Favela Chic: um vetor da cultura brasileira
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Favela Chic: um vetor da cultura brasileira
UNIBH - CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE CLARISSA MARQUES SANTOS FAVELA CHIC: um vetor de cultura brasileira Belo Horizonte 2014 CLARISSA MARQUES SANTOS FAVELA CHIC: um vetor de cultura brasileira Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do titulo de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Leandro de Alencar Rangel Belo Horizonte 2014 Dedico este trabalho a todas as pessoas que consideram o ser humano um grande mistério, uma fonte infinita de inspiração e aprendizado em todos os dias de nossa vida. Agradeço a Pacha Mama que com sua força inspira-me em todos os dias de vida e continuará promovendo minha intuição diariamente. À minha mãe, por seu incondicional amor, que com sua doce insistência me levou a encontrar o meu melhor. Ao papai, por saber o momento certo de soltar minha mão para minha caminhada solo. Ao Léo pela fé e paciência: La dulzura puede cambiar el mundo. Obrigada pela inspiração. À Jerome Pigeon, por responder aos meus e-mails. Ao meu orientador Leandro Rangel, pela oportunidade neste trabalho. Seu apoio foi fundamental para que eu levasse adiante esta idéia. À Professora Marinana Barros, por seu trabalho exemplar na doação de seu conhecimento. A todos aqueles que não nominei, mas que sabem de sua importância em minha vida. “A cultura não é uma prática, nem simplesmente a descrição da soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a soma de suas inter-relações.” (STUART HALL) RESUMO O fenômeno da Globalização trouxe ao indivíduo uma quantidade de escolhas infinita, na construção de sua identidade. Não existe mais uma forma única para conceber o “eu” por si só. Agora, a formação das identidades passa pela matriz cultural individual até chegar na relação com o “outro”. Essa construção é influenciada por fatores que fazem parte de sua vida cotidiana como música, gastronomia e arte. Consciente ou inconscientemente essa construção é feita e o resultado é um indivíduo cada vez mais culturalmente diverso. O projeto Favela Chic foi estudado sob este prima. Este trabalho busca expor a idéia de identidade e cultura como uma necessidade do ser humano, num caminho onde suas experiências o podem levar à consciência de si e o tornar mais plural, menos fixo. Palavras-chave: Globalização, Cultura, Identidade, Favela Chic ABSTRACT The phenomenon of globalization has brought the individual an infinite amount of choices in the construction of their identity. Does not exists a unique way to conceive the "I" itself. Now the formation of identities involves the individual's cultural matrix to get the relationship with the "other." This construction is influenced by factors that are part of your everyday life as music, food and art. Consciously or unconsciously this construction is done and the result is an increasingly culturally diverse individual. Favela Chic work was studied in this material. This work seeks to expose the idea of identity and culture as a human necessity in the way in which their experiences can lead to self-consciousness and become more pluralistic, less fixed. Keywords: Globalization, Culture, Identity, Favela Chic LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1- Estatística de solicitações de refúgio no Brasil entre 2010 e 2012........25 Figura 1 – Logo do Favela Chic......................................................................26 Figura 2 – Rosane Mazzer..............................................................................27 Figura 3 – Jerome Pigeon...............................................................................27 Figura 4 – Entrada do Favela Chic London.....................................................29 Figura 5 – Entrada do Favela Chic Paris.........................................................29 Figura 6 – Cardápio (Foods)...........................................................................30 Figura 7 – Cardápio (Drinks)...........................................................................30 Figura 8 – Restaurante do Favela Chic Paris..................................................31 Figura 9 – Bar do Favela Chic Paris................................................................31 Figura 10 – Capa do primeiro disco........................................................................32 Figura 11 – Foto institucional do Favela Chic.................................................37 Figura 12 – Novo Logo do Favela Chic...........................................................38 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10 2 CULTURA E IDENTIDADE ....................................................................................12 3 MODERNIDADE GLOBALIZANTE.........................................................................14 4 A FORMAÇÃO DA CULTURA E IDENTIDADE BRASILEIRAS .............................18 5 DESLOCAMENTOS E FLUXOS MIGRATÓRIOS ..................................................23 6 FAVELA CHIC ........................................................................................................26 7 DESCRIÇÃO FÍSICA DO ESPAÇO .......................................................................29 8 POSTONOVE .........................................................................................................31 9 CULTURA, IDENTIDADE & GLOBALIZAÇÃO .......................................................33 10 FAVELA CHIC E A IDENTIDADE CULTURAL .....................................................35 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................40 1 INTRODUÇÃO Este projeto tem por objetivo analisar o movimento Favela Chic, um projeto idealizado por uma brasileira radicada em Paris com o objetivo de tentar modificar a imagem que os amigos tinham do Brasil, ela percebia em seu cotidiano que era possível disseminar a cultura brasileira naquele país à sua maneira. Este estudo busca compreender como esse movimento cultural iniciado num pequeno estabelecimento na França ultrapassou fronteiras estrangeiras, chegando a se tornar uma referência nas áreas das artes e da música. O trabalho pretende questionar como a iniciativa de um grupo ou indivíduo levou à disseminação de uma forma de identidade brasileira fora do Brasil, e ainda, com quais ferramentas esse feito foi possível através da utilização de linguagens como arte, música e culinária. Discussões acerca do conceito de identidade se tornam fundamentais para compreender a disseminação da cultura na sociedade contemporânea e, ainda, o diálogo com a idéia de encurtamento de espaços entre os indivíduos do século XXI, serão importantes para compreender a cultura como agente modelador da identidade. No caso estudado, a cultura doméstica se estabelece fora do país através de um movimento de expansão cultural, onde o limite territorial acaba se tornando ilimitado sob a ótica do conceito da globalização que facilita esse movimento. A identidade cultural já não é mais exclusividade de uma sociedade de um dado território, a movimentação cultural, quer seja através da música ou da arte, é universal, extrapolando a regra da formatação da identidade somente pelo fator territorial. As transformações ocorridas nos últimos vinte anos sugerem, segundo Hall, que a sociedade está cada vez mais exposta e ao mesmo tempo mais aberta a novas experiências com o outro mundo. Tal fato permite esse intercâmbio do indivíduo moderno, que transita livremente por diversos países e culturas mesmo que ainda utilizando a rede mundial de computadores ou os mais recentes canais de comunicação contemporâneos. 