EM CANTO DE HOMEM: identidade masculina em
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EM CANTO DE HOMEM: identidade masculina em
EM CANTO DE HOMEM: Identidade masculina em canções. Silvio Luis da Silva Universidade Potiguar – UnP [email protected] RESUMO Este trabalho analisa, com base nas perspectivas postuladas pela Análise Crítica do Discurso, especialmente com base nas postulações de Teun van Dijk e Norman Fairglough, a construção da identidade masculina em canções populares. Para tanto, foram recolhidas as 3 canções mais tocadas na radio 98 FM, de Natal-RN, no início da segunda semana de maio de 2010, a saber: Eu quero só você, de Chicabana; Invencível, interpretada por Belo; e Meteoro, cantada por Limão com Mel, para compor o corpus e oferecer uma análise do processo linguístico de construção da identidade do homem. O trabalho pretende mostrar como se dá a construção e a repercussão da imagem masculina criada pelas letras das canções ouvidas diariamente pela população e defende que o as músicas populares são veículos de propagação de ideologias e que, ao serem cantadas e obterem altos postos nas listas das mais tocadas, as músicas propagam uma determinada ideologia, tanto dos autores da canção e dos intérpretes, quanto da população em geral que as ouve e a colocam nas paradas de sucesso. Esta proposta entende que a ideologia explicita ou implícita no texto, aqui analisadas dissociada das questões de ritmo e estilo musical,pode ser fonte de pesquisa para se verificar como se retrata e refrata a imagem do homem natalense na mídia musical. Palavras chave: Análise Crítica do Discurso, Canções Populares, Identidade Masculina. ABSTRACT This article analyses male identity building in pop songs, based upon the Critical Discrourse Analysis perspectives, especially as described by Teun van Dijk (2008) and Norman Fairclough (2001). In order to achieve its aim, we have chosen three Brazilian pop songs, hits from 98 FM radio station from Natal-RN: Eu quero só você, by Chicabana, Invencivel, by Belo, and Meteoro, by Limão com Mel, that can provide us with an interesting male identity corpus to be analyzed. We intend to show how this identity building is done and the male image repercussion of the lyrics on the population. It also claims that pop songs can transmit ideologies, especially when these songs become hits during a specific period of time. During its success, we believe songs widespread a specific ideology from its singers, authors and also from its listeners, who elect them as success. The article claims, also, that explicit and implicit text ideologies can be dissociated from the rhythm and musical style and be understood as a representative social group ideology, which in this case, is the group of people from Natal. Key word: Critical Discourse Analysis, pops songs, male identity. Presente na vida de todos os brasileiros, as canções produzem em seus ouvintes os mais variados sentimentos. Desde a paixão, materializada em lágrimas que banham os rostos dos ouvintes, até o ódio, que se materializa em músculos retesados e olhares de desaprovação. Na verdade, os sentimentos produzidos pela audição de músicas são frutos de emoções colhidas pelos ouvidos e incrustadas nas mentes que, querendo ou não, se veem produzindo significados pelo ritmo e pelas palavras cantadas. A música é, sabemos, um gênero de discurso, uma forma de expressão, uma maneira de se extrapolar sentimentos, um refúgio, um abrigo, um ponto inicial para o relaxamento, uma diversão. A ingenuidade que se pode pensar existir em todos esses atributos da canção esvai-se quando percebemos que, por ser um discurso posto na sociedade, dela faz parte intrinsecamente e nela pode, sim, produzir relações de significações e possibilidades de articular o saber social, pois, “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder.” (FOUCAULT, 1996, p. 10). Assim, ao considerarmos a manifestação discursiva musical como uma forma de representação do meio social estamos tentando mostrar que a circulação de musicas é uma forma de se manifestar, discursivamente, uma verdade que se explicitará mais fortemente em uma ideologia do grupo que a reproduz. A produção de uma verdade, no nosso entendimento, seria o primeiro passo para se obter uma estruturação da ideologia sociocultural do grupo. Sabemos, por outro lado, que essa verdade é produzida e transferida sobre controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de conforto social (as lutas “ideológicas”)” (FOUCAULT, 1996, p. 13). Por essa razão nos atentamos para um desses grandes aparelhos, os meios de comunicação, para buscar nosso aparato analítico. Detivemo-nos, então, a uma emissora de rádio de grande repercussão na cidade de Natal, a 98 FM, e verificamos quais são, na sua perspectiva, os discursos mais queridos pelos natalenses em um período específico. Chegamos às canções Eu quero só você, de Chicabana; Invencível, interpretada por Belo; e Meteoro, cantada por Limão com Mel, respectivamente