1 FESTA DO SENHOR DO BONFIM EM MURITIBA – BA: UMA
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1 FESTA DO SENHOR DO BONFIM EM MURITIBA – BA: UMA
FESTA DO SENHOR DO BONFIM EM MURITIBA – BA: UMA MANIFESTAÇÃO POPULAR MERCANTILIZADA 1 RODRIGUES, Maria da Paz de Jesus Universidade do Estado da Bahia – Campus V Graduanda em Licenciatura em Geografia Endereço: Rua Roque Franco Sobrinho, S/N - Centro CEP: 44340- 000 Muritiba - BA [email protected] [email protected] Resumo: O espaço urbano pode ser analisado sob diversas perspectivas, constituindo-se a dimensão cultural uma delas, ultimamente bastante empregada pelos geógrafos com o intuito de tornar compreensíveis as complexas relações entre cultura e o urbano e as suas diferentes formas de manifestações. Nesta pesquisa buscou-se analisar a dinâmica espacial da Festa do Senhor do Bonfim na cidade de Muritiba-Ba, bem como o processo de mercantilização da festa popular, que vem promovendo e/ou intensificando a comercialização no/do espaço público, a inserção de novos elementos e a resignificação dos já existentes. Pretende-se também, suscitar discussões relacionadas as manifestações culturais no espaço urbano e as especulações capitalistas que visam torná-las espetacularizações para turistas. Palavras – chaves: espaço urbano, festas, espaço sagrado e espaço profano. Abstract: The urban space can be analyzed under several perspectives, being constituted, the cultural dimension one of them, lately plenty used by the geographers with the intention of turning comprehensible the complex relationships between culture and the urban and your different forms of manifestations. In this research, it was looked for to analyzed the special dynamics of the party of the Mister of Bonfim in the Muritiba city, as well as of the process of trade popular party, that is promoting and intensifying the commercialization in the space. I publish the insert of new elements and resignificação of the already existent. It is also intended, to raise related discussions the cultural manifestations in the urban space and the capitalist shows that seek to turn them parties for tourists. Words – keys: I space urban, parties, sacred space and I space profane. I – INTRODUÇÃO Na contemporaneidade os municípios brasileiros concentram no espaço urbano a parcela mais significativa dos habitantes e a quase totalidade das atividades política, econômicas e culturais. Assim, o espaço urbano pode ser analisado por variadas dimensões, constituindo-se 1 Pesquisa monográfica ainda em fase de desenvolvimento, tendo como orientadores os professores Msc. Jânio Roque Barros de Castro e Msc. Marco Antonio M. Martins. 1 a dimensão cultural uma delas, ultimamente bastante empregada pelos geógrafos com o intuito de tornar compreensíveis as espacialidades, territorialidades e temporalidades expressas na cidade, bem como as complexas relações entre cultura e o urbano e as suas diferentes formas de manifestações. A heterogeneidade cultural brasileira, resultado de longos, complexos e espaciais processos envolvendo sociedade e natureza tornou o Brasil um excepcional e privilegiado campo de estudos para a Geografia Cultural (CORRÊA e ROSENDAHL, 2003), em decorrência da existência de inúmeras manifestações culturais que se expressam e reproduzem no espaço urbano. Neste contexto multicultural, insere-se a Festa do Senhor do Bonfim do município de Muritiba, situada na micro-região do Recôncavo Sul da Bahia, a 130 km da capital Salvador. É centrado nas discussões relacionadas as manifestações de festas populares no espaço urbano, que este trabalho possui como objetivos principais analisar se a ocorrência da Festa do Senhor do Bonfim na cidade de Muritiba provoca alteração da dinâmica espacial local ou se as modificações são ínfimas, assim como, enfatizar o processo de mercantilização da festa popular, que vem promovendo e/ou intensificando a comercialização das manifestações culturais, a inserção de novos elementos e a resignificação dos já existentes, enfim, a transformação em eventos espetacularizados. II – CONCEITOS DE ANÁLISE DA FESTA POPULAR As atividades e manifestações referentes ao festejo em louvor ao Senhor do Bonfim em Muritiba, concentra-se no âmbito da cidade, entendida, segundo o geógrafo Corrêa, como espaço urbano. Fragmentada, articulada, reflexo e condicionante social, a cidade é também o lugar