O papel da escola
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O papel da escola
Combatendo e prevenindo os abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes: O papel da escola © 2011, dos autores Direitos reservados dessa edição: Laprev - Laboratório de Análise e Prevenção da Violência Capa, projeto gráfico e diagramação: Izis Cavalcanti Rachel de Faria Brino Roselaine de Oliveira Giusto Thais Helena Bannwart Combatendo e prevenindo os abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes: O papel da escola Sumário 7 Conceituação e formas de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes 8 Compreensão do fenômeno dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes 10 Exemplos de situações abusivas e/ou envolvendo maus-tratos 13 Dimensão do Fenômeno 13 Fatores que caracterizam os maus-tratos 14 Fatores que podem determinar o impacto dos abusos e/ou maus-tratos 15 Consequências dos abusos e/ou maus-tratos para o desenvolvimento infantil 16 Sinais apresentados pela criança e/ou adolescente que podem ajudar a identificar a suspeita de ocorrência de maus-tratos 18 A observação do comportamento das crianças e adolescentes e a identificação dos sinais 19 Fatores de risco e de proteção aos abusos e/ou maus-tratos 23 Papel do educador frente aos casos suspeitos e/ou confirmados de abusos e/ou maus-tratos 26 Encaminhamento após a identificação da suspeita 26 Estudos de Casos – O que fazer diante de uma suspeita? 31 Cuidados Básicos importantes na abordagem da criança 5 33 Informações importantes acerca dos abusos e/ou maus-tratos 34 Contatos Importantes 35 Referências 35 Bibliografia 6 Conceituação e formas de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes Nos últimos tempos, os meios de comunicação têm dado ampla cobertura a notícias envolvendo casos de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes. Um aspecto comum à maioria dos casos e que tem deixado a sociedade mais chocada é o fato de que os agressores, em geral, são os pais das crianças ou alguém próximo dela como a babá, contratada para cuidar das crianças. Para um público leigo, que não tem conhecimento sobre a problemática da violência intrafamiliar, no Brasil e no mundo, tais notícias podem parecer casos isolados ou talvez meros incidentes. Não são. Infelizmente, pesquisas de levantamento apontam índices alarmantes de violência intrafamiliar contra crianças em suas diversas modalidades, ou seja, abusos e/ou maus-tratos físicos, psicológicos, sexuais e negligência. Dentre as ocorrências de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes, os dados apontam para um índice de 70% de abusos intrafamiliares, ou seja, cometidos por familiares da própria criança. Neste sentido, o envolvimento de educadores como agentes de prevenção dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes ganha destaque e parece de extrema relevância. Devido às dificuldades de a criança revelar a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos para os membros da família e, considerando-se que a maioria dos casos são intrafamiliares (REPPOLD, PACHECO, BARDAGI e HUTZ, 2002), muitas vítimas podem recorrer à ajuda ou suporte fora da família. Os educadores, em virtude de sua acessibilidade às crianças, de serem melhores instrutores do que outros profissionais que lidam com crianças e permanecerem pelo menos um ano com a mesma criança, podem ser capacitados na identificação de casos de maus-tratos e de estratégias de intervenção com crianças vítimas de abusos (Kleemeier, Webb e Hazzard, 1988). Além disso, o professor permanece atuando com crianças após a capacitação, e mesmo que a cada ano dê aulas a novas crianças, é possível garantir uma continuidade ao trabalho. O objetivo deste manual, portanto, é fornecer subsídios aos profissionais da educação para o enfrentamento de situações suspeitas de abusos 7 e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes. Especificamente, proporcionar elementos para o entendimento do fenômeno, a identificação de casos suspeitos e o encaminhamento devido nestes casos aos órgãos de proteção à crianças e adolescentes, além da discussão de como abordar adequadamente a criança e/ou adolescente envolvido na situação. Compreensão do fenômeno dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes Para discutir a prevenção dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes uma melhor compreensão do fenômeno faz-se necessária. Para tanto, é importante apresentar uma definição de abuso e/ou maustratos contra crianças e adolescentes. A partir da conceituação, é possível avaliar se uma dada situação envolve o abuso e/ou maus-tratos infantis. A conceituação de maus-tratos adotada pela Associação Internacional para a Prevenção do Abuso e Negligência (ISPCAN) é a seguinte: O abuso ou os maus-tratos contra crianças engloba toda forma de maus-tratos físicos e/ou emocional, abuso sexual, abandono ou trato negligente, exploração comercial ou outro tipo, do qual resulte um dano real ou potencial para a saúde, a sobrevivência, o desenvolvimento ou a dignidade da criança no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder” (Organização Mundial de Saúde, 2002). Nesta conceituação, três aspectos são importantes: o primeiro é que há diferentes formas de abusos e/ou maus-tratos; o segundo é a presença de um dano real ou potencial ao desenvolvimento da criança; e a terceira, e fundamental, é a relação de poder e ou confiança entre agressor e vítima. O primeiro aspecto envolve as diferentes formas de abusos e/ou maus-tratos, que são apresentadas no quadro a seguir: 8 • Físico: qualquer ação não acidental por parte dos pais ou cuidadores que provoque dano físico ou enfermidade ou coloque a criança em risco de vida através de golpes; hematomas; queimaduras; fraturas, inclusive de crânio; feridas ou machucados; mordidas humanas; cortes; lesões internas; asfixia ou afogamento. • Psicológico: comportamento de hostilidade verbal crônica, insultos, depreciação, crítica e ameaça de abandono, intimidação, condutas ambivalentes e imprevisíveis, situações ambíguas na comunicação (dupla mensagem), isolamento, proibição de participar em atividades com os pares, desvalorização da criança, bloqueio