Ensino Médio: entre jovens e estudantes
Transcrição
Ensino Médio: entre jovens e estudantes
PGM 1 SUMÁRIO Proposta pedagógica..........................................................................................3 PGM 1 Juventude: o que é?...................................................................... 13 PGM 2 Juventude, trabalho e educação no Brasil............................ 19 PGM 3 Juventude e sexualidade............................................................ 25 PGM 4 Juventude e culturas de participação..................................... 41 PGM 5 Cultura, escola e identidades juvenis...................................... 48 CONHECIMENTO MATEMÁTICO2 PROPOSTA PEDAGÓGICA Paulo Carrano 1 CONCEITUAÇÃO E JUSTIFICATIVA “Quem trata com a juventude deve aprender a ser jovem” (Cecília Meireles). É cada vez mais presente no Brasil a percepção de instituições, investigadores sociais e educadores sobre a necessidade de se pensar criticamente a relação pessoal e coletiva entre os jovens alunos e suas escolas. No cotidiano das escolas, e também em finais de semana, se processam práticas educativas – com distintas conceituações e variados níveis de institucionalidade – que também estabelecem tensos diálogos com rígidos espaços e tempos de administração tradicional do fazer pedagógico escolar. Essas e outras práticas entre jovens estudantes e adultos educadores renovam a convivência e a produção de conhecimentos na comunidade de aprendizagem social que é a escola. Doutor em Educação, professor da Faculdade de Educação da Univer sidade Federal Flumi nense, pesquisador do CNPq e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF. Consultor dessa série. 1 A série Ensino Médio: entre jovens e estudantes, que será apre sentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 24 a 28 de maio de 2004, promoverá o debate entre pesquisadores, educa dores e jovens, procurando abordar a questão do relacionamento da juventude com a educação, numa perspectiva de pluralidade, naquilo que se refere a conceitos, práticas sociais e práticas peda gógicas. Para isso, organizamos uma série de cinco programas com as seguintes temáticas: CONHECIMENTO MATEMÁTICO3 PROPOSTA PEDAGÓGICA a)Juventude: o que é? b)Juventude, trabalho e educação no Brasil c)Juventude e sexualidade d)Juventude e culturas de participação e) Cultura, escola e identidades juvenis Sem dúvida, a complexidade da relação entre jovens e escolas nos permitiria pensar em outras entradas possíveis para a abordagem do tema. A configuração final do programa nos pareceu, contudo, bastante adequada para provocar diálogos criativos e, esperamos, práticas transformadoras nos cotidianos escolares naquilo que se refere à compreensão necessária de educadores sobre a pluralidade exis tencial que caracteriza o ser jovem e estudante. Aliás, esse é um dos núcleos signi ficativos da série proposta, ou seja, contribuir para que nossos olhares e sentidos educacionais se voltem também para o (re)conhecimento de que nossos “alunos” e “alunas” são sujeitos culturais de múltiplas vivências e sobrevivências para além dos tempos e espaços escolares. Para isso, procurou-se trazer para a arena do debate conceitos, dados de pesquisas, imagens, sons, experiências pedagógicas e culturais, narrativas de jovens e de educadores e indicadores sociais que pudessem compor um mosaico expressivo da realidade, nem sempre evidente para o denominado “mundo adulto”, de que estudantes vivenciam diversas e desiguais condições da vivência do tempo da juventude. Tempo esse que não pode ser reduzido apenas à idéia de transição, em geral concebida como momento de imaturidade e crise, frente a um ideal de maturidade positiva situada nas “idades adultas”. A série tem como objetivos ampliar conhecimentos docentes sobre o tema juventude, provocar o diálogo entre pesquisadores, educadores e jovens em torno de conceitos e (pre)conceitos relacionados com a juventude, favorecer a compreen são acerca das diferenças e desigualdades da realidade do jovem no Brasil e no mundo e democratizar informações sobre estudos, pesquisas e práticas inovadoras relacionadas com a temática da juventude. É (senso) comum que ao anunciarmos um debate sobre a juventude, as ex pectativas recaiam sobre determinados “problemas da juventude ”, tais como a “violência juvenil ”. Muitas vezes essas expectativas se apresentam com forte carga de (pre)conceitos e generalizações que estigmatizam os jovens, principalmente aqueles dos setores populares. As pesquisas têm demonstrado que muito daquilo que se convencionou chamar de violência escolar promovida por jovens é, em grande medida, resultante da ausência de regras de convivência democrática nas instituições e também de dificuldades que os adultos têm na compreensão das ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 4 PROPOSTA PEDAGÓGICA diferentes linguagens, valores e práticas culturais dos jovens Sem desconsiderar a ocorrência de problemas envolvendo jovens em nossas escolas e em outros espaços sociais, procurou-se não organizar o debate em torno de “problemas ”, mas através de temas que nos auxiliem na formulação de uma visão abrangente sobre a juventude e em torno de problemáticas e estratégias de in tervenção educativa numa perspectiva de pluralidade democrática no diálogo com os jovens estudantes. O estudo Juventude e Esc ol arização (19801998), coordenado por Sposito (2002), avaliou a presença do tema juventude na produção discente na pós- graduação em Educação e Ciências So ciais no Brasil. A base de dados de 387 trabalhos (4,4%) foi selecionada de um total de 8.867 teses e dissertações. Em linhas gerais, a cate goria aluno dá a tônica da grande maioria dos trabalhos. A partir de 1995 temas como mí dia, grupos juvenis e violência alargaram o espectro sociocultural da produção. 2 Desse ponto de vista, a realização de um programa televisivo destinado aos educadores que lidam cotidianamente com os jovens é não apenas oportuna como estrategicamente necessária para a constituição de relacionamentos entre jovens e adultos adequados aos princípios de qualidade institucional e convivência democráti ca que almejamos para nossas escolas e o conjunto da sociedade brasileira. No campo da produção acadêmica na pós-graduação em educação há sinais de um progressivo aumento da pesquisa em torno de temas considerados emergentes. Muitos desses temas elaboram objetos de investigação que procuram enxergar o jovem educando em perspectivas mais alargadas que a do simples sujeito institucional que se evidencia na categoria aluno2. A participação conjunta de especialistas acadêmicos, professores de escolas e tam bém de jovens na série proposta tem como perspectiva a criação de um campo de diálogo entre distintos lugares sociais, geográficos, e os saberes e práticas sociais em torno da problemática da educa ção da juventude. Ainda que o contexto imediato de interlocução seja o cotidiano escolar, pretende-se que os debates tenham o largo alcance de trazer para a cena o complexo de fatores sociais, econômicos e culturais envolvidos na experiência de ser jovem e estudante no Brasil. Ementas dos Programas PGM 1: Juventude: o que é? O programa terá como objetivo alargar a compreensão do público sobre as várias dimensões presentes no tema da juventude. Será examinada a diversidade dos modos de vida dos jovens, decorrente não só das diferenças so ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 5 PROPOSTA PEDAGÓGICA ciais, mas das especificidades dos sexos e das relações de gênero, das etnias, das diferenças de modos de vida - cidade e campo - de hábitos de lazer, de cultura, de modos de vida, entre outros aspectos. As relações dos jovens com as gerações adultas são marcadas tanto por situações de conflito como de solidariedade e se expressam na vida das institui ções como família, escola, religiões, mídia e mundo do trabalho, entre outras. Finalmente, será considerada a dimensão da juventude como ator social, ou seja, sua capacidade de agir, participar e interferir com autonomia no espaço público, constituindo um segmento relevante para a construção da democracia no mundo atual. PGM 2: Juventude, trabalho e educação no Brasil Não é por acaso que o tema “juventude, trabalho e educação” assume uma preocupação específica no âmbito das políticas do Estado brasileiro. Toma cada dia mais espaço na imprensa aquilo que pesquisas sobre o tema já apontavam há mais tempo: de forma diferente e com conseqü ências diversas, uma massa imensa de jovens é mutilada no seu direito ao futuro. Um cenário que Boaventura Santos (1999) denomina de fas cismo societal de insegurança. Aplica-se para os jovens especialmente, de forma direta, aquilo que Vitor Frankel, já nos anos 40, denominava de “vida provisória em suspenso”, ao referir-se à situação dos tuberculosos, dos que viveram a experiência dos campos de concentração ou de quem vive em situação de desemprego. O foco de abordagem se aterá em realçar, primeiramente, a base social, econômica, cultural e política que torna a perspectiva dos jovens brasi leiros do campo e da cidade perversa no âmbito do direito ao trabalho e educação. Em seguida, e em conseqüência disso, há a necessidade de romper com mistificações sobre a relação entre trabalho, emprego e vínculo direto com a escolaridade. Por fim, sinalizar desafios e perspec tivas no âmbito das políticas públicas (locais, regionais e nacionais) que encaminhem para soluções que transcendam as dimensões focais e de cunho assistencialista. Trata-se de articular e efetivar, ao mesmo tempo, políticas redistributivas e emancipatórias. No primeiro aspecto, no caso dos jovens entre 14 e 18 anos, a proposta é de lhes assegurar uma renda (bolsa) que lhes garanta freqüentar o Ensino Médio. ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 6 PROPOSTA PEDAGÓGICA PGM 3: Juventude e sexualidade O objetivo deste programa consiste em analisar aspectos da sexualidade na juventude, em especial, aqueles que podem e devem ser abordados na escola e em contextos socioeducativos mais amplos como a família e as comunidades nas quais o jovem se encontra inserido. Neste sentido, serão considerados temas tais como: transformações do corpo; papéis e estereótipos de gênero; relacionamentos interpessoais; expressões da se xualidade; valores, conflitos e contradições que cursam com a juventude. PGM 4: Juventude e culturas de participação No programa Juventude e culturas de participação serão discutidos processos sociais de participação social, política e cultural dos jovens na sociedade contemporânea. Serão apresentados conceitos e estudos que indicam que mesmo que nas décadas de 80 e 90 a política tenha ocupado um papel secundário na valoração e nas ações coletivas da grande maioria dos jovens brasileiros, novas e criativas formas de par ticipação social e cultural caracterizaram a presença da juventude na arena pública. O programa pretende demonstrar que a tendência de afastamento das formas tradicionais de socialização política é exten siva ao conjunto da sociedade, não se tratando de um traço típico dos jovens de hoje. Da mesma forma se procurará evidenciar que a baixa participação em atividades estritamente políticas, especialmente no caso dos jovens brasileiros nos anos 90, foi acompanhada de ações de expressivos contingentes que conhecem e acompanham as atividades de outros jovens e/ou se auto-organizam em grupos, principalmente os ligados a atividades de cultura e lazer. Será dado destaque à impor tância da criação de culturas escolares participativas como expressão da incorporação cidadã dos jovens alunos na gestão e na vida demo crática das escolas. PGM 5:Cultura, escola e identidades juvenis O programa buscará abordar a Juventude e seus contextos de diversi dade cultural: processos e espaços de construção social dos jovens na sociedade contemporânea. A relação da juventude com os processos sociais e culturais de produção de identidades: os diferentes modos de ser jovem na sociedade brasileira. A juventude e a escola: os desafios e os impasses na educação da juventude. A juventude e a cultura: os ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 7 PROPOSTA PEDAGÓGICA múltiplos sentidos das linguagens culturais na formação dos jovens. Bibliografia - PGM 1 CORTI, Ana Paula; FREITAS, Maria Virginia de; SPOSITO, Marília Pontes. O encontro das culturas juvenis com a escola. São Paulo: Ação Educativa, 2001. ABRAMOVAY, Mirian; CASTRO, Mary Garcia. Ensino Médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO/Ministério da Educação, 2003. CENPEC. Professores e jovens: construindo pontos de encontro. São Paulo: CENPEC, 2001. CHARLOT, Bernard (org.). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre: Artmed, 2001. SOUZA, Regina Magalhães. Juventude e escola: o aprender a aprender. São Paulo: Paulus, 2003. FREITAS, Maria Virgínia; PAPA; Fernanda de Carvalho. Políticas públicas: juventude em pauta. São Paulo: Cortez/Ação Educativa/Friedrich Ebert Siftung, 2003. Bibliografia - PGM 2 ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do tra balho: São Paulo, Boitempo, 1999. ARROYO, M. O direito do trabalhador à educação. In: FRIGOTTO, G. (org.) Trabalho e conhecimento: Dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1987. pp. 75-92. ARROYO, M. Revendo os vínculos entre trabalho e educação: elementos materiais da formação humana. In: SILVA, T. T. da (org.) Trabalho, educação e prática social. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991, pp. 163-216. CASTRO, N. A. Organização do trabalho, qualificação e controle na indústria moderna. In: Vários. Trabalho-educação. São Paulo: Papirus/ANPEd/ANDE, 1992. pp. 69-94. CASTRO, R. P. Tecnologia, trabalho e educação (interdeterminações). Cadernos ANPEd. Belo Horizonte, nº 6, out., 1994. CHESNAIS, F. A mundialização do capital, São Paulo: Scrita, 1996. ORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo: UNESP, 1996. FRAGA, Paulo. C. F. & LULIANELLI, J. A. S. (orgs.) Jovens em tempo real. Rio de Janeiro, Editora DP&A, 2003. FRANCO, Maria Ciavatta. O trabalho como princípio educativo. Rio de Janeiro: PUC, 1990. Tese de Doutorado. ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 8 PROPOSTA PEDAGÓGICA FRIGOTTO, G. (org.) Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. FRIGOTTO, G. (org.). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1987. FRIGOTTO, G. (org.) Fazendo pelas mãos a cabeça do trabalhador: O trabalho como elemento pedagógico na formação profissional. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nº 47, 1993. pp. 38-45. FRIGOTTO, G. A educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995. (*) FRIGOTTO, G. Pauperização, trabalho e educação: a profissionalização em questão. Caderno Cedes, São Paulo, (31): 49-62, 1993. FRIGOTTO, G. Trabalho, educação e tecnologia: treinamento polivalente ou formação politécnica? Revista ANDE. São Paulo, 8 (14): 33-44, 1989. FRIGOTTO, G. e CIAVATTA M. (org.) A experiência do trabalho e a escola básica. Rio de Janeiro, DP&A, 2003. KUENZER, A. Educação e trabalho no Brasil: O estado da questão. Brasília, INEP/MEC, 1987. NEVES, M. Mudanças tecnológicas e organizacionais e os impactos sobre o trabalho humano e a qualificação profissional. In: Vários. Trabalho-educação. São Paulo: Papirus/ANPEd/ANDE, 1992. pp. 25-38. NOSELLA, P. A modernização da produção e da escola no Brasil - O estigma da relação escravocrata. In: Cadernos ANPEd. Porto Alegre, nº 5, set., 1993. OFFE, C. Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991. OLIVEIRA, F. O ornitorrinco. In: _____. Crítica da razão dualista - o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. PAIVA, V. O novo paradigma de desenvolvimento: educação, cidadania e trabalho. Educação e Sociedade, São Paulo, 14 (45): 309-26, ago., 1993. SANTOS, B. S. Reinventando a democracia. Entre o pré-contratualismo e o pós-contra tualismo. In: Vários. A crise dos paradigmas em ciências sociais. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. SAVIANI, D. Capitalismo, trabalho e educação. In: Lombardi, J., Saviani, D. e Sanfelice, J. L. (orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Editores Autores As sociados, 2002. VASCONCELOS, M. D. A questão do emprego juvenil: singularidades européias. Revista Perspectiva, vol. 19, nº 1, jan./jun. 2001, p. 88-105 Bibliografia - PGM 3 ABERASTURY, A., KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 9 PROPOSTA PEDAGÓGICA BALEEIRO, Maria Clarice; SIQUEIRA, Maria José; CAVALCANTE, Ricardo C.; SOUSA, Vilma de. Sexualidade do Adolescente; fundamentos para uma ação educativa. Salva dor: Fundação Odebrecht e Secretaria de Educação do Estado da Bahia, 1999. BADINTER, E. Um é o outro. Relações entre homens e mulheres. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. BADINTER, E. XY - Sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. BARBOSA, M. P. M. Uma experiência de educação sexual em escolas de 1º Grau. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v.1, n.2, p.104-108, 1990. BARROSO, C., BRUSCHINI, M. C. Educação Sexual - debate aberto. Petrópolis: Vozes, 1982. BARROSO, C., BRUSCHINI, M. C. Sexo e Juventude. São Paulo: Brasiliense, 1983. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Orientação Sexual. In: Parâmetros Cur riculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação de temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 287-335. BECKER, D. O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense, 1992. (Coleção Primeiros Passos) CATONNÉ, J. P. A sexualidade ontem e hoje. São Paulo: Cortez, 1994. CAVALCANTI, R. C. et al. Saúde sexual e reprodutiva. Ensinando a ensinar. [s.l: s.n.,1990?] CASTELÃO, Talita Borges. Sexualidade da pessoa com Síndrome de Down. 2001 (Dis sertação de Mestrado em Sexologia - Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro). DIMENSTEIN, G. Meninas da noite. A prostituição de meninas-escravas no Brasil. São Paulo: Ática, 1992. ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. FAGUNDES, T. C. P. C. Educação sexual nas escolas: relato de uma experiência de inter venção através de orientação para o professor. SEXUS - Estudo Multidisciplinar da Sexualidade Humana. Rio de Janeiro, v.1, n.3, p.17-20, 1989. FAGUNDES, T. C. P. C. Educação Sexual - prós e contras. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v. 3, n. 2, p. 154-157, 1992. FAGUNDES, T. C. P. C. Educação Sexual e Formação do Professor - necessidade e viabilidade. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v. 4, n. 2, p.154-163, 1993. FAGUNDES, T. C. P. C. Educação sexual - construindo uma nova realidade. Salvador: UFBA, 1995. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Sexualidade na Adolescência. Análise & Dados. Salvador, v. 7, n. 2, p. 177-183, 1997. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. De repente acontece. Revista da Escola de Pais. Salvador, v. 19, p. 25-28, 23 out. 1999. FAGUNDES, Tereza Cristina P. C. (org.). Ensaios sobre Gênero e Educação. Salvador: ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 10 PROPOSTA PEDAGÓGICA UFBA - Pró-Reitoria de Extensão, 2001 (Série UFBA em Campo: Estudos). FAGUNDES, Tereza Cristina P. C. (org.). Ensaios sobre Identidade e Gênero. Salvador: Helvécia, 2003. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade - I: a vontade de saber; II: o uso dos pra zeres; III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985. GREGERSEN, E. Práticas sexuais: a História da Sexualidade Humana. São Paulo, Roca, 1983. GHERPELLI, Maria Helena B. V. Diferente, mas não desigual: a sexualidade no deficiente mental. São Paulo, Gente, 1995. GOLDBERG, M. A. A. Educação sexual - uma proposta, um desafio. São Paulo: Amanda, 1982. GUIA DE ORIENTAÇÃO SEXUAL: diretrizes e metodologia da pré-escola ao 2º grau. GTPOS/ABIA/ECOS. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. JAGGAR, Alison; BORDO, Susan. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro: Record /Rosa dos Tempos, 1997. KUSNETZOFF, Juan C. A mulher sexualmente feliz - do mito à verdade científica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. KUSNETZOFF, Juan C. O homem sexualmente feliz - do mito à verdade científica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. MADERAS, L., MADERAS, A. O que está acontecendo com o meu corpo? Manual de crescimento para mães, pais e filhas. Especial para garotas. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. MADERAS, L., SAAVEDRA, D. O que está acontecendo com o meu corpo? Manual de crescimento para mães, pais e filhos. Especial para garotos. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. MEAD, Margareth. Macho e fêmea: um estudo do sexo num mundo em transformação. Petrópolis: Vozes, CERES, 1974. MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através do tempo e suas perspectivas para o futuro. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. PASSOS, M. R. L. e outros. Doenças Sexualmente Transmissíveis. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1985. PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual do Brasil contemporâneo. São Paulo: Best Seller, 1991. REVISTA BRASILEIRA DE SEXUALIDADE HUMANA. São Paulo: Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana, Iglu, 1990, v. 1, n. 1. Semestral. RIBEIRO, Marcos (org.). Educação Sexual - novas idéias, novas conquistas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. SILVA, Araguari C. Terapia do sexo e dinâmica do casal. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989. SUPLICY, Marta et al. Sexo se aprende na escola. São Paulo: Olho d’Água, 1995. ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 11 PROPOSTA PEDAGÓGICA TIBA, Içami. Sexo e adolescência. São Paulo: Ática, 1992. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Saúde e educação sexual do jovem - um estudo em Salvador. Salvador: ISP/UFBA, 1988. VITIELLO, Nelson. Reprodução e Sexualidade - um manual para educadores. São Paulo: CEICH, 1994. VITIELLO, N. Sexualidade: quem educa o educador: um manual para jovens e educa dores. São Paulo, Iglu, 1997. WEREBE, Maria José. G. A educação sexual nas escolas. São Paulo: Moraes, 1977. ZECKER, I. Adolescente também é gente. São Paulo: Summus. 1985. Bibliografia - PGM 4 ABRAMO, Helena e VENTURI, Gustavo. Juventude, política e cultura. In: Teoria e Debate. Revista da Fundação Perseu Abramo, nº 45, jul/ago/set. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. BALARDINI, Sérgio (org.). La participación social y política de los jóvenes en el horizonte del nuevo siglo. Colección Grupos de Trabajo CLACSO. Buenos Aires: CLACSO, 2000. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da glo balização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: Anos 90: Políticas e Sociedade no Brasil. Evelina Dagnino (org.). São Paulo: Brasiliense, 1994. DAYRELL, Juarez e CARRANO, Paulo. Dificultades de finales del siglo y promessas de um mundo diferente. In: Jovenes. Revista de estúdios sobre Juventud, nº 17. México, DF: Instituto Mexicano de Juventud, 2002. LAGUNA, Ricardo Becerra. Participación política y ciudadana de los jóvenes. In: Jó venes: una evaluación del conocimiento. La investigación sobre Juventud en México 1986-1999. José Antonio Pérez Islas (org.). Colección Jóvenes, nº 05. México, DF: Instituto Mexicano de Juventud, 2000. OESTERREICH, Detlef. A atitude da juventude alemã diante da atuação política: uma comparação internacional. In: As caras da juventude. Paulo Sérgio do Carmo et al. Cadernos Adenauer, nº 6. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001. PONTUAL, Pedro. Juventude e poder público: diálogo e participação. In: Políticas públicas: juventude em pauta. Maria Virgínia de Freitas e Fernanda de Carvalho Papa (org.). São Paulo: Cortez/ Ação Educativa/ Fundação Friedrich Ebert, 2003. SCHMIDT, João Pedro. Juventude e políticas públicas no Brasil. A socialização política dos jovens na virada do milênio. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. SPOSITO, Marília Pontes y CARRANO, Paulo César. Juventud y políticas públicas en Brasil. In: Políticas públicas de juventud en América Latina: Políticas Nacionales. Valparaíso: Ediciones CIDPA, 2003. ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES 12 PGM 1 PGM 1 Juventude: o que é? Marilia Pontes Sposito* APONTAMENTOS PARA DISCUSSÃO SOBRE A CONDIÇÃO JUVENIL NO BRASIL Este texto não pretende traçar um retrato exaustivo da situação dos jovens brasileiros, tendo em vista o conjunto de desafios enfrentados pela sociedade atual para oferecer aos jovens novas alternativas de desenvolvimento econômico-social e espaços realmente democráticos que atendam às suas necessidades, consagrem direitos e possibilitem a convivência das diferenças, sem acentuar as desigualdades. Sua meta é oferecer alguns subsídios para a análise do tema juventude. * Professora titular de Sociologia da Educa ção da Faculdade de Educação da USP e membro da diretoria da Ação Educativa. Torna-se preciso, de modo preliminar, reconhecer o debate e algumas das imprecisões que permeiam a própria definição do que pode ser considerado juventude. Não se trata de percorrer todos os temas subjacentes à discussão a respeito dessa fase de vida. Tem sido recorrente a importância de se tomar a idéia de juventude em seu plural – juventudes – em virtude da diversidade de situações existenciais que afetam os indivíduos nessa etapa do ciclo de vida. No entanto, parte desta imprecisão parece decorrer da superposição indevida entre fase de vida e sujeitos concretos, aspectos que, por exemplo, para os estudiosos da infância, não se superpõem, como afirma Attias-Donfut (1996). Juventude e jovens exprimem estatutos teóricos diferentes, operação ainda não delimitada claramente pelos atores interessados na juventude, pois superpõe jovens – sujeitos – e fase de vida – juventude – como categorias semelhantes. Abad (2002) propõe, também, uma distinção importante entre a condição (modo como uma sociedade constitui e significa esse momento do JUVENTUDE: O QUE É? 13 PGM 1 ciclo de vida) e a situação juvenil, que traduz os diferentes percursos que a condição juvenil experimenta a partir dos mais diversos recortes: classe, gênero e etnia, entre outros. Assim o mero recorte demográfico – jovem é aquele que está entre 15 e 24 anos – pode ser um marcador inicial, mas extremamente insuficiente para com preender todos os aspectos socioculturais presentes nessa etapa do ciclo da vida. Parte dos conflitos em torno da idéia de juventude decorre do fato de que essa fase de vida, na sociedade atual, tornou-se também modelo cultural (Peralva, 1997). Há um modelo idealizado do “ser jovem” que ultrapassa os marcos do ciclo de vida e invade o mundo: todos querem permanecer jovens. Por essas razões, muitas vezes, quando falamos de juventude, estamos mais próximos do modelo cultural e de uma certa representação idealizada desse momento, o que, paradoxalmente, nos afasta e impede a compreensão dos jovens concretos. Mas também é preciso compreender que tal categoria – juventude – encerra intrinsecamente uma tensão que não se resolve: ela é ao mesmo tempo um mo mento no ciclo de vida, concebido a partir de seus recortes socioculturais, e um modo de inserção na estrutura social (Sposito, 1997, 2002; Peralva, 1997; Dubet, 1996; Attias-Donfut, 1996; Galand, 1996; Margulis, 1996; Melucci, 1997). Não se trata assim de optar por um dos pólos, o que criaria uma falsa oposição: ora privilegiamos as origens sociais e os limites que a estrutura social impõe aos seus sujeitos, ora enfatizamos características universais da fase de vida. Assim, ser jovem é viver, ao mesmo tempo, uma determinada forma de inserção na estrutura da sociedade, amplamente determinada pelas condições sociais, étnicas, culturais e de gênero, e um momento do ciclo de vida, marcado por algumas especificidades. A moderna concepção sobre a juventude, produto de longas transformações observadas a partir do século XVIII, mas consolidada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, incidiu sobre alguns focos: o alongamento da transição entre a infância e a vida adulta, a escolaridade como etapa intrínseca à condição juvenil, o retardamento da entrada no mundo do trabalho e o aparecimento de formas de consumo e de produção cultural típicas desses segmentos. As análises de Hobsbawn (1989) sobre a revolução cultural na segunda metade do século XX estão profundamente articuladas ao aparecimento da moderna condição juvenil. Passerini (1996) situa esse segmento, nos anos 50, como metáfora da mudança social, uma vez que esse período marcou o nascimento de um mundo adolescente e juvenil relativamente autônomo, não só na sociedade como no interior da escola. O alongamento da transição entre a infância e a idade adulta deve ser igual mente problematizado, porque se realizou em ritmos e modalidades diversas nas várias sociedades e, sobretudo, porque tornou imprecisas as marcas que definem JUVENTUDE: O QUE É? 14 PGM 1 a atual condição adulta por oposição à juvenil, restando sempre uma insidiosa e difícil questão: quando uma sociedade, em um determinado momento de sua história social e cultural, considera que alguém é adulto? Por essas razões, muitas das pesquisas têm se voltado atualmente para o tema dos “modos de entrada na vida adulta”, uma vez que essa passagem não se dá de uma única maneira e em um único tempo (Galland, 1996; Pais, 1995; Singly, 2000). Recorro apenas a um exemplo para ilustrar essa situação, inspirando-me em Attias-Donfut quando examina as diferenças entre o estatuto da autonomia e o da independência. Antes reunidas – autonomia e independência – pela conquista do trabalho, hoje se apresentam dissociadas, pois aos jovens se reconhece cada vez mais a possibilidade da autonomia em um contexto de dependência econômica que pode se prolon gar indefinidamente, tendo em vista as transformações do mundo do trabalho e a crise da sociedade assalariada e o fenômeno do desemprego (Attias-Donfut, 2000). De modo geral, devemos considerar que, nesse momento do ciclo de vida, os jovens imprimem às suas práticas sentidos diversos e interagem com um conjunto de instituições onde estabelecem contatos e significados simbólicos constituídos pelo mundo adulto na família, na escola e no trabalho. Essas instâncias, consideradas socializadoras, devem ser submetidas à crítica nas suas relações com jovens, pois em seu interior se estabelecem entre as gerações – adultos e jovens – tanto relações de conflito como de solidariedade. 1 O termo educação, no entanto, recobre um campo extremamente vasto e importante que não se esgota na escola, pois “os meca nismos por meio dos quais uma sociedade transmite a seus mem bros seus saberes, o saber-fazer e o saber -ser que ela estima como nec ess ários à sua reprodução, são de uma infinita variedade” (Duru-Bellat e Van Zan ten, 1992, p. 1). Assim, ao se examinar, por exemplo, a relação dos jovens com a escola é importante admitir que a modernidade, ao instituir novas concepções sobre a infância, a adolescência e a juventude, instituiu, também, os modos de sua educação para além da família, situando a escola como uma de suas agências privilegiadas1. Ocorre, para efeito de maior precisão conceitual, que a instituição escolar, ao ser socializadora, além de ter por funções a transmissão sistemática de parcela da cultura humana acumulada e das competências neces sárias à sua incorporação, cumpre também outras funções ligadas ao aprendizado do estar junto e do “viver com”, muitas vezes obs curecidas no discurso pedagógico, mas igualmente importantes. Como afirma Bourdieu, hoje, qualquer esforço de compreensão JUVENTUDE: O QUE É? 15 PGM 1 do fenômeno da reprodução social compreende a análise dos sistemas escolares, forma dominante de socialização das novas gerações no século XX. Assim, o modo de reprodução da sociedade contempla uma dominante escolar (Bourdieu, 1989). Mas as mutações sociais observadas nas últimas décadas exigem daqueles que se debruçam sobre os fenômenos da socialização contemporânea e da reprodução social um olhar ampliado para outros agenciamentos presentes na formação e no desenvolvimento das novas gerações. Ocorre o reconhecimento da perda do monopólio cultural da escola, e a educação escolar – apesar de sua especificidade e importância – tende a se transformar em uma cultura entre outras. Desse modo, os jovens percorrem vários espaços de trocas sociais para além da escola e esta não constitui a única possibilidade de sua presença no mundo para além da família. Duru-Bellat e Agnes Van Zanten evidenciam que a própria condição de aluno deve ser pensada como algo problemático e não natural no interior da escola: não se nasce aluno, alguém se torna aluno. Para que tal perspectiva seja considerada é preciso, ao menos, três pressupostos: a dissociação entre o ensino e a aprendi zagem, que faz nascer a noção de trabalho escolar a ser realizado por crianças e jovens; o reconhecimento de que este trabalho do aluno não se resume à resposta às exigências explícitas inscritas nos programas e regulamentos oficiais, mas às expectativas implícitas da instituição e dos professores; finalmente, a necessidade de reconhecer que o aluno é expressão também de uma forma peculiar de sua inserção no ciclo de vida – a infância e a juventude – categorias específicas e do tadas de uma autonomia relativa na sociedade muitas vezes não reconhecida no campo educacional (Duru-Bellat e Van Zanten, 1992, p.179). A importância do trabalho para os jovens da sociedade brasileira sempre se fez presente, sobretudo como fator de inserção social, pela maior independên cia advinda do exercício de uma ocupação, pela possibilidade de construir um conjunto mais autônomo de experiências e de escolhas em sua trajetória. Para a ampla maioria, trabalhar significa, inclusive, a possibilidade de construção de uma carreira escolar, de modo bastante contrastante com a realidade dos jovens euro peus, para os quais a vivência estudantil não se articula fortemente com o mundo do trabalho. Assim, a crise do mundo do trabalho e as dificuldades de emprego afetam de forma mais intensa a experiência dos jovens no Brasil e devem estar no campo de debate das políticas públicas destinadas aos jovens. Não se trata, apenas, de pensar as dificuldades de sua integração no mundo profissional após o término da escolaridade. Ocorre que o próprio momento do ciclo de vida – a juventude – se torna mais tenso e cerceado em suas múltiplas possibilidades pela ausência do trabalho. JUVENTUDE: O QUE É? 16 PGM 1 Para os jovens, o momento de vida também se caracteriza por uma forte de manda de presença em espaços sociais próprios nos grupos de pares, no mundo do lazer, do consumo e da produção cultural. O campo hoje dos direitos dos jovens implica o reconhecimento de necessidades mais alargadas que não se resumem ao acesso à escola e ao mundo do trabalho. As possibilidades de construção de suas identidades em múltiplos espaços que assegurem experiências e escolhas diversificadas devem estar presentes nas pressuposições do que se considera amplamente como o conjunto dos direitos de juventude. Por essas razões, sobretudo com as rápidas transformações da sociedade contemporânea, os jovens querem e desejam ser sujeitos de suas próprias vidas, realizar escolhas e participar dos espaços públicos e coletivos sem a tutela do mundo adulto. Isso significa que a constituição de arenas democráticas para que jovens possam viver mais amplamente a juventude implica, em primeiro lugar, o reconhecimento de que eles podem ser atores, isto é, são capazes de ação e de tomar decisões responsáveis. Implica, em segundo lugar, a necessidade de um profundo reexame das relações intergeracionais – entre adultos e jovens – pois, ao redefinir o próprio campo de conflitos e de solidariedade que marca a pre sença dos jovens na sua experiência com as instituições, o mundo adulto precisa reconstituir o seu lugar na interação com os atores jovens, para além do controle e subordinação ou da omissão e ausência. Referências bibliográficas ABAD, Miguel. “Las politicas de juventud desde la perspectiva de la relacion entre convivencia, ciudadania y nueva condicion juvenil”. Ultima Decada, Viña del Mar, CIDPA, março 2002. ______. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 5/6, 1997. ATTIAS-DONFUT, Claudine. “Rapports de générations”. In: Revue Française de Socio logia, Octoubre/décembre 2000, 451-4, pp. 643-681. ATTIAS-DONFUT, Claudine. Jeunesse et conjugaison des temps. Sociologie et soci étés, v. 28, n. 1, 1996. BOURDIEU, P. La noblesse d´état. Paris: Minuit, 1989. DUBET, F. “Des jeunesses et des sociologies: le cas français”. Sociologie et sociétés, v. 28, n. 1, 1996. DURU-BELLAT, M. e VAN -ZANTEN, A. Sociologie de l´école. Paris: Armand Colin, 1992. JUVENTUDE: O QUE É? 17 PGM 1 GALLAND, Olivier. L´entrée dans la vie adulte en France. Sociologie et sociétés, v. 28, n. 1, 1996. HOBSBAWN, E. Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. LAGREE, Jean Charles. Age, jeunesse et politiques publiques. Paris, 1999. (mimeo.). MARGULIS, Mario e URRESTI, Marcelo. “La juventud és mas que una palabra”. In: MARGULIS, Mario. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud. Buenos Aires: Editorial Biblos, 1998. MELUCCI, A. “Juventude, tempo e movimentos sociais”. In: Juventude e contempora neidade. São Paulo, Revista Brasileira de Educação, ANPED, números 5 e 6, 1997. PASSERINI, L. “A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 50”. In: LEVI, G. e SCHMITT, J. C. (orgs.) História dos Jovens. A época contemporânea. São Paulo: Cia Editora das Letras, 1996, Volume 2. PERALVA, Angelina. “O jovem como modelo de cultural”. In: Juventude e contempora neidade. São Paulo, Revista Brasileira de Educação, ANPED, números 5 e 6, 1997. PERRENOUD, Ph. Métier d’ élève et sens du travail scolaire. Paris: ESF Éditeur, 1994. SINGLY, François de. “Penser autrement la jeunesse”. In: Lien social et politiques – RIAC, 43, pp. 9-21, 2000. VAN -ZANTEN, A. (org.). L´école. L´ état des savoirs. Paris: Éditions la Découverte, 2000. ______. Cultura da rua ou cultura da escola. Educação e pesquisa. São Paulo: FEUSP, volume 26, número 01, 2000a. JUVENTUDE: O QUE É? 18 PGM 2 PGM 2 Juventude, trabalho e educação no Brasil Gaudêncio Frigotto 1 Professor Titular Visitante da Universidade do Es tado do Rio de Janeiro. Membro representante do Brasil no Conselho Di retivo do CLACSO (Con selho Latino-americano de Ciências Sociais) e do GT Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-gra duação em Educação (ANPEd). 2 Como poderá depre ender-se da leitura do texto, o ponto de partida da análise que empreen demos sobre juventu de, trabalho e educação no Brasil é o de situá-la no âmbito das classes e frações de classes so ciais. Isto não elide e não inviabiliza que con sideremos questões de gênero e raça. Trata-se de categorizações que, pelo contrário, ganham maior densidade ana lítica quando relacio nadas à classe soc ial. Um simples acesso ao Observatório sobre ju ventude, coordenado, na UFF, pelo prof. Paulo Carrano, nos dá elemen tos valiosos sobre as ju ventudes existentes no Brasil. Há, por outro lado, pesquisadores que se ocupam desta discussão. Ver Sposito (1997, 2001, JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL: MISTIFICAÇÕES E DESAFIOS DE UMA RELAÇÃO COMPLEXA 1 Tomado por diferentes ângulos, o tema de que nos ocupamos nesta análise é, desde o início, complexo e controverso. Esta complexidade e esta controvérsia iniciamse pela dificuldade de ter-se um conceito unívoco de juventude. Isto tanto por razões históricas, quanto sociais e culturais. Por esta razão, é necessário, de imediato, não tomá-lo de forma rígida. Mais adequado seria, talvez, falar, como vários autores indicam, em juventudes, especialmente se tomarmos um recorte de classe social2. Ao optarmos por essa compreensão, podemos levar em conta particularidades e até aspectos singulares, sem cair numa perspectiva atomizada. Os sujeitos jovens (ou as juventudes) teimam em ser uma unidade dentro do diverso mundo econômico, cultural, étnico, de gênero, de religião, etc. Não menos controvertidos e complexos são os temas do tra balho e do emprego. Em torno destes temas, há simplificações e mistificações de toda ordem. A mais elementar é reduzir o trabalho, de atividade humana vital, forma de o ser humano criar e recriar JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 19 PGM 2 2002) e Abramo (1994). Nos campos da Antro pologia, Sociologia e Psicologia há uma am pla gama de pesquisas que podem subsidiar a compreensão das vá rias juventudes em seu recorte de classe, etnia, raça, gênero, etc. Como ao longo deste texto utilizaremos os termos mercado, mer cado de trabalho, mer cado formal e informal cabe, de imediato, uma advertência ao leitor. O conceito ou noção de mercado ou mercado de trabalho é altamen te banalizado pela ide ologia do liberalismo econômico. É freqüen te ouvirmos ou lermos, na imprensa, que o “mercado está nervoso, tenso ou deprimido”. O mercado é personifica do. Esconde-se que o mercado de trabalho resulta de relações so ciais, relações de força e de poder vinculadas a interesses de grupos e frações das classes sociais. A dicotomia mercado formal e in formal, por outro lado, não permite captar uma enorme diversi dade de estratégias de sobrevivência dos con tingentes excluídos do trabalho formal. Eco nomia popular, econo mia de sobrevivência, economia solidária são novos conceitos que buscam expressar essa complexidade. (Tiriba, 2000). 3 4 Ao definirmos como foco deste texto os jovens de classe tra balhadora que, carac terizados como prove seus meios de vida, com emprego, forma específica que assume dominantemente o trabalho sob o capitalismo: venda e compra de força de trabalho. Os jovens a que nos referimos nesta análise têm “rosto definido”. Pertencem à classe, ou à fração de classe “filhos de tra balhadores assalariados”, ou que produzem a vida de forma por vezes precária, por conta própria, no campo e na cidade, em regiões diversas e com particularidades socioculturais e étnicas. Compõem este universo aproximadamente seis milhões de crianças e jovens que têm a inserção precoce no mundo do emprego ou do subem prego. Inserção esta que não é uma escolha, mas uma imposição de sua origem social e do tipo de sociedade que se construiu no Brasil. Aqui os recortes de classe e de forma, sobrepostos ao de cor ou, considerado mais adequado, como veremos adiante, de raça, evidenciam-se sem necessidade de muitas mediações. Mesmo na delimitação deste universo podemos encontrar diferentes particularidades. Assim, uma massa enorme de jovens trabalha com a família em minifúndios ou como arrendatários ou assalariados do campo. Outros milhares de jovens vivem nas centenas de acampamentos, de norte a sul, do movimento dos Sem-Terra. Mas, certamente, o número maior de jovens filhos de trabalhadores reside em bairros populares ou favelas das médias e grandes cidades do Brasil. Todos estes grupos de jovens têm suas especificidades mas, do ponto de vista psicossocial e cultural, tendem a sofrer um processo de adultização precoce. A inserção no mercado formal ou “informal” de trabalho3 é precária em termos de condições e níveis de remuneração. Uma situação, portanto, muito diversa da dos jovens de “classe média” ou filhos dos donos de meios de pro dução, que estendem a infância e juventude. Nestes casos, a grande maioria inicia sua inserção no mundo do trabalho após os 25 anos e em postos de trabalhos ou atividades de melhor remuneração4. Há, também, um número significativo de jovens das grandes capitais que foram violentados em seu meio e nas suas condições de vida, que se enquadram numa situação que, no mundo da física, se denomina de ponto de não reversibilidade. Trata-se de grupos de jovens que foram tão desumanizados e socialmente violenta JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 20 PGM 2 nientes da classe social que “vive da venda da sua força de trabalho” (Antunes, R., 1999), não estam os sinalizando que os jovens da clas se média ou do topo da pirâmide social não tenham problemas. A análise de Píer Paolo Pa solini, na obra “Jovens infelizes”, nos mostra que a juventude parece estar condenada àqui lo que é um dos temas misteriosos do teatro grego trágico: a pre destinação dos filhos a pagar a culpa dos pais. (...) a nossa culpa de pais consistiria no seguinte: em crer que a história não seja e não possa ser senão a história da burguesia ” (Pasolin i, P.P., 1990). Pasolini tem como contexto de sua análise o fascismo e “o poder do consumo, última das ruínas, ruína das ruínas”. Os jovens pobres sentem-se “infe lizes” por não poderem fruir as promessas do consumismo, e os filhos da burguesia por serem levados a um estado de permanente insatisfa ção com o que conso mem. Tomando-se a questão do futuro de jo vens filhos de pais com altos salários – gerentes, executivos de grandes empresas (funcionários do capital) – no contex to de crise do sistema capitalista encontramos problemas que, embo ra de outra natureza em relação aos jovens de classe trabalhadora, os tornam “infelizes”. Um estudo indicativo a esse respeito é de Célia Fer reira Novaes sobre “As determinações sociais dos que se tornaram presas fáceis do “mercado da prostituição infanto-juvenil ou de gangs que nada têm a perder, ou constituem um exército de soldados do tráfico ”. Com efeito, em pesquisa feita pela UNESCO sobre o mapa da violência, o Brasil ocupa o 3º lugar na América Latina. A situação das grandes capitais é dramática. Em 1980, no Rio de Janeiro, os homicídios de jovens entre 15 e 24 anos representavam 33,2% das mortes totais da capital5. No ano de 2000, passou a representar 53,2%” ( Pereira, M., 2004). Os dados do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro indicam que as mortes em confronto com a polícia, no Rio de Janeiro, passaram de 900 casos em 2002, para 1.195 em 2003. Essa tendência, em relação aos jovens nesta faixa etária, se reproduz em outras capitais, como São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, etc. A configuração acima esboçada nos indica que não é por acaso que o tema e a relação juventude, trabalho e educação assume, es pecialmente nas últimas décadas, uma preocupação específica no âmbito das políticas públicas do Estado Brasileiro. Aplica-se, para um contingente enorme de jovens no Brasil, aquilo que Vitor Frankel, nos anos 40, denominava de “vida provisória em suspenso”, ao referir-se à situação dos tuberculosos, dos que viveram a experiência dos cam pos de concentração ou de quem vive em situação de desemprego. Algumas indicações merecem ser destacadas sobre o tema juventude, trabalho e educação. A primeira destas indicações é a de que a mutilação de direitos elementares da infância e da juventude, em relação aos filhos da classe trabalhadora, é uma constante ao longo de nossa história. Isto nos remete a buscar entender esta realidade no âmbito das raízes estruturais no plano econômico, político e cultural. O agravamento das condições de vida destes jovens está ligado à recusa criminosa da elite brasileira em efetivar as reformas (agrária, tributária e social) e em romper com a relação de partilha subserviente com o capital especulativo. Uma armadilha que tem sido imobilizadora na ação é a perspec tiva da visão antinômica entre as políticas públicas estruturais e as políticas emergenciais e focalizadas. Se, de fato e comprovadamen te, a tendência tem sido de políticas focalizadas, de cunho assisten JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 21 PGM 2 no problema da escolha profissional: contradi ções e angústias nas opções dos jovens das classes sociais de alta renda” (Novaes, 2003). 5 Dificilmente passa um dia sem que os jornais de grande circulação não noticiem mortes de jovens em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Trata-se de mortes causadas por confrontos ou não com cialista, que atacam, de forma superficial, os efeitos da desigualdade, isto não impede que se implementem políticas redistributivas e de caráter emancipatório de grupos específicos mais violentados e, ao mesmo tempo, que se busque atacar os problemas estruturais. A perplexidade situa-se no fato de que, após um ano de governo composto por forças políticas que historicamente defenderam essas mudanças de rumo estrutural, não há sinais claros nesta direção. A mudança de rumo das políticas públicas para jovens da classe trabalhadora implica que sejam superadas algumas mistificações em voga dentro do credo do liberalismo conservador e de sua face atual, o neoliberalismo. O trabalho precoce de crianças e jovens e a escolaridade precária, ou a ausência da mesma, se correlacionam fortemente, mas uma não explica a outra e também não podem, linearmente, serem tomadas uma como solução da outra. Ambas têm sua determinação fundamental na origem de classe. Ou seja, os jovens que têm traba lho precoce, de baixa qualidade e remuneração, e os jovens que têm pouca escolaridade, ou estão fora da escola, estão nesta condição por serem filhos de trabalhadores com condições de vida precárias. Isso nos mostra que a tese de “empregabilidade” é falsa e cínica. Falsa porque a escola não tem, como vimos, capacidade de gerar nem garantir o emprego. Ainda mais falsa num contexto de crise endêmica de desemprego e, no caso brasileiro, de recessão. Cínica, porque culpa a vítima por ser pobre e por ter baixa escolaridade e, ainda, porque mascara a estrutura social geradora de desigualdade. Do mesmo modo, a questão fundamental não é racial. Os piores empregos e salários e a menor escolaridade não se devem precipua mente ao fato de os jovens serem negros. Deve-se ao fato de que, na formação social brasileira, os 400 anos de escravidão incidiram sobre os negros e a libertação legal não lhes devolveu o que lhes foi espoliado. O legado foi de serem jogados no grupo ou fração da classe trabalhadora com as menores condições de sobrevivência. É a partir desta situação histórica que se desenvolve o preconceito racial, que passa a ser um reforço e justificativa da desigualdade. Neste caso, as políticas contra a discriminação são, ao mesmo tempo, de classe e de raça. Pela razão histórica, é possível justificar, numa espécie de ajuste de contas com uma dívida social, política e ética, uma prioridade para os negros, mas não pode ser exclusiva. JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 22 PGM 2 Uma política pública redistributiva e emancipatória de caráter mais universal, que teria extraordinário efeito social, econômico e ético, seria, como discutimos ao longo deste texto, a retirada do mercado de trabalho, formal ou não-formal, de todas as crianças e também dos jovens até a idade legal de conclusão do nível médio. Como vimos, para que isso seja viável, há a necessidade de estipular-se uma renda mínima para estas crianças e estes jovens, sem o que eles não podem abandonar sua luta pela sobrevivência. Para jovens de 18 a 24 anos, garantir a possibilidade de continuidade de escolaridade até completar o Ensino Médio. Para os que estão empregados, criar condições de tempo, legalmente garantido, para o estudo e um apoio, em termos de bolsa de estudo, sem o que também não têm condições de retornar à escola. Para os desempregados, uma renda mínima e, concomitan temente, implementar a política de primeiro emprego. Pelo tamanho do Produto Interno Bruto do Brasil, está claramente provado que há viabilidade econômica para estas políticas e que, portanto, a decisão de implementá-las é política. Certamen te, isto é inequívoco, uma outra divisão da riqueza e da renda, vergonhosamente concentradas. Isto, como sinalizou Pochmann, não se faz sem contrariar interesses dos ricos, das grandes fortunas e do capital especulativo. Esta direção de política pública, levando-se em conta as particularidades dos diferentes grupos de jovens, pode garantir uma educação básica que faculte aos jovens as bases dos conhecimentos que lhes permitem analisar e compreender o mundo da natureza, das coisas e o mundo humano/social, político, cultural, estético e artístico. Formação de um jovem “técnico-dirigente”, sujeito autônomo e pro tagonista de cidadania ativa e não reduzido a um “cidadão-produtivo” explorado, obediente, despolitizado e que faça “bem feito” o que mercado determina. O que se deve ter presente é que milhares de jovens, do campo e da cidade, não podem continuar pagando o preço da mutilação dos seus direitos. Vai-se estabelecendo uma realidade em que a quantidade dos que se situam na linha dos que já não têm mais nada a perder pode se transformar num “direito” de se vingarem, por diferentes formas de violência e delitos, dos seus algozes. O dramático é que estes “algozes” têm como “blindar sua segurança”, ou erguer guetos protegidos. Quem paga são os pobres ou a remediada classe média. Mas isso também tem limites. Referências Bibliográficas ABRAMO, H. W. Cenas juvenis, punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo, Scritta, 1994. ANDERSON. P. Conferência no Seminário Pós-neoliberalismo III. Rio de Janeiro, Labo ratório de Políticas Públicas da UERJ (LPP), dezembro de 2002. JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 23 PGM 2 ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Boitempo, 1999. PASOLINI, Píer P. Os jovens infelizes - Antologia de ensaios corsários. São Paulo, Edi tora Brasiliense, 1990. POCHMANN, M. A elite joga fora uma oportunidade. Rio de Janeiro, jornal O Globo, Caderno Opinião, 27/2/2004, p. 7. SPOSITO, M. Estudos sobre Juventude em educação. In: Peralva, A. e Sposito, M. Juventude e Contemporaneidade. Número especial da Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, ANPED, maio/junho. SPOSITO, M. Juventude, pesquisa e educação. Caxambu: MG. 24ª Reunião Anual da ANPED, 2001. SPOSITO, M. (coord.) Juventude e escolarização. Brasília: MEC/INEP/ COMPED, 2002. TIRIBA, L. V. Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia (s) da produção associada. Egeu/RS, UNIJUÍ, 2001. JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 24 PGM 3 PGM 3 Juventude e sexualidade Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes 1 JUVENTUDE E SEXUALIDADE Resumo: O objetivo deste texto consiste em analisar aspectos da sexualidade na juventude, em especial aqueles que podem e devem ser abordados na escola e em contextos socioeducativos mais amplos, como a família e as comunidades nas quais o jovem se encontra inserido. Neste sentido, serão considerados temas tais como: transformações do corpo; papéis e estereótipos de gênero; relacionamentos interpessoais; expressões da sexualidade; valores, conflitos e contradições que cursam com a juventude. Doutora em Educação. Professor Participante Especial / PROPAP / UFBA. Coordenadora do PROEDSEX - Pro grama de Educação Sexual / Departamen to de Biologia / Ins tituto de Biologia Universidade Federal da Bahia. Vice-líder do GEFIGE – Grupo de Estudos em Filosofia, Gênero e Educação / PPGE. Faculdade de Educação - Universi dade Federal da Bahia. 1 O termo juventude traduz o período da vida humana entre a infância e a idade adulta. Ser jovem é não ser mais criança e ainda não ser adulto, pelo menos no sentido de completude da maturação corporal, psicológica e social. Ao longo da história, muitos têm preferido considerar a juven tude como o período final da adolescência, quando há desempenho de papéis definidos pela sociedade como de adulto, tais como a assunção de atividades produtivas. Outros, entretanto, usam in distintamente o termo juventude e adolescência para esta fase do desenvolvimento que se inicia com a puberdade e culmina com a entrada no mundo adulto, opção que será adotada neste artigo. “Quero falar de uma coisa adivinha onde ela anda?... JUVENTUDE E SEXUALIDADE 25 PGM 3 e há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto.” (Coração de Estudante - Wagner Tiso e Milton Nascimento) As modificações biológicas corporais, que não se iniciam na mesma época nem têm a mesma duração em todas as pessoas, envolvem todos os órgãos e estruturas do corpo. Há um grande impulso na estatura dos adolescentes, para as meninas, na idade média de onze anos e meio e, para os meninos, por volta dos treze anos e meio – é o chamado estirão puberal. Os picos de velocidade são 8,3 centímetros por ano, para as garotas, e 9,5 centímetros por ano, para os garotos. É por isso que a maioria das meninas de onze anos é mais alta do que os meninos da mesma idade, entretanto, a maioria deles logo alcança as meninas, ficando mais altos. O crescimento precoce não é indicativo de uma estatura mais elevada; as crianças que começam o estirão mais tarde apresentam uma média igual à das que começam mais cedo. Interessante lembrar que mesmo antes de perceber uma mudança em sua altura, os adolescentes percebem mudança no tamanho de seus pés e de outras partes do corpo, como as mãos e braços, que às vezes os assustam. Os meninos ganham peso ao mesmo tempo em que crescem em altura e têm um aumento muscular duas vezes maior do que as meninas; já as meninas crescem, para depois começar a ganhar peso e menstruar; acumulam mais gordura subcutânea (na pélvis, no busto, nas costas e nos braços) do que os meninos. A maioria dos órgãos duplica o seu tamanho: coração, pulmões, fígado, baço, rins, pâncreas, tireóide, supra-renais, gônadas, útero, genitais externos (pênis e vulva). O sistema nervoso também tem um aumento real, mas não tão acentuado, enquanto as amídalas, as adenóides e a cavidade da medula óssea diminuem. As glândulas sudoríparas ficam mais ativas, fazendo com que a transpiração seja mais freqüente e com cheiro diferente do existente quando criança, nas axilas, palmas das mãos, plantas dos pés e área genital (vulva e pênis). Também as glândulas se báceas se tornam mais ativas, podendo resultar em cabelos mais oleosos, genitais mais úmidos e poros da pele do rosto, costas e outras regiões do corpo tão oleosos que originam cravos e espinhas (acne). “Tenho um segredo para contar Eu não sabia que era assim... Vem aprender a amar Deixa o seu corpo ir mais além ”. (Aprender a amar - Sandy & Júnior) JUVENTUDE E SEXUALIDADE 26 PGM 3 A maturação sexual e reprodutiva é a mais evidente característica da adoles cência para a sociedade; abrange o aparecimento dos caracteres sexuais secun dários e a aquisição da fertilidade. O desenvolvimento sexual feminino começa, normalmente, com o crescimento das mamas; em seguida, vem o desenvolvimento dos pêlos pubianos, em distribuição triangular; o estirão, já mencionado; o desen volvimento dos pêlos das axilas, e a primeira menstruação, sinal da capacidade reprodutiva. Se houver o aparecimento dessas características antes dos 8 anos de idade, configura-se o quadro de puberdade precoce, que pode resultar em uma alteração do crescimento – estatura abaixo da média da população. Por outro lado, pode haver uma puberdade atrasada, se não houver sinal de desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários até os 14 anos, ou quando o tempo entre o início do desenvolvimento e a primeira menstruação for maior do que cinco anos. A causa deste atraso pode ser constitucional ou pode ser devido a anomalias congênitas, traumatismo, tumor, doença no ovário, ausência de útero e vagina, hímen sem perfuração, má nutrição ou outras doenças. Ambas as alterações são motivo de encaminhamento a um serviço médico especializado. O desenvolvimento sexual masculino começa com o aumento do volume testicular, seguindo-se um discreto crescimento das mamas, o desenvolvimento dos pêlos pubianos em distribuição losangular, o desenvolvimento dos pêlos das axilas, o aparecimento da barba e do bigode e a polução, que consiste na eliminação involuntária de esperma. A voz se torna mais grave, devido ao rápido crescimento da laringe e das cordas vocais que também ficam mais espessas. Assim como nas meninas, é possível, nos meninos a ocorrência de puberdade precoce ou tardia, motivos de acompanhamento médico. Todas essas modificações são decorrentes de um controle que se faz pela rea tivação do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas. O hipotálamo produz substâncias que agem na hipófise, que responde com a secreção de hormônios que vão atuar nas gônadas; ovários, nas meninas e testículos, nos meninos. As gônadas, por sua vez, secretam outros hormônios que desencadeiam as modificações características da puberdade, também as relacionadas às mudanças comportamentais e libidinais. A puberdade é, pois, um componente da adolescência/ juventude, mas a adolescência é um processo de maior duração; engloba a puberdade e também as transformações psicossociais por que passa o indivíduo no auge de seu processo maturativo. “Não quero ver quem tem razão Sou movido a paixão ...” JUVENTUDE E SEXUALIDADE 27 PGM 3 (Sexo, amor, traição – Luciana Mello) Nesta fase da vida, de mudanças físicas, psicológicas, sociais e culturais tão intensas, o jovem se sente confuso, cheio de dúvidas e ansiedades, principalmente em relação à postura corporal, comportamentos e atitudes, enfim, quanto à forma de ver e de entender o mundo. Perplexos diante do novo corpo que surge, os adolescentes se preocupam e valorizam a aparência visual. As meninas procuram realçar as novas “curvas” do corpo, usam batom para delinear os lábios e, com isso, chamar mais a atenção, exercitando sua capacidade de atrair, e observando o efeito dessa atração, prin cipalmente nos rapazes. Procuram ainda ligações mais íntimas com amigas para troca de confidências e desabafos sobre perdas, conquistas e rejeições. Também discutem moda, o jogo do embelezamento, da sedução na paquera, no “ficar” e no namoro. Já os rapazes procuram ter um corpo de atleta, um bom desempenho sexual, a virilidade, a potência, em como lidar com o desejo, a excitação (acompa nhada muitas vezes de ereção inesperada), com a “transa” e em como conquistar muitas garotas sem se prender a sentimentos e emoções. “O tempo todo eu fico feito tonto Sempre procurando mas ela não vem E esse aperto no fundo do peito Desses que o sujeito não pode agüentar Ah! Esse aperto aumenta meu desejo E eu não vejo a hora de poder lhe falar.” (Esperando na janela – Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundinho do violão) O desenvolvimento emocional do adolescente cursa com a criação de uma identidade própria. Neste dinamismo, que se processa através de sua interação com o mundo externo, o jovem precisa elaborar uma série de perdas, denominadas pela Psicologia como “lutos”. São 3 os principais lutos da adolescência: luto pela perda do corpo infantil, pela perda dos pais da infância e pela perda da identidade e do papel infantil. A chamada “crise da adolescência” é vivida de forma diferenciada de acordo com as particularidades de cada segmento familiar e social a que pertence a crian ça, além da sua própria dinâmica psicológica e de sua história de vida. É freqüente encontrarmos adolescentes passando por conflitos, dor e confusão frente a uma multiplicidade de exigências consideradas psicossociais, denominadas por Aberas tury e Knobell (1989) como características comportamentais da Síndrome da Ado JUVENTUDE E SEXUALIDADE 28 PGM 3 lescência Normal e que os ajudam no processo de resolução dos “lutos referidos”: – Busca de si mesmo e da identidade adulta – Todas as mudanças corporais e alterações hormonais associadas a comportamentos de inquietude, de auto -afirmação, ansiedade pelo desconhecimento do próprio corpo, de busca de uma identidade como pessoa e como adulto levam o jovem a perceber uma mudança na maneira como a sociedade o trata, o que passa a ser uma situação nova para ele. Há conflitos entre a imagem do corpo ideal e a imagem do corpo real vividos pela garota e pelo garoto que, ora sentem orgulho e prazer com as mudanças que ocorrem em seus corpos, ora sentem vergonha e perplexidade. Os jovens passam horas e horas em frente ao espelho e comparam-se uns aos outros, buscando um padrão de normalidade e aceitação. Tais situações requerem momentos de isola mento e a assunção de identidades transitórias, ocasionais ou circunstanciais, no sentido de entender a sua intimidade e, assim, desenhar a sua própria identidade. Um processo educativo deve incluir a discussão desse padrão, fruto da cultura de massa que induz ao consumismo e cria imagens de referência, como modelos instituídos para um corpo de artista, ou adequados apenas à estatura que não se tem, pertencentes a “grifes”, etiquetas e marcas da moda, relegando a segundo plano os caracteres e atributos herdados de cada família e o bem-estar pessoal – Flutuações de humor e de estados de ânimo – Ora sorridente e se sentindo a melhor pessoa do mundo, ora se sentindo péssimo e de mal com a vida, tudo e todos, o/a adolescente é por esse motivo, considerado muitas vezes por seus familiares como “aborrecente” (termo com o qual, particularmente não concor damos), ficando, a partir deste estigma, ainda mais aborrecido e mal-humorado. Essas oscilações, instabilidades e contradições são perfeitamente normais e estão na dependência direta da quantidade e qualidade da elaboração dos lutos e das perdas que acompanham o processo identificatório nesta fase da vida. – Tendência grupal e separação progressiva dos pais – Muitas aspectos da identidade familiar são substituídos por outros mais individuais, enriquecidos por novos elementos do seu âmbito social. Dessa forma, a construção da auto-imagem na juventude se dá através da busca de aceitação no grupo, valorização de auto -estima e afetividade. O afastamento dos pais, entendido aqui como dependência, é necessário para que o adolescente encontre identidades diferentes e seja capaz de formar sua própria personalidade. A questão da dependência / independência dos filhos em relação aos pais e vice-versa é vivenciada com sentimentos de ambi valência; ambas as partes desejam, mas ao mesmo tempo temem o crescimento, a maturação sexual e todas as responsabilidades e riscos que permeiam esses pro cessos. Muitos pais não entendem esses comportamentos; o que o jovem quer não JUVENTUDE E SEXUALIDADE 29 PGM 3 é o distanciamento dos pais, mas sim o distanciamento do seu papel de criança! – Necessidade de intelectualizar e fantasiar – Consiste na elaboração do “luto” pela perda da identidade infantil: ora o adolescente tem uma grande elaboração de idéias com justificativas concretas, próprias do mundo adulto, ora tem construções utópicas e fantasiosas que caracterizam o mundo infantil. – Crises religiosas – A conduta do jovem vai do total ateísmo a comportamentos religiosos tão engajados que podem cursar com o misticismo e até com fanatis mos. A educação para a sexualidade, pela sua abrangência, pode contribuir para a tomada de decisões neste sentido, para uma melhor conscientização e definição da prática religiosa a ser seguida. – Deslocamento temporal e contradições sucessivas – As urgências do ado lescente são tão grandes quanto o “deixar para depois”. Muitas vezes à urgência de uma roupa nova, de uma festa, de um programa com o grupo é dada muita importância, enquanto que os estudos e outras responsabilidades podem ser postergados! – Atitude social reivindicatória – Em resposta às restrições à sua vida, impostas pela sociedade, os jovens tentam modificá-la ao tempo em que reestruturam sua personalidade; por este motivo são, habitualmente, considerados rebeldes. – Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade – Com o ama durecimento fisiológico, intensifica-se o impulso sexual e o contato com o corpo adquire um caráter exploratório, de descoberta de novas sensações pela erotização das sensações genitais. A manipulação dos genitais para obtenção de prazer – masturbação – é uma forma de reconhecimento do novo corpo em mudança. Há o início da busca de parceiro de maneira tímida, mas intensa. Começam os contatos superficiais, depois profundos e mais íntimos, que preenchem a sua vida sexual. Na construção do mundo adolescente, sonhos reais e vivências concretas se fundem em um mundo sem fronteiras, em um mundo de fantasias: encontros fe lizes, amor, paixão, expectativas transparentes, festas, grupos de amigos, colegas, professores e professoras apaixonantes ou detestáveis, lazer, provas escolares, esportes, problemas insolúveis e problemas resolvidos, desencontros, família bem estruturada, família-problema, visão de um povo que sofre, mas que tem esperan ça, natureza maltratada, natureza com cheiro de poesia, de protesto, de mistério... “Quando não tinha nada eu quis Quando tudo era ausência, esperei ... Quando o olho brilhou, entendi, Quando criei asas, voei.” JUVENTUDE E SEXUALIDADE 30 PGM 3 (A primeira vista – Chico César) A sexualidade na juventude se confunde com a própria fase. Por isso, dentre as características que cursam com a Síndrome da Adolescência, já referenciadas, encontramos a evolução sexual que vai “do auto-erotismo até a heterossexua lidade”. Neste contexto, a masturbação, comum da infância até o final da vida, constitui-se em uma prática sexual bastante freqüente nesta fase. Sua freqüência varia e não se pode determinar a normalidade do número de vezes. Acontecem também jogos sexuais entre meninos masturbando-se entre si ou em grupo, fato que não os determina homossexuais, enquanto