Tradição e Razão - Samuel de Paiva Pires

Transcrição

Tradição e Razão - Samuel de Paiva Pires
Tradição e Razão
Leituras de liberais, conservadores e comunitaristas
Samuel de Paiva Pires
Orientador: Professor Catedrático Doutor José Adelino Maltez
Projecto de Tese de Doutoramento em Ciências Sociais
na especialidade de Ciência Política
Lisboa
Junho de 2014
Índice
Introdução .............................................................................................................................................. 3
Problemática ........................................................................................................................................... 8
Enquadramento teórico ....................................................................................................................... 12
Enquadramento metodológico ............................................................................................................ 15
Cronograma .......................................................................................................................................... 18
Índice Provisório ................................................................................................................................... 19
Referências bibliográficas .................................................................................................................... 20
Bibliografia a consultar......................................................................................................................... 22
2
Introdução
“A crise da modernidade é principalmente a crise da filosofia política moderna,” 1
segundo Leo Strauss, que concebe a modernidade como resultando de três ondas, a primeira
provocada por Maquiavel e Hobbes, a segunda por Rousseau e a terceira por Nietzsche. 2
Enquanto a democracia liberal e o comunismo são o resultado das duas primeiras ondas, a
terceira terá como implicação natural o fascismo,3 que encontrou no que Strauss designa por
niilismo alemão4 um solo fértil para a sua evolução e transposição para a praxis política.
Se a primeira onda representa a rejeição da tradição teológica e filosófica, 5
provocando a separação entre a moral e a política, secundarizando-se, consequentemente, os
fins da política e passando esta a ser encarada como um problema técnico,6 já a segunda
resultará não apenas do impacto da obra e pensamento de Rousseau, mas também do
advento da dúvida cartesiana, que inaugura, segundo Hannah Arendt, a filosofia moderna,
que tem consistido na “manifestação e ramificações da dúvida”,7 cuja universalidade penetra
os domínios da razão e da fé.8
Kierkegaard “levou a dúvida ao próprio cerne da religião moderna,” 9 mas seria
Nietzsche a encontrar Deus morto no coração dos homens, que por sua vez pretenderiam
elevar-se à categoria de deuses.10 Segundo Eric Voegelin, a morte de Deus está no cerne do
objectivo do gnosticismo de destruir uma determinada ordem imperfeita e injusta e substituíla por outra perfeita e justa criada pelo homem11 e é na construção desta ordem que, para
Albert Camus, começa “o esforço desesperado para criar, pagando o preço do pecado se
necessário, o domínio do homem.”12 Desta forma, de acordo com José Adelino Maltez, o
deicídio dá-se “quando se considerou que o vértice integrador do cosmos, que a cúpula da
humanidade seria ocupada pela nossa consciência individual, pelo pensamento de um só
1
Leo Strauss, “The Three Waves of Modernity,” in An Introduction to Political Philosophy (Detroit: Wayne State
University Press, 1989), 82.
2
Ibid., 81-98.
3
Ibid., 98.
4
Leo Strauss, “German Nihilism,” Interpretation 26, no. 3 (1999): 353–378.
5
Strauss, “The Three Waves of Modernity”, 86.
6
Ibid., 87.
7
Hannah Arendt, A Condição Humana (Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2001), 338-339.
8
Ibid., 341.
9
Ibid.
10
Friedrich Nietzsche, “The Gay Science” (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), 119-120.
11
Eric Voegelin, Science, Politics and Gnosticism, 3.a ed. (Wilmington: ISI Books, 2004), 39.
12
Albert Camus, The Rebel (London: Penguin Classics, 2000), 31.
3
sujeito, voltado sobre si mesmo,” não sem que antes o homem concebido por Descartes
“como dono e senhor da natureza,” se assumisse também como “dono e senhor da
sociedade,” principalmente depois da Revolução Francesa, por influência do cientismo e do
idealismo alemão, para mais tarde vir ainda a procurar controlar “o mundo pela ciência e a
sociedade por um Estado totalitário.”13
Assim surge o Estado moderno, segundo Max Weber, quando “a legitimidade
tradicional foi substituída pela legitimidade racional,” 14 resultado principal d’O Contrato
Social, obra em que, ao procurar restaurar a clássica concepção republicana da liberdade
como participação política, Rousseau teoriza a vontade geral, que “é sempre recta e tende
sempre para a utilidade pública,”15 como o resultado da dedução racional dos homens. É a
vontade geral que enforma a soberania popular à qual todos os constituintes de um corpo
político têm de se submeter, já que, como observa Isaiah Berlin, o “Estado somos nós e outros
como nós, todos buscando o nosso bem comum.” 16 Também Camus assinala o ataque à
ordem tradicional protagonizado pel’O Contrato Social, que “amplifica e dogmaticamente
explica a nova religião cujo deus é a razão, confundido com a Natureza, e cujo representante
na Terra, em vez do rei, é o povo considerado como uma expressão da vontade geral,”17 o que
está em linha com a observação de Gertrude Himmelfarb de que a “razão não foi apenas
colocada contra a religião, definida em oposição à religião; foi-lhe implicitamente garantido o
mesmo estatuto absoluto e dogmático da religião.”18
A este racionalismo dogmático produzido pelo Iluminismo Francês opõem-se as
concepções do Iluminismo Escocês, onde pontificaram autores como Adam Smith, David
Hume, Bernard Mandeville e Adam Ferguson, e que teve como expoente da sua prática o
partido dos Old Whigs, onde se destacou Edmund Burke. Este último, o pai do
conservadorismo moderno, mas que muito influencia o liberal Friedrich Hayek, chegando este
a considerar-se um Old Whig,19 talvez tenha resumido a abordagem do Iluminismo Escocês e
13
José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política: Introdução à Teoria Política, 2.a ed. (Lisboa: Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1996), 366.
