TÓPICOS RELEVANTES PARA DESENHO DE REDES DE

Transcrição

TÓPICOS RELEVANTES PARA DESENHO DE REDES DE
TÓPICOS RELEVANTES PARA DESENHO DE REDES DE TRANSPORTE
COLETIVO A PARTIR DAS POLARIDADES URBANAS
Pedro Dias Geaquinto
Rômulo Dante Orrico Filho
Programa de Engenharia de Transportes
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
Uma fragmentação das atividades urbanas vem sido reportada nas últimas décadas nas grandes metrópoles. Como as
cidades tardam a responder a estímulos e desincentivos dos planejadores urbanos (territoriais, urbanísticos e de
transportes), avaliar problemas de caráter urbano é uma matéria sensível que deve ser discutida com razoabilidade.
Esse artigo avalia as formas urbanas que se polarizaram nas periferias e a maneira que os gestores públicos e
pesquisadores da área de transportes se articulam a essas tendências para geração de redes de transporte coletivo.
Para tal, o conceito de centralidade é abordado em métodos de desenho de rede, planos diretores e ferramentas para
avaliação espacial. Por fim, é formulado um procedimento conceitual para construção de desenho de redes a partir da
abstração de linhas estruturantes, hierarquia do transporte coletivo e locais de convergência.
ABSTRACT
In the last decades, a fragmentation of urban activities has been reported in the biggest metropolitan areas. Since
cities show slow responses to efforts of urban planners (including territorial and transportation planners), urban
issues are a fragile subject that should be discussed with reason. This article assesses the urban shapes which have
polarized in the outskirts and the way that policy makers and transportation field researchers are linked to these
trends in order to conceive public transit networks. In order to do this, the concept of centrality is examined within
network design methods, transport plans and spatial evaluation tools. Ultimately, a conceptual procedure is
determined under the abstraction of structural lines, transit hierarchy and convergence locations.
PALAVRAS-CHAVE
rede de transporte coletivo; polaridades urbanas; policentralidade
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nas últimas décadas, houve um importante fenômeno em um expressivo número de grandes
metrópoles. As cidades, que classicamente surgem e crescem a partir de um único centro que
concentra serviços e empregos, ao adquirirem uma dimensão maior, sistematicamente têm cedido
nas regiões mais periféricas novos territórios para tais atividades (Batten, 1995; Bertaud, 2004;
Brezzi e Veneri, 2014). Diversos fatores podem tanto estimular conformações policêntricas,
como topografia favorável e baixo valor imobiliário, contribuindo com a suburbanização e
fragmentação dos locais de emprego, quanto desestimular, incentivando conformações
monocêntricas, como sistemas radiais de transporte e facilidades abundantes na área. Esse
hipercentro ou distrito central de negócios (CBD, da sigla em inglês), antes único, perde seu
predomínio em função do surgimento de novas aglomerações de atividades geradoras de viagens
(Bertaud, 2004).
Esse fenômeno se caracteriza, portanto, por uma notória descentralização de suas densidades de
ocupação e se não bem observadas pelos responsáveis pela organização urbana, por exemplo,
planejadores de transportes ou de gestão territorial, podem reproduzir diversos problemas
progressivos, já que, como tradicionalmente pesquisadores reportam, há maior facilidade em
prover sistemas de transporte coletivo para a área mais central, uma vez que concentra mais
atividades, que por sua vez atraem mais usuários (Brezzi e Veneri, 2014; Brown e Thompson,
2012). A regionalização pode ocasionar outros variados efeitos inconvenientes, como aumento de
consumo energético, redução de áreas verdes e desorganização do uso do solo.
No que se refere a transportes, policentralidade muitas vezes é associada ao transporte individual
motorizado (Brezzi e Veneri, 2014). Se essas tendências não figurarem nos prognósticos que
conduzem estudos e ações no cenário urbano, essas ocorrências podem representar um cenário
ainda mais grave por apresentarem dificuldade de ser revertidas, uma vez que envolvem uma
dinâmica gradativa no quadro de densidades que leva diversos anos para acontecer: a estrutura de
ocupação urbana em cidades consolidadas é, por natureza, resiliente (Bertaud, 2002).