11 A identidade cultural e a globalização são pontos que denominam o marco teórico do presente estudo. A globalização atua através de processos de escala internacional, onde fronteiras nacionais são transpostas, num movimento de integração, que leva à conexão de indivíduos e comunidades, trazendo uma nova concepção de tempo e espaço para estas relações, tornando-as mais interconectadas conforme (HALL, 2006). O objeto Favela Chic será analisado por meio de fatores que possam esclarecer como, através do posicionamento de um pequeno grupo de pessoas com valores e idéias comuns, a cultura brasileira é acessada por pessoas que nunca visitaram o Brasil. O Favela Chic, ao utilizar-se de música, artes, culinária e cultura brasileira para expressar sua percepção do Brasil, acaba por apresentar aos outros uma forma de pensar e se identificar o país. Assim, pergunta-se: o contato de indivíduos a essa experiência, é suficiente para que este indivíduo possa compreender alguns símbolos da cultura brasileira? Existe, de fato, uma expressão da cultura brasileira nas atividades do Favela Chic? Além, este movimento gera impacto na sociedade internacional de alguma forma? A maneira com que um grupo de pessoas transmite suas idéias, seus princípios, é um elemento importante para compreender os caminhos que são utilizados para tal transmissão. Uma das hipóteses deste trabalho está baseada na assimilação do fenômeno da globalização como um ator importante na questão da disseminação de culturas. O trabalho pretende expor os conceitos de identidade cultural e globalização como base para se entender a expansão de idéias, valores e suas representações na comunidade internacional. Levando-se em conta a relação entre comunicação e visão de mundo, a linguagem é tida neste trabalho como uma ferramenta principal, utilizada pelo ser moderno para definição de sua percepção de mundo. Uma outra hipótese que norteia este estudo é, no mundo moderno, as conexões culturais entre os seres sociais se ampliaram e geram, cada vez mais, impactos nas identidades. 12 2 CULTURA E IDENTIDADE Em face do problema proposto no presente estudo, é indispensável a discussão acerca dos conceitos de cultura, tanto no âmbito geral, quanto nos âmbitos das áreas de conhecimento pertinentes ao tema. Etimologicamente a palavra cultura vem da expressão latina colere, que significa o cultivo da terra. Dentre os diversos significados do verbete cultura, pode-se ressaltar os trazidos pelo Dicionário de Sociologia: Cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família. Juntamente com estrutura social, população e ecologia, constitui um dos principais elementos de todos os sistemas sociais e é conceito fundamental na definição da perspectiva sociológica. A cultura possui aspectos materiais e não materiais. A cultura material inclui tudo que é feito, modelado ou transformado como parte da vida social coletiva, da preparação do alimento à produção de aço e computadores, passando pelo paisagismo que produz os jardins do campo inglês. A cultura não-material inclui símbolos - de palavras à notação musical -, bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas e os sistemas sociais dos quais participam. As mais importantes dessas idéias são as atitudes, crenças, valores e normas (JOHNSON, 1995, p.59). Nos séculos XVI e XVII, na Itália, França e Inglaterra, a palavra cultura era utilizada para significar o cultivo e o aperfeiçoamento de algo, referia-se tanto ao solo quanto à literatura. Somente no século XVIII o termo cultura passa a ser empregado quase que exclusivamente em relação à vida espiritual do homem, tendo a arte, a filosofia, a literatura e a ciência como setores da cultura (BRANDÃO e DUARTE, 2004). Não se pretende aqui, apontar uma definição exata para cultura, haja vista que se trata de um tema amplamente discutido em todo mundo, com as mais diversas definições. Na definição de Darcy Ribeiro: Cultura é a herança social de uma comunidade humana, representada pelo acervo co-participado de modos padronizados de adaptação à natureza para o provimento da subsistência, de normas e instituições reguladoras das relações sociais e de corpos de saber, de valores e de crenças com que seus membros explicam sua experiência, exprimem sua criatividade artística e a motivam para a ação. Assim concebida, a cultura é uma ordem particular de fenômenos que tem de característico sua natureza de réplica conceitual da realidade, transmissível simbolicamente de geração a geração, na forma de uma tradição que provê modos de existência, formas 13 de organização e meios de expressão a uma comunidade humana (RIBEIRO, 1985, p.127). A cultura diferencia os povos e nações de outros, esse mecanismo faz com que sejamos diferenciados uns dos outros, que sejamos autênticos, pois somos produto do meio e produtos para o meio. Dessa forma pode-se dizer que existe um processo de pertencimento coletivo e não individual em nossas relações sociais, sem isenção à mudanças e evoluções. Verifica-se também, um ângulo de abordagem que traz o homem como produto e produtor da cultura, tendo como elemento central, o indivíduo se inter-relacionando com seus pares, mas mesmo assim, nunca podendo dentro desta definição, ser observado como uma individualidade produtora de hábitos e costumes, como apontam Antônio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte: O ser humano distingue-se dos outros animais pela capacidade de criar, de pensar, ordenar seus pensamentos e suas ações, projetar no futuro essas ações e, acima de tudo, transmitir suas experiências às gerações futuras. Todo esse conhecimento e essa criação humana recebem o nome de “cultura”. A cultura surge das relações que os seres humanos travam entre si e com o meio em que vivem, em busca da própria sobrevivência. É um produto do trabalho do homem e de tal forma inerente à sua vida, que podemos afirmar que não existe ser humano sem cultura, nem que todo ser humano é produto de sua cultura (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.10). Pode-se pensar a cultura como uma construção feita por grupos humanos, anterior a cada um de nós, e por esse prisma, é possível ter um espectro de amplo alcance para uma definição do papel da cultura para a sociedade. Faz-se interessante, portanto, perceber que a cultura torna-se um símbolo importante para se definir a identidade: Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990, p. 37-8). Complementando tal conceito, e abordando também com propriedade a função da cultura para a sociedade, o conceito de Lèvi Strauss acrescenta: Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as 14 regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros (STRAUSS, 1950 apud CUCHE 2002, p. 95). Portanto, a cultura poder ser considerada como um veículo para a formatação das identidades dos seres humanos, no meio em que estes estão inseridos. As identidades culturais constituem-se de elementos ligados à cultura racial e étnica, levando os indivíduos a satisfazerem uma necessidade vital do ser humano de pertencimento a algo em alguma estância. Como homem pós-moderno não tem uma identidade fixa ou permanente, ele pode assumir diferentes identidades em momentos diferentes. Segundo Hall: Isto ocorre porque um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas, fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que antes propiciavam sólidas localizações aos indivíduos. (HALL, 2006, p.9) Desta maneira é possível afirmar que o indivíduo manipula e é manipulado por sistemas que caracterizam sua identificação na sociedade em que vive. 3 MODERNIDADE GLOBALIZANTE A história aponta as relações de interdependência entre as sociedades através dos tempos. A troca de valores e costumes sempre permeou a formação dos povos, ou seja, de formas diversas, sempre houveram influências internas e externas nas formações culturais. Pensando-se na contemporaneidade, também não é possível dissociar uma certa cultura da cultura global, atualmente, a miscigenação de culturas é a concepção considerada normal pela sociedade. Hoje é natural que um certo comportamento de jovens no Japão influencie a