primeiro, segundo e terceiro lugares nas paradas de sucesso da primeira semana de maio de 2010. Por se tratar de um estudo analítico da produção de significados, retiramos de nossa análise a perspectiva do som que, sabemos, influencia sobremaneia no sucesso ou fracasso da canção na mídia. Deixemos, então, de lado as questões que implicam na escolha do tipo de canção, popular neste caso, para nos atermos à representação que essas palavras cantadas podem criar e invadir a sociedade que as escuta sob a perspectiva de que “os discursos não só são formas de práticas interacionais ou sociais, mas também expressam e transmitem sentidos, e podem assim influenciar nossas crenças” (van DIJK, ANO, p. 138). O primeiro aspecto que salientamos é a questão da valorização do amor, do objeto feminino nos três casos, e da manifestação masculina em relação ao sexo oposto. Todas as canções têm autoria masculina e, igualmente, todas se prestam a expor uma imagem do homem e de sua forma de enxergar a relação afetiva. Automaticamente, está se criando, por intermédio desse discurso, uma representação do homem na sociedade, ou seja, está-se postulando uma postura do masculino em relação ao feminino e à visão que se tem das relações interpessoais. Na mesma direção, entendemos que essas relações interpessoais são produto social e, por conseguinte, uma questão de comportamento social dos sujeitos. É nesta veia que nos inserimos, academicamente, para defender o papel do intelectual como mais amplo, pois ele deve, entendemos, se prestar a pensar na sua sociedade como um corpo em movimento, cujo caminhar pode produzir significados mais profundos e invadir a seara da ideologia, pois o problema político essencial para o intelectual não é criticar aos conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma nova política de verdade. Problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção de verdade (FOUCAULT, 1996, p. 14). Ainda na trilha aqui traçada, buscamos um aparato analítico que nos propiciasse condições de nos debruçarmos sobre esses textos cantados e verificar a sua materialidade discursiva, por um lado, e a sua repercussão no seio da sociedade, por outro. Encontramos na Análise Crítica do Discurso (doravante ACD), uma ferramenta analítica capaz de nos satisfazer, haja visto que a análise crítica do discurso (ACD) é um tipo de investigação analítica discursiva que estuda principalmente o modo como o abuso de poder, a dominação e a desigualdade são representados, reproduzidos e combatidos por textos orais e escritos no contexto social e político. (van DIJK, 2008, p. 113) Estabelecidos, então, as premissas que embasam a nossa perspectiva e o aparato científico de análise, a ACD, devemos, esclarecer que “[...] na produção discursiva presumimos que falantes (ou escritores) partirão de seus modelos mentais pessoais de um evento ou de uma situação. Esse modelo organiza as crenças subjetivas do falante sobre tal situação.” (van DIJK, 2008, p. 206) E que a “ACD concentra-se principalmente nos problemas sociais e nas questões políticas, no lugar de paradigmas correntes e modismos” (Idem, p. 114). Com isso, então, damos início à análise da canção, com vistas ao entendimento dos processos discursivos de produção de significação nesse gênero textual. A situação que nos aparece como cenário é a das relações amorosas, dos desejos e anseios dos amantes em se por, frente ao objeto amado, como um ser que merece a relação que constrói e eu ocupa um lugar em relação ao outro. Lugar este constituído e construído por palavras e atitudes que consubstanciam o próprio ser, o próprio elemento social que enuncia. Nossa primeira canção a ser analisada é eu quero só você, cantada por Chicabana, cuja letra transcrevemos: Eu Quero Só Você - Chicabana O que todos querem É só separar nós dois, Você é o que querem E vou continuar te amando, E não tô nem aí Para o que os outros vão dizer, O que a gente sente Ninguém tem nada a ver. Todos ficam falando Que eu não sirvo pra você, Dizem que eu não presto Só me meto em confusão, Querem nos separar E acabar com nosso amor Tirar você de mim. O nosso amor Todos querem por um fim, Querem nos afastar Tirar você de mim. Refrão: Eu amo você, E não me importa o que vão dizer, Eu quero só você, eu quero só você, eu quero só você. E não me importa o que vão dizer, Eu quero só você, eu quero só você, eu quero só... Pode ter certeza sem você eu não sou nada Você sempre será a minha eterna namorada, E ninguém faz ideia, do quanto eu te quero, O quanto amo você. Eu sou o retrato de um homem apaixonado Pode ter certeza estarei sempre do seu lado, Você é a minha vida, do início ao fim, É tudo pra mim. O nosso amor Todos querem por um fim, Querem nos afastar Tirar você de mim. Refrão E todo meu amor te dei Pra você eu me entreguei, Só com você, o meu mundo é azul. E ninguém vai nos separar Tenha certeza eu sempre vou te amar, Só com você, meu o mundo é azul. Refrão O tem início com a manifestação do enunciador remetendo-se ao