É necessário, sobretudo, para estudar esse campo, haver uma classificação adequada entre as
variadas interpretações no que diz respeito à mudança no quadro de densidades e as implicações
desse tipo de variância, especialmente os deslocamentos entre zonas. O carregamento de uma
viagem com determinados pontos de origem e destino depende da concentração de produção e
atração nesses pontos. Logo, a dispersão ou descentralização das densidades na fábrica urbana
pode ser designada tanto por fragmentação de polaridades de atração de viagens, compostas
classicamente por concentração de novos postos de emprego nas áreas periféricas (também
denominados subcentros ou centralidades periféricas), quanto por fragmentação de polaridades
de produção de viagens, caracterizados por espalhamento de empreendimentos residenciais
(processo também conhecido como suburbanização). Enquanto o termo “polaridade” pode ser
bem relacionado às extremidades (ou polos) dos deslocamentos, o termo “centralidade”,
entretanto pode incitar uma maior variedade de interpretações. A centralidade pode ser designada
por indicadores relacionados à natureza dos deslocamentos ou à conjuntura espacial da rede de
transportes (Kuby et al., 2004). Nesse trabalho, entretanto, centralidade e polaridade se
aproximam, não havendo disparidades nas utilizações dos termos.
A concepção de redes ou novas linhas de transporte coletivo é muito relevante para o
desenvolvimento urbano, já que há um estímulo natural para a maior ocupação nos territórios nos
quais é gerada maior oferta de transportes. Essa maior ocupação do uso do solo pode gerar maior
demanda por transportes, que se atendida completa o chamado ciclo dos transportes (Campos,
2013). Esse ciclo pode causar problemas operacionais sensíveis, como pendularidade e
desequilíbrio de ocupação entre sentidos, se houver predominância de investimentos a corredores
de transporte coletivo radiais a um único centro. Além disso, nessa situação, haverá obrigação de
transferências nas regiões centrais, mesmo para pessoas que não se destinam ao centro. Se houver
um número considerável de deslocamentos com destino às áreas periféricas, ainda que menor que
ao CBD, isso se configuraria como um sensível desestímulo do uso de transporte público (Brown
e Thompson, 2012). Portanto, é necessária visão estratégica para não reduzir o investimento de
transportes ao simples atendimento das maiores demandas pelo deslocamento.
O fenômeno de incentivo ao desenvolvimento pela oferta de sistemas de transportes pode (e
deve) ser previsto no planejamento territorial e urbanístico – o estímulo do desenvolvimento
orientado por corredores de transporte coletivo (ou TOD, da sigla em inglês para transportoriented development) pode trazer aspectos rendosos à mobilidade sustentável local e global,
como uso misto e compacto do solo e uso de transporte individual motorizado reduzido em favor
de transportes não motorizados e um bom carregamento no transporte coletivo. Entretanto, isso
depende da adaptação cultural dos moradores que residiam na região anteriormente ao processo
de desenvolvimento orientado e, mesmo com a nova oferta de transporte público, usuários cativos
de carros de passeio podem obstruir o desincentivo à motorização individual (De Vos et al.,
2014). Assim, para haver um sucesso no adensamento de corredores de transporte coletivo,
intervenções dessa espécie devem buscar regiões com maior densidade de atividades, uma vez
que geralmente demonstram maior aceitação do uso de bicicleta e transporte coletivo e, por
consequência, têm maior possibilidade de apoiar o TOD (Buchanan et al., 2006). Logo, o
fortalecimento de subcentros pode ser benéfico ao equilíbrio econômico de sistemas de transporte
coletivo, além de configurar os sistemas em menor distância em relação aos usuários.
O objetivo do presente trabalho será caracterizar os pontos fundamentais para desenhar e planejar
redes de transporte coletivo de modo a ofertar acessibilidade aos subcentros nas regiões
periféricas. Para isso será indispensável elaborar duas espécies de ferramentas: aquelas voltadas
para produção de desenho de redes e aquelas que auxiliem a identificação de centralidade na
fábrica urbana, ou seja, a localização de subcentros através de mecanismos lógicos ou
indicadores. Posteriormente a um ensaio que correlacione estudos que possam fundamentar
essas duas espécies de ferramentas, será viável produzir procedimentos para um aperfeiçoamento
nas abordagens de desenho e planejamento de redes.
