CONCEITO DE TRIBUTO Publicado em 03/03/2012
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CONCEITO DE TRIBUTO Publicado em 03/03/2012
CONCEITO DE TRIBUTO Publicado em 03/03/2012 13:43:20 por Alexandre Mazza Leito de Procusto* Na mitologia grega, Teseu era filho de Egeu, rei de Atenas, e de Etra. Ainda novo, precisando ir a Atenas encontrar-se com o pai, decidiu fazer o percurso usando estradas infestadas de bandidos para pôr à prova sua bravura. No primeiro dia de viagem, chegou a Epidauro, terra do temido selvagem Perifetes, conhecido pela violência com que atingia suas vítimas a golpes de clava de ferro. Ao ver aproximar-se Teseu, Perifetes logo o atacou, mas foi vencido e perdeu a famosa arma para o herói que, depois disso, levava-a consigo como recordação da sua primeira vitória. Várias batalhas semelhantes sucederam-se, todas vencidas por Teseu. Entre tantas, uma das mais conhecidas foi a luta contra um bandido chamado Procusto. Procusto era um salteador sanguinário conhecido por amarrar os viajantes em uma cama de ferro. Se eles fossem mais curtos que o leito, estirava seus corpos com cordas e roldanas até desconjuntá-los; se fossem maiores, cortava a parte que sobrava. Segundo a lenda, Teseu matou o bandido, fazendo-o provar da mesma crueldade que aplicava aos outros. Tornou-se comum utilizar a expressão “leito de Procusto” para designar qualquer tipo de padrão aplicado à força sobre a realidade, sem levar em conta diferenças individuais, circunstâncias especiais ou peculiaridades do objeto. No Direito, a figura mitológica pode ser invocada como metáfora de certos aspectos da atividade jurídica (cf. Renato Alessi, Sistema Istituzionale del Diritto Italiano, Dott. Antonino Giuffrè, Milano, 1953). Age como Procusto quem tenta enquadrar, de modo inadequado, determinada realidade em um conceito que a ela não se ajusta, equívoco que sempre resulta em conseqüências negativas. Inspirado na lenda grega de Procusto e seu leito de ferro, o objetivo deste artigo é analisar diversos tópicos relacionados com a noção de tributo, enfocando especialmente casos concretos atuais em que o contribuinte é surpreendido com exigências ditas tributárias, mas que “não cabem no leito” conceitual delineado por nosso ordenamento. Iniciemos por dizer que o artigo 3º do Código Tributário Nacional definiu tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Em que pese o fato de tal conceituação legislativa não merecer reparos no que tange ao conteúdo, convém realizar, para fins de desenvolvimento deste estudo, algumas adaptações formais visando ressaltar elementos ocultos sob a letra do dispositivo em questão. Assim, temos que tributo é “toda obrigação legal, compulsória, de caráter pecuniário, que não constitui sanção por ato ilícito, tendo no pólo ativo normalmente uma Pessoa Política e, no pólo passivo, quem a lei assim o estabelecer, cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A primeira parte do conceito acima apresentado envolve a idéia de que o tributo é uma obrigação legal. Isto significa dizer que, no direito brasileiro, a lei é a fonte possível de obrigações tributárias, a teor do disposto no art. 150, I, da CF, segundo o qual: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. É preciso advertir ab initio que o termo “lei” está empregado em sentido amplo incluindo todas as espécies normativas encontradas no art. 59 da Constituição, quais sejam: leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, emendas constitucionais, resoluções, decretos legislativos e medidas provisórias. Outra consideração importante: por descuido do constituinte, a redação do art. 150, I, da CF, sugere que o princípio da legalidade apenas seria aplicável nas hipóteses de criação e majoração de tributos, mas não nos casos de redução ou de sua extinção. Ora, o que a lei cria somente a lei pode extinguir. Trata-se de um princípio central do Estado de Direito, verdadeiro alicerce do sistema republicano (art. 1º, § único, da Constituição Federal). Desse modo, descabido cogitar da possibilidade de atos infralegais (decretos, portarias, instruções normativas ou contratos) alterarem aquilo que foi estabelecido por lei. Por justiça, lembremos que o Código Tributário Nacional não incidiu no mesmo equívoco da Carta Política na medida em