada” das pessoas ou “como forma de identificação grupal”. São transformações morais e sociais, às quais a sociedade é submetida, e que implicam em transformações de atitude do falante, diretamente relacionadas à ideologia moral de sua época e às características de sua comunidade. Essas linguagens especiais não têm um caráter apenas histórico, mas são produto de relações sociais. Limitadas essencialmente ao domínio lexical, são utilizadas para caracterizar a expressão de modos peculiares de pensar e agir ou para designar grupos restritos como detentos, toxicômanos, homossexuais. Podem também designar atividades técnico-científicas e atividades profissionais. Em todos esses casos, a linguagem não é constituída por um código novo e nem por termos totalmente originais. Quase sempre são empregados termos cujos significados são alterados, por criação e processo metafóricos, de onde surge um vocabulário que PRETI (1984, p.6) denomina de parasita. Inicialmente, o estud o das linguagens especiais deve observar o que é de uso individual, que conforme citado anteriormente, é de domínio estilístico e o que é de uso coletivo, fenômeno de domínio lingüístico. Em seguida, REMENCHE (2003, p.19) observa que se deve procurar identificar os limites existentes entre a gíria, o jargão e o calão, tendo em vista que têm em comum se tratar de alterações lingüísticas, dentro da história social, como formas de expressão relacionadas a sentimentos contraditórios de conflito e de solidariedade e a desejos paradoxais de continuidade e mudanças. 2.3 Gírias Dentre as já referidas linguagens especiais, a gíria parece ser a que melhor define a influência das variações sócio-culturais na maneira de se expressar de um povo. Ou, pelo menos, é a mais popularizada quando se trata de se referir a uma maneira própria de expressão, na qual se encontram intrínsecos sentimentos os 9 mais variados como pedantismo ou agressividade ou, tão somente, para que os falantes se diferenciem do restante da população. Considerando-se que, de acordo com COSERIU (1982,p.26), a linguagem, antes de ser emprego é criação de significados, a gíria, como tal, cumpre com eficiência seu papel. De fato, uma das características da gíria é que nela criam-se novas palavras e, às já existentes, atribui-se semântica especial, o que a torna irreverente, sutil e por vezes obscena. Na dinâmica da gíria, o léxico aparece como fundamental por ser o elemento mais vulnerável e mais móvel da língua. E, segundo BORBA (1971, p.58), esse vocabulário é resultado de: a) especializações de vocábulos da língua corrente; b) uso de metáforas, que dão vida e respeitabilidade às expressões, e metonímias; c) uso de estrangeirismos; d) uso de arcaísmo; e) deformação do aspecto exterior das palavras; f) uso de onomatopéias. A gíria é, portanto, uma linguagem que emprega palavras ou frases não convencionais para expressar coisa nova ou velha, através de uma nova forma de expressão. Para SERRA E GURGEL (1990, p.30), por estar associada à época e ao módulo de situação, a gíria é o mais importante componente do modismo lingüístico. Para os autores cada época tem a sua gíria e, por isso, está relacionada com a moda. Em RECTOR (1975, p.44) encontra-se um breve histórico etimológico da palavra gíria. Segundo a autora, o termo jerga ou jeringonza aparece pela primeira vez em 1734 e significa língua especial, de difícil compreensão, usada em algumas profissões ou ofícios. O termo origina-se do francês antigo jargon ou gergon, cujo significado é o gorjeio dos pássaros e, por isso, fala incompreensível. Por volta do início do século XVI, já havia outros sinônimos para essa linguagem especial. No espanhol germania, cujo significado em português é gíria antiga, era a gíria do submundo. O termo pode ainda estar relacionado à forma latina germanus, que significa irmão, de onde se constata a estreita ligação da gíria como linguagem de uma irmandade, grupo ou confraria que a utiliza como elemento de provocação, defesa ou afirmação. Por vezes, afirmam BURKE E PORTER (1997, p.9), era também empregado o termo gringo. Os autores destacam ainda o termo espanhol caló, em português calão, ou linguagem dos ciganos, também referida à linguagem do submundo, uma vez que os ciganos eram tidos como ladrões e vice-versa. 10 No inglês as gírias eram distinguidas por dois termos. O slang como gíria geral, a língua de conhecimento geral da coletividade. Porém, o mais comum era o cant, inicialmente referido à linguagem confidencial dos vigaristas, depois estendido a alguns grupos de filósofos e de religiosos. Em resumo, o cant descrevia um mundo criminoso isolado da sociedade respeitável. BURKE E PORTER (1997, p.116) relatam que as pessoas que usavam o cant freqüentavam cervejarias e bordéis, seu vocabulário se referia ao álcool e ao tabaco, sendo os substantivos referentes a tipos de criminosos, jogos desonestos, ferramentas e métodos de roubos, tipos de violência e de vítimas, os principais componentes do cant. Com o tempo essa gíria teve seu uso estendido ao sistema penal, às prisões e à polícia. Na França o argot antigo foi linguagem particular de criminosos. Segundo CABELLO (apud REMENCHE, 2003, p.21), seu registro data entre os séculos XIV e XV quando associações de mendigos, ladrões e vagabundos infestavam Paris. Já o argot moderno não se encontra vinculado a esse tipo de comunidade. Equivale preferencialmente a grupos marginais restritos e não aos marginais propriamente ditos. No Brasil a palavra mais abrangente é gíria. Seu conceito está relacionado ao conjunto de expressões de tipo popular, comuns na linguagem corrente e despretensiosa e, de maneira geral, sua freqüência é maior nas esferas menos cultas da população. Porém, a gíria pode designar também a linguagem de certos meios especiais como escolas, prisões e outros. Nesse caso, o termo calão é definido como sendo “uma gíria com caráter mais reservado, mais secreto; ao passo que a gíria propriamente dita não passa de uma forma exagerada da linguagem familiar” (LAPA, 1979, p.68). Face ao que foi exposto, observa-se que germania, cant, slang, argot e gíria percorreram caminhos diferentes embora possuam a mesma natureza e surgiram através de grupos marginais. Se a princípio a gíria assume características de vocabulário especial e secreto, exclusivo a determinadas comunidades sociais ou profissionais, como no presente trabalho, a dos policiais, sua vulgarização confunde os conceitos de vocabulário gírio e vocabulário popular (PRETI, 1984, p.3). Certos termos que antes serviam de elemento identificador e meio ideal de comunicação ou para diferenciar seu falante na sociedade, já ultrapassaram os limites de linguagem de minorias, 11 para se incorporar ao idioma. Ascendendo na escala sócio-cultural, integram-se no uso diário da comunidade, chegando mesmo a contextos literários. Tais transformações podem ser explicadas pela interação entre a língua oral e a escrita, proporcionada pelos textos de jornais, com a veiculação de fatos policiais, por exemplo, e pela grande influência do rádio e da televisão, onde se observa o uso corrente de alguns vocábulos pertencentes a algum tipo de gíria. A gíria é um elemento de defesa na medida em que é apenas compreendida pelos integrantes do grupo que dela fazem uso. Mas é também um elemento de agressividade, com o qual os falantes demonstram seu desprezo pelo restante da comunidade. PRETI (1984, p.6,7) salienta ainda que os jovens, para manter o signo de grupo, resistem em manter sua gíria mesmo num diálogo com pessoas de linguagem mais formal. Já para os habitantes das grandes cidades, a gíria está relacionada à pressa que as pessoas têm em se comunicar. Mais do que tentar impedir esse fenômeno lingüístico, pertencente à dinâmica da língua e que a mantém viva, deve -se orientar os indivíduos sobre a adequação do uso de gírias em situações pertinentes. Para tanto, vale observar em SERRA E GURGEL (1998, p.26): ... que a gíria tanto pode contribuir para o enriquecimento da língua, com suas dialetações, derivações, deformações, especializações, metaplasmos, metáforas, metonímias, estrangeirismos, africanismos, brasileirismos, indigenismos, caipirismos, regionalismos, arcaísmos e onomatopaísmos, além de outras variações morfológicas e fonemáticas, como pode contribuir para o empobrecimento dessa mesma língua principalmente pelo estreitamento do equipamento falado, portanto ágrafo, do grupo social. De qualquer maneira, é sempre importante lembrar que a gíria é, acima de tudo, elemento histórico e que, além da dinâmica da língua, detém um caráter agregativo dentro dos mais variados contextos sócio-cultur ais. 2.4 Jargão Nem sempre é fácil perceber a diferença entre os conceitos de gíria e de jargão. Numa primeira tentativa de se estabelecer os limites semânticos entre ambos, pode-se, de maneira bastante simplificada e sintética, afirmar que o ponto fundamental de diferenciação consiste no fato de que jargão é, em primeira análise, terminologia utilizada em linguagens ligadas às atividades profissionais. Levando-se 12 em conta o que foi referido sobre as gírias, no tópico anterior, verifica-se que para a análise da linguagem policial, é bastante pertinente a abordagem sobre gírias e jargões, pois nessa linguagem tanto são utilizadas gírias (como linguagem de grupos restritos), quanto jargões (como linguagem de uma categoria profissional). Antes de se fazer uma síntese histórica do vocábulo jargão e, para que melhor se compreenda o seu significado, vale ressaltar os sinônimos apresentados no dicionário, por FERREIRA (1986, p.984): “Do fr. jargon – 1. linguagem corrompida; 2. língua estrangeira que não se compreende; 3. gíria profissional.” No entanto, para BURKE E PORTER (1997, p.7), a tentativa de se estabelecer uma definição isolada e particular não seria satisfatória do ponto de vista lingüístico, pois o jargão depende de quem fala e de quem ouve. Esses autores afirmam que a história da linguagem apresenta muitos exemplos de palavras que já foram consideradas jargão e passaram a fazer parte do idioma. BURKE E PORTER (1997, p.8) explicam, ainda, como o conceito sofreu alterações desde a Idade Média. No início a palavra descrevia o gorjeio das aves e também um gargarejo. Jargon em francês e gargle em inglês, saem da mesma raiz. Ao se espalhar de uma língua para outra, o termo ganhou o sentido de gíria do submundo e, só a partir do século XIX, com o surgimento de profissões, passou a designar as linguagens técnicas, quando grupos de novos especialistas começaram a marcar seus territórios temáticos, criando jeitos próprios de falar. A extensa literatura dos séculos XVI e XVII que diz respeito aos jargões, naquele tempo ainda considerados linguagem do submundo, mostra como os letrados se fascinavam com essa forma de linguagem. Àquela época eram estudados apenas como curiosidade, tornando-se mais profissional com o aparecimento da Lingüística. O estudo do jargão de algumas profissões também data de séculos passados, como é o caso da linguagem dos funcionários públicos, do jargão médico, do jargão dos burocratas e da diplomacia, os de grupos nômades como pedreiros, limpadores de chaminé, atores e outros. BURKE E PORTER (1997, p.17) atribuem uma mais recente “extraordinária proliferação” de jargões à crescente divisão de trabalho advinda da ascensão da sociedade industrial. O jargão poderia ser considerado um signo identificador, muito embora seja fruto de uma linguagem vulgarizada ou de uma “linguagem técnica banalizada”, como define PRETI (1984, p.26), em função do uso e de neologismos abusivos. 