onde as diversas classes sociais vivem e se reproduzem. Isto envolve o quotidiano e o futuro próximo, bem como as crenças, valores, mitos criados no bojo da sociedade de classes e, em partes, projetadas nas formas espaciais: monumentos, lugares sagrados, uma rua especial, etc. O espaço urbano assume assim uma dimensão simbólica... (CORRÊA, 1995, p. 9) O espaço urbano apresenta diversificadas vertentes de análise, desde a abordagem como forma espacial em suas conexões com estrutura, processos e funções, perpassando o paradigma de consenso ou de conflito, e ainda o viés cultural e da percepção dos seus habitantes. As festas populares constituem-se, desta maneira, como um dos variados 2 elementos que compõem a dimensão simbólica produzida e/ou reproduzida com base nas relações e materialidades do urbano. Alguns teóricos interpretam as festas como uma ruptura do cotidiano, à medida que, durante sua realização a transgressão é aceita e permitida. Para o antropólogo Roberto Da Matta, “ na festa (...) rimos e vivemos o mito ou utopia da ausência da hierarquias, poder, dinheiro e esforço físico. Aqui, todos se harmonizam por meio de conversas amenas...” (DA MATTA, 2001, p. 69). Contrapondo a concepção de festas enquanto rompimento momentâneo entre as diferenças sociais, Canclini é enfático ao caracterizar as festas populares como extensão e reprodução das relações de desigualdade existente no seio da sociedade capitalista. A festa continua a tal ponto, a existência cotidiana que reproduz no seu desenvolvimento as contradições da sociedade. Ela não pode ser o lugar da subversão e da livre expressão igualitária, ou só consegue sê-lo de maneira fragmentada, porque não é apenas um movimento de unificação coletiva: as diferenças sociais e econômicas nelas se repetem... (CANCLINI, 1983, p. 55) As conceituações de festas apresentadas são extremamente divergentes, tendo em vista, as diferenciadas abordagens adotadas pelos teóricos. Porém, a definição sugerida por Nestor Canclini adequa-se com propriedade a realidade percebida durante o período da Festa do Senhor do Bonfim, em virtude de não ser perceptível ares de integração ou relações harmoniosas entre as diferentes classes da sociedade muritibana, mas sim revela as disparidades econômicas e reafirma as diferenças sociais. A complexidade das discussões relacionadas as festas populares não se restringe apenas a definição conceitual e ideológica, sendo ampliada quando se propõe estender as considerações para as dimensões do sagrado e do profano, intrínsecas as festas de origem religiosa em homenagem ao santo de devoção, como é o exemplo do objeto de estudo da presente pesquisa. Na atualidade, mesmo em detrimento de muitos valores religiosos, o catolicismo ainda permanece ativo em muitas camadas da população brasileira, que continuam promovendo rezas e festejos em louvor aos santos, fazendo penitencias e pagando promessas. 3 O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual, transcorre sua existência. É por meio dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade (ROSENDAHL, 1996, p. 30) Neste sentido, a festa em devoção ao milagroso (segundo os fiéis) Sr. do Bonfim continua atraindo multidões, vindas não apenas do núcleo urbano de Muritiba- BA, mas da zona rural e cidades circunvizinhas com o intuito da participar das novenas, missas, procissões e, também, das atividades ligadas a parte profana. A reflexão sobre o sagrado é indissociável de considerações sobre o profano, pois as duas dimensões coexistem no mesmo espaço, porém Rosendahl (1996) ressalta que apesar de existir conexões, os espaços sagrados e profanos jamais se misturam, havendo limites de distinção entre um e outro, bem como oposições. Barracas de comidas, bebidas, prendas, jogos, dança, construídos no espaço aberto, nas imediações do templo (...) Este lugar é reconhecido como o “espaço profano da festa” e é tão indispensável quanto o espaço religioso, sagrado. A festa é justamente esta bricolagem de ritos, festejos, devoção e, também, espaços de pura diversão. (SANTANA, 2002, p. 46) A festa do Bonfim enquadra-se entre as festas de largo, por apresentar além da dimensão sagrada, uma dimensão profana muito expressiva, para Serra (1999, p.62) “numa festa de largo, os eventos decorridos na praça e no templo pertencem a um mesmo conjunto de sucessos, a uma contraditória unidade ritual”. No