outro o que todos querem/é separar nós dois, que se instala no discurso como uma forma de defesa. A palavra todos, aqui, exclui o falante e o objeto amado, evidentemente e, automaticamente, os torna inimigos do casal. A imagem de inimigo insurgida com o desejo dos outros em separar o casal serve para criar, no ouvinte, uma imagem do falante como aliado e provocar o desejo de aproximação. A construção de um outro inimigo da união do casal ratifica-se com o verso seguinte, você é o que querem, que incita no outro, na mulher no caso, a produção de um sentimento de autoconfiança, pois ela se vê como desejada pelo enunciador e pelos outros todos que ele disse. O passo seguinte, então, é se por ainda mais próximo do objeto amado, insurgindo as lembranças dos momentos em que estiveram juntos, antes de os outros se intrometerem na relação, o que se dá com eu vou continuar te amando, em que a utilização dos tempos verbais é uma das formas de dar ao discurso uma expressividade e intensidade maiores. Aqui se põe uma ideia de futuro promissor, de união eternizada pelo verbo uso do tempo contínuo “amando”. Ademais, a retomada do substantivo “amor” anteriormente mencionado, agora, utilizado como verbo é uma forma de reforçar e intensificar o sentimento. Com eu não to nem aí/para o que os outros vão dizer dá continuidade à sua tentativa de construir a sua imagem de companheiro, de apaixonado, ratificando a noção primeira de inimizade dos outros todos e fortalecendo a ideia de companheirismo. Ao falante, segundo seu discurso, importa nada os demais, mas importa muito o seu objeto amado. Insta-se, então, uma noção de superioridade de ambos, ensejada pelo amor que sentem. Essa tentativa se ratifica na sequência O que a gente sente/Ninguém tem nada a ver, que marca uma união de ambos com o sentimento que têm um pelo outro, explicitada em “a gente” e uma aversão aos opositores, que nada têm com a relação estabelecida. Paradoxalmente, ao fazer isso, o falante se põe vulnerável, tornando-se vitimizado. A oposição à opinião alheia é uma forma, por certo, de se tentar criar uma imagem boa de si. A consciência da imagem dos outros sobre si, explicitada em Todos ficam falando/Que eu não sirvo pra você,/Dizem que eu não presto/Só me meto em confusão reforça a ideia de vítima e consolida uma necessidade de ajuda. Ajuda aqui que será obtida com a presença, com o “não dar ouvidos” aos outros. Ao outros, o falante relega a sentimentos ruins, pois esses outros, segundo ele, quer separá-los, querem nos separar/e acabar com nosso amor/tirar você de mim, é o que diz. É importante que percebamos que a construção do significado está pautada por um sentimento absolutamente abstrato, o amor, que ele, propositalmente, incute em ambos, ele próprio e seu interlocutor. A utilização dessa forma de manipulação, aproximando-se do objeto, é uma maneira de se instaurar o seu próprio poder sobre o outro que, inconscientemente, tende a aceitar essa imposição em razão da articulação dos significados que o falante escolhe. A escolha dá, entendemos, propositalmente, na busca de um efeito sobre o outro, na busca de um exercício de poder que é parcialmente partilhado, pois “como produtores estamos diante de escolhas sobre como usar uma palavra e como expressar um significado por meio de palavras, e como intérpretes sempre nos confrontamos com decisões sobre como interpretar as escolhas que os produtores fizeram (que valores atribuir a elas)” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 230). Os versos que seguem, percorrem o mesmo caminho, O nosso amor/Todos querem por um fim,/Querem nos afastar/Tirar você de mim, e acrescentam um novo elemento ao amor mútuo ensejado anteriormente em “o que a gente sente”. O recurso, aqui, é conhecido. As escolhas das palavras são oriundas de seu campo semântico “afastar, por fim, tirar” e retoma a tentativa de insurgir no ouvinte o oposto disso, a idéia de junção, de continuidade de acréscimo, pois ambos sentem, mutuamente, o amor cantado. Começamos a compreender, a partir disso, que a escolha de palavras e o uso das várias possibilidades do léxico disponível na língua é uma forma de construir a si e ao outro. Poderia, sem dúvida, o falante utilizar o pronome seu nesse discurso e atribuir o amor apenas ao interlocutor, mas preferiu incluir-se no sentimento de amar para aproximar tanto o eu, falante, quanto o tu, ouvinte. O efeito de sentido, por certo, é consolidado e cria-se, com o discurso, um invólucro que a ambos protege: o amor que sentem, mutuamente. Devemos nos lembrar, neste momento, que o aparelho discursivo é um instrumento de uso social, que se dá socioculturalmente e que a construção de significados, que vai se consumar com a construção de identidades sociais, é um processo complexo. Manipula-se a si e ao outro continuamente com a simples produção de enunciados, pois a manipulação é um fenômeno social [...] é um fenômeno cognitivo, porque a manipulação sempre implica a manipulação das mentes dos participantes, e