13 Pode ser criado de forma individual, com curta duração, pois não chega a ser utilizado pelo grupo. Pode, ainda, ser formado por termos técnicos que acabam desgastados pelo uso inadequado. De qualquer forma, a existência e o conteúdo dos jargões carregam significados simbólicos e são ricos em metáforas e eufemismos. Do telemarketing ao ministério, de mecânica ao magistério, todas as atividades têm vocabulário próprio. Segundo PRETI (1984, p.27), algumas delas, que gozam de maior prestígio social, apresentam linguagem que também possui a mesma característica. Na ânsia de se colocar numa situação social mais privilegiada, os profissionais dessas áreas abusam do uso de jargões, tirando deles seu caráter técnico e restrito e colocando-os numa posição de linguagem comum. Esse é um fenômeno que, muito provavelmente, explique a banalização dos jargões acima mencionada, trazendo-os para um uso mais corriqueiro e que vai ao encontro da definição de RECTOR (1975, p.40), segundo a qual jargões são “modificações que um grupo sócio -profissional introduz na língua nacional”. Assim pode-se citar também o jargão relacionado ao lazer e ao esporte como, por exemplo, o das corridas e do boxe. De acordo com CÂMARA JR (apud RECTOR, 1975, p.40), três motivos explicam essas alterações: “a natureza particular das coisas ditas; a vontade de não ser entendido e o desejo do grupo de marcar sua originalidade”. Para SERRA E GURGEL (1990, p.31), assim como no caso das gírias, o jargão é um componente importante do modismo lingüístico. Mesmo se do ponto de vista etimológico ainda se associe o termo a uma linguagem ininteligível e corrompida, é necessário que se faça uma revisão conceitual de sua função, colocando-o numa posição paralela à gíria nas linguagens especiais. No entanto, a diferença entre esses dois fenômenos lingüísticos é menos científica e mais baseada no status. “Na verdade, é uma distinção social. Jargão é a gíria dos bempostos, e gíria é o jargão dos despossuídos” (POSSENTI, 2005). CABELLO (apud REMENCHE, 2003, p. 31) afirma que o termo jargão pode receber o conceito de linguagem artificial, de caráter fechado, incompreensível aos que não pertencem ao grupo e que reflete algum pedantismo. O falante muitas vezes tende a complicar sua fala para camuflar a ignorância sobre alguns assuntos. No entanto, não há problema com o vocabulário especial. O problema é o uso mal- 14 intencionado “quando há pedantismo, pretensão, quando alguém usa palavras difíceis para mostrar superioridade intelectual” (PRETI, 2005). Segundo NISKIER (2005), que entende o jargão tanto como linguagem técnica como popular, “o jargão nasce e se desenvolve a partir de uma verdade do povo, é o que pega, é o bordão que todo mundo entende”. Para ele, os defensores da norma culta não podem criticá-lo nem dizer que é destituído de um procedimento cultural. 2.5 Calão A etimologia histórica do termo calão aparece sempre relacionada à história dos ciganos ibéricos. Chegados da Ásia Menor à Península Ibérica, por volta de meados do século XV, a princípio não provocaram muita hostilidade. Daí para frente algumas medidas, que lhes cerceavam a liberdade, foram tomadas, colocando-os à margem da sociedade estabelecida. Foram assim, segundo BURKE E PORTER (1997, p.143), discriminados e marginalizados por seu estilo de vida, vestimentas, costumes, ocupações, práticas matrimoniais e sua linguagem, o caló (ou calão). Calé, forma plural de caló, era como esses ciganos se referiam a si mesmos. O termo tem origem indiana, como a maioria das palavras desse tipo de linguagem, e significa preto numa alusão ao tom da pele, mais escura que a dos não ciganos. Salientam ainda, BURKE E PORTER (1997, p.143), que a importância e a influência do caló na gíria de comunidades marginais foram observadas ainda em grupos no sul da França e em Paris que falavam um argot francês entremeado de caló; nos Estados Unidos entre os americanos mexicanos (chicanos texanos), cuja gíria eles chamam também de caló além de ser usado como abreviação de Califórnia; na Espanha, cuja linguagem dos ciganos desse país também é conhecida por caló. Mesmo se na reputação popular por muito tempo os ciganos representavam tudo que era sinistro, blasfemo e satânico, não se pode negar que eles muito acrescentaram na cultura popular da Espanha e seu caló contribuiu com várias expressões pitorescas para o espanhol coloquial. BURKE E PORTER (1997, p.146) se referem à pesquisa elaborada pelo inglê s Borrow sobre o caló e seus falantes e cujo glossário demonstrou que aquela linguagem, diferentemente de ser apenas a 15 gíria do submundo e o castelhano incorreto, possuía uma identidade e uma linhagem notáveis e merecedoras de estudo. Para RECTOR (1975, p.44) o calão tem um significado específico. A autora cita a definição contida no Dicionário da Real Academia Espanhola segundo a qual o termo refere-se à fala dos ciganos, adotada em parte, pelas pessoas da classe mais baixa do povo. A autora acrescenta que o termo foi aplicado, originariamente, aos ciganos de Portugal. Em seguida, passou a designar a linguagem dos malfeitores. No Brasil, em virtude dos contatos mantidos entre os malfeitores e ciganos, o calão significa linguagem grosseira de ladrões, vigaristas e prostitutas, também caracterizada por termos obscenos. Vem daí, portanto, sua relação com o popular palavrão. Como já referido nos itens sobre gírias e sobre jargão, o calão também é considerado como modismo lingüístico, “linguagem simples, semi-acabada, rudimentar, mas de qualquer forma criativa, popular, contendo as características culturais de indivíduos e grupos sociais” (SERRA E GURGEL, 1990, p.28). Além de se caracterizar por seu léxico próprio, o calão representa uma alteração fonética inte ncional e apresenta nas suas variações semânticas, a ironia, o menosprezo, a revolta contra a sociedade. A noção de linguagem obscena atribuída ao calão, como descarga afetiva e injúria, pode se opor à linguagem corrente. Pode ainda ser considerado de aspecto coloquial e de expressão carinhosa sem a conotação injuriosa, em algumas situações nas quais se pretende impor uma intimidade maior com o ouvinte. Atualmente, sua abrangência coloquial pode estar relacionada a conflitos sociais, à violência, à insatisfação frente à crise econômica, à revolução sexual, à queda de alguns tabus, dentre outros motivos (PRETI, 1984, p.27). De acordo com o exposto, observa-se que as linguagens especiais neste trabalho representadas pela gíria e seus correlatos, o jargão e o calão, são manifestações da língua viva, cujas diferenciações acentuam-se nos próprios grupos de falantes, com suas formas peculiares de encarar a realidade e o mundo que os cerca e as virtudes e defeitos que a linguagem usual permite. 16 2.6 Uma Noção de Metáfora Como já mencionado, o presente trabalho visa abordar a linguagem especial (gíria) adotada por policiais em cinco delegacias de Curitiba. Conhecer esses termos, advindos de uma realidade que inclui o convívio com criminosos, significa entender e apreciar um processo de criação metafórica que, de tão célebre, já possui registros dentro de outras comunidades e da sociedade em geral. Para que fique clara a razão da inclusão deste item neste estudo, basta que se observe o que afirmam LAKOFF E JOHNSON (2002, Posfácio): Mas as metáforas não são meramente fenômenos que devem ser decifrados. De fato, só é possível decifrá-las usando outras metáforas. É como se a habilidade de compreender a experiência por meio da metáfora fosse um dos cinco sentidos, como ver, ou tocar, ou ouvir, o que quer dizer que nós só percebemos e experienciamos uma boa parte do mundo por meio de metáforas. A metáfora é parte tão importante da nossa vida como o toque, e tão preciosa quanto. De origem grega Metaphorá, metáfora significa meta = trans + phérein = levar, ou literalmente transposição. É o fenômeno lingüístico “em que se dá a substituição da significação natural de uma palavra por outra, em virtude de uma relação de semelhança subentendida” (CHERUBIN, 1989, p.44). É uma mudança do sentido próprio da palavra para o sentido figurado. Ao se reportar ao que já foi referido sobre as linguagens especiais, seja gíria, jargão ou calão, fica notório que todas elas se apropriam da metáfora na criação de seus vocabulários. Na metáfora, a substituição acima referida pode se dar por desvio, por empréstimo, por lacuna lexical ou por semelhança. COSERIU (1982, p.68), explica a substituição de um signo porque se tornou totalmente inexpressivo, para evitar desagradáveis confusões ou ainda, por causa do “tabu lingüístico”. Esse é um fenômeno em que determinadas palavras relacionadas a superstições e crenças são evitadas e substituídas por empréstimos, eufemismos, metáforas e outros. Observar essas substituições acarreta a aceitação e a difusão das criações. Sendo assim, explicar a metáfora significa descobrir o termo próprio ausente, que foi substituído pelo termo figurado. Para isso, é necessário ter em mente o esquema da metáfora que é composto pelo “teor” que é a coisa que se diz, 17 pelo “veículo” que é aquilo com que se quer comparar e pelo “fundamento” que é representado pelos traços mínimos de significação (CHERUBIN, 1989, p.44). CASSIRER (1992, p.104) associa o conceito fundamental de metáfora a uma substituição consciente de um conteúdo pelo nome de outro conteúdo, desde que ambos apresentem semelhança em