que os incisos I e II do art. 97 do CTN determinam que somente a lei pode estabelecer “a instituição de tributos ou a sua extinção” (inc. I) e “a majoração de tributos ou sua redução” (inc. II). Digna de nota, também, é a previsão constitucional de seis tributos cujas alíquotas, a par do princípio da legalidade, podem ser alteradas por decreto do Poder Executivo: a) o imposto sobre operações financeiras – IOF (art. 153, § 1º, da CF); b) o imposto sobre produtos industrializados – IOF (idem); c) o imposto sobre importações – II (idem); d) o imposto sobre exportações – IE (idem); e) a contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre o petróleo e combustíveis – Cide do petróleo (art. 177, § 4º, I, “b”, da CF); f) o imposto monofásico sobre operações com lubrificantes e combustíveis derivados do petróleo – ICMS sobre lubrificantes e combustíveis (art. 155, § 4º, IV, “c”, da CF). Impropriamente chamados de “exceções” à legalidade, os seis casos acima apontados são na verdade “hipóteses constitucionais de aplicação especial do princípio”, na medida em que, segundo a melhor doutrina, duas normas que ocupam idêntico patamar no ordenamento nunca excepcionam uma à outra. O que ocorre é outro fenômeno, chamado de “harmonização horizontal” ou “cedência recíproca”. Em síntese, o fato de o tributo, nos termos do artigo 3º do CTN, constituir obrigação legal importa no reconhecimento de que a lei é a única fonte de obrigações tributárias no direito brasileiro. Dizer que a instituição de deveres de natureza tributária está sob reserva de lei significa ainda que a ordem jurídica pátria, vislumbrando o impacto social da ação tributante, submeteu seu exercício ao procedimento legislativo (arts. 59 a 69 da Constituição Federal), uma espécie de devido processo legal apto a conferir legitimidade democrática às inovações em matéria fiscal. Com isso, afasta-se, em primeiro lugar, a possibilidade de a Fazenda Pública estabelecer obrigações tributárias de qualquer tipo por meio de atos administrativos, já que, em atenção ao disposto no inciso II do artigo 5º da Constituição, o contribuinte não pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Em segundo lugar, o caráter “ex lege” da obrigação tributária obriga-nos a concluir que os contratos privados não são dotados de força jurídica para instituir ou alterar deveres na seara fiscal. Nesse sentido prescreve o art. 123 do CTN in verbis: “salvo disposição de lei em contrário, as convenções particulares, relativamente à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”. É bastante conhecida a cláusula em contratos de locação imobiliária em que o locatário “assume a responsabilidade”, durante a vigência do contrato, de arcar com o IPTU e demais tributos relacionados ao imóvel locado. Tal cláusula, entretanto, não produz efeitos no direito tributário, cabendo sempre ao proprietário, a par do contrato, responder perante a Fazenda pelo pagamento dos tributos, restando-lhe somente o recurso, em face da inadimplência contratual, a ação civil regressiva para obter ressarcimento do montante pago. Curiosamente, o mesmo diploma legislativo que nega efeito à cláusula contratual de transferência de responsabilidade define como contribuintes do IPTU “o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título” (art. 34 do CTN), dando margem a que muitos Municípios incluam indevidamente o inquilino (possuidor direto) no pólo passivo de execuções fiscais referentes ao imposto predial e territorial. O absurdo dessa inclusão está em reconhecer no contrato de locação eficácia tributária em favor do Fisco, negando-a quando o mesmo contrato é invocado em defesa do contribuinte. Já em relação à esfera federal o tema da reserva legal em matéria de obrigações tributárias tem sido discutido principalmente em face do conteúdo do inciso IV do artigo 8º da Constituição Federal, segundo o qual “a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”. Inicialmente é preciso notar que a denominada contribuição confederativa do art. 8º não deve ser confundida com a contribuição sindical instituída no interesse de categorias profissionais ou econômicas, referida no art. 149 da CF, na medida em que esta tem caráter tributário, é compulsória e depende de lei para sua criação (RE 198.092). Já a contribuição