14
Ibid., 367.
15
Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, 5.a ed. (Mem Martins: Publicações Europa-América, 2003), 35.
16
Isaiah Berlin, Rousseau e Outros Cinco Inimigos Da Liberdade (Lisboa: Gradiva, 2005), 69.
17
Camus, The Rebel, 85.
18
Gertrude Himmelfarb, The Roads to Modernity: The British, French and American Enlightenments (New York:
Vintage Books, 2004), 152.
19
F. A. Hayek, The Constitution of Liberty (London: Routledge, 2006), 353.
4
a oposição às ideias francesas quando questionou, “Mesmo em assuntos que estão, por assim
dizer, dentro do nosso alcance, o que seria do mundo se a prática de todos os deveres morais
e as fundações da sociedade dependessem de as suas razões serem tornadas claras e
demonstradas a cada indivíduo?”20
Burke e os Iluministas escoceses são representantes do que Hayek considera o
verdadeiro individualismo, que encara o “homem não como um ser altamente racional e
inteligente mas sim muito irracional e falível, cujos erros individuais são corrigidos apenas no
decurso do processo social.” 21 Trata-se de uma perspectiva que possui uma concepção
evolucionista e anti-construtivista da sociedade, sendo esta tido como o resultado de um
processo espontâneo de crescimento cumulativo que produz ordem social através da
interacção entre instituições, hábitos, costumes, lei e forças sociais impessoais, em que as
instituições são o produto de um complexo processo histórico, caracterizado pela
experimentação, ou seja, por tentativa e erro. Desta forma, a civilização não é uma criação
resultante de uma construção racional, mas o imprevisto e “não intencionalmente pretendido
resultado da interacção espontânea de inúmeras mentes numa matriz de valores, crenças e
tradições não racionais ou supra racionais.”.22
Já o individualismo falso seria representado precisamente por Descartes, Rousseau, os
Enciclopedistas e os fisiocratas, que ao acolherem o racionalismo moderno acabam
inevitavelmente por progredir, em oposição ao individualismo, para ideologias e sistemas de
pensamento colectivistas.
23
Este racionalismo moderno, alvo de crítica por Michael
Oakeshott,24 foi objecto das observações de Burke a respeito da Revolução Francesa,25 em
que procurou responder directamente a Rousseau. Mas a dúvida cartesiana, a morte de Deus
e o endeusamento da razão tornaram-se características dominantes da filosofia moderna e da
concepção moderna do mundo, que assim se virou contra a tradição e passou a ter no seu
cerne a impossibilidade de conhecer a verdade e a impossibilidade de ter certezas,
20
Edmund Burke, “A Vindication of Natural Society,” in A Philosophical Enquiry into the Sublime and Beautiful
(London: Penguin Classics, 1998), 5.
21
F. A. Hayek, “Individualism: True and False,” in Individualism and Economic Order (Chicago: The University of
Chicago Press, 1996), 8-9.
22
Linda C. Raeder, “The Liberalism/Conservatism Of Edmund Burke and F. A. Hayek: A Critical Comparison,”
HUMANITAS X, no. 1 (1997), consultado em 11 de Novembro de 2013, http://www.nhinet.org/raeder.htm.
23
Hayek, “Individualism: True and False”, 4.
24
Michael Oakeshott, “Rationalism in Politics,” in Rationalism in Politics and Other Essays (Indianapolis: Liberty
Fund, 1991), 5–42.
25
Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France (Oxford: Oxford University Press, 2009).
5
características que perpassam toda a moralidade moderna. 26 Nietzsche estava, segundo
Roger Scruton, “ciente dos dilemas da modernidade,” argumentando que até então “as nossas
crenças e os conceitos usados para as formular foram o esteio transcendental da fé religiosa,”
mas que agora tudo havia mudado, já que nascemos “num mundo onde não há certezas,” em
que a vida humana se torna problemática por corrermos o risco de já nada ter significado ou
valor, 27 mas seria outra figura da terceira onda da modernidade, Karl Marx, a colocar um
ponto final na autoridade da tradição do pensamento político desde Platão, de acordo com
Arendt.28
Se considerarmos, secundando Strauss, que o niilismo se caracteriza pelo “desejo de
destruir o mundo presente e as suas potencialidades, não acompanhado por qualquer
concepção clara do que se quer colocar no lugar deste,”29 e que, portanto, significa a rejeição
dos princípios da civilização,30 num contexto em que a razão é endeusada não surpreende
que, segundo Edward Feser, a rejeição de qualquer tipo de instituição ou código de
comportamento que não seja racionalmente justificado pareça ser uma característica
distintiva da modernidade.31
Todavia, no séc. XX, é de destacar uma corrente de pensamento na qual se incluem
pensadores liberais e conservadores que procuraram precisamente identificar e defender os
principais fundamentos da democracia liberal com base no conceito de tradição. Conforme
Stephen Turner salienta, fizeram-no “encontrando argumentos para a sua indescritibilidade e
irredutibilidade a credos ou doutrinas explícitas; para a inadequação de ser caracterizada por
meio de noções como normas, valores ou princípios; e para as peculiares qualidades tácitas e
de compromisso que possuía,” ao mesmo tempo que evitaram os erros do racionalismo
característico de sistemas ideológicos fechados. Os principais representantes desta corrente
são Friedrich Hayek, Karl Popper, Michael Polanyi, Isaiah Berlin, Edward Shils, Michael
Oakeshott e T. S. Eliot.32
Shils é o autor da mais completa obra sobre o conceito de tradição, intitulada Tradition,
26
Arendt, A Condição Humana, 341-343.