é um fenômeno discursivosemiótico, porque a manipulação é exercida através da escrita, da fala e das mensagens visuais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 236) Entendemos, então, que o falante aqui posto está se constituindo em suas próprias palavras e que a sua intencionalidade, seja ela consciente ou não, não pode ser abolida de uma análise. Os versos seguintes, Eu amo você/E não me importa o que vão dizer/Eu quero só você, além de retomar a idéia de que não há importância na opinião dos outros, reforça o fato de amar e oferece a exclusividade, que, como se sabe, é um item socioculturalmente valioso na esfera das relações pessoais. À mulher, aqui, é dada a exclusividade, o que se torna uma forma de valorizá-la. Ao dizer que quer ela apenas, o falante busca a aproximação, como que com uma promessa de fidelidade. O passo seguinte é dado com a supervalorização do outro, da namorada, e a desvalorização de si. Na verdade, o verso Pode ter certeza sem você eu não sou nada tem um efeito de sentido bastante interessante porque, ao se colocar como “nada sem ela”, o sujeito oferece ao interlocutor, à amada, uma força de sustentação, como se a permanência dela ao seu lado fosse condição sine qua non para que ele se mantivesse vivo. Imediatamente após, ele faz uma promessa, Você sempre será a minha eterna namorada, para reforçar o que, entendemos, é um pedido para que ela não vá. A escolha da palavra namorada parece-nos especialmente proposital, pois o cotidiano dos namorados é visto como romântico, e revestido de paixão e alegria. Na verdade, se escolhesse mulher, palavra que sucede a namorada nas relações mais duradouras, o efeito não seria o mesmo, pois o romantismo teria sido abolido. Se, inicialmente, o falante se valia da insignificância da opinião dos outros, agora ele os considera ignorantes do valor ou tamanho de seus sentimentos para com a amada, E ninguém faz ideia, do quanto eu te quero/O quanto amo você, com o que ele torna o espaço do outro um espaço vil. Se não dava importância, tem aqui seus motivos para tanto. Seu sentimento é exacerbado e ninguém sabe o quanto esse sentimento é grande. Com isso desautoriza qualquer comentário que os ouros possam fazer a respeito de si. É uma forma de manipular sutilmente o entendimento do ouvinte, de dizer a ele, ouvinte, que o amor deve se sobressair e suportar quaisquer possíveis “fofocas” a respeito dele, do falante. A sequência é, então, fazer promessas e supervalorizar a pessoa a quem ele se dirige, Pode ter certeza estarei sempre do seu lado/Você é a minha vida, do início ao fim/É tudo pra mim. Nesse espaço discursivo, o outro deve sentir-se valorizado e querido para que possa aquiescer à manipulação e a sobrevalorização é algo essencial para produzir esse efeito. O sujeito falante, o autor, incita o outro a se aproximar dele por meio da palavra, pois “... o Outro no espaço discursivo não é em nada redutível a uma figura do interlocutor. Certamente, poder-se-ia considerar que, para cada um dos discursos, seu Outro é um tu virtual, mas esse seria uma representação mais elegante do que elucidativa. Se queremos mesmo pensar em termos de pessoa lingüística, talvez seja mais justo ver no Outro um eu do qual o enunciador discursivo deveria constantemente separar-se”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 37) A separação que a pessoa linguística faz é, porém, uma forma de buscar no outro uma aprovação e fazer, ao contrário da separação linguística, uma aproximação tanto discursivamente falando, quanto fisicamente falando. O desejo de aproximação, então, busca, na junção que outrora existia, ou que fora já experimentada pelo interlocutor. Isso se dá no uso da memória do outro que é chamada para criar a necessidade de continuidade. O sujeito, então relembra a sua subserviência, a sua doação ao ente querido: E todo meu amor te dei/Pra você eu me entreguei.O efeito de sentido desse recurso de buscar, na memória do outro, o tempo passado de uma suposta felicidade é uma manipulação mais explícita. É, também, uma volta a necessidade de se vitimizar para enaltecer o ego do ouvinte, da amada. O enunciador continua nesse mesmo caminho: Só com você, o meu mundo é azul. Ora, ao dizer que apenas com amada seu mundo é azul, cria nela uma sensação de valorização, como já fizera antes, e faz com que, por intermédio de seu discurso, o efeito manipulatório se efetive com certa dose de romantismo que, sabe-se, é um dos motes para se conseguir um ente querido. A felicidade que ele diz sentir repercute no outro como uma felicidade mútua, seja pela valorização que o outro sente de si, seja pela evocação do amor que, supõe-se, esse outro também sinta. O passo seguinte, quase que naturalmente é enfatizar a união de ambos como sólida, invencível, inatingível: E ninguém vai nos separar. O toque final é a promessa de amor eterno, que sustenta a relação e o pedido de não dar ouvidos aos outros, de se entregar á relação cegamente, pois, para o enunciador, o amor que