algum traço ou qualquer analogia indireta. CHERUBIN (1989, p.44) explica que desde Aristóteles a importância da metáfora é reconhecida. Nos conceitos atuais, mais do que uma questão de estilo, ela está intimamente relacionada à fala humana, representando fator fundamental de motivação e artifício expressivo para as emoções intensas. Assim, a comunicação humana se dá através da linguagem literal que é direta, lógica, conceitual e da linguagem figurada, que é essencialmente metafórica. Entretanto, tradicionalmente a metáfora sempre foi considerada apenas um fenômeno de linguagem, um ornamento lingüístico sem valor cognitivo. Própria de linguagens como a poética, a metáfora deveria ser evitada no discurso científico, que, por sua vez, deveria empregar a linguagem literal, mais clara, precisa e determinada. Segundo esse conceito, a ciência era feita com a razão e o literal e a poesia, com a imaginação e a metáfora. Esse aspecto retórico da metáfora é denominado “mito do objetivismo”, segundo o qual a metáfora e outras figuras de linguagem devem ser evitadas quando se pretende falar objetivamente. Mas, a partir de 1970 observa-se uma ampla e marcante mudança de paradigma, na qual a metá fora passa a ter seu valor cognitivo reconhecido, passando de uma simples figura de retórica para uma operação cognitiva fundamental (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.11). A teoria de LAKOFF E JOHNSON (2002, p.22) explica essa nova visão a respeito da metáfora. Os autores argumentam que a metáfora, com seu valor cognitivo, une razão e imaginação numa racionalidade imaginativa, fundamental tanto para a ciência quanto para a literatura. Se antes só se podia compreender o mundo através da linguagem literal, os mesmos autores mostram que isso é possível através da metáfora, pois alguns conceitos básicos como tempo, quantidade, estado, ação dentre outros e, ainda, alguns conceitos emocionais como amor e raiva, são compreendidos metaforicamente. Assim, corpo e mente interagem para construir metáforas com base em experiências corporais para então compreender e dar sentido ao mundo. 18 Além disso, a linguagem cotidiana é “densamente metafórica e apenas parcialmente literal” fazendo oposição ao fato de que “na tradição retóri ca a linguagem figurada é um desvio da linguagem usual”. Portanto, como a figura deixa de ser vista como “desviante, marginal ou periférica”, passa a ser um fenômeno central na linguagem e no pensamento, estando presente em todos os tipos de linguagem (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.21). Em suma, se para a maioria das pessoas a metáfora é um recurso da imaginação poética e um ornamento retórico, uma linguagem mais extraordinária que ordinária e, ainda, uma questão mais de palavras do que de pensamento e ação, LAKOFF E JOHNSON (2002, p.45) através de sua teoria, afirmam que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, na linguagem, no pensamento e na ação. Já COSERIU (1982, p.63) apresenta uma definição segundo a qual ao se utilizar palavras conhecidas, num contexto diferente, para expressar idéias diferentes numa situação que é, ou pelo menos já foi completamente diferente, se está frente ao que, num sentido bastante amplo, chama-se metáfora. Mais do que uma simples transposição verbal ou “comparação abreviada”, a metáfora é expressão unitária, espontânea e imediata. Não há como explicar a criação metafórica na linguagem, tendo em vista que a criação é própria da linguagem por definição. Portanto, não há explicação para “os movimentos caprichosos e insuspeitáveis da fantasia humana criadora” (COSERIU, 1982, p.68). O que se pode indicar são as razões da maior ou menor aceitabilidade duma invenção numa determinada comunidade. São estas, em primeiro lugar, razões de prestígio do criador e de expressividade do signo inventado; ou razões culturais mais gerais, como a substituição duma cultura por outra, ou o contínuo progresso cultural, a contínua irrupção no horizonte das consciências lingüísticas de objetos e idéias novas, que exigem conhecimento e classificação. (COSERIU, 1982, p. 68) Sendo assim, pode-se afirmar que a linguagem policial, cujas gírias e jargões denotam um importante processo de criação metafórica, coloca em evidência a estrutura do grupo que a cria, recria e a utiliza. 19 3 METODOLOGIA 3.1 Introdução Como mencionado anteriormente, o uso de gírias por policiais nas delegacias deve-se, fundamentalmente, à exigência da lei. Ao tomar os depoimentos dos indiciados em inquéritos policiais, aqueles profissionais devem relatar os dados exatamente na língua falada. Desse modo, aprendem e começam a fazer uso dos mesmos vocábulos, em sua grande maioria as gírias empregadas pelos marginais. Naquele ambiente de delegacia, entre o atendimento às vítimas dos mais variados crimes e o contato com os prováveis culpados por esses crimes, os policiais acabam por compartilhar ora de uma linguagem convencional, reconhecida pela maioria dos falantes, ora de uma linguagem especial usada no mesmo contexto lingüístico dos criminosos (PRETI,1984, p.2). Além disso, a criatividade na formação de sua linguagem, faz dos policiais um grupo reconhecidamente diferente do restante da comunidade, do ponto de vista lingüístico (PRETI, 1984, p.3). Em alguns casos, esse fato coloca-os numa posição de superioridade e até mesmo, como destaca CABELLO (apud, REMENCHE, 2003, p.31), de mistério e de pedantismo. Conhecer as gírias e/ou jargões utilizados pelos policiais, significa tomar conhecimento da realidade que os cerca, do seu ambiente de trabalho e das suas relações sociais. Importante salientar ainda que, a abordagem sobre a teoria de LAKOFF E JOHNSON (2002, p.22), segundo a qual a metáfora deixa de ser um recurso poético e passa a estar infiltrada na vida cotidiana, na linguagem, no pensamento e na ação, foi fundamental para a análise dos dados obtidos nas delegacias. Verificou-se que a criação metafórica na linguagem policial usufrui, com propriedade, da liberdade que tal teoria oferece, e passa a refletir o contexto sócio-profissional dos policiais nos seus ambientes de trabalho. 20 3.2 Delineamento e Delimitação da Pesquisa Para o desenvolvimento desta monografia, foi utilizada uma coleta de dados assistemática, que buscou os dados lingüísticos nos níveis lexical e semântico, junto a policiais lotados em cinco delegacias de Curitiba. Todas essas delegacias pertencem à estrutura do Departamento da Polícia Civil do Paraná, sendo, de acordo com o Decreto nº 4884/78, a Delegacia Anti-Tóxicos subordinada à Divisão de Investigações Criminais (DIC); a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículo subordinada à Divisão de Crimes Contra o Patrimônio (DCCP); a Delegacia da Criança e do Adolescente e a Delegacia da Mulher subordinadas à Divisão de Polícia Especializada e o 11º Distrito Policial, subordinado à Divisão Policial da Capital. Para facilitar a apresentação deste trabalho, serão consideradas as quatro primeiras delegacias citadas acima, como de atendimento especializado e o distrito policial, como de atendimento genérico. Buscando facilitar a explanação, serão utilizadas as seguintes legendas: DATOX = Delegacia Anti-Tóxicos; DFRV = Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos; DA = Delegacia da Criança e do Adolescente; DM = Delegacia da Mulher; 11º DP = 11º Distrito Policial. Após uma consulta individual, realizada informalmente com cada um dos policiais adiante nominados, procedeu-se à coleta das gírias, da forma como segue: as gírias da DATOX foram fornecidas pelo investigador Casemiro, através de contato via rádio feito pela agente de operações policiais Rosângela Ramos e entregues via fax. As gírias utilizadas na DRFV foram fornecidas pelo investigador Adir Marcon e entregues em mãos por sua esposa a escrivã Leda Marcon. Na DA o contato foi feito via rádio pela agente de operações policiais Rosângela Ramos, com o investigador Altair Camargo e as gírias foram entregues via fax. As gírias usadas na DM foram fornecidas pessoalmente e em mãos pela escrivã Marili Cavalheiro Mendes. Finalmente, as gírias do 11º DP foram, também, fornecidas pessoalmente e em mãos pelo investigador Luiz Quadros. Alguns dos policiais consultados alegaram estarem as gírias em desuso nas delegacias. Porém não foi o que se observou. Com exceção da DM, que forneceu 21 poucos termos, nas demais foram obtidos numerosos lexicais que deram suporte à preparação do glossário. Cumpre salientar sempre que, visando verificar se existe relação das gírias com as áreas de atuação de cada uma das delegacias, o Decreto que regulamenta e estrutura essas delegacias, fará juntamente com o glossário, parte dos anexos desta monografia. Durante o ano de 2005 a coleta de dados foi realizada de maneira informal, isto é, sem planejamento ou questionário estruturado. Como mencionado acima, os pedidos foram orais, feitos pessoalmente ou por telefone. Alguns policiais forneceram suas gírias de imediato, outros organizaram suas listas e as enviaram posteriormente, em mãos ou via fax. 22 4 ANÁLISE DOS DADOS 4.1 Formação do Corpus Conforme mencionado, o corpus é constituído de cinco corpora, cada um relacionado a uma delegacia. A escolha por quatro delegacias especializadas devese ao fato de que, exatamente por tratarem de crimes específicos, sugerem também uma especificidade maior na relação função/atendimento/abrangência. A abrangência de cada uma das delegacias pode ser observada nos Anexos 2, 3, 4, 5 e 6. Em seguida, ao se consultar o dicionário, observou-se se os itens lexicais se encontram ali registrados, se com o mesmo sentido ou se com outro sentido. Para tanto, o dicionário escolhido foi de linguagem comum e reconhecido pela seriedade científica. Assim, foi adotado o Novo Dicionário da Língua Portuguesa de AURÉILIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA (1986), aqui representado pelas iniciais ABH. No subitem a seguir será apresentado o primeiro corpora onde, primeiramente aparece o termo utilizado na delegacia correspondente, entre parênteses, o seu significado para os policiais, em seguida o seu significado em ABH entre aspas e, por último, a análise do termo. Cumpre ressaltar que essa ordem foi adotada para cada um dos corpora. 