das iniciativas de iniciação infantil por parte de qualquer membro adulto do grupo familiar (rechaço das iniciativas de apego, exclusão das atividades familiares, negação de autonomia). • Sexual: consiste em todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual cujo agressor tem uma relação de poder com a vítima. Neste tipo de abuso há a intenção de estimular a vítima sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Ele é apresentado de maneira imposta à criança ou ao adolescente pela violência física, sedução, ameaças ou indução de sua vontade e sob a forma de práticas eróticas e sexuais o que inclui o voyerismo, exibicionismo, produção de fotos e diferentes ações que incluem contato sexual com ou sem penetração ou violência. Engloba ainda a situação de exploração sexual visando lucros como é o caso da prostituição e da pornografia. • Negligência: situações em que as necessidades físicas básicas da criança (alimentação, higiene, vestimenta, proteção e vigilância em situações potencialmente perigosas, segurança, cuidados médicos) não são atendidas temporal ou permanentemente, por nenhum membro do grupo que a criança convive. Em geral, as diferentes formas de abuso ocorrem concomitantemente, por exemplo, acompanhado do abuso sexual, a criança pode sofrer também o abuso físico e o psicológico, assim como a violência física pode vir acompanhada da negligência. Mas pode haver casos envolvendo apenas uma forma. A distinção dentre as formas é também importante devido às 9 diferentes consequências que podem trazer ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. Acerca do último aspecto envolvido na conceituação dos abusos e/ou maus-tratos, a relação de poder e/ou confiança merece destaque, na medida em que está presente nas relações que a criança e/ou adolescente tem com as pessoas da família e/ou conhecidas e que exercem papel de cuidador deste ou desta. Essa relação de proximidade, envolvendo o poder e ou a confiança sobre a criança e/ou adolescente facilita a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos, bem como dificulta a revelação por parte da vítima do que está ocorrendo. A criança e/ou adolescente é envolvida em atos abusivos, seja pela força física, ou coação emocional e permanece calada, acuada diante de ameaças ou solicitações de segredo. Exemplos de situações abusivas e/ou envolvendo maustratos As definições de abusos e/ou maus-tratos auxiliam na compreensão do fenômeno, no entanto, a análise de alguns exemplos para verificar se há ocorrência ou não dos abusos e/ou maus-tratos pode ser também importante ferramenta. A seguir alguns exemplos e as considerações acerca da questão se há abuso ou maus-tratos envolvidos: Exemplo 1 Um tio de uma menina de seis anos praticou sexo oral com sua sobrinha uma vez, sem usar violência física. A menina sofreu abuso sexual sim. Não importa se não houve repetição, uma única vez, ou mesmo uma tentativa de praticar sexo oral com a criança já poderia acarretar em conseqüências negativas ao desenvolvimento saudável da criança. Tal situação implica no dever de comunicação aos órgãos de proteção a criança (esse encaminhamento será discutido mais detalhadamente na sessão acerca do papel do educador diante de uma suspeita). 10 Exemplo 2 Uma criança presencia as agressões físicas e verbais do pai contra a mãe. A criança não está sofrendo abuso físico diretamente, mas por assistir a violência do pai contra a mãe está sendo vítima de violência psicológica e pode desenvolver conseqüências prejudiciais ao seu desenvolvimento normal. Neste caso também é dever do profissional ou dos familiares fazerem a comunicação aos órgãos competentes de proteção à criança. Exemplo 3 Um de seus alunos não participa das danças em festas na escola devido a religião praticada pela família. Neste caso, não há abuso e/ou maus-tratos, pois a criança não está privada de socialização, mas de uma prática não permitida por questões religiosas. Os pais não estão praticando isolamento da criança, impedindo-a de envolver-se em quaisquer ações de socialização, mantendo-a presa em casa, o que sim seria considerado abuso e/ou maus-tratos. Na medida em que a criança participa de outras atividade permitidas pela religião da família tem sua socialização garantida e seu desenvolvimento saudável também. Exemplo 4 Uma criança assiste a filmes pornográficos e/ou visita sites com conteúdo pornográfico. Se a criança assiste a tais filmes e sites acompanhada e incentivada por um adulto ou adolescente mais velho está sofrendo abuso sexual e pode desenvolver conseqüências danosas ao seu desenvolvimento saudável. No entanto, se os pais e/ou cuidadores não têm conhecimento de eu a criança assiste aos filmes e visita os sites está sofrendo negligência destes. Ambos os casos implicam em comunicação aos órgãos de proteção à criança para garantia de encaminhamento e acompanhamento da família. 11 Exemplo 5 Uma criança presencia seus pais tendo relações sexuais. Da mesma maneira que na situação anterior, há duas possibilidades. Se a criança presencia estas relações sexuais incentivada ou obrigada pelos adultos, nesta situação, os pais, está sofrendo abuso sexual e pode desenvolver conseqüências danosas ao seu desenvolvimento saudável. No entanto, se os pais e/ou cuidadores ignoram que a criança esteja assistindo a relação sexual estão cometendo negligência. Ambos os casos implicam em comunicação aos órgãos de proteção à criança para garantia de encaminhamento e acompanhamento da família. Exemplo 6 Um de seus alunos vem a escola com roupas molhadas uma única vez. Não é considerado negligência. Por inúmeros motivos pode ocorrer uma situação como esta e os pais e/ou cuidadores não serem pais negligentes ou agressores. A repetição deste fato outras vezes indica uma suspeita de negligência dos pais. Exemplo 7 A mãe de uma criança frequentemente castiga-a com tapas e socos devido ao mau comportamento apresentado por ela, alegando estar ensinando o que é correto. A criança está sofrendo abuso físico. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente a criança não deve sofrer nenhuma forma de violência. Portanto a alegação de uso da violência para educar a criança não descaracteriza o abuso e/ou maus-tratos físicos. Há outras formas de se educar sem uso de violência e que segundo pesquisas são mais eficazes. O uso da violência como forma de educar pode levar a castigos físicos cada vez mais severos e com graves conseqüências ao desenvolvimento saudável das crianças e/ou adolescentes. 12 Dimensão do Fenômeno Os dados oficiais, ou seja, aqueles que chegam aos órgãos competentes de proteção à criança, e que formalmente são registrados, não refletem a real ocorrência de casos suspeitos e/ou confirmados de abusos e/ou maus-tratos. Cerca de somente 10 a 15% dos casos são registrados, concluindo-se que o número de casos suspeitos e/ou confirmados de abusos e/ou maus-tratos denunciados sejam sempre inferiores ao número real de ocorrências (Gonçalvez & Ferreira, 2002). Os dados oficiais, considerando estudos nacionais e internacionais, apontam uma prevalência de 3 a 15% de ocorrência de maus-tratos. As pesquisas de levantamento e caracterização dos abusos e/ou maustratos são importantes na medida em que auxiliam o planejamento de estratégias de prevenção e combate ao fenômeno. Fatores que caracterizam os maus-tratos Alguns fatores podem ou não caracterizar a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes. Em relação a esse aspecto, algumas concepções inadequadas podem confundir e/ ou inviabilizar ações de prevenção. A crença de que somente quando há contato físico, ou seja, quando há toque físico na vítima, há indicação de que possa ter ocorrido o abuso, significa deixar de lado atos abusivos como a violência verbal e formas de abuso sexual sem contato físico, tais como telefonemas obscenos, solicitar e observar a criança se despir, etc. A intenção pode ser outro fator que por si só não determina a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos. Em relação a este fator, podese citar, por exemplo, a negligência não intencional. Devido a condições diversas como pobreza, falta de apoio social à família, dentre outros, os cuidadores são negligentes no cuidado às crianças, sem, no entanto, ter a intenção de praticar tal forma de maus-tratos. Duas considerações são fundamentais em relação a este aspecto: mesmo com a ausência de intenção, se houver danos ao desenvolvimento normal da criança, 13 reais ou potenciais e esta não estiver atendida em suas necessidades básicas de cuidado e saúde há a prática da negligência; a negligência não intencional deve ter ações de prevenção e combate voltadas aos fatores de risco e condições adversas na família e que estão propiciando a ocorrência da mesma. Culpabilizar simplesmente os familiares, sem a compreensão das condições envolvidas e que determinam as ações de negligência é pouco eficaz no combate a essa forma de maus-tratos. Uma ressalva importante a considerar é que fatores como pobreza são indicados por pesquisas como risco para a ocorrência de negligência, mas por si só não determinam que esta aconteça. Outro fator envolvido na caracterização dos maus-tratos refere-se ao consentimento da criança e/ou adolescente. O consentimento não deve ser o limite entre uma relação abusiva e não abusiva. Uma criança, ou mesmo um adolescente, geralmente não tem condições de estabelecer os limites em uma relação abusiva. No caso do abuso sexual, por exemplo, uma criança não tem a capacidade de discriminar e consentir sobre uma relação sexual. Quem deve ser o responsável por estabelecer estes limites é o adulto (ABRAPIA, 2004). As marcas físicas também não são definidoras dos casos de abusos e/ ou maus-tratos, pois em grande parte dos casos, a criança e/ou adolescente não apresenta sinais físicos da ocorrência do fato. No entanto, a criança e/ou adolescente pode apresentar sequelas de ordem psicológica, observáveis por meio do comportamento da criança ou entrevista (ABRAPIA, 2004; EISENSTEIN, 2004; LIDCHI, 2004). O que caracteriza diretamente os abusos e/ou maus-tratos contra crianças e/ou adolescentes é a relação de poder estabelecida entre o agressor e a vítima. Fatores que podem determinar o impacto dos abusos e/ou maus-tratos. O impacto dos atos abusivos para a criança e/ou o adolescente, ou seja, as consequências que a ocorrência dos mesmos pode acarretar para a vítima, são diversas e podem ser determinadas por alguns fatores. 14 A relação entre o agressor e a vítima, ou seja, qual a proximidade entre eles e se há grau de parentesco, constitui-se como importante fator para determinação das consequências dos abusos. Além disso, a ocorrência de qualquer forma de abuso e/ou maus-tratos acompanhada de uso de violência física. Também importante como determinante é o estágio de desenvolvimento biopsicossocial em que se encontra a criança ou o adolescente. Outros dois últimos fatores que interferem de forma decisiva nas conseqüências dos abusos e/ou maus-tratos são o apoio e encaminhamento dado à vítima, bem como a denúncia e condenação do agressor. Um caso em que a criança recebe apoio familiar e suporte social, e os encaminhamentos necessários são realizados, seja para atendimento médico, psicológico e/ ou outros, bem como o agressor é denunciado e condenado tem maiores chances de se recuperar da ocorrência do abuso e desenvolver consequências mais amenas do mesmo. Quando isso acontece, a criança recebe uma mensagem de que não é culpada pelo que ocorreu, que não deve sentir vergonha por isso, que merece atenção e cuidado diante da situação e que o responsável por tais atos foi culpabilizado e punido. Consequências dos abusos e/ou maus-tratos para o desenvolvimento infantil Dependendo dos fatores determinantes do impacto dos abusos e/ou maus-tratos, podem ocorrer as seguintes consequências para o desenvolvimento infantil: • Problemas escolares e fracasso na escola • Condutas inadequadas e anti-sociais • Isolamento e evitação de contatos com outras crianças • Agressividade • Repetição de modelos agressivos • Conduta delituosa 15 • Funcionamento intelectual reduzido, afetando a memória, a leitura e habilidades intelectuais em geral • Ansiedade • Depressão • Comportamentos regressivos • Comportamentos auto-lesivos • Ideias de suicídio • Distúrbios no sono / enurese noturna (fazer xixi na cama) • Distúrbios de alimentação / desnutrição • Doenças