sente é eterno, Tenha certeza eu sempre vou te amar, diz. A promessa de certeza funciona aqui como uma visão de um futuro promissor, de alegrias e de junção. União de dois seres em um, estereótipo do amor. Porém, é importante que não nos esqueçamos de que “...por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem.” (FOUCAULT, 1999, p. 12) Já podemos, entender por intermédio dessa primeira análise que o percurso percorrido pelo enunciador é relativamente simples: primeiro instaura nos outros um desejo de separação do casal. A seguir, vitimiza-se e enaltece a mulher amada, tornando-a vulnerável, depois conscientiza a amada de que os outros tentam manipulá-la ao dizer coisas sobre ele que não são reais. Prossegue com a sua estratégia e diz que os outros fazem o que fazem porque a querem. Em seguida promete e anuncia uma vida de alegrias, baseada na sua própria visão da alegria “com você meu mundo é azul” e oferece uma imagem a ser vista, uma imagem de mais momentos felizes e de amor eterno. A estratégia que estamos aqui verificando é, por certo, um produto sociocultural, uma forma que a sociedade esc0olheu para representar seu comportamento, por um lado, e sua ideologia, por outro. Ambos, ideologia e comportamento, são produtos sociais que assim se tornam porque são reiterados incessantemente. Nesse sentido, pode-se supor que há, muito regularmente nas sociedades, uma espécie de desnivelamento entre os discursos que “se dizem” no correr dos dias e das trocas, e que passam com o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam ou falam deles.” (FOUCAULT, 1996, p.22) É sabido que a estratégia discursiva que apresentamos é, efetivamente, uma forma comum no discurso masculino que se vale dele para tornar a mulher vulnerávle e propícia à manipulação. Prosseguiremos, então, com nossa análise no segundo lugar das paradas da semana, com o cantor Belo, cantando Invencível, cuja composição é de Flavio Venutes, Prateado e Humberto Martins, que abaixo transcrevemos: Invencível Viajei por tanto tempo pra te ver Por tantas dimensões, pra encontrar você Desenhei em minha mente a relação O amor, eu e você veio na contramão Nem tudo é como se espera Nessa vida tão sincera E não ameniza a dor de um pobre sonhador Que só pensa em viver Mesmo que em outra esfera Mesmo que em outra era Quero ser um às no amor, um nobre vencedor Orgulho pra você Nosso amor invencível, mesmo sendo impossível Mas quem sabe em Marrakesh A vida nos esquece, pra eu te contemplar Um lugar que só haja virtude Nenhum ser humano rude Onde um grande sonhador possa encontrar no amor Motivo pra cantar (Refrão) Nosso amor é tão incrível, mesmo sendo impossível Faz sonhar Quem yeah, yeah, yeah, yeah, yeah, yeah, yeah Impossível faz sonhar, Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah, yeah, yeah Impossível faz... Nem tudo é como se espera Nessa vida tão sincera E não ameniza a dor de um pobre sonhador Que só pensa em viver Mesmo que em outra esfera Mesmo que em outra era Quero ser um às no amor, um nobre vencedor Orgulho pra você (Refrão) Já no título tem-se uma sobrevalorização, a ideia de invencível, associada ao amor que vai ser cantado, dá uma força e já instaura a manipulação pelo exagero, pela supervalorização. O verso primeiro torna a pessoa amada objeto de desejo, o que é uma forma de apaziguar e supervalorizar a pessoa a quem o discurso se dirige: Viajei por tanto tempo pra te ver. Aqui o sujeito do discurso começa com a sua determinação em encontrar a mulher amada e se iguala aos membros da cavalaria medieval, cujos ideais a literatura lhes associou como a lealdade, a generosidade e o amor cortês. O sujeito, conscientemente ou não, cria essa associação, como que numa interdiscursividade e se vale dessa estratégia para se tornar forte, másculo, lutador e, também, fiel. A viagem que o sujeito fez para encontrar a mulher amada é descrita como imensa, cheia de obstáculos, pois foi feita por tantas dimensões com o findo propósito de encontrar a mulher amada: só para encontrar você, diz. Se põe, ainda, como um idealizador, um sonhador, o que é uma forma de contrair para si, o homem, o estereótipo da mulher que, socialmente, é tida como mais romântica. E assim o faz: Desenhei em minha mente a relação. Para começar a sua estratégia de conquistar o outro, e se vitimizar, estratégia já vista na canção anterior, o enunciador anuncia o seu amor e, imediatamente, postula a existência de obstáculos a serem vencidos O amor, eu e você veio na contramão. Embora a palavra em si pouco diga, neste contexto, vir na contramão é o prenúncio de problemas, se sofrimento. O nobre cavaleiro se torna, então, pessoa carnal, simples, sofredora que, na busca de felicidade, sofre as agruras do destino Nem tudo é como se espera/Nessa vida tão sincera. E consolida a vitimização que deu início, pondo-se como sofredor: E não ameniza a dor de um pobre sonhador. Retorna, então ao romantismo, para desnudar seus sentimentos perante a amada e, com isso, ganhar a sua