que entre meninas são mais co muns os contatos corporais como pegar as mãos, abraçar e beijar, isto porque há repressão da masturbação na mulher. Esses jogos sexuais são comuns na fase de crescimento, de conhecimento do próprio corpo e de preparo para a vida sexual a dois; não é a prática da masturbação em si que faz mal, mas sim os conflitos decorrentes do sentimento de culpa, vergonha de si mesmo e dificuldades de relacionamento afetivo. Por muitos anos ela foi vista como um perigo, coisa suja e pecaminosa, causadora de cegueira, surdez, fraqueza, crescimento de pêlos nas mãos, impotência e até debilidade mental. Um papel relevante do educador é o de desmistificar essas questões. “Já sei namorar Já sei beijar ... Agora só me resta sonhar ” ... (Já sei namorar – Marisa Monte, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes) Outro aspecto explorado como prática sexual consiste no compartilhamento das curiosidades sexuais e desejos com o sexo oposto; o desejo de se envolver e o medo de se entregar à relação provocam uma verdadeira tempestade no pen samento do jovem. Paralelamente à aproximação para o namoro, existe um processo de ansiedade decorrente do abandono da relação estável com a turma para o desenvolvimento de novos papéis – de seduzir e de se deixar seduzir. Namoro também é sinônimo de adolescência, de juventude, afinal é nesta fase da vida que ele acontece pela primeira vez (embora muitos adultos insistam em ensinar às crianças que fulana é namoradinha de fulano, por exemplo). O namoro é um relacionamento amoroso contínuo, compromissado; ele ocorre na medida em que os jovens se sentem seguros para o vínculo. Entretanto, sabemos que as expectativas referentes a esse relacionamento variam de acordo com o sexo dos parceiros e, principalmente, JUVENTUDE E SEXUALIDADE 31 PGM 3 devido à história particular de vida de cada um. Durante o namoro, o compromisso e a experiência de convivência incluem o compartilhar de atividades de lazer como ir ao cinema, a clubes, praia, festinhas... Já o aprendizado a respeito do outro, gostos, preferências, manias, etc. envolve jogos de conquista e sedução. Quando estamos enamorados, o desejo de estar com o outro e as estratégias para conseguir esse intento sobrepõem-se a qualquer sentimento, necessidade ou obrigação que temos. Historicamente, o namoro foi visto como primeira etapa do processo de vida a dois e de constituição de uma família. Já houve um tempo em que a ele se sucedia o noivado – fase de namoro garantido, que precedia o casamento – união estável realizada entre duas pessoas que decidem compartilhar suas vidas e responsabi lidades familiares. Nos últimos anos, contudo, não tem sido bem assim. “Eu fico o dia inteiro Só pensando em você Na minha cama no chuveiro Conto as horas pra te ver Espero que um dia você possa me notar. Oh! menina deixa disso Quero te conhecer Vê se me dá uma chance Tô afim de você.” (Deixa disso - Felipe Dylon) Um tipo de relacionamento sem compromisso mais atual, eventual e despro vido de compromisso é o ficar, que pode ou não evoluir para o namoro. O ficar vai desde o simples fazer companhia, com ou sem troca de carícias, até mesmo ao relacionamento sexual. No ficar os jovens passam por um aprendizado afetuoso e sexual, podendo os membros da parceria nem mesmo se cumprimentarem no dia seguinte. Parece convenção que ficar mais de três vezes com a mesma pessoa já é rolo ou caso, e rolo repetido é namoro. Como proceder durante o ficar e o namoro? Quando e como propiciar aos jovens condições de discernimento nesse sentido? A depender de suas histórias de vida, muitos são levados a uma iniciação sexual por quererem mostrar ao mundo, à família e até a si mesmos que a família não mais os controla. Quanto à iniciação sexual neste período de vida, o Programa de Educação Sexual da UFBA (BARBOSA, 1990; FAGUNDES, 1995, 1997 e 1999) tem identificado como razões mais freqüentes a curiosidade, forma de demonstrar amor e a influên JUVENTUDE E SEXUALIDADE 32 PGM 3 cia do grupo / turma. Dizem as meninas: “no mundo não há mais virgem ”, “se eu não for ele arranja outra ”, “minha família pensa que me controla ”. Já os meninos afirmam: “procuro prazer”, “homem não nega fogo ”, “o meu pai vai vibrar ”, “meus amigos vão morrer de inveja ”... Por outro lado, encontramos jovens que adiam essa iniciação por medo de não conseguirem, por medo do outro não gostar e por medo da reprodução. Garotas declaram: “ainda não encontrei o cara legal ”, “pode ser que ele me ache fácil ”, “e se a minha família descobrir? ”; garotos questionam: “onde transar? ”, “e se ela for virgem? ”. “Chegou no meu espaço, Mandando no pedaço, O amor que não é brincadeira, Pegou, me deu um laço, Dançou bem no compasso Que prazer, levantou poeira ...” (Sorte Grande - Lourenço) Como conseqüência da vivência sexual na juventude, pode acontecer uma gravidez não planejada. Esta gravidez, hoje, contém um agravante que é se dar fora de um vínculo como o casamento, porque no tempo de nossos avós, 14 e 15 anos eram as idades em que as mulheres tinham seus primeiros filhos. Entretanto, isto acontecia com a aprovação matrimonial para o exercício das relações sexuais; a gravidez não era estigmatizada porque não se constituía em um problema social, muito menos psicológico, uma vez que não dimensionava culpa por transgressão. Mas seja qual for a situação, embora uma adolescente tenha filhos e os eduque no contexto de uma família, os riscos de doença, lesão e morte, para ela e seus filhos, são muito maiores do que os de uma mulher entre 20 e 30 anos (OMS / FNUAP / UNICEF, 1989). Do ponto de vista médico, Vitiello (1997), um dos maiores especialistas bra sileiros no atendimento a adolescentes, apresenta-nos uma série de patologias encontradas em gestantes adolescentes que todos precisam saber: elevação da pressão arterial; anemia, usualmente devida à má nutrição; doenças sexualmente transmissíveis, associadas à maior freqüência de troca de parceiros, aliada aos bai xos padrões de higiene e ao relativo descaso ao tratamento dos sintomas; outras patologias que tendem a se fazer presentes em situações de estresse e desnutrição, como a tuberculose e as infecções urinárias; parto prematuro; duração do trabalho de parto, ligeiramente superior à duração média; intervenções obstétricas como o fórceps de alívio e a cesárea, devido à maior freqüência de alterações da contra JUVENTUDE E SEXUALIDADE 33 PGM 3 tilidade uterina; mortalidade fetal, associada às condições adversas da gravidez e do parto. “Deve ser amor Que enfeitiça o coração Quando bate assim deve ser amor Que me enche de paixão ...” (Deve ser amor – Dudu Falcão) Nos últimos anos, quase todos tivemos conhecimento de algum caso de gravidez em adolescentes da nossa família ou de alguma bem próxima de nossas relações sociais. Surpreendentemente constatamos também haver um grande número de jovens que desconhecem os fundamentos da anatomia e fisiologia sexual, ou por não terem tido oportunidade de serem instruídos neste sentido, por leituras mal compreendidas, por conselhos desinformados de outros jovens ou adultos, por preconceito ou pela sensação de invulnerabilidade e impunidade, resquício do pensamento mágico infantil ainda sobrevivente. Os meninos não se dão conta de que seu corpo lhes traz uma possibilidade constante de gerar um outro alguém! Encontramos também, jovens machistas que freqüentemente se recusam ou se omitem do processo de anticoncepção, alegando que o uso de preservativo “é como chupar bala sem tirar o papel ” ou ainda vão mais longe, afirmando “o problema é dela ”, “eu não tenho nada com isso ”, “se não quiser engravidar que se vire ”!!! Atitudes dessa natureza só podem resultar num incremento assustador do número de adolescentes grávidas e do número de abortamentos provocados. Essa problemática passa a ter um cunho social mais amplo, quando se estabe lece a gestação. A jovem grávida corre uma série de riscos, tais como ser expulsa da casa, ingressar na prostituição, deixar de estudar, optar pelo abortamento ou interrupção da gravidez, com prejuízos orgânicos e psíquicos, ser mãe solteira ou ser levada a um casamento forçado e, por conseguinte, mal estruturado. A situação da criança resultante de uma gravidez na juventude nem sempre lhe é favorável; quando não é abandonada, pode ser este motivo que incremente o seu encaminhamento a orfanatos ou à adoção. Desenvolvendo-se sem a figura paterna, não raro temos crianças mal amadas e mal ajustadas. Na melhor das hipóteses, temos também a solução do caso da gravidez em adolescentes com a assunção de responsabilidade por parte das famílias de ambos os parceiros, cada qual permanecendo em suas respectivas casas e a criança, após o nascimento, ficar “dividida ” entre os cuidados de uma ou de outra avó que representam, mais uma vez, a mulher, aquela a quem a sociedade delega as maiores responsabilidades JUVENTUDE E SEXUALIDADE 34 PGM 3 com a estrutura da família. Vale ressaltar que, como em toda regra há exceções, temos conhecimento de relações afetivas duradouras, associadas ou não a casamentos formalizados, que tiveram início com uma surpreendente gravidez não planejada na adolescência. Mas, em contrapartida, não temos notícias de estudos sobre experiências positivas da maternidade e da paternidade precoces. Diante da problemática, nosso contato com os jovens na atualidade nos permite inferir que as conseqüências psicológicas da gravidez não planejada, mas não tão indesejada quanto pensamos, sobrepõem-se, consideravelmente, às conseqüências orgânicas. Neste sentido, o papel da escola deve se somar ao da família, na busca de conscientizar os jovens sobre a maternidade e a paternidade, implicando a assunção de responsabilidades, a necessidade de aceitar os aspectos físicos e emocionais da gravidez e do cuidado infantil, sobre as necessidades da criança que virá a este mundo, sobre ser preciso aprender e praticar habilidades do ser mãe e do ser pai, de planejar as necessidades financeiras e as formas de sustento familiar, etc. Para que isso ocorra, entretanto, se faz necessário que os serviços de saúde também exercitem a sua função de dar condições à população de ter assistência global à saúde, incluindo as possibilidades de controle efetivo da natalidade no contexto de um planejamento familiar que inclua a população adolescente. “Eu não quero mais chorar Por causa de um amor qualquer. Minha dor tem que acabar...” (Amor de Carnaval – Gilberto Gil) Outras conseqüências que cursam com a vivência sexual na juventude são as doenças sexualmente transmissíveis (DST), antigamente denominadas doenças venéreas, por causa das sacerdotisas dos templos de Vênus, que exerciam a prosti tuição como forma de culto à Deusa do Amor. Hoje essas doenças têm um caráter menos pejorativo do que antes, porque as condições para o exercício da sexualidade e em especial a iniciação sexual, de um modo geral, mudaram significativamente nas últimas décadas. Até pouco tempo, e acreditamos, em algumas regiões do Brasil até os dias atuais, os meninos se iniciavam ou se iniciam sexualmente com prostitutas em ambiente de promiscuidade. O desenvolvimento de uma DST, neste contexto, constituía-se por um lado prova de virilidade e até de orgulho e vaidade, mas por outro, deixava uma sensação de culpa e um ranço de impureza... As DST podem ser causadas por vírus: herpes, condiloma acuminado ou crista JUVENTUDE E SEXUALIDADE 35 PGM 3 de galo e AIDS; por bactérias: gonorréia, cancro mole, uretrites não-gonocócicas; por fungos: candidíase; por protozoários: tricomoníase; por ácaro: escabiose ou sarna e pediculose do púbis ou chato, dentre outras. Por definição, essas doenças são aquelas transmitidas através do contato sexual com pessoas doentes, mas algumas delas não são de transmissão exclusivamente sexual. A sífilis, a AIDS e as uretrites não-gonocócicas podem ser transmitidas pela mãe gestante; a herpes e a gonorréia, durante o parto, e a sífilis e a AIDS, também por transfusão sanguínea. Os sintomas das DST variam, sendo os mais comuns: dor no ato de urinar, coceira, feridas, corrimento purulento e verrugas. O agravamento de alguns casos conduz ao abortamento, lesões no feto, infertilidade, câncer de colo de útero e, até mesmo, morte. Atenção especial deve ser dada ao tratamento que só surtirá efeito se for feito em ambos os parceiros (PASSOS, 1985). E a educação dos jovens sobre DST/AIDS? A problemática da AIDS, que se agrava pela falta de cura, conduzindo por vezes à morte, vem ocupando nos úl timos anos e com mais freqüência os meios de comunicação de massa e sendo objeto de projetos específicos de intervenção pedagógica por parte da escola e de outras instituições de educação não-formal. Entretanto, a prevenção apresenta algumas controvérsias, tais como a época em que deve ser iniciada, quão explícita ela deve ser e a possibilidade de estímulo à promiscuidade, dentre outros motivos. Os estereótipos ligados à AIDS são muitos e têm na sua raiz preconceitos e discriminações contra pessoas e comportamentos, que já existiam mesmo antes de ela aparecer. O termo “grupos de risco ” limitou o aspecto contagioso da doen ça, mas a mudança no perfil da epidemia nesses últimos anos veio confirmar que a AIDS não atinge apenas pessoas com uma sexualidade chamada “desviante ” ou os viciados em substâncias ilegais cujos comportamentos são desvalorizados socialmente. Entre os jovens, a forma mais comum de contágio tem sido o uso de drogas endovenosas, mas isso não significa que eles estejam protegidos de outras formas de contaminação como a via sexual. É preciso que tenhamos consciência de que a AIDS não é um problema distante e irreal, mas um problema de todos nós. Ainda que não consideremos o nosso comportamento sexual arriscado, temos filhos, parentes, colegas, amigos ou mesmo conhecidos que podem não estar se prevenindo por não achar que correm risco de contrair o vírus da doença – o HIV. Dessa forma, embora não tenhamos tanta certeza dos resultados dos processos de prevenção utilizados e mesmo sabendo que o preservativo não é um método infalível, sequer para impedir a gravidez não desejada, seu uso deve ser incentivado entre os jovens, vinculado a um processo de educação preventiva integral. É desejável que os jovens possam chegar a uma conscientização, de tal forma JUVENTUDE E SEXUALIDADE 36 PGM 3 que na hora em que “pintar ” a vontade de transar, pensando num relacionamento bom e prazeroso, conversem sobre seus medos, incertezas, expectativas, sobre as formas de prevenir uma possível gravidez, sobre as doenças sexualmente transmis síveis e a AIDS, e inclusive, sobre a possibilidade de adiar ou não aquele momento. “Tem que recomeçar, Tem que construir, Tem que avaliar Ter hora para agir ...” (Linha Vermelha – Marcelo Falcão, Marcelo Lobato, Marcelo Yukka) O ideal de vivência saudável da sexualidade na juventude, como em qual quer fase da vida, precisa ser buscado, estimulado e propiciado também pelas instituições escolares que incluem em suas metas a formação da pessoa humana, íntegra e feliz. Referências Bibliográficas ABERASTURY, A. & KNOBELL, M. Adolescência Normal. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989. BARBOSA, M.P.M. Uma experiência de educação sexual em escolas de 1º Grau. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v.1, n.2, p.104-108, 1990. FAGUNDES, T.C.P.C. Educação Sexual - construindo uma nova realidade. Salvador, UFBA, 1995. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Sexualidade na Adolescência. Análise & Dados, Salvador, v. 7, n. 2, p. 177-183, 1997. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. De repente acontece. Revista da Escola de Pais, Salvador, v. 19, p. 25-28, 23 out. 1999. OMS / FNUAP / UNICEF. Saúde Reprodutiva de Adolescentes: uma estratégia para ação. Genebra, OMS, 1989. VITIELLO, N. Sexualidade: quem educa o educador: um manual para jovens e educa dores. São Paulo, Iglu, 1997. PASSOS, M. R. L. e outros. Doenças Sexualmente Transmissíveis. Rio de Janeiro, Cul tura Médica, 1985. Leituras recomendadas: ABERASTURY, A., KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. JUVENTUDE E SEXUALIDADE 37 PGM 3 BALEEIRO, Maria Clarice; SIQUEIRA, Maria José; CAVALCANTE, Ricardo C. SOUSA, Vilma de. Sexualidade do Adolescente; fundamentos para uma ação educativa. Salva dor: Fundação Odebrecht e Secretaria de Educação do Estado da Bahia. 1999. BADINTER, E. Um é o outro. Relações entre homens e mulheres. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. BADINTER, E. XY - Sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. BARBOSA, M.P.M. Uma experiência de educação sexual em escolas de 1º Grau. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v.1, n.2, p.104-108, 1990. BARROSO, C., BRUSCHINI, M. C. Educação Sexual - debate aberto. Petrópolis: Vozes, 1982. BARROSO, C., BRUSCHINI, M. C. Sexo e Juventude. São Paulo: Brasiliense, 1983. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Orientação Sexual. In: Parâmetros Cur riculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação de temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 287-335. BECKER, D. O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense, 1992 (Coleção Primeiros Passos). CATONNÉ, J. P. A sexualidade ontem e hoje. São Paulo: Cortez, 1994. CAVALCANTI, R. C. et al. Saúde sexual e reprodutiva. Ensinando a ensinar. CASTELÃO, Talita Borges. Sexualidade da pessoa com Síndrome de Down. Disserta ção (Mestrado em Sexologia) – Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, 2001. DIMENSTEIN, G. Meninas da noite. A prostituição de meninas-escravas no Brasil. São Paulo: Ática, 1992. ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise: Rio de Janeiro, Zahar, 1972. FAGUNDES, T.C.P.C. Educação sexual nas escolas: relato de uma experiência de inter venção através de orientação para o professor. SEXUS - Estudo Multidisciplinar da Sexualidade Humana. Rio de Janeiro, v.1, n.3, p.17-20, 1989. FAGUNDES, T.C.P.C. Educação Sexual - prós e contras. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v.3, n.2, p. 154-157, 1992. FAGUNDES, T.C.P.C. Educação Sexual e Formação do Professor - necessidade e viabilida de. Revista Brasileira de Sexualidade Humana. São Paulo, v.4, n.2, p.154-163. 1993. FAGUNDES, T.C.P.C. Educação sexual - construindo uma nova realidade. Salvador, UFBA, 1995. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Sexualidade na Adolescência. Análise & Dados, Salvador, v. 7, n. 2, p. 177-183, 1997. FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. De repente acontece. Revista da Escola de Pais, Salvador, v. 19, p. 25-28, 23 out. 1999. FAGUNDES, Tereza Cristina P.C. (org.). Ensaios sobre Gênero e Educação. Salvador: UFBA – Pró-Reitoria de Extensão, 2001 (Série UFBA em Campo: Estudos). JUVENTUDE E SEXUALIDADE 38 PGM 3 FAGUNDES, Tereza Cristina P.C. (org.). Ensaios sobre Identidade e Gênero. Salvador: Helvécia, 2003. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber, II: o uso dos prazeres, III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985. GREGERSEN, E. Práticas sexuais, a História da Sexualidade Humana. São Paulo, Roca, 1983. GHERPELLI, Maria Helena B. V. Diferente, mas não desigual: a sexualidade no deficiente mental. São Paulo: Gente, 1995. GOLDBERG, M. A. A. Educação sexual - uma proposta, um desafio. São Paulo: Amanda, 1982. GUIA DE ORIENTAÇÃO SEXUAL: diretrizes e metodologia da pré-escola ao 2º grau. GTPOS/ABIA/ECOS. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. JAGGAR, Alison; BORDO, Susan. Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro: Record /Rosa dos Tempos, 1997. KUSNETZOFF, Juan C. A mulher sexualmente feliz - do mito à verdade científica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. KUSNETZOFF, Juan C. O homem sexualmente feliz - do mito à verdade científica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. MADERAS, L., MADERAS, A. O que está acontecendo com o meu corpo? Manual de crescimento para mães, pais e filhas. Especial para garotas. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. MADERAS, L., SAAVEDRA, D. O que está acontecendo com o meu corpo? Manual de crescimento para mães, pais e filhos. Especial para garotos. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. MEAD, Margareth. Macho e fêmea: um estudo do sexo num mundo em transformação. Petrópolis: Vozes, CERES, 1974. MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através do tempo e suas perspectivas para o futuro. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. PASSOS, M. R. L. e outros. Doenças Sexualmente Transmissíveis, Rio de Janeiro, Cul tura Médica, 1985. PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual do Brasil contemporâneo. São Paulo: Best Seller, 1991. REVISTA BRASILEIRA DE SEXUALIDADE HUMANA. São Paulo: Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana, Iglu, 1990- v. 1, n. 1. Semestral. RIBEIRO, Marcos (Org.). Educação Sexual - novas idéias, novas conquistas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. SILVA, Araguari C. Terapia do sexo e dinâmica do casal. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989. WEREBE, Maria José. G. A educação sexual nas escolas. São Paulo: Moraes, 1977. JUVENTUDE E SEXUALIDADE 39 PGM 3 SUPLICY, Marta; EGYPTO, A. Carlos et al. Sexo se aprende na Escola. São Paulo: Olho d’Água, 1995. TIBA, Içami. Sexo e adolescência. São Paulo: Ática, 1992. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Saúde e educação sexual do jovem - um estudo em Salvador. Salvador: ISP/UFBA, 1988. VITIELLO, Nelson. Reprodução e Sexualidade - um manual para educadores. São Paulo: CEICH, 1994. VITIELLO, N. Sexualidade: quem educa o educador: um manual para jovens e educa dores. São Paulo, Iglu, 1997. ZECKER, I. Adolescente também é gente. São Paulo: Summus. 1985. JUVENTUDE E SEXUALIDADE 40 PGM 4 PGM 4 Juventude e culturas de participação Paulo Carrano 1 Doutor em Educação, professor da Faculda de de Educação da Universidade Federal Fluminense, pesqui sador do CNPq e co ordenador do Obser vatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF. 2 Em agosto de 1992, os jovens brasileiros tomaram as ruas das principais cidades para exigir o impea chment do presidente Collor. A participação entusiasmada dos caras pintadas sur preendeu o país, que pouco antes lamen tava a apatia, o indi vidualismo e a falta de interesse político entre a maior parte dos jovens. Sobre o assunto ver o artigo de Ana Mische (1996) na Revista Teoria e Debate, nº 31. 1 OS JOVENS NA DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL A sociedade brasileira emergiu da ditadura militar (1964-1984) aprofundando a luta pela ampliação de liberdades democráticas e garantia de direitos civis, produzindo outros tipos de associativismos e mobilizações antagonistas às elites políticas e econômicas que sempre tiveram a hegemonia dos aparelhos governamentais e ideológicos do Estado. Os movimentos sociais no Brasil, assim como nos demais países da América Latina, foram decisivos para a redefinição dos sentidos da política e do papel do Estado. O novo ordenamento jurídico-institucional estabelecido pela Constituição de 1988, além de incorporar agenda universalista de direitos e proteção social, trouxe como marca exigências legais de participação na gestão da coisa pública acenando, assim, com as possibilidades de construção partilhada e negociada de uma lega lidade capaz de conciliar democracia e cidadania. A nova cidadania que se expressa na década de 80 ultrapassa a simples noção de direitos sociais a serem garantidos pelo Estado; con templa o direito à igualdade e à diferença, exigindo a constituição de novos e ativos sujeitos sociais que buscam construir a cidadania a partir das bases populares (Dagnino, 1994). A construção desta cidadania está intrinsecamente ligada à experiência concreta de movimentos sociais e diferentes organizações da sociedade civil – cabe incluir nesse rol as diversas mobilizações sociais que contaram JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 41 PGM 4 com a expressiva participação da juventude, tanto as de caráter estritamente político como aquelas relacionadas mais diretamente ao plano da expressividade cultural2. O longo e continuado processo de redemocratização da sociedade brasileira evidenciou que a garantia formal dos direitos pelo Estado não encerraria os múltiplos sentidos da noção de cidadania. Na década de 90, movimentações da sociedade civil nas áreas rurais e urbanas, em torno da garantia de direitos, chocaram-se com a tendência dominante de recolhimento da subjetividade à esfera da vida privada, contexto em que o mercado reorganizou o mundo público como palco de consumo e dramatização dos signos de status (Canclini, 1998, p. 288). Neste híbrido cenário de convivência de formas renovadas de participação social e política da sociedade civil e aprofundamento da privatização do Estado e das relações sociais, a juventude brasi leira se fez e faz presente em diferentes tempos, espaços, formas e conteúdos de participação ainda que, em grande medida, essa par ticipação ocorra num quadro de fluidez, nomadismo e intermitência. Estudos sobre a participação dos jovens na vida social indicam que, durante as décadas de 80 e 90, a política ocupou um papel secundário na valoração e nas ações coletivas dos jovens brasileiros (Schmidt, 2001; Abramo e Venturi, 2000). Em outras regiões do mun do a “despolitização” das populações juvenis também se apresenta como fonte de preocupação que leva pesquisadores à indagação sobre se a crise de participação dos jovens expressaria processos cíclicos ou mesmo consolidações estruturais nos relacionamentos das jovens gerações com as instituições sociais e políticas (Oester reich, 2001; Balardini, 2000; Laguna, 2000). 3 Ver análise de Abra mo e Venturi (2000) sobre a pesquisa de opinião realizada em 1999 pela Fundação Perseu Abramo com jovens de 15 a 24 anos de 9 regiões metropo litanas brasileiras. Se por um lado essa tendência de afastamento das formas tradi cionais de socialização política é extensiva ao conjunto da sociedade, não se tratando de um traço típico de uma juventude que com freqü ência é acusada de ser alienada e hedonista, por outro lado a baixa participação em atividades estritamente políticas, especialmente no caso dos jovens brasileiros nos anos 90, foi acompanhada de ações de expressivos contingentes que conhecem e acompanham as atividades de outros jovens e/ou se auto-organizam em grupos, principalmente os ligados a atividades de cultura e lazer3. Este processo participativo que simultaneamente se afasta dos espaços JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 42 PGM 4 políticos formais, mas adensa, contudo, a esfera pública com outros tipos de ações coletivas, ainda é um fenômeno pouco investigado. Pode-se dizer que se encontram em curso processos juvenis de efetivação de uma determinada cidadania cultural (Reguillo, 2003), conceito este que expressa uma categoria síntese que tenta articular a densidade da problemática cidadã em sua relação com os jovens. Os jovens brasileiros, majoritariamente, têm emitido sinais, mais ou menos visíveis, da negação frente a formas tradicionais de participação, tais como as que se expressam pela filiação a parti dos, sindicatos e organizações estudantis. A negação é acentuada principalmente quando as instituições reiteram velhos vícios éticos e organizacionais de clientelismo e burocratização. Ações coletivas juvenis deixam de ser notadas ou valorizadas devido ao caráter des contínuo, tópico e muito freqüentemente desprovido de ideologias facilmente reconhecidas – esquerda e direita, por exemplo – do qual se revestem. Entretanto, as novas formas e temas pelos quais os jovens se mobilizam na esfera pública também indicam o quadro de crise das formas tradicionais de participação e socialização política. Os jovens são simultaneamente espelho e reflexo das socieda des. A tentativa de perceber o comportamento político dos jovens pode ser uma forma de predizer se o futuro da sociedade se dirige para quadros de reprodução ou renovação das presentes dificulda des, no que diz respeito à cidadania política de expressiva maioria da população. 4 Jornal do Brasil. Ado lescentes votam mais no Nordeste. Especia lista atribui estatísticas do TSE à pressão polí tica exercida sobre fa mílias, Internet, www. jb.com.br, 30.11.2003. Segundo Schmidt (2001, p. 205), o voto facultativo aos 16 anos, instituído pela Constituição de 1988, tem servido como uma espécie de termômetro do humor juvenil em relação às eleições. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições nacionais de 2002 in dicam que o voto é facultativo para 2,21 milhões de jovens (1,92%) do conjunto do eleitorado nacional; eles somam 635.632 com 16 anos e 1.582.378 com 17 anos. Em 1998, foi confirmada a tendência decrescente nos últimos anos em relação ao alistamento eleitoral, que se mantém constante desde as eleições de 1989; 3.305.047 elei tores de 16-17 anos em 1989; 1.874.612 eleitores em 1998. Segundo dados da pesquisa A Voz dos Adolescentes, publicados na cartilha Projeto Eleitor do Futuro, do TSE, 41,3% dos brasileiros de 16 e 17 anos não votam porque pensam não ter idade suficiente e 21,9% JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 43 PGM 4 dizem não gostar de política4. O reconhecimento de que existe uma tendência geral na po pulação de pouco estímulo pelo voto e de pouco envolvimento em ações coletivas de exercício dos direitos de cidadania torna-se um problema para as democracias que se querem participativas. Essa tendência também é incompatível com a existência de uma socie dade civil situada passivamente frente aos poderes do Estado e do mercado. O déficit de participação social que podemos descobrir nos jovens expressa, assim, um complicado quadro de desequilíbrio entre as esferas públicas e privadas, entre o Estado e a sociedade civil, o que, em última instância, leva à reprodução daquilo que já foi denominado como sendo uma cidadania de baixa intensidade (O’Donnel, citado por Nuñes, 2003). Ser jovem no Brasil Os jovens representam uma parcela considerável da população brasileira. A população jovem compreendida entre 15 e 24 anos é de cerca de 33 milhões, cifra que se encontra dentro do intervalo de variação histórica que vem oscilando entre 19% e 21% em relação à população total do país. Embora os censos demográficos brasileiros indiquem a tendência de crescimento absoluto do contingente populacional jovem, observa-se um paulatino processo de desace leração a partir da década de 70. Os adolescentes e jovens são os que apresentam maior capacidade migratória, tanto que cerca de 80% deles vivem em áreas urbanas que, em grande medida, não possuem os equipamentos sociais necessários para suprir suas múltiplas necessidades de desenvolvimento. 5 Sobre as desigualda des vivenciadas pe los jovens no Brasil e as políticas públicas federais ver Sposito (2003) Dayrell e Car rano (2002) e Sposito e Carrano (2003). O crescimento populacional de jovens e adolescentes se expressa em uma onda jovem (Madeira e Rodrigues, 1991) que atingirá seu ápice no Brasil por volta do ano 2005, momento em que a proporção de jovens começará a apresentar um declínio significativo. Até lá, será necessária radical inversão de prioridades nas políticas públicas, caso se queira estancar o perverso e explosivo processo de aumento das desigualdades sociais que gera os precários indicadores sociais da vivência da juventude para enormes contingentes de brasileiros. No Brasil, são nove milhões de jovens que sobrevivem em JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 44 PGM 4 situação de extrema pobreza, com valores de renda abaixo da linha de R$ 61 per capita. A situação dessas parcelas de jovens se vê ainda agravada pelo encolhimento do Estado na esfera pública, que não foi capaz de gerar políticas efetivas que contemplassem a juventude nacional. O empobrecimento de expressiva parcela da juventude brasileira incide diretamente tanto sobre a perspectiva de futuro quanto nas possibilidades reais de envolvimento com ações individuais e coletivas de participação social nas esferas públicas democráticas5. O Brasil ainda enfrenta o desafio de desenvolver políticas nacionais integradas destinadas à juventude. O novo Governo Federal, o Congresso Nacional e diferentes redes de instituições da sociedade civil movimentam-se no sentido de elaborar projetos, planos nacionais e estratégias de articulação de políticas públicas que equacionem ou ao menos minimizem os efeitos deletérios dos persistentes vícios político-administrativos de fragmentação, sobre posição e centralização das políticas relacionadas com os jovens. Para os jovens brasileiros, em especial aqueles em situação de vulnerabilidade social e por isso menos dotados de redes sociais de proteção – vítimas principais do desemprego pessoal e familiar e da morte por causas violentas – as conseqüências do enfraquecimento do Estado e da privatização da esfera pública ao longo dos últimos dez anos foram ações governamentais fragmentárias no âmbito de vários ministérios e secretarias de governo nas esferas da União, dos estados e municípios, ainda que em muitas cidades tenham surgido iniciativas inovadoras que estimularam o surgimento de esferas públicas democráticas – fóruns, conselhos gestores, orçamentos participativos etc. – que contaram com a participação de segmentos juvenis na formulação e implementação de ações6. Em relação ao diálogo da juventude com po deres públicos locais, ver Pontual (2003). 