mesma geração no Ocidente, quase que de forma instantânea, tal comportamento pode ser acolhido por jovens ocidentais de forma integral ou parcial. Essa encorporação total ou parcial 15 será resultado de como a sociedade ocidental receberá esse comportamento adquirido, pois a diferença cultural será definidora. Para Lèvi Strauss: O conjunto dos costumes de um povo é sempre marcado por um estilo; eles formam sistemas. Estou convencido de que estes sistemas não são ilimitados e que as sociedades humanas, como os indivíduos - em seus jogos, seus sonhos ou delírios - não criam jamais de maneira absoluta, mas se limitam a escolher certas combinações em um repertório ideal que seria possível reconstituir (STRAUSS 1955 apud CUCHE 2002, p 96). Com essas palavras é possível compreender o papel da cultura interna – quero dizer a cultura genuína de certo povo - das diferentes sociedades, em síntese, a relação entre culturas é infinita, não havendo limites que possam determinar a trajetória das relações humanas. Como conseqüência, as identidades culturais estarão sempre em constante modificação. O cerne de cada cultura poderá manterse através da transmissão de padrões entre gerações mas haverá interferências inevitáveis neste processo. Além das ponderações a respeito da formação das culturas dos povos, outro ponto importante a ser levado em conta na construção das identidades culturais é a alienação cultural presente na relação dominantes-dominados. Seja interna ou externamente, a opressão de uma cultura própria ou original de uma dada sociedade, faz-se instrumento de predominância e ou manutenção de interesses oriundos de uma ordem comum pré concebida. Para Darcy Ribeiro, observamos assim a alienação cultural: A alienação cultural consiste, em essência, na introjecção espontânea ou induzida em um povo da consciência e da ideologia de outrem, correspondente a uma realidade que lhe é estranha e a interesses opostos aos seus. Vale dizer, à adoção de esquemas conceituais que escamoteiam a percepção da realidade social em benefício dos que dela se favorecem (RIBEIRO, 1985, p.151). Buscando o foco em nossa cultura, vamos observar a origem de nossa formação cultural, para entendermos nosso cenário atual. Se creditarmos o notório esvaziamento de nossa cultura, exclusivamente às influências externas atuais, incorremos no erro primário de ignorar nossa história. A dominação territorial e política imposta pela metrópole portuguesa, trouxe obviamente consigo um pacote cultural a ser - inevitavelmente - implantado na colônia. Dessa forma, pode-se entender que tivemos uma formação cultural de substituição aos códigos do povo 16 que habitava nosso território, ou seja, sem possibilidade de escolha consciente. Fazendo uma alusão ao sistema internacional contemporâneo é possível verificar como a influência das nações hegemônicas, ainda hoje, podem atingir não somente o modus operandi da sociedade internacional como também, já sabido, em suas questões políticas, econômicas e etc. Ao observar o comentário de Regis de Morais: Respeitadas todas as exceções, que indubitalvemente existem, os valores essenciais de nossa cultura não resultaram de uma escolha consciente e decisiva, mas foram assumidos ou por imposições colonialistas, ou pelas carências de nosso vazio cultural (MORAIS, 1989, p. 125). E também de Octávio (IANNI, 1983, p 14), se faz necessário ressaltar a dependência cultural que, se desenvolveu no Brasil desde o seu descobrimento até os dias atuais das mais diversas formas, explícitas e implícitas. Portanto, tanto o Brasil quanto os países colonizados sofreram uma espécie de enxerto cultural, no caso do Brasil, a colonização determinou todo o retrato de cultura, dita brasileira, que podemos perceber hoje. A valorização de nossa cultura é notadamente, fator de extrema importância na formação do indivíduo dentro de sua sociedade, entretanto, vê-se que a constituição de uma identidade cultural homogênea torna-se cada dia mais difícil. Mesmo levando-se em consideração nossa formação colonial, aspectos de uma cultura global em que fatalmente estamos inseridos são disseminados de forma rápida e impositiva pelas tendências economicamente dominantes, proporcionando o desaparecimento ou o enfraquecimento de nossos códigos culturais. A motivação inicial para a realização desse estudo, parte da premissa de que as atividades do projeto Favela Chic podem ser um elemento facilitador no processo de ganho de consciência cultural de indivíduos, que nunca tiveram, previamente contato com a cultura brasileira e, partindo deste pressuposto, evidenciar como a cultura nacional pode se desenvolver e consequentemente sua identidade cultural desde a colonização até a contemporaneidade. A constituição de uma identidade cultural autêntica, também passa invariavelmente, pela integração da sociedade nacional. Integração esta, que iniciase com o contato e o reconhecimento da cultura local, e que na maioria das vezes esquecida ou deixada de lado pelo deslumbre ao novo. Como o que se levanta no 17 presente estudo, acredita-se poder identidade cultural ser um importante veículo de aproximação da sociedade moderna à sua matriz cultural, promovendo uma consequente integração da sociedade local. Um fator de extrema importância no processo de libertação de pré-noções e preconceitos culturais: Só mediante um esforço persistentemente conduzido contra todas as formas de compulsão e alienação, as sociedades nascentes podem auto afirmar-se como uma nova entidade étnica. Esta amadurece a medida que sua cultura se liberta da carga de pré-noções e preconceitos destinados a resigná-la com seu destino de núcleo ancilar de uma macroetnia em expansão; e à medida que toda a população se incorpora ao mesmo núcleo de compreensões culturais, dando integração à sociedade nacional e homogeneidade e autenticidade à cultura (RIBEIRO, 1985, p.132). Notadamente, a arte tem por suas características específicas, maiores possibilidades de promover a aproximação dos indivíduos com a cultura. A identidade cultural é constituída por variáveis de comportamento que são compartilhadas pelos indivíduos, e pode ser considerada como uma identidade coletiva, principalmente nas sociedades modernas, onde as mudanças, em todas as áreas, ocorrem de forma rápida e constante. Acarretando uma forma de reflexão diferenciada como afirma Denys Cuche: Na medida em que a identidade resulta de uma construção social, ela faz parte da complexidade social. Querer reduzir cada identidade cultural a uma definição simples, “pura”, seria não levar em conta a heterogeneidade de todo grupo social. Nenhum grupo, nenhum indivíduo está fechado a priori em uma identidade unidimensional. O caráter flutuante que se presta a diversas interpretações ou manipulações é característico da identidade (CUCHE, 2002, p. 192). Então podemos dizer que a formação da identidade cultural está sujeita a interferências causadas por ruídos na condução da informação levando a conceitos equivocados de identidade cultural. O projeto Favela Chic à sua maneira foi gerado à partir desta percepção: de um indivíduo que não reconhecia a identidade cultural brasileira naquele lugar específico em que estava, na cidade de Paris. Essa inquietação, esse não reconhecimento - por parte dos franceses - de como a cultura brasileira era percebida naquela localidade impulsionou ao trabalho deste grupo. Buscando o ser humano para o reconhecimento da cultura brasileira por si só através de ferramentas como a música, a comida e a arte brasileiras. 