entanto na referida festa, às vezes, as práticas religiosas são ofuscadas, em função das atenções estarem dirigidas para as atividades e elementos do profano. Essa afirmação pode ser confirmada pelo fato da maioria dos freqüentadores não participarem dos ritos que ocorrem no interior da igreja, limitando-se a experienciar apenas as manifestações profanas. Vale salientar, que a parte profana da festa passou por modificações muito mais intensas e visíveis, em comparação à religiosa, que praticamente não as sofreu. Provavelmente, esse acontecimento se explica, por ser a festa profana constituída de manifestações mais sujeitas a alterações, principalmente por ser a mesma alvo de maiores especulações por parte dos poderes públicos e capitalistas. 4 III. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para a viabilização e excussão do projeto de pesquisa é imprescindível a adoção de uma metodologia coerente e que ajude a definir os encaminhamentos e a articular todos os questionamentos. Assim, como procedimentos metodológicos orientadores para a realização da pesquisa com eficácia foram utilizados, inicialmente, pesquisas bibliográficas, documentais e cartográficas. A pesquisa bibliográfica norteou o embasamento teórico e fundamentação científica às análises realizadas, já as pesquisas documentais e cartográficas disponibilizaram informações específicas a respeito do objeto de estudo, facilitando o entendimento das dinâmicas históricas e sócio-espaciais. No que tange a coleta de dados referentes a Festa do Senhor do Bonfim em Muritiba - BA, aplicou-se entrevistas aos principais agentes (membros da Igreja, Poder Público local, comerciantes e participantes do festejo), afim de obter informações com maior riqueza de detalhes, visto que as publicações sobre a manifestação em foco são escassas. Durante o período de ocorrência da festa foram empregados como instrumentos de coletas de dados: visitação in loco; leitura e análise da paisagem por meio da observação, aplicação de questionários por amostragem aleatória, com o intuito de detectar a procedência e perfil dos participantes da festa popular e das lavagens “segregadoras”, além de registros fotográficos. IV - ESPECIFICIDADES DA FESTA DO SR. DO BONFIM EM MURITIBA – BA A realização da festa do Senhor do Bonfim não é um fenômeno restrito apenas a cidade de Muritiba, em escala estadual, acontece também em Salvador, Santo Amaro da Purificação, Amargosa e Nagé (distrito de Maragogipe), no entanto, a manifestação religiosa - cultural em Muritiba, assim como nas outras localidades citadas, possui especificidades que devem ser analisadas isoladamente, uma vez que apresentam espacialidades e dinâmicas próprias. Há aproximadamente dois séculos Muritiba sedia e vivência o festejo em louvor ao Senhor do Bonfim – realizado sempre na semana que antecede o carnaval e tendo duração de onze dias 5 sendo um evento religioso de forte apelo popular, consagrado como uma das manifestações culturais mais ricas e significativas da cidade, tornando-se ao longo dos anos uma tradição que, apesar de ter alguns elementos resignificados, resiste até a atualidade e faz parte do calendário festivo da Bahia. A Festa do Bonfim, como é popularmente denominada, é constituída por duas partes distintas, que são ao mesmo tempo divergentes e complementares: a festa religiosa (organizada pelo cônego local em conjunto com uma comissão religiosa) composta pelo novenário, missa festiva, missas penitenciais e procissões2; a festa popular e/ou profana (promovida pela Prefeitura Municipal e agentes capitalistas) formada por Bandeira3, Pregão4, cortejos, lavagens5, atrações musicais, parque de diversões e barracas de largo. A ocorrência da Festa do Senhor do Bonfim na cidade de Muritiba-Ba provoca a alteração da dinâmica espacial local, por intensificar os fluxos de pessoas e veículos que circulam pela cidade, o que requer a interdição temporária de algumas ruas do circuito da festa para a transitação com segurança dos pedestres, a modificação efêmera do trânsito nas ruas inclusas nos percursos das lavagens e procissões, transformação de ruas, praças e escolas localizadas nas proximidades da festa em estacionamentos, além de promover uma reconfiguração e modificação da funcionalidade da Praça do Bonfim que concentra as atividades profanas. No que tange a atuação dos agentes capitalistas, a