do art. 8º, voltada a financiar a estrutura sindical confederativa, é de recolhimento facultativo, elemento que, de per si, desfigura a aparência tributária da exação, retirando-lhe a compulsoriedade mencionada no art. 3º do CTN (registre-se, todavia, que tal entendimento não é unânime no STF: para o Ministro Marco Aurélio, a contribuição confederativa teria natureza compulsória para o empregado, filiado ou não à entidade sindical – RE 195.885). Além disso, o Texto Maior é claro ao afirmar que a contribuição “será fixada pela assembléia geral da categoria”. Ora, nitidamente não se trata de uma obrigação legal uma vez que a Constituição atribuiu ao sindicato, e não ao legislador, a competência para instituir a contribuição (RE 178.052). Nesse mesmo sentido leciona Hugo de Brito Machado: “Há quem sustente que a contribuição referida no art. 8º, inciso IV, da Constituição Federal é uma espécie de tributo, em relação à qual não se aplica o princípio da legalidade. Não nos parece que seja assim. Preferimos entender que se trata de contribuição de natureza não tributária, em tudo idêntica à contribuição cobrada por qualquer associação civil” (Curso de Direito Tributário, 14ª edição, p. 317). Cabe fazer menção, por fim, à interessante questão envolvendo a contribuição paga pelos segurados facultativos. Diante do fato de que tal filiação não é obrigatória, a contribuição não tem natureza tributária, porquanto falta-lhe a compulsoriedade exigida pelo art. 3º do CTN. Se deixar de efetuar o recolhimento, o interessado não se sujeita a qualquer tipo de execução fiscal, mas perderá o direito à futura fruição do benefício em análise. Em continuação à análise do conceito estabelecido no artigo 3º do CTN, o elemento seguinte da definição legislativa resume-se na fórmula: o tributo não constitui sanção por ato ilícito. A primeira lição que se extrai é que o legislador quis, claramente, diferenciar tributo de multa. Isso porque a causa da obrigação é a ocorrência de um fato previsto na lei – o fato gerador tributário. Ao passo que o dever de pagar uma multa nasce sempre como resposta ao descumprimento de normas jurídicas. Em síntese: a obrigação tributária tem como causa uma ocorrência lícita; a multa, uma ilicitude. Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal, ao ensejo do julgamento do Recurso Extraordinário 94.001/SP, relatado pelo Min. Moreira Alves, declarou inconstitucional lei paulistana que determinou acréscimo de 200% ao IPTU incidente sobre imóveis com construções irregulares. Entendeu a Corte Máxima que a referida lei utilizou indevidamente o tributo como instrumento punitivo, verdadeira sanção administrativa. Conforme declara de modo elucidativo a ementa do julgado: “o artigo 3º do CTN não admite que se tenha como tributo prestação pecuniária compulsória que constitua sanção de ato ilícito. O que implica dizer que não é permitido, em nosso sistema tributário, que se utilize de um tributo com a finalidade extrafiscal de se penalizar a ilicitude. Tributo não é multa, nem pode ser usado como se o fosse. Se o município quer agravar a punição de quem constrói irregularmente, cometendo ilícito administrativo, que crie ou agrave multas com essa finalidade. O que não pode - por ser contrário ao artigo 3º do CTN, e, conseqüentemente, por não se incluir no poder de tributar que a Constituição Federal lhe confere - é criar adicional de tributo para fazer as vezes de sanção pecuniária de ato ilícito”. Outra discussão interessante consiste em saber se o art. 3º do CTN, ao afirmar que tributo não constitui sanção por ato ilícito, estaria vedando a tributação de atividades ilegais. Segundo levantamento elaborado por Becker (Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª edição, pp. 598-600), autores do porte de E. Vanoni, B Griziotti, Rubens Gomes de Souza, G. Tesoro, D´Angelillo, A. D. Gianinni, Berliri e F. Forte, por exemplo, admitem a tributação de atos ilícitos ao argumento de que ao Direito Tributário interessaria apenas o fenômeno da vida sob o ângulo da relação econômica, pouco importando sua repercussão em outras searas jurídicas. Para outros autores, como Petrônio Araújo, a tributação sobre atos ilícitos representa um contra-senso se considerarmos que compete ao próprio Estado prevenir e reprimir