2. O DESENHO DE REDES COMO PREVISÃO E SUPORTE DO PLANEJAMENTO
TERRITORIAL DESCENTRALIZADO
Primeiramente, é razoável explorar os formatos diversos de elaboração de configurações
espaciais de novas infraestruturas de transporte coletivo e ordenamento operacional, como
estruturação de rotas. Diferentes filosofias e metodologias para o desenho de redes serão
avaliadas a fim de que seja verificada a presença de métodos para suporte de subcentros nas
regiões periféricas. Esses procedimentos podem ser encontrados tanto de forma teórica, em
diversos formatos de literatura, quanto de forma prática, no planejamento de cidades e em
experiências reais.
Farahani et al. (2013) revisaram mais de uma centena de procedimentos de modelagem a respeito
de Problemas de Desenho de Rede de Transporte Urbano (ou UTNDP, da sigla em inglês). Foi
destacada a importância de integrar modelagens para enfoques em redes de vias rodoviárias e
enfoques redes de transporte público, uma vez que, em uma visão holística, esses não são
problemas isolados e suas variáveis influem umas nas outras, principalmente quando são
retratados serviços de transporte coletivo em vias compartilhadas, como ônibus. Esse tipo de
problema pode resultar tanto em decisões estratégicas, desenvolvendo uma nova rede através de
novas vias, quanto decisões tático-operacionais, promovendo um melhor desempenho da atual
rede. É relevante destacar que a maioria dos trabalhos de UTNDP tem teor exclusivamente
teórico e boa parte não engloba estudos de caso: apenas 38% da porção dos estudos que tratam
exclusivamente de transporte coletivo revisados por Farahani et al. (2013) utilizaram seus
métodos em situações reais.
Na literatura, para haver uma modelagem que colabore com uma conjuntura ótima dos sistemas
já prevista em sua concepção, há inclusão de diversos objetivos favoráveis ao usuário, como
mínimo tempo de viagem, e favoráveis ao operador, como mínimo custo operacional. Apesar de
que essa revisão reúna uma lista bem completa de problemas, os autores não apresentaram
ferramentas de que auxiliariam diretamente o desenho de redes a distribuir oferta de transporte
coletivo de uma maneira mais equilibrada entre as centralidades. O objetivo de máximo
atendimento de demandas, que também está incluso nos estudos de modelagem de transporte
público, atende preferencialmente a regiões com atração consolidada, ou seja, tanto o CBD
quanto às polaridades periféricas com estágio de desenvolvimento mais avançado. Entretanto, é
muito pouco provável que polos emergentes e, ainda muito menos provável, novos polos
desejados sejam mais expressivos na modelagem.
Outro objetivo relevante, também presente nas modelagens revisadas, é a máxima cobertura de
serviço que, apesar de ser relacionada com atendimento descentralizado, generaliza as áreas
periféricas e não considera focalizar pontos de articulação em específico que poderiam
simplificar a tarefa dos planejadores territoriais em orientar novos polos de desenvolvimento.
Brown e Thompson (2012) relataram um importante quadro comparativo sobre as implicações de
uma mudança de regime de cobertura de serviço em áreas periféricas no planejamento de redes de
transporte coletivo em cidades americanas. Os autores compararam diferentes políticas de
operação de transporte coletivo em dois condados, Tarrant e Broward, inseridos em regiões
metropolitanas americanas muito semelhantes em termos de dimensão e crescimento (Dallas-Fort
Worth no Texas e Miami na Flórida, respectivamente). Apesar de terem escalas semelhantes,
existe uma diferença muito importante em termos espaciais: Broward contém diversos centros de
negócios, sendo Fort Lauderdale o maior deles, enquanto Tarrant tem apenas uma região, Fort
Worth, que centraliza muito esse caráter. Historicamente, tanto o sistema floridano quanto o
sistema texano de transporte coletivo tinham a proposta semelhante de servir linhas de ônibus de
maneira radial aos seus maiores centros, porém nos anos 1980 foi decidido mudar o sistema de
Broward, aproveitando suas vias arteriais em uma grade ortogonal e contemplando sua ocupação
mais espraiada.