Roger Scruton, Breve História Da Filosofia Moderna (Lisboa: Guerra e Paz, 2010), 253.
28
Hannah Arendt, The Promise of Politics (New York: Schocken Books, 2005), 70–92.
29
Strauss, “German Nihilism”, 359.
30
Ibid., 364.
31
Edward Feser, “Hayek on Tradition,” Journal of Libertarian Studies 17, no. 1 (2003): 17.
32
Stephen Turner, “The Significance of Shils,” Sociological Theory 17, no. 2 (1999): 131.
27
6
publicada em 1981. Este é um marco de suma importância, porquanto, citando Shils, “Este
livro sobre tradição é prova da necessidade de tradição. Se existissem outros livros
abrangentes sobre tradição e tradições, este livro teria sido melhor. (…) Mas não existe tal
livro.”33 Mais recentemente, porém, Josef Pieper debruçou-se sobre a temática da tradição.34
Por outro lado, encontramos abundante literatura sobre a razão e o racionalismo,
desde logo nos próprios autores liberais e conservadores referidos. Há, efectivamente, uma
relação inegável entre tradição e razão que marca a história da modernidade e a teoria política
moderna e contemporânea. Nesta encontramos ainda uma terceira perspectiva teórica, o
comunitarismo, que entre as suas preocupações tem precisamente esta relação, embora os
seus autores mais proeminentes (Alasdair MacIntyre, Michael Walzer, Michael Sandel e
Charles Taylor) recusem o rótulo de comunitaristas. Trata-se de uma perspectiva que emergiu
em reacção às ideias plasmadas por John Rawls em A Theory of Justice, contestando a
concepção individualista e as pretensões universalistas do liberalismo e dando particular
relevo às tradições e particularidades de cada sociedade,35 o que vai ao encontro da visão do
filósofo conservador Scruton.
Neste contexto torna-se particularmente oportuno investigar a forma como estas
perspectivas teóricas concebem a relação entre tradição e razão. Assim, a principal justificação
da escolha do tema desta tese reside na pertinência de analisar a relação entre tradição e
razão nas teorias políticas do liberalismo, conservadorismo e comunitarismo, contribuindo
para iluminar divergências e convergências entre estas mesmas teorias. Para este efeito, na
senda de José Adelino Maltez, adoptamos a visão de que neste processo importa mais a
“provocação do que a certeza e (…) talvez tenham menos valor as respostas que formos dando
do que as novas perguntas que formos suscitando,”36 pelo que recorreremos ao modelo da
lógica tópica, evitando os sistemas fechados da lógica axiomática e da lógica conceitual e
adoptando o perspectivismo, “o andar à volta de uma questão na praça pública, através de
diferentes pontos de vista, olhando um problema de diversos lugares (topoi) e através de
diferentes pessoas,” 37 bem como aos paradigmas interpretativista e neo-institucionalista.
33
Edward Shils, Tradition (Chicago: The University of Chicago Press, 1981), vii.
Josef Pieper, Tradition: Concept and Claim (South Bend: St. Augustine’s Press, 2010).
35
Daniel Bell, “Communitarianism,” The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2013, consultado em 3 de Maio de
2014, http://plato.stanford.edu/archives/fall2013/entries/communitarianism/.
36
Maltez, Princípios de Ciência Política: Introdução À Teoria Política, 23.
37
Ibid., 25.
34
7
Problemática
Considerar filosoficamente a relação entre tradição e razão que marca a modernidade
e diversas correntes da teoria política moderna e contemporânea, impele-nos a encarar esta
relação como um problema em torno do qual temos de circular “através de diferentes
argumentos e dos mais variados pontos de vista, buscando, de maneira interdisciplinar, a
inteligibilidade do real.”38
Efectivamente, esta problemática encontra-se intimamente ligada ao Iluminismo e às
diversas vertentes deste, pelo que teremos de analisar as principais concepções dos diferentes
Iluminismos, em particular o francês e o escocês. Estando a rejeição da autoridade da tradição
no cerne da Revolução Francesa, seria um opositor desta, Burke, segundo Russell Kirk, quem,
a propósito dos acontecimentos em França, defenderia a tradição contra a razão abstracta
melhor do que qualquer outro autor precedente.39 No nosso tempo, este papel talvez caiba a
Oakeshott ou a Scruton. Para este último, o conceito de tradição abarca “todo o tipo de
costume, cerimónia e participação na vida institucional, em que o que é feito é-o, não
mecanicamente, mas por uma razão, e em que essa razão reside não no que será, mas no que
foi.”40
Para José Adelino Maltez, “Tradição tanto é o acto de transmissão de um conjunto de
valores morais e espirituais, como integra cada um deles numa corrente de conhecimento e
de sabedoria provindas de plurais fontes culturais. (…) A autêntica tradição sempre admitiu o
verdadeiro progresso, porque este nunca pode ser visto decepadamente, como um mito
desprendido das origens.”41
A dinâmica entre tradição e razão relaciona-se intrinsecamente com a noção de
mudança e está no centro do conceito de ordem espontânea de Hayek, a auto-organização
dos elementos que compõem uma ordem social, que obedecem a regras comuns sem ter um
propósito singular definido, prosseguindo uma miríade de objectivos diferentes. John Gray
resume as características das ordens espontâneas: i) as instituições sociais surgem como
resultado da acção humana mas não do desenho humano; ii) nestas ordens tem primazia o
38
José Adelino Maltez, Abecedário Simbiótico (Lisboa: Campo da Comunicação, 2011), 24–25.