psicossomáticas / doenças não tratadas • Transtorno de Estresse Pós-Traumático Sinais apresentados pela criança e/ou adolescente que podem ajudar a identificar a suspeita de ocorrência de maus-tratos Dentre as consequências dos abusos e/ou maus-tratos, há algumas que são observáveis e que podem indicar a ocorrência dos mesmos. Tais sinais podem estar relacionados a todas as formas de abusos e/ou maustratos e estão listados a seguir: • Problemas escolares / Mudança no rendimento acadêmico • Retraimento e/ou isolamento • Transtornos alimentares (anorexia e/ou bulimia) • Sentimento de vergonha e/ou culpa • Auto-conceito negativo • Tentativa e/ou comportamento suicida • Raiva e/ou hostilidade 16 • Ansiedade • Baixa auto-estima • Medos • Pesadelos e dificuldades para dormir • Hipervigilância • Fuga de casa • Evitação a determinadas pessoas e lugares • Comportamento regressivo • Roupas inadequadas para o clima Há ainda sinais que são específicos em relação à ocorrência de abusos e/ou maus-tratos físicos, listados a seguir: • Marcas e hematomas em partes do corpo que geralmente não são atingidos nas quedas sofridas pelas crianças: olhos, boca, regiões genitais, peito, etc • Pequenas queimaduras circulares, causadas por cigarro (em geral em locais de difícil visualização, como por exemplo, o couro cabeludo) • Queimaduras no formato de luva ou bota, ou marcas estranhas nas nádegas indicando que a criança foi submersa em líquidos quentes. • Queimaduras com o formato de ferro elétrico, chapa de fogão, colher, faca, etc • Fraturas mal explicadas no nariz, rosto, braços, pernas, etc • Ferimentos causados por corda, fio ou correntes, usados para amarrar braços, pés, pescoço, etc • Queimaduras provocadas por líquidos quentes ou produtos químicos • Marcas de dentadas humanas adultas • Envenenamento 17 • Feridas em diferentes estágios de cicatrização, ocasionadas por espancamentos constantes. • Marcas e hematomas no corpo provocadas por: fivela de cinto, chicote, barra de ferro, pedaço de pau, etc Outros específicos em relação à ocorrência dos abusos sexuais, também listados a seguir: • Requisitar estimulação sexual de outras pessoas • Curiosidade sexual excessiva • Masturbação excessiva ou pública • Ansiedade relacionada a temas sexuais • Agressividade sexual • Colocar objetos no ânus ou vagina • Brinquedos e/ou jogos sexualizados • Conhecimento sexual inapropriado para a idade • Exposição freqüente dos genitais A observação do comportamento das crianças e adolescentes e a identificação dos sinais Para identificar um caso suspeito de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes é importante observar os comportamentos da criança e manter-se atento as variações deste. Mudanças repentinas de comportamento podem indicar que novos fatos estão surgindo na vida das crianças e adolescentes. Crianças que antes eram alegres e participavam de atividades com outras crianças, demonstrando bom relacionamento e repentinamente passam a se isolar, mostram-se tristes e deprimidas, podem estar sofrendo abuso ou aproximações de um possível agressor. 18 A atenção aos comportamentos da criança deve ser constante, verificando mudanças, repetição e frequência com que os sinais estão aparecendo e se os mesmos se mantêm. Deve-se questionar quando apareceram, se houve algum evento inesperado na vida da criança diferente do abuso, e qual a frequência com que acontecem. Além disso, há quanto tempo estão ocorrendo. Essa observação pode permitir diferenciar um comportamento relacionado a algum outro evento que não a ocorrência dos abusos e/ou maustratos. Uma ressalva fundamental refere-se à ocorrência de mais de um sinal específico da ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos. Um conjunto de sinais específicos, ocorrendo há certo tempo e sem a presença de nenhum outro evento diferente na vida da criança, indica uma forte suspeita da ocorrência do abuso e/ou maus-tratos. No entanto, há alguns sinais que sozinhos são fortes indicadores da ocorrência do abuso, sendo suficientes para indicar uma suspeita, como é o caso dos comportamentos sexuais inapropriados para a idade, que tem relação direta com a suspeita de abuso sexual. Se ocorrerem acompanhados de outros, a suspeita torna-se mais consistente. A cautela em relação à indicação de uma suspeita deve ser uma premissa importante. Acusar uma suspeita de abuso baseado em apenas um sinal não específico, pode também acarretar em danos para a criança. Fatores de risco e de proteção aos abusos e/ou maus-tratos A identificação de suspeitas de abuso e/ou maus-tratos precocemente constitui-se como prevenção secundária, uma vez que pode evitar uma nova ocorrência do fato, na medida em que reconhecido o abuso, a criança e/ou adolescente poderá ser encaminhado para atendimento e afastamento do agressor. Há ainda a possibilidade de se evitar a primeira ocorrência de abusos e/ou maus-tratos, que se constitui como prevenção primária, ou seja, o 19 reconhecimento de que a criança encontra-se em uma situação de risco e poderá vir a sofrê-lo. Para tal, diversos fatores de risco indicam a possibilidade de que abusos e/ou maus-tratos venham a ocorrer. É importante ressaltar que a existência de um fator de risco não implica na certeza da ocorrência do abuso, não havendo uma relação direta entre o fator de risco e o abuso. A definição de fator de risco pode ajudar a explicar esta relação: Toda a sorte de eventos negativos e estressores de vida e que, quando presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos, sociais e emocionais. Portanto, fatores de risco para os abusos e/ou maus-tratos aumentam a probabilidade de que os mesmos aconteçam, mas não há relação de causa e efeito direta, ou seja, um fator presente não significa que o abuso ocorrerá. Neste sentido, o conceito de vulnerabilidade pode elucidar o entendimento sobre os fatores de risco e a ocorrência dos abusos e/ou maustratos. Vulnerabilidade é entendida como: Combinação de fatores de risco em determinados contextos e períodos. Pode haver mais vulnerabilidade quando ocorre a presença concomitante de diversas condições de risco em um mesmo contexto. Desta forma, para avaliar uma dada situação, deve-se considerar a existência de uma combinação de fatores de risco, considerando-se também o contexto e o período. 