Desde então, o sistema de Broward aumentou sua ocupação, triplicando o número anual de
passageiros transportados em menos de trinta anos. Já o sistema texano tem impedâncias para
desenvolver uma independência do seu papel histórico, que é servir Fort Worth, sobretudo por
causa das particularidades do sistema de financiamento do Texas, em que cada comunidade
escolhe individualmente receber ou não os serviços. Os resultados mostram um melhor
desempenho para o sistema de Broward que, de 1984 até 2006, evoluiu de duas para quatro vezes
mais passageiros-quilômetro do que o sistema de Tarrant. Nesse período, os ônibus floridanos
ficaram de 1,5 a 2 vezes mais cheios, ainda que o sistema texano tenha aumentado a
produtividade desde 2005. O sistema de Broward também apresenta um maior uso per capita,
cinco vezes maior, e enquanto esse sistema tem uma boa produtividade devido sua racionalização
nos anos 80, o sistema texano tem apenas três rotas com grande clientela. Devido à forma urbana,
seria plausível esperar um melhor sucesso em Tarrant do que em Broward, já que o primeiro
oferece um hipercentro favorável à articulação do transporte coletivo. Entretanto, os resultados
mostram o contrário. Isso sugere que reestruturações de sistema para melhorar a conexão entre
pontos de origem e destino são muito mais importantes para maior uso do que a própria
conformação espacial desses pontos.
Por sua vez, Derrible e Kennedy (2010) destacam a importância do desenho de redes de
transporte coletivo em sistemas de transporte coletivo de grande escala. Ao constatarem que tais
sistemas são construídos de maneira orgânica, vezes por motivos comerciais, vezes por motivos
políticos, desenvolveram um método para comparar diversos sistemas de metrô quantitativamente
por parâmetros que designam características advindas da teoria dos grafos – estado, forma e
estrutura – e assim auxiliar eventuais procedimentos de concepção de redes. Com isso, é possível
fazer um diagnóstico das redes de transporte coletivo, indicando as fraquezas (por exemplo, redes
pouco diretas ou redes pouco conectadas) ocasionadas pelo seu desenho planejado de uma forma
espontânea, que provavelmente seriam minimizadas ou previstas se houvesse uma preocupação
em se ter uma visão global no desenho. Após a análise das diversas redes, os autores concluem
que uma boa maneira de integrar redes com características expressas e conectadas ao mesmo
tempo é a presença de linhas tangenciais e/ou circunferenciais.
Mesmo com um fenômeno de fragmentação das cidades ocorrendo mundo afora, é comum
observar certa desconsideração aos subcentros que se desenvolvem nas periferias, principalmente
nas cidades em países em desenvolvimento, nas quais o desenvolvimento é desorganizado. Na
cidade do Rio de Janeiro, o subcentro de Campo Grande, forte centralidade na extrema Zona
Oeste, vivenciou uma forte expansão demográfica e um natural acompanhamento da oferta de
varejo e serviços. Entretanto, os investimentos em transportes são escassos, reforçando o caráter
de isolamento espacial que o bairro tem, o que, por sua vez, impulsiona o transporte alternativo e
o mercado informal (Fonseca, 2013). Apesar de existir na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro o Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU), alguns pontos de sua metodologia para
proposição e simulação de nova infraestrutura para transporte coletivo podem ser interpretados
como incertos. Pode-se citar como exemplo a construção da Rede Básica de 2021, a qual foi feita
a partir de um processo participativo, através de entrevistas a 21 stakeholders envolvidos no meio
de transportes. Não houve uma entrada dos dados levantados para composição das 35 linhas
propostas e mesmo a eliminação de propostas foi por meio de pesquisa de opinião. Esse quadro
se agrava após análise do quadro de entrevistados, que contém pessoas do meio político e de
empresas de transportes, podendo resultar em uma escolha tendenciosa, apesar de haver uma
presença de entrevistados do meio técnico (Rio de Janeiro, 2014). Por essa razão, é necessário
avaliar não somente modelos teóricos, mas também o que é aplicado em planos de mobilidade.