Russell Kirk, The Conservative Mind: From Burke to Eliot, 7.a ed. (Washington, D.C.: Regnery Publishing, 2001),
46.
40
Roger Scruton, The Meaning of Conservatism, 3.a ed. (Basingstoke: Palgrave, 2001), 30.
41
José Adelino Maltez, Abecedário Simbiótico (Lisboa: Campo da Comunicação, 2011), 509.
39
8
conhecimento tácito e prático; iii) ocorre uma selecção natural das tradições competitivas.42
São os casos das sociedades abertas e do mercado livre, ordens endógenas, que não são
deliberada ou conscientemente desenhadas, e que detêm uma elevada importância
epistemológica, já que produzem e transmitem conhecimento. Hayek perspectiva as
instituições sociais como veículos de produção e transmissão de conhecimento, desviando-se
da abordagem que as avalia em referência a princípios morais e enveredando por uma teoria
da evolução cultural assente na avaliação da capacidade destas instituições gerarem,
transmitirem e utilizarem conhecimento, incluindo o conhecimento prático e tácito, sobre o
qual Polanyi teoriza intensamente. Assim, Hayek evidencia a selecção natural das tradições e
explica-a pela eficiência destas enquanto portadoras de conhecimento.43
Polanyi, numa abordagem semelhante à de Burke, realça que a razão não se opõe à
tradição e que, de facto, qualquer raciocínio tem de ocorrer no contexto de uma tradição,
sendo esta um pré-requisito da racionalidade. Segundo Mark Mitchell, isto não implica uma
visão estática da sociedade, bem pelo contrário, já que, para Polanyi, as tradições saudáveis
são dinâmicas, ou seja, incorporam a possibilidade de conflito interno, a capacidade de se
revoltarem contra o consenso e cultivarem progressos radicais. MacIntyre tem uma posição
idêntica, mas interpreta erradamente Polanyi e Burke, considerando-os defensores de uma
concepção de tradição estática e sem possibilidade de conflito, em que quando uma “tradição
se torna Burkeana, encontra-se sempre a morrer ou já morta.”44 Mitchell evidencia as falhas
graves desta interpretação e mostra que MacIntyre e Polanyi têm perspectivas assaz
semelhantes.45
Para Popper, por outro lado, a tradição pode ser aceite acrítica ou criticamente, e é
com este último processo que se preocupa essencialmente. Não acreditando na rejeição
dogmática da tradição, Popper prefere submetê-la a um processo racional de crítica, que pode
resultar na aceitação, na rejeição ou num compromisso.46 Procurando esboçar o que poderá
constituir uma teoria racional da tradição, Popper sublinha os contributos de Burke e
42
Gray, Hayek on Liberty, 33-34.
Ibid., 41.
44
Alasdair MacIntyre, After Virtue, 3.a ed. (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2007), 222.
45
Mark T. Mitchell, “Michael Polanyi, Alasdair MacIntyre, and the Role of Tradition,” HUMANITAS XIX, no. 1 e 2
(2006): 97–125.
46
Karl Popper, “Towards a Rational Theory of Tradition,” in Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific
Knowledge (London: Routledge, 2002), 164.
43
9
Oakeshott47 para a perspectiva do tradicionalismo, concebendo-os como anti-racionalistas,48
e, tratando diversos tópicos, deixa pistas para uma investigação sobre a tradição, sugerindo a
análise do surgimento e persistência das tradições e das funções sociais que desempenham.49
Em Tradition, Shils considera estas questões e analisa as dinâmicas de estabilidade e mudança
das tradições numa abordagem fortemente influenciada por Max Weber e as suas distinções
entre legitimidade tradicional e legitimidade racional,50 à semelhança do que acontece com o
sociólogo S. N. Eisenstadt, para quem, de acordo com Cristina Montalvão Sarmento, é “na
procura de sentido ou busca de ordem, que a tradição se cristaliza.”51
Hayek, por seu turno, desenvolve uma abordagem evolucionista das tradições, que
concebe como sistemas de regras e práticas. Para Hayek, as tradições evoluem por um duplo
processo: internamente, por via do desenvolvimento gradual; e externamente, através da
competição com outros sistemas. O primeiro dá-se através da crítica imanente52 e o segundo
é a preocupação central da teoria hayekiana da evolução cultural.53
O nosso objecto de estudo decorre da formulação de uma pergunta de partida que
resulta destas ideias, nomeadamente, como se perspectiva a relação entre tradição e razão
nas teorias políticas do liberalismo, conservadorismo e comunitarismo?