4.1.1 Delegacia Anti-Tóxicos - DATOX BALA ou COMPRIMIDO (ecstasy): ABH (1986, p.221) define bala, na entrada 5, como sendo “pequena guloseima de consistência firme, feita com calda de açúcar aromatizada e acrescida de corantes ou de ingredientes com sabores diversos”. Observa-se uma metáfora baseada na analogia da forma de apresentação da substância e da bala comum. Já o termo comprimido é uma generalização que remete a todos os medicamentos que apresentam o mesmo aspecto. BASEADO (maconha ou cigarro de maconha): ABH (1986, p.237) apresenta a mesma definição, na entrada 1, portanto já foi lexicalizado. É um termo de conhecimento e de uso corrente da população em geral. 23 BOI-DE-PIRANHA (aquele que transporta grande quantidade de droga): Segundo a definição de ABH (1986, p.268), entrada 2, “é a pessoa que é submetida ou se submete a um sacrifício de um grupo”. Constata-se, portanto, uma metáfora baseada na analogia com a função de transportar drogas a mando de um “superior” e ao perigo que se corre. BRANQUINHA (cocaína): ABH (1986, p.282), na entrada 2 do vocábulo branco, define -o como sendo “da cor da neve, do leite, da cal; alvo, cândido”. O termo gírio é apresentado no gênero feminino e seguido do sufixo –inha, podendo ser atribuído a ele uma metáfora a partir de uma analogia com a cor da cocaína. BUCHA (cocaína): Na entrada 6 ABH (1986, p.290) define como “comida que empanturra e de pouco valor alimentício”. Pode-se atribuir ao termo utilizado na DATOX, uma analogia baseada no objetivo da droga que, como a comida, é de satisfa zer o usuário. CARETA (cigarro comum): ABH (1986, p.352) traz esse vocábulo na entrada 5 como gíria brasileira, no sentido de “pessoa que não faz uso de drogas”, não fazendo referência a cigarro. O significado da metáfora coincide com a definição de ABH, se o cigarro for considerado como uma droga socialmente aceita cujo usuário não é condenado pelo uso, enquadrando-se como um não usuário de droga e, portanto, dentro da lei. É um termo possivelmente utilizado em outras unidades policiais e por pessoas da população em geral. CHEIRINHO ou LOLÓ (droga de cheirar): ABH (1986, p.394) apresenta definição idêntica, que também é conhecida pela maioria dos falantes. GERENTE (traficante ou braço direito do traficante): É uma metáfora a partir da analogia com a definição apresentada por ABH (1986, p.847), segundo a qual “gerente é quem gere ou administra negócios, bens ou serviços”. 24 LARANJA (aquele que transporta pequena quantidade de droga, geralmente o que vai preso): ABH (1986, p.1010) define como “pessoa ingênua, simples ou sem importância”. Popularmente é conhecido como a pessoa que substitui outra em algumas situações. O termo é utilizado em casos diversos e, no caso da DATOX, é considerado o empregado do gerente. MOCÓ (reunião de usuários): ABH (1986, p.1145) define como sendo “roedor da família dos cavídeos que vive escondido no meio das rochas”. Pode ser, portanto, uma metáfora baseada no fato de que assim como o animal, os usuários de drogas também querem permanecer escondidos, sem que possam ser encontrados. MORANGUINHO (éter com essência de morango): O termo é composto do vocábulo que designa o “fruto do morangueiro” seguido do sufixo –inho , numa forma carinhosa de referência e não aparece em ABH (1986, p.1158) com outro significado. Está associado ao sabor da essência adicionada à substância entorpecente. MULA (aquele que transporta droga): ABH (1986, p.1168) define como “a fêmea do mulo”. É uma metáfora que faz uma analogia com a utilidade da mula como animal de carga. O mula no ambiente das drogas funciona como um animal de carga, encarregado de transportar “encomendas”. NÓIA (usuário de droga): O termo apropriou-se de parte para designar o todo, ou seja, paranóia, definido por ABH (1986, p.1268) como sendo “psicopatia caracterizada pelo aparecimento de ambições suspeitas, que se acentuam, evoluindo para delírios persecutórios”. Denota, portanto, uma analogia com o estado psíquico do usuário de drogas. PEDRA (crack): É uma metáfora baseada na analogia da forma e da consistência sob a qual se apresenta a substância chamada crack com a forma de uma pedra, definida por ABH (1986, p.1292), na entrada 1, como sendo “matéria mineral dura e sólida, da natureza das rochas”. 25 SELINHO (entorpecente conhecido por LSD): O termo selo é definido por ABH (1986, p.1564), na entrada 3, como sendo “marca estampada por carimbo, sinete, chancela ou máquina de franquear”. Não foi encontrado qualquer registro com outro sentido para o termo. VAPOR, VAPORZINHO ou AVIÃOZINHO (aquele que vende pequena quantidade de droga): O vocábulo vapor, na definição de ABH (1986, p.1752), entrada 2, designa o “navio propelido por máquina de vapor”. Trata-se, portanto, de uma metáfora a partir da analogia da função do navio de transportar cargas, com a função da pessoa designada pelo termo. A mesma análise refere-se ao termo aviãozinho. O sufixo diminutivo –zinho, denota em ambos os vocábulos, tratar-se de meios de transporte com pequena capacidade de carga. 4.1.2 Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos – DFRV ACELERAR (apressar): Esse termo não apresenta registro com sentido figurado, podendo ser considerado como de linguagem comum. APAVORAR (ir ao banheiro da cadeia): ABH (1986, p.139) define o vocábulo como “causar pavor, espantar”, o que denota uma analogia com o provável mau cheiro do banheiro após o seu uso. ARAME (dinheiro): O vocábulo não apresenta definição com sentido metafórico, embora se possa sugerir uma analogia com o fato de, segundo ABH (1986, p.154), ser definido como “liga de cobre e zinco ou de outros metais ”, assim como as moedas que são compostas também de metal. AREIA (açúcar): ABH (1986, p.160) apresenta nas entradas 1 e 3, a definição de areia como sendo “partículas de rochas em desagregação que se apresentam em grãos mais ou menos finos” e “qualquer pó”, respectivamente. Observa -se, assim, uma metáfora baseada na analogia da consistência da areia e do açúcar. 26 BLINDADA (marmita de papel alumínio, “marmitex”): É uma metáfora a partir da analogia com o metal com o qual é produzida a marmita e o fato de que ser blindado, segundo ABH (1986, p.264), significa ser “revestido com chapa de aço”. BOCA SUJA (cinzeiro): O termo é uma criação metafórica por denotar, em analogia com a função e a forma do cinzeiro, normalmente redonda e aberta, local de depósito de resíduos impuros. Não foi encontrado registro em ABH (1986) para a expressão. BOI (banheiro): Da definição de ABH (1986, p.268), entrada 6, “tenda rústica feita pelos barranqueiros nas coroas do rio São Francisco”, depreende-se uma metáfora referente à analogia com o fato de banheiro, assim como uma tenda, ser lugar de privacidade. BOTINHA (cigarro comum com filtro): ABH (1986, p.279) identifica como “bota de cano curto para senhoras e crianças”. Esse é um exemplo de metáfora construída pela analogia entre o tipo de calçado que cobre apenas um pedaço da perna e o filtro do cigarro comum, existente somente em parte do cigarro. BRASA (isqueiro): É uma metáfora a partir da analogia com a definição de ABH (1986, p.283), entrada 1, ou seja, “carvão incandescente ”, assim como a chama do isqueiro. CABRITO (carro ou carro roubado/furtado): ABH (1986, p.304) traz na entrada 1 como “pequeno bode”. É uma metáfora zoomórfica na qual se transfere o nome de um animal característico das regiões nordestinas e que, geralmente, não recebe marca que identifique seu dono. Como conseqüência, uma vez roubado ou furtado, dificilmente será encontrado, podendo o mesmo ocorrer com os carros que, na maioria das vezes têm a numeração de chassis danificada ou adulterada, dificultando assim sua identificação. 27 CANO (revólver): ABH (1986, p.337) define na entrada 3, como sendo “tubo de armas de fogo por onde sai o projétil”. Trata-se de uma metonímia, na qual parte designa o todo, ou seja, utiliza -se uma das peças do revólver, pelo próprio revólver. CASTELAR (pensar): Não foi encontrado registro algum para o termo. Entretanto, pode-se considerar uma metáfora baseada na analogia com o fato de que, criar castelos na linguagem popular, significa imaginar coisas, fantasiar, sonhar. CAXANGA (casa): Não foi encontrando registro algum para o termo. CORUJA (cueca): Não há registro do termo com sentido metafórico, embora se possa constatar uma analogia das cavas da peça de vestuário, geralmente redondas e grandes, destinadas à passagem das pernas do usuári o com os olhos das aves, conhecidos por serem de tamanho grande. DESCANSA -PINHA (travesseiro): Embora não tenha sido encontrada definição para o sentido figurado do termo pinha, o mesmo pode ser reconhecido popularmente para designar cabeça, que é a parte mais alta do corpo, em analogia ao fruto do pinheiro que se encontra no alto da árvore. Por extensão, descansapinha é o objeto que tem a mesma função do travesseiro. DRAGÃO (isqueiro): Em ABH (1986, p.611) encontra-se a definição de dragão como sendo “monstro fabuloso representado, em geral, com cauda de serpente, garras e asas”. No entanto, no imaginário popular a figura do dragão vem acompanhada do fogo que ele solta pela boca. Assim, cria-se a analogia com o isqueiro que libera sua chama pela parte superior. FITA (serviço): Na definição de ABH (1986, p.783), entrada 4, tem-se o sentido figurado do termo que é “ação que tem por fim impressionar, chamar a atenção”. O termo pode, portanto, sugerir uma ironia ao fato de que em serviço o policial finge estar trabalhando. 28 GALETO (mistura de comida): A definição de ABH (1986, p.830), entrada 2, designa “frango assado”, que por extensão pode se referir à comida de maneira geral, tomando-se a parte pelo todo, ou seja, um tipo de comida pela própria comida. GANCHA (calça): Pode ser considerada como metáfora criada a partir da analogia com o termo gancho, definido por ABH (1986, p.833), entrada 4, como sendo “parte da calça em que se unem as duas bandas”. O termo figurado é usado no gênero feminino para reforçar a analogia com a peça de vestuário. JACARÉ (serra): ABH (1986, p.978), entrada 1, define esse vocábulo como “designação comum a todos os répteis crocodilianos da família dos aligatorídeos”, além de na entrada 12 como termo característico da Bahia para designar “uma espécie de facão sertanejo ”. É uma metáfora zoomórfica que faz analogia dos dentes pontiagudos do jacaré com os dentes da serra, cujo formato é bastante semelhante. JEGA (cama da cadeia): Trata-se de uma corruptela do termo jegue, ou jumento definido por ABH (1986, p.993), como “animal mamífero facilmente domesticado e utilizado para tração e carga”. Sendo assim, tem-se uma metáfora zoomórfica que faz analogia com o fato de a cama ser utilizada para suportar o corpo que sobre ela se deita. LAMBÃO TRICENTRO (relaxado): ABH (1986, p.1005) define apenas o termo lambão, sendo na entrada 2 “aquele que se lambuza ao comer” e, na entrada 4, “aquele que faz mal o seu serviço”. Para tricentro não foi encontrado registro algum. MARROCOS (pão): Não foi encontrado registro algum. MENCIBA (carta): Não foi encontrado registro algum para o termo, embora esse termo sugira tratar-se de uma corruptela do termo missiva, cujo significado é o mesmo. 