Na Nova Zelândia, a partir de Julho de 2015, é compulsória a composição de um plano regional
de transporte público por todas as regiões metropolitanas, de acordo com a lei Land Transport
Management Act de 2003 (New Zealand, 2003). Além de uma natural inclusão de políticas
nacionais integradas em planos regionais, os requerimentos estatutários da lei e as recomendações
dadas pela agência nacional de transportes demonstram atenção nos aspectos de sinergia
institucional, em especial entre os planos regionais de longo prazo, os planos regionais de
transportes terrestres, as estratégias licitatórias e, por fim, os gestores de território, já que
controlam infraestruturas de transporte. Outro objetivo é a renovação da qualidade dos sistemas
de transporte público, elaborando práticas que podem aumentar a atratividade do sistema para
operadores, como delimitação de áreas exclusivas de mercado e políticas de acessibilidade aos
mais vulneráveis, visando deficientes e pessoas com situação financeira delimitada ou moradias
afastadas (New Zealand, 2003; NZ Transport Agency, 2013).
Nas recomendações da agência, é destacada a importância de uma revisão global do transporte
coletivo, uma vez que a simples adição de novas linhas pode não reformar os sistemas de forma
adequada e seja necessária um eventual redesenho das redes tradicionais. É mandatório
identificar os serviços que sejam integrais às redes de transporte coletivo e a orientação é que
esses serviços sejam destacados em linhas estruturantes sem as quais o sistema não possa operar
eficientemente. Em especial para o atual estudo, há preocupação nas recomendações em
considerar uma maior cobertura de rede, atendendo áreas periféricas e antevendo a expansão do
sistema no futuro para polos emergentes. O sistema de Auckland, a maior cidade neozelandesa,
pôde ter sua frequência e, por consequência, sua confiabilidade aumentada, graças à
racionalidade obtida da redução do número de linhas de ônibus. Com esse novo cenário, novas
linhas estruturantes de transporte coletivo nas áreas periféricas puderam ser implementadas (NZ
Transport Agency, 2013).
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), encomendado pelo governo de Minas
Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte, estabelece diretrizes no âmbito de
políticas setoriais e desenvolvimento múltiplo de polos, sendo, portanto, uma boa referência a
nível nacional. Apesar de que ainda possa haver um melhor alinhamento entre os diversos corpos
planejadores independentes para evitar problemas de concorrência entre modos, o plano
estabelece que a infraestrutura tem a função de orientar uma gestão territorial que fomente um
desenvolvimento mais homogêneo. Por considerar a estrutura policêntrica como inevitável, o
PDDI estabeleceu uma rede de mobilidade na qual suas linhas estruturantes são baseadas na
hierarquia das conexões entre os principais centros urbanos identificados na região metropolitana
(Oliveira e Ribeiro, 2014).
3. FERRAMENTAS DE INDICAÇÃO DE CENTRALIDADE E POLARIDADES
POTENCIAIS
Como visto na seção anterior, apesar de existirem dezenas de metodologias (praticadas ou não)
para o aperfeiçoamento do desempenho das redes em sua própria concepção, há uma escassez de
atributos que se melhorados ofereceriam diretamente maior acessibilidade às atividades nas
centralidades periféricas e, por consequência, fortalecendo-os. Esse tipo de modelagem seria
suficiente sob uma ótica tático-operacional, todavia, no planejamento estratégico, é prudente
integrar políticas de transporte com políticas territoriais de uso do solo, uma vez que as demandas
por transporte são derivadas de outras atividades inerentes da ocupação urbana. Dessa maneira,
são importantes o desenvolvimento e a concentração de novas ferramentas para localizar polos
emergentes e consolidados ou mesmo localidades que tenham potencial para o desenvolvimento
de polos projetados.
Através de uma análise dos diversos sistemas americanos de veículo leve sobre trilhos com uma
regressão linear múltipla relacionando entrada de usuários em cada estação e diversas variáveis,
Kuby et al. (2004) desenvolveram uma ferramenta robusta para antevisão de localização de
polaridades consolidadas ou potenciais. Uma das variáveis estudadas, a acessibilidade (medida
em tempo de viagem) a todas outras estações do sistema, revela que as regiões mais acessíveis
para o resto do sistema atraem mais usuários. Por ser uma variável muito significante, o tempo de
viagem de cada ponto ao resto do sistema demonstra como a conjuntura espacial das redes é
importante, já que a própria concepção do desenho desenvolverá regiões de maior polaridade. O
ponto que chama atenção aos autores é que nem sempre a região mais central no sistema coincide
com o CBD, como em três dos nove sistemas estudados, indicando polaridades em regiões
também periféricas.