De forma a restringir e tornar mais claro o objecto de estudo, optamos também por
formular algumas subquestões de pesquisa que servem de introdução à pergunta de
investigação principal acima enunciada, a saber: i) como é que emergem as tradições?; ii)
como é que as tradições se desenvolvem e evoluem?; iii) quais as funções das tradições na
vida social?; iv) como é que se processa a competição entre tradições?
Considerando que este projecto requer uma metodologia qualitativa assente na
interpretação e análise teórica, o desenho de pesquisa não será estruturado em torno de
hipóteses, mas antes através da formulação das questões acima que guiam a investigação e
através das quais o objecto de estudo é circunscrito e interpretado dentro das áreas científicas
47
Popper refere-se a Oakeshott, “Rationalism in Politics.”
Popper, “Towards a Rational Theory of Tradition,” 162.
49
Ibid., 168.
50
Cristina Montalvão Sarmento, Os Guardiões Dos Sonhos: Teorias E Práticas Políticas Dos Anos 60 (Lisboa:
Edições Colibri, 2008), 67.
51
Ibid., 68.
52
F. A. Hayek, The Mirage of Social Justice, vol. 2 de Law, Legislation and Liberty: A New Statement of the Liberal
Principles of Justice and Political Economy (London: Routledge, 1982), 24.
53
Feser, “Hayek on Tradition”, 24.
48
10
da ciência política, da filosofia, da sociologia e da psicologia, e, mais concretamente, tendo em
particular atenção os ramos científicos da teoria política, da teoria social, da filosofia da
ciência, da epistemologia e da ética.
O objectivo geral desta tese será o de analisar a relação entre tradição e razão nas
teorias políticas do liberalismo, conservadorismo e comunitarismo, contribuindo para
iluminar divergências e convergências entre estas mesmas teorias. Os objectivos específicos
serão, primeiro, considerando as leituras das teorias em análise, compreender como é que as
tradições emergem, como se desenvolvem, evoluem, persistem e desaparecem, quais as suas
funções na vida social e como é que se processa a competição entre tradições; segundo,
atentas as divergências e convergências entre as várias leituras, realizar uma síntese teórica
ecléctica demonstrativa da perspectiva de que tradição e razão não se opõem e que, na
verdade, estão intrinsecamente ligadas; por último, constitui-se ainda como objectivo
específico a aplicação da síntese teórica à análise da ideia e do regime político demo-liberal.
Conforme já referimos, adoptamos a visão de que neste processo importa mais a
“provocação do que a certeza e (…) talvez tenham menos valor as respostas que formos dando
do que as novas perguntas que formos suscitando,”54 pelo que recorreremos aos paradigmas
interpretativista e neo-institucionalista e aos modelos da lógica tópica e do perspectivismo.
Assim, os conceitos de tradição e razão serão abordados colocando em diálogo as três teorias
através de autores que consideramos serem representativos destas, nomeadamente Shils,
Hayek, Polanyi e Popper, no que ao liberalismo diz respeito; Burke, Oakeshott e Scruton, por
parte do conservadorismo; e ainda MacIntyre, que é um dos principais teóricos do
comunitarismo.
54
Maltez, Princípios de Ciência Política: Introdução À Teoria Política, 23.
11
Enquadramento teórico
As principais teorias em que nos ancoraremos serão o liberalismo, o conservadorismo
e o comunitarismo. O liberalismo é uma tradição política que representou uma ruptura com
o que se designa por Ancien Régime, materializada nas Revoluções Atlânticas – Inglesa (1688),
Americana (1776) e Francesa (1789) –, que originaram a democracia liberal. Segundo John
Gray, o liberalismo constitui uma única tradição, embora contenha diversas variedades que
articulam diferentemente as concepções essenciais do liberalismo em relação ao Homem e à
sociedade: o individualismo, o igualitarismo, o universalismo e o meliorismo. 55
A democracia liberal pode também ser perspectivada como uma única tradição, mas
com pelo menos duas correntes. De um lado, os teóricos que inspiraram os revolucionários
britânicos e norte-americanos, em especial Locke e Montesquieu, respectivamente,
convergem no cepticismo em relação ao exercício do poder, embora encarem o governo como
um mal necessário, pelo que se preocupam em arquitectar checks and balances que actuem
como forma de difusão do poder, salvaguardando a liberdade individual da coerção por parte
de terceiros, em especial do próprio Estado. Por outro lado, os revolucionários franceses,
inspirando-se em Rousseau e nas noções de bem comum e vontade geral, preferem
subscrever a ideia de soberania popular, em claro contraste com a ideia de governo limitado.
A estas duas concepções corresponde o que se pode denominar por liberalismo velho
e liberalismo novo, ou liberalismo clássico e liberalismo contemporâneo, respectivamente.
Hayek, um dos principais autores liberais do séc. XX, insere-se na primeira tradição, de
carácter evolucionista e anti-construtivista, que encontra nos Old Whigs e nos autores do
Iluminismo Escocês os seus principais expoentes. A segunda concepção deriva de uma
abordagem racionalista e construtivista, baseada em Descartes, mas também Thomas
Hobbes, e encontra em Rousseau e Voltaire os seus principais teóricos.56 Estas concepções
correspondem também ao que Hayek designa por individualismo verdadeiro e falso.