confiança. Seu sofrimento em razão dos obstáculos trazidos ao texto pela palavra contramão são tantos que ele se resigna ao amar platonicamente Que só pensa em viver/Mesmo que em outra esfera/Mesmo que em outra era. Veja que a repetição de termos, a reiteração da condicional é uma forma de criar um ritual da palavra para significar, para ratificar determinadas intenções do autor. No nosso caso, a manipulação é atravessada por questões irracionais, por sentimentalismos que não são, na realidade, explicáveis, mas que evocam sentidos múltiplos, sentidos que são emprestados ao texto, num primeiro momento, e a própria constituição do sujeito, num momento posterior, pois “A maior parte do tempo, eles – os rituais da palavra, as sociedades de discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais – se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos, em uma palavra, que são esses os grandes procedimentos de sujeição do discurso" (FOUCAULT,. 1996, p. 44). O sujeito precisa se construir imagem para o outro e o faz anunciando seus anseios e desejos, sua necessidade de reconhecimento. Com Quero ser um às no amor, um nobre vencedor/Orgulho pra você cria sua imagem a partir da visão do outro. Ser orgulho para a amada é o que ele diz, ser, então, imagem construída na mente dela, na inscrição de sua significação e na descontinuidade. De certa forma, ele tenta se construir a partir dela. Essa estratégia é uma forma de valorizar o sujeito ouvinte e fazer com que ele participe do discurso como constituinte. Uma vez estabelecida essa relação, fica fácil de trazer para dentro de seu próprio discurso o outro, como se vê em Nosso amor invencível. O pronome possessivo usado em primeira pessoa do plural tem essa função claramente posta. Não é um amor unilateral, mas mútuo, “mesmo sendo impossível. A adoração à amada, aos moldes dos cavaleiros medievais que admiravam suas musas e travavam lutas para as conquistar é, novamente evocada com a transformação da vida comum em algo difícil, cheio de pessoas outras que não são merecedoras de amores como o que ele canta. É necessário, então, buscar um paraíso que em que possam existir pessoas boas e companheiras como a que ele tenta construir em seu discurso. Sobra, então, deixar a terra e buscar em outro país o conforto da compreensão: Mas quem sabe em Marrakesh/A vida nos esquece, pra eu te contemplar/Um lugar que só haja virtude/Nenhum ser humano rude. Embora a palavra a cidade de Marrakesh possa parecer ocasional, na verdade remonta-nos à historicidade do local, pois foi conhecida, por séculos, como a cidade dos “sete santos”, quando o surfismo – uma corrente mística e contemplativa do islã, cujos praticantes buscavam uma relação direta com Deus por intermédio de danças, cânticos e musicas – estava no seu apogeu, fundou-se o festival dos sete santos. Confirma-se a estratégia com os versos seguinte: Onde um grande sonhador possa encontrar no amor/Motivo pra cantar. A partir de seus enunciados, o enunciador aqui se postula como um sonhador, se remete ao plano mais elevado do ser humano, seus sentimentos afetivos, amorosos, para construir uma realidade discursiva que invadirá o ouvinte e o trará para perto de si. Subjacente à escolha lexical está a tentativa de criar uma realidade pela linguagem. Fairclough já nos esclareceu a respeito dessa estratégia ao dizer que: o discurso tem uma relação ativa com a realidade, que a linguagem significa a realidade no sentido da construção passiva com ela, em vez de o discurso ter uma realidade, com a linguagem meramente se referindo aos objetos, os quais são tidos como dados na realidade.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 66) No refrão da canção, Nosso amor é tão incrível, mesmo sendo impossível/ Faz sonhar /Impossível faz sonhar, a despeito da restrição que a rima proporciona, vemos impossível e incrível serem utilizados e, a seguir, faz sonhar. A impossibilidade do amor que é cantado tem um efeito interessante, pois, ao impossibilitá-lo no plano da realidade, faz com que, no plano dos sonhos, seja possível e, se antes havia encontrado um lugar onde só há virtudes, associa esse local ao lugar em que poderão trazer à realidade o sonho do amor possível. E, assim, serão felizes, num mundo azul: Só com você, meu o mundo é azul. Os recursos utilizados não nos parecem diferentes do que vimos no texto anterior. É preciso se associar ao outro, emocioná-lo, preservar a noção de intimidade e de separação dos outros para que esses outros não interfiram na relação e se crie uma verdade de amor eterno e feliz. Vejamos, então se isso se confirma na próxima canção, Meteoro, cantada por Luan Santana, igualmente transcrita: Meteoro Te dei o sol, te dei o mar Pra ganhar seu coração Você é raio de saudade Meteoro da paixão Explosão de sentimentos Que eu não pude acreditar Ah! Como é bom poder te amar Depois que eu te conheci fui mais feliz Você é exatamente o que eu sempre quis Ela se encaixa perfeitamente em mim O nosso quebra-cabeça teve fim Se