Os atributos avaliados em cada cidade podem ser divididos entre os atributos relacionados à
conjuntura de viagens atual (variáveis que influenciam geração de viagens e forças
socioeconômicas) e os atributos relacionados puramente à conformação espacial do sistema
(conexões intermodais e diversas variáveis relativas à estrutura de rede, como estações de
integração intramodal; acessibilidade normalizada a todas outras estações do sistema). Quanto ao
aspecto de atendimento de polaridades, pode-se constatar que os atributos do primeiro grupo
estejam mais relacionados aos polos mais consolidados (como o CBD e algumas polaridades
periféricas mais desenvolvidas) e os atributos do segundo grupo estejam relacionados a
localidades com um número naturalmente maior de usuários devido somente ao posicionamento
na estrutura espacial do sistema de transportes, e por consequência, bons locais para
desenvolvimento de subcentros.
Nabais e Portugal (2006) abordaram um problema semelhante: a importante e frágil seleção de
estações para integração intermodal. Um modelo teórico bem utilizado é o Índice de Potencial de
Integração de Estações (IPIE) em que se somam as variáveis favoráveis à integração (positivas)
às variáveis desfavoráveis à integração (negativas), com seus pesos respectivos. Esse modelo foi
utilizado pela SuperVia, sistema de trens urbanos no Rio de Janeiro, na forma de
"potencialidades" e "restritividades" e observou-se um acréscimo de 30% de embarques nas
estações onde se escolheu a integração. Entretanto, os pesos e notas dessas variáveis são na
maioria dos casos subjetivos e há divergências entre as diferentes formas de utilização desse tipo
de modelo.
A partir da necessidade de parâmetros mais exatos, é possível utilizar a teoria de grafos para obter
quantitativamente valores de centralidade. Existe a possibilidade de utilizar na engenharia de
transportes indicadores de centralidade para vértices em uma rede, elementos presentes em
ciências sociais. São as centralidades: de intermediação, que informa a dependência de um
elemento em relação aos demais; de proximidade, que identifica a rapidez de acesso de um
elemento aos demais; de informação, que fornece o número de ligações diretas com os demais
elementos (Gonçalves et al., 2005). O procedimento proposto por Nabais e Portugal (2006) é
baseado na premissa de que estações em regiões de maior centralidade têm mais potencial para
integração.
É possível então usar esse tipo de ferramenta com uma metodologia proposta: delimitar a área de
influência do ramal ferroviário que será objeto de estudo; estabelecimento dos fluxos a partir de
dados de origem-destino, sistema viário e outras linhas de transporte público; elaboração do
grafo; cálculo de indicadores; hierarquização das estações. Esse procedimento metodológico pode
ser potencializado caso seja utilizado em conjunto com as ferramentas de avaliação de atributos
relacionados à conformação espacial apresentadas por Kuby et al. (2004).
A fim de sustentar a hipótese de que polos geradores de viagens (PGV) são pontos importantes na
formação de centralidades, Kneib et al. (2010) utilizaram-se de uma metodologia para
identificação de centralidades, baseada em estatística espacial, para focalizar a variável geração
de viagens em um estudo de caso específico, no município de Manaus. Ao contrário de trabalhos
anteriores, que identificam densidade e número de empregos, esse método independe do uso de
solo dos subcentros, que pela definição adotada é uma área com maior número de viagens
geradas do que as áreas vizinhas.
As viagens gerais de cada zona de tráfego selecionada, disponíveis em uma pesquisa origemdestino, são calculadas para uma última fase de comparação com as viagens geradas referentes
aos PGVs. O estudo de caso reforça que PGVs favorecem a formação de centralidades na fábrica
urbana, já que de 15 subcentros analisados, 10 apresentaram mais de 60% de viagens relacionadas
aos PGVs. Dessa forma, deve-se analisar o potencial de formação dessa centralidade e relacionar
isso à infraestrutura adjacente. Assim, poderá ser sabido se tal atividade polar incipiente deve ser
potencializada ou contida.
Portanto, a pesquisa feita nesse documento oferece de maneira funcional um importante
ferramental para identificação de subcentros, complementando as metodologias que se utilizam
apenas de número de empregos. É importante haver uma investigação da utilização de tais
métodos apresentados em outras conjunturas urbanas, investigação das relações dos PGVs
referentes às atividades domiciliares e articular essas ferramentas com planejamento de transporte
coletivo articulando-o com o uso do solo e a acessibilidade aos polos geradores de viagens.