20 Os fatores de risco relacionados aos abusos e/ou maus-tratos são os seguintes: • Abuso de álcool e drogas • Pais adolescentes (em mães adolescentes tem alta incidência de maus-tratos) • Pais com retardo (deficiência) mental • Pais com doenças mentais severas • Crenças de que para educar é preciso usar punição corporal (acreditam que o número de casos de maus-tratos é bem menor do que realmente é) • Menor conhecimento sobre desenvolvimento infantil (falta de entendimento do que a criança necessita) • Pais maltratados na infância • Violência conjugal / Mãe que sofre Violência Doméstica • Falta de suporte social / isolamento social da família / Falta de rede de proteção • Instabilidade no trabalho dos adultos responsáveis / desemprego / detenção dos cuidadores • Dificuldades econômicas graves / Pobreza • Morte de pais ou avós cuidadores • Divórcio, separação forçada, doenças de pais ou irmãos • Sociedade tolerante com a pornografia infantil • Leis e Sistema judiciário que não pune agressores de crianças Por outro lado, há os fatores de proteção, que tem o papel de prevenir a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos, contrapondo-se aos fatores de risco. 21 A definição de fator de proteção pode auxiliar esse entendimento: Influências que modificam, melhoram, ou alteram a resposta de uma pessoa a algum perigo que predispõe a riscos de desadaptação. Os fatores protetores do ambiente podem existir na família, na escola e na comunidade. Ou seja, a existência de fatores de proteção pode amenizar a possibilidade de ocorrência de maus-tratos, mesmo na presença de diversos fatores de risco. O mais importante em relação a esse aspecto é que muitos dos fatores de proteção podem ser promovidos, é possível planejar ações que funcionem como fatores de proteção, e que evitem a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos, constituindo-se como prevenção primária. Os fatores de proteção a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos são os seguintes: • Rede de proteção à família • Serviços de apoio na comunidade / Programas de suporte social na comunidade e na escola • Atividades lúdicas e de lazer na escola e na comunidade • Escola • Pessoas de confiança (família, escola e/ou comunidade) • Formas adequadas de educar crianças / Habilidades parentais adequadas • Conhecimento acerca do desenvolvimento infantil (entendimento do que a criança necessita) • Criança com conhecimento de técnicas de auto-proteção • Leis e Sistema Judiciário que prevê e pune agressores de crianças. • Profissionais de diversas áreas (educação, saúde, judiciário) capacitados na prevenção da violência contra crianças e adolescentes. 22 Nesta “balança” entre fatores de risco e de proteção, o conceito de resiliência é fundamental: A pessoa que, apesar de nascer e viver em situações de risco, se desenvolve com saúde e êxito. A resiliência não é uma característica ou traço individual, mas consequência da interação entre os fatores de risco, a intensidade e duração dos mesmos, e dos fatores de proteção ao indivíduo ou do seu ambiente decorrentes de relações parentais satisfatórias e da disponibilidade de fontes de suporte social na vizinhança, escola e comunidade. Ou seja, se no contexto da criança há a presença de fatores de proteção, a despeito da existência de fatores de risco neste mesmo contexto, há a possibilidade de ter diminuída a chance da ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos, e mesmo assim, se estes ainda ocorrerem, pode ter amenizadas as suas conseqüências. Papel do educador frente aos casos suspeitos e/ou confirmados de abusos e/ou maus-tratos O Estatuto da Criança e do Adolescente (2004) pressupõe que as crianças devem ser protegidas das diversas formas de violência: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. O educador diante de um caso suspeito e/ou confirmado de abuso e/ ou maus-tratos tem a obrigação de comunicá-lo aos órgãos competentes. 23 Segundo o ECA (2004): Uma vez identificada uma situação de suspeita de maus-tratos contra crianças, qualquer profissional têm a obrigação, segundo o ECA, em seu artigo 245, de comunicar à autoridade competente. Em casos de omissão o profissional recebe como pena uma multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em casos de reincidência (ECA, 2004). A questão do encaminhamento de um caso suspeito e/ou confirmado tem diversos aspectos que merecem destaque e discussão. Em primeiro lugar, no artigo do ECA citado acima, há um aspecto a ser destacado que é a situação de suspeita. Não é preciso ter uma confirmação do caso para proceder à comunicação ao órgão competente. Não é papel do educador fazer uma investigação para descobrir ou reunir provas da ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos. Se houver uma suspeita, que deve ser consistente como já discutido anteriormente, o profissional tem o dever de fazer a comunicação. Esse é o papel do professor, ficar atento ao comportamento da criança e/ou adolescente e uma vez que identifique uma suspeita de abusos e/ ou maus-tratos, deve comunicar aos órgãos competentes. Em segundo lugar, e como já citado acima, o profissional deve comunicar aos órgãos competentes. Não é necessário fazer uma denúncia formal à Delegacia ou outro órgão da polícia, como muitos profissionais imaginam e se sentem constrangidos ou amedrontados em fazê-lo. O caminho mais eficaz e adequado é comunicar ao Conselho Tutelar, ou outro órgão de proteção à criança, caso o município ou localidade não possua o Conselho. Cabe uma ressalva em relação à comunicação ao Conselho ou outro órgão competente. O profissional tem a possibilidade de fazer uma comunicação anônima, preferida em muitos casos devido ao medo de represálias por parte do possível agressor e/ou da família da criança. No entanto, a identificação do profissional que está fazendo a comunicação é importante, pois facilita o trabalho do profissional que a recebe. Infelizmente, 24 diversas comunicações podem ser “trotes”, “brincadeiras” e que atrapalham o trabalho dos Conselheiros Tutelares. Ao se identificar, o educador facilita o trabalho do