18 Partindo da afirmação de Giddens (1990), a identidade está envolvida diretamente no processo de representação, e as representações são iniciadas à partir de um espaço, um lugar onde as raízes do indivíduo dimensionam suas relações identitárias. Na sociedade atual, os lugares permanecem fixos, entretanto, o espaço se tornou invisível: Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas pela presença, por uma atividade localizada. A modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre outros que estão ausentes, distantes (em termos de local), de qualquer interação face a face. Nas condições da modernidade, os locais são inteiramente penetrados e moldados por influências sociais bastantes distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena: a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (GIDDENS, 1990, p. 18). Um dos mecanismos de identificação do sujeito é o sentimento de nacionalidade (sentir-se pertencente a uma nação). Na dita modernidade tardia, o sentimento de lealdade é originário da idéia de nação como uma comunidade simbólica, sendo compartilhada por um grupo específico de indivíduos. A globalização aparece dentro deste processo, como um fator catalisador da dispersão de identidades. O processo da globalização vem se tornando responsável por esse deslocamento da identidade nacional, as identidades nacionais acabam se sobrepondo a novas formas de identidade. “A modernidade é inerentemente globalizante” (GIDDENS, 1990) o que leva à compreensão de como os indivíduos modernos têm uma assimilação mais rápida e plural dos elementos culturais externos, e como conseqüência, as identidades nacionais estão sendo substituídas pelas identidades híbridas: “As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia” (HALL, 2003,p.89). 4 A FORMAÇÃO DA CULTURA E IDENTIDADE BRASILEIRAS Como já abordado neste estudo, a valorização da cultura e a constituição 19 de uma identidade autêntica partem em grande parte, do resgate da cultura já exercida pelos costumes e valores de uma sociedade. Nessa parte do trabalho, será trazida a discussão acerca da formação da cultura étnica brasileira desde a colonização até a idade moderna. Partindo da definição que a identidade se define pelos fatores externos (sociais, políticos e econômicos) que circundam o indivíduo em sua sociedade, será preciso então demonstrar como o povo brasileiro iniciou seu processo de identificação cultural para se tentar delinear sua organização ao longo dos períodos históricos. Tomar-se-á como base, a síntese do conceito de cultura feita por Marilena Chauí em seu livro “Conformismo e Resistência”: Em sentido amplo, Cultura é o campo simbólico e material das atividades humanas, estudadas pela etnografia, etnologia e antropologia, além da filosofia. Em sentido restrito, isto é, articulada à divisão social do trabalho, tende a identificar-se com a posse de conhecimentos, habilidades e gostos específicos, com privilégios de classe e, leva à distinção entre cultos e incultos de onde partirá a diferença entre cultura letrada - erudita e cultura popular (CHAUI, 1986, p.14). Como citado acima, ao se articular o conceito de cultura com a divisão social do trabalho, emergem duas categorias de cultura: a erudita de um lado e a popular de outro. Essa divisão tem sua origem no século XVIII (CHAUI, 1986), quando o termo cultura passa a ser utilizado não somente para questões do cultivo e cuidado com a terra e criação de animais, mas também, para designar atos derivados, do latim, cives e civitas, referindo-se a palavra civil, homem educado, polido. Está exposto nessa idéia que - após a separação do homem racional, pelo projeto Iluminista - as formações de cultura passam, inegavelmente, pelos restritos modelos de sociedade que, diferenciam naturalmente o que é culto do não culto. Dessa maneira, irei tomar como ponto de partida, a formação do povo brasileiro para tentar compreender e chegar ao esboço da formação atual da identidade e cultura brasileiras. A cultura brasileira que conhecemos hoje, passou por transformações ao longo dos cinco séculos de nossa existência. Muitos estudiosos argumentam 20 que a pluralidade cultural brasileira se interpreta pelo grande território nacional, pelas características diversas em sua formação, como a colonização européia e as tradições culturais distintas trazidas. Para Darcy Ribeiro, o nascimento da matriz étnica brasileira se iniciou com a chegada dos portugueses nas novas terras: No plano étnico-cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos da África, os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas (RIBEIRO, 1995, p.30). Pode-se dizer então que, a realidade cultural brasileira foi constituída por quadros interpretativos ligados ao meio e à raça, estes fatores internos definiram a identidade brasileira em sua conceitualização. A Igreja Católica teve função primordial na atuação dos descobridores sob os “descobertos”, ela comandava o domínio, exemplarmente e de forma autônoma, como se verifica na bula Inter Coetera, de 4 de Maio de 1493: [...] por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da plenitude do poder Apostólico, todas as ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia, fazendo e construindo uma linha desde o polo Ártico [...] quer sejam terras firmes e ilhas encontradas e por encontrar em direção à Índia, ou em direção a qualquer outra parte, a qual linha diste de qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos Açores e Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia[...] A Vós e a vossos herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em São Pedro, assim como do vicariato de Jesus Cristo, a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, sucessores, vos fazemos, constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição.[...] sujeitar a vós, por favor da Divina Clemência, as terras firmes e ilhas sobreditas, e os moradores habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica[...] (MACEDO SOARES, 1939, apud RIBEIRO, 1995, p. 40). Esta era a dinâmica política da época do descobrimento do Brasil, é preciso ressaltar que nesse período, as condições do povo local, se resumiram em aceitar os descobridores sem de fato poderem escolher posição alguma (RIBEIRO, 1995). O índios espantados, viram suas vidas indígenas sendo destruídas, sua vida social exterminada, a negação de todos seus valores, lhes 21 restando apenas duas opções: desistirem de suas vidas, fugirem mata adentro ou se entregarem à pregação missionária. “A cristandade surgia a seus olhos como o mundo do pecado, das enfermidades dolorosas e mortais, da covardia, que se adornava no mundo índio, tudo conspurcando, tudo apodrecendo” (RIBEIRO, 1995,p. 43). Por outro lado, haviam os que não resistiam aos adornos e ferramentas nunca antes vistos e por assim aderiam aos novos senhores culminando numa chocante aproximação de dois mundos, este encontro marcou eternamente, um novo tempo para a cultura do Brasil. A civilização europeia impôs, dessa forma, aos povos das Américas sua já formada identidade que fora constituída muitos anos antes, através de guerras, revoluções e resistências. Milhares de índios foram incorporados à sociedade colonial não como membros, mas, como servidores da missão da colônia em desbravar a novas terras, com intuito de organizarem a exploração de forma segura, pois, aqueles habitantes eram vistos como instrumentos facilitadores para a instalação e administração de uma nova sociedade da expansão européia. Autorizados pela coroa, a uma guerra “justa”, os colonizadores começaram o processo “civilizatório escravizante dos índios que neste momento histórico, já se miscigenavam com os europeus, brancos e índios dando origem a nova etnia do Brasil: brasilíndios” (RIBEIRO, 1995). Não se pretende neste estudo, esmiuçar as origens, mas sim, relevar de forma genérica, as principais misturas étnicas que formaram a concepção étnica cultural brasileira. Os primeiros contingentes de negros foram introduzidos no Brasil nos últimos anos da primeira metade do século XVI, (RIBEIRO, 1995) trazidos principalmente da costa ocidental africana, para reforçar a produção açucareira. Inseridos nas terras brasileiras, tiveram de se adequar, forçosamente, pelo instinto de sobrevivência, em todos os âmbitos