29 MOCA (café pronto): ABH (1986, p.1145) define o termo na entrada 1 como sendo “variedade de café superior, originário da Arábia”. Toma-se, portanto, a parte para designar o todo, ou seja, utiliza-se um tipo de café pelo próprio café. OITÃO (revólver calibre 38): Não foi encontrado registro algum para o termo, que utiliza a parte pelo todo, isto é, utiliza-se parte do calibre trinta e oito do revólver pelo próprio revólver. PÁ (colher): É uma metáfora baseada na analogia com a forma de ambos os objetos. ABH (1986, p.1243) define na entrada 2 do termo 1, como sendo “qualquer objeto relativamente largo e achatado ao qual se prende uma haste mais ou menos longa”. PAPAGAIO (rádio): Trata-se de metáfora zoomórfica que apresenta analogia ao fato de que, segundo ABH (1986, p.1259) o termo no sentido figurado representa “pessoa que repete o que ouviu ou leu” ou “pessoa que fala muito, tagarela”, nas entradas 3 e 4, respectivamente. Na entrada 15, encontra-se o termo como gíria com o mesmo sentido do utilizado na delegacia. PENA (caneta): No sentido figurado, ABH (1986, p.1299), entrada 4, apresenta a definição do termo como sendo “instrumento de escrita”. PÉ-REDONDO (policial militar): Trata-se de uma criação metafórica referente à similaridade da forma do calçado, componente do uniforme do policial militar, conhecido como coturno. PORRONCA (resto de cigarro): Não foi encontrado registro algum, embora o termo tenha sido apresentado como sendo a popular bituca de cigarro. PORVA (suco): Não foi encontrado registro algum para o termo. 30 QUADRADA (pistola): É uma metáfora baseada na analogia da forma geométrica das pistolas, que em comparação com outras armas de fogo, é a que mais se aproxima da forma de um quadrado. QUEBRAR LITRO (urinar): Não foi encontrado registro algum para o termo. QTH (ocorrência): A sigla, pertencente ao código “Q” de comunicação via rádio, de uso universal, significa “Qual a sua posição ou endereço?” Não há outro registro com sentido diverso desse. RALA-BOI (escova de limpar banheiro da cadeia): Como visto anteriormente, o termo boi designa o banheiro da cadeia. Composto com o termo ralar, definido por ABH (1986, p.1447), entrada 1, como “reduzir uma substância a um fragmento pequeno ”, observa-se uma analogia com a função da escova que é utilizada para tirar ou, pelo menos, diminuir a sujeira. RATO (policial civil): ABH (1986, p.1454) apresenta na entrada 8, a definição de rato como gíria designando “agente de polícia”. SAPO (cadeado): ABH (1986, p.1150) utiliza como designação comum para “anfíbios anuros”. É uma metáfora zoomórfica que denota a semelhança entre o formato da boca do sapo e o mecanismo de trava do cadeado. SENTAR O DEDO (atirar): Não existe registro algum para a expressão, podendo, entretanto, expressar uma metáfora baseada na analogia com o ato de pressionar o dedo sobre o gatilho ou de sentar o dedo sobre o gatilho, para disparar uma arma de fogo. SUBIR O GÁS (matar): ABH (1986, p.1619) define subir na entrada 22, como “exaltar, enaltecer, engrandecer” e gás, na entrada 2, como “animação, entusiasmo, desembaraço” (ABH, 1986, p.838). Não foi encontrado registro algum para a expressão. 31 TERRA (café): É uma metáfora a partir da analogia da cor marrom que possuem a terra e o café. TRUTA (mercadoria): O termo é definido por ABH (1986, p.1723), na entrada 2, como “mamata, negociata”. Pode haver, então, uma analogia com o fato de que, muito comumente, as mercadorias são objetos de negociatas. UNHEX (cortador de unha): Não foi encontrado registro algum, embora seja comumente conhecido como marca de cortador de unhas. O termo toma uma parte para designar o todo, ou seja, uma marca de cortador de unha pelo cortador de unha. X9 (delator): Não foi encontrado registro algum para o termo. XADREZ (cadeia): O registro do termo figurado em ABH (1986, p.1795), entrada 7, apresenta o mesmo sentido. Trata-se de uma gíria que, devido à freqüência do uso, incorporou-se à linguagem comum, sendo de fácil compreensão da quase totalidade dos falantes. ZÓIUDA (televisão): Não foi encontrado registro algum do termo, embora represente uma corruptela de olhudo, definido por ABH (1986, p.1221) como “o que tem olhos grandes”, numa analogia ao tamanho da tela de uma televisão ou à abrangência da mídia em denunciar os malfeitores. O gênero feminino está relacionado ao gênero do objeto. 32 4.1.3 Delegacia da Criança e do Adolescente – DA AREIA (açúcar ou mentira): Para o termo areia utilizado com o sentido de açúcar, trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. Em relação ao sentido de mentira, tem-se uma metáfora por analogia à definição de ABH (1986, p.160), entrada 6, segundo a qual areia significa “falta de juízo, tolice, maluquice”. BERMA (bermuda): ABH (1986, p.251) apresenta, na entrada 4, a definição como sendo “alargamento que se faz nos aterros assentados sobre terrenos lodosos, para impedir o refluxo destes”. Entretanto, o termo pode ser considerado corruptela do vocábulo bermuda, peça de vestuário bastante popular e utilizado por jovens e adolescentes. BLINDADA (marmita de papel alumínio, “marmitex”): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. BÔBO (relógio ou coração): ABH (1986, p.266) apresenta definição com o mesmo sentido para “relógio” na entrada 5. Tem-se uma metáfora baseada no ritmo similar do relógio e do coração. BOCUDA (janela ou porta da cadeia): O termo pode ser considerado como extensão do vocábulo boca, cuja definição de ABH (1986, p.266), entrada 10, é “entrada de rua”. BOI (banheiro): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. BOMBETA (boné): Não foi encontrado registro algum do vocábulo. CANECA (todo tipo de copos): É uma metáfora a partir da analogia com a função dos objetos que, segundo ABH (1986, p.334) é “vaso pequeno, com asa, para líquidos”. 33 CORUJA (cueca): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. GALETO (carne): Trata-se de caso similar ao já analisado no item referente à DFRV, embora na DA o termo seja empregado apenas para se referir à carne como refeição. GANCHA (calça): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. GOGÓ (pescoço): Trata -se de uma analogia com a definição apresentada por ABH (1986, p.855), ou seja, “pomo-de-adão”, pois esse se localiza no pescoço. JEGA (cama da cadeia): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. LATRÔ (travesseiro): Não foi encontrado registro algum para o termo. LUNA (óculos): ABH (1986, p.1052) define o vocábulo como sendo “porção de uma esfera limitada por dois semiplanos que se iniciam num diâmetro da esfera”. Trata -se, portanto, de uma metáfora baseada na similaridade da forma comumente apresentada pelos óculos. MARROCOS (pão): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. MEIA -LUA (banana): ABH (1986, p.1112), na entrada 2, define o vocábulo como sendo “semicírculo”, de onde se depreende a analogia com a forma da fruta. MOCA (café pronto): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. 34 OREBA (orelha): Não foi encontrado registro algum, embora o termo possa expressar corruptela da palavra orelha. PAPAGAIO (rádio): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. PEITA (camisa): Não foi encontrado registro algum, embora o termo possa estar associado ao fato de que a camisa é uma peça de vestuário usada para cobrir o peito. Tem-se, assim, uma metáfora por analogia, cujo gênero acompanha o gênero do vocábulo original. PENA (caneta): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. PH (papel higiênico): O termo toma parte para designar o todo, no caso, utiliza-se as letras iniciais pelo próprio papel higiênico. PINHA (cabeça): Trata -se de caso similar ao já analisado no item referente à DFRV. PIPO ou CATATAU (carta): Para o termo pipo encontra-se em ABH (1986, p.1335) como sendo “pipa pequena e tubo por onde se extrai o líquido contido em certas vasilhas” e, ainda, nos estados do Amazonas, Pará e Maranhão como sendo “chupeta”. Trata-se de uma analogia com o fato de que a carta traz alento a quem está na cadeia assim como a chupeta ao bebê. Já para catatau, na entrada 5, ABH (1986, p.368) define como sendo “coisa grande ou volumosa”, denotando analogia ao tamanho da correspondência. PIRA (brincadeira): ABH (1986, p.1335) registra o termo com sentido gírio como sendo “ir-se embora, sair, dar o fora”. Para o sentido de brincadeira não foi encontrado registro, embora possa ser atribuída analogia com o sentido de “qualquer fogueira”, também fornecido por ABH (1986, p.1335), entrada 2, tendo em vista que na gíria popular as crianças pegam fogo quando estão brincando. 