Conselho, pois certifica que a comunicação é verdadeira. Além disso, segundo a legislação, o profissional que recebe a comunicação, não pode divulgar quem foi o responsável por fazê-la. Se o fizer, estará cometendo equívoco em seu exercício profissional, fato que deve ser comunicado aos seus superiores para a tomada de providência. De qualquer maneira, a comunicação anônima é uma opção do educador, sendo preferível fazê-la a não encaminhar o caso suspeito de abuso e/ou maus-tratos. Um terceiro aspecto do encaminhamento da criança e/ou adolescente após a identificação de uma suspeita de abuso e/ou maus-tratos, refere-se a conversa com os pais, familiares e/ou responsáveis. Em geral, quando a criança e/ou adolescente apresenta uma dificuldade ou problema na escola, o educador tem como procedimento normal convocar os pais e/ou responsáveis para uma conversa. No caso dos maustratos, esse encaminhamento pode ser prejudicial tanto à criança, quanto ao profissional. Como é sabido, a maioria dos casos de abusos e/ou maustratos é praticada por familiares e pessoas próximas à criança, portanto chamar os pais e/ou familiares pode propiciar tentativas de represálias ao educador por parte de possíveis agressores ou pessoas coniventes com eles, ou mesmo perder a criança de vista, uma vez que cientes da desconfiança do abuso por parte da escola, os pais ou responsáveis podem retirar a criança da escola e mudar-se de localidade, prejudicando o encaminhamento da criança e perpetuando o abuso. Os profissionais capacitados para conversar com possíveis agressores o farão após o caso ser encaminhado às autoridades competentes, cabendo ao educador somente fazer a comunicação da suspeita como já dito anteriormente. Um último aspecto é a comunicação realizada institucionalmente, ou seja, o educador não faz a comunicação diretamente ao Conselho Tutelar ou outro órgão competente, mas comunica a direção da escola, que por 25 sua vez comunica à Secretaria de Educação do município ou localidade, e esta instituição, por sua vez, faz a comunicação ao Conselho Tutelar. As vantagens de se fazer a comunicação desta forma são a proteção do educador e o registro do número de casos suspeitos identificados por profissionais da escola, constituindo-se em banco de informações na Secretaria de Educação, dados que podem embasar ações de prevenção. Encaminhamento após a identificação da suspeita Identificação de suspeita de abusos e/ou maus-tratos. Comunicar a Direção da Escola e a Secretaria de Educação. Chamar os pais e/ou responsáveis para verificar o que está acontecendo com a criança e/ou adolescente. Comunicar ao Conselho Tutelar ou outros órgãos competentes da localidade. Risco para o professor e/ou diretor. Risco para a criança. Averiguação da suspeita/ Afastamento da criança do convívio com o agressor/ Denúncia/ Investigação Policial/ Processo Judicial Falha na proteção à criança. Estudos de Casos O que fazer diante de uma suspeita? Caso 1 A professora começou a notar que um de seus alunos estava apresentando alguns comportamentos que chamaram a atenção, tais como, 26 choro sem motivo aparente e isolamento em relação a atividades com outras crianças. Além disso, a criança tinha hematomas no corpo. Em reunião com a diretora relatou suas impressões. Em conversa com a mãe, a diretora foi informada de que o pai agredia a criança e a mãe. A mãe, ainda, relatou à diretora que o pai da criança sempre fora muito agressivo e ciumento, que a agredia desde o tempo de namoro e que agredia o filho desde que ele tinha três anos de idade. Segundo a mãe, o pai alegava que precisava educar o filho e por isso o agredia quando ele fazia alguma coisa que considerava errado. Ainda segundo a mãe, ele usava o mesmo argumento quando agredia a ela mesma dizendo que precisava ensiná-la o que é certo e o que é errado. A professora continuou observando o aluno em sala de aula e no recreio. Durante as observações, a criança continuou chorando muito e sem um motivo aparente. Permanecia sempre sentada e quieta na sala de aula. A criança fazia as lições propostas, não se levantava da cadeira e não conversava com os colegas. No recreio, sentava-se em uma cadeira, não interagindo com as outras crianças. Percebeu que novos hematomas apareceram. A professora e a diretora preferiram optar por não fazer a comunicação ao Conselho Tutelar para não responsabilizar a mãe, que seria culpabilizada por não ter denunciado os maus-tratos do marido contra a filha. No caso descrito quais sinais indicam suspeita de abusos e/ou maustratos? Choro sem causa aparente, Isolamento, continuou chorando sem causa aparente, sempre sentada e quieta na sala de aula (isolamento), não se levantava e não conversava, não interagia com outras crianças em sala e no recreio (isolamento), Hematomas no corpo, novos hematomas apareceram. Neste mesmo caso, quais as implicações das atitudes da professora e da diretora? Um primeiro aspecto que merece destaque é que a mãe foi chamada para uma conversa. Essa atitude, como já visto anteriormente, pode 27 prejudicar a criança e o próprio professor, uma vez que a chance dos agressores serem da família é muito alta segundo as pesquisas. Em seguida, após o relato da mãe, as profissionais preferiram se omitir diante da suspeita, no entanto, desta forma não cumpriram seu dever de comunicar ao Conselho Tutelar e seu papel de garantir proteção integral à criança. A criança permaneceu sofrendo maus-tratos do pai, com risco cada vez maiores de danos ao seu desenvolvimento normal. Além disso, professora e diretora foram omissas e não cumpriram o que determina a legislação, podendo sofrer denúncia pelo não cumprimento da lei e pagamento de multa como prevê o estatuto (artigo 245). Ainda neste mesmo caso, o que elas deveriam fazer segundo a legislação? Segundo a legislação o profissional deve comunicar uma suspeita e/ ou confirmação de casos de abusos e/ou maus-tratos aos órgãos competentes da localidade. Caso 2 A tia e a avó de uma de suas alunas te procuram na escola para falar sobre uma suspeita de maus-tratos em relação à criança e gostariam de uma ajuda. Elas relataram diversos episódios em que presenciaram situações de maus-tratos físicos e sexuais contra