atividades criminosas e ilegais. Os dois pontos de vista encontram lastro em decisões dos nossos Tribunais Superiores. Becker (ob. cit., p. 600, nota 8) faz referência a diversos acórdãos do extinto Tribunal Federal de Recursos negando a tributação de imposto sobre a renda do “jogo do bicho”. Em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal, no famoso julgamento do HC 77.530/RS, julgado em 25/08/98, tendo como relator o Min. Sepúlveda Pertence, firmou o entendimento de que o tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à declaração de rendimentos caracteriza, em tese, crime de sonegação fiscal. Trata-se, assim, do reconhecimento, pelo STF, de que o exercício de atividade ilícita não afasta deveres de natureza tributária. Para redargüir a afirmação segundo a qual a tributação de atividades ilícitas afrontaria a moralidade, a ementa do julgado arremata: “a exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética”. Em que pese as respeitáveis opiniões em contrário, a razão está com o STF. Entendo que a tributação de atividades ilegais é um imperativo do princípio da igualdade tributária (art. 150, II, da CF), na medida em que, se assim não procedesse, o Estado estaria dando tratamento privilegiado a quem pratica atos ilícitos, subtraindo tais pessoas de encargos tributários, o que terminaria por criar um mecanismo de premiação em favor dos que praticam ilegalidades. Tal conclusão merece destaque: a não-tributação resultaria em incentivo estatal à prática de atividades ilegais. Além disso, é preciso relembrar que arrecadar o tributo é um dever incontornável do agente fiscal, ou, na linguagem do CTN, “uma atividade plenamente vinculada” (art. 3º), cujo descumprimento implica responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único), não havendo margem para que o agente deixe de efetivar a cobrança, ainda que criminosa a atividade tributada. Por fim, não se pode esquecer que o artigo 118, inciso I, do CTN, prescreve que: “a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes”. Assim, verifica-se que o legislador brasileiro claramente optou pelo sistema do “pecunia non olet” (dinheiro não tem cheiro), segundo o qual são irrelevantes, para o Direito Tributário, a licitude da atividade tributada e a origem do dinheiro do contribuinte (a expressão “pecunia non olet”, de acordo com a História, originou-se na taxa instituída pelo imperador Vespasiano, cobrada sobre os banheiro públicos romanos. Diante das piadas da população sobre a curiosa exação, Vespasiano pediu a seu filho, Tito, que tomasse uma moeda e a cheirasse, após o que comentou: “o dinheiro não tem cheiro”). O passo seguinte da análise consiste em compreender o sentido e o alcance da afirmação contida no art. 3º do CTN de que o tributo é uma obrigação pecuniária. Como se sabe, obrigação é todo liame jurídico que une dois sujeitos em torno de uma prestação de fazer, de não-fazer ou de dar. Nesse sentido, é correto dizer que para a teoria geral das obrigações existem obrigações de fazer, de não-fazer ou de dar, conforme o objeto da prestação por elas veiculada. Pois bem, a primeira conclusão extraída do art. 3º do CTN é que a legislação brasileira, ao contrário do que ocorre em outros países, rejeita natureza tributária a certos deveres públicos de fazer ou não-fazer, como a prestação de serviço militar obrigatório, a convocação para trabalhar em eleições ou a requisição para compor o corpo de sentença nos tribunais do júri. Inútil, portanto, invocar garantias tipicamente tributárias – como a anterioridade e a uniformidade geográfica – em favor de indivíduos obrigados a tais prestações, diante da evidente inaplicabilidade de referidas garantias a sujeições não-fiscais. Outro ponto importante: todo tributo é uma obrigação de dar quantia certa ao Estado, mas nem toda obrigação de dar quantia certa ao Estado é tributo. Além do caso evidente das multas administrativas – que não se enquadram na definição legislativa de tributo por constituírem sanção por ato ilícito (vide artigo anterior) –, a participação das entidades federativas no produto da exploração de recursos naturais, prevista no art. 22, § 1º, da CF (“É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”), e regulamentada pela Lei n. 7.990/89, é obrigação pecuniária compulsória