6 Existe uma íntima relação entre as condições materiais de vida e a participação social e política. O agravamento das condições de vida de ampla maioria da população jovem brasileira – em especial os se tores mais vulneráveis: jovens negras e homens jovens moradores de espaços populares – incide diretamente no aumento da sensação de insegurança no presente e das incertezas quanto à vida futura. Sem dúvida, esse quadro de instabilidade e desesperança não pode ser considerado favorável ao desenvolvimento da cidadania ativa, mas sim JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 45 PGM 4 campo fértil para práticas clientelistas e toda sorte de violações de direitos humanos. Em toda a América Latina, a face mais visível dos jovens, principalmente os pertencentes aos setores populares, foi aquela que os converteu nos principais ope radores de violências nas sociedades. Em conjunto com esse processo estigmatizador e generalizável a todos os países da região, se aprofundou a crise estrutural dos anos 80, que fraturou as macroeconomias dos países e pulverizou a microeconomia das pessoas. Nesse processo, muitos jovens vêm pagando o preço dos custos de políticas econômicas que os excluem das possibilidades de incorporar-se produtivamente à sociedade (Reguillo, 2003). A baixa participação social termina por acentuar os traços dominantes e ex cludentes do nosso sistema social capitalista. Historicamente, os jovens no Brasil foram tratados como problemas sociais para os quais o Estado reservou ações de assistência e/ou controle social. Há ainda campo aberto para a compreensão dos jovens como segmento populacional estratégico que requer ser transformado em problema político orientador de políticas de Estado que os reconhecessem como sujeitos de direitos. Precisamos ampliar nossos conhecimentos sobre os relacionamentos – reais e imaginários – que os jovens estabelecem com as referidas esferas, o que permitirá reconhecer inconsistências, ausências, demandas reprimidas e sinalizar caminhos de mocráticos alternativos nos diferentes territórios onde se cruzam o Estado, o mercado e a sociedade civil. Um dos grandes desafios para o Estado democrático em seu rela cionamento com as novas gerações é o de reconhecer as formas realmente existentes e buscar formas mais permanentes, institucionais e democráticas de participação. A cidadania política se identifica com a vivência dos direitos políticos relacio nados com a liberdade de expressão e associação, ou seja, direitos que só podem se realizar voluntária e ativamente e que se relacionam diretamente com a qualidade da cultura política de indivíduos e sociedades. Os jovens têm um papel decisivo a jogar nesse jogo democrático. Referências bibliográficas: ABRAMO, Helena e VENTURI, Gustavo. Juventude, política e cultura. In: Teoria e Debate. Revista da Fundação Perseu Abramo, nº 45, jul./ago./set. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. BALARDINI, Sérgio (org.). La participación social y política de los jóvenes en el ho rizonte del nuevo siglo. Colección Grupos de Trabajo CLACSO. Buenos Aires: CLACSO, 2000. JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 46 PGM 4 CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da glo balização. Rio de Janeiro: editora UFRJ, 1996. DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: Anos 90: Políticas e Sociedade no Brasil. Evelina Dagnino (org.). São Paulo: Brasiliense, 1994. DAYRELL, Juarez e CARRANO, Paulo. Dificultades de finales del siglo y promessas de um mundo diferente. In: Jovenes. Revista de estúdios sobre Juventud, nº 17. México, DF: Instituto Mexicano de Juventud, 2002. LAGUNA, Ricardo Becerra. Participación política y ciudadana de los jóvenes. In: Jóvenes: una evaluación del conocimiento. La investigación sobre Juventud en México 1986-1999. José Antonio Pérez Islas (org.). Colección Jóvenes, nº 05. México, DF: Instituto Mexicano de Juventud, 2000. NÚÑEZ, Pedro Fernando. La Ciudadania en cuestión: jóvenes, participación y políticas públicas en AMBA y en Catalunya, 2003. (mimeo) OESTERREICH, Detlef. A atitude da juventude alemã diante da atuação política: uma comparação internacional. In: As caras da juventude. Paulo Sérgio do Carmo et al. Cadernos Adenauer, nº 6. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001. PONTUAL, Pedro. Juventude e poder público: diálogo e participação. In: Políticas públicas: juventude em pauta. Maria Virgínia de Freitas e Fernanda de Carvalho Papa (org.). São Paulo: Cortez; Ação Educativa: Fundação Friedrich Ebert, 2003. REGUILLO, Rossana. Ciudadania Juveniles en America Latina. In: Ultima Decada, nº 19. Viña Del Mar: Ediciones CIDPA, 2003. SCHMIDT, João Pedro. Juventude e políticas públicas no Brasil. A socialização política dos jovens na virada do milênio. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. SPOSITO, Marília Pontes y CARRANO, Paulo César. Juventud y políticas públicas en Brasil. In: Políticas públicas de juventud en América Latina: Políticas Nacionales. Valparaíso: Ediciones CIDPA, 2003. SPOSITO, Marilia Pontes. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa, 2003. JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 47 PGM 5 PGM 5 Cultura, es- cola e identidades juvenis Juarez Dayrell 1 Vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério. O jovem no Brasil nunca é levado a sério(...). Sempre quis falar, nunca tive chance tudo que eu queria estava fora do meu alcance(...). (Charles Brown Junior – “Não é sério”) Este trecho da música do grupo Charles Brown Junior traduz e denuncia o paradoxo vivenciado pelos jovens no Brasil. Nunca as características e valores ligados à juventude, como a energia e a es tética corporal ou mesmo a busca do novo, foram tão louvados, num processo que poderíamos chamar de “juvenilização ” da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, a juventude brasileira ainda não é encarada como sujeito de direitos, não sendo foco de políticas públicas que garantam o acesso a bens materiais e culturais, além de espaços e tempos onde possam vivenciar plenamente esta fase tão importante da vida. Além disso, como diz a música, o jovem não é levado a sério, exprimindo a tendência, muito comum nas escolas e programas educativos, de não considerar o jovem como interlocutor válido, capaz de emitir opiniões e interferir nas propostas que lhes dizem respeito, desestimulando a sua participação e o seu protagonismo. 1 Professor da Faculdade de Educação e coorde nador do Observatório da Juventude, ambos da UFMG. A música também denuncia um outro fenômeno comum: a criação de imagens e preconceitos sobre a juventude, quase sempre abordados sob perspectiva negativa. No cotidiano das nossas esco las, por exemplo, o jovem geralmente aparece como problema, com ênfase na sua indisciplina; na “falta de respeito ” nas relações entre os pares e com os professores; na sua “irresponsabilidade ” diante dos compromissos escolares; na sua “rebeldia ” quanto à forma de vestir – calças e blusas larguíssimas, piercings, tatuagens e o inde fectível boné – o que pode ser motivo de conflito quando a escola CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 48 PGM 5 define um padrão rígido de vestimenta. É comum também entre os professores o estereótipo das gerações atuais como desinteressadas pelo contexto social, individualistas e alienadas, numa tendência a compará-las às gerações anteriores, mitificadas como gerações mais comprometidas e generosas. Além disso, a juven tude é considerada uma unidade social, um grupo dotado de interesses comuns, os quais se referem a determinada faixa etária. Nessa perspectiva, a juventude assumiria um caráter universal e homogêneo, sendo igual em qualquer lugar, em qualquer escola ou turno. O que se constata é que boa parte dos professores das nossas escolas tendem a ver o jovem aluno a partir de um conjunto de modelos e estereótipos socialmente construídos, e com esse olhar correm o risco de analisá-los de forma negativa, o que os impede de conhecer o jovem real que ali freqüenta. Essa tendência é de corrente do fato de a juventude ser, ao mesmo tempo, uma condição social e uma representação. De um lado há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo em determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimen to físico e enfrenta mudanças psicológicas. Mas a forma como cada sociedade e, no seu interior, cada grupo social vai lidar e representar esse momento é muito variada no tempo e no espaço. Essa diversidade se concretiza no período históri co, nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores, etc.), de gênero e também das regiões, dentre outros aspectos. É muito diferente, por exemplo, a noção do que é o jovem, de como vivencia esta fase e de como é tratado em famílias de classe média ou de camadas populares, em um grande centro urbano ou no meio rural. Nesta perspectiva, podemos afirmar que não existe uma juventude, mas sim juventudes, no plural, enfatizando, assim, a diversidade de modos de ser jovem na nossa sociedade. Diante disso, se a escola e seus profissionais querem estabelecer um diálogo com as novas gerações, torna-se necessário inverter esse processo. Ao contrário de construir um modelo prévio do que seja a juventude e por meio dele analisar os jovens, propomos que a escola e seus profissionais busquem conhecer os jovens com os quais atuam, dentro e fora da escola, descobrindo como eles constroem um determinado modo de ser jovem. Para contribuir nessa tarefa, nos propomos discutir um fenômeno que vem conquistando um número cada vez maior de jovens, que é o envolvimento e a participação cultural, pontuando como esta di mensão interfere na construção das identidades, na formação humana dos jovens. As práticas culturais e a construção de identidades Uma dimensão inovadora constatada em várias pesquisas sobre a juventude CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 49 PGM 5 contemporânea é o alargamento dos interesses e práticas coletivas juvenis, com ênfase na importância da esfera cultural que cria formas próprias de sociabilidade, de práticas coletivas e de interesses comuns. Outras modalidades de ações coleti vas surgem como as associações em torno de atividades voluntárias, comunitárias ou de solidariedade. As formas de mobilização e organização são as mais diversas, acontecendo desde campanhas pontuais, como aquelas que recolhem alimentos contra a fome, ou mobilizações em torno da qualidade de vida e do meio ambiente e até mesmo o surgimento de organizações não-governamentais (ONGs), criadas e geridas por jovens, com ações mais contínuas em diferentes direções. Chama a atenção o caráter local dessas ações, articulando-se a partir dos espaços de moradia e de questões relacionadas com a urbanidade, elevando a cidade como espaço e tema preferencial da participação juvenil. Mas dentre estas formas de participação social, o mundo da cultura apare ce como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares dos pais, professores ou patrões, assumem um papel de protagonistas, atuando de alguma forma sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si mesmos e sobre o mundo que os cerca. Os jovens envolvem-se com diferentes expressões culturais, como a dança ou o teatro, mas é a música – produto cultural mais consumido entre eles – o que mais os agrega. Inúmeras pesquisas constatam esse fenômeno, evidenciando que a cultura e a produção cultural, principalmente aquelas que ocorrem em torno da música, vêm se tornando espaços privilegiados de produção dos jovens como atores sociais. A produção cultural, em especial a músical, funciona como articuladora de identidades e referência na elaboração de projetos de vida individuais e coletivos, além de ser o meio através do qual buscam uma intervenção na sociedade, constituindo-se como uma forma própria de participação social. A mobilização em torno das expressões culturais pode estar apontando para questões centrais na sociedade contemporânea. Podem ser expressão do processo de transformações profundas pelas quais vem passando a sociedade brasileira e mundial, tendo na informação, no campo simbólico e na disputa do controle dos recursos simbólicos o eixo em torno dos quais se caracteriza a chamada sociedade complexa. Por meio da intensificação da velocidade das informações, os jovens en tram em contato e de alguma forma interagem com as dimensões locais e globais, que se determinam mutuamente, mesclando singularidades e universalidades, en volvidos numa pluralidade de pertencimentos: posições sociais, redes associativas, grupos de referência, etc... De tal forma que participam, no real ou no imaginário, CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 50 PGM 5 de uma multiplicidade de mundos, tendo acesso a diferentes modos de ser, a diferentes modos de viver, a diferentes modelos sociais que terminam interferindo nos processos identitários. Neste contexto, a fonte da identidade está cada vez mais cen trada nos indivíduos, que vem adquirindo a capacidade autônoma de definir-se como tais, construindo sua identidade como algo que não está dado e que não vem de uma vez para sempre. A resposta à pergunta: “quem sou eu?” não está dada: ela deve ser construída. A identidade é vivenciada assim, como uma ação e não tanto como uma situação: é o indivíduo que constrói a sua consistência e seu reconhecimento, no interior dos limites postos pelo ambiente e pelas relações sociais. A construção da identidade é antes de tudo um processo rela 2 “Estilo é aqui definido como uma manifesta ção simbólica das cul turas juvenis, expressa em um conjunto mais ou menos coerente de elementos materiais e imateriais, que os jo vens consideram re presentativos da sua identidade individual e coletiva. Na construção de um estilo, os jovens escolhem determina do gênero musical que consomem, criam um tipo de visual e espaços pró-prios de diversão e atuação. Assim o estilo pressupõe o cruzamen to dos campos do lazer, do consumo, da mídia e da criação cultural” (Dayrell, 1999 e 2001). cional, ou seja, um indivíduo só toma consciência de si na relação com o Outro. Ninguém pode construir a sua identidade independen temente da identificação que os outros possuem a seu respeito, num processo intersubjetivo no qual “eu sou para você o que você é para mim ”. É uma interação social, o que aponta para a importância do pertencimento grupal e das suas relações solidárias para o reforço e garantia da identidade individual. Não nos sentimos ligados aos outros apenas pelo fato de existirem interesses comuns mas, sobre tudo, porque esta é a condição para reconhecer o sentido do que fazemos, podendo nos afirmar como sujeitos das nossas ações. Fica evidente, como iremos ver mais adiante, a importância do grupo de amigos, das esferas culturais, da escola, das atividades de lazer, entre outros, como espaços que podem contribuir na construção de identidades positivas. Para isso, é fundamental entender quais as esferas da vida que se tornam significativas para o jovem, bem como compreender o significado de cada uma delas na construção da sua auto-imagem. Os grupos musicais e seus múltiplos significados As pesquisas têm apontado que os grupos musicais, principal mente os constituídos por jovens pobres, articulados em torno dos mais diversos estilos2, são exemplos significativos das novas formas de agregação juvenil. CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 51 PGM 5 Tomando como exemplos os estudos realizados em torno desses grupos mu sicais, com ênfase nos estilos rap e funk, podemos constatar uma multiplicidade de significados que estes passam a desempenhar junto aos jovens das periferias urbanas. Um primeiro aspecto diz respeito ao exercício da criatividade. Os estilos musicais tendem a possibilitar que os jovens se introduzam na cena pública para além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos, contra todos os limites de um contexto social que lhes nega a condição de criadores. Dessa forma, as experiências nos grupos musicais assumem um valor em si, como exer cício das potencialidades humanas. As músicas que criam, os shows que fazem, os eventos culturais dos quais participam aparecem como forma de afirmação pessoal, além do reconhecimento no meio em que vivem, contribuindo para o reforço da auto-estima. Ao mesmo tempo, a produção cultural que realizam, principalmente por meio do rap e de seu caráter de denúncia, colocam em pauta no cenário social o lugar do pobre. O outro aspecto diz respeito à dimensão da escolha. Os estilos musicais se colocam como um dos poucos espaços onde os jovens podem exercer o direito a escolhas, elaborando modos de vida distintos e ampliando o leque das experiências vividas. Essa dimensão se torna mais importante quando levamos em conta que é o exercício da escolha, junto com a responsabilidade das decisões tomadas, uma das condições para a construção da autonomia. Outra dimensão presente nesses espaços e tempos de sociabilidade é a alter nativa que os estilos musicais proporcionam de vivência da condição juvenil. Para a maioria desses jovens, os estilos funcionam como um rito de passagem para a juventude, fornecendo elementos simbólicos, expressos na roupa, no visual ou na dança, para a elaboração de uma identidade juvenil. Esses estilos musicais são referências para a escolha dos amigos, bem como para as formas de ocupação do tempo livre, em duas dimensões constitutivas da condição juvenil: o grupo de pares e o tempo de lazer. A convivência continuada em grupos, ou mesmo em dupla, possibilita a criação de relações de confiança, a aprendizagem de relações coletivas, servindo também de espelho para a construção de identidades indivi duais. Assim, os grupos de estilos também são grupos de atitudes compartilhadas (Carrano, 2002). Os jovens enfatizam que a adesão aos estilos gera uma ampliação dos circuitos e redes de trocas, evidenciando que os estilos musicais, bem como os grupos de produção cultural, se constituam como produtores de sociabilidades. A observação dessa realidade permite compreender que, de forma geral, os grupos de produção cultural, mesmo com abrangências diferenciadas, podem significar uma referência CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 52 PGM 5 na elaboração e vivência da condição juvenil, contribuindo de al guma forma para dar um sentido à vida de