4. SÍNTESE DE MODELOS DE CONCEPÇÃO DE REDES
Diante das ferramentas apresentadas, é possível construir uma plataforma conceitual para a
construção de redes. Primeiramente, o sistema deve ser racionalizado, reduzindo as rotas mais
dispersas e numerosas a apenas aquelas que sejam mais integrais ao sistema, formando uma rede
de linhas estruturantes (Brown e Thompson, 2012; NZ Transport Agency, 2013). Isso se deve ao
fato que devem ser ofertadas frequências adequadas que agradem aos potenciais usuários. Para
isso, o auxílio de ferramentas de modelagem é essencial para adequar soluções ótimas aos
múltiplos objetivos desejados, dentre eles o tempo de espera (Farahani et al., 2013).
A partir das linhas estruturantes, deve haver uma avaliação sobre a dimensão das polaridades
existentes. Dessa forma, pode-se conhecer se o transporte é sub ou superofertado para a região,
embasando uma gestão territorial orientada pelos sistemas de transportes (Kneib et al., 2010).
Além disso, havendo um diagnóstico sobre o nível de desenvolvimento das diversas centralidades
periféricas, é possível estimar uma hierarquia viária para a rede de linhas estruturais planificada
e, por consequência, um projeto com capacidades e modos de transportes adequados (Oliveira e
Ribeiro, 2014).
Em última instância, é relevante a necessidade de antever o aparecimento de polos de
desenvolvimento nas regiões mais prováveis ou mesmo planejar polos de desenvolvimento, com
o auxílio da oferta de transporte, nas regiões mais convenientes (Nabais e Portugal, 2006). Para
isso, o mais sensato seria analisar a rede de uma maneira holística a fim de encontrar as melhores
condições de centralidade potencial (Gonçalves et al., 2005; Kuby et al., 2004; Nabais e Portugal,
2006). Dessa forma, seriam estabelecidos locais de convergência nas linhas estruturantes, onde se
pode conduzir o fortalecimento dos subcentros e ofertar integrações periféricas intra e
intermodais através de linhas periféricas – estas podem coincidir com formatos tangenciais ou
circunferenciais, que segundo Derrible e Kennedy (2010) são as formas que reúnem mais
equilibradamente as qualidades expressas e conectadas às redes de transporte coletivo.
Vale ressaltar que esse procedimento metodológico dessas três etapas de construção de rede de
linhas deve ser feito com iterações, para que os resultados objetivos se retroalimentem e assim
haja um processo integrado de desenho de redes de transporte coletivo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É prudente dizer que existe um fenômeno de fragmentação das atividades urbanas que tem
chamado a atenção de diversos pesquisadores nas últimas décadas. Como as cidades tardam a
responder a estímulos e desincentivos dos planejadores urbanos (territoriais, urbanísticos e de
transportes), avaliar problemas de caráter urbano é uma matéria sensível que deve ser discutida
com razoabilidade.
Ao decorrer desse trabalho, foram avaliados estudos de diversas naturezas e objetivos, cujo
escopo em comum foram as relações entre o desenvolvimento de centralidades e o planejamento
de desenhos de rede de transporte coletivo. Dessa forma, será possível compor sistemas que, além
de reproduzir respostas às tendências de deslocamento, poderão se integrar a um planejamento
urbano que não consistiria apenas da rede de transportes, mas aproximado também às abstrações
urbanísticas e territoriais, embasando uma visão mais holística das cidades. A partir dessa
revisão, pôde-se utilizar a literatura como ferramenta de elaboração de um procedimento conceitual
para o desenho de redes em três frentes: compor uma rede de linhas estruturantes de transporte
coletivo; organizar uma estrutura hierárquica entre polos e conexões, a partir da avaliação da
dimensão das centralidades atendidas; estabelecer locais de convergência, de acordo com
integrações e centralidades. Em pesquisas futuras, é aconselhável a exploração de novas
perspectivas para delinear ferramentas que auxiliem especificamente a concepção de rede que
abranjam esses três pontos.
Por fim, foi constatada a pertinência da aproximação das modelagens e procedimentos aqui
discutidos a aplicações práticas em estudos futuros. Esse distanciamento pode ser atenuado
através de estudos de caso, ou mesmo problemas mais específicos, inspirados em situações reais.