35 PISANTE (tênis): ABH (1986, p.1339) define o termo como gíria, com o mesmo sentido. PORVA (suco): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. TERESA (corda): Não foi encontrado registro algum para o termo, embora no ambiente policial, delegacias, cadeias públicas ou presídios, é comumente utilizado para designar corda feita com lençóis ou quaisquer tipos de tecido entrelaçados, empregada para facilitar a fuga. TRETA (desentendimento): Na entrada 1, ABH (1986, p.1711) define o vocábulo como sendo “ardil, estratagema” e, no plural, como sendo “palavreado para burlar”. Pode ser associado à supressão da sílaba mu- do termo mutreta, cujo sentido é conhecido popularmente como briga, confusão ou ainda como atitude suspeita. ZINCO (estoque): ABH (1986, p.1805) fornece na entrada 3, o termo definido como sendo “sabre, facão”. Trata-se, portanto, de uma metáfora baseada na similaridade das formas do instrumento artesanal estoque, geralmente confeccionado dentro das cadeias ou peni tenciárias e que são compostos por uma haste à guisa de cabo, preso a uma lâmina qualquer de metal, com as formas de facas e facões. ZÓIUDO (ovo): Trata -se de caso similar ao já analisado no item referente à DFRV. Representa, portanto, uma corruptela de olhudo, definido por ABH como “o que tem olhos grandes”, numa analogia ao tamanho da gema do ovo. 4.1.4 Delegacia da Mulher – DM CHAPA QUENTE (situação grave, complicada): Na entrada 13, ABH (1986, p.390) define chapa como sendo “peça metálica de fogão, plana, lisa e resistente ao 36 calor, sobre a qual se cozem certos alimentos”. Não há registro para a expressão com sentido gírio, podendo ser feita uma analogia com o fato de que, popularmente, uma situação está pegando fogo ou está quente quando essa situação adquire uma dimensão maior. CORRERIA (preso de confiança): ABH (1986, p.484), na entrada 3, apresenta o termo correrias como sendo “grupos de nordestinos armados que a serviço de seringalistas cercavam aldeias, ao raiar do dia e destruíam tribos inteiras”. Pode haver analogia com o fato de que os presos de confiança prestam alguns serviços aos policiais. DUQUE 14 (atentado violento ao pudor): É uma metáfora criada a partir da analogia com o Código Penal Brasileiro que, no seu artigo 214 caracteriza o crime de atentado violento ao pudor. Essa criação metafórica se apresenta através da composição do vocábulo duque, que designa o segundo grupo do jogo do bicho, mais o numeral 14. FITA (serviço): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. MACHÃO DE COZINHA (agressor): O termo machão aparece em ABH (1986, p.1059), entrada 3, como sendo “indivíduo que alardeia, ridiculamente, a sua masculinidade”. A gíria, composta ainda pela expressão de cozinha, reforça o conceito no sentido de referir-se ao homem agressor que demonstra sua força e masculinidade atrás das paredes de um cômodo da casa. TÁ PEDIDO (indivíduo com mandado de prisão): Não há registro para a expressão. Composta pela contração da forma está mais o particípio passado do verbo pedir, pode expressar uma metáfora baseada na analogia com o fato de que, o Mandado de Prisão, expedido pelo Juiz de Direito, é uma solicitação, um “pedido” para que o indivíduo seja preso. 37 TEM BRONCA (indivíduo com antecedentes criminais): O termo bronca aparece em ABH (1986, p.288), entrada 3, como sendo “confusão, trapalhada”. Portanto, pode tratar-se de uma metáfora a partir de analogia com o crime cometido, motivo pelo qual o indivíduo apresenta registro de antecedentes criminais. 4.1.5 11º Distrito Policial – 11º DP BASEADO (maconha): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DATOX. BINGA (isqueiro): ABH (1986, p.259) define o termo, na entrada 6, como sendo “isqueiro tosco, usado no interior”. BO (boletim de ocorrência, bronca): Trata-se das iniciais referentes ao documento utilizado nas unidades policiais, onde são registradas as queixas ou a ocorrência de determinado crime ou, por analogia, onde são registradas as broncas, termo já analisado no item referente à DM. BOCUDA (porta ou janela da cadeia): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DA. BOI (banheiro): Trata -se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. BONDE (remoção): Trata-se de uma metáfora por extensão da definição de bonde, apresentada por ABH (1986, p.273), entrada 1, ou seja, “veículo elétrico de transporte para passageiros ou carga”. BONECO (foto): ABH (1986, p.274) define na entrada 6, como sendo “entre repórteres, retrato de protagonista de fatos policiais”. CABRAL, CABRALZINHO (crack + maconha): Não foi encontrado registro algum para os termos. 38 CAMISA DO PALMEIRAS (maconha): Pode representar uma analogia da cor verde da camisa do uniforme do time de futebol Palmeiras com a cor da folha de Canabis sativa, erva que dá origem à maconha. CARRAPICHO (repórter policial): O termo aparece em ABH (1986, p.357), entrada 2, como sendo “designação comum a numerosíssimos subarbustos das famílias das leguminosas, compostas, gramíneas, malváceas e tiliáceas, cujos pequenos frutos, que são vagens, se dividem em articulações, com pequenos espinhos ou pêlos, os quais aderem facilmente à roupa do homem e ao pêlo dos animais”. Trata-se, portanto, de uma metáfora baseada na analogia com o fato de o repórter policial estar sempre atrás de fatos policiais que possam virar notícias. CASA MUDA (casa vazia): Não há registro para a expressão, podendo ser uma analogia ao fato de que uma pessoa muda não possui palavras assim como a casa vazia não possui objetos e/ou pessoas. CAXANGA (casa): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. CAXANGUEIRO (ladrão de casa): Não foi encontrado registro algum para o termo, podendo ser constatada a associação ao termo caxanga acima referido. CORINTIANO (viatura da polícia): Pode representar uma analogia das cores branca e preta da camisa do uniforme do time de futebol Coríntians com as cores oficiais das viaturas policiais civis no Estado do Paraná. CORRE-CORRE (viatura policial): ABH (1986, p.483) define o vocábulo como sendo “correria, grande afã, azáfama, lufa-lufa”. Possivelmente representa uma analogia ao fato de que, no momento em que uma viatura chega a determinado local de crime, pode haver uma correria das pessoas que não querem se ver envolvidas no crime. 39 CORRERIA (preso de confiança): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DM. CORRÓ (cela provisória): ABH (1986, p.485) define o termo na entrada 1, como sendo “designação comum a pequenos peixes sem valor, de rios e açudes”. Pode haver analogia com o fato de que, por ser provisória, a cela tem menos valor para o preso, no sentido de que não é ali que ele vai instalar sua “morada”. CRISTAL (açúcar): Na definição de ABH (1986, p.500), entrada 1, trata-se de “substância sólida cujas partículas estão arrumadas regularmente no espaço”, podendo se contatar a analogia com a aparência do açúcar. DUQUE 13 (estupro): É uma metáfora criada a partir da analogia com o Código Penal Brasileiro que, no seu artigo 213 caracteriza o crime de estupro. Essa criação metafórica se apresenta através da composição do vocábulo duque, que designa o segundo grupo do jogo do bicho, mais o numeral 13. FARINHA (cocaína): ABH (1986, p.758), entrada 1, define o termo como “pó a que se reduzem os cereais moídos”. A metáfora ocorre nesse termo a partir da analogia com a cor, normalmente branca, e com a consistência da farinha. FIRMA (delegacia): A definição de ABH (1986, p.782) para o vocábulo, entrada 3, é “estabelecimento comercial”. Por extensão, é popularmente utilizado para designar o local de trabalho, de onde se depreende a analogia existente com a gíria. JEGA (cama da cadeia): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. JERERÊ (maconha): ABH (1986, p.987) apresenta a definição para o termo como sendo “baseado”, já analisado no item referente à DATOX. 40 LATA (tíner): ABH (1986, p.1012) apresenta duas definições com sentido figurado, “rosto, cara” e “recusa amorosa”. Não há, portanto, registro que reporte à substância solvente. No entanto, pode haver analogia com o recipiente em que essa substância é armazenada. MACACA (metralhadora): Não há registro com sentido figurado para o vocábulo que denote algum tipo de arma de fogo. No entanto, pode representar uma analogia com o fato de que a metralhadora é carregada pendurada ao ombro, assim como os macacos, quando domesticados, costumam andar apoiados ao ombro ou ao braço do seu tratador. O gênero feminino é usado para acompanhar o gênero da arma de fogo. MALACO (bandido): É uma corruptela do termo maloqueiro, cuja definição de ABH (1986, p.1072), entrada 3, tem o mesmo sentido. MARROM (maconha): Não há registro do termo com sentido figurado, podendo ser considerada uma analogia com a cor da erva quando pronta para consumo. MESCLADO (crack + maconha): O vocábulo aparece em ABH (1986, p.1123), na entrada 2, como sendo “em que há mistura de duas cores”. Trata-se portanto de uma metáfora baseada na analogia com o número de componentes da droga. MICHA (chave): ABH (1986, p.1130) não fornece definição com sentido figurado, mas como sendo “pão feito de diversas farinhas misturadas”. No entanto, pode-se detectar uma analogia com o conceito popularmente conhecido e comumente utilizado nos meios policiais, segundo o qual micha é uma chave utilizada em qualq uer fechadura, normalmente empregada na prática de crimes. MIKE (microfone): Não foi encontrado qualquer registro para o termo. 41 MIOLEIRO (chaveiro): É um termo derivado do vocábulo miolo, cuja definição de ABH (1986, p.1138), na entrada 7, designa “a parte interior de qualquer coisa”. E, por analogia, o chaveiro é o profissional que também trabalha com o miolo da fechadura. MOCADO (escondido): Em associação ao vocábulo mocozear, definido pôr ABH (1986, p.1146) como sendo “por em lugar de recato, esconder”, o termo gírio aparece numa suposta forma de particípio passado. MOCÓ (esconderijo): Trata-se de caso similar ao já analisado no item referente à DATOX. PAPELEIRO (estelionatário): É uma metáfora baseada a partir da analogia com o crime de estelionato, relacionado na grande maioria das vezes, com papéis e documentos. Assim, a pessoa que comete esse tipo de crime é, como na definição de ABH (1986, p.1262), entrada 1, “aquele que trabalha no fabrico de papel”. QUEIJO (cocaína): Não foi encontrado registro algum para o sentido figurado, podendo haver uma analogia com a forma de apresentação de alguns queijos ralados e a cocaína em pó. SAMANGO, MANGO (policial militar): ABH (1986, p.1543) define samango, na entrada 3, como “policial, tira”. Para mang o há a supressão da primeira sílaba. SAPO (cadeado): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. X9 (delator): Trata-se de caso idêntico ao já analisado no item referente à DFRV. XIS (cadeia): ABH (1986, p.1799) define apenas como “o nome da letra X”. No entanto é um termo que toma parte da palavra, a letra X, pela significação da palavra xadrez já analisada no item referente à DFRV. 42 4.2 Resultados e Discussões Para a verificação da existência ou não de relação das gírias com as especificações funcionais de cada uma das delegacias pesquisadas, como já mencionado anteriormente, foi consultado o Decreto nº. 4.884 de 24 de abril de 1978 que regulamenta e estrutura os órgãos do Departamento da Polícia Civil do Paraná. Sendo assim, apresenta-se a seguir o resultado dessa análise: Todos os termos, ou seja, 100% das gírias obtidas na Delegacia AntiTóxicos, apresentam relação com as especificações funcionais da referida delegacia, constantes no Anexo 2. Levando-se em consideração que, dentre outras atribuições, à DATOX cabe “a prevenção e repressão ao tráfico e uso de substâncias consideradas tóxicas ou que causem dependência física ou psíquica”, fica configurada a compatibilidade do uso das gírias pelos policiais daquela delegacia, como por exemplo, baseado, bucha