for sonho não me acorde Eu preciso flutuar Pois só quem sonha Consegue alcançar Te dei o sol, te dei o mar Pra ganhar seu coração Você é raio de saudade Meteoro da paixão Explosão de sentimentos Que eu não pude acreditar Ah! Como é bom poder te amar Depois que eu te conheci fui mais feliz Você é exatamente o que eu sempre quis Ela se encaixa perfeitamente em mim O nosso quebra-cabeça teve fim Se for sonho não me acorde Eu preciso flutuar Pois só quem sonha Consegue alcançar Te dei o sol, te dei o mar Pra ganhar seu coração Você é raio de saudade Meteoro da paixão Explosão de sentimentos Que eu não pude acreditar Ah! Como é bom poder te amar Tão veloz quanto a luz Pelo universo eu viajei Vem me guia me conduz Que pra sempre te amarei ... Te dei o sol, te dei o mar Pra ganhar seu coração Você é raio de saudade Meteoro da paixão Explosão de sentimentos Que eu não pude acreditar Ah! Como é bom poder te amar Te dei o sol, te dei o mar Pra ganhar seu coração Você é raio de saudade Meteoro da paixão Explosão de sentimentos Que eu não pude acreditar Ah! Como é bom poder te amar Ah! Como é bom poder te amar Façamos, nessa canção, uma análise mais superficial,haja visto que as estratégias discursivas repetem-se, como podemos perceber já nos primeiros versos, Te dei o sol, te dei o mar/Pra ganhar seu coração/Você é raio de saudade/Meteoro da paixão/Explosão de sentimentos/Que eu não pude acreditar/Ah! Como é bom poder te amar, em que o eu, homem, se faz provedor, e declara a benesse de poder amar o outro. Nessa forma de manipulação da palavra para manipular o sujeito ouvinte, temos a constatação da regularidade de recursos utilizados pelos homens para tentar sobrepor-se à mulher e nela incutir um valor social superior ao do homem, numa análise menos acurada, mas inferior, se observarmos mais profundamente. Isso se dá porque o status de provedor, daquele que busca sol e mar para oferecer ao outro, a mulher, é socioculturalmente entendido como superior, já que cria, também, uma relação de dependência da mulher em relação ao homem. Percebemos, aqui, uma forma de manipulação que “é uma prática comunicativa e interacional na qual um manipulador exerce controle sobre outras pessoas, normalmente contra a vontade e interesses delas” (van DIJK, 2008, p. 234). Porém, também percebemos que a estratégia manipulatória se vale de uma concepção ideológica já consagrada na sociedade: homem e mulher se completam, ele, provendo, ela subsidiando a relação com sua subserviência, lealdade e fidelidade. Não podemos dizer que essa manipulação seja consciente, porque o sujeito falante, homem, está inserido no contexto social e a imagem que constrói de si é uma imagem de incompletude sem a mulher. Essa perspectiva vem ratificada nos versos seguintes: Depois que eu te conheci fui mais feliz/Você é exatamente o que eu sempre quis/Ela se encaixa perfeitamente em mim/O nosso quebra-cabeça teve fim. Veja que, a incompletude do eu se dá na ausência do outro e, na presença, as lacunas são preenchidas. Devemos lembrar, aqui, que o processo de análise crítica do discurso passa pelo aspecto do uso da palavra mas não se centra apenas nela. Nela, na palavra, temos o início de uma construção e reconstrução de identidade, seja para ratificar e reforçar o já posto na sociedade, seja para reforçar o ego do falante, seja para reestabelecer no outro a importância a conjunção de ambos. Ou seja, esse discurso é um discurso que se postula como uma ideologia do grupo. Devemos entender que a ideologia de que tratamos aqui é algo subjetivo, mas fortemente difundido em nosso meio, pois apesar da variedade de posturas em relação ao conceito de ideologia, pressupõe-se, em geral, que o termo refere-se à “consciência” de um grupo ou classe, explicitamente elaborada ou não em um sistema ideológico, que subjaz às práticas socioeconômicas, políticas e culturais dos membros do grupo, de forma tal que seus interesses (do grupo ou da classe) materializam-se (em princípio da melhor maneira possível). (van DIJK, 2008, p. 47). É interessante percebermos que o uso discursivo se dá para a manifestação de quereres e saberes e, portanto, de poderes que estão difundidos em nosso meio e que subsidiam a construção de uma sociedade homogênea. Também temos, em nosso discurso, maneiras de estabelecermos uma realidade entendida por nós como natural, a vida, e que as fugas são necessárias para que subsistamos em momentos de dificuldade. Não queremos, porém, fugir da realidade para não fugir da vida e, nesse aspecto, o discurso nos indica a necessidade de manter-se feliz, manter-se junto ao outro para conseguirmos alcançar a felicidade, pregada na sociedade como a grande razão da existência. O locutor, então, grita a alegria de ter-se no outro e o medo de que esse ter-se no outro seja unilateral: Se for sonho não me acorde/Eu preciso flutuar/Pois só quem sonha/Consegue alcançar. Também precisamos compreender que o processo de construção de identidade é um recurso do discurso que os sujeitos sociais