cada um, num contexto onde se vêem relegados a uma vida sem sentido. Ao mesmo tem po, pode possibilitar a muitos jovens uma ampliação significativa do campo de possibilidades, abrindo espaços para sonharem com outras alternativas de vida que não aquelas restritas oferecidas pela sociedade. Dessa forma, os grupos musicais e seus múltiplos significados apresentam-se como espaços e possibilidades de participação ju venil. Mas não só. A juventude também se encontra e reencontra no espaço das artes plásticas e artes cênicas, nos movimentos culturais, no esporte e atividades de lazer. São dimensões da cultura que pos sibilitam a troca, o diálogo, a convivência coletiva e a elaboração de projetos e que precisam ser estimuladas pela escola e contempladas nas políticas públicas para a juventude. Por outro lado, não podemos esquecer que a produção cultu ral desses grupos, em sua maioria, se mostra frágil e marcada pela precariedade e pelo amadorismo. É interessante perceber que, se o mundo da cultura se mostra um espaço mais democrático para esses jovens construírem um estilo próprio, o mesmo não acontece quando eles passam a pretender disputar um nicho próprio e sobre viver das atividades culturais. As barreiras são muitas, entre elas o acesso restrito aos bens materiais e simbólicos e a falta de espaços que possibilitem um conhecimento mais amplo e profissionalizado do funcionamento do mercado cultural. As escolas públicas pouco ou nada investem na formação cultural, e quase não existem nas cidades instituições públicas na área cultural que possibilitem o acesso aos conhecimentos específicos da área. Esses jovens conse guem manter uma cena cultural viva e de alguma forma atuante, e o fazem da forma que podem, de acordo com os recursos materiais e simbólicos a que têm acesso. Os jovens e a escola A fragilidade da cena cultural na periferia dos grandes centros urbanos expõe a fragilidade das redes sociais com as quais grande parte da juventude pode contar no processo de sua construção como CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 53 PGM 5 jovens, o que reforça a centralidade dos grupos culturais no momento em que vivem. Além da família, e mesmo assim quando se pode contar com ela, eles estão sós, situados no limiar da precariedade. O mundo do trabalho lhes fecha as portas, com o desemprego atingindo de for ma mais aguda os jovens: na década de 90, 62,2% dos que perderam emprego eram jovens. Grande parte deles não possui qualificação profissional e se vêem sem perspectivas num contexto de crise da sociedade assalariada. Outra instituição com a qual poderiam contar seria a escola. Os dados do censo 2000 do IBGE indicam que as taxas de escolariza ção ampliaram nas faixas etárias de 15 a 24 anos. Evidencia que os jovens hoje têm mais acesso à escolarização formal e nela perma necem mais tempo, ainda que esta permanência seja marcada por reprovações e constantes desistências, o que gera distorções entre a idade ideal e a série cursada. Na faixa etária de 15 a 17 anos, mais da metade dos jovens que estudam (52,6%) ainda estão matriculados no Ensino Fundamental, no qual deveriam estar apenas crianças e adolescentes até 14 anos. E o que é mais sério, mais da metade da população jovem estava fora da escola no ano 2000. E destes, a maioria (57%) não tinha completado o Ensino Fundamental3. O 3 Dados do IBGE citados por Carrano (2003). 4 A noção de crise é utilizada não no sentido de uma ruptura, de caos mas sim de mutações profundas, onde se es gotam modelos ante riores e ainda não estão delineados os novos, como sugere Melucci (1991). afastamento do sistema escolar cresce com a faixa etária, sendo mais intenso entre os homens que entre as mulheres e mais forte entre os jovens negros. Um outro dado expressivo é a qualidade do ensino. Entre jovens de 15 a 24 anos, apenas 47% dos entrevistados apresentavam domínio pleno de habilidades ligadas à leitura de textos mais longos, localização de informações e capacidade de estabelecer relações entre elas. Apenas 35% declararam gostar de ler, e revistas e livros estavam entre as preferências (Sposito, 2003). Os dados evidenciam um descompasso entre a ampliação do acesso e a qualidade escolar oferecida, o que restringe as oportunidades de escolha e de inserção social nesse momento decisivo da formação humana. As pesquisas envolvendo o tema da juventude e escola reiteram o diagnóstico no qual a instituição escolar, na forma como organiza seus tempos, espaços e conteúdos, tem se mostrado pouco eficaz em contribuir para que os jovens, principalmente aqueles das camadas populares, possam enfrentar os complexos desafios postos pela reali CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 54 PGM 5 dade social, mostrando-se distante dos seus interesses e necessidades. José Machado Pais (2003) compreende as razões pelas quais os jovens podem identificar o espaço escolar como desinteressante, uma vez que eles não se reconhecem numa instituição onde suas culturas não podem se realizar nem tampouco podem se fazer presentes. Para este pesquisador português, a escola não reconhece as culturas juvenis com possibilidade de inclusão e transformação. E é exatamente isto que tais culturas (re) clamariam: inclusão, reconhecimento e pertença (apud Carrano, 2003). Fica evidente que a escola vive uma crise4, com os alunos e professores se perguntando a que ela se propõe. E essa crise se aprofunda quando se constata que a instituição escolar ainda se pauta por uma visão reiterada de futuro, na lógica do “adiamento das gratificações ”, ou seja, ela não tem sentido em si, pelo acesso a uma formação no presente, mas pelas recompensas que supostamente trará a médio ou longo prazo, mas numa sociedade que fecha as possibilidades de mobilidade social. A crise da escola é reflexo da crise da sociedade: os velhos modelos nos quais as instituições tinham um lugar socialmente definido já não correspondem à realidade. Os jovens e os desafios dos educadores Convivendo com esses jovens, olhando a escola a partir da sua ótica, é necessário se perguntar o que a escola pode fazer por eles, mas sem cair no risco de assumir o discurso ainda dominante que difunde uma imagem da educação, restrita à escola, como apanágio para todos os males. Significa dizer que a instituição escolar, por si só, pouco pode fazer. Os jovens, principalmente aqueles das periferias dos grandes centros urbanos, demandam mais do que a escolarização, mesmo que de melhor qualidade. Eles demandam redes sociais de apoio mais amplas, com políticas públicas que os contemplem em todas as dimensões, desde a sobrevivência até o acesso aos bens culturais. O primeiro desafio para nós, educadores, é ampliar a nossa reflexão para fora dos muros escolares e buscar saídas no jogo das forças sociais. Sabendo dos limites da escola, podemos afirmar com Paulo Freire que a tarefa pedagógica da escola é ampliar nos jovens alunos a sua condição de humanos. Isso demanda, em primeiro lugar, ampliar a nossa compreensão sobre os jovens, principalmente aqueles da periferia, como afirmamos anteriormente. Não podemos nos esquecer do aparentemente óbvio: eles são seres humanos, amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito das suas condições e de suas experiências de vida, posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de melhoria de vida. Torna-se necessário escutá-los, ver nas práticas culturais e nas formas de sociabili CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 55 PGM 5 dade que desenvolvem traços de uma luta pela sua humanização, diante de uma realidade que insiste em desumanizá-los e, na perspectiva do protagonismo juvenil, tomá-los como parceiros na definição de ações que possam potencializar o que já trazem de experiências de vida. Se quisermos contribuir para a formação humana desses jovens, temos de encará-los como sujeitos que são, que interpretam o seu mundo, agem sobre ele e dão um sentido à sua vida. Levar em conta os jovens como sujeitos implica repensar a escola, seus currí culos com suas práticas educativas a partir de uma nova pauta de questões: Como fazer da escola e das nossas práticas educativas um momento pedagógico de hu manização? Como fazer da escola um espaço de treino de autonomia enquanto exercício de escolhas responsáveis e solidárias? Como incentivar o protagonismo juvenil, considerando os jovens como interlocutores válidos, capazes de opinar nos projetos que lhes dizem respeito? Como incentivar a dimensão educativa da sociabilidade, fazendo da escola um espaço de encontro, um espaço de relações sociais de qualidade? Como despertar e incentivar o desejo pelo saber, dialogan do com os interesses e necessidades dos jovens? Como incentivar as diferentes linguagens culturais, possibilitando a expressão autônoma das culturas juvenis? Como Arroyo (2000), acredito que é por meio dessas reflexões e das novas práticas que daí advirem que podemos fazer da escola um tempo mais humano, humanizador, esperança de uma vida menos inumana. Este é um desafio para o qual não existem receitas. Como dizia o poeta, “caminhante, não há caminho, há caminhos a andar...”. Referências Bibliográficas ABRAMO, Helena. Cenas juvenis; punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Escrita, 1994. _________. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, ANPED, n. 5/6, 1997. ARROYO, Miguel. Oficio de Mestre. Petrópolis. Ed. Vozes, 2000. ABROMAVAY, Miriam et al. Gangues, galeras, chegados e rappers; juventude, violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. ALVIM, Rosilene, GOUVEIA, Patrícia (org.). Juventude anos noventa; imagens e con ceitos. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000. ANDRADE, Elaine Nunes. Movimento negro juvenil; um estudo de caso sobre jovens rappers de São Bernardo do Campo. São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1996. (Dissertação de Mestrado) CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 56 PGM 5 ARCE, José Manuel Valenzuela. Vida de barro duro; cultura popular juvenil e grafite. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da glo balização. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996. CARRANO, Paulo César Rodrigues. Angra de Tantos Reis: práticas educativas e jovens tra(n)çados da cidade. Niterói: Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, 1999. (Tese de Doutorado) _________. Os jovens e a cidade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. _________. Juventudes: as identidades são múltiplas. Revista Movimento. Faculdade de Educação/UFF. Rio de Janeiro: DP & A, 2000. _________ & PEREGRINO, Mônica. Jovens e Escola: compartilhando territórios e sentidos de presença. Em questão: a escola e o mundo juvenil. São Paulo: Ação Educativa, 2003. CECHETTO, Fátima Regina. Galeras funk cariocas; o baile e a rixa. Rio de Janeiro: UERJ/ Departamento de Ciências Sociais, 1997. (Dissertação de Mestrado) COSTA, Maria Regina. Os carecas de subúrbio: caminhos de um nomadismo moderno. Petrópolis: Vozes, 1993. DAYRELL, Juarez. Juventude, grupos de estilo e identidade. Educação em Revista. Belo Horizonte, n. 30, p. 25-39, dez. 1999. _________. A música entra em cena: o funk e o rap na socialização da juventude em Belo Horizonte. São Paulo: Faculdade de Educação, 2001. (Tese de Doutorado) _________. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p.117-137, jan./jun. 2002. _________. Juventude e escola. In: SPOSITO, Marilia (org.) Juventude e Escolarização. Brasília: MEC/Inep/Comped, 2002. _________& CARRANO, Paulo. Jovenes de Brasil: dificultades de finales del siglo y promesas de un mundo diferente. Jovenes: revista de estudos sobre juventud. México, v. 6, n.17, Julio-diciembre 2002. _________. Escola e Culturas Juvenis. In: FREITAS, Maria Virginia & PAPA, Fernanda de Carvalho(orgs.). Políticas Públicas: a juventude em pauta. São Paulo: Cortez: Ação Educativa: Fundação Friedrich Ebert, 2003. _________. Cultura e Identidades Juveniles. Ultima Década, Vina del Mar, Chile, ano 11, n 18, p.69-93, 2003. _________. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 24, p. 40-53, set./out./nov./dez. 2003. ERIKSON, Erik. Identidad, juventud y crisis. Buenos Aires: Paidos, 1971. FEIXA, Carlos. De jóvenes, bandas e tribus. Barcelona: Ariel, 1998. CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 57 PGM 5 GUERREIRO, Goli. Retratos de uma tribo urbana: rock brasileiro. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1994. GUIMARÃES, Elias Lins. Os saberes de uma festa: conhecimento e vivência de jovens negros no Bloco Afro Areketu. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1995. (Dissertação de Mestrado). GUIMARÃES, Maria Eloísa. Escola, galeras e narcotráfico. Rio de Janeiro: PUC-RJ/De partamento de Educação, 1995. (Tese de Doutorado) HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. _________. (org.). Abalando os anos 90: funk e hip hop, globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. IBGE. Censo 2000. Internet. www.ibge.gov.br. KEMP, Kenia. Grupos de estilo jovens; o rock underground e as práticas (contra) cul turais dos grupos “punk” e “trash” em São Paulo. São Paulo: Departamento de Antropologia da UNICAMP, 1993. (Dissertação de Mestrado) MARQUES, Maria Omélia da Silveira. Escola noturna e os jovens. Revista Brasileira de Educação. Juventude e Contemporaneidade. São Paulo: Anped, n. 5/6, 1997. MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997. MELUCCI, A. e FABBRINI, Anna. L’età dell’oro: adolescenti tra sogno ed esperienza. Milano: Feltrinelli.1992. _________. l gioco dell’io; il cambiamento di sè in una società global. Milano: Feltri nelli, 1996. _________. L’invenzione del presente: movimenti sociali nelle società complesse. Bologna: Il Mulino, 1991. MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. Fala, galera: juventude, violência e cidadania. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993. PERALVA, Angelina. Juvenização da violência e angústia da morte. ANPED, 1996 (mimeo.). _________. O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, ANPED, n 5/6, 1997b. ROSA, T. Um estilo que ninguém segura: política, estilo e cidade pós-industrial no hip hop. In: HERSCKMANN, Micael. Abalando os anos 90: funk e hip hop, globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. RUA, Maria das Graças. As políticas públicas e a juventude nos anos 90. In: Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília, CNPD, 1998. CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 58 PGM 5 SANSONE, Livio. Funk baiano; uma versão local de um fenômeno global? In: SILVA, José Carlos Gomes. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência urbana. Campinas: Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, 1998. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais) SOUTO, Jane. Os outros lados do funk carioca. In: VIANNA, Hermano (org.) Galeras Cariocas; territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. SPOSITO, Marília P. A sociabilidade juvenil e a rua; novos conflitos e ação coletiva na cidade. Tempo Social. Revista Sociologia da USP. São Paulo, v. 5 n. 1 e 2, p.161178, 1993. _________. Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação. Texto apresentado na ANPED, 1999 (mimeo.). _________. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. Juventude e Contemporaneidade, São Paulo, Anped, n. 5/6, 1997. _________. Educação e juventude. Educação em Revista. Belo Horizonte: FAE/UFMG, n. 29, 1999. _________. Políticas metropolitanas de juventude: projeto temático. São Paulo, 2002, mimeo. _________ (org.). Juventude e Escolarização – Estado do Conhecimento (1984-1998). Brasília, DF: INEP, 2002. _________. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa, 2003. TELLA, Marco Aurélio Paz. Atitude, arte, cultura e autoconhecimento; o rap como voz da periferia. São Paulo: Departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, 2000. (Dissertação de Mestrado). TELLES, Vera da Silva. A experiência da insegurança: trabalho e família nas classes trabalhadoras urbanas em São Paulo. São Paulo, Tempo Social; Revista de So ciologia, USP, v.4. n. 1 e 2, p. 53-93, 1992. VENTURI, Gustavo e ABRAMO, Helena. Candidatos a cidadãos. In: Um ano de juven tude. Câmara Municipal de São Paulo. Mimeo. 2001 VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1987. _________. (org.) Galeras cariocas; territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS 59 PGM 1 Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Tarso Genro Secretário de Educação a Distância Marcos Dantas MEC / SEED / TV ESCOLA SALTO PARA O FUTURO Diretor de Produção e Divulgação de Programas Educativos Jean Claude Frajmund Diretora do Departamento de Política de Educação a Distância Carmen Moreira de Castro Neves Cordenadora Geral de Planejamento e Desenvolvimento de Educação a Distância Tânia Maria Magalhães Castro Coordenadora de Educação Básica Angela Martins Supervisora Pedagógica Rosa Helena Mendonça Coordenadoras de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Diagramação e Editoração Norma Massa Consultor especialmente convidado Paulo Carrano Patrícia Ramos Mendonça Email: [email protected] Home page: www.tvebrasil.com.br/salto Av. Gomes Freire, 474, sala 105. Centro. CEP: 20231-011 – Rio de Janeiro (RJ). Maio de 2004 CONHECIMENTO MATEMÁTICO60