da vida, inseridos numa cultura já constituída luso-tupi. Os negros se encontraram submetidos à escravidão e todos os elos culturais possíveis de serem estabelecidos, entre eles, foram evitados pela logística da época: 22 A diversidade linguística e cultural dos contingentes negros introduzidos no Brasil, somada a essas hostilidades recíprocas que eles traziam da África e à política de evitar a concentração de escravos oriundos de uma mesma etnia nas mesmas propriedades, e até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários que retivessem o patrimônio cultural africano (RIBEIRO, 1995, p. 115). A escravidão colocava limites epistemológicos para o desenvolvimento pleno da atividade intelectual, os negros foram compelidos a incorporar-se passivamente no universo cultural da nova sociedade por imposição de seus senhores, sendo designados para o trabalho escravo nas minas e nas fazendas açucareiras. O processo da escravidão acabou levando à deculturalização, pela erradicação parcial da cultura africana. Em contrapartida, iam-se aculturando nos moldes brasileiros. Só através de um esforço ingente e continuado, o negro escravo iria reconstituindo suas virtualidades de ser cultural pelo convívio de africanos de diversas procedências com a gente da terra, previamente incorporada à proto-etnia brasileira, que o iniciaria num corpo de novas compreensões mais amplo e mais satisfatório. O negro transita, assim, da condição de boçal – preso ainda à cultura autócone e só capaz de estabelecer uma comunicação primária com os demais integrantes de novo contorno social – à condição de ladino – já mais integrado na nova sociedade e na nova cultura. Esse negro boçal, que ainda não falava o português ou só falava um português muito trôpego, era entretanto, perfeitamente capaz de desempenhar as tarefas mais pesadas e ordinárias na divisão de trabalho do engenho ou da mina (RIBEIRO, 1995, p.116). Lentamente o negro foi tomando espaço na própria atividade mercantil, com maior contato com diferentes africanos, mais tempo de adaptação à nova terra, estabeleceu sua função de servidão e aos poucos pode se aculturar mesmo que influenciado pela estratificação social exacerbada. No que diz respeito às culturas, essas condições dotaram a sociedade brasileira de várias falhas de estrutura, no sentido em que, houve desde o princípio da gestação étnica brasileira, distúrbios de classes, levando a caracterização da oposição entre grupos subordinados e das classes dominantes. É possível dizer que ocorreu um paradoxo no processo de construção da identidade cultural do Brasil colonizado. Tínhamos de um lado uma Corte Portuguesa que não somente se portava no Brasil pra reduzir seu povo à fé cristã e também já favorecida de todas riquezas encontradas aqui que, por sua vez, naturalmente trouxe consigo seus costumes e modos. Numa outra extremidade 23 haviam dois núcleos: o original, os indígenas e, os recém chegados da África, os escravos. Os índios com sua cultura ancestral e os negros recentemente aculturados formam então uma espécie de classe doméstica de cultura brasileira. Logo, esta classe doméstica de cultura que de certa maneira recebe as inflexões de cultura europeia, temos então uma tríade. O contato direto entre as três culturas citadas, torna-se o embrião de cultura do então recém-concebido Brasil. É possível verificar neste momento uma demonstração da segregação da sociedade e ao mesmo tempo a formação dos pilares da identidade cultura brasileira, como nas palavras de Darcy Ribeiro: Essa herança africana – meio cultural e meio racial -, associada às crenças indígenas, emprestaria entretanto cultura brasileira, no plano ideológico, uma singular fisionomia cultural. Nessa esfera é que se destaca, por exemplo, um catolicismo popular muito mais discrepante que qualquer das heresias cristãs tão perseguidas em Portugal (RIBEIRO, 1995, p.117). Como já mencionado anteriormente, a identidade cultural não é limitada, a identidade cultural é dinâmica. Fazendo uma alusão ao corpo humano: a cultura tem seu corpo, mas o seu biotipo poderá variar de acordo com as diversas formas de influências como localização geográfica e acontecimentos históricos. Apesar de diferentes em tamanho, idade e herança genética, todos os corpos humanos contêm os mesmos órgãos e a mesma cor de sangue. 5 DESLOCAMENTOS E FLUXOS MIGRATÓRIOS À partir deste ponto de vista os deslocamentos e fluxos migratórios também podem desempenhar um papel importante sobre as influências culturais de uma região, principalmente nas sociedades moderas. Como já mencionado anteriormente, o Brasil, historicamente tem sua estrutura cultural formada por três etnias: o índio, o europeu e o negro africano. Atualmente os fluxo migratório tem incrementado, de forma mais constantes, a modificação da fisionomia cultural. A migração global segundo Giddens: 24 Apesar de a migração não ser um fenômeno novo, ela parece estar andando em ritmo acelerado como parte do processo de integração global. Os padrões de migração mundiais podem ser vistos como um reflexo dos laços econômicos, políticos e culturais que estão em rápida mudança entre os países (GIDDENS, 2005, p.215). A migração global é um fenômeno que se intensificou após a Segunda Guerra Mundial e atualmente é uma questão política importante para as nações. Conforme análise de Anthony Giddens: Em nosso mundo globalizante, o fluxo de idéias - e de pessoas – pelas fronteiras é bem maior do que em qualquer outra fase da história. Tais processos estão alternando profundamente as sociedades nas quais vivemos: muitas ganham diversidade étnica pela primeira vez; outras vão descobrindo que os padrões existentes de multietnicidade estão sendo transformados ou intensificados (GIDDENS, 2005, p 230). Os Estados, principalmente os desenvolvidos, são desafiados por esse fenômeno e estão cada vez mais, desenvolvendo legislação e tecnologias para o adequação de suas políticas de controle de entrada e saída de estrangeiros. A demanda destes fluxos e suas regras de imigração têm se tornado mais rígidas e interligadas com outros países. No Brasil, os números de imigrantes - impulsionados pelo bom desempenho econômico do país diante da economia global e pela real falta de mão de obra qualificada, além do já conhecido acolhimento brasileiro - têm crescido. O Brasil têm sido a escolha de estrangeiros que reconhecem o país como agradável e acolhedor com os estrangeiros (ACNUR 2013). De acordo com os dados do ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, em sua última análise emitida em 2013, pautada em dados fornecidos pelo CONARE – Conselho Nacional para Refugiados Estrangeiros, entre 2010 e 2012, vê-se um aumento nos pedidos de refúgio no país: 25 Gráfico 1- Estatística de solicitações de refúgio no Brasil entre 2010 e 2012 Fonte: Refúgio no Brasil – Uma análise estatística 2010 – 2012 publicado pela ACNUR em 2013 As migrações globais demonstram a capacidade de mudança na identidade nacional de um país amparada pelo processo da globalização no mundo. Stuart Hall 2006 demonstra este aspecto da contemporaneidade com devida racionalidade: “Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou transhistóricas” (HALL, 2006, p. 87). Portanto, a identidade nacional bem como a identidade cultural de uma nação têm natureza diversa, diversidade é a palavra chave para definição de identidade nacional nas sociedades do mundo moderno. 