Festa do Sr. do Bonfim vem sofrendo interferências que promovem e/ou intensificam o processo de mercantilização da manifestação em questão. A título de ilustração de tal realidade serão elencados dois exemplos: - Nos últimos anos os patrocinadores da festa não restringem a divulgação da imagem de seus produtos apenas ao circuito profano, transgridem o espaço sagrado e vinculam as propagandas até mesmo durante a realização da procissão em louvor ao Senhor do Bonfim (ver anexo: fig. 01); 2 Procissão dos motoristas em homenagem a São Cristóvão e procissão do Senhor do Bonfim. Trata-se da abertura das festividades ocorrida, impreterivelmente, no dia primeiro de janeiro. 4 Cortejo que ocorre quinze dias antes da festa maior, no qual carros alegóricos e cavaleiros caracterizados ou fantasiados percorrem a cidade distribuindo a programação do festejo em louvor ao santo. 5 Refere-se as lavagens abertas ao público em geral composta por fanfarra e símbolos folclóricos e as lavagens “segregadoras” de corda, trio elétrico e com camisas padronizadas. 3 . 6 - A inserção, a aproximadamente nove anos, de um novo padrão de lavagens, que serão denominadas lavagens “segregadoras”, pois destoam das lavagens tradicionais abertas para o povo em geral e assemelham-se aos blocos de carnaval da capital Salvador. V – DA LAVAGEM DAS ESCADARIAS AS LAVAGENS “SEGREGADORAS” Em 1875, o Partido Conservador muritibano, que possuía Senhor do Bonfim como patrono, promoveu e custeou a reforma da pequena igreja com somente uma porta, transformando-a no templo de consideráveis proporções e beleza que é hoje. (ver anexo: fig. 02 e 03) Com a reconstrução da igreja, surgiu o hábito de lavar as escadarias da igreja do Sr. do Bonfim, que ao longo dos anos tornou-se uma coisa de fé e ganhou muitos adeptos. As lavagens começavam após a primeira novena, que ocorria no primeiro sábado da festa, e prosseguiam por toda à noite até o seu término no domingo ao meio dia, participavam da lavagem grupos organizados por bairros, caboclos, afoxés, baianas, mães e filhos de santos e eram encerradas pelos aguadeiros6 com os animais ricamente enfeitados. Seu Adalberto7 relata com saudosismo: As lavagens eram do povo, sem qualquer espécie de discriminação, mesmo os integrantes de entidades do candomblé eram tidos como importante referencial de brilhantismo da festa e nunca foram molestados pelos dirigentes da Igreja. E lamenta: Com o perpassar do tempo acabou a tradição, as pessoas que efetivamente tinham fé foram desaparecendo e não houve sucessão pelas gerações que vieram... Muita coisa perdeu sua origem, hoje ocupam a frente da igreja com barracas e se fossemos resgatar tudo isso, o povo não ia entender. (Entrevista realizada no dia 02/02/2007) Haviam também os cortejos que saiam pelas ruas nos domingos, acompanhados pelas famílias, com senhoras e raparigas8 vestidas de baianas, conduzindo estandartes e fazendo coreografias ao som das fanfarras chamadas Ternos de Mombaça. Devido a proximidade da festa com o carnaval, surgiram os mascarados como reprodução das figuras carnavalescas, tinham as máscaras luxuosas chamadas de cabeçorra e os mandús, modelos simples feitos de lençol. O historiador muritibano Anfilôfio de Castro descreve os cortejos: 6 Homens que transportavam água das fontes para as residências, pois na época não existia sistema de abastecimento domiciliar. 7 Adalberto Oliveira,muritibano, escritor, professor e membro da Academia de Letras do Recôncavo. 8 Terno usado pelo senhor Adalberto para se referir as mulheres jovens ou solteiras. 7 As ruas fervedouras de raparigas de saias redondas, torço de cetim, xale de seda ajustado à cintura, com punhos, pescoços e orelhas carregados de ouro, cada qual mais ardente de alegria, cantando, requebrando ao som da zabumba, sobressaindo as porta-bandeiras no repisado e requebro das chulas, no miudinho leve e ligeiro do ponteado da dança (Castro, 2001, p.6) Existiam, ainda, os ternos do silêncio ou da madrugada, que ocorriam todos os dias ao final da festa profana, antes do raiar do sol, quando as pessoas saiam arrastando latas e pulando atrás da fanfarra acordando a cidade. No entanto, os anos trouxeram modificações, algumas profundas, outras quase imperceptíveis. Assim, houve exclusão e esquecimento de tradições, incorporação de novos elementos, alteração de denominações, foi impossível deixar de agregar