Tendo a corrente anglo-saxónica raízes na Antiguidade Clássica, Locke e Burke foram
dois dos seus autores principais, dando-lhe um corpo teórico com algum grau de
sistematização, desenvolvendo desta forma a doutrina Whig. A mesma foi desenvolvida pelos
55
John Gray, Liberalism, 2.a ed. (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995), xii-xiii.
F. A. Hayek, New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas (London: Routledge, 1985),
120.
56
12
Iluministas escoceses, em especial Adam Smith, David Hume, Adam Ferguson e Bernard
Mandeville, e também por Montesquieu, Lord Acton e Alexis de Tocqueville.
Conforme já vimos, para estes autores a sociedade e as suas instituições são o
resultado de um processo de crescimento cumulativo em que a ordem social é um produto da
interacção entre instituições, hábitos, costumes, lei e forças sociais impessoais, e não uma
construção racional. Esta concepção é de suma importância, já que fundamenta os conceitos
de tradição e ordem espontânea, e está na convergência entre o liberalismo e o
conservadorismo. Burke é considerado o fundador do conservadorismo moderno, e também
Hume e Smith são frequentemente apontados como autores conservadores. Ambas as teorias
têm visões similares quanto à natureza humana, a sociedade, o papel da razão e as tarefas do
governo. Para liberais e conservadores, as condições para que uma sociedade floresça
consubstanciam-se no necessário respeito e compreensão pelas forças que mantêm a ordem
social, que não deve ser alvo de manipulação e controlo por parte de teorias que pretendam
acabar com ela, sendo o desejo de apagar o que existe e desenhar a sociedade de novo apenas
a demonstração de uma profunda ignorância quanto à natureza da realidade social.
No que à teoria social concerne, é de assinalar a teorização que Oakeshott realiza em
On Human Conduct57 da civil association e da enterprise association, sintetizadas por Gray
como sendo, no caso da primeira, “uma associação humana na qual as pessoas vivem juntas,
não sob a égide de qualquer fim comum ou hierarquia de fins, mas sim pela sua aderência a
um corpo de regras não instrumentais, em que os indivíduos podem (em toda a sua variedade
e propósitos conflituais) coexistir em paz", e no caso da segunda, “aquele modo de associação
constituído por uma aderência partilhada a um objectivo comum, o modo de associação que
anima uma corporação industrial, por exemplo.”
58
Estes dois tipos de associação
correspondem à ordem espontânea e à ordem de organização de Hayek.
Conforme Gray salienta, os conservadores na tradição britânica como Oakeshott,
Hume, Burke, Disraeli, Salisbury, Churchill e Thatcher, vêem a política e o governo não como
um projecto de melhoramento da vida humana ou de reconstituição de instituições humanas
ideais perdidas ou esquecidas, mas como um paliativo dos males naturais e inevitáveis da vida.
É uma perspectiva que acolhe uma concepção de imperfeição humana assente no
57
58
Michael Oakeshott, On Human Conduct (Oxford: Oxford University Press, 1975).
John Gray, “Oakeshott as a Liberal,” in Gray’s Anatomy (London: Penguin Books, 2009), 81.
13
circunstancialismo das nossas vidas e da história,59 o que encontra eco na epistemologia de
Hayek e Polanyi, especialmente na noção de conhecimento prático e tácito que une
liberalismo e conservadorismo contra o racionalismo construtivista.
Numa formulação de Oakeshott que se tornou clássica, o conservadorismo não é um
credo ou uma doutrina, mas uma disposição que faz com que ser conservador seja “preferir o
familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o actual ao
possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o
conveniente ao perfeito, o riso actual à felicidade utópica.” 60
Outro autor conservador, Scruton, embora vislumbrando as semelhanças entre a
defesa do mercado pela escola austríaca de economia e a defesa da tradição por Burke,61 não
deixa de assinalar as deficiências do liberalismo e, especialmente, do libertarianismo. Estes
enfatizam a liberdade individual, dão pouco ou nenhum relevo às “necessidades de
comunidade e identidade que são superiores à vontade individual” e falham “em ver que o
indivíduo é um artefacto social, cuja liberdade só é adquirida em sociedade”62 e que, aliás, é
o produto de um “longo processo de evolução social, que pressupõe a herança de instituições
sem cuja protecção não sobreviveria.”63
Convergindo com o conservadorismo nestas observações, e com o intuito de
responder às insuficiências do liberalismo, emergiu uma perspectiva teórica que se denomina
por comunitarista, onde figuram os já referidos MacIntyre, Walzer, Sandel e Taylor. MacIntyre
é de particular importância para este projecto, porquanto se debruçou em profundidade
sobre o conceito de tradição e a sua necessidade para dar significado e identidade ao
indivíduo, sendo este “definido e constituído por vários laços comunais.” 64 Segundo
MacIntyre, “a história da minha vida é sempre incorporada na história das comunidades de
que derivo a minha identidade. Nasço com um passado; e tentar cortar a minha ligação a esse
passado, de forma individualista, é deformar as minhas relações presentes.” 65
59
John Gray, “A Conservative Disposition,” in Gray’s Anatomy (London: Penguin Books, 2009), 134.