26 6 FAVELA CHIC O projeto Favela Chic teve início a partir de uma percepção pessoal de um de seus criadores: o descontentamento sobre como o Brasil – de uma forma geral – era visto pelos franceses. Isso levou Rosane Mazzer a tentar promover, à sua maneira, uma visão diferenciada sobre a cultura brasileira. Figura 1 – Logo do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic Rosane Mazzer nasceu em Londrina e aos 23 anos mudou-se para Paris. Estabeleceu um pequeno restaurante de comida brasileira, e neste local percebeu a maneira com que os franceses viam o Brasil. Munida desta experiência e não satisfeita, iniciou o projeto Favela Chic. Chamarei neste trabalho o Favela Chic de projeto, mas um de seus fundadores têm uma definição diferente que abordarei mais adiante. Em 1995, Rosane Mazzer e seus amigos Jerome Pigeon e Jorge Nasi unidos no mesmo ideal fundaram um pequeno estabelecimento que tinha como principal atração a comida e a música brasileira. O maior interesse do projeto era de unir num só lugar um universo que pudesse expressar quão rica a cultura brasileira poderia ser. O que foi feito para isso nas palavras de Rosane Mazzer: Nossa idéia é de criar dentro do caos, é desordem e progresso. O que fiz nesse tempo inteiro foi colocar valor em tudo que é arte popular brasileira na forma mais tradicional, moderna e polêmica em volta da 27 comida, em volta da música, em volta dessa aglomeração de objetos que dá um outro tipo de leitura, um outro tipo de harmonia. Vídeo na internet.1 O segundo co fundador é Jerome Pigeon também é conhecido como DJ Gringo da Parada, é o membro que responde pela parte musical do Favela Chic. De acordo com Jerome Pigeon, o Favela Chic nunca foi um projeto pensado e estudado, foi uma reunião de pessoas com mesma vontade e no momento certo: Favela Chic has never been a concept. It was just a happy miracle based on love, friendship and chaos. "Disorder & Progress" was our punchline and i think we always respected it. Favela Chic is not venues, brand or marketing project it's only the sweet combination of different personalities who met at the right time to create all of this. we wanted first of all to blend any kind of convivialities in the same place (speaking, eating, drinking, dancing, kissing...) (PIGEON, 2014, E-mail)2 Jerome Pigeon nasceu em Paris, é músico, DJ e produtor musical e, atualmente vive em Londres. Seu trabalho no Favela Chic passa por toda produção musical do grupo. Figura 2 – Rosane Mazzer Fonte: Site Favela Chic` Figura 3 – Jerome Pigeon Fonte: Site Favela Chic 1 Depoimento registrado no vídeo “Favela chic Paris”, do FAVELA Chic Tube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-UQEdCuA3Is&noredirect=1>. Acesso em: 11 abr. 2014. 2 “Favela Chic nunca foi um conceito. Foi apenas um milagre feliz baseado em amor, amizade e caos. “Desordem e Progresso” foi nosso slogan e acho que sempre respeitamos isso. Favela Chic não é ponto de encontro, marca ou projeto de marketing, é apenas uma doce combinação de diferentes personalidades que se encontraram no momento certo para criar tudo isto. Nós queríamos em primeiro lugar misturar todo tipo de convivências num só lugar ( conversar, comer, beber, dançar, beijar...)” PIGEON (2014, E-mail), tradução nossa. 28 O Favela Chic pode ser considerado um coletivo de arte, já que em suas atividades promovem uma forma diferente de apresentar a cultura brasileira. No ano de 2002, Gringo da Parada produziu e lançou o primeiro de quatro volumes de uma compilação de música brasileira chamada Favela Chic Postonove. Foi através desta compilação que conheci o Favela Chic, a compilação foi lançada pela produtora Musical Fla- Flu Produções, empresa multinacional em que Rosane Mazzer e Jerome são sócios. A idéia neste estudo é demonstrar o projeto Favela Chic como sendo um veículo reprodutor de cultura brasileira fora do Brasil, à sua maneira em todos os eventos e projetos que se envolve. Todo o trabalho deste grupo, sua personalidade gira em torno da arte e cultura brasileira. No ano de 2005 o grupo expandiu o projeto para o Reino Unido, e uma filial do Favela Chic foi inaugurada na região leste de Londres em Shoreditch, vemos neste momento uma expansão territorial transnacional do Favela Chic. A nova casa reproduziu o conceito inicial, oferecendo um ambiente onde era possível ter acesso a cultura brasileira através da música, da comida e bebida. A filial trazia o mesmo conceito de decoração da matriz. Tanto o cardápio quanto a programação musical mesclava interesses “Brasil – Mundo”. Interessada em analisar o Favela Chic neste trabalho de conclusão de curso, visitei ambos estabelecimentos em 2012, vivenciei de fato a proposta deste projeto. De fato tive a sensação de estar no Brasil. A filial de Londres fechou em 2012, trocou de nome, passando a se chamar Floripa. O espírito do local continua o mesmo, apenas o nome mudou. Floripa está aberto até o momento, não há mais administração nem relação com os fundadores do Favela Chic, mas mantém a idéia inicial de promover a cultura brasileira naquele pais. Com o lema “Desordem e Progresso” o projeto trabalha desde sua fundação, com artistas de várias nacionalidades, diferentes vertentes artísticas. É justamente essa diversidade que importa para este estudo. A forma como todos estes elementos se fundem num resultado tão rico culturalmente, é que transforma o Favela Chic em objeto deste estudo. 29 Figura 4 – Entrada do Favela Chic London Fonte: Site Favela Chic Figura 5 – Entrada do Favela Chic Paris Fonte: Site Favela Chic 7 DESCRIÇÃO FÍSICA DO ESPAÇO Fisicamente o espaço é decorado com móveis antigos e mesas comunitárias feitas de madeira, materiais reciclados e novos. Tudo inspirado na diversidade das favelas brasileiras. As paredes com cores que remetem ao Brasil em verde e amarelo. Em todo espaço é possível ver obras de arte contemporânea de artistas brasileiros e estrangeiros, imagens de santos brasileiros, fotografias e objetos inusitados. A origem do nome Favela Chic é percebido na decoração do local, os espaços são decorados com formas e cores numa mistura de traços contemporâneos e rústicos, uma mistura de coisas novas e velhas. Situado na região leste de Paris, o estabelecimento – chamarei assim pois segundo sua fundadora não é um bar, não é um restaurante, não é um 30 clube - tornou-se sucesso imediato e a cada noite seu público crescente confirmara o sucesso. O local abre às vinte horas onde o restaurante serve comida brasileira, mesas comunitárias proporcionam um tipo interação entre os freqüentadores sem precedentes, não existem mesas privadas. O cardápio é composto basicamente de comida brasileira nas entradas, no prato principal e sobremesa. Coxinhas, Pães de Queijo, Quibes e Pastéis aparecem no cardápio como entradas. Feijoada, Picanha, Moqueca de Camarão são pratos principais, Mandioca Frita é servida como acompanhamento e a sobremesa composta de Pudim e Quindim. Na carta de bebidas o cliente pode encontrar a tradicional Caipirinha, Batida de Côco, Cuba Libre e Guaraná. Nomes de comida e bebida em sua maioria são em português e sua descrição na língua local. Figura 6– Cardápio (Foods) Fonte: Site Favela Chic Figura 7 – Cardápio (Drinks) Fonte: Site Favela Chic 31 Figura 8 – Restaurante do Favela Chic Paris Figura 9 – Bar do Favela Chic Paris Fonte: Site Favela Chic Fonte: Site Favela Chic 8 POSTONOVE A compilação Favela Chic Postonove reúne vários artistas brasileiros. De acordo com Jerome Pigeon, “é uma anti-antologia da música pop brasileira” (Jerome Pigeon Fla- Flu site). Os quatros discos foram lançados entre 2002 e 2007 e se resumem a uma vasta mistura de ritmos brasileiros atuais e raridades como samba, forró, funk, electro entre outros. Os quatro álbuns reúnem músicas de artistas brasileiros renomados como: Jorge Ben, Jair Rodrigues, Bebeto, Elza Soares, Sandra de Sá, Bezerra da Silva, Os Incríveis, Walter Wanderley, Erlon Chaves, Ed Lincoln, Antônio Carlos, Os Reis do Batuque, Funk Como Le Gusta, Seu Jorge entre outros, numa mistura de diferentes épocas e estilos. A compilação musical é uma obra que define muito bem o lema do Favela Chic: “Desordem e Progresso”. A reunião de artistas e ritmos é de uma diversidade ímpar, o ouvinte poderá perceber o espírito do Favela Chic ao ouvir a coletânea. Jerome Pigeon é o membro musical do projeto Favela Chic, toda produção musical tem seu envolvimento, ele viveu