se valem para estabelecerem-se como seres sociais e que, nessa tentativa de estabelecimento de identidade, há, também a manifestação da sociedade em que eles se encontram. Vimos, desde a primeira canção a noção de que o homem se identifica com uma proposta de provedor, de superioridade em relação à mulher especialmente porque se põe a serviço dela, mas não se esquece de sua própria necessidade de reafirmar-se superior. Os versos Tão veloz quanto a luz/Pelo universo eu viajei dizem claramente isso, porque colocam o homem como valente. Novamente a estratégia é por nós conhecida, como vimos nas canções anteriores. Novamente, a seguir, ele tenta retificar essa posição dando à mulher um poder, como vemos no verso Vem me guia me conduz, que induz a mulher a pensar que está no comando. Esse comando, porém, é estabelecido com uma relação de subserviência. Veja que, o verso seguinte Que pra sempre te amarei, restaura a identidade do homem que ama, mas também estabelece uma espécie de condição: esteja do meu lado (ou seja, fiel a mim) e terás como prêmio o meu amor. No frigir dos ovos, o que encontramos nessas três canções, as mais tocadas do período, é uma manifestação de um homem que, pelo discurso que produz, transita entre a perspectiva de ser um provedor, de ser superior e de se deixar conduzir por aquele que ele quer, na verdade, mandar. O homem que encontramos nessas canções manipula a mulher com promessas e articulações discursivas que a leva a ter em mente apenas as boas lembranças das coisas, o que entendemos ser uma forma abusiva de usar o discurso para manter o poder que o homem sempre teve em nossa sociedade. Nesse sentido, devemos nos lembrar que existem várias noções cruciais na Análise Critica do discurso (ACD) que requerem atenção especial porque implicam abuso discursivo de poder. A manipulação é uma dessas noções. Essa noção desenvolve-se através da fala e da escrita. Em segundo lugar, os que são manipulados são seres humanos e isso tipicamente ocorre através da manipulação da mente.” (van DIJK, 2008, p. 233) Ora, se estamos estabelecendo a relação das palavras postas em discurso com a manipulação dos seres que são os ouvintes dessas palavras, precisamos noa afiliar à noção de que os ouvinte, aqui lidos como consumidores da ideologia pregada, são manipulados e corroboram para a manutenção do status quo social, especialmente porque sabemos que . os ‘consumidores’, os destinatários universais da publicidade e de suas extensões colonizadoras na educação e outras esferas, são versões do ‘eu’ autodirecionado, caracterizado pela capacidade e pela vontade para ‘escolher’.” (FAIRCLOUGH, 2001, p 269) Os consumidores, ouvintes, no nosso caso, são aqueles que colocam as canções nas paradas de sucesso e o fazem porque se afiliam ao que as canções dizem ás ideologias que ela propaga. Nesse sentido, chegamos a uma conclusão clara: o homem natalense, nessa sociedade, é um homem manipulador por excelência, pois faz uso de um discurso romântico e retoma aspectos históricos, como os desbravadores medievais, os cavaleiros que se tornavam heróis para suas amadas, para fazer a manutenção de seu próprio poder, de sua própria identidade de superioridade. Antes de pormos um ponto final nesse artigo, e reticências no assunto aqui abordado, devemos nos lembrar da importância da música ao longo da história, pois ela esteve presente e influente nas sociedades no decorrer dos tempos. O próprio Darwin declarou que a fala humana não antecedeu a música, mas dela derivou, o que nos habilita a dizer que a canção, embora tenha um cunho de entretenimento, também subsidia a manutenção da ideologia e, como estamos falando de cultura popular, a musica popular, independentemente do nível lingüístico que use, faz uma manutenção das crenças sociais, largamente difundidas. Aqui, por fim, dizemos que entendemos um pouco melhor a manipulação discursiva que o homem faz quando se põe sujeito das canções. Entendemos também que, a despeito de opiniões em contrário, a identidade masculina, em relação á feminina, é, nas canções, pregada como superior. E, se “a manipulação [...] é uma forma discursiva de reprodução do poder da elite que é contra os melhores interesses dos grupos dominados e que (re)produz a desigualdade social (FAIRCLOUGH, 2001, p. 240), as canções escolhidas pelos natalenses no período refletem a sua própria noção do que são: homens superiores, que forçam as mulheres a serem subservientes sem que elas sejam subjugadas, mas manipuladas. REFERÊNCIAS DIJK, van. Discurso e poder. Estruturas do discurso e estruturas do poder, capítulo II. São Paulo: contexto, 2008. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Traduzido por Izabel Magalhães, coordenadora de tradução, revisão técnica e prefácio. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, 2008 (reimpressão). FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. ________. A ordem do discurso. 3. ed. Trad. L. F. de A. Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.