Michael Oakeshott, “On Being Conservative,” in Rationalism in Politics and Other Essays (Indianapolis: Liberty
Fund, 1991), 408.
61
Roger Scruton, As Vantagens Do Pessimismo (Lisboa: Quetzal, 2011), 202-203.
62
Roger Scruton, The Palgrave Macmillan Dictionary of Political Thought, 3.a ed. (Basingstoke: Palgrave
Macmillan, 2007), 121.
63
Roger Scruton, The Meaning of Conservatism, 3.a ed. (Basingstoke: Palgrave, 2001), 8.
64
Daniel Bell, “Communitarianism,” The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2013, consultado em 3 de Maio de
2014, http://plato.stanford.edu/archives/fall2013/entries/communitarianism/.
65
MacIntyre, After Virtue, 221.
60
14
Enquadramento metodológico
Sendo a ciência política caracterizada por uma pluralidade de abordagens, é nosso
propósito realizar uma reflexão científica ancorada nos modelos da lógica tópica e do
perspectivismo e nos paradigmas interpretativista e neo-institucionalista.
Porque a ciência política vive “numa zona de fronteira entre o problemático e o
sistemático, onde se circula à volta do problema, através de diferentes argumentos,” é mister
adoptar o modelo da lógica tópica, “argumentativa e dialéctica”, que evita os sistemas
fechados da lógica axiomática e da lógica conceitual e implica uma abertura “tanto aos valores
como à própria realidade social e histórica”, a “novo conteúdos e ao entendimento das regras,
não como formas de desenvolvimento do que já está implícito nos axiomas, mas antes como
algo de regressivo, onde a assimilação de novos conteúdos pode obrigar a alterar a forma do
sistema e até a criar novos sistemas.”66
“Na ciência política não há afirmações indiscutivelmente verdadeiras, primeiros
princípios, verdades eternas, mas apenas afirmações prováveis, susceptíveis de discussão e
de adequação às realidades.”67 Daí o recurso à tópica aristotélica, “marcada pela conclusão
dialéctica, que se obtém partindo de simples opiniões, ao contrário dos procedimentos
apodícticos, onde existe uma conclusão que se obtém partindo de proposições primeiras ou
verdadeiras, como acontece na filosofia.” Os tópicos são, assim, pontos de vista que permitem
ponderar as posições de diferentes opiniões e “podem conduzir-nos à verdade.” 68
Segundo o perspectivismo de Ortega y Gasset, “que é o mesmo que tópica,”69 salientese que “A partir de diferentes pontos de vista, dois homens vêem a mesma paisagem. No
entanto, não vêem o mesmo. A situação diferente faz com que a paisagem se organize ante
ambos de forma distinta.” Por isso, “A realidade cósmica é tal que só pode ser vista sob uma
determinada perspectiva. A perspectiva é um dos componentes da realidade.” 70 E as
divergências entre as perspectivas não são contraditórias, mas complementares.
71
O
perspectivismo requer que, ao contrário dos sistemas fechados que pretendem ser válidos
66
Maltez, Princípios de Ciência Política: Introdução À Teoria Política, 24–25.
Ibid., 24.
68
José Adelino Maltez, O Ambiente do Direito, Tomo I de Princípios Gerais de Direito: Uma Perspectiva
Politológica (Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1992), 9-10.
69
Maltez, Abecedário Simbiótico, 410.
70
José Ortega y Gasset, Obras Completas: Tomo III (1917-1928), 6.a ed. (Madrid: Revista de Occidente, 1966),
199.
71
Ibid., 200.
67
15
para todos os tempos e homens, um sistema articule dentro de si “a perspectiva vital de que
emanou, permitindo assim a sua articulação com outros sistemas futuros ou exóticos.”72 As
diferenças e peculiaridades, ao invés de obstaculizarem a procura da verdade, permitem
captar certas porções da realidade, pelo que, “Desta maneira, cada indivíduo, cada geração,
cada época é um aparelho de conhecimento insubstituível. A verdade integral só se obtém
articulando o que o próximo vê com o que eu vejo, e assim sucessivamente. Cada indivíduo é
um ponto de vista essencial.”73
Isto implica, naturalmente, uma abordagem ancorada no interpretativismo, em que
por via da narrativa se procura explicar a realidade social.74 De acordo com Mark Bevir e
R.A.W. Rhodes, as “abordagens interpretativas aos estudos políticos focam-se nos significados
que moldam as acções e as instituições, e as formas como o fazem”, partilhando as várias
abordagens a assunção de que “não podemos entender adequadamente os assuntos
humanos se não compreendermos os significados relevantes”, que podem ser expressos por
“razões, intenções, crenças, o inconsciente ou um sistema de sinais.”75
Considerando que este projecto de pesquisa se situa principalmente no âmbito da
teoria política, importa proceder através de uma abordagem interpretativa ancorada na
hermenêutica e na fenomenologia. Os teóricos que favorecem estas abordagens têm,
tipicamente, “explorado a natureza existencial do entendimento, reconhecendo que este está
incorporado na tradição,” 76 como é o caso de Oakeshott, e também de Hayek, cujo
subjectivismo, segundo Lars Udehn, deriva não só da perspectiva da escola austríaca da
economia, mas também da hermenêutica e da fenomenologia.77
A hermenêutica surgiu como teoria da exegese bíblica, mas modernamente viria a
assumir-se no século XX como uma “fenomenologia da existência e da compreensão
existencial” cobrindo “as concepções hermenêuticas de Heidegger e Gadamer.”78 Este último,
em Truth and Method,79 “procura mostrar que as verdades da história, da vida social e da
72
Ibid., 201.