e nóia, termos diretamente relacionados ao uso e tráfico de drogas. Dentre as gírias obtidas na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, cerca de 32% delas, ou seja, arame, cabrito, cano, caxanga, jacaré, oitão, papagaio, quadrada, QTH, sapo, sentar o dedo, subir o gás, truta, X9 e xadrez apresentam relação com as especificações funcionais da referida delegacia, constantes no Anexo 3. As demais não se enquadram aos crimes investigados pela referida delegacia, por se tratarem de termos com significados mais genéricos, ou seja, não estão relacionados a fatos criminosos. Dentre as gírias obtidas na Delegacia da Criança e do Adolescente, cerca de 15% delas, ou seja, areia (para mentira), pira, teresa, treta e zinco apresentam relação com as especificações funcionais da referida delegacia, constantes no Anexo 4. No que se refere às demais gírias, como no caso anterior, são termos cujos significados não apresentam relação com fatos criminosos, cuja investigação é de responsabilidade da DA. Dentre as gírias obtidas na Delegacia da Mulher, cerca de 71%, ou seja, chapa quente, duque 14, machão de cozinha, tá pedido e tem bronca apresentam relação com as especificações funcionais da referida delegacia, constantes no Anexo 5. O restante das gírias, como nos demais casos, são termos cujos 43 significados não se relacionam aos fatos criminosos investigados naquela delegacia, podendo também ser utilizados em outros ambientes policiais. Finalmente, dentre as gírias obtidas no 11º Distrito Policial, cerca de 77% delas, ou seja, baseado, BO, bonde, boneco, cabral/cabralzinho, camisa do Palmeiras, casa muda, caxanga, caxangueiro, corintiano, corre-corre, corró, duque 13, farinha, jererê, lata, macaca, malaco, marrom, mesclado, micha, mike, mioleiro, mocado, mocó, papeleiro, queijo, sapo, X9 e XIS apresentam relação com as especificações funcionais da referida delegacia, constantes no Anexo 6. O restante das gírias não apresentam relação com fatos criminosos. Vale ressaltar que, no 11º DP, por ser uma delegacia cujas atribuições são de caráter genérico, há uma incidência de gírias que também apareceram em outras delegacias pesquisadas, como por exemplo, o caso de baseado, utilizado também na DATOX. O resultado acima apresentado denota que, proporciona lmente à quantidade de gírias fornecidas, a maioria delas apresenta relação com as especificações funcionais das delegacias de origem. Observa-se, por exemplo, o caso da DM onde, dos sete léxicos listados, cinco relacionam-se com os crimes investigados e, da DATOX, onde todos os léxicos relacionam-se com os crimes investigados. Para finalizar, apresenta -se a seguir, um breve estudo da freqüência das gírias nas delegacias, isto é, quais as gírias aparecem em mais de uma delegacia: areia foi citada pela DFRV e pela DA; baseado foi citado pela DATOX e pelo 11º DP; blindada foi citada pela DFRV e pela DA; bocuda foi citada pela DA e pelo 11º DP; boi foi citado pela DFRV, pela DA e pelo 11º DP; caxanga foi citada pela DFRV e pelo 11º DP; correria foi citada pela DM e pelo 11º DP; coruja foi citada pela DFRV e pela DA; fita foi citada pela DFRV e pela DM; galeto foi citado pela DFRV e pela DA; gancha foi citada pela DFRV e pela DA; jega foi citada pela DFRV, pela DA e pelo 11º DP; 44 marrocos foi citado pela DFRV e pela DA; moca foi citado pela DFRV e pela DA; mocó foi citado pela DATOX e pelo 11º DP; papagaio foi citado pela DFRV e pela DA; pena foi citada pela DFRV e pela DA; porva foi citado pela DFRV e pela DA; sapo foi citado pela DFRV e pelo 11º DP; X9 foi citado pela DFRV e pelo 11º DP. Dos termos acima listados, observa -se que, com exceção de areia (para mentira), baseado, mocó, papagaio, sapo e X9 , os demais são de uso genérico, o que explica aparecerem em mais de uma delegacia. Vale ressaltar ainda que os termos acelerar, areia (para mentira), baseado, binga, bôbo, bocuda, boi-de-piranha, boneco, cano, caneca, careta, cheirinho ou loló, correria, gogó, jererê, laranja, machão-de-cozinha, malaco, papagaio, pena, pisante, rato, samango, tem bronca, treta, xadrez e zinco já se encontram registrados em ABH (1986), isto é, são lexicalizados. 45 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da pesquisa do léxico de uma comunidade é “entender as várias relações que os indivíduos desenvolvem entre si, com o meio e, ainda, com outras comunidades” (REMENCHE, 2003, p.101). As gírias usadas nas delegacias consultadas denotam uma realidade em que o cotidiano profissional exerce forte influência. Constatou-se que os policiais transformam e adeqúam o sentido das palavr as de acordo com a sua realidade. Seja por haver relação dos termos utilizados com os crimes investigados por cada delegacia, seja pela necessidade de interagir com os envolvidos nesses crimes, a criatividade na composição da linguagem policial está basicamente no uso de metáforas, algumas óbvias, outras inéditas, todas ricas. Esse caráter enriquecedor, comum a todas as formas de linguagem, depende das palavras ali contidas, nobres ou vulgares, conforme quem as empregue, conforme as associações fônicas e significativas que despertem e conforme as situações em que sejam utilizadas. De qualquer maneira, não se pode desprezar o fato de que a linguagem é dinâmica, pois as palavras mudam continuamente, não só do ponto de vista fônico, mas também do ponto de vista semântico. Uma palavra nunca é exatamente a mesma. Em cada momento há uma inovação na forma da palavra, no seu emprego, no seu sistema de associações (COSERIU, 1982, p.76). Essa mudança contínua, de criação e recriação, ficou bastante evidente no decorrer do presente trabalho, ao se buscar entender o que são os níveis de linguagem e a diferença entre a gíria, o jargão e o calão. Teoricamente, constatou-se que os limites, entre as linguagens especiais analisadas, são tênues. O estudo demonstrou que o calão sempre esteve relacionado a comunidades do submundo, a marginais e em contextos obscenos, o que lhe confere um caráter pejorativo. Entretanto, com o uso freqüente de determinados termos pertencentes a esse tipo de linguagem, tem-se observado um “verdadeiro processo desmistificador do chamado ‘palavrão’” (PRETI, 1984, p.27). Que o jargão, por um período também considerado linguagem do submundo, com o passar do tempo e com a evolução das profissões, tornou-se linguagem técnica própria dessas profissões. E que, finalmente 46 a gíria, assume um papel social, por ser uma reação lingüística num determinado contexto social cada vez mais incorporada à linguagem cotidiana. Sendo assim, “a gíria constitui um elemento diferenciador a que certos grupos e, de maneira geral, as camadas mais diversas da população jamais renunciariam, sob pena de perderem uma das formas mais eficientes de marcarem sua presença na grande comunidade” (PRETI, 1984, p.8). Não poderia ser diferente no caso das gírias policiais aqui analisadas. Como grupo social restrito e como grupo profissional, observou-se que os policiais envolvidos num ambiente de depoimentos, fazem contato com os termos utilizados por representantes de outro grupo social, os criminosos. Evidencia-se, portanto, o já citado repertório compartilhado. Numa “democracia lingüística”, aqueles se apropriam de alguns vocábulos da gíria destes e formam o seu próprio léxico, normalmente reconhecido pelo restante da comunidade como sendo “a gíria dos tiras”. Além disso, essa gíria apresentou relação com os crimes investigados por cada uma das delegacias. Eis, portanto, a linguagem representando uma realidade. Finalmente, vale ressaltar que a abordagem da teoria de LAKOFF E JOHNSON (2002), foi especialmente importante na análise dos vocábulos gírios. Comprovou-se que a metáfora encontra-se inserida em todos os níveis de linguagem e faz parte da criatividade e do cotidiano dos policiais e, por extensão, da população em geral. O que se pretende é que o presente trabalho seja uma contribuição à evolução do idioma, em todas as suas particularidades e em toda a sua dinâmica, como reflexo da evolução do próprio ser humano. 47 REFERÊNCIAS ACQUAVIVA, M.C. Vademecum universitário de Direito. 8ª edição atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2005. BALLY, C. El lenguaje y la vida. Tradução de Amado Alonso. 7ª edição. Buenos Aires: Editorial Losada, 1977 BORBA, F.S. da Pequeno vocabulário de lingüística moderna. São Paulo: Editora Nacional, Universidade de São Paulo, 1971. BOUTON, C.P. O desenvolvimento da linguagem. Tradução de Carlos Domingos e Cláudia Possolo. 1ª edição. Lisboa: Moraes Editora, 1977. BURKE, P.; PORTER, R. (Org.). Linguagem, indivíduo e sociedade: história social da linguagem. 1ª edição. São Paulo: Unesp, 1993. _____. Línguas e jargões: contribuições para uma história social da linguagem. 1ª edição. São Paulo: Unesp, 1997. CASSIRER, E. Linguagem e mito. 3ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. CHERUBIN, S. Dicionário de figuras de linguagem. São Paulo: Pioneira, 1989. COSERIU, E. O homem e sua linguagem. Tradução de Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença, 1982. FERREIRA, A.B.H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2ª edição revista e aumentada. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana. Coordenação de tradução de Mara Sophia Zanotto. São Paulo: Educ, 2002. LAPA, M. R. Estilística da língua portuguesa. 10ª edição. Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1979. MELO, G. C. de A língua do Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. NISKIER, A. Disponível em http://www.folha.uol.com.br. Acesso em 14 novembro 2005. POSSENTI, S. Disponível em http://www.folha.uol.com.br . Acesso em 14 novembro 2005 PRETI, D. A gíria e outros temas. São Paulo: Edusp, 1984. _____. Fala e escrita em questão. Acesso em 14 novembro 2005. Disponível em http://www.folha.uol.com.br. 48 RECTOR, M. A linguagem da juventude: uma pesquisa geo-sóciolinguistica. Petrópolis: Vozes, 1975. REMENCHE, M. L. R. As criações metafóricas na gíria do Sistema Penitenciário do Paraná. Londrina, 2003. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) Universidade Estadual de Londrina. SERRA E GURGEL, J.B. Dicionário de gíria: modismo lingüístico – o equipamento falado do brasileiro. 4ª edição. Brasília: Gráfica Valci Editora, 1990. _____. Dicionário de gíria: modismo lingüístico – o equipamento falado do brasileiro. 5ª edição. Brasília: Gráfica Valci Editora, 1998. TACLA, A. Dicionário dos marginais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. 