de natureza não-fiscal, por não se enquadrar em nenhuma das espécies tributárias pátrias (nesse sentido: STF, RE 228800/DF). Semelhante raciocínio pode ser feito em relação a determinadas exações cobradas por agências reguladoras. A legislação aplicável a tais entidades prevê “taxas” e “contribuições de intervenção no domínio econômico” que podem ser exigidas de empresas e de particulares ligados aos setores regulados. A Agência Nacional do Cinema – Ancine, com fundamento no art. 32, “caput”, da Medida Provisória n. 2.228-1/01, posteriormente alterada pela Lei 10.454/02, arrecada a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine, tendo como fato gerador a veiculação, a produção, o licenciamento e distribuição de obras cinematográficas com fins comerciais. No caso da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, os artigos 12 e 13 da Lei n. 9.427/96 autorizam a cobrança da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica, no valor anual de 0,5% do benefício econômico anual auferido pelo concessionário, permissionário ou autorizatário dos serviços de energia elétrica. A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel (art. 47 da Lei n. 9.472/97), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa (arts. 23 a 26 da Lei n. 9.782/99), a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (arts. 18 a 23 da Lei n. 9.961/00), a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq (as duas últimas com fundamento no art. 77, III, da Lei n. 10.233/01) também arrecadam “taxas de fiscalização” semelhantes. Ocorre que as pretensas taxas não se enquadram no desenho constitucional aplicável à espécie tributária em questão. Taxas, a teor do disposto no art. 145, II, da CF, são tributos vinculados, contraprestacionais, sinalagmáticos, na medida em que remuneram atividades estatais especificamente exercidas sobre o contribuinte, devendo ser arrecadadas a partir de base de cálculo apta a medir o custo exato do serviço ou da fiscalização (poder de polícia) motivadores da cobrança. Entretanto, uma rápida leitura das normas legais acima referidas permite verificar a inexistência de qualquer relação entre o valor cobrado e os gastos estatais despendidos com o exercício da atividade regulatória. Aliás, o legislador sequer teve a preocupação de condicionar a cobrança à efetiva atuação estatal, pois as “taxas de fiscalização” são devidas anualmente, tenha ou não a agência realizado alguma fiscalização, desatendendo frontalmente o caráter retributivo inerente às taxas. Portanto, é visível que a legislação das agências reguladoras, como já sustentei anteriormente (Agências Reguladoras, Ed. Malheiros, p. 202), utilizou-se indevidamente dos rótulos “taxa” e “contribuição” para mascarar exações desprovidas de natureza tributária. Trata-se, na verdade, de valores exigidos sem qualquer base constitucional, representando contrapartida disfarçada ou, mais propriamente, uma estranha “outorga onerosa” do direito de atuar no setor regulado. Para finalizar enfrentaremos o tormentoso tema da natureza jurídica do pedágio, confrontando os diferentes posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, especialmente quanto ao enquadramento, ou não, do instituto na previsão do art. 3º do Código Tributário Nacional. Importa recordar que a instituição do pedágio foi conseqüência do desenvolvimento da malha rodoviária brasileira ocorrido a partir do final dos anos cinqüenta e impulsionado pela instalação das primeiras indústrias automobilísticas no país. Até então o uso das rodovias era gratuito, sendo que a manutenção do serviço era custeada pela receita orçamentária comum decorrente dos impostos. Nas décadas de setenta e oitenta, entretanto, a ampliação da rede rodoviária alavancou os custos de conservação das estradas, obrigando a Administração Pública a buscar soluções alternativas para o problema. A partir dos anos noventa, após a polêmica implementação do selo-pedágio – logo declarado inconstitucional pelos tribunais –, a exploração das rodovias foi paulatinamente sendo delegada a concessionárias privadas, cuja fonte primordial de receitas passou a ser o pedágio. Atualmente, a maioria das grandes rodovias brasileiras é explorada em regime de concessão, o que confere ao tema acentuada importância prática, tornando