a criança praticados por parte do padrasto (certa vez chegando à casa de sua irmã, a tia presenciou o padrasto desferindo tapas e socos na criança que estava sentada no sofá da casa; em outra ocasião a tia notou que a criança estava “lambuzada” de um líquido branco e viscoso, inclusive no rosto próximo à boca, suspeitando que o padrasto havia se masturbado perto da criança ou mesmo “obrigado-a a fazer algo”; a avó presenciou o padrasto agarrando a criança e apertando o seu braço, arrastando-a para casa a força; em outra ocasião quando chegou na casa da neta presenciou o padrasto da criança vestindo apenas cuecas e a menina queixou-se à avó que estava com um gosto ruim na boca). Ambas 28 relataram, também, que conversaram com a mãe da criança sobre isso e essa não tomou qualquer atitude. Diante desta situação descrita acima quais atitudes você deveria tomar? Instruir a tia e avó da criança a fazer uma comunicação ao Conselho Tutelar acerca da suspeita de abusos e/ou maus-tratos contra a criança. Caso essa comunicação não seja feita, a própria professora deverá fazê-la. É importante frisar que não é adequado convocar ou chamar os pais para verificar a versão contada pelos parentes da mãe (tia e avó maternas da criança), caberá aos profissionais do Conselho Tutelar esse procedimento para averiguação da suspeita. Caso 3 Joana está com uma classe há cerca de 3 meses. Nina, sua aluna passa a apresentar alguns comportamentos que não apresentava anteriormente. Antes era comunicativa, apresentava bom desempenho, realizava as tarefas, se relacionava bem com os colegas. Agora está retraída, isolou-se dos colegas, parece muito triste, quieta, não realiza as tarefas e as notas estão mais baixas. Joana pergunta-lhe o que está acontecendo e Nina não responde. Em uma atividade proposta pela professora, Nina apresentou comportamentos sexuais não apropriados para a idade. Joana repreendeu Nina, que chorou muito e isolou-se mais ainda das atividades. Joana tentou novamente conversar com Nina questionando-lhe para que contasse o que estava acontecendo e a garota não dizia nada. Joana chamou então a mãe para uma conversa sobre Nina. Explicou à mãe toda a situação. A mãe disse que não estava notando nada, que Nina estava normal e ficou muito nervosa quando Joana falou sobre pedir ajuda a alguém, pois Nina apresentava comportamentos sexuais inadequados para a idade dela. A mãe disse à Joana que ela não deveria se meter nestes assuntos de família, que se limitasse ao papel de professora, que mãe era ela. Nos dias que se seguiram, Nina faltou à escola. Joana telefonou e não encontrou ninguém. Foi então a casa de 29 Nina e descobriu com um vizinho que a família havia se mudado para outra cidade. O vizinho então contou que o namorado da mãe abusava sexualmente da menina e que todos os vizinhos sabiam, inclusive a mãe também, mas nunca ninguém tomou alguma atitude. Na situação descrita quais os comportamentos indicativos de suspeita de abusos e/ou maus-tratos? A mudança repentina de comportamento de Nina, o isolamento, o retraimento, os comportamentos sexuais inapropriados para a idade, o choro quando repreendida, o baixo rendimento escolar. Quais as implicações da atitude da professora de chamar a mãe para conversar? Considerando que a maior parte dos abusos e/ou maus-tratos ocorre dentro da família, chamar os pais para conversar pode implicar em uma possível ameaça ao profissional ( A mãe disse à Joana que ela não deveria se meter nestes assuntos de família, que se limitasse ao papel de professora, que mãe era ela), bem como na impossibilidade de encaminhar a criança aos órgãos de proteção, uma vez que os supostos agressores e familiares ficam cientes de que podem ser denunciados e se mudam de moradia levando a criança (Foi então a casa de Nina e descobriu com um vizinho que a família havia se mudado para outra cidade). Quais as ações que deveriam ter sido tomadas pela professora Joana? A professora deveria ter feito uma comunicação á direção da escola, que por sua vez levaria a suspeita a Secretaria de Educação do município e esta instituição faria uma notificação ao Conselho Tutelar ou a outro órgão responsável pela proteção à crianças e adolescentes do município. 30 Cuidados Básicos importantes na abordagem da criança Quando foi identificada uma suspeita de abusos e/ou maus-tratos contra a criança e/ou adolescente, o professor ou outros profissionais da escola que lidem diretamente com ele (a) devem estar preparados para falar sobre o assunto de forma adequada e que não prejudique a criança. Há profissionais capacitados para conseguir informações precisas da criança acerca do abuso ocorrido. Este não deve ser o objetivo do profissional da escola. Ele não deve conversar com a criança no intuito de extrair informações, tentar descobrir o que realmente aconteceu ou movido por simples curiosidade. O seu papel é dar apoio a criança, ouvi-la no que ela quiser contar e caso haja a revelação do abuso sofrido comunicar as autoridades competentes. Caso a criança e/ou adolescente procure para uma conversa, algumas instruções são importantes: • Para falar com a criança sobre o abuso, somente se ela iniciar o assunto, não pressione nem tente convencê-la a falar sobre o ocorrido. • Se isso ocorrer, ou seja, ela começar a falar, deixe-a a vontade em um ambiente propício (sem interrupções, sem barulho, sem pessoas em volta). • Ter como pressuposto que a criança é sempre vítima, não criticá-la, não culpá-la pelo abuso. • Lembrar sempre que quem é responsável por estabelecer os limites do que é permitido em relações afetivas é o adulto e não a criança, reforçando que ela não tem culpa mesmo que tenha cedido ao agressor. • Utilizar uma linguagem simples, sem utilizar termos complicados que a criança não entenda. • Respeitar o ritmo da criança, esperando que ela conte sobre o ocorrido o que quiser no momento que quiser, não a apresse revelar detalhes, controle sua ansiedade em querer que a criança fale tudo o que aconteceu. 