no Brasil, - o que lhe rendeu o apelido Gringo da Parada, é o idealizador da compilação Favela Chic Postonove. Produziu todo material pela Fla-Flu Produtora em que é um dos sócios. Além da coletânea, Jerome tem em seu currículo a produção do 32 primeiro disco do artista Seu Jorge, que é um artista muito envolvido com o Favela Chic, seu primeiro cd foi lançado em 2004, o álbum Cru. Figura 10 - Capa do primeiro disco Fonte: Fake A empresa Fla-Flu Produtora além de produtora musical é também uma agência e produtora de eventos, está por trás da identidade da marca Favela Chic. A Fla-Flu produz todo conteúdo artístico e cultural do projeto em Paris e Londres. A Fla-Flu e o Favela Chic atuam na organização de eventos culturais emprestando seu estilo à marcas que os contratam para realizar eventos criativos, tem como clientes empresas multinacionais e galerias de arte. O envolvimento desta produtora na identidade do projeto Favela Chic pode ser notado em seu currículo e pelo seu extenso trabalho sempre ligado ao arcabouço de identidade cultural brasileira e sua estética, vê-se em sua estrutura de trabalho a principal premissa de análise deste estudo: a demonstração de criatividade e da cultura brasileira. É possível perceber como o trabalho de construção de uma identidade brasileira própria é feita pelo projeto Favela Chic em suas atividades. 33 9 CULTURA, IDENTIDADE & GLOBALIZAÇÃO O conceito de cultura e identidade são muito importantes no estudo da teoria das Relações Internacionais. Seu caráter humanístico precede ao principal ator das RI, o Estado, que por sua vez é gerido pelo homem. Todas ações estatais estão ligadas ao comportamento humano. Tanto o conceito de cultura ligado ao caráter nacional, quanto o caráter de construção social da identidade, são base para o estudo das relações de poder desta área do conhecimento humano. Com o fim da Guerra Fria o mundo passou por um processo de redefinição da ordem internacional (MURDEN, 2001) a hegemonia do poder passa para o bloco vencedor que consequentemente, tem prevalência a toda forma de influência sobre a comunidade internacional, inclusive sobre seu modo de vida. A cultura passa a integrar essa nova era da história de uma forma mais relevante para a política internacional. As ações políticas dos estados (MURDEM 2001) passaram a considerar a revolução tecnológica e a mudança de padrões culturais como interesses legítimos. A identidade está intimamente ligada à cultura uma vez que ela é resultado da interação de um indivíduo ou um grupo com outros, é esta interação que os fazem assimilar interesses diversos e, juntamente com a globalização e a intensificação de diversos processos políticos e econômicos, tornam mais claro para o indivíduo sua noção de identidade dentro de sua comunidade. A identidade é tão difícil de se delimitar e de se definir, precisamente em razão de seu caráter multidimensional e dinâmico. É isto que lhe confere sua complexidade mas também o que lhe dá sua flexibilidade. A identidade conhece variações, presta-se a reformulações e até a manipulações (CUCHE, 2002, p. 196). O fenômeno da globalização aproximou as culturas influenciando as identidades dos indivíduos. O desenvolvimento de novas formas de comunicação trouxe uma nova forma de se relacionar com o outro, a globalização criou novos parâmetros dentro da sociedade trazendo 34 diversificação ao pensamento do indivíduo moderno, o dotando de um conjunto de possibilidades para construção de sua identidade. “No mundo atual, temos oportunidades sem precedentes de moldar a nós mesmos e de criar nossas próprias identidades” (GIDDENS, 2005). Sob este ponto de vista o projeto Favela Chic pode ser exemplificado a partir de uma identidade formada através de vivências e experiências de seu núcleo fundador com indivíduos de outra nacionalidade, ou seja, se não há limites na formação da identidade, pode-se afirmar que a modelagem da identidade brasileira proposta pelo Favela Chic é autêntica, mesmo que seja para seus criadores. Nessa perspectiva, a globalização pode desempenhar um papel importante para explicar a identidade brasileira proposta neste trabalho. Sem o fenômeno da globalização talvez seria impossível definir o que é a identidade brasileira, me refiro aqui identidade brasileira tida pelos não brasileiros, pois com o avanço tecnológico das comunicações o acesso a outras culturas se tornou mais acessível à sociedade, o que antes era possível apenas através do intercâmbio, de viagens, relatos e estudos sobre a cultura de um determinado local (GIDDENS 2005). Assim o acesso à informação era tido através de relatos de terceiros, agora, a sociedade é capaz de construir sua identidade e sua opinião de forma prática, vivenciando por si a experiência, as sensações tidas ao conhecer uma nova cultura. No mundo atual, os progressos em transportes e comunicações produziram interações mais freqüentes, mais intensas, mais simétricas e mais abrangentes entre pessoas de civilizações diferentes. Em conseqüência, suas identidades civilizacionais tornam-se cada vez mais proeminentes (...) Esses níveis mais amplos de identificação civilizacional significam uma percepção mais profunda das diferenças civilizacionais e da necessidade de proteger aquilo que distingue “nós” de “eles” (HUNTINGTON, 1997, p.159). Nesse contexto a cultura torna-se o agente diferenciador de identidade entre uma sociedade e outra. Com costumes e crenças particulares, a sociedade consegue ver-se como diferente e dessa maneira pode, com esse conhecimento, definir a cultura alheia da maneira que preferir. Portanto, no caso estudado neste trabalho, vê-se a forma com que Viviane Mazzer preferiu demonstrar aos franceses - mesmo que sem intenção pré moldada - como ela gostaria que os franceses conhecessem as coisas do Brasil, como era possível 35 fazer com que houvesse uma experiência sensorial com a cultura brasileira e a partir desta experiência, os indivíduos que passaram pelo Favela Chic poderiam conhecer melhor e assim ter sua opinião formada de forma prática e não apenas teórica. Contudo, espera-se que haja a compreensão deste estudo à partir desta concepção: de um movimento iniciado a partir de uma percepção de um indivíduo que, fora de seu país, o levou à promoção da cultura brasileira fora do Brasil, sugerindo aos franceses em primeira instância, uma espécie de prova de como era o ser brasileiro em termos musicais e gastronômicos, essa condição obviamente não pode ser uma afirmação de nacionalidade em si mas de sua cultura e estilo de vida. Em termos gerais uma demonstração da brasilidade fora do Brasil. 10 FAVELA CHIC E A IDENTIDADE CULTURAL Partindo da idéia de Hall que “as identidades modernas estão sendo descentradas, isto é, deslocadas ou fragmentadas” pretendo demonstrar neste capítulo como o Favela Chic pode ser um objeto de propagação de identidade brasileira e que, esta identidade está sujeita a fragmentações oriundas do contexto contemporâneo da sociedade moderna. A identidade a qual me refiro neste caso é a identidade disponibilizada pelo projeto dentro de suas atividades diárias, uma identidade formada através de vetores sensoriais como música, artes e gastronomia e que por seu caráter subjetivo, poderá caracterizar ou não a identidade brasileira. Enquanto que o contexto já mencionado anteriormente segue a premissa de mudanças contínuas na forma de identificação do sujeito contemporâneo. O descentramento das identidades pode ser demonstrado pelo Favela Chic que busca justamente a não imposição de uma identidade específica mas sim oferecer uma visão disponível no Brasil, que neste caso, está sendo propagada fora do Brasil. Temos novamente uma característica desta dita 36 fragmentação do conceito de identidade, onde a oferta da cultura brasileira está no núcleo do objeto deste estudo, e seu acolhimento ou não dependerá de cada indivíduo que terá sua própria assimilação e a