Ibid., 202.
74
Mark Bevir e R.A.W. Rhodes, “Interpretive Theory,” in Theory and Methods in Political Science, ed. David
Marsh e Gerry Stoker, 2.a ed. (Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2002), 134.
75
Ibid., 131.
76
Ibid., 135–136.
77
Lars Udehn, Methodological Individualism (London: Routledge, 2001), 115.
78
Sarmento, Os Guardiões Dos Sonhos: Teorias E Práticas Políticas Dos Anos 60, 62.
79
Hans-Georg Gadamer, Truth and Method, 2.a ed. (London: Continuum, 2004).
73
16
cultura não são acessíveis pela observação científica, já que apenas se revelam através de uma
espécie de diálogo. Este diálogo envolve escutar a voz da história consagrada nas tradições e
instituições, e a voz da cultura tipificada pela sua poesia.”80
Esta perspectiva está patente no neo-institucionalismo. Se o velho institucionalismo,
do início do século XX, se centrava em “regras formais e organizações ao invés de convenções
informais; e nas estruturas oficiais de governo em vez de constrangimentos institucionais mais
amplos à governance”81 já os novos institucionalistas “adoptam um conceito mais amplo de
instituição que inclui normas, hábitos e costumes culturais para além das regras formais,
procedimentos e organizações.”
82
As instituições podem “incorporar a história e o
pensamento político e reflectir, portanto, um conjunto de tradições e práticas, quer escritas
ou não escritas. As instituições podem assim ser interpretadas como reflectindo hábitos e
normas, mais provavelmente fruto da evolução do que da criação.”83
Se, em certo sentido, as instituições constrangem o nosso comportamento, por outro
lado, na tradição do Iluminismo Escocês, podem ser perspectivadas como libertadoras.
Segundo Steve Horwitz, “Num mundo em que o conhecimento está disperso, dependente do
contexto, e é frequentemente tácito, as instituições são necessárias para a emergência de
qualquer tipo de ordem social.”84
Ademais, o neo-institucionalismo procura explicar as dinâmicas de mudança das
instituições através do “desenho, da selecção competitiva, e de choques externos. Regras,
rotinas, normas, e identidades são tanto instrumentos de estabilidade como arenas de
mudança. A mudança é uma característica constante das instituições e as estruturas
existentes impactam a forma como as instituições emergem e como se reproduzem e
mudam.”85 Trata-se, portanto, de um paradigma de particular relevância para respondermos
às subquestões enunciadas e cumprirmos os objectivos a que nos propomos.
80
Scruton, The Palgrave Macmillan Dictionary of Political Thought, 267.
Vivien Lowndes, “Institutionalism,” in Theory and Methods in Political Science, ed. David Marsh e Gerry Stoker,
2.a ed. (Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2002), 92.
82
Mark Bevir, Encyclopedia of Political Theory, ed. Mark Bevir (Thousand Oaks: Sage Publications, 2010), 700.
83
R.A.W. Rhodes, Sarah A. Binder, e Bert A. Rockman, eds., prefácio a The Oxford Handbook of Political
Institutions (Oxford: Oxford University Press, 2006), xii.
84
Steven Horwitz, “From Smith to Menger to Hayek: Liberalism in the Spontaneous-Order Tradition,” The
Independent Review VI, no. 1 (2011): 90.
85
James G. March e Johan P. Olsen, “Elaborating the ‘New Institutionalism,’” in The Oxford Handbook of Political
Institutions, ed. R.A.W. Rhodes, Sarah A. Binder, e Bert A. Rockman (Oxford: Oxford University Press, 2006), 11.
81
17
Cronograma
2014
Milestone
Revi s ã o da Li tera tura
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Edwa rd Shi l s e res pectiva
bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Ka rl Popper e res pectiva
bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Edmund Burke e res pectiva
bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Fri edri ch Ha yek e res pectiva
bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Mi cha el Pol a nyi e
res pectiva bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Mi cha el Oa kes hott e
res pectiva bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Roger Scruton e res pectiva
bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Lei tura e a ná l i s e da s obra s de Al a s da i r Ma cIntyre e
res pectiva bi bl i ogra fi a s ecundá ri a
Revi s ã o dos tra ba l hos com o ori entador
Reda cçã o da tes e
Submi s s ã o da tes e
J
A
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2015
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2016
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Índice Provisório
1. Introdução
a. Tema
b. Objecto de estudo
c. Problemática
d. Questão de partida
e. Objectivos
f. Estrutura
2. Literatura revista
3. Métodos disponíveis
a. Lógica tópica e perspectivismo
b. Hermenêutica e fenomenologia
c. Neo-institucionalismo
4. As teorias em causa
a. Liberalismo
b. Conservadorismo
c. Comunitarismo
5. Leituras de tradição e razão
a. No liberalismo
b. No conservadorismo
c. No comunitarismo
6. Das convergências e divergências a uma síntese teórica ecléctica
7. Ordem e progresso: tradição e razão no cerne da democracia liberal
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