31 • Demonstrar interesse, compreensão e não pena. • Não desconsidere ou minimize os sentimentos da vítima, jamais desconsidere a gravidade da situação. • Evitar tocar a vítima, espere que ela se dirija a você para abraçar ou tocar. • Evitar reações e demonstrações exageradas de sentimentos ou valores pessoais. • A vítima sempre deve ser ouvida antes. • Encorajar a criança a dizer não e tentar sair da situação abusiva contando para alguém em quem confia sobre o ocorrido. • Questões pessoais acerca dos abusos e/ou maus-tratos (estar envolvida em caso de abuso em sua própria família, ter sido vítima de abuso, entre outras situações) podem interferir na abordagem da criança. Busca de ajuda especializada pode minimizar a interferência. • Se a criança revela os maus-tratos e solicita segredo, explicar a gravidade da situação e a necessidade de avisar aos órgãos de proteção, garantindo que continuará dando apoio. • Não utilizar perguntas com caráter inquisitório, que coloquem a criança como culpada, que obriguem a precisão de tempo e que permitam somente respostas fechadas (sim ou não). Deve-se utilizar perguntas e comentários mais gerais, permitindo que a criança fale livremente o que quer: Pode me contar o que você quiser, Me fale mais sobre isso, Como você se sentiu, Gostaria de falar mais sobre isso, Há outras coisas que você gostaria de contar. 32 Informações importantes acerca dos abusos e/ou maustratos • Os estranhos são responsáveis por um pequeno percentual dos casos registrados. Na maioria das vezes, as crianças são agredidas por pessoas que já conhecem, como pai/mãe, madrasta/padrasto, namorado da mãe, parentes, vizinhos, amigos da família, colegas de escola, babá, professor (a) ou médico (a). • Os maus-tratos são extremamente freqüentes em todo mundo. Sua prevenção deve ser prioridade até por questões econômicas. • Os maus-tratos ocorrem, com freqüência, dentro ou perto da casa da criança ou do agressor. As vítimas e os agressores são, muitas vezes, do mesmo grupo étnico e nível socioeconômico. • Estima-se que poucos casos, na verdade, são denunciados. Quando há o envolvimento de familiares, a probabilidade de que a vítima faça a denúncia é menor, seja por motivos afetivos ou por medo do agressor; medo de perder os pais; de ser expulso (a); de que outros membros da família não acreditem em sua história; ou de ser o(a) causador(a) da discórdia familiar. • Níveis de renda familiar e de educação não são indicadores de maus-tratos. Famílias das classes média e alta podem ter condições melhores para encobrir os casos e manter o “muro do silêncio“. • Em geral os maus-tratos são repetitivos, sendo que a maioria ocorre dentro de casa, facilitando o acesso do agressor à vítima. • Muitas vezes os maus-tratos são encobertos com a justificativa de acidentes que levam a criança à morte e/ou danos graves. 33 Contatos Importantes São Carlos • Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev – UFSCar) • Tel: (16) 3351-8745 • Webpage: http: //www.ufscar.br/laprev • Conselho Tutelar: (16) 3371-3930 • Delegacia de Defesa da Mulher: (16) 3374-1345 • Secretaria da Infância e Juventude: (16) 3362-1018 • CREAS – Programa Sentinela: (16) 3307-8754 Nacional • SOS Criança: 0800-990500 • Ligue 100 – Disque Denúncia (Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República). 34 Referências Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e Adolescência (2004). Abuso Sexual Infantil. htpp//www.abrapia.com.br. Acessado em 28/05/2004. Brasil, Congresso (2004). Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Escala. Eisenstein, E. (2004). Quebrando o silêncio sobre o abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1, 3,26-29. Gonçalves, H. S., Ferreira, A. L. (2002). A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, 18 (1): 315-19. Kleemeier, C., Webb, C., & Hazzard, A. (1988) Child sexual abuse prevention: Evaluation of a teacher training model. Child Abuse and Neglect, 12, 555561. Lidchi, V. (2004). O processo de entrevistar em casos de abuso sexual. Parte I: entrevistando menores vítimas de abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1 (3), 30-34. Organização mundial de saúde (2002). Relatório mundial sobre saúde e violência. In E. G. Krug, L.L. Dahlberg, J. A. Mercy, A. B. Zui & R. Lozano (Eds). Abuso infantil e negligência por pais e outros cuidadores. (pp 57-81). Genebra. Reppold, C.T., Pacheco, J., Bardagi, M., & Hutz, C.S. (2002). Prevenção de Problemas de Comportamento e o Desenvolvimento de Competências Psicossociais em Crianças e Adolescentes: uma Análise das Práticas Educativas e dos Estilos Parentais. Em: C.S. Hutz (Org.) Situações de Risco e Vulnerabilidade na Infância e na Adolescência – Aspectos Teóricos e Estratégias de Intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo. Bibliografia Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e Adolescência (2004). Abuso Sexual Infantil. htpp//www.abrapia.com.br. Acessado em 28/05/2004. Brasil, Congresso (2004). Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Escala. 35 Brino, R.F., Williams, L.C.A. (2009). A escola como agente de prevenção do abuso sexual infantil. São Carlos: Suprema, 208p. Eisenstein, E. (2004). Quebrando o silêncio sobre o abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1, 3,26-29. Gonçalves, H. S., Ferreira, A. L. (2002). A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Cadernos de Saúde Pública, 18 (1): 315-19. ISPCAN (2007). Protecting children from de storm. Annual Report. ISPCAN. Lidchi, V. (2004). O processo de entrevistar em casos de abuso sexual. Parte I: entrevistando menores vítimas de abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1 (3), 30-34. Maia, J.M.D., Williams, L.C.A. (2005). Fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento infantil: uma revisão de área. Temas em Psicologia, 13 (2), 91-103. Trabalho publicado em 2007. Organização mundial de saúde (2002). Relatório mundial sobre saúde e violência. In E. G. Krug, L.L. Dahlberg, J. A. Mercy, A. B. Zui & R. Lozano (Eds). Abuso infantil e negligência por pais e outros cuidadores. (pp 57-81). Genebra. Williams, L.C., Padovani, R.C., Araújo, E.A.C., Stelko-Pereira, A.C., Ormeño, G.R., Eisenstein, E. (2009). Fortalecendo a rede de proteção da criança e do adolescente. São Carlos. 67p. 36 Esse livro foi impresso em janeiro de 2011 pela gráfica xx
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