As dificuldades encontradas em cidades em países emergentes são de qualidade e dimensão
distintas de cidades com sistemas urbanos consolidados. Ainda que tal conjuntura possa ser
desafiadora, haverá espaço para que novas ideias, abordagens e soluções sejam exploradas a fim
de reverter imperfeições de forma criativa e progressiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Batten, D. F. (1995) Network cities: creative urban agglomerations for the 21st century. Urban studies, 32(2), 313–
327.
Bertaud, A. (2002) Note on Transportation and Urban Spatial Structure. Annual Bank Conference on Development
Economics (p. 11). Washington, DC.
Bertaud, A. (2004) The spatial organization of cities: Deliberate outcome or unforeseen consequence? (No. WP2004-01). Berkeley.
Brezzi, M., e Veneri, P. (2014) Assessing Polycentric Urban Systems in the OECD: Country, Regional and
Metropolitan Perspectives (No. 2014/01). OECD Regional Development Working Papers.
Brown, J. R., e Thompson, G. L. (2012) Should Transit Serve the CBD or a Diverse Array of Destinations? A Case
Study Comparison of Two Transit Systems. Journal of Public Transportation, 15(1), 1–18.
doi:10.1093/carcin/bgs041
Buchanan, N., Barnett, R., Kingham, S., e Johnston, D. (2006) The effect of urban growth on commuting patterns in
Christchurch, New Zealand. Journal of Transport Geography, 14(5), 342–354.
doi:10.1016/j.jtrangeo.2005.10.008
Campos, V. B. G. (2013) Planejamento de transportes: conceitos e modelos de análise. (1o ed). Interciencias, Rio de
Janeiro.
De Vos, J., Van Acker, V., e Witlox, F. (2014) The influence of attitudes on Transit-Oriented Development: An
explorative analysis. Transport Policy, 35, 326–329. doi:10.1016/j.tranpol.2014.04.004
Derrible, S., e Kennedy, C. (2010) Characterizing metro networks: State, form, and structure. Transportation, 37(2),
275–297. doi:10.1007/s11116-009-9227-7
Farahani, R. Z., Miandoabchi, E., Szeto, W. Y., e Rashidi, H. (2013) A review of urban transportation network
design problems. European Journal of Operational Research, 229(2), 281–302. doi:10.1016/j.ejor.2013.01.001
Fonseca, P. R. (2013) As contradições entre centralidade e mobilidade na periferia do Rio de Janeiro: o caso do
bairro de Campo Grande. Chão Urbano (Online), 1, 1–20.
Gonçalves, J. A. M., Portugal, L. da S., e Boaventura Netto, P. O. (2005) As potencialidades de indicadores de
centralidade no estudo de um corredor ferroviário. XIX ANPET - Congresso de Pesquisa e Ensino em
Transportes (p. 643–653). Recife.
Kneib, E. C., Silva, P. C. M. da, e Portugal, L. da S. (2010) Impactos decorrentes da implantação de pólos geradores
de viagens na estrutura espacial das cidades. Transportes, 18(1), 27–35.
Kuby, M., Barranda, A., e Upchurch, C. (2004) Factors influencing light-rail station boardings in the United States.
Transportation Research Part A: Policy and Practice, 38(3), 223–247. doi:10.1016/j.tra.2003.10.006
Nabais, R. J. da S., e Portugal, L. da S. (2006) Utilização de critérios de centralidade para seleção de estações de
integração multimodal. PLURIS 2006, 2o Congresso Luso-Brasileiro para o Planeamento Urbano, Regional,
Integrado e Sustentável. Braga.
New Zealand. Land Transport Management Act. (2003). New Zealand.
NZ Transport Agency. (2013) 2013 Guidelines for Preparing Regional Public Transport Plans. Wellington.
Oliveira, M. H. de S., e Ribeiro, R. G. (2014) Conflitos e oportunidades no planejamento dos transportes
metropolitanos no contexto de implantação do projeto de transporte sobre trilhos metropolitano na RMBH.
XXVIII ANPET - Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes. Curitiba.
Rio de Janeiro. (2014) Relatório 7 do Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro – Planejamento de Transporte e Plano de Ações para Viabilizar a Alternativa Mínima. Rio de Janeiro.