fragmentará por conseqüência, tendo uma modificação ou não de seu eu, seja ela em qualquer nível da identidade cultural deste indivíduo. Busca-se compreender neste estudo como o sujeito moderno constrói sua identidade e como este feito é possível verificando as ferramentas utilizadas pelo Favela Chic. A principal diferenciação da sociedade moderna para a sociedade tradicional é justamente seu caráter de mudança constante, rápida e permanente (HALL, 2006), ao ouvir uma música, por exemplo da Cazaquistão, o indivíduo moderno tenderá a criar seu próprio ponto de vista sobre tal música, tendo contato direto ou não com esta cultura, este sujeito construirá para si uma impressão pessoal, imediata e intransferível, este indivíduo terá de forma instintiva sua opinião formada à partir deste contato. Essa assimilação poderá ser modificada num próximo momento em que este indivíduo, ao pesquisar sobre o tema verificar que esta música é uma tradição secular, feita com um instrumento que existe apenas numa dada região do Cazaquistão e isso pode tornar esta música mais especial para este indivíduo ou apenas o fazer ter desinteresse ao tema por se tratar de uma tradição a qual ele não considera importante. O caráter de mudança constante das identidades é o que importa para explicar o Favela Chic no contexto pretendido neste trabalho. Não é aconselhável que se tenha uma visão estrita e etnocêntrica nesta concepção da formação de identidade, “comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes”(LARAIA, 2000) pois a análise aqui sugerida é justamente sobre um ponto de vista democrático onde o sujeito terá livre movimentação de conceitos para chegar ao seu próprio entendimento proposto neste estudo. O Favela Chic dialoga com a idéia de propagação de identidades, de um modo em que a oferta de possibilidades para identificação são múltiplas. Esse diálogo entre o que é brasileiro com o que pode ser a brasilidade concebe uma idéia de como a cultura pode transformar o sujeito moderno em um sujeito 37 dotado de escolhas para definir sua própria identidade. Como já referenciado, o projeto lançou uma compilação de quatro álbuns de música brasileira. Analisando esta ferramenta em si, o Favela Chic possibilita ao ouvinte uma experiência musical brasileira autêntica pois há nestes álbuns vertentes de música de diferentes épocas da história da musical brasileira, esse contato possibilita a quem tem acesso a esta ferramenta, uma forma de identificação com o estilo de musicalidade brasileira. Segundo (HALL,2006) “as culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades”. A música é uns dos símbolos de identificação que o Favela Chic proporciona ao indivíduo, no caso estudado foi o primeiro veículo de acesso que me levou a pensar neste projeto como um vetor de cultura brasileira. Figura 11 - Foto institucional do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic Além da música, o Favela Chic proporciona o contato com a identidade brasileira através da gastronomia. O ato de alimentar-se é universal, em todo grupo social o comer é um ato dotado de cultura, dentro do arcabouço cultural de uma nação, a culinária - que é a técnica utilizada no preparo do alimento - e os ingredientes selecionados formam uma identidade específica de cada cultura. A feijoada servida no Favela Chic pode não ter o mesmo sabor da 38 “nossa” feijoada, mas este prato servido em qualquer lugar do mundo, sempre remeterá ao Brasil e não à França. Segundo DaMatta: A comida vale tanto para indicar uma operação universal – o ato de alimentar-se – quanto para definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos regionais e nacionais de ser, fazer, estar e viver (DAMATTA, 1986, p.57). Analisando o Favela Chic como um objeto de propagação de identidade cultural é possível comparar o projeto ao que Hall chama de comunidades imaginadas, o que dá sentido em como a identidade nacional pode ser formada, através da imaginação de um sujeito moderno que novamente irá conceber sua identidade a partir de relações com outras culturas que irão moldar a sua forma identitária. As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (HALL, 2006, p. 50). Acredita-se neste trabalho que o processo de formação de uma identidade exclusivamente brasileira é possível ao indivíduo estrangeiro que vai ao Favela Chic pela primeira vez, pois neste estabelecimento há toda simbologia brasileira suficientemente necessária para que ele possa conceber, que seja em mínima instancia, como o ser brasileiro se identifica através da música, da decoração da comida e bebida que ele consumirá. Todas estas características de brasilidade oferecidas pelo projeto se tornam o pano de fundo para essa construção individual. Figura 12 – Novo Logo do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic 39 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho é um estudo de caso do projeto Favela Chic e teve como objetivo demonstrar como a identidade brasileira pode ser transmitida através de vetores culturais estabelecidos no trabalho do grupo estudado. Pretendeu-se dialogar com as diversas formas de concepção da identidade do indivíduo na sociedade moderna, pautando a globalização como seara para este processo contemporâneo. Este fenômeno da sociedade moderna sem dúvida é o principal ponto de início para discussão oferecida neste trabalho acadêmico. A construção da identidade, na sociedade moderna, passa por um processo evolutivo muito rápido, e que ainda está em andamento, quero dizer, não foi finalizado. As tecnologias da informação são responsáveis em grande parte – quiçá totalmente – por esta incrível ascendente da forma como a sociedade se orienta e em conseqüência, adquire conceitos que irão se moldar à sua identidade. Portanto, não será possível responder à pergunta feita neste trabalho a respeito do impacto que o projeto Favela Chic poderia causar na sociedade internacional, ora, se esta sociedade ainda não conseguiu se situar diante deste processo global, provavelmente, ainda é cedo para tal resposta, se é que ela existirá. Ao mesmo tempo que a globalização pode ser considerada uma ferramenta que desvincula o indivíduo da primeira noção de identidade – idéia da construção através do pertencimento a algo – oferece também uma grande escala de escolhas ao indivíduo. A globalização mostra-se como um amplo espaço para o movimento de integração da sociedade, conectando os indivíduos em um nível jamais visto na história. Essa conexão confirma a afirmação feita neste estudo sobre como o projeto Favela Chic poderia disseminar a cultura brasileira fora do Brasil. Expondo a cultura brasileira através dos símbolos culturais genuinamente brasileiros, é possível afirmar que há de fato, uma expressão de brasilidade em suas atividades. Partindo da idéia de globalização como um grande território onde novos conceitos se agregam à identidade individual, a cultura não material modela e 40 rege as relações dos indivíduos dentro dos sistemas culturais aos quais estão inseridos. A cultura proporciona escolhas, ela é democrática. Portanto, a iniciativa do Favela Chic foi orientada neste princípio de pluralidade, não fechando um círculo perfeito contento “a identidade brasileira” e sim proporcionando uma opção de identidade brasileira através de ferramentas como arte, música e comida. Simbologia que, entre outros, na prática celebra a cultura de um país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO, Antônio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Editora Moderna, 2004. 160 p. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2004. 112 p. CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. 416 p. CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986. 184 p. CHOMSKY, Noam. Powers and prospects: reflections on human nature and the social order. Boston: South End Press, 1996. DAMATTA, Roberto. 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