novos significados. Mas, em meio as mudanças também existem permanências e afirmações. Hoje, as lavagens das escadarias são conhecidas como cortejos e restringiram-se a participação de alguns grupos de baianas, adeptas do candomblé ou não, que saem domingo pela manhã de pontos estratégicos da cidade, seguidas por dezenas de pessoas e se dirigem à igreja do Sr. do Bonfim, local onde utilizam a água de cheiro9, normalmente, transportada em moringas10 para abençoar os crédulos e lavar as escadarias (ver anexo: fig. 04 e 05). Alguns, principalmente os mais idosos, persistem em trazer água para lavar as escadarias no sábado após a novena, sendo um grupo restrito e não maciço como antes. Os cortejos, descritos anteriormente, permanecem apenas na memória daqueles que vivenciaram e experienciaram a sua ocorrência em anos remotos. Os ternos da madrugada extinguiram-se em decorrência dos altos índices de violência e vandalismo, muitas vezes, provocados por embriagados. Em seus lugares emergiram as lavagens, não as das escadarias da igreja, e sim uma nova expressão de manifestação popular, repleta de simbologia representada nos elementos que a compõe. Essa nova configuração assumida pela lavagem mobiliza e arrasta multidões, que aguardam ansiosamente o ano todo, para pular e dançar ao som das fanfarras e suas músicas de embalo pelas ruas da cidade, ou então, para apenas observa-la nas praças e esquinas. Durante os sete 9 Água aromatizada com alfazema, flores de Angélica e folhas de são gonçalinho. Vasos pequenos feitos de barro. 10 8 dias em se realizam as lavagens, pode-se notar a presença de elementos simbólicos e folclóricos como: - As caretas: apesar de já existirem mascarados nos cortejos fazendo analogia ao carnaval, as caretas atuais assumiram uma nova roupagem, ao invés de cabeçorras e mandús, mortalhas11 e máscaras horrendas são usadas pelos garotos para brincar nas lavagens e assustar criancinhas (ver anexo: fig. 06). - Os cães: organizados, inicialmente, pelo líder religioso do candomblé Sr. Ricardo Benedito dos Santos, popularmente conhecido como Ricardo do Bilhete. Segundo relatos, no início eram apenas sete componentes, posteriormente, elevando-se a vinte e um, desfilavam pela cidade, separados da lavagem, usando roupas pretas, capas vermelhas, parte do corpo pintada de óleo queimado e para completar o figurino; ganchos. Hoje, dispensaram a roupa e pintam todo o corpo com óleo queimado, são inúmeros e saem junto às lavagens de quarta, sexta e sábado, sujando a todos, sem exceções (ver anexo: fig. 07). - As muquiranas: introduzidas há pouco tempo nas lavagens, são reproduções das que existem no carnaval de Salvador. Nos últimos nove anos, lavagens com novos aspectos foram inseridas na parte profana da festa do Sr. do Bonfim, que como tantas outras sofreu interferência pelo poder do capitalismo, promovendo ou intensificando o processo de mercantilização da festa popular. Assim, nos domingos acontecem lavagens, que não são abertas para o povo em geral, mas para aqueles que podem pagar por camisas padronizadas, segurança das cordas, cordeiros e batedores da polícia, jatos d’ água de carros-pipa para refrescar e a diversão promovida por trios elétricos12 (ver anexo: fig. 8 e 9). A estrutura de tais lavagens assemelha-se muito aos blocos de carnaval de Salvador, e de acordo com o depoimento dos organizadores da lavagem Vila Nova, essa reprodução é intencional. Queremos dar a oportunidade aos muritibanos de conhecer um pouco do carnaval, porque nem todos podem sair de Muritiba para pular o carnaval. Várias pessoas do bloco me disseram que se sentiram em Salvador. Nossa intenção não é mudar a tradição, e sim fazer uma mistura. (entrevista realizada em 13/02/2007) Essas lavagens “segregadoras” começaram de forma tímida com pequenos grupos, no entanto, vem atingindo proporções consideráveis, existindo atualmente três “blocos” dominantes, o 11 12 Roupas feitas com retalhos coloridos de tecidos. Exceto a lavagem do Clube dos Trinta que permanecem com as fanfarras. 