49 ANEXOS ANEXO 1 - GLOSSÁRIO DAS GÍRIAS UTILIZADAS NAS DELEGACIAS CONSULTADAS Acelerar – apressar Arame – dinheiro Areia – açúcar ou mentira Apavorar – ir ao banheiro da cadeia Aviãozinho – aquele que vende pequena quantidade de droga Bala ou comprimido – ecstasy Baseado – maconha ou cigarro de maconha Berma – bermuda Binga – isqueiro Blindada – marmita de papel alumínio, “marmitex” BO – bronca, boletim de ocorrência Bôbo – relógio ou coração Boca-suja – cinzeiro Bocuda – janela ou porta da cadeia Boi - banheiro Boi -de-piranha – aquele que transporta grande quantidade de droga Bombeta – boné Bonde – remoção Boneco – foto Botinha – cigarro comum Branquinha – cocaína Brasa – isqueiro Bucha – cocaína Cabral, cabralzinho – crack com maconha Cabrito – carro Caxanga – casa Camisa do Palmeiras – maconha Caneca – todo tipo de copo 50 Cano – revólver Careta – cigarro comum Carrapicho – repórter policial Casa muda – casa vazia Castelar – pensar Chapa quente – situação grave, complicada Cheirinho ou loló – droga de cheirar Corintiano – viatura caracterizada Corre-corre – viatura Correria – preso de confiança Corró – cela provisória Coruja – cueca Cristal – açúcar Descansa-pinha – travesseiro Dragão – insqueiro Duque 13 – estupro Duque 14 – atentado violento ao pudor Farinha – cocaína Firma – delegacia Fita – serviço Galeto – mistura de comida ou carne Gancha – calça Gerente – traficante Gogó – pescoço Jacaré – serra Jega – cama da cadeia Jererê – maconha Lambão tricentro – relaxado Laranja – aquele que transporta pequena quantidade de droga Lata – tíner Latrô – travesseiro Luna – óculos Macaca – metralhadora 51 Machão de cozinha – agressor Malaco – bandido Marrocos – pão Marrom – maconha Meia-lua – banana Menciba – carta Mesclado – crack com maconha Micha – chave Mike – microfone Mioleiro – chaveiro Moca – café pronto Mocado – escondido Mocó – reunião de usuários ou esconderijo Moranguinho – éter com essência de morango Mula – aquele que transporta droga Nóia – usuário de droga Oitão – revólver calibre 38 Oreba – orelha Pá – colher Papagaio – rádio Papeleiro – estelionatário Pedra – crack Peita – camisa Pena – caneta Pé-redondo – policial militar PH – papel higiênico Pinha – cabeça Pipo ou catatau – carta Pira – brincadeira Pisante – tênis Porronca – ponta de cigarro Porva – suco Quadrada – pistola 52 Quebrar litro – urinar Queijo – cocaína QTH – ocorrência Rala-boi – escova de lavar banheiro da cadeia Rato – policial civil Samango, mango – policial militar Sapo – cadeado Selinho – LSD Sentar o dedo – atirar Subir o gás – matar Ta pedido – com mandado de prisão Tem bronca – com antecedentes criminais Terra – café Teresa – corda Treta – desentendimento Truta – mercadoria Unex- cortador de unhas Vapor, vaporzinho – aquele que vende pequena quantidade de droga X9 – delator X – cadeia Xadrez- cadeia Zinco – estoque Zóiuda – televisão Zóiudo – ovo 53 ANEXO 2 Decreto nº 4.884 de 24/04/78 Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil Da Delegacia Anti -Tóxicos Art. 23 – À Delegacia Anti-Tóxicos cabe adotar medidas necessárias para a investigação, prevenção, repressão e processamento dos crimes previstos no Código Penal Brasileiro, em seus artigos 328 a 331, 343 e 344 * , bem como nas infrações previstas pela Lei das Contravenções Penais nos seus artigos 62, 63 e 68** , a prevenção e repressão ao tráfico e uso de substâncias consideradas tóxicas ou que causem dependência física ou psíquica, prevista na legislação especial e quando não configurado o tráfico que transcenda as fronteiras de outros Estados soberanos, limítrofes ou não com o território paranaense; a fiscalização permanente, em regime de cooperação com outros organismos públicos e privados, ou sob sua supervisão direta, de locais públicos e privados, freqüentados por dependentes e mercadores de drogas perigosas em geral; a colaboração com a Secretaria de Estado da Saúde e do Bem-Estar Social na fiscalização da medicina e farmácia; participar, através do respectivo Titular, de Conselhos a nível estadual ligados à área de drogas perigosas; as investigações tendentes à localização e destruição de plantações de ervas geradoras de tóxicos e entorpecentes e apreensão de objetos, utensílios e equipamentos em locais destinados à produção dos mesmos; a promoção ou participação em programas comunitários destinados a eliminar a disseminação de drogas, seu uso e conseqüências, bem como de campanhas de caráter educacional de orientação e alertamento à utilização ilegal de drogas perigosas; outras atividades correlatas. * Código Penal Brasileiro (ACQUAVIVA:2005) Art. 328 – Usurpar o exercício de função pública. Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá -lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. 54 Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público. Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Art. 343 – Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação. Art. 344 – Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. ** Lei das Contravenções Penais (ACQUAVIVA:2005) Art. 62 – Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia. Art. 63 – Servir bebidas alcoólicas: I – a menor de 18 (dezoito) anos; II – a quem se acha em estado de embriaguez; III – a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais; IV – a pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de freqüentar lugares onde se consome bebida de tal natureza. Art. 68 – Recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência. 55 ANEXO 3 Decreto nº 4.884 de 24/04/78 Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil Da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos Art. 22- À Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos cabe adotar medidas necessárias para investigação, prevenção, repressão e processamento dos crimes de furto ou roubo de veículos motorizados terrestres, bem como das infrações previstas pela Lei das Contravenções Penais em seus artigos 24 a 26 e 68 * ; outras atividades correlatas. * Lei das Contravenções Penais Art. 24 – Fabricar, ceder ou vender gazua ou instrumento empregado usualmente na prática de crime de furto. Art. 25 – Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima. Art. 26 – Abrir, alguém, no exercício de profissão de serralheiro ou ofício análogo a pedido ou por incumbência de pessoa de cuja legitimidade não se tenha certificado previamente, fechadura ou qualquer outro aparelho destinado à defesa de lugar ou objeto. Art. 68 - Recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência. 56 ANEXO 4 Decreto nº 4.884 de 24/04/78 Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil Da Delegacia da Criança e do Adolescente Art. 35 – À Delegacia de Proteção ao Menor cabe adotar as medidas de prevenção e elucidação de atos anti-sociais atribuídos aos menores, mediante o cumprimento do previsto pela legislação específica, em estreita articulação com o Juízo competente; custodiar os menores encaminhados pelas unidades policiais e apresentá -los à Justiça de Menores; prosseguir nas diligências para localização de menores responsáveis por fatos anti -sociais, constantes de autos remetidos pelas delegacias quando a conclusão dependa apenas do êxito nas providências pedidas no relatório da autoridade que instaurou o procedimento; elaborar estudos e viabilizar a sua execução, quanto ao aperfeiçoamento do desempenho de suas atribuições, em cooperação a ser prestada por entidades públicas ou privadas, visando atingir ampla assistência e amparo aos menores em trânsito pela Delegacia; realizar, referendado pela Diretoria da Polícia Civil, a execução das medidas aplicáveis a menores abandonados, carenciados e infratores e treinamento de servidores policiais civis em entidades ligadas a área de assistência a menores; proceder a prevenção, investigação e repressão dos crimes previstos pelo Código Penal Brasileiro, artigos 328 a 331 e 344* e da infração prevista pela Lei das Contravenções Penais em seu artigo 68**; outras atividades correlata s. * Código Penal Brasileiro Art. 328 - Usurpar o exercício de função pública. Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá -lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público. 57 Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. ** Lei das Contravenções Penais Art. 68 - Recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência. 58 ANEXO 5 Decreto nº 4.884 de 24/04/78 Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil Da Delegacia da Mulher Art. 2º - À Delegacia da Mulher cabe adotar medidas necessárias para investigação, prevenção, repressão e processamento dos ilícitos praticados contra a pessoa do sexo feminino, previstos no Código Penal Brasileiro, em seus artigos 129 a 131, 146 a 149, 213 a 220, 227 e 228, 230 e 231* , e artigo 61** da Lei das Contravenções Penais. * Código Penal Brasileiro Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Art. 130 – Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado. Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado. 59 Art. 149 – Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Art. 215 – Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude. Art. 216 – Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Art. 217 – Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança. Art. 218 – Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo e a presenciá-lo. Art. 219 – Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fins libidinosos. Art. 220 – Se a raptada é maior de 14 (catorze) anos e menor de 21 (vinte e um), e o rapto se dá com seu consentimento. Art. 227 – Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem. 60 Art. 228 – Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone. Art. 230 – Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça. Art. 231 – Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro. ** Lei das Contravenções Penais Art. 61 – Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. 61 ANEXO 6 Decreto nº 4.884 de 24/04/78 Regulamento e Estrutura do Departamento da Polícia Civil Das Delegacias Distritais da Capital (11° Distrito Policial) Art. 42 – Às Delegacias Distritais da Capital compete, como unidades policiais básicas, atender, indiscriminadamente, todas as ocorrências que se verificarem no âmbito de suas jurisdições territoriais, devendo solicitar o prosseguimento das diligências pelas Delegacias Especializadas competentes quando verificada a autoria desconhecida ou incerta; outras atividades correlatas.