inadiável a necessidade de identificação do regime jurídico aplicável ao instituto em análise. A Constituição de 1946 e a Carta de 1967 faziam referência ao pedágio nos capítulos atinentes à tributação, considerando-o como exceção à proibição de utilizar tributos para limitar a circulação de pessoas e bens no território nacional. Assim, apesar de não previsto no Código Tributário, o pedágio era considerado, pela doutrina, um tributo enquadrado na espécie taxa. A Constituição Federal de 1988, seguindo a tradição dos Textos anteriores, trata do pedágio dentro do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional” (cap I, título VI), afirmando, no art. 150, V, que: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Nessa linha, importantes doutrinadores, como Roque Carrazza, Luciano Amaro, José Afonso da Silva e Misabel Derzi, defendem a natureza tributária do pedágio, terminando por reconhecer aos usuários de rodovias garantias próprias de contribuinte, como as decorrentes dos princípios constitucionais da legalidade (art. 150, I, da CF) e da anterioridade (art. 150, III, “b” e “c”, da CF). Para outros (v.g. Sacha Calmon e Ricardo Lobo Torres), o pedágio exigido em rodovias sob concessão teria natureza de preço público ou tarifa, representando uma remuneração não-tributária paga pelo usuário à concessionária exploradora do serviço. Quanto à jurisprudência, há uma inclinação dos tribunais em prol do caráter não-tributário do pedágio (no STF: Adin 447/93, Adin 800/92, RE 181475/RS e RE 194862). Os julgados, todavia, partem do equivocado pressuposto de que a natureza tarifária estaria assentada na contratualidade ou facultatividade (caráter não-compulsório) inerente ao serviço prestado pela concessionária. Tal argumento é inaceitável porque nem sempre o motorista encontra via alternativa à pista pedagiada, realidade que evidencia completa ausência de “liberdade contratual” por parte do usuário da rodovia. O fato é que as duas correntes supra-referidas equivocam-se ao supor que o termo “pedágio” remete a um instituto dotado de regime jurídico único e determinado. Na verdade, o art. 150, V, da CF faz uma referência, sem qualquer preocupação de ordem técnico-formal, à remuneração paga pela utilização de estradas. Isso porque se a rodovia for explorada por empresa privada (concessionária), o pedágio terá natureza de tarifa, por ser este o instrumento remuneratório aplicável às concessões em geral (Lei n. 8987/95). Verdadeiro disparate seria, em caso de rodovia concedida, conferir status tributário ao pedágio, já que a necessidade de pronta alteração nas cláusulas contratuais (a chamada “mutabilidade dos contratos administrativos”), com a conseqüente revisão de tarifas, é incompatível com as exigências estabelecidas pelos princípios tributários da legalidade (art. 150, I, da CF) e da anterioridade (art. 150, III, “b” e “c” da CF). Na hipótese de exploração direta da rodovia pelo Poder Público, não há falar-se em tarifa, diante da ausência da figura do concessionário incumbido da manutenção da atividade. Tampouco de tributo se trata. O pedágio não se ajusta a nenhuma das espécies tributárias existentes no ordenamento pátrio. Os empréstimos compulsórios (art. 148 da CF), as contribuições de melhoria (art. 145, III, da CF) e as contribuições especiais (art. 149 da CF) têm hipóteses de incidência inconciliáveis com a exação sub examine. Os impostos, por sua vez, são tributos desvinculados, cujo fato gerador consiste em situação independente de atividade estatal (art. 16 do CTN), sendo inaceitável imaginar imposto exigido para remunerar atuação do Estado. Finalmente, ao contrário do que muitos afirmam, o pedágio também não pode ser taxa, já que não há serviço público ou poder polícia sendo exercido em relação ao usuário (art. 145, II, da CF), pois, a rigor, o motorista paga para usar um bem público (a rodovia), e não existe “taxa de uso” no Brasil. Portanto, no caso de rodovias exploradas diretamente pelo Estado o pedágio é uma remuneração administrativa “sui generis”, desprovida de natureza tributária, não se encaixando, portanto, no conceito do art. 3º do Código Tributário Nacional. *Série publicada em cinco artigos no jornal Carta Forense (fevereiro a julho/2006)
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