9 Clube dos Trinta, Escolinha Vila Nova e Jagunça13, que a cada ano ampliam os investimentos em estrutura, marketing e inovações com o intuito de atrair mais participantes e, óbvio, obter maior lucratividade. VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de estudos culturais no urbano sob uma perspectiva geográfica é indispensável à medida que a cultura não é concebida isoladamente, mas associada a economia, a política e ao social. Assim, o pesquisador sobre festas Carlos Eduardo Maia afirma que: Um olhar geográfico sobre a festa desvelando fronteiras existenciais, a projeção espacial das práticas rituais, a emoção enquanto fundamento construtivo de espacialidade e as marcas da tradição no espaço podem contribuir bastante para uma melhor compreensão do significado de ser humano (MAIA, 2001, p. 196). Neste intuito, a abordagem feita sobre a temática proposta não contempla apenas seus aspectos culturais, enquanto pesquisa com o enfoque geográfico, são analisadas também suas dimensões espacial e econômica. Durante a realização da pesquisa constatou-se que, além dos agentes capitalistas, o Poder Público local também vem contribuindo com a descaracterização e mercantilização da festa popular, através da cobrança de taxas pela ocupação14 do espaço público e para que os diversos vendedores ambulantes possam ter acesso ao circuito oficial da festa, bem como promove a incorporação de elementos alheios a festa do Sr. do Senhor do Bonfim, a exemplo da participação do grupo de afoxés Filhos de Gandhi15 em cortejos realizados nos anos de 2006 e 2007. De acordo com o secretário de Cultura do município de Muritiba-Ba, a inserção de novos elementos é uma forma de propiciar mais um atrativo para engrandecer a festa popular, almeja ainda, torná-la atrativo para turistas e, assim, aquecer o comércio local 13 Esse tipo de lavagem começou a ser organizada por associações de jogadores de futebol a fim de obterem recursos para investir em infra-estrutura, primeiro o Clube dos Trinta (jogadores acima dos 30 anos), depois a Escolinha Vila Nova (jogadores infanto-juvenis), ultimamente são organizadas, também, por promotores de eventos com o Jagunça. 14 Os comerciantes que montam barracas e parque de diversões pagam taxas de acordo com a área ocupada. Originários de Salvador desfilam caracterizados durante o carnaval cantando e dançando e distribuído colares de miçangas. 15 10 durante sua ocorrência, gerando empregos diretos e indiretos e contribuindo para desenvolvimento sócio-econômico do município. Faz-se necessário destacar que as manifestações culturais não são imutáveis, e estando inseridas em contextos sócio-econômicos historicamente determinados são passíveis a transformações e incorporação de novos elementos e significados. “Cultura é um processo dinâmico, transformações ocorrem, mesmo quando intencionalmente, se visa congelar o tradicional para impedir a sua deterioração” (ARANTES, 2004, p. 21). O preocupante é que tais modificações vêm ocorrendo de forma abrupta, e em função de interesses capitalista que visam tornar a festa do Senhor do Bonfim de Muritiba-Ba em mais uma espetacularização padronizada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2004. CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. Ed. Brasiliense, 1983. CASTRO, Anfilôfio de. História e estrelas de Muritiba. Informativo 5 de março.MuritibaBa. Janeiro a abril de 2001. Ano IV. Nº 8. CORRÊA, Roberto Lobato O espaço Urbano. São Paulo. Editora Ática, 1995. CORRÊA, R. L., ROSENDAHL, Z. Geografia Cultural: Introduzindo a temática, os textos e uma agenda. In: Introdução a Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. DA MATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? 12ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. MAIA, Carlos Eduardo Santos. O retorno para a festa e a transformação mágica do mundo: nos caminhos da emoção. In: CORRÊA, R. L., ROSENDAHL, Z. (orgs). Religião, Território e Identidade. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001. ( p 177 a 199) ROSENDAHL, Zeny. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, 1996. SANTANA, Mariely Cabral de. Alma e festa de uma cidade: devoção e construção da colina do Bonfim. Salvador: UFBA, 2002. SERRA, Ordep. Rumores de Festa: O Sagrado e o Profano na Bahia.Salvador: EDUFBA, 1999. 11 ANEXOS 12 Fig. 01: Transgressão do espaço sagrado pelos Senhor do patrocinadores do evento. Fig. 03: Interior da Igreja do Senhor do Bonfim. Fig. 05: Benção com água de cheiro Fig. 02: Fachada da Igreja do Bonfim Fig. 04: Cortejo de baianas Fig. 06: Caretas nas lavagens 13 Fig. 07: Cães nas lavagens Trinta Fig. 09: Lavagem da Vila Nova Fig. 08: Lavagem do Clube dos Fig. 10: Lavagem do Jagunça 14